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Estudo Qualitativo Sobre

BOAS PRÁTICAS EM
MEDIAÇÃO NO BRASIL

1
EXPEDIENTE:

PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Dilma Rousseff

MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA


José Eduardo Cardozo

SECRETÁRIO DA REFORMA DO JUDICIÁRIO


Flavio Crocce Caetano
EXPEDIENTE:
DIRETORADA
PRESIDENTA DO DEPARTAMENTO
REPÚBLICA DE POLITICA JUDICIÁRIA
Kelly
Dilma Oliveira Araújo
Rousseff

MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA


DIRETORA
José DO DEPARTAMENTO
Eduardo Cardozo DE POLITICA JUDICIÁRIA SUBSTITUTA
Patrícia Lamego de Teixeira Soares
SECRETÁRIO DA REFORMA DO JUDICIÁRIO
Flavio Crocce Caetano
COORDENADORA DO CENTRO DE ESTUDOS SOBRE O SISTEMA DE
DIRETORA
JUSTIÇADO DEPARTAMENTO DE POLITICA JUDICIÁRIA SUBSTITUTA
Patrícia Lamego de Teixeira Soares
Olívia Alves Gomes Pessoa
COORDENADORA DO CENTRO DE ESTUDOS SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA
Olívia Alves Gomes Pessoa
COLABORADORES
Alexandre Drummond
COLABORADORES
Andréa Fernanda Rodrigues Britto
Alexandre Drummond
Escola
Andréa Nacional
Fernanda de Mediação
Rodrigues Britto e Conciliação – ENAM
Lucas
Lucas Magalhães
Magalhães de Caminha
de Souza Souza Caminha
Thiago Sanches Battaglini
Thiago Sanches Battaglini

341.4625 Estudo qualitativo sobre boas práticas em mediação no Brasil /


E82q coordenação : Ada Pellegrini Grinover, Maria Tereza Sadek
e Kazuo Watanabe (CEBEPEJ) , Daniela Monteiro Gabbay e
Luciana Gross Cunha (FGV Direito SP) ; colaboradores :
Adolfo Braga Neto ... [et al.]. – Brasília : Ministério da Justiça,
Secretaria de Reforma do Judiciário, 2014.
150 p. : il., color.

Estudo em parceria da Secretaria de Reforma do Judiciário com


o Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais e a Fundação
Getúlio Vargas- Direito SP.

ISBN : 978-85-5506-002-1

1. Mediação (processo civil) – Brasil. 2. Mediação e conciliação –


Brasil. I.Grinover, Ada Pellegrini. II. Sadek, Maria Tereza. III. Watanabe,
Kazuo. IV. Gabbay, Daniela Monteiro. V. Cunha, Luciana Gross.
VI. Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário

CDD
COORDENAÇÃO PELO CEBEPEJ | Ada Pellegrini Grinover,
Maria Tereza Sadek e Kazuo Watanabe
COORDENACÃO PELA DIREITO GV | Daniela Monteiro Gabbay e
Luciana Gross Cunha

EQUIPE | Adolfo Braga Neto, Maria Cecília De Araujo Asperti, Michel Roberto Ol-
iveira De Souza e Natalia Langenegger
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIO
CENTRO DE ESTUDOS SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA

ESTUDO QUALITATIVO SOBRE BOAS


PRÁTICAS EM MEDIAÇÃO NO BRASIL

SÃO PAULO
2014
SUMÁRIO
I APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO 5
II METODOLOGIA UTILIZADA NA PESQUISA 7
II.1. BANCO DE DADOS E MAPEAMENTO DE EXPERIÊNCIAS 10
A) As características analisadas 10
B) Construção do banco de dados 10
II.2. CONSTRUÇÃO DA BASE DE DADOS DA REGIÃO SUDESTE 12
II.3. CONSTRUÇÃO DA BASE DE DADOS DA REGIÃO NORDESTE 15
II.4. CONSTRUÇÃO DA BASE DE DADOS DA REGIÃO SUL 16
II.5. CONSTRUÇÃO DA BASE DE DADOS DA REGIÃO CENTRO-OESTE 18
II.6. CONSTRUÇÃO DA BASE DE DADOS DA REGIÃO NORTE 21
III O PRIMEIRO ESTUDO DE CASO – REGIÃO SUDESTE 24
III.1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO DO CEJUSC DE JUNDIAÍ 24
III.2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA 28
III.3. O DESENHO E FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA 34
III.4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA 49
IV O SEGUNDO ESTUDO DE CASO – REGIÃO NORDESTE 60
IV.1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO DOS NÚCLEOS DE
MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA DO CEARÁ 60
IV.2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA 60
IV.3. O DESENHO E FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA 66
IV.4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA 81
V O TERCEIRO ESTUDO DE CASO – REGIÃO SUL 88
V.1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO DAS CENTRAIS DE PRÁTICA RESTAURATIVA DE
CAXIAS DA PAZ 88
V.2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA 89
V.3. O DESENHO E FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA 96
V.4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA 112
VI O QUARTO ESTUDO DE CASO – REGIÃO CENTRO-OESTE 119
VI.1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO DO NUCLEO PERMANENTE DE METODOS
CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DO MATO GROSSO DO SUL
(NUPEMEC-MS) 119
VI.2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA 119
VI.3. O DESENHO E FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA 121
VI. 4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA 134
VI.5. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO DO POSTO AVANÇADO DE CONCILIAÇÃO
EXTRAPROCESSUAL DA CÂMARA DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM DA
ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE
CAMPO GRANDE (CBMAE / PACE) 137
VI.6. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA 138
VI.7. O DESENHO E FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA 140
VI.8. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA 151
VII O QUINTO ESTUDO DE CASO – REGIÃO NORTE 154
VII.1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO DA MEDIAÇÃO NA DEFENSORIA
PÚBLICA EM TUCURUÍ 154
VII.2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA 154
VII.3. O DESENHO E FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA 156
VII. 4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA 164
VIII CONCLUSÃO 166
IX DIRETRIZES PARA BOAS PRÁTICAS DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS 173
X ANEXOS 192
X.1. OS ROTEIROS DE ENTREVISTA AOS ATORES DO PROGRAMA
DE MEDIAÇÃO 192
X.2. ROTEIROS DE PERCEPÇÃO DO USUÁRIO 192
A) Roteiro de entrevistas para as partes 195
B) Survey para as partes 195
C) Os surveys de avaliação do usuário da pesquisa 199
X.3. GUIA DE OBSERVAÇÃO DAS SESSÕES 200
Prefácio
A série “Diálogos sobre Justiça”, fruto de tativo sobre boas práticas no uso da me-
uma parceria entre a Secretaria de Re- diação e da conciliação no Brasil.
forma do Judiciário e o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento, Além disso, o estudo relata experiências
promove pesquisas sobre temas rele- e desafios para uma mudança na cultura
vantes para a compreensão do Sistema da litigiosidade no Brasil. Como exemplo,
de Justiça no Brasil, com o objetivo de citam-se a dificuldade de manutenção de
fomentar a discussão sobre práticas de programas de mediação e a escassez de
ampliação do acesso à Justiça e de for- mediadores capacitados, além do esforço
talecimento da cidadania. As distintas para a institucionalização dos métodos
experiências e políticas que são objeto alternativos de resolução de conflitos.
de análise nos estudos desenvolvidos
pela Secretaria enriquecem o debate so- Espera-se que esta nova pesquisa da sé-
bre alternativas de aprimoramento do rie “Diálogos sobre a Justiça” gere refle-
atendimento do Poder Judiciário e dos xões sobre a aplicabilidade de boas práti-
demais órgãos do Estado na resolução cas de mediação, estimulando a moderni-
de conflitos no Brasil. zação e efetividade do sistema de justiça
e dando maior visibilidade aos métodos
Neste sentido, a presente pesquisa é vol- consensuais de resolução de disputas.
tada ao tema “boas práticas em Media-
ção no Brasil” e foi selecionada por apre- FLÁVIO CROCCE CAETANO
sentar, por meio de dados empíricos, pa- Secretário de Reforma do Judiciário
râmetros do que seriam práticas eficazes
e inovadoras de resolução de conflitos
para além do modelo judicial tradicional.
Trata-se de estudo que aborda um con-
texto amplo de resolução de conflito de
forma consensual, envolvendo mediação
e conciliação, com análise da contribui-
ção destas práticas à ampliação do aces-
so à justiça e à disseminação da cultura
de pacificação.

Na pesquisa, atentou-se para o fato de


que os meios alternativos de resolução
de disputas não são modelos fechados,
havendo diversidade de práticas de
acordo com o contexto social, político e
econômico de cada Estado. Esta diversi-
dade enriquece o debate e serve para a
construção de um banco de dados quali-
I. APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO
O relatório final da pesquisa apresen- capacitado, independente e imparcial
ta os cinco casos estudados, tendo es- auxilia a comunicação entre as partes
colhido uma prática de mediação em envolvidas no intuito de melhor adminis-
cada região do Brasil, tal como determi- trar suas disputas. Há diferentes visões
nado pelo edital nº 02/2014 do Projeto sobre os contrastes e semelhanças en-
BRA/12/13. tre mediação e a conciliação, esta última
tida no Brasil como um mecanismo mais
Por meio da pesquisa empírica, buscou- próximo do Poder Judiciário1, mais céle-
-se estabelecer os principais parâmetros re e, portanto, adequado para conflitos
(em termos de institucionalização, nível nos quais não exista entre as partes um
de especialização do programa, meto- relacionamento significativo no passado
dologia desenvolvida, elementos inova- ou com previsão de continuidade no fu-
dores, acesso e satisfação do público- turo, havendo um papel mais ativo e ava-
-alvo, cumprimento voluntário do acor- liativo do conciliador2.
do, percepção qualitativa dos demais
atores envolvidos, avaliação e eventuais Ambas as formas de solução de con-
transformações, dentre outros), para de- flitos contribuem ao acesso à justiça3
finição e análise do que vêm a ser boas e favorecem a disseminação da cultura
práticas em mediação no Brasil. da pacificação no país4, trabalhando-se,
nesta pesquisa, com um conceito amplo
Para os fins desta pesquisa, considera-se de métodos consensuais que abrange
a mediação de forma ampla, como mé- tanto a mediação quanto a conciliação,
todo consensual de resolução de con- tanto as técnicas facilitativas quanto as
flitos no qual um terceiro, devidamente avaliativas, uma vez que é no caso con-

1. CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. 2. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. pp. 133-134.

2. BRAGA NETO, Adolfo. Reflexões sobre a conciliação e a mediação de conflitos: as grandes transformações do

processo civil brasileiro – homenagem ao professor Kazuo Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009. pp. 489-491.

3. GRINOVER, Ada Pellegrini. “Fundamentos da Justiça Conciliativa”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,

Kazuo; LAGASTRA NETO, Caetano. Mediação e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional –

guia prático para a insWtalação do setor de conciliação e mediação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 1-5.

4. Kazuo Watanabe argumenta que é disseminada na sociedade brasileira uma “cultura da sentença”, definida como

“(...) mentalidade forjada nas academias, e fortalecida na práxis forense (...) de solução adjudicada autoritariamente

pelo juiz, por meio de sentença, mentalidade essa agravada pela sobrecarga excessiva de serviços que têm os ma-

gistrados (...)”. O autor argumenta em prol da necessidade de uma mudança de paradigma, para que a busca pela

“pacificação das partes, ao invés da solução adjudicada do conflito”, se torne prioritária; substituindo-se paulatina-

mente essa “cultura da sentença” pela “cultura da pacificação”. (WATANABE, Kazuo. “Cultura da sentença e cultura

da pacificação”. In: YARSHELL, Flávio Luiz; ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Estudos em homenagem à professora

Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2004, pp. 684-690).

5
creto que se deve decidir o que é mais so quanto de resultado) já existentes no
adequado, junto às partes, para a melhor cenário nacional, implementadas pelos
resolução consensual do conflito. atores do sistema de Justiça (como o
Poder Judiciário, a Defensoria Pública e
Muito embora a prática adequada da o Ministério Público) ou por instituições
mediação seja auxiliada pelo estabeleci- de mediação ligadas ao Poder Judiciário,
mento de certas diretrizes e parâmetros para descrição e análise crítica de me-
– a exemplo da Resolução nº 125/2010, todologias que possam ser replicadas
do Conselho Nacional de Justiça e dos (ainda que com variações) em diferentes
regulamentos das Câmaras de mediação contextos. O trabalho se justifica na me-
–, há que se considerar também a espe- dida em que, ao final, pretende oferecer
cificidade dos locais nos quais a media- subsídios para o planejamento de políti-
ção é praticada. Isso devido não apenas cas de aprimoramento de práticas con-
às dimensões continentais do país, como sensuais de resolução de conflitos.
também à grande variedade regional de
indicadores básicos como educação, Os objetivos do Relatório final são, por-
trabalho e renda. Para tanto, é de suma tanto, apresentar a sistematização e
importância considerar a diversificação construção de banco de dados, a partir
dos locais nos quais se desenvolveram do qual foram escolhidos os cinco casos
as experiências inovadoras de media- estudados, e os resultados do estudo
ção frente às particularidades regionais empírico das práticas de mediação.
do país, uma vez que o acesso à justiça,
no Brasil, se encontra intimamente rela-
cionado às condições sociais, políticas e
econômicas vigentes.

Ademais, a identificação e estudo de me-


todologias inovadoras específicas, por
meio do mapeamento empírico e análise
de casos, permite também que se ates-
te a aplicabilidade prática dos métodos,
contribuindo, em um futuro próximo, para
a criação de propostas capazes de pro-
mover a modernização do sistema de jus-
tiça nacional, o que inclui não somente a
prestação jurisdicional estatal, mas tam-
bém os métodos consensuais de solução
de conflitos.

Com base no mencionado conceito de


mediação, objetivou-se, portanto, o es-
tudo aprofundado de boas práticas de
mediação (tanto em termos de percur-

6
II. METODOLOGIA UTILIZADA NA PESQUISA

Como previsto inicialmente no projeto, os Os eixos principais para coleta e análise


estudos de caso em programas de media- de dados/informações na pesquisa em-
ção envolverão a análise de documentos e pírica (estudo de caso) geraram um co-
normas que o regulam, a realização de vi- ding frame com base nas seguintes vari-
sitas para observação in loco e de entrevis- áveis: (i) institucionalização, (ii) desenho
tas semiestruturadas com atores, media- e funcionamento dos programas, e (iii)
dores e usuários, buscando verificar quais avaliação do programa, tanto por parte
fatores são relevantes para se determinar de seus agentes quanto dos usuários.
o que são boas práticas em mediação.
O roteiro das entrevistas considerou
Nesse sentido, o estudo foi estruturado tanto o perfil do entrevistado (“de onde
da seguinte forma: fala”) quanto a sua percepção sobre a
mediação, críticas e sugestões. Foram
a. Análise do funcionamento e desenho da utilizados quatro modelos: (i) um volta-
prática de mediação por meio do estudo do para os atores que gerem e/ou que
de normas, dados existentes, visitas in participaram da implementação do pro-
loco e entrevistas semiestruturadas com grama, geralmente coordenadores admi-
atores, funcionários, mediadores e usuá- nistrativos ou juízes coordenadores (em
rios; programas vinculados ao Judiciário); (ii)
um modelo específico para entrevistas
b. Percepção dos atores envolvidos por realizadas com mediadores; (iii) um ter-
meio de entrevistas semiestruturadas ceiro modelo voltado para entrevistas
com coordenador do projeto, servidor, realizadas com funcionários que desem-
mediador e usuário; e penham outras funções dentro da rotina
do programa; e (iv) um quarto modelo
c. Observação das sessões de mediação. voltado aos usuários.

DESENHO E
INSTITUCIONALIZAÇÃO AVALIAÇÃO
FUNCIONAMENTO
Recursos Objetivos Percepção dos usuários quanto
Relação com os atores do Tipos de conflito aos resultados
sistema de justiça Escolha, capacitação e Percepção dos usuários quanto
Regulação remuneração de mediadores ao procedimento
Práticas de gerenciamento e Mecanismos e critérios de
triagem avaliação adotados pelo
Técnicas e práticas na mediação programa

Figura 1. Coding frame utilizado para análise das entrevistas e informações coletadas
durante os estudos de caso

7
As perguntas centrais desses roteiros -mediação e a mediação; 3 – Análise do
foram estruturadas a partir dos eixos de processo e do resultado (ver inteiro teor
análise dos coding frame, sendo os rotei- do Guia de Observação no Anexo X.3).
ros com os coordenadores mais comple-
tos e detalhados do que aqueles volta- Quanto ao roteiro de entrevista do usu-
dos para os funcionários e mediadores, ário, as questões foram estruturadas de
focados em questões relacionadas ao modo a verificar a percepção de justiça
dia-a-dia e funcionamento dos progra- ou de satisfação não somente com o re-
mas. Esses roteiros trazem questões so- sultado da mediação, mas também com
bre o desenho (objetivo, institucionaliza- o processo em si, visando-se verificar
ção, envolvimento de instituições do sis- quais técnicas, procedimentos e postu-
tema de justiça, tipos de conflitos, atores ras adotadas pelo programa e seus ges-
e acessibilidade), funcionamento da prá- tores/mediadores/funcionários seriam
tica e critérios de avaliação (ver inteiro conducentes a essa percepção pelo usu-
teor dos roteiros no Anexo X.1). ário5.

Durante as visitas, os pesquisadores ob- Há pesquisas realizadas no Judiciário


servaram in loco algumas sessões de me- americano em que foram comparadas as
diação para relatarem os procedimentos, percepções das partes quanto ao pro-
técnicas e postura adotada pelos media- cesso e aos resultados obtidos em casos
dores atuantes na iniciativa. Também fo- de indenização remetidos à arbitragem
ram observados e relatados os procedi- e mediação em programas anexos ao
mentos de atendimento às partes e de Judiciário ou mesmo em demandas judi-
formalização de eventuais acordos rea- ciais. Os resultados obtidos demonstra-
lizados. A observação foi orientada por ram que uma multiplicidade de fatores
um guia de aspectos relevantes para a influenciam as impressões dos usuários,
pesquisa: 1 – Informações sobre o con- dentre os quais a percepção de impar-
flito a ser mediado; 2 – Atos, técnicas e cialidade, tratamento digno e cuidadoso,
procedimentos realizados durante a pré- sensação de conforto e de controle so-

5 Dentre os diversos fatores que influenciam a satisfação do usuário de meios de solução de conflitos com o pro-

cesso, com o resultado e com o sistema em si, é possível identificar cinco categorias: (i) procedimentos utilizados

no caso em questão (ex. processo judicial, arbitragem, mediação, conciliação, etc.); (ii) consequências objetivas do

caso para a parte (ex.: quantia recebida, custo e tempo de duração do conflito, etc.); (iii) avaliação subjetiva que a

parte faz das consequências do caso (expectativas quanto ao resultado, custos envolvidos, tempo até uma resolu-

ção, etc.); (iv) impressões da parte quanto aos procedimentos e ao processo em si; e (iv) características pessoais

da parte e a sua situação no caso. Cf. LIND, Allan E.; MACCOUN, Robert J.; EBENER, Patricia A.; FELSTINER, William

L. F., HENSLER, Deborah R.; RESNIK, Judith; TYLER, Tom R. The perception of justice; Tort Litigants’ views of trial,

court-annexed arbitration, and judicial settlement conferences. RAND Institute of Civil Justice. Rand Corporation:

Santa Monica, 1989, pp. 10-11.

8
bre o procedimento, dentre outros6. zação, posturas e práticas adotadas são
relevantes para os atores envolvidos e
Sobre essas percepções de conforto, dig- para os usuários do mecanismo.
nidade e cuidado no processo, estudos
mostram que as partes frequentemente Assim, para levantar quais fatores reper-
valorizam procedimentos em que perce- cutem para as partes em sua percepção
bem que tiveram a oportunidade de se acerca do processo de mediação e seus
manifestarem adequadamente, sensação resultados, foram feitas na presente pes-
de que foram adequadamente ouvidas e quisa perguntas com relação ao proce-
de que receberam um tratamento pari- dimento em si, à conduta do mediador e
tário e digno. Essas percepções sobre ao resultado da mediação. Dentre estas,
o procedimento também repercutiriam foram formuladas questões sobre como
nas impressões sobre o resultado em si7. as partes se sentiram com relação ao
processo: se tiveram oportunidade de se
Há diversos estudos nesse sentido, espe- manifestar, se se sentiram ouvidas, ade-
cialmente na literatura norte-americana, quadamente compreendidas e confortá-
embasados em pesquisas empíricas e veis com o procedimento, dentre outros.
em dados coletados pelos tribunais. É
necessário, contudo, expandir essa refle- Também foram levantadas perguntas so-
xão considerando o contexto fático, ins- bre a presença ou não de um advogado
titucional e normativo brasileiro8, a fim e se a parte percebeu o processo como
de se levantar quais aspectos do proce- formal ou informal, a fim de se verificar
dimento da mediação, sua institucionali- se esses seriam fatores que influencia-

6 “In particular, procedural fairness judgments were strongly linked to perceptions of perceived procedural bias, the

dignity of the procedure, procedural care, evaluation of counsel, how comfortable the litigant found the procedure,

and perceived control over case events and outcomes. System satisfaction was strongly correlated with evaluations

of counsel, the dignity of the procedure, comfort with the procedure, procedural bias, perceived control, percep-

tions that the procedure was public, and perceived procedural care. Outcome satisfaction was correlated most

strongly with perceptions of procedural bias, evaluations of counsel, perceived control, and dignity of the procedu-

re”. (LIND, Allan E.; et alli. The perception of justice; Tort Litigants’ views of trial, court-annexed arbitration, and judicial

settlement conferences, p. 66).

