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Revista

do Professor de Educação Infantil

Prêmio valoriza
experiências inovadoras
Entrevista Em debate
Sonia Kramer O cuidar e o educar

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expediente sumário

Presidente da República MEC constrói Política de Educação


Luis Inácio Lula da Silva
Infantil com os municípios
Ministro da Educação As crianças pobres, em sua maioria, não freqüen-

5 18 32
Tarso Genro tam a escola: o Brasil tem 22 milhões de crianças de
0 a 6 anos, das quais 13,3 milhões deixam de ser
Secretário Executivo
Fernando Haddad atendidas pelos sistemas de ensino (IBGE/2001). Na
faixa de 0 a 3 anos, 11 milhões dos 12,3 milhões de
Secretário de Educação Básica crianças existentes não freqüentam escola ou cre-
Francisco das Chagas Fernandes
che. Na faixa de 4 a 6 anos, de 9,7 milhões cerca de
3,3 milhões estão fora da escola.
Diretora de Políticas da Educação Infantil e Ensino Fun- O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
damental
Jeanete Beauchamp Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(Fundef), instituído em 1998 garantiu financiamento
Coordenadora Geral de Educação Infantil
Karina Rizek Lopes exclusivamente para o ensino fundamental. A edu-
cação infantil, nos últimos anos, ficou à margem dos
Consultora Editorial direitos e sua ampliação foi tímida. 4 carta ao professor
Vitória Líbia Barreto de Faria
Se o Brasil não traçar uma política de atendimento
Jornalista Responsável para as crianças de 0 a 6 anos, teremos sérias conse- 5 entrevista
Adriana Maricato - MTB 024546/SP Aprendendo com a criança a mudar a realidade
qüências posteriormente com sua educação. É nesse
Editor período de vida que elas adquirem comportamentos,
Alex Criado hábitos e constroem as matrizes de aprendizagem. 9 caleidoscópio - cuidar e educar
Não freqüentar a pré-escola é um fator quase deter- Integração de creches e pré-escolas e habilitação de profes-
Reportagem
Adriana Maricato de Souza, Angélica Miranda, Heloísa minante no fracasso do aluno no ensino fundamental sores: qualidade na Educação Infantil
D’Arcanchy, Luzinete Marques e Sônia Jacinto e seu posterior abandono da escola. Criança e educação: uma trajetória cultural e institucional
Direção de Arte A Secretaria de Educação Básica do Ministério da Pare! Respeite-me, também sou cidadão!
Marcos Rebouças Educação (SEB/MEC) realizou, entre julho e setem-
Projeto Gráfico bro de 2004, oito seminários regionais para traçar 18 prêmio mostra experiências desenvolvidas na
Letícia Neves Soares uma política nacional de Educação Infantil. Por meio Educação Infantil em todo o país
Criação dos seminários, a SEB estabeleceu uma nova forma,
Tatiana Rodrigues participativa e democrática, de relacionamento com 24 professor faz literatura
Diagramação as secretarias estaduais e municipais de educação,
Tatiana Rodrigues e Eduardo Meneses e com representantes da sociedade civil: deles parti- 25 artigos
ciparam cerca de mil municípios, além de entidades Conhecimento do Mundo Natural e Social: Desafios para a
Arte finalista
Márcio Duarte que atuam na Educação Infantil. Educação Infantil
O Ministério da Educação vai implantar o Fundo A casa do mendigo Tesoura
Fotografias
Carlos Moura, Helcio Toth, Otávio Magalhães
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Edu- 34 reportagem
Revisão Seminário internacional discute alfabetização e letramento
cação (Fundeb) para contemplar o financiamento de
Yana Palankof, Rejane de Meneses e Célia Maria Ladeira
Mota educação infantil, ensino fundamental e ensino mé-
dio. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que 38 resenha
Foto Capa:
Helcio Toth cria o Fundeb, quando aprovada e regulamentada,
vai garantir financiamento para essa que é uma eta- 40 notícias e agenda
Endereço para correspondência:
Ministério da Educação - Coordenação Geral de Educação pa indispensável na formação das crianças.
Infantil – DPE/SEB Os documentos preliminares discutidos nos semi- 41 diálogo
Esplanada dos Ministérios, Bloco L - Edifício Sede, 6o andar
nários regionais estão disponíveis no sítio do MEC:
Sala 637
70047-900 Brasília – DF. Tel: (61) 21048645 www.mec.gov.br/sef/semreg.shtm 43 arte
E-mail: coedi-sef@mec.gov.br
Tiragem desta edição: 200 mil exemplares. / Abril de 2005.

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carta ao professor entrevista SONIA KRAMER

Aprendendo com a criança a mudar a realidade


Angélica Miranda

Nas mãos da criança, uma cadeira virada ao contrário pode se transformar


num navio, numa casa, num trem... Precisamos aprender essa capacidade
de virar o mundo pelo avesso

Prezado (a) professor/professora, que é convencional, habitual. É jeito. E assim, abre mão, também,
assim que, nos pequenos gestos do seu papel de autoridade.
O ano de 2005 se inicia com marcos importantes para a Educação, espe- do d ia-a-dia, o professor pode Ouvir a voz da criança sem
cialmente para a Educação Infantil. Este será o Ano da Qualidade na Educa- interferir para mudar a realidade abrir mão do seu papel de adulto
ção Básica e o Ano Ibero-Americano da Leitura. – explica. A criança precisa ser é um dos desafios que o profes-
As seções desta edição explicitam esses marcos: Entrevista desenvol- entendida pelo que é, faz e traz, sor encontra. Isso, na opinião de
ve aspectos fundamentais sobre o processo de alfabetização e letramento e não pela falta. Kramer, significa dar condições
na infância, por meio da entrevista com a professora Sonia Kramer; já a Re- Mas Sonia Kramer adverte que concretas para que a criança
portagem sobre o Serminário Internacional de Alfabetização e Letramento ouvir a criança não é deixar que viva a plenitude de seus direitos:
na Infância registra os debates realizados em Brasília em dezembro de 2004. ela tenha o controle da situação. – Quando a gente fala da crian-
A Qualidade da Educação Infantil é uma preocupação constante da Se- Otávio Magalhães
A criança é vista geralmente como ça como sujeito que produz cul-
cretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, e a Revista Criança “alguém pequeno que não sabe tura, não se pode esquecer que
procura estimular o aprimoramento da prática das professoras e dos profes- O choque diante da violência, uma porção de coisas”. E a gen- ela pertence a uma classe social
sores dessa etapa de ensino. A matéria de capa traz referências que podem do preconceito, da exclusão, da te se esquece que “o adulto vive e a uma história dentro de um de-
ajudar a qualificar ainda mais a prática cotidiana com as crianças. Vocês po- expropriação, das guerras e do hoje num mundo de insegurança, terminado grupo. Precisamos ver
derão conhecer mais de perto os projetos vencedores da 5ª edição do Prê- desrespeito é, na maioria das ve- onde ele também não sabe mui- a criança como sujeito e oferecer
mio Qualidade na Educação Infantil e saber como as professoras vencedo- zes, acompanhado por um sen- tas coisas”. ‘É preciso reconhecer possibilidades para que ela pro-
ras puderam partilhar suas experiências durante a realização do II Seminário timento de imobilidade e frustra- isso sem abrir mão da autoridade, duza, seja respeitada na escola,
Prêmio Qualidade na Educação Infantil. ção perante a impossibilidade de sem perder de vista a concepção na creche e na vida social. E para
A seção Caleidoscópio apresenta três artigos sobre os aspectos cuidar e mudar o mundo. Mas para a pro- de limite: isso é fundamental que ela tenha
educar, indissociáveis na educação de crianças de 0 a 6 anos. Eles são funda- fessora e doutora em Educação. – Antigamente, o adulto era condições de moradia, saúde e
mentais no cotidiano de uma instituição de Educação Infantil para garantir a Sonia Kramer, da PUC do Rio de visto como aquele que sempre emprego para sua família. Adqui-
qualidade do atendimento educacional. Janeiro, o professor pode trans- teve mais experiência e que, por rir voz tem esse duplo sentido.
As seções Professor faz literatura e Diálogo com as cartas recebidas de- formar o cotidiano, abrindo, as- isso, tinha melhores condições Esse é um dos assuntos que a
pendem da sua participação, leitor e leitora da nossa revista, para existir. En- sim, o caminho para novas con- de rmações, professora
vie seus textos literários e suas cartas para que possamos continuar conver- quistas em busca de um mundo criança e Como um professor que não Sonia Kra-
sando sobre os diversos aspectos relacionados à Educação Infantil. melhor. Segundo ela, é obser- adulto vivem se torna leitor pode ser capaz mer abordou
Desejamos que a leitura deste número contribua para o seu trabalho, para vando a criança brincando que a as mesmas de fazer com que a criança na palestra
as reflexões sobre sua prática, para as trocas com colegas e também para o gente aprende a ter esperança: experiências. de abertura
deleite de todos vocês. A Revista continua aberta à sua participação na publi- – Nas mãos da criança, uma Isso acaba
produza a sua palavra, tenha do Seminá-
cação de artigos, relatos, sugestões, produções literárias, entre outros. cadeira virada ao contrário pode interferindo gosto pela leitura e vontade rio Interna-
se transformar num navio, numa de uma ma- de escrever?” cional de Al-
Boa leitura! casa, num trem... Precisamos neira muito fabetização
aprender essa capacidade de vi- forte na atitude do adulto. Muitas e Letramento na Infância, nos dias
rar o mundo pelo avesso e de dar vezes, para que essa criança pos- 6, 7 e 8, em Brasília. No encontro,
outro sentido às coisas para fazer sa ser o sujeito, o adulto acredita a professora falou sobre sua con-
diferente do que é esperado, do que precisa abrir mão de ser su- cepção de letramento: – A alfabe-

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entrevista SONIA KRAMER entrevista SONIA KRAMER

tização, longe de ser um aprendi- co e à cultura nas suas várias mo- que ela faz no seu cotidiano, que É dessa forma que o trabalho da verdadeiro arsenal; armas em
zado mecânico, é uma produção dalidades e formas, entre elas, à músicas escuta, quais são os va- narrativa ganha importância, por- forma de brinquedos. Mas de
cultural. E quanto mais os profes- leitura e à escrita. E têm direito de lores éticos e religiosos dessa fa- que tem uma dimensão coletiva. outro lado, existe a opção de
sores trabalharem essa produção ser crianças. mília. “É assim que a gente pode Para Sonia Kramer, a maneira se oferecer uma quantidade in- A gente tem de se
cultural inter-relacionada com as Baseada no pensamento do fi- superar determinadas visões pre- com que a sociedade lida com a teressantíssima de objetos que reapropriar da nossa
outras dimensões da cultura, mais lósofo Walter Benjamin, a profes- conceituosas sobre a criança e criança mostra a maneira como fazem parte da comunidade da
fortemente estarão contribuindo sora explica que, diferentemente atuar numa direção que combata ela se vê, se percebe. “O reco- criança. Brinquedos produzidos
própria história e
para abrir caminho rumo ao fim do que costumamos pensar, toda o preconceito”, conclui. nhecimento da infância e de seus artesanalmente e mesmo aqueles entender que criança
da exclusão social. Na concep- história é importante, inclusive – O professor, como mediador, direitos é na realidade o reconhe- industrializados. eu fui para, a partir
ção de Kramer, um dos grandes aquela que não está nos livros: precisa se perguntar que crian- cimento de um projeto democrá- Sônia Kramer acredita que é
daí, saber que tipo de
desafios da escola brasileira é – O que nos ajuda a trabalhar ça ele foi; que visão de infância tico.” E esse projeto, segundo preciso entender o motivo pelo
permitir o acesso a essa produ- nesse contexto é a gente saber existe dentro dele. A gente cos- ela, “tem uma perspectiva de um qual a violência aparece nas brin- criança eu gostaria de
ção cultural para que a professora que está na escola vivendo uma tuma falar muito que criança tem futuro diferente do presente”. E cadeiras e que elas não podem formar.
e o professor assumam o papel história cotidia- de brincar, que vai além: “Se a alfabetização e ser proibidas porque “a violência
de mediador entre as crianças e na. As crianças E quanto mais os criança tem de o letramento são direitos de to- precisa sair”. Mais uma vez, lem-
o conhecimento: – Num contexto têm uma histó- professores trabalharem ser respeitada... dos, precisamos admitir que hoje bra a necessidade de mudar o
como o brasileiro, no qual temos ria, o professor essa produção cultural a gente foi res- nós temos um contingente muito mundo a partir de pequenos ges-
uma desigualdade tão acentuada tem outra, e na- peitada quando grande de pessoas que não tem tos: – A criança manifesta toda
e, portanto, uma situação de ex- quele momento
inter-relacionada com criança? Que acesso a eles”. a violência e a tragédia que ela
clusão de parcelas significativas em que a gente as outras dimensões da infância eu tive? Quanto menor esse acesso, vive no cotidiano porque a gen-
da população, a possibilidade de está trabalhando cultura, mais fortemente De certa manei- mais a sociedade se expõe aos te está vivendo num contexto de
acesso à leitura/escrita se dá prin- com as crian-
estarão contribuindo ra, a gente tem perigos de viver numa situação barbárie. Cabe a nós olhar para o
cipalmente pela escola. A escola ças as histórias de se reapro- de barbárie. Kramer chama a nosso cotidiano e pensar que não
surge como o lugar privilegiado se encontram e para abrir caminho priar da nossa atenção para o trabalho do filó- podemos mudar o mundo, mas
para assegurar esse direito, que é podemos cons- rumo ao fim da exclusão própria histó- sofo Theodor Adorno – um dos podemos mudar o nosso mundo.
de todos. Nesse processo, Sonia truir uma nova social. ria e entender grandes críticos da sociedade A gente pode interferir pensando
Kramer lembra o legado de Paulo história. Sem que criança eu contemporânea –, que defende nos valores que estamos cons-
Freire quando entende que ”a lei- esquecer que naquele grupo de fui para, a partir daí, saber que uma educação contra a barbá- truindo e nas condições de com-
tura do mundo precede a leitura crianças cada uma é diferen- tipo de criança eu gostaria rie, “para que Auschwitz não se preensão do mundo que estamos
da palavra”, ou seja, “existe um te da outra, e as diferenças de- de formar. repita”. Segundo a professora, é oferecendo.
mundo a ser conhecido, e des- vem ser respeitadas. São crian- O trabalho que vai imprimir o preciso analisar como o cotidiano A professora reconhece que a
coberto, com todas as suas con- ças que vêm de origens étnicas, interesse das crianças pela leitu- da escola se relaciona com o co- partir do século XX a Educação
tradições, dificuldades, conflitos e culturais e geográficas diversas. ra começa muito cedo. E o papel tidiano do mundo como um todo. tem contado com uma produção
riquezas”. Mas a leitura da palavra Nesse cotidiano, contar histó- dos professores e das professo- “Que valores estamos trabalhan- teórica importante – desde aquela
escrita é fundamental “para que rias é fundamental: as nossas e ras é um exemplo vivo para essa do com as nossas crianças? Que visão da alfabetização como um
possamos imprimir a nossa mar- aquelas que estão acumuladas criança. “Como um professor que condições estamos oferecen- simples treinamento, até a con-
ca de sujeito da cultura e da his- na literatura. não se torna leitor e não tem uma do?”, pergunta. Para ela, a noção cepção de Paulo Freire, de como
tória, e assim contarmos a nossa Para compreender a criança sensibilidade estética com rela- de ética tem de ser a mais clara inserir-se no mundo da cultura e

Otávio Magalhães
história”. Sem a leitura do texto, a como um ser concreto, é funda- ção à produção artística pode ser possível e deve nortear a relação da história, o chamado letramen-
leitura do mundo se torna incom- mental que conheçamos as crian- capaz de fazer com que a crian- entre professor e criança. to. Ela cita ainda os trabalhos de
pleta, um vazio, pois seria um an- ças com as quais trabalhamos. ça produza a sua palavra, tenha Sonia Kramer lembra que as Emília Ferreiro, Vygotsky e Celes-
tes sem um depois... A leitura e Kramer convida as professoras acesso a uma escrita rica, tenha crianças já vivem situações de tin Freinet. Entre os pesquisado- A criança precisa ter oportunida-
a escrita de textos precisam ser e os professores a entenderem gosto pela leitura e vontade de es- violência muito sérias no seu co- res brasileiros, destaca Magda de de se expressar com o corpo,
praticadas, concretizadas, exer- como as crianças brincam, do crever?”, pergunta Kramer. É um tidiano. Por isso, é preciso mui- Soares, da UFMG. E reconhece interagir com a natureza e não só
cidas. As crianças têm direito de que falam, qual é a visão de infân- trabalho de reinvenção, porque to cuidado na hora de lidar com também que alguns municípios ficar presa em uma cadeira diante
acesso ao conhecimento científi- cia da família com relação a ela, o as respostas não estão prontas. os brinquedos: – Existe hoje um estão conseguindo apropriar-se de um quadro-negro.

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entrevista SONIA KRAMER

desse conhecimento teórico ofe- para ensinar melhor, mas tam- ção como escrita mecânica, car-
recendo condições para que os bém para que se possa viver me- tilhada, é um grande retrocesso:
professores possam fazer seu tra- lhor como cidadão, como indiví- – Não é possível abrir mão das
balho. Mas, segundo ela, a produ- duo e como profissional. E essa conquistas obtidas no que diz
ção teórica não basta: – Ela preci- formação precisa ser reconhe- respeito à valorização da cultura
sa vir junto com os alicerces das cida num plano de carreira, ga- e da arte e de entender a alfabe-
bases materiais na escola, que se rantindo, junto com a formação, tização como produção humana Cuidar e Educar
concretizam com salários, con- melhoria salarial e de condições por excelência. Voltar a entender
dições de trabalho e acesso aos de trabalho. a alfabetização como o tanto que A função de cuidar/educar como indissociável
bens culturais, entre eles acesso a Sonia Kramer não concebe a eu ensino de letra, de som, como na Educação Infantil já tem sido objeto de
livros em bibliotecas. Eu só posso alfabetização como um processo é que eu junto uma coisa com a discussão em outros periódicos e mesmo
fazer um trabalho de pesquisa se desvinculado do conceito de le- outra, é perder de vista essa di-
o livro estiver lá, ao meu alcance. tramento. Uma criança que, des- mensão contextual; é abrir mão
em números anteriores da Revista Criança.
Mas só isso também não bas- de pequena, tem a possibilidade de toda essa produção cultural, li- Contudo, em face de muitas dificuldades ainda
ta. Segundo Kramer, é preciso de ouvir histórias, músicas, entrar terária, poética; abrir mão de toda existentes nos municípios para que esta função
“tomar coragem, abrir o livro, tirá- em contato com a cultura popu- uma experiência adquirida ao lon-
seja efetivamente assumida, consideramos que
lo da prateleira, sacudir a poeira e, lar e as riquezas que existem na go dos anos – adverte. Ela consi-
junto com as crianças, descobrir produção cultural brasileira, no dera um retrocesso por entender ainda é necessário alimentar a discussão.
o mundo da leitura”. Uma suges- nosso folclore, vai se desenvol- que o que se perde ao voltar à ên- Como se trata de uma temática que pode
tão simples para fazer com que a ver. “Se ela tem essa oportuni- fase no específico, no ensino frag- ser vista de diversos ângulos, convidamos a
teoria venha a dade de se mentado, é o direito à palavra, e à
desdobrar-se Cabe a nós olhar para o inserir e pro- palavra com sentido, à produção
professora Fátima Camargo para fazer uma

caleidoscópio
nas práticas. nosso cotidiano e pensar duzir nos mais do texto, à leitura literária desde o abordagem mais teórica da questão,
Mas para trans-
que não podemos mudar
diferentes início, direito de crianças, jovens as professoras Adenice do Socorro
formar essa su- âmbitos, por e adultos, inclusive professoras e
o mundo, mas podemos Corrêa de Amorim, Mônica Nascimento
gestão em ação que não tam- professores.
é preciso que mudar o nosso mundo. bém no âm- Sonia Kramer reafirma o concei- de Brito e Sirlene do Socorro Cunha
haja livros e bi- bito da língu to de letramento como um direito Barros para relatarem aspectos da
bliotecas, lembra a professora, e escrita?”. Mas o mais importan- de crianças e adultos. Destaca a prática cotidiana em um Centro de EI
aqui o papel das políticas públicas te é que as crianças pequenas importância da leitura e da escri-
de acesso à leitura e à escrita é não sejam submetidas apenas ta para dizer a própria palavra e
e a professora Jeanete Beauchamp
muito importante. à linguagem escrita: – A criança para compreender o mundo. Se para apontar questões
A questão da formação teóri- precisa ter oportunidade de se negarmos isso a ela, estaremos necessárias em uma
ca da professora e do professor expressar com o corpo, intera- negando também a liberdade
política municipal que
inclui ainda uma outra dimensão. gir com a natureza e não só ficar de voz ao professor, que voltará
Para Sonia Kramer, essa forma- presa em uma cadeira diante de “a ser escravo conduzido pelas efetivamente assume
ção precisa se reverter também um quadro-negro... Se ela tiver a cartilhas, em vez de conhecer e a sua responsabilidade
para o que chamamos de profis- possibilidade de explorar essas se apropriar dos mais diferentes com a educação da
sionalização, no sentido pleno da várias produções culturais, in- métodos de ensino”. Sonia ob-
palavra. Profissionalizar não é só clusive a escrita, o processo de serva que as ondas de modismos
criança de 0 a 6 anos.
qualificar o professor, mas tam- construção da alfabetização fica não acontecem só no Brasil. Mas
bém possibilitar que ele seja inse- favorecido. espera que sejamos capazes de
rido numa condição de desenvol- Por tudo isso, para Sonia Kra- entender que voltar no tempo “é
vimento, em que essa formação mer é um equívoco defender a abrir mão de ser sujeito; abrir mão
continuada reverta, a longo prazo, volta das formas tradicionais de dessa história que a gente é ca-
numa carreira: – Não se forma só ensinar. A visão de alfabetiza- paz de construir”.

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caleidoscópio CUIDAR E EDUCAR caleidoscópio CUIDAR E EDUCAR

Integração de creches e pré-escolas e habilitação


físico da instituição infantil professores, diretores, pessoal
de professores: qualidade na Educação Infantil deve ser acolhedor, de apoio, pais, mães e respon-
aconchegante sáveis pelas crianças, a partir das
Jeanete Beauchamp* e seguro e, ao diretrizes traçadas pelos sistemas
mesmo tem- de ensino.
A Educação Infantil está en- de uma política de financiamento um número significativo de crian- po, promotor
tre as prioridades do MEC, pois para a Educação Infantil que per- ças é atendido em instituições não de aprendizagem Integração da gestão
sabemos da importância desse mitisse uma expansão do aten- regulamentadas, às vezes até não adequada à faixa e dos espaços
período para o desenvolvimen- dimento por instituições públicas credenciadas pelo poder público, etária. O tempo A garantia do sucesso pedagó-
to da pessoa em todas as suas bem como sua qualificação. Nas ficando, assim, fora da responsa- deve ser flexível, gico da Educação Infantil depende
dimensões: cognitiva, afetiva, décadas de 1970 e 1980, houve bilidade do gestor educacional e respeitando os em grande parte de um trabalho
corporal e social, tendo em vista um crescimento do atendimento estas acabam fazendo, em geral, ritmos individuais efetivo de acompanhamento das
sua autonomia. Nesse período, das crianças em creches filantró- um atendimento com pouca qua- das crianças e de secretarias municipais de Educa-
desenvolvem-se as capacidades picas, domiciliares e comunitárias, lidade. A lei também determina cada coletivo/fase, ção. Esse acompanhamento deve
da relação com o outro, a identi- em geral pela ausência de políti- que todos os profissionais que considerando as carac- ser pautado em registro e obser-
dade, as atitudes de tolerância, o ca de Estado. No final dos anos atuam na Educação Infantil sejam terísticas e as necessidades dos vação, pois esses instrumentos
respeito às diversidades. Na vida 1990, a precariedade do atendi- habilitados até o final da Década las (quatro, cinco e seis anos) se diversos momentos de formação promovem a reflexão sobre a prá-
das crianças, esse é um período mento público agravou-se com da Educação, em 2007. prepara a criança para o Ensino das crianças. tica da professora e do professor
profícuo para se ter acesso ao co- a implementação do Fundef, que Concretizar as ações determi- Fundamental. e a construção coletiva do saber
nhecimento. destinou recursos exclusivamente nadas pela LDB – integrar as cre- Formação de pedagógico.
No que diz respeito à legislação para o Ensino Fundamental. Para ches aos sistemas educacionais Educação Infantil professores garante As secretarias de Educação
brasileira, muitas foram as con- superar essa realidade, muitos e habilitar professores – é uma não é período a qualidade do que se responsabilizam pelo aten-
quistas da Educação Infantil, con- municípios têm estabelecido con- forma de qualificar a Educação preparatório para o aprendizado dimento das crianças de zero a
siderando a criança como sujeito vênio com organizações da so- Infantil. O atendimento de zero a Ensino Fundamental A garantia de que esses pro- seis anos devem ter como ponto
de direitos. A Constituição Federal ciedade civil por meio do repasse seis anos deve ser tratado como Entendemos a Educação Infan- cessos se efetivem implica inves- de partida integrar em seu inte-
de 1988 reconheceu a educação de recursos, muitas vezes sem um processo contínuo, rompen- til como um tempo de formação timento na formação de profes- rior as equipes pedagógicas de
de crianças de zero a seis anos, a realização de um trabalho de do com antigas concepções e que esse tempo vivido pelas sores: é preciso profissionalizar o creches e pré-escolas, estabele-
anteriormente tida como assis- acompanhamento e supervisão de que nas creches (zero a três crianças proporciona o seu de- trabalhador da Educação Infantil, cendo uma coordenação única.
tencial, como direito do cidadão pedagógica. anos) deveriam predominar os senvolvimento. As crianças, por- oferecendo formação inicial (como Além disso, devem dar uma espe-
e dever do Estado e incluiu a Mesmo tendo a LDB determi- cuidados com a higiene, a saúde tanto, não estão se preparando é o PRÓ INFANTIL,do MEC). Tam- cial atenção à integração da rede
creche no capítulo da Educação, nado que todas as creches e as e a alimentação, e de para crescer, elas estão crescen- bém é preciso valorizar esses pro- física, constituindo unidades de
ressaltando seu caráter educa- pré-escolas existentes ou a que nas pré-esco- do em todos os seus aspectos. A fissionais inserindo-os no Plano atendimento conjunto de crianças
tivo. O Estatuto da Criança e do serem criadas devessem Educação Infantil não é um perí- de Carreira do Magistério, equi- de zero a seis anos. Assim, onde
Adolescente (ECA/1990), a Lei de ser integradas ao sistema odo preparatório para a escolari- parando seus salários aos dos são atendidas crianças de zero a
Diretrizes e Bases da Educação de ensino até dezembro dade futura. Nessa perspectiva, outros profissionais da educação três, que se amplie para quatro,
(LDB/1996), o Plano Nacional de de 1999, em muitos mu- o trabalho com a faixa etária de com a mesma formação. cinco e seis anos e vice-versa.
Educação (PNE/2001) e o estabe- nicípios isso não aconte- zero a seis anos envolve ações de Para que o atendimento da Essas ações, além de promove-
lecimento das Diretrizes Curricula- ceu. Conseqüentemente, cuidados e de educação de forma Educação Infantil tenha qualida- rem integração, possibilitarem am-
res Nacionais para a Educação prevalece o caráter indissociável; assim, os sistemas de, os sistemas de ensino devem pliação e melhoria do atendimento,
Infantil pelo Conselho Nacional de assistencialista do de ensino devem organizar seus traçar diretrizes que atendam às são determinantes para qualificar
Educação (CNE/1998) reafirmam atendimento. Um projetos pedagógicos articulando questões gerais da rede de ensi- a educação das crianças.
o princípio da Educação Infantil outro problema esses dois processos. no e às particularidades de cada
* Jeanete Beauchamp é diretora do Departa-
como direito. que enfrentamos Para isso, é preciso reorganizar escola. A proposta pedagógica mento de Políticas de Educação Infantil e Ensino
Fundamental – Secretaria de Educação Básica
Mas os avanços na legisla- em relação à Edu- o espaço, os materiais e o tempo deve ser elaborada pela unidade do Ministério da Educação e já foi secretária de
Educação dos municípios de Mauá e Embu das
ção não foram acompanhados cação Infantil é que na Educação Infantil. O espaço escolar com a participação de Artes, no Estado de São Paulo.

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caleidoscópio CUIDAR E EDUCAR caleidoscópio CUIDAR E EDUCAR