7 WELSH, Nancy A. “Disputants’ Decision Control in Court-Connected Mediation: A Hollow Promise without Proce-

dural Justice”, 2002 J. Disp. Resol. 2002, pp. 179-192.

8 Sobre as escolhas institucionais realizadas especificamente quando da instauração de meios autocompositivos

no ambiente do Judiciário e experiências relevantes identificadas em diversos contextos no Brasil, vide o estudo

realizado por Daniela Monteiro Gabbay em Mediação & Judiciário no Brasil e nos EUA: condições, desafios e limites

para a institucionalização da mediação no Judiciário. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. Quanto ao papel do Judiciário,

atuando tanto como poder de Estado quanto como órgão prestador de serviços, nesta última perspectiva preocu-

pado com a qualidade e eficiência da prestação jurisdicional em casos concretos, decidindo conflitos e garantindo

direitos, vide SADEK, Maria Tereza Aina. “Judiciário: mudanças e reformas”. Estudos avançados (online), 2004, vol.

18, n. 51, pp. 79-83, disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000200005.

9
riam a percepção da parte envolvida na e resultados obtidos na mediação (con-
mediação. Sobre o mediador, as ques- forme Capítulo IV, item 2, abaixo).
tões versaram sobre sua conduta, impar-
cialidade, controle sobre o procedimento II. 1. BANCO DE DADOS E
e acerca do resultado. Também se pre- MAPEAMENTO DE EXPERIÊNCIAS
tendeu aferir se o desfecho da mediação
fora satisfatório e se as expectativas das II. A. AS CARACTERÍSTICAS
partes foram atendidas. Por fim, foram ANALISADAS
elaboradas questões sobre se as partes
buscariam a mediação para conflitos fu- Em paralelo à revisão literária realizada
turos e se a indicariam para conhecidos. para a elaboração do projeto, foi feito um
mapeamento de práticas implementadas
Essas perguntas integram tanto um ro- por atores de justiça em diversas locali-
teiro para entrevistas semiestruturadas dades do país, com intuito de identificar
in loco, a serem realizadas logo após as formas de atuação e metodologias ino-
sessões de mediação, quanto a posterio- vadoras. Embora esta pesquisa não seja
ri por meio de um questionário (survey), quantitativa e sim qualitativa, o mapea-
a ser preenchido por outros usuários que mento é importante para a seleção das
se submetam futuramente à mediação práticas que serão objeto de uma análise
(ver inteiro teor do roteiro e do questio- mais aprofundada nos estudos de caso.
nário no Anexo X.2).
Como cada caso será escolhido em uma
Já no programa estudado nesta primeira região do país, optou-se por apresentar o
etapa da pesquisa, constatou-se a exis- mapeamento quando da entrega do estu-
tência de um questionário aplicado pelo do de caso de cada região, começando-se
programa aos usuários, com diversas pela região Sudeste, conforme será expos-
perguntas convergentes com as elabo- to mais detalhadamente no item abaixo.
radas para a pesquisa. Percebendo-se
a dificuldade de se dirigirem perguntas Para a análise das principais característi-
semelhantes a um mesmo usuário, tan- cas das práticas e iniciativas identificadas,
to o roteiro quanto o questionário foram o mapeamento considerou as seguintes
reestruturados, de modo que apenas as variáveis: identificação da prática; locali-
questões que não constassem do ques- zação (abrangência territorial); atores do
tionário de avaliação do programa fos- sistema de justiça; objetivos da prática;
sem endereçadas às partes (ver roteiro forma de atuação; tipos de conflitos; me-
adaptado no Anexo X.2, D). todologias potencialmente inovadoras;
acessibilidade e público-alvo; regulação
Além disso, foram disponibilizados todos e impactos ou resultados da prática.
os questionários preenchidos por usu-
ários do CEJUSC de Jundiaí no ano de II. B. CONSTRUÇÃO DO BANCO DE
2014, cuja tabulação permitiu a comple- DADOS
mentação da análise da percepção das
partes e sua avaliação do procedimento A construção do banco de dados partiu

10
do mapeamento exploratório de todas Como a tese de doutorado de Moema foi
as regiões do país, conforme apresenta- apresentada em 2012, sua base de dados
do no projeto inicial desta pesquisa, e do foi atualizada a partir das mesmas fontes
mapeamento realizado por Moema Dutra por ela adotadas para complementação
Freire Prudente em sua tese de doutora- do universo de análise da pesquisa. Mais
do apresentada na Universidade de Bra- uma vez, é importante ressalvar que o ob-
sília, no ano de 20129, com relação aos jetivo deste mapeamento exploratório foi
casos que se relacionavam com o obje- delimitar um grupo de casos por região
to desta pesquisa10. A base de dados do do país para que possam ser escolhidos
trabalho de Moema chegou ao total de cada um dos cinco casos estudados com
2.575 experiências, mas, após a conso- profundidade na pesquisa. Nada obsta
lidação dos dados obtidos, verificou-se que as variáveis deste mapeamento pos-
que apenas 200 casos correspondiam a sam impulsionar a criação de um ban-
projetos e iniciativas voltados à adminis- co de dados (ou um observatório) per-
tração de conflitos interpessoais, pois os manente em relação ao qual as práticas
demais se relacionavam à ampliação do possam ser informadas constantemente,
acesso à justiça, modernização do judici- mesmo porque as mudanças nas experi-
ário e prevenção à violência. Retirando- ências tendem a ser bastante dinâmicas.
-se 07 casos que estavam duplicados, a
base de dados resultou em 193 casos11 Para análise de práticas de mediação, as
em todos os Estados brasileiros. seguintes variáveis foram analisadas:

9 PRUDENTE, Moema Dutra Freire. Pensar e fazer justiça: A administração alternativa de conflitos no Brasil. Tese de

Doutorado. Orientador: Prof. Dr. Arthur Trindade Maranhão Costa. Brasília: Universidade de Brasília, 2012. Disponível

em: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11227/3/2012_MoemaDutraFreirePrudente.pdf. Acesso em 26/05/2014.

10 A tese de Moema examinou uma base de dados abrangente sobre programas e projetos relacionados à admi-

nistração alternativa de conflitos. A análise inicial de Moema foi feita em 09 (nove) bases de dados, quais sejam: (i)

Prêmio Innovare; (ii) Inventário Nacional de Programas de Prevenção à Violência Armada, realizado pelo Núcleo de

Estudos da Violência da Universidade de São Paulo; (iii) Mapeamento de programas de administração alternativa

de conflitos, realizado em 2005 pelo Ministério da Justiça; (iv) Práticas apoiadas pelo programa Balcões de Direitos,

uma iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; (v) Práticas apoiadas pelo programa

Justiça Comunitária. uma iniciativa da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, no âmbito do

Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci); (vi) Iniciativas apoiadas pelo projeto Pacificar, inicia-

tiva promovida pela Secretaria de Reforma do Ministério da Justiça, também no âmbito do Pronasci; (vii) Base de

dados de associadas da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG); (viii) Base de dados

de associadas ao Conselho Nacional de Mediação e Arbitragem (CONIMA); e (ix) Práticas participantes da Feira

de Conhecimento de Segurança com Cidadania iniciativa do Ministério da Justiça, com o apoio do Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), realizada durante a I Conferência Nacional de Segurança Pública

com Cidadania, em agosto de 2009. PRUDENTE, Moema Dutra Freire. Op. Cit., pp. 81-85.

11 PRUDENTE, Moema Dutra Freire. Op. Cit., p. 87.

11
Identificação da prática;

Localização (abrangência territorial);

Atores do sistema de justiça: envolvimento dos atores do sistema de justiça e de outros


entes públicos (ex.: órgãos do Executivo, advocacia pública, etc.) ou da sociedade civil (ex.
organizações não governamentais, assistências estudantis, escolas, etc.);

Objetivos da prática: identificação dos objetivos prioritários da prática, tal como declarado
pelos próprios envolvidos (ex.: pacificação social, atendimento qualificado a comunidades,
realização de acordos, etc.);

Forma de atuação: breve descrição do funcionamento da prática e das diversas técnicas


utilizadas na mediação;

Tipo de conflitos: identificação dos tipos de conflitos encaminhados ou recebidos pelo pro-
jeto/programa (ex.: questões de família, fundiárias, de vizinhança, trabalhista, locação, con-
domínio, etc.);

Metodologias potencialmente inovadoras: já nessa análise preliminar, pretende-se apontar


metodologias aplicadas por esses programas ou projetos que sejam inovadoras, além de
identificar potencial replicabilidade destas;

Acessibilidade e público-alvo: descrição do público alvo e dos requisitos de acessibilidade


da mediação por seus usuários, apontando-se obstáculos ou fatores que facilitam o acesso
(ex.: custas, localização, acesso a informações, etc.);

Regulação: normas que regulamentam a prática, se houver; e

Impactos ou resultados da prática: apresentação de possíveis impactos, resultados e alcan-


ce social da prática.

Pessoa e telefone para contato;

Link ou Documentos para obter mais informações.

II. 2. CONSTRUÇÃO DA BASE DE Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo


DADOS DA REGIÃO SUDESTE e Rio de Janeiro. Desse total de casos,
foram excluídos:
Na região Sudeste, o trabalho da Moe-
ma identificou 78 casos nos Estados de • 07 casos que não se encaixavam no crité-

12
Localização dos programas mapeados na região Sudeste:

14%

41% São Paulo


Minas Gerais
Rio de Janeiro
27%
Espírito Santo

18%

Gráfico 1. Localização das Práticas de Mediação

rio relacionado ao objeto da pesquisa des- Na sequência, foi realizada atualização


te trabalho, ou seja, não utilizavam méto- do banco de dados da Moema para con-
dos consensuais de resolução de conflitos; siderar as edições de 2012 e 2013 do Prê-
mio Innovare12.
• 23 casos que tratavam de práticas consen-
suais que não tinham ligação alguma com Na edição 2012 do Prêmio Innovare fo-
atores do sistema de justiça; ram encontradas 06 práticas deferidas
e 01 prática com menção honrosa da
• 01 caso (Projeto Cantareira de mediação Região Sudeste. Dessas 07 práticas, fo-
penal interdisciplinar), que já estava catalo- ram excluídas 04, tendo em vista que se
gado antes no mapeamento exploratório do tratava de práticas que não tinham liga-
projeto de pesquisa. ção alguma com os atores do sistema
de justiça. As outras 03 práticas foram
Com as exclusões acima, o banco resul- catalogadas, sendo elas: (i) Mediação de
tou em 47 casos, que, somados com os Conflitos Socioambientais, localizada em
11 casos da região Sudeste apresentados Belo Horizonte, cujo ator é o Ministério
no Projeto de Pesquisa em mapeamento Público de Minas Gerais; (ii) Sustentabi-
exploratório, totalizou 58 casos. lidade do Judiciário - A Mediação para

12 Prêmio Innovare. Disponível em http://www.premioinnovare.com.br/. Acesso em 18/06/2014. Para a localização dos

casos no site do Prêmio Innovare, utilizou-se a palavra-chave “mediação”, com o critério de inscrições de práticas

deferidas, que receberam menção honrosa ou práticas premiadas, nas edições de 2012 e de 2013. Quanto às demais

fontes do banco de dados da tese de Moema, referidos na nota de rodapé acima, a maior parte deles não teve

atualização para inclusão de novas práticas, referente aos anos de 2012 e 2013, estando alguns indisponíveis para

consulta pela internet.

13
Práticas em São Paulo: temáticas

4%

19%
15%
Mediação para idosos
Mediação Comunitária
4% Mediação para infrações penais
8% Mediação para acidente no Metrô (linha 4)
4%
Mediação e conciliação no Judiciáio
4% Mediação para escolas
Mediação junto à Universidade
Outros tipos de mediação

42%

Gráfico 2. Especificação das Práticas de Mediação em São Paulo

Todos, com localização em São Paulo, Portanto, no total, foram considerados


tendo por ator o Tribunal de Justiça do 63 casos na Região Sudeste, que tratam
Estado, por meio de seus desembarga- de mediação judicial, comunitária, penal,
dores e (iii) Mediação Escolar, a prática escolar, dentre outros tipos de mediação
com menção honrosa, com localização (voltada a idosos, conflitos de desocu-
no estado do Rio de Janeiro, cujo um dos pação, unidades pacificadoras, etc.) en-
objetivos é a desobstrução do Judiciário. volvendo diferentes atores do sistema
de justiça: Judiciário, Ministério Público,
Na edição 2013 do mesmo prêmio fo- Defensoria Pública, Executivo, Universi-
ram encontradas 04 práticas deferidas dades, etc.
da Região Sudeste. Dessas 04 práticas,
foram excluídas 02, visto serem práticas Destacou-se o maior número de experi-
que não se relacionavam com os atores ências em São Paulo, grande parte delas
do sistema de justiça ou que já estavam envolvendo mediação judicial, conforme
catalogadas. As outras 02 práticas foram demonstram os gráficos 01 e 02.
catalogadas, sendo elas: (i) Revaloriza-
ção & Reconhecimento - SMTO - Sistema O primeiro caso escolhido, como se ob-
de Mediação Transformativa Organiza- servará a seguir, está relacionado à práti-
cional na 3ª Vara de Família e Sucessões ca da mediação judicial. Trata-se de um
do Fórum Regional de Santo Amaro, lo- caso-piloto, que foi utilizado para testar e
calizada em São Paulo, e (ii) Grupo de avaliar a metodologia da pesquisa, antes
Mediação e Resolução de Conflitos do de sua aplicação a outros casos. Os cri-
Ministério Público do Estado do Rio de térios para a escolha deste primeiro caso
Janeiro e Unidades de Polícia Pacifica- foram: (i) ser representativo das práticas
dora: unidos pela paz social, com locali- de mediação judicial na região Sudeste;
zação no Rio de Janeiro. (ii) desenvolver práticas de mediação e
conciliação; (iii) estar ligado a atores do

14
sistema de Justiça; (iv) estar em pleno rem analisados, sendo que uma análise
funcionamento há pelo menos 3 anos e mais apurada demonstrou que três des-
disponibilizar informações para a pesqui- sas sete experiências mapeadas eram
sa de campo e coleta de dados. relacionadas aos “Núcleos de Mediação
Comunitária”, que é a denominação atri-
II. 3. CONSTRUÇÃO DA BASE DE buída ao programa desenvolvido sob a
DADOS DA REGIÃO NORDESTE égide do projeto “Justiça Comunitária”
do Programa Nacional de Segurança Pú-
A partir do levantamento realizado em blica com Cidadania – Pronasci (Secreta-
tese de Doutorado de Moema Dutra ria de Reforma do Judiciário – SRJ).
Freire, já utilizado na primeira fase da
pesquisa como ponto de partida para o Assim, considerando-se a experiência
mapeamento de iniciativas de mediação dos Núcleos de Mediação Comunitária
por região do país, foram identificados do Ceará, como um todo, foram anali-
48 casos no Nordeste, dos quais foram sados cinco programas, dentre os quais
excluídos: três foram desenvolvidos a partir do pro-
jeto “Justiça Comunitária” (Casa de Di-
• 04 casos que não se encaixavam no crité- reitos de Alagoas, Núcleos de Mediação
rio relacionado ao objeto desta pesquisa, Comunitária do Ceará e Núcleo de Justi-
ou seja, não utilizavam a mediação e con- ça Comunitária de Casa Amarela do Mi-
ciliação como métodos de resolução de nistério Público de Pernambuco) e dois
conflitos. programas estão inseridos no “Projeto
Pacificar”13, também da SRJ (Centro de
• 13 casos que tinham como ator do siste- Mediação e Cidadania do CEUT e os já
ma de justiça o Judiciário, que foi o ator mencionados Núcleos de Mediação Co-
de destaque no estudo de caso da Região munitária do Ceará), havendo, ainda, um
Sudeste e, portanto, foi excluído para que projeto do Balcão de Direitos na Bahia.
pudéssemos aproveitar práticas envolven-
do os demais atores; Das cinco práticas catalogadas, duas en-
volvem a Defensoria Pública Estadual e
• 26 casos que tratavam de prática sem liga- três contam com a participação do Mi-
ção com atores do sistema de justiça. nistério Público Estadual. Estão situadas
no Alagoas, Ceará, Pernambuco, Piauí e
Restaram, portanto, 07 casos para se- Bahia. Uma pesquisa realizada a partir

13 O Projeto Pacificar também foi desenvolvido pela SRJ, porém com foco em iniciativas desenvolvidas no âmbito

das Faculdades de Direito que objetivem a ampliação do acesso e a promoção de maior efetividade da Justiça.

O foco reside em projetos que difundam formas não violentas de solução de conflitos. Além das Faculdades de

Direito, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s) podem apresentar projetos em parceira

com as Faculdades de Direito públicas ou privadas, bem como os órgãos do sistema de Justiça. Informações dis-

poníveis em http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={DA9EC2A8-2D0D-4473-A4DD-DF9D33C8DE5D}&Team=&params=itemID={E4A433D7-

44BE-49A6-B9C0-50FF1618EAF8};&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}. Acesso em 27/07/2014.

15
das informações disponíveis na internet ção jurídica), capacitação de lideranças
permitiu a realização de uma breve des- indígenas e mediação de conflitos.
crição de cada uma dessas iniciativas:
Na sequência, foi realizada atualização
a. Casa de Direitos de Alagoas: Promovida do banco de dados de Moema Pruden-
pela Secretaria do Estado da Promoção te para considerar as edições de 2012 e
da Paz, em parceria com o Ministério Pú- 2013 do Prêmio Innovare. Contudo, ne-
blico Estadual, e que atua, dentre outros, nhuma iniciativa inédita foi encontrada.
com mediação comunitária por meio do
Núcleo de Justiça Comunitária e Media- II. 4. CONSTRUÇÃO DA BASE DE
ção de conflitos, que promove a media- DADOS DA REGIÃO SUL
ção, educação em direitos e articulação
das redes locais; A tese de doutorado de Moema Dutra
Freire Prudente identificou 32 práticas
b. Núcleos de Mediação Comunitária do Es- de mediação nos estados do Rio Grande
tado do Ceará: Uma iniciativa promovida do Sul, Santa Catarina e Paraná. Desse
pelo Ministério Público do Estado que ob- total de casos, foram excluídos:
jetiva a disseminação da mediação comu-
nitária no Estado por meio do estabeleci- • 02 casos que não se encaixavam no crité-
mento de núcleos; rio relacionado ao objeto da pesquisa des-
te trabalho, ou seja, não utilizavam a me-
c. Núcleo de Justiça Comunitária de Casa diação ou conciliação como métodos de
Amarela do Ministério Público de Pernam- resolução de conflitos.
buco: Pessoas da própria localidade são
capacitadas para auxiliar na resolução de • 06 casos que tratavam de práticas que não
conflitos rotineiros da comunidade; tinham ligação com atores do sistema de
justiça;
d. Centro de Mediação e Cidadania do CEUT
(Centro de Ensino Unificado de Teresina): • 03 casos que tinham como ator do siste-
Foi idealizado no âmbito da Faculdade de ma de justiça o Judiciário, que foi o ator
Ciências Humanas, Saúde, Exatas e Jurí- de destaque no estudo de caso da Região
dicas de Teresina e realizado em parceria Sudeste e, portanto, foi excluído para que
com a Defensoria Pública e o Judiciário, pudéssemos aproveitar práticas envolven-
atuando na solução de conflitos de famí- do os demais atores;
lia e cíveis por meio da mediação; e
• 01 caso que já estava catalogado no proje-
e. Balcão de Direitos (Bahia): Implementa- to de pesquisa.
do pela Defensoria Pública do Estado que
visa prestar assistência a comunidades Com as exclusões acima, restaram 20 ca-
indígenas por meio de visitas in loco, nas sos que, somados aos 02 casos da região
quais se verificam quais são as demandas Sul apresentados no Projeto de Pesquisa
da comunidade, prestando-se assistência em mapeamento exploratório, totaliza-
jurídica (propositura de ações e orienta- ram o número de 22 casos.