solicitada a agir sobre os objetos de ser a única referência. Mani- ça no universo simbólico na
Criança e educação: uma trajetória e os seres presentes a sua volta, pulando-os, a criança descobre medida em que se ampliam
é muito provável que estejamos que cada ação produz uma rea- as possibilidades
cultural e institucional ampliando suas possibilidades de ção, que novamente ativa a ação na construção
aprendizagem. inicial. Nesse momento, o bebê de represen-
Fátima Camargo* O movimento tanto envolve passa a apresentar movimentos tações.
a exploração do próprio corpo mais eficientes e voluntários, dire- Os espa-
É por intermédio do outro que a criança como está presente na relação cionados a tudo o que o meio lhe ços físi-
aprenderá a interpretar o mundo físico, social e que a criança estabelece com os oferece, manifestando ações com cos são
cultural no qual se inscreve objetos. Ela observa atentamente características intencionais. espaços
o movimento de mãos e pernas, A percepção do mundo, ad- culturais,
É por constituirá seus primeiros signifi- cânica das necessidades bási- conquistando, nesse período, a quirida a partir do contato com próprios à
intermé- cados sobre o meio. cas de alimentação, repouso ou preensão, o engatinhar e, muitas os objetos de conhecimento e, promoção
dio do outro Antes de ter a fala como uma higiene. Embora indispensáveis vezes, a marcha. Por meio de sobretudo, com os variados par- de contatos diversificados entre
que a criança apropriação sua, o que ocorrerá em si mesmas, essas situações atos motores, aproximam-se ou ceiros que a criança tiver nestas crianças de diferentes faixas de
aprenderá um pouco mais tarde, é objeto do são também, ou sobretudo, mo- distanciam-se dos objetos, mani- situações, vai sendo ampliada, idade e destas com diferentes
a interpre- discurso de um outro, achando-se mentos privilegiados de contato pulam-nos, exploram-nos e trans- ao mesmo tempo em que se am- adultos, além do contato com
tar o mundo imersa, desde sempre, no univer- social nos quais as crianças são formam-nos. pliam as suas noções de causali- os objetos. São espaços de cria-
físico, social e cultural no qual so da palavra. Por meio da rela- chamadas a compor os enredos A locomoção marca para a dade, tempo e espaço. ção, exploração e ampliação das
se inscreve, o que lega às insti- ção adulto – criança, criam-se en- de práticas que, além de as orga- criança o primeiro grande salto no É também pela imitação que possibilidades do corpo nesse
tuições de ensino devotadas ao redos os mais variados, os quais nizarem em sua rotina individual, seu desenvolvimento. Se antes de a criança aprende. Toda a sua contato com o meio. São tam-
trabalho com crianças de zero a traduzem os significados dos ob- as solicitam em suas possibilida- andar já estava atenta aos ruídos possibilidade de construir conhe- bém espaços de investigação e
seis anos e, especialmente, de jetos, das ações e das relações des potenciais de aprendizagem. e aos objetos do mundo que lhe cimento está referendada nos conhecimento.
zero a três uma grande respon- que se produzem no meio no qual Será, portanto, numa rotina or- eram apresentados, agora é ca- modelos que estiverem a seu dis- É preciso que a professora e/
sabilidade. Os encaminhamentos a criança é também produzida. O ganizada por meio da divisão pa- paz de chegar mais facilmente até por. É agindo como o adulto age, ou professor de crianças tão pe-
propostos deverão, conseqüen- outro, nesse momento, apresenta ciente dos tempos disponíveis que eles, sem que tenha tanta neces- imitando no ato seus gestos, suas quenas proporcione a elas opor-
temente, ter em conta as neces- o mundo da cultura à criança, ga- se poderá assegurar a qualidade sidade da ajuda do outro. É atraí- expressões e seus movimentos, tunidades de tempo, materiais e
sidades específicas dos sujeitos rantindo-lhe os elementos neces- do cuidado e as aprendizagens da pelos objetos e explora as suas como também rolando tal qual interações variadas, buscando
envolvidos, percebendo que seu sários à constituição de saberes. que este possibilita. Essa rotina propriedades. Aperfeiçoa suas o objeto rola, a ponto de experi- sua adequação às atividades ex-
acolhimento constitui parte subs- A comunicação da criança com deve proporcionar, sem pressa, o habilidades motoras e percepti- mentar ações diversificadas, que ploratórias das crianças. É pre-
tantiva das ações a serem enca- o outro faz-se a partir dos gestos, usufruto dos diferentes momen- vas e descobre o mundo por meio a criança construirá a base de um ciso que as observem atentos
minhadas e que nelas se inclui das emoções que a contagiam, tos do dia para estreitar o contato de ações práticas: empurra, mor- repertório sobre modos de ser e para que possam reconhecer as
o desenvolvimento das práticas fazendo com que ela, na busca interativo com a criança, conver- de, agarra, joga e observa o que fazer que lhe permitirá, depois, fa- variações dos tempos individuais,
pedagógicas. de compreender essas manifes- sando, brincando, acolhendo-a acontece ao objeto. Repete várias zer do seu jeito, de forma singular, que marcam a singularidade de
O bebê humano nasce des- tações não verbais, atribua a elas nos braços, tocando seu corpo, vezes o mesmo movimento/ação, deixando de ser a reprodução de cada criança diante das respos-
provido de condições individuais algum significado. É, portanto, embalando-a. tornando seus gestos mais adap- uma ação conhecida para ser a tas que produzem às solicitações
de sobrevivência. Precisa de al- nesse processo de interação com Ao longo do primeiro ano de tados, à medida que vai organi- sua recriação original. do meio.
guém que o cuide, o alimente e o outro, no compartilhamento de vida da criança, a par da relevân- zando sua forma A conquista da linguagem, que Com o crescimento, é possível
o proteja, de alguém que o aco- significados que a criança obtém cia de sua relação afetiva com o de agir so- constitui um enorme avanço no à criança especializar seu conta-
lha, não só para a satisfação de um acervo de conteúdos sobre os outro, ela ocupa-se também do bre o meio desenvolvimento da criança, es- to com o mundo físico e social.
suas necessidades vitais, mas, quais alicerça sua compreensão conhecimento sobre seu corpo, físico para pecializa sua ação sobre o mundo A capacidade simbólica permite-
também, de suas necessidades acerca do meio. no sentido de perceber seu con- conhecê-lo. e, em particular, sobre o outro, en- lhe a duplicação do real por meio
afetivas. Será, portanto, por meio Na instituição de ensino, o cui- torno, suas partes. O movimento O corpo di- quanto amplia as possíveis pautas da palavra, do gesto, da imagem
do toque, do olhar e do gesto, da dado é essencial, embora não fará parte de seu comportamento ferencia-se dos interativas e comunicativas com mental, do desenho e do jogo
fala desse adulto, mãe ou outro, baste a operacionalização de sempre. Uma vez proporcionadas demais objetos ele. Com a aquisição da lingua- simbólico. Esta é capaz então de
que se ocupa da criança que ela ações voltadas à satisfação me- à criança situações em que seja e vai deixando gem coroa-se o ingresso da crian- reapresentar o mundo, de tornar

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presentes, por meio de sua ação/ Contudo, as mudanças no quadro nente do educador, que promove,
pensamento, situações ocorridas geral das suas habilidades, moto- organiza e configura as situações Pare! Respeite-me, também sou cidadão!
em tempos/espaços distancia- ras, perceptivas, afetivas e cogni- de aprendizagem. Nelas, oferece
dos. Essa sua capacidade im- tivas, ocorrem em curtos espaços modelos, informações, elementos Adenice do Socorro Corrêa de Amorim | Mônica Nascimento de Brito | Sirlene do Socorro Cunha Barros*
plica diretamente possibilidades de tempo, o que indica a neces- diversos para que a criança pos-
mais amplas de conhecimento do sidade da observação atenta da sa ir constituindo novas formas Inaugurada em outubro de 1986 pais para que pudessem conhecer dimensões da pessoa, ela faz par-
mundo e, portanto, de elaboração criança pelo educador, para que de agir e pensar. Nelas, solicita-a pela Fundação Papa João XXIII a legislação brasileira referente à te do seu desenvolvimento”. Não
das noções referentes às áreas do este possa adequar os desafios a agir e promove a produção de (Funpapa), a Creche Municipal da infância. Utilizamos como principal existe educação sem afetividade,
conhecimento. propostos. De toda forma, é pos- conhecimentos, os quais, por sua Pratinha, localizada em um bairro instrumento o Estatuto da Criança logo é imprescindível que na Edu-
A criança conta agora com sível e necessário explorar as pos- vez, lhe capacitam a ampliá-los. periférico de Belém, apresenta uma e do Adolescente (ECA), a fim de cação Infantil o educar esteja entre-
maiores possibilidades e habili- sibilidades que esta criança tem A adequação do planejamento comunidade preponderantemente que pudéssemos realizar ações laçado ao cuidar. Dessa maneira,
dades físicas, o que lhe permite o de entrar em contato com o meio das ações educativas que o edu- de desempregados, pescadores e com o objetivo de prevenir e ameni- partimos do pressuposto de que
exercício de movimentos e ações físico, social e cultural, o que, se cador apresentará à criança deve pequenos ambulantes, número sig- zar os danos causados por atos de o cuidar e o educar se apresentam
mais complexas. Valendo-se da observado rigorosamente, qualifi- estar sempre de acordo com as nificativo de famílias chefiadas uni- violência. de forma indissociável no processo
linguagem, nomeia o mundo e ca e desdobra em aprendizagens possibilidades por ela manifes- camente pela mulher, que em geral Consideramos que, ao trabalhar de construção do conhecimento e
comunica ao outro sua percep- as ações de cuidado. tadas. A cada momento, neces- são adolescentes, e um quadro o Estatuto, poderíamos contribuir que nosso trabalho tem como ob-
ção acerca do meio que a envol- A vivência institucional oferece sidades específicas dos sujeitos também significativo de violência e para a compreensão das mães, jetivo o pleno desenvolvimento do
ve e que observa. Movida que é à criança um novo e diversificado envolvidos e particularidades no uso de drogas. dos responsáveis e da comunidade educando. Assim, a infância é vista
pela ação e pela curiosidade, seu quadro social. São adultos e crian- atendimento a essas necessi- Em fevereiro de 1997, as cre- de que as crianças têm garantida como um momento de construção
tempo de concentração numa ças diferentes daqueles com os dades devem ser observadas. ches dão início a um processo de na lei a sua cidadania; que além de de conhecimentos e potencialida-
mesma atividade é ainda bastante quais ela interage na família. Existe A progressão das atividades, os mudança de concepção, enquanto desfrutarem dos direitos comuns des emocionais, sociais, intelectu-
pequeno.Conhece o mundo por agora um grupo de iguais, outras tempos a elas destinados serão iniciam a construção de uma nova aos adultos, têm garantidos outros, ais, físicas, éticas e afetivas, entre
meio da ação que desenvolve so- crianças da mesma idade, que lhe por elas determinados. Há mo- prática educativa. No ano seguinte, decorrentes do fato de serem pes- outros. Nas instituições de Educa-
bre ele, embora suas explicações dão referência, embora seja o vín- mentos de maior limitação física e juntamente com todas as creches soas em pleno desenvolvimento, ção Infantil, é importante oferecer
acerca dele partam ainda de uma culo com a professora ou o pro- de demandas afetivas que exigem do município, passa da assistência portanto sem condições ainda de condições para que isso ocorra,
perspectiva individual e mágica. O fessor o que ainda mais importa à contato estreito e atenção vigen- social (Funpapa) para a Secretaria conhecer e defender todos os seus tendo em vista que nessa faixa etá-
entendimento que a criança pe- criança pequena. O fato relevan- te, permanentemente; há outros de Educação (Semec), receben- direitos e satisfazer todas as suas ria as aprendizagens acontecem
quena tem sobre a realidade sofre te, de toda forma, é estar próximo nos quais as crianças reúnem do a denominação de Unidade de necessidades. Desse modo, acre- de forma integrada no processo de
ainda da carência de generaliza- de outros, maiores e menores do recursos pessoais, sociais e cog- Educação Infantil (UEI). A partir daí, ditamos poder vislumbrar uma mu- desenvolvimento, como fica claro
ções. É difícil para ela sair da ex- que ela, para que possa construir nitivos que lhes permitem maior começa a trabalhar com a propos- dança de postura diante da infância no RCNEI:
periência particular e ampliá-la em uma relação de pertinência ao seu independência. ta da Rede Municipal de Educa- por parte de pais e comunidade. “Educar significa, portanto, pro-
outras situações. grupo de iguais, identificando nele A qualidade do trabalho que ção O Projeto Político Pedagógico Tendo em vista que a garantia piciar situações de cuidado. brinca-
Não lhe é possível ainda esta- parceiros indispensáveis à tarefa pode vir a ser encaminhado nesse da Escola Cabana, que apresenta dos direitos da criança está dire- deiras e aprendizagens orientadas
belecer uma relação parte – todo, de apreender o mundo. segmento de ensino estará sujeita como princípios: a democratização tamente relacionada à garantia do de forma integrada e que possam
do mesmo A aprendizagem da criança de à qualificação do educador que a do acesso e da permanência com cuidado e da educação, nós da UEI contribuir para o desenvolvimento
modo que zero a seis anos, no espaço insti- ele se dedique, o que inclui a sua sucesso, a gestão democrática, a Pratinha desenvolvemos o projeto das capacidades infantis de rela-
lhe é im- tucional, faz-se por meio da ação leitura atenta sobre o seu espa- valorização do servidor e a qualida- intitulado “Pare! Respeite-me, tam- ção interpessoal, de ser e estar
possível e da observação sobre o meio, da ço de atuação profissional, bem de social da educação. bém sou cidadão!”, que visa ressig- com os outros em uma atitude bá-
estabe- construção de práticas e de sua como o seu investimento no estu- Em nossa Unidade de Educação nificar o cuidar e o educar dentro de sica de aceitação, respeito e con-
lecer e en- capacidade simbólica e, tudo do e na busca de fundamentação Infantil, percebemos um número uma proposta mais ampla, tendo fiança, e o acesso, pelas crianças,
tender leis isso, por meio das interações so- teórica sobre a infância, o cuida- considerável de crianças que dia- como eixo fundamental a afetivida- ao conhecimento mais amplo da
e princípios ciais que vivencia. Nesse âmbito do, o ensino e a aprendizagem. riamente são vítimas de violência, de e levando em consideração as realidade social e cultural”, (RCNEI,
que inclui- de aprendizagem, constrói conhe- seja esta física, moral, psicológica relações família–criança–UEI, num vol.1,p.23).
*Fátima Camargo atua há quinze anos na forma-
riam sua ex- cimento social, afetivo, motor e ção contínua de educadores das redes públicas ou social. Dentro desse contexto, contexto socioeconômico e moral. Na Unidade de Educação Infan-
e particulares de ensino. Mestre em Didática pela
periência cognitivo. Não o faz sozinha, mas, FE-USP, é sócia fundadora e docente do Espaço consideramos importante desen- Segundo Wallon (1999),“a afe- til Pratinha, que atende as crian-
Pedagógico (SP), instituição dedicada à formação
particular. antes, por meio da ação conti- de educadores. volver um trabalho extensivo aos tividade, não é apenas uma das ças em período integral, podemos