16
Na sequência, foi realizada atualização etc.) envolvendo diferentes atores
do banco de dados de Moema Pruden- do sistema de justiça. Destacou-se
te para considerar as edições de 2012 o maior número de experiências nos
e 2013 do Prêmio Innovare. Na edição estados do Rio Grande do Sul e de
2012 desse Prêmio não foram encontra- Santa Catarina.
das experiências de mediação no Sul do
país e na edição 2013 foram encontradas 3. Em seguida, foram analisadas minu-
apenas duas práticas: “Mediação familiar ciosamente as práticas que mais cha-
itinerante: acesso à justiça e direitos ao maram atenção:
cidadão”, das cidades de Caxambu do
Sul e Nova Itaberada/SC, e “Balcão do 4. Casa de mediação da OAB/RS :
Consumidor: Mediação das Relações de Inaugurada em março de 2011 com
Consumo” da cidade de Passo Fundo/ o apoio do Ministério da Justiça, a
RS. Casa de Mediação da OAB/RS pres-
ta atendimento gratuito às pessoas
1. A partir de pesquisa complementar, em situação de vulnerabilidade so-
foram catalogadas mais 06 práticas cial para solução de conflitos e para a
por meio de mapeamento explorató- democratização do acesso à Justiça.
rio, sendo elas: (i) “Caxias da paz” – É o primeiro projeto das seccionais
Projeto que instituiu a justiça restau- da OAB. Oferece atendimento para
rativa como política pública na cida- mediação de conflitos junto à comu-
de de Caxias do Sul/RS; (ii) “Casa de nidade, cursos para capacitação de
mediação - OAB/RS”; (iii) “Escritório mediadores, entre outros serviços.
Modelo de Assistência Jurídica”, da Recentemente, firmou convênio com
UFSC; (iv) “Centro Interdisciplinar de o TJ/RS para que este encaminhe
Mediação da Unisul” (CIM); (v) “Nú- conflitos para resolução junto à Casa
cleo de Mediação e Arbitragem”, da de Mediação da OAB/RS14.
Universidade Estadual de Maringá; e
(vi) Coordenadoria Especial de Me- 5. Centro Interdisciplinar de Mediação
diação dos Conflitos da Terra - CO- da Unisul (CIM): Trata-se de Centro
ORTERRA (estado do Paraná). de Mediação da Universidade do Sul
de Santa Catarina, no campus da ci-
2. Portanto, no total, foram conside- dade de Tubarão/SC. As mediações
rados 30 casos na Região Sul, que são realizadas em um único dia da
tratam de mediação comunitária, fa- semana. A mediação é realizada na
miliar, escolar, dentre outros tipos de Casa da Cidadania, que, além do cen-
mediação (voltada a adolescentes, tro de mediação, também conta com
relação familiar, conflitos agrários, um setor de psicologia, Unidade judi-

14 http://www.oabrs.org.br/comissoes/casademediacao/noticias/casa-mediacao-oabrs-e-judiciario-assinam-convenio-para-reso-

lucao-conflitos/14585. Acesso em 09/07/2014.

17
ciária de Cooperação do Foro da Uni- à justiça e direitos ao cidadão”, das
sul e serviço social. A equipe é multi- cidades de Caxambu do Sul e Nova
disciplinar. Itaberada/SC: “A Mediação Familiar
da Unochapecó foi implantada em
6. Caxias da Paz (Caxias do Sul/RS): 2004, com o objetivo de oferecer
Trata-se de política pública imple- estágio curricular obrigatório, não
mentada na cidade de Caxias do Sul. obrigatório e voluntário aos estudan-
A prática começou no ano de 2010 tes dos cursos de Direito, Psicologia
com a sensibilização, formação de li- e Serviço Social da Unochapecó, e
deranças, formação de facilitadores, tem por escopo oportunizar à popu-
consultoria de implantação e super- lação o acesso ao direito como forma
visão de práticas. Depois da consoli- de desburocratizar as práticas judi-
dação da prática e da ampla aceita- ciais que envolvem o conflito familiar.
ção e participação da sociedade, foi Atende pessoas que necessitam solu-
promulgada a Lei Municipal 7.754, de cionar questões que envolvem direito
2014, que instituiu o Programa de Pa- de família: divórcio; partilha de bens;
cificação Restaurativa no município ações de guarda/modificação e guar-
de Caxias do Sul, através da instala- da compartilhada; pensão alimentícia
ção do Núcleo de Justiça Restaurati- e revisão/majoração de alimentos; re-
va e das Centrais de Pacificação Res- gulamentação de convivência (direito
taurativa. de visitas); dissolução de união está-
vel; reconhecimento de paternidade,
7. Justiça Comunitária (Mediação Co- entre outros. Além disso, promove a
munitária) – Bagé/RS: Implementada inserção comunitária da universida-
em 2010 com apoio do Ministério da de.”15 Desde 2011 realiza mediações
Justiça (Pronasci) e da Prefeitura de itinerantes nos municípios de Caxam-
Bagé. Atualmente, tem parceria com bu do Sul e Nova Itaberaba;tem par-
a Universidade da Região da Cam- ceria com as Prefeituras, Conselhos
panha (Urcamp) e a Brigada Militar. Tutelares e Assistências Sociais des-
Foi implementado o Núcleo de Me- tes Municípios
diação Comunitária com uma equipe
multidisciplinar formada por advoga- II. 5. CONSTRUÇÃO DA BASE DE
das, psicólogas e assistentes sociais, DADOS DA REGIÃO CENTRO-
agentes comunitários, estagiários, OESTE
voluntários.
Na região Centro-Oeste, o trabalho de
8. “Mediação familiar itinerante: acesso Moema Dutra Freire Prudente identificou

15 LANGOSKI, Deisemara Turatti. Mediação familiar itinerante: acesso à justiça e direitos ao cidadão. Prêmio Innova-

re, Edição X, 2013 Disponível em http://www.premioinnovare.com.br/praticas/mediacao-familiar-itinerante-acesso-a-justica-e-

-direitos-ao-cidadao/. Acesso em 15/11/2014.

18
16 casos nos Estados do Mato Grosso, la elaborada por Moema Prudente. O ou-
Mato Grosso do Sul e Goiás e no Distrito tro caso, “Câmara Permanente Distrital
Federal. Desse total de casos, foram ex- de Mediação em Saúde – CAMEDIS” foi
cluídos: catalogado.

• 04 casos que não se encaixavam no cri- Na sequência, foi realizada atualização


tério relacionado ao objeto da pesquisa do banco de dados de Moema Pruden-
deste trabalho, ou seja, não utilizavam a te para considerar as edições de 2012 e
mediação e conciliação como métodos de 2013 do Prêmio Innovare.
resolução de conflitos.
Na edição 2012 do Prêmio Innovare fo-
• 01 caso que consiste na disseminação das ram encontradas 02 práticas deferidas.
práticas de conciliação entre os atores de Dessas, 1 prática, a “Posto Avançado
justiça envolvidos, sem, contudo, estabe- de Conciliação Extraprocessual”, foi ex-
lecer um programa institucionalizado de cluída por ter como ator do sistema de
conciliação. justiça o Judiciário. A outra prática foi
catalogada, qual seja: “Central da Con-
• 04 casos não encontrados pelo acesso ao ciliação”, com localização no estado do
banco de dados pesquisado pela Moema Mato Grosso.
ou pela busca livre na internet.
Na edição 2013 do mesmo prêmio foram
• 01 caso que tratava de prática sem ligação encontradas 06 práticas deferidas. Des-
com atores do sistema de justiça; se total de casos, foi excluído um caso
(“Programa de Conciliação da Procura-
Com as exclusões acima, restaram 06 doria-Geral Federal”) que consiste na
casos. Dentre os 02 casos da região Cen- disseminação das práticas de concilia-
tro-Oeste, apresentados no Projeto de ção entre os atores de justiça envolvidos,
Pesquisa em mapeamento exploratório, sem contudo estabelecer um programa
01 caso também foi encontrado na tabe- institucionalizado de conciliação.

Gráfico 3. Localização das Práticas de Mediação

19
A partir de pesquisa complementar, fo- nuciosamente as práticas que mais cha-
ram catalogadas mais 02 práticas por maram atenção:
meio de mapeamento exploratório na
internet, sendo elas a “Câmara Per- 1. Câmara Permanente Distrital de Me-
manente de Mediação de conflitos de diação em Saúde (CAMEDIS): As res-
cunho habitacional no Distrito Federal” ponsáveis são a Defensoria Pública
e o “Posto Avançado de Conciliação Ex- e a Secretaria de Saúde do Distrito
traprocessual da Câmara de Mediação e Federal. Suas atividades tiveram iní-
Arbitragem da Associação Comercial e cio em 2013 e seu objetivo principal
Industrial de Campo Grande”. é a solução mediada ou conciliada de
conflitos envolvendo o direito à saú-
Portanto, foram catalogados ao todo 15 de. O programa foi instaurado após
casos na Região Centro-Oeste, que tra- a constatação de que grande parte
tam de mediação comunitária, de saú- das demandas encaminhadas à DP/
de, de habitação, previdenciária, entre DF era relacionada a serviços e pro-
outros tipos de mediação, e envolveram dutos de saúde, e que seria possível
diferentes atores do sistema de justiça, solucioná-las sem a necessidade de
como a Advocacia Geral da União, a De- judicialização. A mediação é realiza-
fensoria Pública, a Procuradoria Geral da da dentro do setor de judicialização
União, o Ministério Público, o Poder Ju- da Secretaria de Saúde do Distrito
diciário, etc. Federal e o próprio Defensor Público
atua como mediador.
Destacou-se o maior número de experiên-
cias no Distrito Federal e nos Estados do 2. Justiça Comunitária: Um instrumento
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Das 15 de resolução de conflitos nas comuni-
práticas catalogadas, 07 contavam com dades do Distrito Federal, cujos ato-
a participação do Poder Judiciário como res do sistema de justiça envolvidos
o principal ator envolvido. A Defensoria são o Judiciário e o Ministério Públi-
Pública do Estado, por sua vez, atua em co. As práticas tiveram início outubro
04 práticas catalogadas como o principal de 2000, com base na experiência
ator envolvido e em 01 atua em parceria do Juizado Especial Cível Itinerante
com outros dois atores do sistema de jus- do TJDFT. O Programa tem como fi-
tiça. Em 01 prática a Procuradoria Geral nalidade a democratização da Justi-
da União atua como o principal ator do ça por meio do empoderamento de
programa catalogado e em 02 a Advoca- cidadãos e da comunidade, de modo
cia Geral da União foi o principal envolvi- a lhes conferir a capacidade de gerir
do no programa. Finalmente, o Ministério seus próprios conflitos. Essa aproxi-
Público e a Procuradoria Geral da Fazen- mação é feita por meio do desloca-
da aparecem cada um em 01 prática, mas mento de uma equipe, utilizando-se
ambos atuam em parceria com outro ator de um ônibus, que serve como o Jui-
do sistema de justiça. zado Cível Itinerante, devidamente
equipado para a realização dos en-
Em seguida, foram analisadas mais mi- contros (audiências, reclamações,

20
ajuizamento de demandas, etc). Na região Centro Oeste optou-se por
avaliar duas das práticas encontradas
3. Centrais de Negociação: Instaurado devido ao vínculo que possuem entre si
pela Procuradoria Geral da União no e para que fosse possível estudar pro-
Distrito Federal e nas demais unida- grama de mediação tanto processual
des da instituição no território na- como pré-processual. Os critérios para a
cional. O programa foi criado em de- escolha de tais casos foram: (i) ser re-
zembro de 2012 pela edição da Por- presentativo de práticas de mediação re-
taria PGU nº 02, que estabelece a ins- lacionada ao Poder Judiciário na região
talação de núcleos permanentes de Centro-Oeste; (ii) desenvolver práticas
fomento e operacionalização da con- de mediação e conciliação; (iii) estar li-
ciliação dentro da Procuradoria-Geral gado a atores do sistema de Justiça; (iv)
da União com o objetivo de promover estar em pleno funcionamento pelo me-
acordos em processos repetitivos. nos há 3 anos e disponibilizar informa-
O objetivo do programa é reduzir a ções para a pesquisa de campo e coleta
quantidade de conflitos submetidos de dados.
à solução judicial, promovendo a re-
dução dos gastos públicos e desafo- II. 6. CONSTRUÇÃO DA BASE DE
gando o Poder Judiciário. DADOS DA REGIÃO NORTE

4. Núcleo Permanente de Métodos Con- Na região Norte, o trabalho de Moema


sensuais de Solução de Conflitos do Dutra Freire Prudente identificou 19 ca-
Mato Grosso do Sul (NUPEMEC - MS): sos nos Estados do Acre, Pará, Rondô-
Implantado pelo Tribunal de Justiça nia, Roraima, Tocantins e Amapá. Desse
do Mato Grosso do Sul (TJMS), por total de casos, foram excluídos:
meio do Provimento nº 230/11, com
o objetivo de cumprir o determinado • 04 casos que não se encaixavam no cri-
na Resolução nº 125/10 do Conselho tério relacionado ao objeto da pesquisa
Nacional de Justiça (CNJ). deste trabalho, ou seja, não utilizavam a
mediação e conciliação como métodos de
5. Posto Avançado de Conciliação Ex- resolução de conflitos.
traprocessual da Câmara de Media-
ção e Arbitragem da Associação Co- • 02 casos que tratavam de práticas que não
mercial e Industrial de Campo Gran- tinham ligação alguma com atores do sis-
de. Trata-se de parceria firmada em tema de justiça;
2011 entre a Associação Comercial e
Industrial de Campo Grande (ACICG) • 02 casos que tinham como ator do siste-
e o Tribunal de Justiça do Mato Gros- ma de justiça o Judiciário, que foi o ator
so do Sul (TJMS) com a finalidade de de destaque no estudo de caso da Região
promover a conciliação como méto- Sudeste e, portanto, foram excluídos para
do para a solução de conflitos para o que pudéssemos aproveitar práticas en-
empresariado local. volvendo os demais atores.

21
Com as exclusões acima, restaram 11 ca- Portanto, no total, foram considerados
sos que, somados aos 03 casos da re- 17 casos na Região Norte, que tratam
gião Norte apresentados no Projeto de de mediação comunitária, familiar, es-
Pesquisa em mapeamento exploratório, colar, dentre outros tipos de mediação
totalizou o número de 14 casos. (voltada a deficientes, violência contra
a mulher, conflitos entre vizinhos, etc.)
Na sequência, foi realizada atualização envolvendo diferentes atores do sistema
do banco de dados de Moema Prudente de justiça: Ministério Público, Defensoria
para considerar as edições de 2012 e 2013 Pública, Executivo, Universidade, etc.
do Prêmio Innovare. Na edição 2012 do
Prêmio Innovare foram encontradas 02 Destacou-se o maior número de experi-
práticas deferidas. Dessas, uma prática, ências nos Estados do Pará e do Acre.
a “Conciliação sem Fronteiras”, já havia
sido catalogada no Projeto de Pesquisa. Das 17 práticas catalogadas, 02 contam
A outra prática foi catalogada, qual seja: com o Ministério Público como um dos
“Mediação: A justiça social”, com locali- principais atores envolvidos. A Defen-
zação no estado do Amapá. soria Pública, por sua vez, atua em 04
das práticas catalogadas, sendo um dos
Na edição 2013 do mesmo prêmio foi en- principais atores em 02 delas e a institui-
contrada apenas uma prática deferida. ção responsável em outras 02.
Contudo, ela foi excluída por ter como
ator protagonista o Judiciário, que já foi Sendo os Estados do Pará, Acre e Roraima
contemplado quanto da realização do aqueles que contam com um maior núme-
estudo de caso na região Sudeste. ro de práticas, foram analisados os princi-
pais temas de mediação em cada um.
A partir de pesquisa complementar, fo-
ram catalogadas mais 02 práticas por Em seguida, foram analisadas mais mi-
meio de mapeamento exploratório. A nuciosamente as práticas que mais cha-
primeira junto à 2ª Defensoria Pública do maram atenção:
Estado do Pará, em Tucuruí, que se sub-
dividia em: (i) “Defensoria De Eficientes” 1. Central de Referência em Direitos
- Programa de enfrentamento e media- Humanos (Balcão de Direitos em Ro-
ção para implementar direitos das pesso- raima): A responsável é a Defensoria
as com deficiência em Tucuruí; (ii) “Voz Pública do Estado. Suas atividades
Ativa” - Programa de enfrentamento e tiveram início em 2009 e o objetivo
mediação para reduzir a violência do- principal é permitir o acesso à justiça
méstica e familiar contra a mulher em Tu- para a população mais carente e vul-
curuí, (iii) Viver De “A” A “Z” – Programa nerável, por meio da mediação e de
de defesa e mediação para implementar orientação jurídica.
os direitos da criança e adolescentes em
Tucuruí. E a segunda prática junto à De- 2. Justiça Comunitária: Um instrumen-
fensoria Pública do Estado do Acre, “Jus- to de resolução de conflitos nas co-
tiça na Comunidade”, em Rio Branco. munidades do estado da florestania,

22
cujos atores do sistema de justiça flito se torne uma ação judicial. Caso
envolvidos são o Judiciário e o Minis- a mediação seja infrutífera, o caso é
tério Público. As práticas tiveram iní- encaminhado ao Juizado Especial
cio em 2002 e visam o atendimento competente. De 2002 a 2013 foram
de comunidades carentes por meio realizados 47.443 atendimentos pelo
da mediação e de orientação jurídi- programa, incluindo as palestras, ten-
ca. A ideia principal é levar a justiça tativas de acordo e orientações jurí-
até as partes, para que o cidadão dicas. No mesmo período, foram rea-
perceba a atenção que o sistema de lizados mais de 15 mil acordos.
justiça está disponibilizando a ele
e, por meio dessa percepção, possa 4. Justiça na Comunidade: Prática rea-
se empenham mais na resolução do lizada pela Defensoria Pública do Es-
conflito. Essa aproximação é feita por tado do Acre, em Rio Branco, desde
meio do deslocamento de uma equi- 2001. Há o atendimento da parte em
pe, utilizando-se de um ônibus, que conflito (que pode ou não já ter in-
serve como o Juizado Cível Itineran- gressado com a demanda judicial) e
te, devidamente equipado para a re- a análise da questão. Diante da pos-
alização dos encontros (audiências, sibilidade de transação, a outra parte
reclamações, ajuizamento de deman- é chamada para a realização da me-
das, etc.). diação. A ideia principal é evitar que
o conflito seja convertido em deman-
3. Justiça Comunitária, no Acre: Pro- da judicial, porém, determinadas de-
grama social fruto de convênio en- mandas encontram um fim amigável
tre o Tribunal de Justiça do Acre e por meio dessa prática também. Se
o Ministério da Justiça, trabalhando não houver solução do litígio, a par-
por meio de palestras, mediação e te que solicitou a mediação poderá,
orientação jurídica. Há uma equipe de imediato, solicitar o ingresso na
multidisciplinar que inclui assistentes Justiça. Para a realização da Justiça
sociais, psicólogos, etc. Para a for- na Comunidade a Defensoria Públi-
mação dessa equipe que atenderá ca do Estado estabeleceu convênio
às reclamações dos cidadãos é feito com a Universidade Federal do Acre.
um processo seletivo e uma capacita- Em média, são realizados de 30 a 40
ção dos selecionados. Há núcleos fi- acordos por mês.
xos nos bairros atendidos, onde essa
equipe selecionada e capacitada fica 5. “Defensoria De Eficientes - programa
à disposição. O cidadão envolvido de enfrentamento e mediação para
em determinado conflito recorre ao implementar direitos das pessoas
atendimento dessa e recebe a orien- com deficiência em Tucuruí”: Reali-
tação necessária. Se estiver disposto zado pela 2ª Defensoria Pública de
a tentar a mediação, é enviada uma Tucuruí, no Estado do Pará. Essa prá-
“carta-convite” à outra parte e, com o tica visa a implementação dos direi-
aceite desta, realiza-se o encontro. A tos de pessoas com deficiências, por
ideia do programa é evitar que o con- meio de mediações e conciliações. A