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vivenciar o cuidar e o educar de (Conselho Tutelar e Funcap). mães e aos responsáveis a discus- (pois gostam de ouvir os sons que Qualidade de vida, o é possível verificarmos uma signifi-
modo mais efetivo. Assim, quando Trabalhamos o ECA a fim de são/reflexão acerca de assuntos saem delas), pegavam o telefone e corpo e o ambiente cativa mudança desse comporta-
ajudamos uma criança a tomar ba- sensibilizar os pais quanto às referentes ao cuidado/educação ficavam falando alô! Nessas ações, limpo e saudável mento, pois observa-se que estão
nho, a alimentar-se, a vestir-se, etc. situações de risco socioeconô- das crianças e à garantia desses compartilhavam as sensações Foram desenvolvidas ações que mais carinhosas e com maior auto-
estabelecendo com ela uma boa mico e psíquico em que muitas direitos. umas com as outras. ressignificaram os cuidados com a nomia de idéias e decisão.
relação afetiva, estamos desenvol- crianças de nossa comunidade Paralelamente ao trabalho reali- saúde/higiene e com a alimentação. A partir das palestras sobre o
vendo aí um ato educativo que irá se encontram; zado com as mães, foram desen- Construção do “eu” Realizamos conversas informais ECA e a afetividade, percebemos
promover o seu pleno desenvolvi- • palestra sobre alimentação, na volvidas muitas atividades com as na sociedade com as crianças e depois palestras maior interesse entre algumas mães
mento como pessoa. qual as mães discutiram com a crianças, dentre as quais podemos Foi feita uma pesquisa envol- com as mães e os responsáveis e responsáveis em participar da vida
O projeto “Pare! Respeite-me, nutricionista do centro de saúde citar: vendo a família para que as crian- sobre saúde, saneamento básico, dos filhos no espaço da Unidade.
também sou cidadão!” surgiu do a importância de uma alimenta- ças resgatassem sua história e a moradia e meio ambiente, pois a Isso foi observado principalmente
processo em que se constitui o pla- ção alternativa e saudável para Brincando e origem de seu nome. Com isso, instituição não é a única responsá- na crescente freqüência às reuniões
nejamento pedagógico da UEI, que o desenvolvimento físico e psí- construindo nos procurou-se uma aproximação da vel por esses cuidados, mas parcei- e nas avaliações nelas ocorridas.
ocorre a partir de observações de quico das crianças; cantinhos origem sociocultural de cada uma ra solidária e crítica nas ações inte- Percebemos que mães e respon-
professores e funcionários e diálo- • passeio com as mães e seus No decorrer do ano letivo, delas. Por meio das fichas de cha- gradas com a comunidade. sáveis estão compreendendo cada
gos entre mães de alunos ou res- respectivos filhos ao museu as crianças vão descobrindo os mada, foram trabalhados os dife- A partir da observação na comu- vez mais o trabalho da UEI relacio-
ponsáveis, em reuniões pedagógi- Emílio Goeldi, proporcionando diferentes materiais que existem rentes nomes, cantigas de roda en- nidade, ressaltamos a própria situ- nado ao processo educativo, partin-
cas. Trabalhamos o planejamento momentos de afetividade, lazer na sala: caixas, papéis, revistas e volvendo os nomes das crianças, ação do bairro. Foram levantadas do assim para a superação de uma
via tema gerador e com a constru- e conhecimento às crianças e brinquedos. A partir dessa desco- relatos de experiências da criança questões sobre lixo, valas aber- visão unicamente assistencialista.
ção de rede temática que surgem às suas mães; berta, começamos a confeccionar e do seu dia-a-dia. por meio do tas, casas sobre igapós, poluição As principais dificuldades encon-
da pesquisa participante, em que • palestra sobre a afetividade, brinquedos com garrafas, rolo de filme Procurando Nemo, trabalha- da maré e outros. Após esse mo- tradas estão relacionadas aos as-
procuramos refletir as falas signifi- promovida por educadoras da papel, caixas de fósforo e, assim, mos as relações familiares, os tipos mento, foram construídos cartazes, pectos materiais, como transporte
cativas da comunidade e construir Unidade no passeio ao Museu construímos os cantinhos da leitu- de estrutura familiar, a autonomia, faixas e outros materiais para reali- para o desenvolvimento das ativi-
coletivamente ações que venham Emílio Goeldi (relação família ra, da afetividade e das sensações. a auto-estima, entre outros pontos. zarmos uma passeata na comuni- dades extraclasse e falta de alguns
a contemplar e ressignificar a re- – criança – UEI) A cada dia fomos construindo Com a musicalidade, trabalhamos dade a fim de sensibilizá-la sobre a materiais pedagógicos.
alidade das crianças, tendo como • oficina sobre higiene bucal um a um, sempre com materiais o corpo humano, a afetividade, a importância de um ambiente limpo O projeto em andamento está
princípio o respeito à diversidade para as crianças, em parceria recicláveis. linguagem oral e a escrita, e com a e uma vida saudável. em constante avaliação. Logo, as
cultural da comunidade. com a Unidade de Saúde da No cantinho da leitura, as crian- dinâmica do espelho, incentivamos Dialogamos com as crianças, na transformações no desenvolvimento
Como resultado do planejamen- Pratinha; ças observavam figuras onde mos- a criança a conhecer seu próprio hora da higiene corporal, sobre a são contínuas, como, por exemplo,
to pedagógico, fez-se necessário • palestra sobre como comba- travam e falavam: eu, percebendo-se no grupo. importância da limpeza de seu cor- a palestra sobre o ECA. Sentimos a
envolver mais o universo familiar de ter doenças infantis como diar- - Oia o casorro (olha o cachorro). po e a organização de seu material necessidade de abordar novamente
nossas crianças, desenvolvendo réia, gripe, escabiose, vermino- - Oia o vofô (olha o vovô ). Contos de fadas, um de higiene pessoal, dentre outros. o tema, agora envolvendo não ape-
propostas que incluíram a família se, pediculose e outras para as - Tia, o baco (tia, o barco). momento de prazer e Na hora das refeições, incentiva- nas pais, mas também professores,
mais efetivamente nesse processo crianças e mães ou responsá- No cantinho da afetividade, me- afetividade mos as crianças a comer alimentos funcionários e crianças.
de construção do conhecimento veis; ninos e meninas brincavam com Contar histórias, proporcionan- variados, percebendo as diferenças BIBLIOGRAFIA
GALVÃO, Izabel. Wallon e a criança, esta pessoa
político-pedagógico, social, psí- • oficina de confecção de livros ursinhos, carros e bonecas, fa- do momentos de relaxamento na entre estes, confeccionando salada abrangente. Revista Criança do professor de Educa-
ção Infantil. Brasília, n. 33, p. 3-7, dez. 1999.
quico e moral da criança. Nessa de pano; zendo carinho, imitando o barulho, hora de dormir. As crianças, além de frutas e salada de legumes junto BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Edu-
conjuntura, surgiram as seguintes • construção do livro do berçá- etc. Ao som de músicas infantis, as de ouvirem os contos de fadas, com as crianças e explorando os cação Fundamental. Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
ações em conjunto: rio II e maternal I (Minha história, crianças faziam gestos, pulavam, as lendas amazônicas e a literatu- tipos de utensílios usados no mo- BELÉM. Secretaria Municipal de Educação. Escola
Cabana: Educação Infantil - Política para garantir o
• reuniões com as mães ou os Meu bairro, Meus direitos em corriam, gritavam e dançavam, pe- ra infanto-juvenil (Monteiro Loba- mento da alimentação. tempo da infância. Belém: 2001.
*Adenice do Socorro Corrêa de Amorim é professora
responsáveis, a fim de socializar questão) gando nas mãos uns dos outros e to), também contam suas próprias de Educação Infantil, licenciada em Pedagogia pela
o processo de construção de • oficina de reaproveitamento abraçando-se. histórias, que são registradas pela Avanços e Universidade do Estado do Pará (Uepa) e pós-gradu-
anda em Psicopedagogia na Universidade Estadual
conhecimentos nos quais estão de alimentos para a comunida- No cantinho das sensações, as professora. O trabalho envolveu dificuldades Vale do Acaraú (UVA).
Mônica Nascimento de Brito é coordenadora da
inseridos; de intra e extra-escolar. crianças manuseavam caixas de ainda teatro de fantoches e filmes No início do projeto, algumas Unidade de Educação Infantil Pratinha e licenciada em
Pedagogia pela UVA.
• palestra sobre o ECA, em par- Ao desenvolvermos essas ações, diferentes cores, sacudindo-as, relacionados ao tema. crianças apresentavam comporta- Sirlene do Socorro Cunha Barros é professora de
ceria com outras instituições nossa intenção foi proporcionar às empilhando-as e derrubando-as mento bastante agressivo. Hoje, já Educação Infantil, licenciada em Pedagogia, cursando
licenciatura plena em Língua Portuguesa na UVA.

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Prêmio mostra experiências Pedaços de madeira que se Leliane Arruda, de Guarapua- crianças se familiarizam mais ra-

desenvolvidas na Educação transformam em brinquedos,


brincadeiras que ajudam a apren-
va (PR), recebeu o primeiro prê-
mio com o projeto Brinquedos e
pidamente com a escola”. (Veja
matéria completa no box.)

Infantil em todo o país der de forma gostosa, profes-


sores que utilizam a criatividade
para fazer da Educação Infantil
brincadeiras de nossos pais. A
partir de conversas e do resgate
de como se brincava antigamen-
Variedade de temas e
metodologias
Luzinete Marques em espaço de aprendizado e te, pais e alunos se juntaram para A diversidade de temas e de
crescimento para as crianças de construir bolas de meia, carrinhos metodologias foi o que mais im-
O Prêmio vem ao encontro das necessidades locais, faltava zero a seis anos. Uma pequena de rolimã, pipas e bonecas de pressionou a diretora do Departa-
material específico para a Educação Infantil mostra do que vem sendo feito pano. O material passou a servir mento de Políticas de Educação
Hélcio Toth pelas escolas públicas municipais de referência para as mais diver- Infantil e do Ensino Fundamental,
de todo o país pôde ser vista du- sas atividades pedagógicas em Jeanete Beauchamp. Folclore, li-
rante o seminário que antecedeu sala de aula, além de ter aproxi- teratura, ecologia, espaço urbano,
a entrega do Prêmio Qualidade mado os pais da escola. “Hoje identidade, linguagem oral e res-
na Educação Infantil, promovi- eles se preocupam mais com a peito à diversidade são alguns dos
do pela Secretaria de Educação parte pedagógica, querem saber temas que perpassam o conjunto
Básica do Ministério da Educa- o que o filho está aprendendo e dos trabalhos. Essa variedade, na
ção, em parceria com a União não só como está se comportan- sua opinião, traduz a concepção
Nacional dos Dirigentes Munici- do”, diz a professora. (Veja maté- de trabalho das professoras sele-
pais de Educação (Undime) e a ria completa no box.) cionadas. “As propostas extrapo-
Fundação Orsa. Já o projeto A primeira roda, lam não apenas os processos tra-
O concurso procura localizar e que ganhou Menção Honrosa no dicionais, como também o espaço
valorizar as boas práticas desen- concurso, surgiu do incômodo da físico da escola. Extrapolam a gra-
volvidas pelos professores que professora Andrea Pereira de Car- de curricular, que, muitas vezes,
trabalham com Educação Infantil valho, de Barueri (SP), com a fal- limita a produção que os alunos já
como forma de multiplicar essas ta de espaço na sala. Os catorze têm em sua vida”, complementa
experiências e estimular outros berços ocupavam todo o espa- Jeanete.
educadores no desenvolvimento ço, dificultando o desenvolvimen- Ao todo, foram 24 projetos
de atividades que garantam uma to das atividades. Com a saída premiados, selecionados entre as
educação de qualidade. “O Prê- dos berços, Andrea foi colocan- 1.296 experiências inscritas. Je-
mio ajuda a mobilizar pela qua- do a criatividade para funcionar: anete, no entanto, acredita que
lidade da educação”, enfatiza o primeiro vieram os colchões com muitas outras experiências estão
secretário de Educação Básica, capas coloridas no chão, depois sendo realizadas por professo-
Francisco das Chagas Fernan- as garrafas dançantes (móbiles ras e professores que “acabam
des. “Para mim, o mais marcan- feitos com garrafas PET) e a roda não encontrando tempo para es-
te e que exprime a essência dos com fotos das próprias crianças crever e refletir sobre o trabalho
projetos vencedores pode ser marcando o principal espaço das e elaborar o saber pedagógico”.
resumido numa frase: extrapo- atividades pedagógicas. “Nesta Além dos dois projetos citados,
Professoras e dirigentes municipais em frente ao primeiro prêmio, uma
perua Kombi com brinquedos e equipamentos, que foi para a secretaria de
lar os muros da escola, envol- fase, tudo tem de ser colorido, também foram premiados: A ga-
educação de Guarapuava, Paraná. vendo a comunidade escolar”, divertido e estimulante”, afirma a meleira, de Rio Branco (AC), que
anima-se o secretário. professora. “O resultado é que as faz referência à história do povo

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acreano; e Graciliano Ramos, de como Leonardo Da Vinci, no coti- um dos momentos mais ricos do
Maceió (AL), que torna conhecida diano das crianças; É dia de espe- encontro, o seminário proporcio-
a história do escritor que dá nome táculo, de Cabedelo (SE), trabalha nou intensa troca de experiências.
à escola. com dramatização e expressão “Aprendi muitas coisas novas e
Outro projeto premiado, Pe- corporal. estou levando uma bagagem mui-
queno cidadão, de Salvador (BA), Arte também se lê, de Cama- to grande não só para o dia-a-dia
resgata o espírito alegre do povo ragibe (PE), baseou-se em Por- da escola, mas também como
baiano e procura oferecer um aten- tinari para trabalhar a linguagem uma experiência que se leva para
dimento integral. “Trabalhamos em das artes plásticas; Jogoteca, o a vida”, revela a coordenadora Ro-
conjunto com outras secretarias, prazer em conhecer, do Rio de sana Melo, de Guarapuava (PR).
como Trabalho, Assistência Social Janeiro (RJ), levou os alunos a fa- “Além da importante troca de
e Saúde e com as próprias famí- zerem seus próprios brinquedos; experiências, o Prêmio tem a fun-
lias”, afirma Dirlene Mendonça, Reciclando com arte, de Rolim ção de revelar o que está acon-
secretária municipal de Educação de Moura (RO), estimulou novos tecendo na Educação Infantil
de Salvador. Revivendo as tradi- hábitos para preservar a nature- em todo o país”, afirmou Sérgio
ções, de Macapá (AP), apresenta za; Chuá, chuá, a chuva vamos Amoroso, presidente da Funda-
as lendas e os mitos do folclore; estudar, de Mossoró (RN), res- ção Orsa, que investe 1% do fa-
Chega de silêncio, a Arte das brin- significou o conhecimento que as turamento bruto das empresas do
cadeiras, de Fortaleza (CE), amplia crianças tinham do assunto. grupo em projetos de educação.
conhecimentos e desenvolvimen- Uma mangueira em apuros, de As professoras premiadas,
Leliane Cachuba, a primeira colocada, expõe seu projeto: brinquedos de
to intelectual sem cair na memo- Campo Bom (RS), mobilizou a es- além de certificado e prêmio em sucata feitos pelos pais de seus alunos para as crianças.
rização burocrática. O Brincarte, cola e a comunidade em torno de dinheiro, ganharam, ainda, um
Hélcio Toth
de Sobradinho (DF), que trabalha uma árvore; Boi-de-mamão, de baú com livros e materiais peda-
com crianças de um assenta- Florianópolis (SC), é baseado no gógicos. Já a Secretaria Munici- segue envolver os alunos”, avalia do MEC, Karina Rizek Lopes, con- pelo Ministério no encontro, como
mento do Movimento Sem Terra folclore catarinense; Brincadeiras pal de Educação de Guarapuava Karina Rizek Lopes, coodenado- corda, lembrando que a ampliação a implantação do PROINFANTIL,
(MST), privilegia a construção da da Vovó, de Japaratuba (SE), reu- (PR), município do projeto que ra-geral de Educação Infantil da da oferta de vagas para o Ensino programa que prevê a formação
cultura brasileira. niu gerações em torno da cons- ganhou o primeiro lugar, recebeu Secretaria de Educação Básica Fundamental só foi possível por para os professores de Educação
Navegando com Britinho, de trução de brinquedos; Nós, filhos uma perua kombi equipada com do MEC, que pretende publicar causa dos recursos destinados Infantil que ainda não concluíram
Vitória (ES), narra as peripécias da terra..., de Marília (SP), realizou materiais pedagógicos, livros, um livro com os projetos vence- pelo governo federal, e a Educa- o Ensino Médio, e a realização
da montagem de um aquário; visitas à APAE pra trabalhar com brinquedos, instrumentos musi- dores. “A gente quer dar visibili- ção Infantil deve seguir o mesmo de uma série de oito seminários
A praça que queremos, de Jus- a questão dos portadores de ne- cais, televisão, vídeo e computa- dade e divulgar as experiências caminho. regionais em todo o país para
sara (GO), resgata a história do cessidades especiais; Brincando dor. O acervo móvel vai atender para todos os municípios, para Durante a premiação, o secre- discutir as políticas públicas des-
bairro; Nas asas do Carcará, de e aprendendo com o vovô, de 3 mil alunos de Educação Infantil que possam servir de referên- tário de Educação Básica, Fran- tinadas ao setor com dirigentes
São Luiz (MA), fala sobre a cultu- Formoso do Araguaia (TO), reuniu de treze creches da região. “Este cia para outros professores pen- cisco Chagas, ressaltou a impor- municipais e estaduais de Educa-
ra maranhense. Passeando tam- idosos e crianças, instituindo o Prêmio vem ao encontro das ne- sarem sobre a própria prática”, tância da destinação de recursos ção.. Para o início de 2005, já está
bém se aprende, de Lucas do Rio “Dia do Vovô”. cessidades locais, faltava material reforça Karina. para a Educação Infantil por parte agendado um Encontro Nacional
Verde (MT), consta de passeios específico para a Educação Infan- “A importância maior do Prêmio do Fundeb e do PPA (Plano Plu- de Educação Infantil, momento
para interagir com o mundo so- Troca de experiências til”, afirma a secretária municipal, é a conscientização da importância rianual 2004/2007), que prevê em que serão discutidas as polí-
cial; Cartões telefônicos: uma Todos os projetos foram apre- Rosana Schwartz. da Educação Infantil, especialmen- o aumento do valor destinado a ticas de financiamento, formação
alternativa da aprendizagem, de sentados durante o seminário te por parte dos gestores públi- esse nível de ensino, com a união inicial e continuada e democrati-
Belém (PA), parte da proposta que reuniu professoras, diretoras Recursos cos”, lembra Leliane Arruda, ven- das ações voltadas para a faixa zação e inclusão, eixos da ação
de utilizar materiais alternativos de escolas e secretárias e secre- “O mais interessante deste en- cedora nacional desta edição, para etária de zero a três anos e de da Secretaria de Educação Básica
como recurso pedagógico; Arte: tários de Educação dos municí- contro é perceber que qualquer quem só boas idéias não bastam. quatro a seis em uma etapa úni- para a ampliação do atendimento
conhecimento que expressa li- pios dos projetos vencedores, um temática pode ser trabalhada em “É preciso ter incentivo e apoio, in- ca, permitindo maior mobilidade de uma Educação Infantil de qua-
berdade para a vida, de Naviraí dia antes da entrega do Prêmio. qualquer realidade. Tudo depende clusive material”, completa. A co- dos recursos. lidade, como recorda o secretário
(MS), insere grandes artistas, Considerado pelos participantes da forma como a professora con- ordenadora de Educação Infantil Outras ações foram destacadas Francisco das Chagas