23
criação do Conselho Municipal dos por si só, alcançar uma solução; (iii)
Direitos da Pessoa com Deficiência Formação de Redes Sociais: É o ma-
em Tucuruí foi o primeiro passo. Com peamento da comunidade mediante
este órgão, tornou-se possível a ela- mobilização social de pessoas e ins-
boração de estudos e projetos vol- tituições, ajudando a construir uma
tados aos deficientes, e o acompa- comunidade mais forte e consolida-
nhamento, avaliação e mediação da da. Os conflitos mais comuns envol-
execução das políticas municipais de vem questões de direito de família,
acesso à educação, saúde, trabalho, inquilinato e disputas entre vizinhos.
assistência social, transporte, cultura, O objetivo principal é proporcionar à
turismo, desporto, lazer, urbanismo comunidade a solução de seus con-
e outras questões relativas à pessoa flitos sem que seja preciso o ingresso
com deficiência. Em maio deste ano, no Judiciário.
a Defensoria Pública em Tucuruí rea-
lizou audiência de mediação entre as
associações de defesa da pessoa com III. O PRIMEIRO
deficiência e a empresa de transporte
urbano Viação Tucuruí. Em pauta, es- ESTUDO DE CASO
tava a qualidade na prestação do ser-
viço e o respeito aos direitos dos de- – REGIÃO SUDESTE
ficientes. Foi firmado termo de ajuste
de conduta e concedido um prazo de III. 1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO DO
30 (trinta) dias para a realização do CEJUSC DE JUNDIAÍ
treinamento e manutenções estabe-
lecidos no acordo. Após o mapeamento de experiências
dos atores de Justiça que se utilizam
6. Justiça Comunitária, em Palmas/TO: da mediação na região Sudeste, foi es-
Trata-se de um programa surgido a colhido o primeiro caso a ser estudado,
partir de um convênio entre a União, para realização de pesquisa de campo
por intermédio do Ministério da Jus- e empírica por meio de entrevistas em
tiça através da Secretaria de Reforma profundidade com os atores envolvidos
do Judiciário e a Defensoria Pública e observação in loco da prática selecio-
do Estado do Tocantins. Sua atua- nada.
ção se dá por meio de três frentes: (i)
Educação para os Direitos: É o aten- O caso é desenvolvido no Estado de São
dimento especializado em cada área: Paulo e está relacionado à mediação no
direito, psicologia e serviço social, re- Judiciário: trata-se do Centro Judiciá-
alizado pela equipe multidisciplinar rio de Solução de Conflitos e Cidadania
do projeto; (ii) Mediação de Conflitos: (CEJUSC) da comarca de Jundiaí.
É o método consensual de conflitos,
que visa a facilitação do diálogo en- A escolha pelo estudo de um CEJUSC
tre as partes, para que melhor admi- também se justifica por ser representa-
nistrem seus problemas e consigam, tivo de um movimento de criação des-

24
sas unidades judiciárias pela Resolução (art. 10) e contar com juízes, servidores,
nº 125/2010, do CNJ, que objetiva con- mediadores e conciliadores devidamen-
solidar política judiciária nacional de te capacitados em métodos consensuais
tratamento adequado dos conflitos de de solução de conflitos. A administração
interesses no âmbito do Poder Judici- do Centro é de responsabilidade do ma-
ário, com incentivo e aperfeiçoamento gistrado, que deverá também supervisio-
de mecanismos consensuais de solução nar a atuação e capacitação dos conci-
de conflito, em especial a mediação e liadores e mediadores cadastrados em
a conciliação16. Os CEJUSCs vêm sendo seu Centro conforme conteúdo progra-
instalados pelos tribunais, existindo hoje mático mínimo estabelecido na própria
no Brasil aproximadamente 180 centros, Resolução nº 125/10.
dos quais a maior parte (aproximada-
mente 110) se encontra no Estado de São Mesmo antes da Resolução nº 125/10, já
Paulo17. Essa também foi uma das razões existiam programas/centros de mediação
de o caso de mediação judicial na região e conciliação no Judiciário, e o esforço
Sudeste ter sido escolhido em São Paulo. após o advento de referida resolução foi o
de adaptação às novas regras. O CEJUSC
Segundo determina a Resolução nº de Jundiaí foi um dos primeiros a ser im-
125/10, os CEJUSCs são estruturas ju- plantado e continua em pleno funciona-
diciais responsáveis pela realização de mento, tendo recebido, desde sua criação
sessões de mediação e conciliação de em outubro de 2005, 30.711 reclamações,
conflitos nas áreas cível, fazendária, pre- das quais 7.010 foram endereçadas ao se-
videnciária, de família ou dos Juizados tor pré-processual (1.304 causas cíveis e
Especiais Cíveis, Criminais e Fazendá- 5.706 causas de família) e 23.701 ao se-
rios (art. 8º). Devem necessariamente tor processual (11.790 causas cíveis e 11.911
ser compostos por setores de solução causas de família), conforme gráfico 4.
de conflitos pré-processual, de solução
de conflitos processual e de cidadania O número de acordos obtidos no Cen-

Gráfico 4. Quantidade de casos que foram endereçados aos programas pré-processual e


processual do CEJUSC de Jundiaí

25
tro nesse mesmo período foi 9.759, dos do, a Juíza Coordenadora do CEJUSC
quais 3.154 (160 causas cíveis e 2.994 Jundiaí mantém controle das execuções
causas de família) foram obtidos no setor distribuídas ao seu cartório de acordos
pré-processual e 6.605 no setor proces- firmados nos setores do Centro18_19, que
sual (1.951 causas cíveis e 4.654 causas são, nos últimos 12 meses, de 22,3% so-
de família), conforme também demons- bre acordos firmados no setor processu-
tra gráfico 5. al e de 7,78% sobre acordos firmados no
setor pré-processual20.
Embora o número de acordos seja utili-
zado pelo CNJ como parâmetro de ava- O CEJUSC Jundiaí conta com os se-
liação do sucesso de um CEJUSC, a com- tores processual e pré-processual que
paração entre reclamações recebidas e atendem toda a população residente
acordos realizados deve ser realizada na comarca. Com o auxílio da divulga-
com parcimônia, especialmente consi- ção realizada pelos Juizados Especiais,
derando que (i) a realização de sessões Defensoria Pública, Ministério Público,
pode ser prejudicada pela ausência das Conselho Tutelar e outros órgãos go-
partes, (ii) uma sessão pode ser declara- vernamentais, o Centro está ampliando
da infrutífera, mas recolocar as partes em exponencialmente o acesso aos seus
diálogo ou (iii) o acordo firmado pode serviços. Além disso, o reconhecimento
não ter sido benéfico ou factível de ser acerca das práticas do CEJUSC Jundiaí
observado para ambas as partes, ocasio- está se ampliando de tal modo que di-
nando seu descumprimento. Assim sen- versos alunos de cursos de capacitação

16 Um dos pilares da política judiciária nacional implementada pela Resolução nº 125/10 é a mudança de paradigma

dos serviços judiciários, fazendo-os abranger também a mediação e conciliação, com a redução da judicialização

excessiva e um cuidado especial que deve haver em relação à qualidade destes serviços, transformando-se o con-

ceito de acesso à justiça em acesso à ordem jurídica justa.

17 O número de CEJUSCs no Estado de São Paulo foi obtido junto ao Núcleo Permanente de Métodos consensuais

de solução de conflitos do TJSP. O número total de CEJUSCs no Brasil, contudo, não foi passível ainda de confir-

mação junto ao CNJ, que não mais disponibiliza pela internet esta informação. A solicitação deste dado foi feita ao

CNJ pelo telefone, estando-se aguardando a resposta.

18 Sobre o tema a Juíza Coordenadora do CEJUSC Jundiaí afirmou: “o índice de execução dos acordos é um índice

que não é exigido pela Corregedoria Geral da Justiça na planilha mensal. Só que aqui existe o controle desse dado.

Isso porque eu entendo que o a capacitação adequada dos mediadores é medida pelo índice de execução, não

pelo índice de acordos. Um bom mediador não é que o que faz mais acordos. O bom mediador é o que consegue

fazer com que as partes se entendam, voltem a dialogar e, no futuro, resolvam seus conflitos por elas mesmas. O

índice de acordos é o que o Tribunal exige, mas não serve para avaliar a qualidade de mediador. Então aqui existe

o acompanhamento do índice de execução dos acordos.”

19 Esses dados estatísticos, apesar de pedido da magistrada coordenadora do CEJUSC aos demais magistrados da

Comarca, não são mantidos pelas demais Varas do Fórum de Jundiaí.

20 Os valores são calculados com base no total de acordos firmados em cada setor do CEJUSC no período de um ano.

26
Gráfico 5. Quantidade de acordos obtidos nos programas pré-processual e processual do
CEJUSC de Jundiaí

de mediação optam por realizarem seu (EPD) e a Escola Superior de Advoca-


estágio junto a esse Centro, mesmo que cia da Ordem dos Advogados do Brasil
pretendam atuar em outro CEJUSC mais (ESA). Não há no CEJUSC Jundiaí dire-
próximo de sua residência21. trizes específicas sobre quais métodos
utilizar, sendo os mediadores e concilia-
As técnicas de mediação utilizadas no dores capacitados para aprender dife-
CEJUSC Jundiaí são baseadas nas prá- rentes técnicas e a aplicá-las segundo as
ticas ensinadas nos cursos de media- especificidades de cada caso22.
ção oferecidos por escolas profissiona-
lizantes ou centros de pesquisa como Finalmente, a prática do CEJUSC Jundiaí,
o CEBEPEJ, a Escola Paulista de Direito junto com as experiências do Setor de

21 Essa afirmação pode ser verificada na fala de mediador do CEJUSC Jundiaí: “O grande diferencial daqui... eu não

conheço outras, não trabalho em outros, mas todos que vieram do estado de São Paulo fazer estágio aqui com a

gente, de vários cursos, tiveram o nosso como referência. E eu acho, na minha opinião, que nós mediadores deve-

mos ao Supervisor, porque a gente tem o facilitador para todo o nosso trabalho, veio dele”.

22 Sobre essa utilização de metodologias diversas pelos mediadores do CEJUSC Jundiaí, a Juíza Coordenadora

explicou: “Em São Paulo já havia muitos institutos de mediação, que surgiram na área privada, a partir da edição

da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96). Então, quando veio a Resolução n. 125/2010 do CNJ, já existiam muitos

profissionais aptos a trabalhar com a mediação, e vários institutos de mediação que seguiam diferentes Escolas

de Mediação existentes em outros países, praticando, por exemplo, a mediação transformativa, a mediação ava-

liativa, a circular narrativa, a reflexiva, dentre outras. Então, apesar de ter havido uma certa imposição do CNJ, em

relação à capacitação para a mediação facilitativa, a Escola Paulista da Magistratura permitiu que os cursos de

capacitação contivessem várias visões, das diferentes Escolas. Por isso, entendo que o Estado de São Paulo acabou

tendo uma certa vantagem na capacitação em comparação a outros Estados, já que manteve a possibilidade dos

cursos passarem essa visão geral de todas as escolas, com a participação de professores dos vários institutos que

aqui existem. Com isso, em Jundiaí foram realizados apenas cursos presenciais de capacitação de conciliadores e

mediadores, e não cursos à distância, com as diferentes visões sobre a mediação, o que contribuiu para a melhor

qualidade do serviço prestado. Infelizmente, mesmo no Estado de São Paulo, a maioria das Comarcas se limitou a

disponibilizar cursos de capacitação à distância, no modelo do CNJ (mediação facilitativa).”

27
Conciliação e Mediação de Serra Negra e III. 2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
de Patrocínio Paulista, foi tida como refe- PROGRAMA
rência para a elaboração dos Provimen-
tos do Conselho Superior da Magistratu- O setor de mediação de Jundiaí foi inspi-
ra do TJSP (CSM) nº 893/04 e nº 953/05 rado no programa de mediação e conci-
e da Resolução CNJ nº 125/1023. Além liação desenvolvido nas cidades de Serra
disso, a Juíza Coordenadora do CEJUSC Negra e Patrocínio Paulista dentro do es-
Jundiaí organizou a elaboração de guia copo do “Projeto de Gerenciamento de
prático sobre a instauração e funciona- Processo”, que por sua vez tinha como
mento de CEJUSCs que é utilizado como objetivo a racionalização das atividades
modelo pelo Tribunal de Justiça do Es- cartoriais, a mudança de mentalidade
tado de São Paulo (TJSP). Embora as dos juízes e a introdução de mecanismos
práticas descritas no guia não sejam de alternativos de solução de conflitos jun-
aplicação obrigatória, o modelo de atu- to aos órgãos jurisdicionais25.
ação do CEJUSC Jundiaí certamente é
referência para os demais Centros exis- O desenho desses setores de concilia-
tentes ou em criação no Brasil24. ção e mediação implantados nas cida-

23 Nesse sentido relatou a magistrada coordenadora do CEJUSC Jundiaí: “A Resolução n. 125/2010 do CNJ, partiu

de uma proposta do professor Kazuo Watanabe e eu fui convidada a integrar o grupo de trabalho que ficou respon-

sável pela elaboração da minuta dessa Resolução; então, o que fizemos, foi levar toda a experiência que já tínhamos

consolidado em São Paulo, a partir da instalação dos Setores de Conciliação e Mediação (Provimentos CGJ ns.

893/04 e 953/05), criados com base no Projeto de Gerenciamento de Casos do CEBEPEJ, nos idos de 2004, para

essa Resolução, e tentar expandí-la, multiplicando-a para todo o Brasil. Portanto, em Jundiaí pouca coisa teve que

ser modificada, pois desde 2005, já tínhamos Setor de Conciliação e Mediação, inclusive com a fase pré processual,

estando a implantação bem consolidada, com mediadores capacitados”.

24 O guia prático sobre o funcionamento de CEJUSCs pode ser encontrado em http://www.tjsp.jus.br/Institucional/

CanaisComunicacao/Noticias/Noticia.aspx?Id=19140

25 O Centro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ) promoveu, com a participação de juízes, promotores e

advogados, um estudo sobre o gerenciamento de processos, e disso resultou um projeto piloto que foi implantado,

experimentalmente, nas Comarcas de Patrocínio Paulista e Serra Negra. Em razão do sucesso obtido, a experiência

foi aprovada pelo Conselho Superior da Magistratura do TJSP. Cf. WATANABE, Kazuo. “A Mentalidade e os Meios Al-

ternativos de Solução de Conflitos no Brasil”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO,

Caetano (Coord.). Mediação e Gerenciamento do Processo: revolução na prestação jurisdicional. São Paulo: Atlas,

2007, p. 9. Maiores informações sobre o Projeto de Gerenciamento do Processo podem ser encontradas em: GA-

JARDONI, Fernando da Fonseca; ROMANO, Michel Betenjane; LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. “O gerenciamento

do processo”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Mediação e

Gerenciamento do Processo: revolução na prestação jurisdicional. São Paulo: Atlas, 2007, pp. 18-34.

28
des de Serra Negra e Patrocínio Paulista rência da Juíza responsável por instituir
foi desenvolvido por magistrados atu- o Setor de Mediação e Conciliação de
antes nessas cidades, com o auxílio de Serra Negra para a comarca de Jundiaí.
membros do CEBEPEJ, da Presidência Foram adotados os mesmos moldes do
do TJSP, de Promotor de Justiça de Ser- Setor de Conciliação e Mediação de Ser-
ra Negra e do Desembargador Caetano ra Negra, com similares procedimentos e
Lagrasta Neto26. divisão do Centro em fase processual e
pré-processual. Esse momento foi relata-
Conforme previsto no “Projeto de Ge- do pela Juíza Coordenadora do Centro:
renciamento de Processos”, os setores
de conciliação e mediação das referidas “Como eu tinha a experiência de
cidades foram divididos em duas fases: 2004 de Serra Negra, quando fui
pré-processual e processual. A fase pré- promovida para Jundiaí em 2005, eu
-processual, conforme sugere o nome, logo implantei o setor de conciliação
ocorre em momento anterior à distribui- e mediação. Então, quando instala-
ção de processo perante o Poder Judici- mos o CEJUSC, eu já tinha o pré-pro-
ário. Se houver acordo, o termo assinado cessual, porque eu sempre trabalhei
pelas partes assume a validade de título com o pré-processual, apesar de na
executivo e, por outro lado, se a sessão época, em 2005, não ser obrigatório,
for infrutífera ou prejudicada as partes porque pelo Provimento CGJ 953/05
são aconselhadas a encaminhar seu con- não era obrigatória nem mesmo a
flito para solução judicial. Já a fase pro- instalação de Setor de Conciliação e
cessual ocorre em momento posterior Mediação nas Comarcas. Muitas Co-
ao ajuizamento de ação judicial e pode marcas só tinham o setor processual
substituir a audiência de conciliação dos e eu implantei o pré-processual logo
Juizados Especiais ou do Código de Pro- que eu assumi Jundiaí, em 2005.”
cesso Civil27.
Após a Resolução nº 125/2010, do CNJ, o
O setor de mediação de Jundiaí foi im- setor de conciliação e mediação passou
plementado em 2005, após a transfe- a se denominar CEJUSC Jundiaí. Atual-

26 Conforme fala da Juíza Coordenadora do CEJUSC Jundiaí: “O projeto foi desenvolvido pelo CEBEPEJ com orien-

tação do professor Kazuo Watanabe e do Desembargador Caetano Lagrasta. O Presidente do Tribunal de Justiça

na época, que era o Desembargador Luiz Elias Tâmbara, permitiu que a instalação do projeto como piloto nas Varas

de Serra Negra e Patrocínio Paulista, sendo que eu era a titular da primeira, e contamos, na execução do projeto,

com a participação, do juiz Fernando da Fonseca Gajardoni e do Promotor de Justiça Michel Betenjane Romano.”

27 Sobre a decisão de dividir os dois setores, a Juíza Coordenadora relata: “Com o projeto de gerenciamento do

processo, elaborado pelo CEBEPEJ é que teve início a ideia de se tentar uma conciliação ou mediação, antes de

propositura da ação, sem necessidade de distribuição. E então, a partir de 2004, começamos, em Serra Negra, a

dividir o Setor em duas fases, tentando uma composição na fase pré-processual, antes da distribuição da ação.

Portanto, não há dúvida, que o que está na Resolução 125 hoje, como setor de solução de conflitos pré processual

teve origem nesse projeto de 2004.”

29
mente, a estrutura do CEJUSC Jundiaí é juiz quis abrir mão de um funcioná-
intimamente influenciada pelo envolvi- rio, e, na verdade, ninguém tinha fun-
mento de atores do sistema de justiça e cionários em número suficiente para
das parcerias estabelecidas com a Pre- ceder. Então, o CEJUSC foi instalado
feitura Municipal de Jundiaí e com a Uni- com apenas um funcionário do Tri-
versidade Padre Anchieta. O Centro con- bunal. Depois, eu tive que procurar
ta com o apoio institucional do CSM pela outros funcionários, através de par-
edição dos provimentos nº 893/2004 cerias; e para tanto, conversei com o
e nº 953/2005, responsáveis por esti- Prefeito, que acabou disponibilizan-
mularem e estabelecerem as primeiras do o advogado mediador, que su-
diretrizes a respeito da implantação de pervisiona os mediadores, e mais um
Centros de Mediação por magistrados funcionário, que atua no atendimen-
no Estado de São Paulo, e também do to processual. Eles são contratados
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por pela Prefeitura. Toda a relação traba-
meio da Resolução nº 125/2010, que de- lhista é com a Prefeitura. E também
terminou a obrigatoriedade de implanta- temos o convênio com a Universi-
ção de CEJUSC em todas as comarcas dade Padre Anchieta, que cedeu o
com pelo menos cinco unidades jurisdi- espaço, os computadores e as duas
cionais (art. 8º, §2º). funcionárias que trabalham no aten-
dimento do setor pré-processual”.
O TJSP e a Universidade Padre Anchie-
ta viabilizam a estrutura física, pessoal Os demais órgãos do sistema de justiça,
e material dos setores processual e pré- em especial a Defensoria Pública e o Mi-
-processual, respectivamente. A Prefei- nistério Público, participam da estrutura
tura é responsável pelo fornecimento de do Centro de maneira não institucionali-
alguns funcionários, como o advogado zada, pelo encaminhamento de conflitos
supervisor dos mediadores, que são por aos setores processual e pré-processual e
ela contratados e cedidos ao CEJUSC. por eventual participação em sessões de
Sobre essa estrutura a Juíza Coordena- mediação. Sobre esse respeito se mani-
dora do Centro relata: festou a Juíza Coordenadora do Centro:

“(...) na época que eu tinha setor de “O Promotor de Justiça e o Defen-


conciliação e mediação ele funcio- sor Público costumam participar de
nava dentro do meu cartório com algumas sessões de mediação pré-
os meus funcionários; não tinha nem -processuais, das quais eles têm co-
um funcionário a mais. Quando o nhecimento, porque também acom-
CEJUSC foi instalado, o Tribunal de- panham os casos, quando se trata
terminou que haveria um funcioná- de matéria de maior gravidade, O
rio, mas ele deveria ser cedido por al- promotor, por exemplo, tem enca-
guma das Varas. Então o que eu fiz? minhado muitos casos de idoso, que
Eu tirei a minha escrevente de sala, e embora seja a parte interessada, não
disponibilizei-a para ser a coordena- está presente. (...) o promotor aten-
dora do CEJUSC, pois nenhum outro de algumas famílias carentes, que