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matéria de capa matéria de capa

Brinquedos e brincadeiras da época dos pais unem gerações em


torno da escola
“Professora, é ver- projeto, que pode ser desenvolvido em qualquer Com criatividade e muita cor, tudo se transforma
dade que a gente ga- escola, não envolveu custos. “Trabalhamos com em brinquedo e estímulo à aprendizagem: sala,
nhou um prêmio com sucata, com o que os pais tinham em casa”, ex- professora e até a hora do banho
aqueles brinquedos plica Leliane.
que fizemos com pe- O resultado foi surpreendente. Além da intera- Um macacão colorido e um boné de bichinho, são feitas ali. Cada um
daços de pau?” A fra- ção, a atividade motivou as crianças a construírem que pode ser tanto uma onça como um sapo, de- procura a foto do filho
se não foi dita por um seus próprios brinquedos e também para as ativi- pendendo da escolha do dia. Com esse uniforme e senta ao lado.
Hélcio Toth

aluno, mas por um dades desenvolvidas em sala. “As atividades par- um tanto inusitado, a professora Andrea Pereira de A importância de
pai, que andou vários tem de uma realidade vivenciada e se desenvolvem Carvalho mostrou que leva a sério seu objetivo: ser se vestir de forma lú-
quilômetros de bicicleta, do trabalho até o Centro com a participação deles. Quando um conteúdo um brinquedo vivo para as crianças de um a três dica foi outra novidade introduzida por Andrea. “O
Municipal de Educação Infantil (CMEI) Bonsuces- tem significado, envolvendo brincadeiras, o am- anos que atende na Escola Municipal Maternal Le- objetivo é ser para a criança algo representativo,
so, onde o filho estuda, só para checar a notícia: biente, a família, fica mais fácil aprender e fazer as onardo Augusto Marcelo dos Santos, de Barueri um brinquedo vivo”, afirma a professora de 29
o projeto Resgate de brinquedos e brincadeiras de ligações depois”, afirma a professora. (SP). Com o projeto A primeira roda, Andrea re- anos, que tem dois filhos, um de cinco e outro de
nossos pais, da professora Leliane Aparecida Arru- Para os pais, o projeto despertou um interesse cebeu Menção Honrosa do Prêmio Qualidade na sete anos, e há três trabalha com Educação Infan-
da Cachuba, foi o vencedor do Prêmio Qualidade maior pelo processo de ensino e aprendizagem Educação Infantil, do Ministério da Educação. til. Uma simples atividade de troca de fralda ou a
na Educação Infantil, promovido pelo Ministério da dos filhos, além da consciência do quanto é im- O projeto, que teve início em janeiro deste ano, hora do banho torna-se um momento estimulante.
Educação, em parceria com a Fundação Orsa e a portante tirar um tempo do seu dia para se dedicar começou como uma idéia simples de ter uma sala- “O professor está voltado para a atividade, mas a
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Edu- ao filho. E gostaram tanto que não paravam mais brinquedo. Partiu de um incômodo da professora criança está olhando algo divertido, que desperta
cação (Undime). de mandar os brinquedos que continuavam cons- com os catorze berços que ocupavam pratica- a curiosidade”. As crianças gostaram tanto que
Tudo começou quando a professora solicitou truindo. “Três meses depois, a gente ainda estava mente todo o espaço da sala de aula, dificultan- hoje elas também têm uma caixa com bonés, cha-
aos seus alunos, com idade entre três e quatro recebendo brinquedos lá na escola”, conta. do, assim, a realização de atividades pedagógicas péus e toucas para se enfeitar.
anos, filhos de pessoas de baixa renda da cidade Em Brasília, para receber o Prêmio, Leliane com as crianças. A retirada dos móveis, substitu- O principal objetivo do projeto, segundo Andrea
de Guarapuava, interior do Paraná, que pedissem participou, juntamente com as outras vencedoras ídos por colchões forrados com capas coloridas Carvalho, é que a criança possa aceitar melhor o
aos pais para contar como eles brincavam quando estaduais, diretoras de escola e secretárias e se- e bolsos, deu início a uma pequena revolução na novo ambiente e se familiarizar mais rápido com o
eram crianças. Por meio de rodas de conversa, a cretários de Educação, do II Seminário do Prêmio escola. “Construímos um mundo na altura das maternal, além de estimular a autonomia e a auto-
professora fez o levantamento das brincadeiras e, Qualidade na Educação Infantil, ocasião em que crianças”, afirma Andrea. estima das crianças. E o resultado não poderia ter
em seguida, estas foram registradas pelas crianças puderam apresentar seus projetos e conhecer o Os berços foram trocados por estantes e sofás sido melhor. A fase de adaptação, que antes era
por meio da atividade “Desenhando meus brinque- que as outras professoras estão fazendo pelo Bra- feitos pelos pais. O resto foi vindo aos poucos: as de um mês, hoje é de uma semana. “A primeira
dos e brincadeiras preferidas”. sil afora para melhorar a qualidade da Educação garrafas dançantes (embalagens plásticas de refri- roda pega as crianças que estão se iniciando na
Os pais se surpreenderam com a proposta. Pou- Infantil. “Já estou cheia de idéias para pôr em prá- gerantes presas ao teto com elástico); pneus for- escola. Se tiver algum trauma nesta fase, dificulta
co acostumados a brincar com os filhos depois de tica”, diz a animada Leliane Arruda. rados com tecidos, caixas de retalhos com várias todo o processo e pode resultar em evasão”, re-
um longo dia de trabalho como pedreiros, domésti- Formada em Pedagogia e pós-graduada em Ad- texturas, latas pintadas pelas mães, tudo muito força a professora.
cas, carpinteiros, eles se viram revirando a memória ministração Escolar, Leliane, trinta anos, recebeu colorido, servindo de estímulo para o processo de Na apresentação do seu projeto para as pro-
e o quintal em busca de material para construir car- R$ 3 mil e um baú pedagógico, além de livros do- ensino-aprendizagem numa fase em que se apren- fessoras de todo o país, durante o seminário do
rinhos de madeira, bonecas de pano, carrinho de ados pelo MEC. Com um filho de quatro anos, um de mesmo é brincando. Prêmio Qualidade na Educação Infantil, em Bra-
rolimã, bola de meia, pipas e latinhas enfeitadas. dos grandes estímulos para a busca constante de E a cada mês lá vinha mais uma invenção, ou sília, Andrea fez questão de deixar claro que o
Numa segunda etapa, enviavam os brinquedos aprendizagem sobre essa fase da vida, a professo- uma conquista nova, como diz Andrea. A roda de mais importante é buscar melhorar o ambiente
para a escola e as crianças apresentavam o ma- ra diz que vai usar parte do dinheiro para continuar fotos, outra criação da professora, serve como re- de trabalho, personalizando a sala de aula com
terial que haviam ajudado a construir e contavam se aperfeiçoando. “A gente não pode parar”, diz a ferência para a maioria das atividades em sala e o que se tem. “Tudo tem de ser lúdico e estimu-
como tinha sido a experiência. “Meu pai disse que mestra, que além de fazer cursos à noite e nos fins deu o nome ao projeto. É ali que acontecem “A lante para as crianças desta faixa etária, desde
foi gostoso brincar comigo”. “Minha mãe falou que de semana ainda procura encontrar tempo para hora do canto”, das historinhas, da interação com a roupa que vestimos até a decoração da sala”,
brincava de boneca de milho, porque não tinha ler. “Acho fundamental para a nossa formação”, os coleguinhas. E até as reuniões com os pais reforça Andrea.
dinheiro pra comprar”. Extremamente simples, o reforça Leliane.

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professor faz literatura artigos

Conhecimento do Mundo Natural e Social:


Desafios para a Educação Infantil
Maria Inês Mafra Goulart*

levam a criança a construir conhe-


cimentos, bem como sobre o que
elas são capazes de aprender, ou
Esta seção é reservada a você, professora e seja, a relevância dos conteúdos
a serem socializados, tornou-se
uma questão central centrais para
professor. Aqui, você também pode mostrar sua os profissionais que lidam com
esse segmento educativo.
O debate sobre o letramento, a
criatividade. Este espaço está aberto para a pu- alfabetização e a matematização
já vem sendo travado há mais de
uma década. No entanto, a dis-
blicação de suas produções textuais: poemas, cussão sobre as maneiras pelas
quais as crianças menores de
sete anos investigam o mundo
crônicas, contos, rimas, cordéis, entre tantas ou- Hélcio Toth
social e natural ainda se encon-
tra em seus primórdios. Na ver-
Introdução Básica. A partir daí, muitas ações dade, existe uma crença de que
tras. Envie-nos suas criações para compartilhar No Brasil, há décadas os mo- foram realizadas no sentido de se crianças muito pequenas não
vimentos sociais procuram discu- construir um referencial curricular seriam capazes de aprender os
tir o problema da marginalização para esse segmento educativo, conceitos próprios desse tipo de
com os colegas e conheça as deles também. de diversos grupos. Um deles, cujo propósito era o desenvolvi- conhecimento. Sendo assim, elas
excluído pela falta de acesso a mento da prática pedagógica dos estariam excluídas do acesso ao
uma educação de qualidade, é professores. Com isso, coloca- conhecimento social e científico.
o grupo das crianças de zero a mos em questão o que fazer com Estamos, portanto, abrindo
seis anos. as crianças dessa faixa etária, uma nova discussão no campo da
Nos últimos dez anos, observa- bem como suas possibilidades de Educação Infantil, considerando
mos um avanço significativo nas aprendizagem. que as crianças pequenas estão
concepções e nas práticas rela- Embora só recentemente a Edu- imersas em um ambiente social e
Envie para: cionadas à Educação Infantil. Esse cação Infantil tenha se tornado di- natural e, portanto, interessadas
Ministério da Educação avanço foi provocado sobretudo reito das crianças, o atendimento em dar um significado ao mundo
Coordenação Geral de Educação Infantil por movimentos sociais em larga a essa faixa etária em instituições em que vivem. Neste artigo, va-
Revista Criança/ Professor Faz Literatura escala, que envolveram educa- variadas, como as pré-escolas, os mos discutir duas questões que,
Esplanada dos Ministérios – Bloco L dores, mães e outros segmentos jardins de infância, as creches e para um primeiro momento, nos
6º andar – Sala 637 sociais. Todo esse esforço culmi- outros, já existe no Brasil há mais parecem cruciais: de que ma-
Edifício Sede nou na formulação de leis, como de cem anos. Durante todo esse neiras as crianças investigam o
Cep: 70047-900 a LDB (1996), que finalmente in- século, a discussão sobre como mundo natural e social? Como o
Brasília – DF cluíram a Educação Infantil no as crianças aprendem, ou seja, a professor pode acompanhar as
e-mail: coedi-sef@mec.gov.br Sistema Brasileiro de Educação compreensão dos processos que crianças nessa aventura?

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artigos artigos

De que maneiras as em todos os ambientes pelos sozinho. Então ele pegou o barro
crianças investigam quais elas transitam. Observando e fez o homem e a mulher igual
o mundo natural e as relações que acontecem na ao Romeu e Julieta. Depois de
social? própria família, vivendo em so- criar o homem e a mulher Deus
Vivemos em um mundo com- ciedade, utilizando instrumentos falou que eles não podiam comer
plexo, onde existem cada vez que estão à sua disposição no da maçã. Então apareceu uma
mais coisas a serem conhecidas. cotidiano, observando insetos, cobra que era do mal e falou:
Ao nascer, o ser humano já se in- animais de estimação, fenôme- come, come! Pra castigar , Deus
sere nessa complexidade e tem nos como a chuva, os raios, o dia fez ficar igual é hoje: criou escola

Hélcio Toth
pela frente a tarefa de desvendar e a noite, as crianças colocam-se e fez o homem ter que fazer um
seu próprio ambiente. Se com- questões, que muitas vezes são monte de coisas, porque era um
pararmos o mundo de hoje com verbalizadas e outras aparecem castigo.(Goulart, 1999).
aquele vivido no início do século nas brincadeiras ou mesmo na Esse fragmento mostra-nos tre elas criam um movimento no ções impossíveis de serem tradu- os professores procuram captar o
XX, vamos perceber uma enor- manipulação de objetos. Quem um rico diálogo que exprime o grupo, que utiliza diversos meios zidas em palavras. Recentemente que tem de intrigante, o que sub-
me diferença. Naquela época, nunca viu crianças entretidas esforço que as crianças fazem para montar uma explicação ra- chegada ao mundo simbólico, a verte a ordem, auxiliando a turma
não existiam sofisticadas tecno- na hora do banho de banheira, para tentar compreender a vida. zoável. A ampliação da compre- criança pequena necessita de a organizar boas perguntas. No
logias como os computadores, tentando afundar ou fazer boiar Diversas informações se cruzam, ensão do fenômeno, então, vai ajuda para compreender como a campo da exploração do mun-
os telefones celulares, meios de brinquedos que estão à sua dis- vindas de diversas fontes, de- depender da condução de um sociedade vem construindo rela- do social e da natureza, temos
transporte como carros, aviões posição? Quem nunca se surpre- monstrando o quanto as crianças adulto que consiga captar a de- ções entre os homens e entre es- observado trabalhos a partir de
e outras tantas parafernálias que endeu com as perguntas que elas estão atentas ao que os adultos manda colocada pelas crianças e tes e o mundo natural. questões como: “Pra onde vai o
acompanham nosso dia-a-dia. Já fazem? falam, fazem e como se compor- transformá-la em ações concre- Como vimos por meio des- sol quando a noite chega?” “Por
estamos tão acostumados com Mas é na escola que essas tam. Assim, quando as crianças tas de conhecimento. Em se tra- se exemplo, as crianças vêm ao que os homens fazem guerra?”
esse estilo de vida que o consi- questões encontram um campo se engajam na atividade de ler tando da escola, esse adulto que mundo ávidas por compreendê- “Vamos todos morrer?” “Por que
deramos uma forma “natural” de fértil para sua exploração. Cer- um livro de literatura infantil, os faz a mediação é, na maioria das lo. Mas esse exercício só ocor- chove?” A partir daí, o planeja-
viver. Mas não é. É fruto do de- ta vez, um grupo de crianças de conteúdos expressos nessas his- vezes, a professora/professor. rerá no encontro com o outro, mento das atividades é organiza-
senvolvimento social e científico quatro anos, após a leitura de um tórias disparam informações e ex- Nesse episódio, podemos per- detentor da histórica cultural do do junto com as crianças, procu-
da humanidade. livro sobre macacos, estabeleceu periências que elas já possuem, ceber as inúmeras questões que grupo ao qual ela pertence, ob- rando ampliar as diversas fontes
As crianças pequenas têm o o seguinte diálogo: criando possibilidades diversas estão presentes: a compreensão jeto de afeto, que criará laços de de conhecimento com pesquisas
desejo, a curiosidade e a neces- - Primeiro veio o macaco, de- de se problematizar a vida. O re- da origem do homem na face da possibilidade de aprendizagens em livros, vídeos, jornais, revistas
sidade de compreender o mundo pois nasceu a gente. Os macacos conhecimento dessas questões terra; a compreensão do modo múltiplas. etc. e organizar variadas formas
em que vivem. Muitas vezes essa que se transformaram em ho- e a divergência de opiniões en- como a cultura produz e distribui de registros, tais como elabo-
necessidade está ligada à cons- mens, macaco homem e macaca Hélcio Toth o poder; as questões éticas, o que Como o professor ração de livros sobre o assunto,
trução de sua identidade (Quem mulher. é certo, o que é errado; o que sig- pode acompanhar desenhos das crianças, painéis,
sou eu? O que vim fazer neste - É pura mentira, primeiro nas- nifica a punição; qual é a melhor as crianças nessa portfólios.
mundo?) e à compreensão da ceram as mulheres porque é da maneira de viver em sociedade; aventura? Por exemplo, a partir da con-
cultura produzida pela sociedade barriga delas que nascem as pes- as possíveis negociações. Falan- Rompendo com uma visão versa das crianças sobre a origem
(por que as pessoas se portam soas. do dessa forma, até parece que a mais tradicional de ensino, te- do homem na Terra, a professora
de determinadas maneiras?). Ou- - Mas a mulher não pode ter criança tem a capacidade de for- mos observado que as escolas criou um espaço organizado para
tras vezes o desejo de conhecer nascido primeiro que Deus, por- mular reflexões sobre os grandes infantis brasileiras que procuram a fala do grupo, enquanto procu-
está ligado a uma curiosidade fru- que senão Deus ia ficar todo en- mistérios da vida. Na verdade, inovar têm colocado como eixo rou escutar e tentar compreen-
to das observações que as crian- rolado. elas têm. É claro que a formula- a transformação da curiosidade der as concepções das crianças
ças fazem sobre os fenômenos - Então foi Deus quem nasceu ção dessas grandes questões e das perguntas trazidas pelas sobre a origem da humanidade.
da natureza (Por que o trovão é primeiro. não vem organizada em forma crianças em conhecimentos a A partir de uma atitude de escu-
barulhento? Para onde vai o sol -A minha mãe me contou que o de proposições, mas expressa serem explorados. De uma ques- ta, a professora problematizou o
quando chega a noite?). Deus estava muito sozinho, então em atos, em verbalizações ainda tão particular ou de uma narrativa assunto e organizou um plane-
Essa investigação acontece ele criou o mundo, mas continuou pouco organizadas, em observa- trazida por um grupo de crianças, jamento junto com as crianças