30
tem um idoso com problemas e não específicos destinados à remuneração
tem como internar, mas ninguém da ou reciclagem do conhecimento de me-
família quer cuidar. O promotor en- diadores, conforme se verifica na crítica
caminha para o setor pré-processual realizada por mediadora e pela Juíza Co-
e geralmente é feito um acordo entre ordenadora do Centro:
os familiares. Nesses casos muitas
vezes ele acompanha e participa da “Eu sempre soube que seria volun-
sessão. Não vai adiantar entrar com tário, mas não dá para ser voluntário
uma interdição e ser nomeado um para sempre, eu acho que tem que
responsável, se os parentes não tive- ter uma remuneração, ou pelo me-
rem consciência de que eles têm que nos uma ajuda de custo para essa
cuidar dele, certo? Nesses casos, é parte de reciclagem. O mediador
designada uma sessão de mediação tem sempre que se reciclar seu co-
para os familiares compreenderem nhecimento, como em qualquer pro-
que todos tem que ajudar a cuidar fissão. Acho que tem que melhorar
do idoso, pois todos são responsá- isso, mais valorização do próprio Tri-
veis por ele, e muitas vezes eles divi- bunal de Justiça em relação aos me-
dem as tarefas: um paga e os outros diadores.”
cuidam, ou eles concordam em co-
locar em uma clínica e todos pagam, “Teria que ter remuneração dos me-
ou um paga e o outro cuida, ou en- diadores para eles poderem fazer
tão todos cuidam, ou ainda, cada vez outros cursos e não só os que eu
fica na casa de um por um período. trago para cá. Porque senão o me-
E o acordo é feito, eu homologo, e diador não recebe nada, trabalha de
vale como título executivo. Eu nun- graça, e ainda vai investir em curso?
ca tive caso de execução desse tipo Ele não tem condição nenhuma. En-
de acordo; quer dizer, funciona, está tão fica difícil você cobrar uma qua-
funcionando.” lidade, cobrar reciclagem dele se ele
não tem remuneração.”
“não existe um promotor ou defen-
sor de plantão no CEJUSC. Isso seria Pelo estudo de caso, foi possível consta-
ideal porque, tendo uma sessão em tar que o engajamento da Juíza Coorde-
que acontece alguma coisa o defen- nadora do CEJUSC Jundiaí, no trabalho
sor poderia ser chamado imediata- de tornar efetivo o acesso à justiça - par-
mente ou, se uma parte precisa de ticipando da redação de provimentos e
orientação, a Defensoria já estaria ali. resoluções que estimulam a organiza-
(...) Mas eles tem obrigação de parti- ção e multiplicação de unidades judici-
cipar, pela Resolução 125.” árias voltadas aos métodos consensuais
de solução de conflitos, bem como sua
O financiamento do programa ocorre busca por estabelecer parceria com a
de forma conjunta entre o TJSP, a Pre- prefeitura e com a Universidade Padre
feitura Municipal de Jundiaí e a Univer- Anchieta, foram cruciais para a estrutu-
sidade Padre Anchieta. Não há recursos ração e funcionamento do Centro. De

31
todo modo, o funcionamento do progra- va de conciliação que está no proce-
ma é intimamente influenciado pelo fato dimento do Juizado, porque já houve
de estar vinculado ao Poder Judiciário. tentativa de conciliação no setor pré-
-processual do CEJUSC. Então chega
No setor processual do CEJUSC, a me- no Juizado a reclamação com aquele
diação e a conciliação ocorrem em meio Termo de Conciliação Infrutífero e o
a um processo judicial e podem substi- juiz já marca a instrução diretamente.
tuir a audiência de conciliação prevista Isso tem abreviado bastante o proce-
no Código de Processo Civil e na Lei dos dimento do Juizado.”
Juizados Especiais Cíveis, não havendo
a necessidade de realização desta au- Outra peculiaridade decorrente da vin-
diência, desde que apresentado termo culação institucional do CEJUSC a um
de conciliação lavrado no CEJUSC. As órgão do sistema de justiça é a obriga-
partes geralmente comparecem acom- toriedade legal de capacitação dos me-
panhadas de advogados e da sessão in- diadores e conciliadores cadastrados no
frutífera ou prejudicada é aberto prazo Tribunal e atuantes nos Centros.
ao reclamado para oferecer contestação.
Além disso, a existência de regulamen-
Do mesmo modo, no setor pré-proces- tação específica permitiu a consolidação
sual também a mediação e a conciliação do programa existente e a criação de no-
infrutíferas podem substituir a sessão de vos CEJUSCs com base em experiência
conciliação de eventual processo ajuiza- de sucesso, conforme relatou a magis-
do, conforme relatam mediadores e Juí- trada coordenadora do Centro:
za Coordenadora do Centro:
“Os Provimentos do Tribunal, o
“A maioria vem pela Defensoria, por- 893/2004 e o 953/2005, que esta-
que no primeiro momento, no pro- beleceram a possibilidade da insta-
cessual, existe o [art.] 331 [do Có- lação dos setores de conciliação e
digo de Processo Civil] que é a fase mediação são de suma importância
conciliatória. Então, para abreviar o hoje, porque o procedimento da fase
tempo, a Defensoria manda pra cá e pré-processual se encontra nesse
as partes já saem daqui com o [art.] último Provimento. Na verdade, na
331 pronto, com ou sem o acordo. Se Resolução 125, tínhamos colocado,
tiver o acordo acaba aqui, e se não no início, um Anexo II que trazia esse
tiver acordo, pelo menos já vai para procedimento, mas ele foi retirado
uma segunda fase, já vai para o pro- com a Emenda número 1/2013 à Re-
cesso, mas já vai com a instrução”. solução. Então as pessoas que vão
instalar o CEJUSC ficam sem parâ-
“Não obtendo acordo, pelo menos já metro quanto ao procedimento da
sai com esse Termo de Acordo Infru- fase pré-processual.”
tífero. E, quando faz a reclamação no
Juizado, não terá que passar neces- Outra característica do reconhecimento
sariamente pela audiência de tentati- institucional do programa é a menor, em-

32
bora ainda existente, resistência interna conclusão do processo, para rece-
e externa enfrentadas para a implemen- berem a provisão. E aí infelizmente a
tação e funcionamento do programa no Defensoria ainda não entendeu que
longo prazo. Relato da juíza demonstra deveria colocar nesse convênio um
certas resistências enfrentadas e como a campo exatamente para o advogado
regulamentação pode apoiar o programa: que acompanha a parte no CEJUSC
pré-processual. Mas isso a gente ten-
“(...) Os casos do setor pré-proces- ta também desde 2004. (...) Quando
sual cível são basicamente os casos mudou também o juiz de Juizado e
de competência do Juizado. Se o juiz a gente instalou o CEJUSC, eu tive
coordenador do CEJUSC não tiver uma boa conversa e agora o pré-
um bom entendimento com o juiz do -processual cível também se desen-
Juizado, quer dizer, se esse falasse volveu” (grifo nosso).
para os funcionários: ‘não, não é para
encaminhar para o CEJUSC’, eu não Finalmente, os tipos de conflitos media-
teria como fazer a pessoa chegar no dos e o encaminhamento de conflitos por
setor pré processual cível. Paralela- outros órgãos governamentais, perten-
mente, infelizmente não houve uma centes ou não ao sistema de justiça, estão
divulgação tão ampla desse serviço em grande medida relacionados ao fato
do setor pré-processual, pelo Tribu- de o CEJUSC estar vinculado ao Poder
nal, devido à resistência da OAB, por Judiciário, especialmente os conflitos me-
não haver a necessidade de advoga- diados no setor processual, que já foram
do no pré-processual, das pessoas submetidos à apreciação do Judiciário.
poderem ir sozinhas procurar. E isso
porque muito advogado, principal- O desafio da institucionalização dos CE-
mente no interior, como é aqui, vive JUSCs está relacionado ao suporte rece-
da provisão do convênio da OAB bido dos atores do sistema de justiça, no
com a Defensoria. Eles acham que caso, especialmente do Judiciário, para
vão perder clientela se as pessoas que não dependa apenas de boas ini-
começarem a procurar espontane- ciativas e consiga se tornar permanen-
amente o setor pré-processual. Por te. Esse suporte institucional depende
isso teve todo esse problema políti- de recursos (financeiro, pessoal, de ins-
co, estrutural. Então no começo eu talações, etc.), de regulação e de apoio
tive muita resistência dos advoga- político (no caso, importante destacar
dos, exatamente por causa do setor a politica judiciária de mediação imple-
pré-processual de Família, mas com mentada pelo CNJ).
tempo eles verificaram que isso tam-
bém era bom para eles, porque eles Outro desafio diz respeito à ausência
podem colocar no contrato de hono- de remuneração dos mediadores. A boa
rários que vão acompanhar a pessoa prática da mediação requer acompanha-
no pré-processual e estabelecer um mento e reciclagem das técnicas utiliza-
valor, que eles recebem antes, por- das pelos mediadores que, sem remu-
que não tem que ficar esperando a neração pelos seus serviços, não con-

33
seguem muitas vezes arcar com o alto dos serviços prestados pelo Centro: en-
valor cobrado pelos cursos e oficinas de quanto no setor processual o contato é
mediação. Embora os mediadores te- realizado por indicação do magistrado
nham se mostrado envolvidos pela cau- que está avaliando o processo, no setor
sa e preocupados em utilizar as técnicas pré-processual as partes são encaminha-
aprendidas nos cursos de capacitação, das pela Defensoria Pública, Ministério
sem remuneração e reciclagem de seu Público, Conselho Tutelar, Juizado Espe-
conhecimento existe uma possibilida- cial e outros órgãos governamentais.
de de a qualidade das mediações restar
prejudicada. A competência do CEJUSC Jundiaí para
a realização de mediação e conciliação
III. 3. O DESENHO E FUNCIONAMENTO processual e pré-processual envolve con-
DO PROGRAMA flitos cíveis, fazendários, previdenciários
e de família. De todo modo, sua agenda
Público-alvo, estrutura e objetivos: é composta majoritariamente por confli-
tos cíveis e de família29.
O público alvo do setor pré-processual
do Centro é a população residente na A gestão dos setores processual e pré-
Comarca de Jundiaí, que abrange as ci- -processual é unificada, estando a coor-
dades de Cajamar, Povilho, Jordanésia, denação centralizada na juíza titular e no
Campo Limpo Paulista, Botujuru, Itupe- juiz suplente, mas os setores processual e
va, Várzea Paulista, Vinhedo e Louveira, pré-processual funcionam em locais dis-
e do setor processual são as partes de tintos. Enquanto o setor processual está
processos judiciais28 que estejam em trâ- localizado em espaço do fórum da cidade
mite perante Varas Cíveis, de Família e de Jundiaí, o setor pré-processual se en-
do Juizado da Comarca de Jundiaí. contra em espaço da Universidade Padre
Anchieta, em Jundiaí. Conforme relatou a
A maior parte da população que partici- magistrada coordenadora do Centro, essa
pa de sessões de mediação no setor pré- divisão espacial dos setores pré-processu-
-processual do Centro é de baixa renda. al e processual é apenas circunstancial30.
Isso se deve, em alguma medida, à forma
como a população toma conhecimento A estrutura dos setores é similar, sen-

28 Conforme informado acima, apenas processos de competência cível, de família, da Fazenda Pública e Previden-

ciária.

29 Conforme relatado por funcionário de atendimento: “a maioria são acidentes de trânsito, o que mais nós aten-

demos são acidente de trânsito e divórcio”.

30 Conforme relatado pela Juíza Coordenadora: A idéia do desenho era um prédio único com os três setores, o

setor pré-processual, o processual e o de cidadania. Se a gente tivesse um prédio maior - eu estou esperando isso

porque o prefeito prometeu. O outro já tinha prometido e agora esse prometeu também - a gente conseguiria co-

locar tudo junto. Ele está tentando, a pedido meu, reformar um prédio onde já tem um Poupa Tempo, na Avenida

dos Ferroviários. Então já teria ali o Poupa Tempo, que é um serviço de cidadania, e poderiam ser colocados outros

34
do composta por dois funcionários de cursos como os fornecidos pelo ESA,
atendimento, um auxiliar de coorde- CEBEPEJ e EPD, e submetidos a progra-
nação (escrevente no setor processual mas de estágio supervisionado. Devido
ou supervisor dos mediadores no setor ao caráter voluntário da função, que im-
pré-processual), mediadores rotativos e possibilita a dedicação exclusiva à práti-
uma Juíza Coordenadora. O supervisor ca de mediação, cada mediador atua em
dos mediadores, os mediadores e juíza média de 1 a 3 dias por semana por no
são comuns aos dois setores, mas os máximo 4 períodos de 3 horas.
funcionários de atendimento e auxiliares
de coordenação são exclusivos de cada O objetivo do programa é alcançar a pa-
setor. cificação social, a ampliação do acesso
à justiça e a efetividade das atividades
Estão cadastrados 44 mediadores para jurisdicionais por meio da tentativa de
atuar no CEJUSC Jundiaí, sendo a maio- estabelecer diálogo entre sujeitos con-
ria bacharel em direito. Essa preponde- flitantes. Nesse sentido se manifestou a
rância de mediadores juristas pode ser Juíza Coordenadora do Centro, identifi-
explicada pela forma como se dá o con- cando a atuação do CEJUSC com os ob-
tato desses profissionais com a prática jetivos da Resolução nº 125/10, do CNJ:
da mediação, que geralmente ocorre na
faculdade de Direito ou pela divulgação “A ideia do professor Kazuo Watana-
dos cursos sobre o tema por instituições be de política judiciária de tratamen-
profissionalizantes. to de conflitos era ter como objeti-
vo o acesso à Justiça, a pacificação
Conforme determinação da Resolução social. Todavia, com o detalhamento
nº 125/10, os mediadores são todos vo- da Resolução acabou ficando difícil
luntários devidamente capacitados por de compreender qual o real obje-

serviços da prefeitura e o CEJUSC. Os setores pré-processual e de cidadania seriam transferidos para esse prédio

e o setor processual teria que continuar no Fórum, devido ao fato de não ter sido instalado o sistema digital no

CEJUSC e de continuarem existindo nas Varas processos físicos, o que impediria o transporte diário de processos

para a realização das sessões em prédio distinto do Fórum. É que também tem esse problema, o Tribunal instalou

o sistema digital parcialmente, somente nas Varas e não no CEJUSC. Tem lugar que tem no CEJUSC e não tem nas

Varas, tem lugar que não tem nem nas Varas e nem no CEJUSC. E processo físico você não consegue ficar levando,

eu não conseguiria, por exemplo, levar o processo físico da audiência para a Universidade Padre Anchieta todos os

dias e trazê-los de volta, poderia perder processos. A idéia foi que com um prédio único e com o processo digital,

a gente encaminharia digitalmente, mesmo os processuais, para fazer a sessão no CEJUSC, e retornaria tudo por

meio digital. Assim todas as sessões, quer pré-processuais, quer processuais, poderiam ser realizadas no mesmo lu-

gar. Além disso, teria o setor de cidadania com esses serviços que poderiam ser disponibilizados no mesmo espaço;

o que seria melhor para a população. E isso também não foi possível ainda devido à falta de espaço físico. No setor

de cidadania, devido a essa falta de espaço, existe apenas um serviço disponibilizado através de um convênio que

foi feito com os cartórios extrajudiciais, sendo que também fazemos encaminhamento para os serviços, da Prefei-

tura, do Estado, a gente faz por encaminhamento.”

35
tivo da Resolução nº 125. Então, dá A triagem dos conflitos a serem remeti-
para você interpretar que o objetivo dos para a mediação é feita incialmente
é pacificação social, e dá para você por magistrados, defensores públicos,
interpretar que o objetivo é diminuir promotores de justiça, assistentes so-
o número de processos. Só que na ciais, advogados e outros atores gover-
verdade o objetivo é a pacificação namentais que primeiro tomam conheci-
social e o acesso à justiça. A conse- mento do conflito. Segundo o Supervisor
quência reflexa seria a diminuição dos mediadores do setor pré-processual,
do número de processos e a efeti- são três os centros de triagem:
vidade do Judiciário. (...) mas o ob-
jetivo principal é o acesso à justiça. “Nós temos três centros de triagem.
É atender a população para que ela Nós temos o Fórum lá, que é o CE-
tenha solução do conflito de forma JUSC processual, e lá ele atende
rápida, eficiente, célere. Mas também principalmente a demanda do Jui-
é um atendimento geral, de cidada- zado Especial, então todas aquelas
nia, disponibilizando documentos pessoas que vão ao balcão do Juiza-
essenciais, serviços de psicologia, de do, é feita a triagem do Juizado, uma
orientação jurídica. Era essa a ideia.” pré-triagem, e são encaminhados
para o CEJUSC para que ele agen-
Como mencionado, o setor de media- de lá, faça uma triagem lá, e enca-
ção de Jundiaí surgiu dentro do projeto minhe para as sessões serem realiza-
de “Gerenciamento de Processos”, que das aqui, no pré-processual. Depois
busca racionalização de atividades car- vem o segundo centro de triagem,
toriais e mudança de comportamento de que é a Defensoria Pública, que elas
magistrados na condução de processos. também encaminham boa parte da
Assim, além dos objetivos de pacificação nossa demanda daqui do pré vem da
social tradicionais à mediação, há tam- Defensoria. E a terceira é aqui mes-
bém a busca pela ampliação do acesso à mo no setor.”
justiça e da eficiência do judiciário31.
De todo modo, os funcionários de aten-
Triagem e agendamento: dimento dos setores pré-processual e
31

31 Esses objetivos atrelados à criação do setor de mediação podem ser observados na fala da Juíza Coordenadora

do CEJUSC Jundiaí: “A ideia do gerenciamento era mais ampla. Tinha também a parte do Juiz conduzir o processo

pessoalmente, de forma mais efetiva. Então na fase processual, o próprio juiz deve fazer a triagem dos casos que

remete para a conciliação e para a mediação. O projeto também trouxe a possibilidade de encaminhamento do pro-

cesso para conciliação ou a mediação logo no início e do prazo da contestação começar a fluir a partir da tentativa

de conciliação e mediação, o que não é previsto no Código de Processo Civil, mas que começamos a utilizar e deu

mais certo, porque a pessoa, o réu, no caso, não está ainda armado para a defesa, então ele vai mais disponível a

fazer um acordo, mais aberto ao diálogo. Havia também a vertente da racionalização das atividades cartoriais, que

faz parte do gerenciamento, que é focada na gestão do cartório pelo juiz, com a motivação dos servidores, o esta-

belecimento de metas de desempenho, com a participação mais ativa do juiz nos despachos.”

36
processual são devidamente capacita- A triagem dos conflitos pelos funcioná-
dos para realizar a triagem dos casos rios de atendimento segue as seguintes
que são encaminhados ao Centro por orientações: não serão submetidos à me-
esses órgãos32. diação conflitos cuja mediação anterior
houver acordo ou tenha sido declarada
De uma forma geral, conflitos de famí- infrutífera ou prejudicada, envolvendo
lia são submetidos à mediação e confli- matéria que esteja fora da competência
tos cíveis à conciliação, mas é possível do CEJUSC e que manifestamente não
ao mediador converter a conciliação em serão resolvidos por mediação devido
mediação a depender da natureza do à intensa animosidade entre as partes.
conflito. Essa conversão pode ser reali- Também não são submetidos à media-
zada pelo próprio conciliador que con- ção casos em que as partes não pos-
duz a sessão, pois todos os mediadores suem real conflito. Tais critérios podem
do CEJUSC Jundiaí são capacitados para ser observados nas falas de funcionário
realizar tanto mediações como concilia- da administração e da Juíza Coordena-
ções. Nas palavras do Supervisor dos dora do Centro:
mediadores do setor pré-processual:
“(...) alguém que já tenha feito algum
“Na própria triagem já há um dire- acordo, uma renegociação de dívida,
cionamento para mediação e con- por exemplo. Daí não é possível. Aqui
ciliação. Basicamente tratamos me- no CEJUSC nós agendamos uma
diação, principalmente os casos de única vez, caso a ação seja infrutífera
Família, e em conciliação os casos ou prejudicada, nós encaminhamos
cíveis. Isso é, vamos dizer, em regra, para procurar um advogado ou a De-
é isso que acontece, na prática, mas fensoria Pública, uma coisa assim.”
existem muitos casos que chegam
aqui como conciliação e o concilia- “O funcionário do atendimento tem
dor ele vai perceber que é caso de que ter uma noção exata de todos
mediação. A gente tem diversos ca- os serviços que a prefeitura tem, de
sos aí, um serviço de pedreiro, deu como funciona, com quem ele tem
problema lá na prestação de servi- que falar. E tem que ter uma noção
ços. Mas eles são amigos de longa do que é conciliação e mediação
data, então não é uma simples con- também para fazer essa divisão, para
ciliação. E a gente transforma em ver se realmente é um caso que é
medicação. Então o próprio media- para ser feita a sessão de conciliação
dor, conciliador, ele tem essa... existe ou mediação. Tem coisa que não é, a
a pré-triagem, e depois aqui a gente, pessoa acha que vai fazer, mas está
o próprio mediador ele consegue ter brigando a tapa, não vai dar certo, o
esse feeling, esse sentido.” outro não vai comparecer. Então tem

32 “A triagem é feita por servidor treinado. Deveria haver um servidor específico. A gente treina todo mundo, para

todo mundo fazer tudo, porque não tem como destinar um servidor só para essa função.” (Juíza Coordenadora).

37
que explicar que não é caso, que é tem a questão de guarda. A guarda
melhor entrar com ação mesmo, agora a gente só pode fazer na parte
procurar a Defensoria.” familiar. Já tem um termo específico
que chama Guarda, visitas e alimen-
“O setor pré está atendendo muita tos. Esse termo pode ser usado tam-
gente que vai ao CEJUSC achando bém para a questão de visitas ou de
que o Judiciário vai resolver seu pro- pensão alimentícia. (...) Mas já tem
blema, mas na verdade eles querem tudo feito, todo tipo de Carta a gente
outra coisa. (...) quando não é neces- já tem os modelos, com os assuntos,
sário marcar uma sessão de concilia- acidentes de trânsito, renegociação,
ção e de mediação, porque não é um cobrança. Aí é só especificar quando
conflito que a pessoa tem, ela pre- é alguma coisa que a gente não tem,
cisa de um esclarecimento do PRO- a gente já pergunta para a pessoa do
CON, ela precisa de uma cesta bási- que se trata, se é alguma cobrança
ca, aí faz o encaminhamento”. de imóvel, alguma cobrança de pa-
gamento mesmo. Renegociação de
De todo modo, os funcionários do aten- dívida também entra em conciliação,
dimento contam com o apoio dos auxi- principalmente renegociação de dí-
liares de coordenação nos casos em que vida com bancos, que as vezes tem
surja alguma dúvida a respeito do proce- uns que estão aqui”.
dimento a ser seguido e se o problema
relatado pelo usuário pode ser resolvido O encaminhamento dos usuários à me-
mediante mediação/conciliação ou se diação pré-processual do CEJUSC Jun-
deve ser encaminhado para algum outro diaí ocorre de diversas formas: a) pela
órgão público. Defensoria Pública; b) pelo Ministério
Público; c) pelo Núcleo de Prática Jurí-
Outro elemento que auxilia na triagem dica da Universidade Padre Anchieta; d)
de conflitos são os termos padronizados por indicação dos funcionários do Juiza-
de mediação, que variam conforme as do Especial do Fórum de Jundiaí; e) pelo
características do conflito e o resultado Conselho Tutelar; f) e ainda por indica-
da sessão (acordo, redesignação, infru- ção de amigos, conhecidos ou de advo-
tífero ou prejudicado). Os termos foram gados. A respeito desse encaminhamen-
elaborados pela juíza com auxílio dos to de casos ao CEJUSC se manifestou a
funcionários de atendimento e media- Juíza Coordenadora do Centro:
dores do programa e são eventualmen-
te atualizados conforme necessidades “Para a pessoa procurar direto o CE-
identificadas na prática. O manejo des- JUSC teria que ter uma divulgação
ses termos é exemplificado por funcio- na imprensa, que a gente até fez,
nário do atendimento: mas as pessoas demoram um tem-
po para acreditar em alguma coisa
“Para todo tipo de caso que a gen- nova e comente acreditam no que
te vê aqui a gente tem um tipo de elas conhecem. Assim, como eu falei,
Termo, ou assunto específico. Então muitas procuram o Juizado, muitas

38
procuram a Defensoria e o Ministério cessária a realização de audiência de
Público porque sabem que ali tem tentativa de conciliação, podendo o
um atendimento gratuito. Então boa juiz designar diretamente audiência
parte da triagem que o CEJUSC está de instrução e julgamento.”
sendo feita com a colaboração da
Defensoria, do MP, porque as pesso- Verificou-se que nos casos de divórcio,
as que vão direto neles.” é comum que usuários que se divorcia-
ram, por meio de mediação realizada no
“Ao mesmo tempo existe uma liga- CEJUSC indiquem o procedimento para
ção com o Juizado porque muita amigos e conhecidos, tanto pelo modo
gente hoje conhece o Juizado e não como é realizado e pela rapidez do pro-
conhece o CEJUSC ainda; então eles cedimento, quanto pela gratuidade do
procuram mais o Juizado. A pessoa serviço. A facilidade, rapidez e gratui-
que comparece ao Juizado, ao in- dade tem sido estímulo para as partes
vés de já fazer a reclamação, rece- comparecerem ao CEJUSC33.
be orientação sobre a possibilidade
de tentar uma sessão de conciliação Ao ser encaminhado para o setor pré-
pré-processual, que é mais rápida -processual, o usuário é atendido pelas
porque a pauta do Juizado infeliz- atendentes cedidas pela Universidade
mente é extensa, as vezes mais ex- Padre Anchieta, no caso de se encami-
tensa que a da Vara comum, então nharem ao setor localizado naquela fa-
ela tem a possibilidade de tentar no culdade, enquanto que, caso se encami-
setor pré-processual do CEJUSC, nhem para o setor do CEJUSC localizado
que pode ser mais rápido e mais efi- no fórum de Jundiaí, o atendimento é re-
ciente. Assim, o funcionário do Jui- alizado prioritariamente pelo funcionário
zado encaminha para o CEJUSC e cedido pelo Município.
logo é marcada a sessão na pauta
de sessões do setor pré-processual. Nesse momento o solicitante é ouvido
Se a sessão for frutífera, o acordo é pelo funcionário sobre o problema que
homologado por sentença, sem ne- deseja resolver, e este verifica qual o
cessidade de distribuição de qual- procedimento a ser seguido. Ao consta-
quer reclamação. Se a sessão for tar que é caso de mediação ou concilia-
infrutífera, lavra-se termo de sessão ção, o funcionário já agenda uma data
infrutífera, que o jurisdicionado leva para a sessão de conciliação ou media-
para o Juizado, sendo proposta a re- ção e redige a carta-convite para a par-
clamação, mas se tornando desne- te contrária (a ser enviada via postal), e

33 “Tem muitos casos assim: ‘a minha amiga fez o divórcio aqui e eu fiquei sabendo por ela’ ou às vezes também

tem a questão de guarda, que o Conselho Tutelar indica. Também tem indicação do pessoal do Núcleo, que é aí na

parte de cima, e eles falam assim: ‘divórcio, consegue fazer lá embaixo que é mais rápido.’ A Defensoria também,

indica aqui porque a gente consegue fazer de uma forma muito mais rápida do que ir atrás de um advogado, abrir

uma ação e tudo mais” (funcionário do atendimento).

39
também entrega à parte um “termo de prio setor quanto no setor processual do
ajuizamento de sessão”34, no qual consta CEJUSC. Isso porque a agenda do setor
o dia agendado e os documentos que a pré-processual é compartilhada com a
parte deve levar consigo para a sessão. do setor processual. Esse procedimento
de agendamento das sessões no setor
A carta-convite é confeccionada de acor- pré-processual é explicado pela Juíza
do com um modelo pré-estabelecido Coordenadora:
pela Coordenadora do CEJUSC de Jun-
diaí que já informa, além da data e local, “Diante do fato do Cartório e da Vara
os documentos da parte contrária que do Juizado se encontrarem no pré-
são necessários para a realização da ses- dio do Fórum, é comum as pessoas
são35. Para que seja agendada a sessão procurarem diretamente o Juizado
de mediação ou de conciliação, é ne- para fazer a reclamação, e terem um
cessário que a parte compareça munida primeiro atendimento; sendo difícil
de documento com foto e que tenha o comparecerem no setor pré proces-
nome completo, endereço e CEP da par- sual do CEJUSC, que se localiza na
te contrária. Universidade Padre Anchieta. Então,
por isso, resolvi que, para facilitar
para o jurisdicionado, os casos en-
Diante da característica de Tribunal Mul- caminhados para o CEJUSC tinham
ti Portas do CEJUSC, em Jundiaí a Juí- que receber o atendimento no pró-
za Coordenadora está estruturando um prio prédio do Fórum, apesar de nes-
grupo de avaliadores neutros, composto te funcionar apenas o setor proces-
por vendedor de veículos, mecânico, en- sual. Ou seja, como o jurisdicionado
genheiro, contador, delegado aposenta- já está aqui embaixo, o Cartório do
do, psicólogo, a exemplo da experiência Juizado é aqui embaixo, basta subir
já realizada em Serra Negra, em meados para ser atendido no CEJUSC (setor
de 2004, sendo que, num futuro próxi- processual), e então, ao invés de fa-
mo, será disponibilizado no CEJUSC, zer a reclamação no Juizado, já sai
além da conciliação e da mediação, o com a sessão de conciliação marca-
método conhecido como avaliação neu- da, sendo que apenas a sua realiza-
tra de terceiro. ção se dará no prédio do setor pré
processual (Universidade Padre An-
O agendamento das sessões no setor chieta).”
pré-processual é realizado tanto no pró-

34 O modelo de termo de ajuizamento da sessão é encontrado em: LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta (Coord.). Guia

prático de funcionamento do CEJUSC. Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania. Disponível em http://

www.tjsp.jus.br/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=51807. Acesso em 20/06/2014, p. 149.

35 Os documentos necessários são também encontrados em: LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta (Coord.). Guia prá-

tico de funcionamento do CEJUSC. Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania. Disponível em http://www.

tjsp.jus.br/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=51807. Acesso em 20/06/2014, pp. 150-151.

40
Nos conflitos encaminhados ao setor é agendada uma nova data de sessão,
pela Defensoria Pública o agendamen- enviando-se outra carta-convite.
to da sessão de mediação é feito pelo
telefone, pois o Defensor entra em con- Do mesmo modo, as sessões de media-
tato com o funcionário do CEJUSC, que ção no setor processual somente são re-
fornece data e horário da sessão, após o alizadas com a presença das duas par-
que, o Defensor recolhe os documentos tes. Caso a parte contrária tenha sido de-
e confecciona a carta convite, enviando- vidamente citada para comparecimento
-a. Já nos casos de mediação ou conci- na audiência de conciliação/mediação e
liação processual, o agendamento das não compareça, a audiência é dada como
sessões é realizado diretamente pelos prejudicada e passa-se a contar o prazo
funcionários dos cartórios onde estão para a apresentação de contestação.
em curso os processos que são submeti-
dos à mediação, pois estes também têm As sessões de mediação processual du-
acesso à pauta de sessões do CEJUSC. ram em média 30 minutos e as media-
ções pré-processuais, uma hora, poden-
Em média são agendadas 40 sessões do esse tempo ser ultrapassado caso o
por dia no setor pré-processual e 10 ses- mediador julgue necessário. Na media-
sões no setor processual, sendo bastan- ção processual normalmente não é pos-
te recorrente a ausência de uma ou das sível extrapolar o prazo de 30 minutos
duas partes. devido à pressão imposta pelos advoga-
dos que aguardam pelas próximas ses-
As sessões de mediação: sões.

No dia em que está agendada a sessão Nesse sentido, são interessantes as ma-
pré-processual, caso ambas as partes nifestações dos mediadores em entrevis-
compareçam, a sessão é realizada; caso ta concedida aos pesquisadores:
uma das partes não compareça, a sessão
é dada por prejudicada. No caso de au- “Meia hora, que eu acho inviável,
sência de uma das partes, apesar de ter acho muito pequeno, acho que é ir-
sido efetivamente comunicada da ses- risório esse horário, não dá em meia
são, o mediador dá a sessão como pre- hora para você tratar de questões fa-
judicada e explica para a parte requeren- miliares. Lá no setor do pré isso não
te que ela deve procurar um advogado existe. Lógico que eu não vou ficar
para propor uma demanda, ou que deve três horas, mas eu levo mais ou me-
procurar os órgãos públicos que ofere- nos uma hora e meia com cada caso,
cem esse serviço, tais como a Defensoria uma hora. Vai depender, porque se é
Pública, ou ainda ir diretamente ao Jui- um divórcio que não tem bens, não
zado Especial, com os documentos leva- tem filhos, eles não têm nada a parti-
dos na audiência e o termo de audiência lhar, nem a discutir, é uma coisa mais
prejudicada para realizar uma reclama- simples. (...) Então no pré eu vou ter
ção. Caso a parte convidada não tenha um tempo mais acessível para lidar
efetivamente recebido a carta-convite, com a parte de acordo com cada

41
caso. Aqui você se sente pressiona- técnicos e jurídicos do conflito. Todavia,
do pelos advogados. (...) eles falam conforme relatou a Juíza Coordenado-
‘poxa vida, eu tenho uma audiência ra do Centro, a redesignação no setor
às 10:00, porque você está atenden- processual é menos recorrente devido
do só 10:30?’ e ‘Eu tenho outra au- a pressões impostas pelo advogado ou
diência na quarta Cível também às pelo ambiente judicial:
11:00 horas’. Eu sinto mais pressão
na parte da tarde. Porque de manhã, “No processual, como o advogado já
geralmente, é mais conciliação que está junto, como já tem o processo
tem. Já na parte da tarde eles tem correndo, muitas vezes o advogado
um horário, então eu gostaria de um fala assim: ‘não, melhor não, não deu,
horário um pouco mais amplo, que não deu’. Ou ele dá uma forçada para
fosse, de repente, até uma hora.” fazer rápido, tem tudo isso também
que influencia.”
“Um tempo razoável, de quarenta e
cinco minutos a uma hora, podendo “Mas acho que pesa muito ser dentro
remarcar. Então se não resolve nesse do Fórum. Muita gente odeia estar
caso, que é um problema complexo, dentro do Fórum, ainda mais cidade
você redesigna a sessão e continua do interior, que é uma vergonha en-
no outro dia. Por que nós redesigna- trar no Fórum. Então a pessoa já vem
mos? Porque tem uma fila esperan- para o Fórum constrangida, aí ela
do. Não posso deixar um sem aten- quer sair logo daqui, então ela aca-
dimento porque eu vou levar três ho- ba muitas vezes fazendo um acordo
ras para atender.” não porque o mediador constrangeu
ela a fazer, mas porque ela quer sair
“Se é necessário ele voltar quatro ou dessa situação. Então ela não vai re-
cinco vezes, a gente vai trabalhar o designar, ela quer fazer rápido, ela
quanto necessário. Mas o Supervisor quer sair daqui, aqui é um ambiente
dosa bem o atendimento também. É horrível, então ela pega e vai embo-
que às vezes tem casos de alta in- ra e faz o acordo de qualquer jeito e
dagação que você precisa trabalhar não pensa muito bem. E depois dá
muito. Eu hoje levei quase uma hora execução.”
para prejudicar uma conciliação de
acidente de trânsito dentro do con- Finalmente, caso as partes não cheguem
domínio, porque as pessoas estavam a um acordo, a sessão é declarada infru-
se devorando, e a síndica, que deve- tífera.
ria comparecer, não compareceu”.
A gestão do Supervisor, a gestão das ses-
Nos dois setores é possível redesignar a sões no Setor Pré-Processual e as reuni-
mediação indefinidamente, seja porque ões periódicas:
o tempo da sessão chegou ao fim ou
porque as partes desejam refletir ou rea- Conforme já descrito em item anterior,
lizar pesquisas a respeito dos contornos o setor pré-processual de mediação e

42
conciliação conta com um Supervisor delo próprio. Divórcio com divórcio,
dos mediadores, que tem a sua remu- guarda com guarda, porque embai-
neração paga pelo Município de Jundiaí. xo vem o corpo, como tem no Guia
Em quase todas as entrevistas, foi apon- os modelos, então já vem qualificado
tada a importância do Supervisor dos ali.”
mediadores na qualidade e na eficiência
do trabalho desenvolvido no setor pré- Inicialmente, a pauta de sessões era
-processual do CEJUSC de Jundiaí. montada para cada mediador, de modo
que cada um recebia diariamente os ca-
O Supervisor dos mediadores e auxiliar sos que iria tratar. Contudo, isso causava
de coordenação do setor pré-processual certa ociosidade em alguns mediadores,
trabalhou de 2005 a 2013 como media- tendo em vista que muitas partes não
dor voluntário na Comarca de Jundiaí, comparecem às sessões agendadas, o
sob a coordenação da Juíza Coordena- que fazia com que o mediador tivesse
dora do Centro. Com a criação do CE- um tempo considerável de ociosidade.
JUSC e a assinatura de convênio com o
Município de Jundiaí, foi possível se esta- A solução encontrada foi de estabele-
belecer uma remuneração ao Supervisor cer uma pauta única para todos os me-
dos Mediadores36. O Supervisor dos me- diadores, alocando o mediador a cada
diadores do Setor Pré-processual des- caso, de acordo com a disponibilidade
creve assim a sua rotina: do dia. Desse modo, chegando ao setor
pré-processual do CEJUSC, o mediador
“[...] de terça, quarta e quinta o dia recebe um caso do Supervisor para reali-
todo. A gente normalmente chega zar a sessão de mediação e quando esta
umas sete, sete e meia, e sai daqui termina, lhe é repassado outro caso para
sete ou sete e meia da noite. Eu co- realizar outra sessão.
meço aqui o meu agendamento às
oito horas da manhã. (...) Atualmen- Além da gestão das sessões, há reuniões
te o procedimento é o seguinte, eles periódicas no Setor pré-processual37, que
passam ali pela triagem, as secreta- visam integrar e colocar em prática os
rias elas qualificam as partes, então ensinamentos e técnicas aprendidos por
já vêm os termos qualificados. E o aqueles que fazem o estágio supervisio-
corpo dele, quer dizer, isso já vem nado no CEJUSC de Jundiaí, contando
qualificado cada um com seu mo- com a ajuda dos demais mediadores:

36 Além de ter esse cargo, o Supervisor também possui um escritório de advocacia, para o qual dedica poucas

horas na semana desde que assumiu a supervisão dos mediadores.

37 Embora as reuniões ocorram no setor pré-processual, todos os mediadores cadastrados no CEJUSC Jundiaí são

acompanhados pelo Supervisor dos mediadores. O acompanhamento do trabalho dos mediadores pelo Supervisor

é viabilizado pela atuação da maioria dos mediadores nos dois setores. Além disso, a atuação dos mediadores tam-

bém é acompanhada pela Juíza Coordenadora por meio do acompanhamento das respostas atribuídas aos surveys

pelos usuários e pela avaliação das execuções de acordos firmados nos dois setores do CEJUSC.

43
“Principalmente dos nossos cursos, sideram que o diferencial desta prática
cursos que a Juíza é coordenadora, de mediação circula em três órbitas (que
os cursos que a gente dá aqui, o es- estão interligadas): 1) gestão de pessoas
tágio a gente prefere, e às vezes obri- e do tempo, com ênfase na importância
ga fazer aqui com a gente. Então, por da supervisão; 2) incentivo à capacita-
exemplo, tem um senhor aqui que é ção e ao aprimoramento constante dos
de Catanduva, a gente teve curso do mediadores; e 3) engajamento dos me-
Legale que o pessoal veio de San- diadores.
tos, de Bauru, Presidente Prudente,
o pessoal vem e faz o estágio aqui. O destaque da atuação do Supervisor na
E quando os estagiários estão aqui, gestão do programa e no aprimoramen-
principalmente quando eles estão, à to dos outros mediadores foi feito por
tarde quando há tempo, a gente faz um dos mediadores:
a reunião de feedback, tira as dúvi-
das dos estagiários, e aí com a par- “E eu acho, na minha opinião, deve-
ticipação dos mediadores também. mos nós, mediadores, todos, con-
Existe uma troca de informações, o ciliadores, ao Supervisor, porque a
próprio mediador fala, alguns até já gente tem o facilitador para todo o
são conciliadores antigos, aí eles vão nosso trabalho, veio dele. Ele se dis-
colocar a posição deles, e a gente dá pôs a estar o dia inteiro, ele que mon-
essa troca de informação.” tou os termos. Quanto a esse negó-
cio de formação, com certeza, isso
Durante a visita in loco, os pesquisadores eu também eu cito bastante, que ele
puderam acompanhar uma dessas reuni- ajudou bastante os mediadores, os
ões com os estagiários e com os media- conciliadores.”
dores. Naquela ocasião, uma estagiária
tinha acabado de presenciar uma sessão “Ele [o Supervisor dos mediadores]
de mediação que restou infrutífera. Após foi coordenador do curso. Ele foi co-
o relato de como havia se dado essa ses- ordenador. (...) Ele é um apaixona-
são de mediação, foi aberto um círculo do pela mediação, ele está há mui-
entre os estagiários, mediadores e o Su- tos anos na área, eu acho que des-
pervisor, discutindo-se as possibilidades de 2005. Ele veio aqui trazer todo o
de encaminhamento daquela sessão, re- processual. Isso não existiria se não
querendo-se sempre aos estagiários fa- fosse o empenho dele, com a nossa
larem sobre como iriam lidar com aquela turma pelo menos, não é, gente? Eu
ocasião ou ainda ocasiões semelhantes. acho. Nós somos muito bem capa-
citados e nós podemos contar com
O diferencial do programa: uma supervisão muito boa. Eu acho
que se não fosse ele assim... Ele aju-
Durante as entrevistas, pode-se verifi- dou bastante na nossa formação,
car que os atores do programa (coor- com certeza, quanto a isso não te-
denadora, supervisor dos mediadores, nho dúvidas. Ela veio sofrendo uma
mediadores e demais funcionários) con- maturação, porque todo final de se-