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procurando dar um sentido ao informações pouco significativas. impressão de que as crianças, como pelas diversas crenças.
conhecimento. Promoveu, ainda, O encontro com o conhecimen- assim estimuladas, tornam-se Nesse caso, temos um problema
discussões nas famílias e colocou to passa a ter um outro caráter verdadeiros “gênios”. Professoras que se encontra insolúvel até os
à disposição das crianças diversos – o de ampliar as possibilidades e professores vêm-se confiantes, dias de hoje, uma vez que ainda
materiais: livros que falavam sobre de compreensão sobre o mundo julgando ter feito um bom traba- não se descobriu o “elo perdido”.
a evolução das espécies, outros que nos cerca. Interessante no- lho. As famílias também tendem No entanto, a questão da pro-
que colocavam a posição das tar, também, o quanto as crian- a caracterizar como boas esco- blematização torna-se confusa
religiões cristãs, além de lendas ças estão empenhadas na busca las aquelas em que as crianças quando os professores passam a
indígenas e africanas. de respostas a perguntas que, discorrem sobre vários assuntos, problematizar todos os momen-
As crianças, então, trabalharam desde os primórdios, a humani- repetindo informações coletadas tos da vida da criança na esco-
utilizando diversas linguagens. Ou dade se colocou. Ouvir as crian- por meio do projeto. Esse ex- la. Muitas vezes, a exploração de
seja, elas conversaram sobre o ças, portanto, não se limita a cesso de informações acaba in- temáticas referentes ao mundo
assunto, fizeram desenhos ilus- escutar banalidades, mas muitas telectualizando prematuramente da natureza leva os professores
trando as diversas versões para o vezes nos leva a encarar ques- as crianças, que aprendem que a problematizarem noções es-
aparecimento do homem na Terra, tões existenciais profundas. aprender é falar corretamente paciais como “dentro/fora”, “em
fizeram esculturas do “homem de Embora já tenhamos avança- sobre um assunto que alguém já cima/embaixo”, “grande/peque-
Hélcio Toth
barro” e construíram, com a ajuda do bastante na compreensão pesquisou. no” como se estas não fossem
da professora, pequenos textos das maneiras como as crianças Um outro dilema que surge em idéias já construídas na própria racional, emocional e moral, pro- bitam, observando, perguntando,
que resumiam aquilo que haviam abordam o conhecimento e, con- decorrência deste colocado an- ação da criança em seu meio. A vocando momentos inusitados de levantando hipóteses, buscando
aprendido. seqüentemente, tenhamos nos teriormente é uma ênfase exage- problematização dessas noções prazer e descoberta. informações, explorando, experi-
Para sistematizar o trabalho, esforçado por produzir metodo- rada na verbalização. Aprender, falseia as vivências infantis, co- mentando, confrontando idéias,
a turma propôs fazer um teatro logias de ensino que se aproxi- nesse sentido, limita-se a falar so- locando problemas onde, na ver- Para finalizar comunicando e registrando suas
representando as diversas ver- mem dessas formas de conhecer, bre determinado assunto. Em se dade, não existem. Isso pode até Neste artigo, abrimos a pos- descobertas.
sões já levantadas, com suas di- ainda temos muito a aprender tratando da investigação do mun- acarretar um problema mais sé- sibilidade de uma discussão im- Não pretendemos, neste espa-
ferentes explicações para esse sobre a condução dos trabalhos do da natureza, especialmente, a rio, quando as crianças passam a portante para a Educação Infantil. ço, dar respostas corretas sobre
fenômeno que, na verdade, ainda com os pequenos. Um dos dile- aprendizagem não se restringe à não acreditar na possibilidade de A exploração do mundo social e essas questões. Ao contrário, pre-
não pode ser totalmente esclare- mas vividos pelos que procuram apropriação de uma verbalização aprendizagens nesse espaço de natural é tão vital para a criança tendemos abrir o debate convidan-
cido. Com isso, as crianças pu- inovar na Educação Infantil é a específica. Agir sobre os objetos, vivências e a dar crédito somen- pequena quanto sua necessidade do a todos que entrem nesse diá-
deram perceber que não temos dosagem do material colocado à manipulá-los, utilizar instrumentos te às aprendizagens que passam de brincar, de se exercitar, de ser logo e dêem suas contribuições.
uma só resposta para a origem disposição das crianças. Muitas diversos e vivenciar desafios são por um modelo escolarizador. amada. Isso porque esse peque- Dada a complexidade das crian-
do ser humano no planeta e que vezes o trabalho se pauta por um formas mais eficazes de compre- De algumas coisas já temos no ser tem necessidade de dar ças e dos ambientes educativos
esse conhecimento continua excesso de informações que as ensão. clareza: o conhecimento das ci- um sentido à sua vida. E como que elas freqüentam, só nos resta
ainda em debate. crianças absorvem rapidamente. Um último dilema refere-se à ências sociais e naturais na Edu- sua vida se produz e reproduz no prosseguir aprendendo. O campo
Essa forma de trabalhar na Edu- Esse fato causa certo encanta- noção de problematização. Como cação Infantil não pode ser esco- meio sociocultural, compreender é vasto, e o convite está feito.
cação Infantil apresenta-se como mento nas professoras e nos o próprio nome indica, trata-se de larizado. O importante é tocar a esse mundo é vital para que ela
*Maria Inês Mafra Goulart é psicóloga, mestre e
inovadora porque procura superar professores. colocar em destaque problemas curiosidade infantil e brincar com também se compreenda. doutoranda em Educação pela
Faculdade de Educação da Universidade Federal
a fragmentação dos conteúdos e Dito de outra forma, as crian- gerados na prática social, prove- as idéias, apresentar dilemas, É importante ter em mente de Minas Gerais, onde é também
professora nos cursos de Licenciatura e Peda-
a visão de que a escola é um lugar ças têm, nessa idade, uma ca- nientes de uma percepção inicial descobrir truques, subverter a que nessa faixa etária as crian- gogia.
de respostas corretas. Quebra-se, pacidade extraordinária de reter dos acontecimentos. Por exem- ordem. Buscar na cultura a base ças estão vivenciando o mundo Bibliografia
CAMPOS, M. M.; ROSEMBERG, F.; FERREIRA,
definitivamente, a idéia de que as informações pelo próprio mo- plo, no episódio narrado, há um para a compreensão das relações com seu corpo, sua mente, suas I. M. Creches e pré-escolas no Brasil. São Paulo:
crianças vão à escola para ouvir mento de desenvolvimento em problema real, o da origem da hu- entre os homens e não transmi- emoções. Mais importante que Cortez/FCC, 1992.
GOULART, M. I. Uma abordagem processual na
explicações corretas, vindas de que se encontram e acabam en- manidade, que pode ser refletido tir informações vazias de signifi- trabalhar determinadas noções prática da Educação Infantil. Presença Pedagógi-
ca, Belo Horizonte, 29, p. 29-37, set./out. 1999.
pessoas detentoras dos diversos cantando as pessoas à sua volta. colocando-se à disposição das cado. Dar ênfase aos processos acerca da sociedade e do mundo KUHLMANN, M. Educação infantil e currículo.
In: FARIA, A. L. G.; PALHARES, M. S. (Orgs.)
saberes. Rompe-se, ainda, com Nessa fase, a memória está em crianças os debates que já foram intensos de se fazer ciência e não científico é as crianças poderem ir Educação Infantil pós-LDB: rumos e desafios.
Campinas: Autores Associados, 1999.
uma visão de escolarização ba- pleno desenvolvimento e contri- sistematizados e as descobertas relatar uma ciência acabada. O construindo, gradativamente, sua MACHADO, M. L. A. Pré-escola é não é escola:
a busca de um caminho. Rio de Janeiro: Paz e
seada na oferta e na repetição de bui, sobremaneira, para dar uma produzidas pelas ciências, assim importante é tocar na vibração compreensão do universo que ha- Terra, 1991.

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artigos

A casa do mendigo Tesoura


Fernanda Conde Collares Xavier*

A casa do mendigo Tesoura é ria levou-os também a um passeio


um subprojeto do trabalho “Mo- à Fazendinha e à apresentação de
vimentando Fantasia e Realida- uma peça de teatro à comunida-
de”, desenvolvido com um gru- de escolar.
po de crianças de quatro a seis Partiu-se, então, da fantasia (as
anos, na Escola Municipal do casas dos Três Porquinhos) para
Rotary Club do Rio de Janeiro. a realidade social de cada um e à
O trabalho objetivou criar pon- concepção de cidadão com direi-
tes entre o faz-de-conta e outros to à moradia. Com isso, a realida-
projetos, valorizando a iniciativa de da sociedade contemporânea
infantil e o poder de imaginação invade a sala e é revirada pelo
específico da infância. A magia avesso pelas crianças.
dos contos de fadas surge trazen- Após selecionarem nos jornais
do a importância do mito como uma reportagem sobre um men-
metáfora para a vida (Lovisaro, digo chamado “Tesoura”, que
2001). Essa magia é combinada morava em uma caixa de água
como uma consciência firme de no subsolo da praça, as crianças
realidade cotidiana, na qual os recriaram o texto com o que gos-
problemas existem, mas devem
ser encarados criticamente e en-
frentados. Dessa forma, o projeto
buscou entender a criança como
sujeito de sua própria história, “ci-
dadã de um mundo real que pro-
duz cultura e é nela produzida”
(Kramer, 1999).
O trabalho objetivou A partir desses pressupostos,
a narrativa dos Três Porquinhos
criar pontes entre o invadiu a sala, levando-se à vivên-
faz-de-conta e outros cia relacional com a utilização de
projetos, valorizando lençóis. As crianças registraram o
vivenciado por meio da constru-
a iniciativa infantil e o
ção de maquetes com casas de
poder de imaginação argila e da produção de painéis
específico da infância com pinturas e colagens. A histó-

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artigos artigos

Morais, foi explorada como uma passaram a fazer parte da cam- a “casa” aterrada pela Guarda em mãos que trabalham”.
forma de texto literário, tornando- panha. Isso permitiu a discussão Municipal, e o mendigo, desabri- Para tentar solucionar o proble-
se parte do projeto. sobre alimentos perecíveis e a or- gado, com seus pertences es- ma, decidiram escrever uma carta,
Foi proposto, então, um jogo denação de diferentes critérios. palhados. “Tesoura” contou que assinada por todos e levada pela
de construção que possibilita a As palavras “casa” e “Tesoura” gostava de ser livre para pescar turma ao jornal Ilha Notícias, para
representação tridimensional da foram trabalhadas em diversas na praia, levando o grupo a refletir que chegasse ao prefeito. Sem
casa, confeccionada com caixas brincadeiras, possibilitando, por sobre o que seria a liberdade. separar o político do pedagógico,
de papelão, sucata e recortes de meio de interferências na “zona Percebendo que a comida aca- a educação torna-se problemati-
revistas. A atividade permitiu a de desenvolvimento proximal” de baria, descobriram ser necessário zadora. O passeio ao jornal para
exploração das propriedades e cada um, a exploração do siste- além da casa e da comida, que entregar a carta, à rádio Ilha para
das características dos objetos, o ma alfabético de escrita. Tesoura tivesse um emprego. En- divulgá-la e o envio de um fax so-
desenvolvimento do pensamento Como a turma possuía muita contraram-se, dessa forma, com licitando a visita da Guarda Muni-
antecipatório e a solução de pro- curiosidade quanto ao dia-a-dia as reflexões de Paulo Freire, quan- cipal para explicar o aterramento
blemas no âmbito das relações de quem morava em uma caixa do argumenta que “a verdadeira da caixa de água fizeram com que
entre espaço e objeto. Com a de água, resolveram ir ao local generosidade está em lutar para identificassem os meios de comu-
ajuda dos pais, que participaram para entregar os alimentos arre- que cada vez mais menos mãos nicação como aproximadores de
da atividade no Dia da Família na cadados e realizar uma entrevista. de homens se estendam em ges- idéias e se percebessem como
Escola, o personagem “Tesoura” Na praça, contudo, encontraram tos de súplica, transformando-se cidadãos.
passou a ter geladeira, ventilador, Da fantasia à realidade, o pro-
tariam de ter visto. Modificando a armário, cama e família fictícios. jeto respeitou a imaginação, ao
reportagem, perceberam ser pos- De posse do jogo de construção, mesmo tempo em que contribuiu
sível sonhar e transformar. continuam sonhando, mas distin- para a imersão crítica e criativa da
A casa do mendigo com seu guem cada vez mais fantasia e criança na sociedade, sem dei-
túnel é recriada em sala de aula, realidade. xar de entendê-la como cidadã
utilizando mesas como casas e A turma, dividida em grupos, do presente, capaz de modificar
minhocão (estrutura de arame co- confeccionou, a partir das silhue- histórias. Por meio da compre-
berta com pano colorido) como tas de seus corpos, a imagem ensão e da apropriação das prá-
túnel. O espaço é vivido corpo- do “Tesoura”, desenvolvendo a ticas sociais de leitura e escrita
ralmente, e o corpo assume pa- percepção do próprio corpo no em situações lúdicas e funcionais,
pel de objeto, desenvolvendo as espaço físico. Criaram, com pa- procurou contribuir para a forma-
bases psicomotoras. As crianças pelão, bonecos de vestir que re- ção de cidadãos críticos. Com o
sentem, no prazer do movimento, presentam os membros da família corpo livre para se deixar levar pe-
como seria morar no subsolo. O do mendigo, com diversas roupas las histórias ou para construir as
túnel, ao mesmo tempo prazer de para dias de frio e calor. suas próprias, refletiram sobre um
penetração, angústia de saída e Interdisciplinarmente, constru- mundo que ainda não está pron-
Da fantasia à libertação, permite que os corpos íram conceitos para resolver um to, produzindo ações capazes de
realidade, o vivam dentro e fora, diferentes problema que exigia ajuda de to- torná-lo mais humano.
projeto respeitou posturas, o espaço comprimido e dos, surgindo, assim, o tema so-
*Fernanda Conde Collares Xavier é especialista em
amplo, a contração, o relaxamen- lidariedade: impossibilitados de Educação Infantil, com especialização em Educa-
a imaginação, ao to e a criatividade. dar casa e família ao Tesoura ver-
ção e Reeducação Psicomotora pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro e professora na Escola
mesmo tempo em Conscientes, agora, das dificul- dadeiro, decidiram pela realização Municipal Rotary Club da Ilha do Governador.