44
mana nós tínhamos reunião de ava- um curso para poder administrar o
liação dos pós-atendimentos, e cada Cartório, e acaba atravancando mui-
um acrescentava informação de ca- to. E a gente vê que desde a Vara de
sos e atendimento pessoal.” Família, que ela é juíza, é uma das
Varas que realmente a coisa anda.
Por sua vez, o Supervisor dos mediado- Então ela tem também essa questão
res do setor pré-processual definiu que a de administração muito boa.”
gestão criada pela Juíza Coordenadora
do CEJUSC de Jundiaí pode ser consi- Com relação à capacitação e ao apri-
derada como um diferencial da prática, moramento constante, o Supervisor dos
pois além de acompanhar o dia-a-dia da mediadores entende que a capacitação
prática, ela também incentiva os media- é o grande diferencial com relação aos
dores a se capacitarem continuamente: Juizados Especiais, principalmente com
relação às pessoas que devem conduzir
“Agora, em relação ao sucesso do a audiência de conciliação. Nas palavras
nosso setor, vamos dizer assim, é a do Supervisor:
Juíza, o engajamento dela, a dedica-
ção dela. Eu atribuo a ela o suces- “Aqui como é que funciona? É feita
so disso, porque na verdade ela que uma provinha para os alunos, basi-
trouxe para cá, ela que traz os cursos camente a prova é sobre a [Lei nº]
para a gente, e todos nós, a gente 9.099 [de 1995], passou, eles che-
segue o posicionamento dela, a linha gam lá normalmente em duplas, aí a
dela. É ela que dá todo o direciona- escrevente vem, entrega o processo
mento para a gente. para ele: ‘esse aqui, os modelos estão
aqui, é isso aqui.’ Então o conciliador
(...) nas primeiras vezes, na verdade, ele
não teve nem acesso ao processo,
Eu acho que é bem a persistência ele nem sabe o que é o processo, e
dela de manter a mediação, de levar começa a folhear, começa a ler, e vai
a medição adiante. Eu acho que isso para a conciliação. Não tem prepa-
é o principal motivo da gente ter isso ração nenhuma, não tem uma orien-
aqui, porque é a proximidade que a tação, uma capacitação, um curso
gente tem dela, e a gestão dela é mui- melhor que ensine. E ele tem que
to boa também. Eu acho que a ges- aprender ali na raça. Então é aquela
tão da Juíza é muito boa, uma crítica, velha história: ‘doutor, tem acordo?’.”
como advogado, eu sempre fiz aos
juízes, que infelizmente eles são pre- A questão também pode ser resumida
parados para julgar e não para gerir. na fala da Juíza Coordenadora do CE-
Como gestores muitos são... por que, JUSC de Jundiaí:
na minha opinião, por que em muitas
Varas muitos processos não andam? “Bom, eu amo. Eu sou suspeita para
Na minha opinião é questão de ges- falar. Não, mas eu acho que o diferen-
tão. Os juízes infelizmente não têm cial é exatamente esse tratamento

45
que é dado, um tratamento em cima levando inclusive plantas para deixar o
da qualidade, quer dizer, é cobrada ambiente mais acolhedor, propício para
a qualidade mas ao mesmo tempo que as partes conversem. Nesse sentido
é dado um tratamento de qualidade se posicionou a Juíza Coordenadora do
tanto para o jurisdicionado, quan- Centro:
to para os mediadores. É diferente
isso. Eu acho que a capacitação dos “Mais informal, é. Aqui também eu
mediadores aqui, é muito melhor, coloquei no começo uns vasinhos e
porque eles têm a supervisão cons- tal, a gente tenta fazer isso, põe lá
tante. E que, eu acho assim, apesar um cafezinho, umas balinhas. E eu
da nossa estrutura física não ser tão acho incrível também a disponibili-
boa quanto a de outros lugares, pelo dade dessas pessoas que trabalham
menos temos um corpo de trabalho como mediadores, eles não ganham
que é muito unido, muito dedica- nada e ainda fazem esse tipo de
do. Tanto os funcionários, quanto o coisa. Porque eles realmente se en-
Supervisor, quanto os mediadores, volvem e se comprometeram com
acho que o diferencial é esse. O di- a atuação, mas eu verifico que, em
ferencial também é já ter instalado o outros lugares, outros CEJUSCs que
setor de conciliação e mediação há eu tenho visto, pessoas com as quais
muito tempo, a gente já está há mui- tenho conversado, inclusive através
to tempo trabalhando, então você já desses estágios que as pessoas têm
conseguiu detectar algumas coisas feito em outros lugares, muitas vezes
que funcionam, outras que não fun- eles não têm motivação para traba-
cionam, já conseguiu cortar as ares- lhar. Porque faz falta isso também, se
tas, já conseguiu ver o que dá certo, não tivesse o Supervisor lá, se não...”
porque depende muito do lugar, das
pessoas, dos advogados que traba- Acessibilidade e equilíbrio de poderes:
lham na comarca, não é todo lugar
que vai funcionar igual. Mas isso eu O acesso ao programa de mediação do
acho que vem do tempo também, o CEJUSC é gratuito aos usuários e, con-
nosso tempo de existência é um di- forme afirmado acima, a maioria dos ca-
ferencial, o tempo que o trabalho já sos que são endereçados ao Centro em
existe.” Jundiaí são provenientes da Defensoria
Pública. Outrossim, a gratuidade e celeri-
Outra questão que chamou a atenção dade do procedimento se mostraram ser
dos pesquisadores nas entrevistas e na importantes atrativos do programa.
visita in loco, foi o grande engajamento
de todos aqueles que trabalham no pro- Outra questão que foi objeto de obser-
grama, especialmente dos mediadores. vação foi a de como o programa lida com
Segundo o relato da Juíza Coordenado- partes que não comparecem assessora-
ra, os mediadores, além de serem volun- das por advogados e também de como
tários, também colaboram para que o o programa lida com o desequilíbrio de
ambiente seja mais agradável e informal, poder entre as partes (informações, re-

46
cursos, representatividade, poder de não se sente confortável, o mediador de-
barganha, etc.). A situação de desequi- clara encerrada a sessão de mediação,
líbrio é um grande desafio aos métodos redesignando-a para data futura no pra-
consensuais, havendo casos em que as zo máximo de 30 dias38.
técnicas de mediação não conseguem
lidar com a situação e promover efetivo Por outro lado, se a parte não assessorada
acesso à justiça perante uma das partes por advogado afirmar que está confortá-
mais fracas. Abaixo é possível verificar, vel com a situação, o mediador redobra
através das entrevistas, como os media- a atenção e certifica-se que ela de fato
dores costumam lidar com essas situa- está confortável e concorda com as deci-
ções de desequilíbrio no setor pesquisa- sões tomadas na sessão. Se o mediador
do, com destaque ao papel do advoga- sentir que a parte está desconfortável ou
do. que há desigualdade de poderes entre as
partes, ele pode solicitar a redesignação
Com relação à presença de advogados, da sessão39. Esse procedimento pode ser
no setor pré-processual as partes ge- verificado na fala de um mediador:
ralmente comparecem sem advogados
e no setor processual, tendo em vista a “O nosso sentimento pesa bastante.
existência de um processo, as partes ge- Eles podem até concordar com algu-
ralmente comparecem assessoradas por ma coisa, concordam com que o ou-
um advogado. Na hipótese de apenas tro falou, mas se a gente sente que
uma das partes comparecer assessorada ele não concordou, você também
por advogado, o procedimento padrão tem obrigação de indagar mais, de
utilizado pelos mediadores, conforme dar mais um tempo para ele pensar,
orientação recebida no curso de capaci- para ter certeza. Redesigna. Vamos
tação de mediadores e pelo Supervisor, ver se até a outra sessão ele está
é questionar à parte desacompanhada pensando da mesma maneira, não é
de advogado se ela se sente confortável isso?”
com a situação. Se a parte afirmar que

38 “Tem que indagar se o outro não está se sentindo confortável porque está sem advogado. Se ele disser que não,

você não pode prosseguir com a sessão. A gente redesigna, pede para comparecer as duas partes com advogado.”

(mediador).

39 Também é possível ao mediador solicitar à parte assessorada se ela concorda que o advogado não acompanhe

a sessão, mas essa hipótese é mais rara e dificilmente aceita pela parte. Nesse sentido se manifestou um mediador

entrevistado: “Pode ocorrer também de a parte que está com advogado diga: ‘o senhor poderia se retirar? Eu prefi-

ro que ele não esteja aqui dentro da sala, ele se retire.’ Aí o advogado pode se retirar e ser feito o início da mediação

sem problema nenhum. Mas é difícil, porque se a parte contratou um advogado ela não vai abrir mão, então acho

que cabe muito mais ao mediador pedir para que a parte seja redesignada para que ela não perca o advogado. Isso,

a primeira opção é a redesignação, a segunda opção você pode perguntar, caso tenha a possibilidade dessa parte

que venha acompanhado de advogado aceite, aí é impossível fazer a audiência.”

47
Esse mesmo procedimento é seguido um certo conflito. ‘Quer dizer então
em todas as situações em que haja um que você procurou, sabe que a casa
desequilíbrio de poder entre as partes. está no nosso nome? Não quero, não
Além disso, conforme afirmado pelos vou fechar acordo então, vou procu-
mediadores, eles possuem independên- rar meu advogado, quero os meus
cia funcional e podem se recusar a con- direitos’. Então depende muito do
tinuar com uma mediação se não estive- que a parte fala, que nem eu falei, lá,
rem confortáveis com a situação: às vezes, é mais fácil porque eles já
foram propensos a isso e não foram
“Podemos não nos sentir confortá- intimados para isso. Mas também
veis em não realizar a mediação. A pode ser mais difícil por não ter um
gente tem total liberdade. Se a gen- advogado quando essa diferença...
te não se sente segura... Isso cha- Quando sempre tem uma diferen-
ma autonomia e independência, um ça das partes e não consegue-se o
princípio que nós temos no Código equilíbrio daí é difícil.”
de Ética e Disciplina da mediação/
conciliação. Quando a gente não se De todo modo, foi possível perceber na
sente segura ou confortável em rea- fala dos mediadores que essa resistên-
lizar uma mediação, você vê que não cia imposta por advogados à prática de
está... a gente pode dizer para o Su- mediação foi mais recorrente nos primei-
pervisor que não quer.” ros anos após a instalação do CEJUSC
na cidade, mas que atualmente há maior
De todo modo, ainda que as duas partes aceitação e colaboração dos advogados
compareçam assessoradas por advoga- com a prática:
dos, por vezes o procedimento é dificul-
tado pela falta de compreensão do advo- “No começo a gente teve um pou-
gado sobre o procedimento ou porque quinho de problema com um ou ou-
ele não deseja solucionar o conflito pela tro caso, de o advogado vir e sentar
mediação, conforme ressaltaram os me- a parte, o advogado, a outra parte,
diadores entrevistados: e o advogado querer negociar com
você. Então, tem que: ‘olha doutor,
“Antes, vamos supor três anos atrás, vamos explicar?’ Então cabe a gente
eu via muito essa parte de o advoga- também ver isso: ‘olha, doutor, aqui
do ir em luta do cliente, e chegando o senhor não está como advogado.
totalmente fechado. Agora eu não Aqui nós temos dois mediadores. Eu
vejo isso, eu vejo eles ajudando. Lá não posso fazer a mediação ouvin-
às vezes a diferença, é que vai mui- do a sua opinião. Eu tenho que ou-
to das partes, entendeu? Não tem vir a opinião do seu cliente. Então o
como falar. Em algumas partes eu senhor consegue orientá-lo lá fora?
vejo que se os dois estão sem advo- O senhor conversa, orienta seu clien-
gados e um vai totalmente sabendo te e deixa o seu cliente falar, porque
toda a lei, porque ele buscou orien- eu só posso fazer aquilo que sair da
tação, e o outro não, daí sim cria-se boca do seu cliente’. Porque aqui

48
dentro é bem explicado, a gente é os mediadores envolverem as partes em
muito preparada para isso. Aqui den- diálogo quando existe a presença de ad-
tro nós falamos de conciliação. Aqui vogados, especialmente pela resistência
dentro nós não falamos de Direi- que ainda possuem ao programa, embo-
to. O advogado vai falar de Direito. ra atualmente aceitem e colaborem mais
Aqui dentro não se fala de Direito. com o procedimento.
Aqui dentro se fala de mediação. Aí
o advogado, olha, se ele permitir que III. 4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA
a gente faça a mediação tranquila,
tudo bem, se ele não permitir vem o A prática do CEJUSC de Jundiaí recebe
plano B, que é o que as colegas es- avaliação constante dos usuários. Essa
tão falando: tem que mandar sair. O avaliação é acompanhada pela Juíza Co-
que obviamente não acontece nos ordenadora do CEJUSC, que analisa pes-
Fóruns. Nos Fóruns os advogados soalmente cada avaliação, na tentativa
dão trabalho.” de identificar eventuais falhas na presta-
ção do serviço.
Assim, foi possível constatar que as téc-
nicas para a remoção do desequilíbrio A avaliação é feita por meio de um for-
de poderes entre as partes são baseadas mulário que é entregue ao usuário ao
nas técnicas aprendidas pelos mediado- final da sessão de conciliação ou de
res nos cursos de capacitação e de reci- mediação e que foi desenvolvido inicial-
clagem. Outra resposta do programa a mente nos moldes do que foi proposto
situações de desequilíbrio é a redesig- pelo Conselho Nacional de Justiça. Con-
nação da sessão de mediação para que tudo, os mediadores e conciliadores fo-
as partes possam buscar esclarecimen- ram identificando ao passar do tempo
tos técnicos de tipos diversos e, caso que havia uma dificuldade enorme de
julguem necessário, retornem acompa- entendimento do questionário por parte
nhadas de advogado. Também foi nota- dos usuários40.
do que pode haver certa dificuldade de

40 “É, porque você vê como elas se sentiram, se estão se sentindo bem tratadas, se elas se sentiram mal tratadas, se

elas foram tratadas com atenção. Elas colocam, tem uns que põe como observação porque eu deixei um campo, eu

alterei o questionário do CNJ, não sei se você viu. Porque o CNJ tinha aquele negócio 1, 2, 3, 4 e 5, bom, ruim, mais

ou menos, excelente. Aí a pessoa entendia, eles têm preguiça, e muitos tem um nível cultural muito baixo, então

eles tem preguiça de ler. Aí eles falam bom o 5, eles veem lá que primeira resposta para ele responder excelente é

número 5. Ele acha que todas as respostas ele põe 5, então está tudo excelente. A gente viu isso entendeu, porque

ele não entende que ler um por um porque tem resposta que é positiva ou negativa. Ele avalia que o 5 é excelente,

então para ele estava excelente, ele põe 5 em tudo. Eu falei: ‘bom, assim não vai dar, porque a gente estava tendo

muita distorção na resposta desse questionário’. Aí eu falei: ‘bom, vamos mudar’, aí a gente mudou com o Supervi-

sor dos mediadores, e a gente colocou de uma forma que eles realmente conseguem entender melhor, e ai e deixei

um campo no fim para as observações do que eles quiserem colocar. E aí tem muitos que colocam sabe, ‘ah, foi

muito bom, me atenderam muito bem, eu gostei muito, vou indicar para outras pessoas’, vocês vão ver lá. Tem uns

que não põe nada, mas tem uns que põe.” (Juíza Coordenadora)

49
Assim, o questionário inicial do CEJUSC clararam que procurariam novamente o
de Jundiaí foi adaptado diversas vezes, programa e que também indicariam para
sendo que no momento em que os pes- outras pessoas.
quisadores entraram em contato com a
prática, os questionários estavam dis- Foram disponibilizados aos pesquisado-
postos conforme o documento anexo res todos os questionários preenchidos
(Anexo X.2, C). Verificou-se na pesqui- pelos usuários no ano de 2014 (de janeiro
sa in loco que os usuários dos serviços até abril). Os critérios são idênticos para
de mediação ainda tinham dificulda- a avaliação de conciliação e mediação,
des no preenchimento do questionário, estando o questionário respondido pelo
seja pelo fato de não compreenderem o usuário do CEJUSC de Jundiaí dividido
modo pelo qual as questões são formu- em três seções distintas: I) Informações
ladas, seja por estarem exaustos após a Gerais; II) Avaliação específica da Com-
sessão. petência em Mediação ou Conciliação;
e III) Sugestões. No campo das informa-
A ideia inicial da presente pesquisa era a ções gerais, o usuário responde qual é o
de entrevistar usuários e deixar questio- nome do mediador e informa a data da
nários no setor para que os usuários res- sessão.
pondessem posteriormente. Entretanto,
tendo em vista que o programa de me- Já a avaliação específica da competên-
diação e conciliação do CEJUSC Jundiaí cia em mediação ou conciliação é divi-
já se utilizava de um questionário, op- dida em quatro itens gerais que versam
tou-se por adaptar o questionário inicial sobre: A) atendimento inicial; B) avalia-
proposto pela pesquisa, eliminando-se ção do mediador/conciliador; C) satisfa-
informações que já estavam no questio- ção com o processo e os resultados; D)
nário elaborado pelo CEJUSC de Jundiaí. visão do Poder Judiciário.

Após o envio dos questionários comple- Por último, a seção de sugestões é aber-
mentares respondidos pelos usuários41, ta, podendo o usuário escrever livremen-
pode-se perceber que em geral, os usu- te as sugestões que tiver ao programa
ários declararam que sentiram que tive- como um todo ou ainda com relação a
ram oportunidade de se expressar du- alguma especificidade.
rante a sessão de medição. Da mesma
forma, a grande maioria dos usuários que i. ANÁLISE DOS RESULTADOS DA
responderam ao questionário se sentiu MEDIAÇÃO EM 2014 (DE JANEIRO
ouvido pelo mediador durante o proce- A ABRIL DE 2014):
dimento de mediação, sendo que alguns
relataram que foram tratados com muito Assim, dos 797 formulários recebidos,
respeito e atenção. Mesmo nos casos em 518 foram identificados como de media-
que não houve acordo, os usuários de- ção. Desses 518 formulários tabulados,

41 Os questionários foram aplicados somente a usuários do setor processual do CEJUSC Jundiaí.

50
verificou-se que 55% deles vieram do se- da qualidade do tratamento dado pelos
tor Pré-processual e 45% do setor Pro- funcionários de mediação. Verificou-se
cessual do CEJUSC. que 80% das pessoas que responderam
à avaliação consideraram que o trata-
A. Atendimento inicial: mento dado foi excelente, enquanto 19%
entenderam que o tratamento foi apenas
Com relação ao atendimento inicial, o satisfatório. Apenas 1% entendeu que o
formulário respondido pelos usuários do tratamento foi ruim.
serviço de mediação questionou acerca

O tratamento dado pelos funcionários do centro de mediação


foi ...
1%

19%

Ruim
Satisfatório
Excelente

80%

Gráfico 06. O tratamento dado pelos funcionários do Centro de Mediação

O tratamento dado pelos demais servidores com quem teve


contato foi...
1%

25%

Ruim
Satisfatório
Excelente

74%

Gráfico 07. Tratamento dado pelos demais servidores com quem o usuário
teve contato

51
Com relação ao tratamento recebido (91%) entendeu que o mediador foi bem
pelos demais servidores com quem os educado, atribuindo a nota excelente
usuários tiveram contato, percebe-se no para este critério, enquanto apenas 8%
gráfico 6 que há uma leve diferença, pois entendeu que o mediador foi satisfatório
74% consideraram o tratamento excelen- ao ser bem educado durante a sessão de
te, enquanto 25% consideraram o trata- mediação, sendo que apenas 1% enten-
mento apenas satisfatório. O tratamento deu que o mediador foi ruim no critério
dos demais servidores foi considerado boa educação durante a sessão.
ruim por 1% das pessoas que responde-
ram ao questionário (gráfico 7). De modo semelhante, grande parte dos
usuários entendeu que o mediador de-
Avaliação do mediador/conciliador monstrou preocupação e atenção em
atender a todos de forma excelente,
Já com relação ao mediador, os respon- sendo que 11% entenderam que o media-
dentes avaliaram diversos itens, dentre dor demonstrou preocupação e atenção
estes a explicação sobre o que é me- apenas de forma satisfatória. Apenas
diação/conciliação. Neste quesito, veri- 1% entendeu que foi ruim a demonstra-
ficou-se que a grande maioria daqueles ção do mediador da sua preocupação e
que responderam ao questionário (83%) atenção em atender a todos.
entendeu que a explicação foi excelen-
te, de modo que outros 16% entenderam Com relação ao estímulo positivo dado
que a explicação foi satisfatória e apenas pelo mediador para que os advogados
1% declarou que a explicação foi ruim. participassem da sessão de mediação,
chegou-se ao resultado de que 64% dos
Quanto ao auxílio prestado pelo media- usuários entenderam que o estímulo po-
dor para negociar melhor com a outra sitivo foi excelente, enquanto 18% enten-
parte, 79% entenderam que o auxílio foi deram que o estímulo foi apenas satisfa-
excelente, enquanto 20% dos que res- tório. Chama atenção a porcentagem de
ponderam entenderam ter sido satisfa- pessoas que entenderam que a questão
tório. Apenas 1% dos usuários entendeu não se aplica, pois 17% entenderam que a
que o auxílio foi ruim. questão não se aplicava, podendo signi-
ficar que essa porcentagem de pessoas
Com relação à explicação feita pelo me- não estaria acompanhada de advogado.
diador acerca das regras gerais para o Por fim, apenas 1% entendeu que o estí-
bom andamento da mediação, 86% dos mulo para que os advogados participas-
respondentes entenderam que o media- sem da sessão de mediação foi ruim.
dor explicou de modo excelente. Já 13%
entenderam que o mediador explicou de Com relação ainda à atitude do media-
forma satisfatória. Outro 1% entendeu dor durante a sessão de mediação, a
que a explicação foi ruim. grande maioria das pessoas que respon-
deu ao questionário sobre a sessão de
Com relação à educação do mediador, mediação (98%) entendeu que o media-
a grande maioria dos que responderam dor não tentou se “promover” ou “ven-

52
Sua avaliação geral do mediador/conciliador:
1% 0%

12%

Ruim
Satisfatório
Excelente
Não se Aplica

87%

Gráfico 08. Avaliação geral do mediador/conciliador

O resultado foi justo?