Bibliografia
que contribuiu para dades de um ser humano nessa de uma campanha para arrecada- BENJAMIM, W. Reflexões: a criança, o brinquedo e
a educação. São Paulo: Summus Editorial, 1969.
situação, escreveram coletiva- ção de alimentos na comunidade
a imersão crítica e KRAMER, S. Infância e educação infantil. Campi-
mente uma lista dos objetos ne- escolar. Escreveram, em peque- nas: Papirus, 1999.
criativa da criança na cessários à casa do mendigo. A nos grupos, cartazes que, após
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educa-
ção do futuro. São Paulo: Cortez, 2001.
WALLON, H. Do ato ao pensamento. Lisboa:
sociedade música “A casa”, de Vinícius de serem corrigidos coletivamente, Moraes Editores, 1978.

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reportagem reportagem

Seminário internacional discute A avaliação vai classificando a di- competência julgados adequados De acordo com o Sistema

alfabetização e letramento na infância


ferença.” Segundo ela, o diferente nas pesquisas internacionais.” Nacional de Avaliação da Edu-
entra na escola e tem a possibi- Sistemas de ensino – Avalia- cação Básica (Saeb) de 2003,
lidade de ser “normalizado” no ção de Sistemas de Ensino: Po- 55% dos alunos da quarta série
Adriana Maricato | Sônia Jacinto padrão de referência. Ele sobe tencialidades e Limites foi o tema do Ensino Fundamental tinham
na classificação e avança, ou, no debatido por Ofelia Reveco, do desempenho “crítico” e “muito
“O processo de aprendizado da linguagem, que engloba a alfabetização e o letramento, começa com o nasci- processo classificatório, vai sendo Chile, e Vera Masagão, da orga- crítico” em língua portuguesa.
mento, quando a criança escuta e participa de conversas, vê e ouve o mundo povoado de significados..”Jeanete excluído e vira um problema. “A nização não-governamental Ação Eles não desenvolveram habi-
Beauchamp, diretora de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental do MEC. escola exclui processos de apren- Educativa. ”Dá-se mais importân- lidades elementares suficientes
dizagem que, de acordo com as cia à avaliação do que à qualidade para a série e estariam acumu-
Atualmente, ser alfabetizado, O objetivo foi criar mais opor- palestrantes. Antônio Augusto avaliações, parecem pouco pro- da educação”, disse Reveco. Para lando déficits educacionais gra-
isto é, a simples aquisição do tunidades de conhecimento e de Gomes Batista, diretor do Centro dutivos”, afirmou Maria Teresa. ela, as avaliações hoje legitima- ves. O baixo desempenho em
código escrito, tem se revelado debate sobre o tema. Segundo a de Alfabetização, Leitura e Escrita Para a especialista mexicana das trazem cegueiras, valorizando leitura está presente em anos
insuficiente para responder ade- diretora de Políticas de Educação (Ceale) e professor da Universida- Celia Díaz Argüero, a avaliação aquelas de enfoque quantitativo posteriores de ensino: 26,8%
quadamente às necessidades do Infantil e Ensino Fundamental da de Federal de Minas Gerais, fez define o que está no currículo real e feitas por agentes externos. Si- dos alunos da oitava série do
mundo moderno. Para o exercício SEB, Jeanete Beauchamp, o se- uma comparação entre o fracasso da escola.”Os professores se pre- multaneamente, essas avaliações Ensino Fundamental e 38,6%
da cidadania plena, além de apren- minário trouxe contribuições im- escolar e a pobreza. “O fracasso ocupam tanto com o aprendizado baseadas em uma visão econo- dos alunos da terceira série do
der a ler e a escrever, o indivíduo portantes sobre cultura na infância, na alfabetização escolar é maior que será avaliado externamente micista da sociedade dão prefe- Ensino Médio têm esse nível de
precisa apropriar-se da função so- avaliação do processo de alfabe- entre as crianças que vivem em que esquecem o que queriam que rência a metodologias que não desempenho.
cial da leitura e da escrita, isto é, tização, avaliação dos sistemas regiões que possuem os piores os alunos aprendessem.” Segun- requeiram participação, pois são A avaliação evidencia que a
deve ser capaz de fazer uso des- educacionais e para a formação indicadores sociais e econômicos, do Argüero, as avaliações interna- de mais rápida aplicação, mais utilização efetiva da biblioteca
sas duas práticas no dia-a-dia. É o de professores e de leitores. entre as crianças que trabalham e cionais fizeram os países reconhe- baratas e podem contemplar uma nas escolas faz diferença. Para
que muitos chamam de letramento Doze especialistas do Brasil, as crianças negras. O analfabetis- cerem a insuficiência dos alunos amostragem maior, afirmou. a quarta série do Ensino Funda-
– a convivência das pessoas com do Chile, da Argentina, da Espa- mo é parte de um problema maior, com relação à alfabetização, à lei- Dessa maneira, a avaliação mental, a média de proficiência
narrativas orais e escritas, como o nha e do México expuseram seus de natureza política: o da desigual- tura e à escrita. Além disso, os cri- acaba não incorporando informa- é de 168 pontos quando até
contato com livros, revistas e ou- pontos de vista e responderam dade social, o da injustiça social, térios de avaliação utilizados hoje ções sobre aspectos culturais, de 25% dos alunos usam a biblio-
tros textos, que contribuem para o a questionamentos da platéia. A o da exclusão social”, afirmou. A são muito mais rigorosos do que fundamental importância na com- teca. Quando o índice é de 75%
desenvolvimento pessoal e da co- conferencista Sonia Kramer, da escritora Ana María Kaufman, pro- os usados há trinta anos, pois o preensão dos fenômenos educa- dos alunos, a média sobe para
munidade em que vivem. Pontifícia Universidade Católica fessora de Psicologia da Universi- conceito de alfabetização mudou cionais. “A educação necessita de 181. Quando os professores re-
O reconhecimento da importân- do Rio de Janeiro, não distingue dade de Buenos Aires, Argentina, graças a pesquisas nas áreas de avaliações que incorporem a pers- alizam atividades dirigidas nas
cia do letramento como direito de alfabetização de letramento. Para falou sobre o mesmo tema. lingüística, psicolingüística e antro- pectiva pedagógica, que apreen- bibliotecas, ocorrem ganhos
toda criança para sua formação ela, “a alfabetização, longe de ser Avaliação – As conferencis- pologia. “No entanto, nas escolas dam o ser humano em toda a sua significativos na aprendizagem.
cidadã levou a Secretaria de Edu- um aprendizado mecânico, é uma tas Maria Teresa Esteban (Brasil) do México e também nas do Brasil, totalidade.” Para ela, a avaliação
cação Básica (SEB/MEC) e a Or- produção cultural entre outras. E e Celia Díaz Argüero (México) de- a avaliação da leitura ainda é feita só como instrumento de poder faz Conferencistas
ganização dos Estados Ibero-Ame- quanto mais os professores tra- bateram os critérios de avaliação em função dos critérios antigos: comparações de países, escolas Brasil - Sonia Kramer, An-
ricanos para Educação, Ciência e balharem essa produção cultural pedagógica. Para a especialista entonação, pronúncia, número de e crianças com paradigmas exter- tônio Augusto Gomes Batista,
Cultura (OEI) a promoverem o Se- inter-relacionada com as outras brasileira em educação e profes- palavras lidas por minuto, localiza- nos, esquecendo das diferenças. Jeanete Beauchamp, Vera Ma-
minário Internacional de Alfabetiza- dimensões da cultura, mais forte- sora da Universidade Federal Flu- ção de informações específicas no Essa leitura parcial das informa- sagão, Rosaura Soligo, Edmir
ção e Letramento na Infância. Mais mente estarão contribuindo para minense (UFF) Maria Teresa Este- texto”, disse a pesquisadora. Para ções, segundo Ofélia Reveco, Perroti.
de trezentas pessoas, entre profes- abrir caminho rumo ao fim da ex- ban, que há quinze anos pesquisa ela, na avaliação da escrita, ava- pode levar a tomadas de decisões Argentina – Ana María Kau-
sores, pesquisadores, estudantes clusão social” (leia entrevista com a avaliação de crianças de classes liam-se conhecimentos da escrita, equivocadas. fman, Mirta Castedo.
e representantes de secretarias es- a professora na página 5). populares, a escola recebe todos, caligrafia, ortografia, regras grama- Vera Masazagão alertou que Chile – Ofelia Reveco
taduais e municipais de Educação, Os problemas de aprendizado reconhece as diferenças e deveria ticais, identificação de elementos todas as avaliações, nacionais e Espanha – Cristina Armen-
participaram do evento, de 6 a 8 de relacionados à exclusão social fo- partir daí para, ao longo dos anos, sintáticos. “Em outras palavras, os internacionais, apontam a escola dano
dezembro de 2004, em Brasília. ram abordados pela maioria dos diminuí-las. “Mas isso não ocorre. alunos não atingem os níveis de como o principal agente de alfa-

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reportagem

betização e letramento: “Quanto não é prática exclusivamente. A educação necessita


mais tempo a pessoa fica na es- Três dimensões estão interligadas de avaliações
cola, maior o domínio da língua no conhecimento didático: teóri-
que incorporem
escrita”. As informações levanta- ca, prática e experiencial”. Para
das mostram que grandes avalia- Castedo, “a formação continuada a perspectiva
Um dos objetivos do seminá- sino Fundamental da Secretaria ções não são úteis para mudar as para ensinar a ler e escrever é um pedagógica, que
rio foi também o de promover a Municipal de Sobral, no Ceará, práticas cotidianas nas escolas e direito do professor e um dever
apreendam o ser
socialização de experiências que relatou a experiência Avaliação não incorporam as avaliações in- do Estado”.
articulam a alfabetização às de- Externa da Alfabetização das dividuais feitas pelos professores. Leitores – Edmir Perrotti, es- humano em toda a sua
mais linguagens. Uma secretaria Crianças: um projeto desenvolvi- “Para termos avaliação, não basta pecialista da Universidade de São totalidade
estadual e nove secretarias mu- do na rede de Ensino Fundamen- o Sistema de Avaliação da Educa- Paulo, abordou o tema Política de
nicipais de Educação foram con- tal, que conta com um total de ção Básica (Saeb) e as internacio- Formação de Leitores. Para ele, a
vidadas a relatar suas melhores 66 mil alunos. nais, precisamos de um sistema escrita e a leitura são atos quase
experiências com alfabetização Um dos relatos que impressio- de avaliações em vários níveis e estrangeiros no país, que fizeram
e letramento na infância. Fo- nou a platéia foi o das assesso- com enfoques diferentes.” parte da agenda do Estado so-
ram elas: Secretaria Estadual de ras pedagógicas da rede de en- Políticas públicas – Cristina mente a partir do final do século
Educação do Acre e secretarias sino de Lucas do Rio Verde (MT), Armendano, da Espanha, repre- XIX: “Ensinar a ler e a escrever
municipais de Blumenau (SC), Elaine Benetti Lovatel e Marisa sentante da OEI, falou sobre Po- foi o modo de preparar força de
Aracaju (SE), Sobral (CE), Lu- Lucini. A avaliação no processo líticas Públicas para Alfabetização trabalho republicana”. A leitura
cas do Rio Verde (MT), São Luiz de alfabetização das séries ini- e Letramento e disse que a espe- sempre esteve, portanto, isolada
(MA), São Carlos (SP), Embu das ciais, na região das docentes, rança é uma das soluções para a da escrita, reduzida a instrumen-
Artes (SP), Porto Alegre (RS) e envolveu escolas construídas melhora dos problemas existentes to social e político. “Embora nos-
Niterói (RJ). nos padrões de Primeiro Mundo. na educação básica. “A esperan- sa indústria editorial produza 3,5
A especialista em metodologia Amplas salas de aula, cercadas ça, porque nos últimos dez anos mil títulos infanto-juvenis por ano,
do ensino Sandra Denise Pargel, de muito verde, em instituições todos os países latino-america- pouquíssimos títulos circulam e
da rede municipal de Blumenau com centros de alimentação Para o exercício da nos, com as crises econômicas são distribuídos por programas
(SC), apresentou o projeto pe- e piscinas semi-olímpicas. De que têm vivido e com as pressões governamentais.”
dagógico Escola sem Fronteiras. acordo com as professoras, a cidadania plena, além sociais fortes, estão priorizando A inclusão na cultura da escrita,
Outra experiência apresentada, cidade tem aproximadamente de aprender a ler e a as políticas da primeira infância”, nesse sentido, transformou-se em
de autoria da professora Aurora 26 mil habitantes, nove escolas escrever, o indivíduo embora, explicou, não estejam in- ato didático-pedagógico fechado
Ferreira Vilalba, foi desenvolvida e uma creche. A rede de ensino vestindo todo o dinheiro necessá- em si mesmo, confinando a lei-
precisa apropriar-se da
pela Secretaria Municipal de Edu- tem cerca de 5 mil alunos, dis- rio. Ela ressaltou que a OEI é um tura aos bancos escolares, afir-
cação de Aracaju (SE) e é intitu- tribuídos em escolas estaduais, função social da leitura organismo internacional de cará- ma Perrotti. A linguagem escrita
lada Formação Continuada para municipais e particulares. e da escrita, isto é, deve ter governamental para a coope- acaba não fazendo sentido para
os Professores do Primeiro Seg- O conteúdo do seminário será ser capaz de fazer uso ração entre os países ibero-ameri- as crianças, pois não elabora as-
mento do Ensino Fundamental. publicado pelo MEC e distribuído canos no campo da educação, da suntos de seu interesse nem lhes
A professora Maria da Concei- para as secretarias de Educação dessas duas práticas no ciência, da tecnologia e da cultu- dá a oportunidade de criar ao ler
ção Ávila, coordenadora de En- em 2005. dia-a-dia. ra, com vistas ao desenvolvimen- ou escrever. Para Perrotti, formar
to da integração regional. leitores significa necessariamente
Formação – Participaram da inserir alunos e professores não
mesa Formação de Professores só nos códigos lingüísticos, mas
na Perspectiva da Prática Alfabe- também na criação e na inser-
tizadora as especialistas Rosaura ção de circuitos de leitura amplos
Soligo, da Universidade de Cam- – centros, redes de leitura, biblio-
pinas, e Mirta Castedo, da Argen- tecas interligadas, com dinâmicas
tina. Soligo afirmou que “didática de funcionamento renovadas.

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resenha resenha

Um Gato Marinheiro Chico Mendes: crime


e castigo

Autora: Roseana Murray Autor: Zuenir Ventura


Ilustradora: Elizabeth Teixeira Editora: Companhia das Letras
Editora: DCL– Difusão Cultural do Livro Gênero: Jornalístico - reportagem
Tema: aventura, fantasia, imaginação, brincar/faz-de-conta político/policial
Cenário: Xapuri/Acre

O livro conta, por meio de uma de comer saborosas sardinhas; o espelho, de Pinóquio saindo para
linguagem clara e acessível, às menino que vai em busca de coi- sua louca aventura no oceano. Em linguagem jornalística, Zuenir Ventura nos apresenta o con-
crianças a partir de quatro anos sas tão intangíveis como o sol, as Lembramos de crianças de todo flito entre duas forças antagônicas: de um lado, os “povos da
as aventuras de Pepe e de seu estrelas marinhas e as ilhas per- o mundo retratadas pela câmara floresta”, uma gente forte, corajosa e marcada para morrer, e, de
gato Babel. didas; os poderes do menino ca- e pela sensibilidade de Sebastião outro, a face brutal e grotesca da deformação humana, fruto de
Menino e gato, numa tarde pitão que almeja roubar grãos de Salgado; e também de Portinari, uma ambição desmedida.
chuvosa, partem para uma via- areia, vento e até o azul do mar e trazendo em seus quadros todo o A reportagem é escrita em três momentos: 1989 – cobertura
gem fantástica, cheia de imagi- do firmamento; o barco pirata que cotidiano infantil com seus espan- do brutal assassinato de Chico Mendes, o mais conhecido líder
nação e fantasia, levando-nos a pode ser construído magicamen- talhos, palhaços, pipas, peões, seringueiro e ambientalista brasileiro de todos os tempos; 1990
dimensões de cuja existência nós, te com três almofadas, um lençol máquinas e engenhocas. – os olhos do mundo e as ambições da indústria cinematográfia
adultos, presos ao cotidiano, às com uma caveira desenhada e Neste livro, ela nos traz esse sobre Xapuri e a trama que envolveu o desvelamento do crime
vezes nos esquecemos. um cabo de vassoura. gato marinheiro que já nos tinha e o julgamento dos criminosos; 2003 – a investigação sobre o
A autora, em boa prosa, conduz- Assim, as imagens poéticas de sido apresentado em um poema desfecho da história, o destino dos personagens e a retomada
nos para às “coisas da poesia”. Roseana Murray e a singeleza das mais antigo: do cenário.
“Coisas” que não se relacionam ilustrações de Elizabeth Teixeira Gatos são feitos Embora se trate de uma reportagem, o livro apresenta carac-
diretamente com nosso trabalho vão transformando o menino em de pura magia terísticas de romance, na medida em que consegue penetrar no
nem com nosso consumo, e que, capitão/pirata e o gato em mari- vêem o invisível universo social e psicológico dos personagens, num cenário que
por isso, às vezes achamos que nheiro/conselheiro, fazendo-nos as sombras, os mistérios, vai se transformando no tempo e no espaço. Assim, Chico, os
não têm importância. adentrar num universo onde tudo moram no umbral assassinos, as duas mulheres do líder seringueiro, a antropólo-
As coisas sem importância são é permitido e lembrar de Chico entre o real e a fantasia ga, os oportunistas e aventureiros, o menino testemunha ocular
bem de poesia. Buarque: É esse mesmo gato que nas do crime, o juiz do bem e o juiz do mau e outros personagens
Tudo aquilo que nos leva a coi- Agora eu era herói e o meu ca- aquarelas de Elisabeth Teixeira, anônimos, mais do que protagonistas de um crime datado e de
sa nenhuma valo só falava inglês saindo do traçado tradicional, é seu julgamento, são apresentados ao leitor como seres huma-
E que você não pode vender no A noiva do cowboy era você captado, sem formalidades e com nos, portadores de sentimentos contraditórios que vão se trans-
mercado além das outras três. muita leveza, dando-nos a sensa- formando ao longo dos últimos quinze anos. Personagens que
Como por exemplo o coração Assim, lembramos também ção de um personagem saído do parecem sair de um romance de Machado de Assis ou de Jorge
verde dos pássaros do jeito de ser de tantas crianças mundo da imaginação. Ao lado Amado, mas que são pessoas reais, muitos deles hoje políticos
Serve para poesia imortalizadas pela literatura, pela dele sempre está um menino que, influentes, como Marina Silva, Jorge Viana, Marcio Tomás Bastos
(Manoel de Barros) fotografia e pelas telas dos pinto- pela delicadeza de seus traços in- e Romeu Tuma.
Tanto para a poesia quanto para res. E vamos recordando do Meni- definidos e por suas formas des- Ao relatar a morte de Chico de Mendes, o julgamento de seus
a prosa poética serve não só o no Maluquinho, do Ziraldo, cheio proporcionais, não se parece com assassinos e o reencontro com os atores dessa tragédia, quinze
coração verde dos pássaros, ser- de macaquinhos no sótão e na ca- nenhum menino de verdade, mas anos depois, Zuenir Ventura nos fala da luta cotidiana de seringuei-
ve também o gato que entende o beça; de Monteiro Lobato trans- permite que qualquer criança se ros e ambientalistas pela preservação de um Acre pouco conheci-
menino; o menino que entende o formando a Emília em uma menina identifique com ele. do, pleno de riquezas e crenças, hábitos e maneiras de viver.
gato contemplativo em seu desejo de verdade; de Alice entrando no Vitória Líbia Barreto de Faria Vitória Líbia Barreto de Faria

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notícias e agenda diálogo

MEC articula política educacional Diálogo com as Cartas Recebidas


com estados e municípios
“Quero externar algumas das dúvidas que temos em relação ao quadro de funcionários das Escolas
Municipais de Educação Infantil em Panambi (RS). O referido quadro é atualmente composto por 47 fun-
Entre abril e junho de 2005, a Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) promoverá, em parceria com cionárias. Destas, 25% com Ensino Médio e 52% com Habilitação Magistério. Considerando a formação
a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), dez Seminários Regionais Articuladores mínima exigida, como proceder com relação aos profissionais que já estão atuando com as crianças e não
pela Qualidade Social da Educação. Com os encontros, o MEC pretende reforçar a colaboração entre a possuem a formação exigida? As atendentes com Magistério poderão fazer parte do plano de carreira dos
União, estados e municípios na elaboração das políticas educacionais. Deles participam exclusivamente professores? É necessário ter professor em cada turma, desde o berçário? Qual o prazo para os municípios
secretários municipais e estaduais de Educação. Os temas em destaque são a integração e credenciamento se adequarem? No caso da impossibilidade de cumprimento dessas orientações, que implicações terá para
das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino, ampliação do ensino fundamental para nove o município?
anos, política nacional de formação de leitores na escola e formação continuada de professores da educação Elenir de Fátima Dill Winck
básica. Secretária Municipal de Educação e Cultura
Inscrições - telefone (61) 2104 9677, fax (61) 2104 9276 ou no site http://portal.mec.gov.br/seb Panambi (RS)

“Trabalho na prefeitura há dez anos, efetivada por um concurso público em serviços gerais. Em 1998, fiz

Lançamento do PROINFANTIL
um curso de qualificação profissional dado pelo Ministério do Trabalho, FAT/Codefat, pela Fundação João
Pinheiro. A professora disse que o curso me habilitava como educadora infantil. Meu certificado está na pasta
com meus documentos na prefeitura, mas o prefeito não o reconheceu. Falou que eu tomei posse em servi-
O Ministério da Educação lançará este ano o Programa de Formação Inicial de Professores em Exercício ços gerais. Eu gostaria de saber se tenho direito de posse como educadora infantil. No ano passado trabalhei
na Educação Infantil – ProInfantil. O programa é um curso de Ensino Médio, modalidade Normal, semipre- com as crianças, mas não fui reconhecida como educadora.”
sencial, com a utilização de recursos da Educação a Distância. É direcionado aos professores de Educação Professora de um Centro Infantil em Minas Gerais que não quer ser identificada
Infantil em exercício nas creches e nas pré-escolas das redes pública–municipal e estadual–, privada, comu-
nitária, filantrópica ou confessional. “Tenho formação no Magistério na área de pré-escola e estou cursando o segundo ano de Pedagogia.
Inicialmente, o Proinfantil irá abranger cinco estados, um em cada região do país. Tenho dúvidas sobre o curso Normal Superior, se, no meu caso, a Pedagogia será a melhor opção. Gostaria
Informações: (***61) 2104-8645/2104-8640, ou no site: http://www.mec.gov.br de saber também qual a carga horária do professor de Educação Infantil e onde posso encontrar suporte
para poder fazer valer as normas, pois não dispomos de plano de carreira entre outros”.

Seminário Nacional Política


Roseli Maria Cardoso Postingue
Monte Castelo (SP)

Nacional de Educação Infantil A formação do professor de Educação Infantil é um tema recorrente não só nos debates realizados em
eventos relativos à Educação Infantil como também nas correspondências enviadas à Coordenação Geral de
Março por 7 a 8 de julho 2005. Educação Infantil (Coedi) do Ministério da Educação (MEC) e ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Essa
A Secretaria de Educação Básica, por meio do Departamento de Políticas da Educação Infantil e Ensino situação tem sido motivo de consulta tanto por parte dos próprios profissionais como também pelos gestores
Fundamental, realizará no mês de julho deste ano o Seminário Nacional Política Nacional de Educação Infan- municipais, principalmente por ocasião do processo de integração das creches aos sistemas municipais de
til. O evento terá como principal objetivo a apresentação da versão final dos documentos de Política Nacional ensino.
de Educação Infantil, contendo as contribuições dos seminários regionais acontecidos em 2004. Este semi- Por essa razão, com base em parecer emitido pelo CNE/Câmara de Educação Básica (CBE), em
nário será mais um grande passo na construção de uma Educação Infantil de qualidade. 03/2003, procuramos esclarecer as dúvidas expressas nessas correspondências. Nesse sentido, é

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diálogo arte

importante retomar o que a Lei nº conclusão desse curso gera o di- Embora a lei determine que o Milan Dusek, brasileiro naturalizado, nasceu na Segundo o artista, o brinquedo é uma forma livre
9.394/96 – Lei de Diretrizes e Ba- reito do exercício profissional na nível médio é a formação mínima República Tcheca em 1924. Estudou escultura com para a pintura e a gravura, e nesta composição, são
ses da Educação nacional (LDB) Educação Infantil e nas primeiras para a docência na Educação In- o polonês August Zamoysky e pintura com o tcheco marcados por uma forte ambigüidade, cores quen-
– definiu: z“ A formação de do- séries do Ensino Fundamental. fantil, existe um consenso sobre Jan Zach. Expôs na II Bienal de São Paulo. Estudou tes e frias retratam emoções conflitantes e expres-
centes para atuar na educação A Constituição Federal, Lei a importância da formação em gravura com Friedlander e Edith Berhring no MAM do sam ao mesmo tempo alegria e abandono.
básica far-se-á em nível supe- Maior de nosso país, diz que a nível superior. Neste caso, o PNE Rio de Janeiro. Fixou residência em Brasília em 1972
rior, em curso de licenciatura, lei não pode prejudicar o direi- estabelece o prazo de dez anos e, desde 1978, dedica-se exclusivamente à pintura, Alguns estudos da série “Descartados” fizeram
de graduação plena, em uni- to adquirido, de tal forma que as para que “70% dos professores a gravura e a escultura. parte da exposição 40 ANOS DE GRAVURA, realiza-
versidades e institutos supe- pessoas que foram legalmente de Educação Infantil e de Ensino da na Casa da Cultura da América Latina em Brasília,
riores de educação, admitida, habilitadas para o exercício do Fundamental (em todas as mo- Na série “Descartados”, a que pertence esta de dezembro de 2004 a fevereiro de 2005.
como formação mínima para magistério devem ter assegura- dalidades) possuam formação obra, Milan buscou inspiração nos brinquedos usa-
o exercício do magistério na do o reconhecimento de seu títu- específica de nível superior, de dos, quebrados e abandonados que pertenciam à
Celza Cristina Chaves de Souza é técnica da Coordenação Geral de Educa-
educação infantil e nas qua- lo profissional, não podendo ser licenciatura plena em instituições sua neta. Esta série é composta de vários estudos ção Infantil (Coedi) do MEC.
tro primeiras séries do Ensino impedidas de exercer a profissão qualificadas”. também em gravura.
Fundamental, a oferecida em docente na esfera da habilitação Para garantir o alcance des-
nível médio, na modalidade específica. sas metas, é proposta uma ação
Normal” (LDB, Artigo 62). Vale Já o PNE estabelece prazos, conjunta da União, dos estados e André Dusek

Estudo da série “Descartados”.


ressaltar que a LDB não estipula alvos de tantas dúvidas e preo- dos municípios no sentido de es- Óleo sobre tela.
prazos a esse respeito. cupações. O PNE estabelece na timular e perseguir a qualidade da
Nas Disposições Transitórias meta 10.3.10 que: “Onde ainda educação, oferecendo múltiplas
da mesma lei, está determinado, não existam condições para for- oportunidades para a formação
no § 4º do Art. 87, que: “Até o mação em nível superior de todos docente, inclusive em serviço.
fim da Década da Educação, os profissionais necessários para Entretanto, isso só poderá acon-
somente serão admitidos pro- o atendimento das necessidades tecer por meio de estímulos à pro-
fessores habilitados em nível do ensino, estabelecer cursos gressão funcional, com planos de
superior ou formados em ser- de nível médio, (... que) prepa- carreira que contemplem a forma-
viço”. Essa questão gerou con- rem pessoal qualificado para a ção em nível superior e incentivos
trovérsias e levou muitas pessoas Educação Infantil, (...) prevendo a diversos.
a pensarem que, após dez anos continuidade dos estudos desses Apesar de os planos de carrei-
da promulgação da lei, o aces- profissionais em nível superior”. ra do magistério serem de auto-
so e a permanência em funções Já a meta 10.3.17 determina que nomia dos sistemas de ensino, é
docentes passariam a ser prerro- “Todos esses profissionais de- importante esclarecer que o MEC,
gativas exclusivas de professores vem completar sua formação por meio da Política Nacional de
com formação em nível superior. em nível médio, na modalidade Educação Infantil, apóia a inclu-
Essa interpretação não se sus- Normal, até 2006”. são de todos os profissionais do-
tenta quando analisamos os três Para tanto, como uma opção a centes nos respectivos planos de
suportes básicos da nossa legisla- mais para os sistemas de ensino, carreira.
ção: a LDB, a Lei nº 10.172/2001 o MEC está propondo o Programa Assim, fica claro que os pro-
(Plano Nacional de Educação de Formação Inicial para Profes- fissionais com formação em nível
– PNE) e a Constituição Federal. sores em Exercício na Educação médio, na modalidade normal,
Voltando ao Art. 62 da LDB, Infantil (Proinfantil), previsto para têm assegurado o direito à do-
não resta dúvida a respeito de que se iniciar este ano, com o objetivo cência, e, de acordo com a Cons-
aqueles que freqüentam um curso de formar os profissionais que já tituição Federal, este não pode
Normal, de nível médio, praticam atuam na Educação Infantil mas ser cerceado.
um contrato válido com a insti- não possuem a formação mínima
Stela Maris Lagos Oliveira e Janara Machado
tuição que o ministra, ou seja, a exigida por lei. - Técnicas em educação da Coedi/MEC.

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