3%

5%

27%
Ruim
Satisfatório
Excelente
Não se Aplica
65%

Gráfico 09. O resultado foi justo?

der” outros serviços. ção das partes com o processo e com os


seus resultados foi acerca da percepção
Por fim, a avaliação geral do mediador de compreensão pela parte contrária e
recebeu de 87% dos usuários a nota ex- pelos mediadores. Sobre esse ponto, ve-
celente, sendo que 12% entenderam que rificou-se que 75% dos usuários se sen-
a avalição geral do mediador foi satisfa- tiram compreendidos pelas partes e pe-
tória e apenas 1% entendeu que a avalia- los mediadores de forma excelente. Uma
ção geral do mediador foi ruim. parcela de 23% dos usuários considerou
satisfatório e 1% assinalou a opção ruim
Satisfação com o processo e os resultados para a sensação de compreensão pelas
partes e pelo mediador. Houve também
O primeiro quesito relacionado à satisfa- um grupo correspondente a 1% dos res-

53
pondentes que entendeu que a pergunta Já com relação à satisfação do usuário
não se aplicava ao caso deles. com a mediação, verifica-se no gráfico a
seguir (Gráfico 10) que 67% dos usuários
Com relação à compreensão do usuá- entenderam que foi excelente a satisfação
rio que respondeu ao questionário das com a mediação, enquanto 29% entende-
outras partes, 64% dos respondentes ram que foi satisfatória, sendo que 1% en-
indicaram que sentiram que após a me- tendeu que a satisfação com a mediação
diação eles compreendem melhor as ou- foi ruim e 3% entenderam que a questão
tras partes, de forma excelente. Já ou- não se aplicava aos seus casos.
tros 30% responderam que sentiram que
após a mediação compreendem melhor Com relação à pressão sentida pela parte
as outras partes, de forma satisfatória, para firmar um acordo, é expressiva a res-
enquanto 2% assinalaram que compre- posta negativa dada pelos usuários. En-
endem melhor as outras partes de forma quanto 98% das pessoas entenderam que
ruim. Os outros 4% entenderam que a não se sentiram pressionadas a fechar um
pergunta não se aplicava aos seus casos. acordo, apenas outros 2% relataram te-
rem se sentido pressionadas para fechar
O auxílio do advogado na compreensão um acordo.
do caso e na construção do acordo tam-
bém foi questionado aos usuários, ob- Visão do Poder Judiciário
tendo-se a resposta de que 55% dos usu-
ários sentiram que o advogado auxiliou A última parte do questionário aplicado
na compreensão do caso de forma exce- pelo CEJUSC de Jundiaí pretende ve-
lente, enquanto 16% entenderam que o rificar como os usuários veem o Poder
auxílio do advogado foi satisfatório. Im- Judiciário, para se aferir se as sessões
portante ressaltar que 29% dos entrevis- de mediação fazem com que o usuário
tados consideraram que a questão não mude a imagem anterior que tinha do
se aplicava ao seu caso, provavelmen- Poder Judiciário como um todo.
te pelo fato de que não compareceram
acompanhadas por advogado à sessão. Dessa forma, verifica-se no gráfico 11 que
a imagem do Poder Judiciário depois da
As partes também foram questionadas mediação/conciliação foi excelente para
se entenderam que o resultado da sessão 66% dos respondentes. Outros 29% en-
havia sido justo. Dessa forma, percebe- tenderam que a imagem do Judiciário
-se pelo gráfico abaixo (Gráfico 09) que após a mediação é satisfatória, enquan-
65% dos respondentes entendeu que o to 2% entenderam que a imagem é ruim
resultado foi justo de forma excelente. e 3% entenderam que a pergunta não se
Outros 27% entenderam que foi satisfa- aplicava ao caso deles.
tório o resultado. Já 5% entendeu que o
questionamento não se aplica ao caso De forma semelhante, a maioria (67%)
deles, enquanto 3% entenderam ruim o dos respondentes afirma ter percebido o
quesito sobre se o resultado foi justo. excelente cuidado do Judiciário com os
usuários, ao passo que 29% considera-

54
Saiu satisfeito da mediação/conciliação?
3% 1%

29%
Ruim
Satisfatório
Excelente
Não se Aplica
67%

Gráfico 10. Saiu satisfeito da mediação/conciliação?

A imagem do Poder Judiciário depois da mediação/conciliação:


3% 2%

29% Ruim
Satisfatório
Excelente
Não se Aplica
66%

Gráfico 11. Imagem do Poder Judiciário depois da mediação/conciliação

ram esse cuidado satisfatório e 2% ruim. como mediador/conciliador no Poder


Judiciário. Verifica-se que 24% dos usu-
Com relação à percepção do Poder Ju- ários declararam possuir interesse em se
diciário como um verdadeiro centro de voluntariar como mediador no Poder Ju-
paz, 87% entenderam que sim, é possível diciário.
ver o Poder Judiciário como um verda-
deiro centro de paz, de modo que os ou- ii. OUTRAS FORMAS DE
tros 13% entenderam que não é possível AVALIAÇÃO:
ver o Poder Judiciário como um verda-
deiro centro de paz. Além do questionário de avaliação do
usuário, o CEJUSC de Jundiaí tem outra
Por fim, havia uma questão sobre se forma de avaliação do programa, que é
usuário teria interesse em se voluntariar a taxa de execução dos acordos realiza-

55
dos. De acordo com a Juíza Coordena- execução de título que foi constitu-
dora, esse é o melhor critério de avalia- ído no CEJUSC, então, ele anota, e
ção, pois, segundo ela: anota também o nome do mediador.
Portanto, para mim índice de acordo
“(...) o índice de execução dos acor- não mede e nunca vai medir quali-
dos é um índice que não é exigido dade. Então falo: está errado mesmo,
pelo Tribunal na planilha da Correge- porque o objetivo da mediação não
doria, então não existe esse campo é esse, o objetivo da política pública
na planilha. Só que aqui a gente con- não é esse. Infelizmente no Judiciário
ta. Porque exatamente, eu entendo usa-se essa medida, mas não é isso.
que o que mede a capacitação ade- Por isso, o trabalho dos nossos me-
quada dos mediadores é o índice de diadores é avaliado pela execução.”
execução, não é o índice de acordo.
Um bom mediador não é que o que iii. PERCEPÇÕES SOBRE O QUE
faz mais acordos, o bom mediador PODERIA MELHORAR NO
é o que consegue fazer com que as PROGRAMA:
partes se entendam e que elas no fu-
turo resolvam seus conflitos. Eventu-
almente se ele não fizer um acordo e 1. Pré-mediação:
elas voltarem a dialogar, melhor, esse
processo vai ser julgado, mas pode A pré-mediação é vista como uma for-
ser que no futuro elas consigam re- ma de aumentar a disposição das partes
solver. Então índice de acordo, que é a dialogarem para resolver o problema
o que o Tribunal mede, não serve pra posto. Segundo o Supervisor dos media-
qualidade de mediador. Então aqui dores:
a gente acompanha a execução dos
acordos.” “A pré-mediação consiste basica-
mente na apresentação da media-
O índice de execução dos acordos é vis- ção. Seria quase que uma abertura
to até mesmo como um critério de ava- de uma sessão normal para a parte
liação do mediador, segundo a coorde- reclamante. Porque se vocês perce-
nadora: berem, 90% das pessoas não sabem
o que é mediação e conciliação. Elas
‘“Eu posso verificar também, atra- nem conhecem o setor assim. Co-
vés desse índice de execução, qual nhecem porque ouviram falar, foram
mediador que está fazendo esses indicadas, mas a maior parte não
acordos que geram execução. Esta- sabe. Então a pré-mediação é para
mos anotando o número de acordos mostrar o que é a mediação, qual o
que geram execução e os nomes dos objetivo, qual o papel de cada parte,
mediadores responsáveis por esses e dizer para ela, ou ter dela a adesão
acordos. É que é tudo feito manu- ou não dessa mediação. Para que ela
almente, distribuída uma ação, o possa chegar aqui já pré-disposta a
funcionário verifica que se trata de conversar, a dialogar”.

56
2. Remuneração e ajuda financeira para com o setor processual e com o setor de
custeio de cursos de aprimoramento: cidadania, conforme exposto nas pala-
vras da Juíza Coordenadora do CEJUSC
Com relação ao estímulo financeiro para de Jundiaí:
que os mediadores participem de cursos
de aprimoramento, o Supervisor dos me- “Então se a gente tivesse um prédio
diadores entende que pode ser benéfico maior, que eu estou esperando isso,
ou não. Segundo ele: que o prefeito prometeu, o outro
já tinha prometido, agora esse pro-
“É uma faca de dois gumes. Depen- meteu, a gente conseguiria colocar
dendo de como ele for aplicado, essa tudo junto. Então aqui, por exemplo,
ajuda de custo, ela pode melhorar ou ele está tentando, que isso eu pedi,
piorar. Mas a tendência é melhorar. tem um Poupa Tempo na Avenida
Quer dizer, até antes da Resolução, dos Ferroviários, e ali tem um, era a
todos nós que trabalhávamos volun- estação, tem os prédios da estação
tariamente, realmente éramos volun- antiga que poderiam ser reformados,
tários, trabalhávamos por... Eu prin- como foi o do Poupa Tempo para a
cipalmente, estou aqui hoje não por gente colocar lá. Então já teria ali o
questão financeira, porque financei- Poupa Tempo, que é um serviço de
ramente realmente não compensa cidadania, e a gente poderia colocar
para mim estar aqui. O que a prefei- outros serviços da prefeitura e o CE-
tura me paga não compensa eu dei- JUSC funcionar lá, mas todo. Então a
xar meu escritório. Eu deixo porque ideia era essa, então a gente teria as-
eu tenho já uma estrutura, eu tenho sim, o pré-processual como ele está,
sócios lá que tocam o meu escritório, dessa forma, o processual então os
mas se não fosse isso eu não deixa- juízes...”
ria o meu escritório para estar aqui.
Hoje financeiramente não compen- Percebe-se que a ideia de unificar o setor
sa, mas por uma questão de princí- pré, processual e o setor de cidadania é
pio, de realmente gostar da media- uma pauta trazida pela Juíza Coordena-
ção, é que eu continuo aqui. E que dora do CEJUSC há algum tempo.
esses que estão aqui também. Mas,
por exemplo, os nossos cursos são 4. Defensor e Promotor público de
de 80, 70, 60 participantes, só que plantão:
ficam muito poucos, mas por quê? A
grande maioria não tem condições Outra questão levantada em mais de
de dedicar voluntariamente”. uma entrevista, foi a de que a Defensoria
Pública e a Promotoria de Justiça deve-
3. Unificar o pré-processual com o riam disponibilizar um defensor público
processual e o centro de cidadania: ou um membro do Ministério Público
para se conseguir fazer um plantão des-
Outra questão apontada nas entrevistas ses atores de justiça, para que auxiliem
é a unificação do setor pré-processual as partes que tenham alguma dúvida no

57
momento da sessão de mediação, de sidera um futuro positivo para essa práti-
modo que a dúvida seja dirimida de for- ca, com maiores investimentos do Tribu-
ma rápida e sem comprometer a parcia- nal de Justiça e maior adesão da popula-
lidade do mediador. ção em geral a esse tipo de resolução de
controvérsia.
5. Aumento do número de funcionários:
Nesse cenário positivo, também foi cons-
Também, em mais de uma entrevista, foi tante nas entrevistas chamar-se a aten-
declarado que uma das questões que po- ção para fatores como o aprimoramento
deriam melhorar a prática seria o aumento constante dos mediadores, capacitação
do número de funcionários à disposição e também na estruturação de alguma
do programa, pois pelo que se percebeu forma de remuneração, nem que seja so-
nas visitas in loco, a falta de funcionários mente para ajuda de custo ou ainda aju-
faz com que os funcionários tenham que da com cursos e outras formas de capa-
trabalhar em dobro e com menor especia- citação. A consolidação do CEJUSC de
lização em suas funções. A falta de funcio- Jundiaí, junto com a atuação do Poder
nários também impede maior divulgação Judiciário, pode, na visão dos entrevis-
do serviço, o que, de certa forma, prejudica tados, solidificar a cultura da pacificação
o atendimento do jurisdicionado. social, conforme declarado pelo Supervi-
sor dos mediadores e auxiliar de coorde-
iv. PERCEPÇÕES SOBRE O FUTURO nação da área pré-processual:
DO PROGRAMA:
“Olha, eu vejo e almejo, como todos
Foi quase unanimidade entre os entre- os professores, o pessoal que eu falo
vistados pintarem dois cenários para o antigo, aqueles que já estavam bem
futuro da prática da mediação e do setor antes desse boom da Resolução e
do CEJUSC de Jundiaí como um todo. tudo o mais, que já bem engatinhan-
Nas palavras do Supervisor dos media- do, galgando aí as dificuldades. O
dores e auxiliar de coordenação do setor que é tudo de bom para a popula-
pré-processual: ção, enfim, para os conflitos em ge-
ral. E se o Tribunal tomar conta de
“Eu vejo duas situações, uma positiva tudo isso que eu coloquei, Tribunal
e uma negativa. Eu creio que pela ex- porque a gente está em São Paulo,
periência que nós temos com o Jui- mas isso eu acho que seria de uma
zado Especial eu... vai depender de forma nacional. Se a gente tiver me-
como o Tribunal vai conduzir, e como diadores realmente capacitados, não
ele vai administrar os CEJUSC. Acho adianta um curso de 50 horas, 60
que a gente está em um momento horas. O aprimoramento tem que
ainda de - como que eu posso dizer ser constante, não dá para a gente
- que a gente ainda não conseguiu em 36 horas de estágio dizer que a
solidificar ainda...” pessoa está preparada para ser me-
diador/conciliador. Eu estou aqui só
O primeiro cenário pintado é o que con- nesse setor há 10 anos e não me sin-

58
to preparado para fazer certos tipos melhorar muito a qualidade do servi-
de mediações. Acho que a gente tem ço. Eu tenho uma outra ideia de que
que estar todo dia aprendendo e essa capacitação dos conciliadores
aprimorando. Então eu acho que se e mediadores hoje é muito mal fei-
o Tribunal realmente desse atenção ta, como eu falei, estava sendo fei-
para os mediadores tanto em rela- ta por vídeo conferência, e isso não
ção à capacitação quanto a remune- capacita ninguém. Então a qualidade
ração, a forma de remuneração, es- está muito ruim, não aqui em Jundiaí,
truturar os CEJUSC, tanto a parte de mas na maioria dos CEJUSCs. E eu
mão de obra quanto a parte física, eu acho que daqui cinco anos pode ser
acho que aí o nosso objetivo vai ser que isso esteja melhor. E então, com
atingido.” a remuneração e com esses cursos
melhores, poderemos exigir a reci-
A fala da Juíza Coordenadora também clagem e, consequentemente, pro-
demonstra a crença nesse cenário posi- porcionar ao jurisdicionado um ser-
tivo. Isso porque, segundo ela, está em viço de melhor qualidade.”
trâmite no Poder Legislativo Estadual de
São Paulo proposta que visa quantificar De outro lado, as entrevistas revelaram
o montante que o mediador deveria re- uma possibilidade de que o futuro do
ceber do Estado42, atendendo-se, então, programa seja negativo. Nesse cená-
a uma das maiores reivindicações dos rio, vários fatores foram apontados, tais
mediadores. Segundo a Juíza Coordena- como a falta de investimento, falta de in-
dora, nos próximos cinco anos, a prática fraestrutura e insuficiência da capacita-
da mediação no CEJUSC de Jundiaí: ção dos mediadores como um todo. Nas
palavras do Supervisor dos mediadores
“[...] eu acho que vai melhorar bas- e auxiliar de coordenação do setor pré-
tante, eu espero então ter mais CE- -processual:
JUSCs instalados adequadamente
no Estado de São Paulo, o que quer “(...) o negativo é, eu acredito que
dizer, com estrutura física e de pes- se o Tribunal não realmente dedi-
soal adequadas ao serviço. Eu espe- car na qualidade do aprimoramen-
ro e eu acredito. Existe um Projeto to dos mediadores, na remuneração
de Lei em andamento aqui em São dos mediadores, seria qualificação...
Paulo, que prevê a remuneração dos Aquilo que eu falei para vocês em re-
mediadores e eu espero que venha lação ao Juizado Especial e porque
realmente a ser aprovado. Isso vai que deu errado. Acho que eu falei

42 Trata-se do Projeto de Lei nº 1.005/13, em trâmite na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). O

art. 2º do referido projeto dispõe acerca da remuneração: “Art. 2º O valor do abono variável, de cunho puramente

indenizatório, será de 02 UFESPs para cada hora. Parágrafo Único: A remuneração somente será devida para o

Conciliador ou Mediador que realizar jornada diária a partir de 02 horas”. O inteiro teor do Projeto está disponível

no site http://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1187661. Acesso em 27/06/2014.

59
basicamente em relação aos concilia- lha relacionados à representatividade da
dores, mas existe também a questão prática, envolvimento dos atores do sis-
da estrutura. Então se o Tribunal não tema de justiça, institucionalização, con-
estruturar os CEJUSC, a preocupa- solidação e existência de informações
ção é que a demanda vai ser muito para a pesquisa de campo e coleta de
grande e a gente não vai ter o atendi- dados. Nesse sentido, chegou-se a con-
mento devido. Aí que vai ser a parte clusão de que os Núcleos de Mediação
negativa. Bom, a minha preocupação Comunitária de Fortaleza seriam a inicia-
a ter um resultado negativo acho que tiva com maior consolidação, tendo em
basicamente é isso, estrutura física e vista as informações disponíveis e o fato
qualificação dos mediadores.” de existir e estar em pleno funcionamen-
to desde 1999.
Portanto, pode-se dizer que, segundo os
atores envolvidos na prática de mediação IV. 2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
do CEJUSC de Jundiaí, os desafios da ins- PROGRAMA
titucionalização são inerentes à continua-
ção e ao crescimento das práticas de so- Conforme informações constantes do
lução alternativas de conflitos realizadas relatório de Avaliação do Impacto Social
pelo CEJUSC, tendo em vista a necessi- do Programa “Justiça Comunitária”, os
dade de que seja realizada capacitação diferentes núcleos que viriam a integrar
constante e adequada dos mediadores, o projeto “Núcleos de Mediação Comu-
além de se melhorar a estrutura física dis- nitária do Estado do Ceará” tiveram his-
ponibilizada para tais práticas. tóricos e estruturas diversas, impacta-
dos pelas características específicas dos
contextos locais em que se encontram
IV. O SEGUNDO inseridos e pelas diferentes formas de
gestão neles empregadas43.
ESTUDO DE
Sua gestão e administração eram reali-
CASO – REGIÃO zadas por instituições distintas e alguns
contavam já desde sua criação com vín-
NORDESTE culos com o Ministério Público e a Defen-
soria Pública do Estado do Ceará. O mais
IV. 1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO antigo deles, o núcleo de Pirambu, foi ins-
DOS NÚCLEOS DE MEDIAÇÃO taurado em 1999 por iniciativa da Ouvido-
COMUNITÁRIA DO CEARÁ ria Geral do Estado do Ceará, em parceria
com Conselhos de Direitos Humanos e
Assim como nas demais regiões estuda- com apoio da Federação do Movimento
das, foram adotados critérios de esco- Comunitário de Pirambu – FEMOCOPI e

43 SECRETÁRIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIO. Diálogos sobre Justiça: Avaliação do Impacto Social do Programa

“Justiça Comunitária”. Brasília: Ministério da Justiça, 2012, p. 29.

60
a comunidade do bairro do Pirambu.44,45 ção comunitária era vinculado à Secre-
taria da Ouvidoria Geral e do Meio Am-
O surgimento dessa iniciativa é docu- biente do Estado do Ceará, que ficou
mentado pela ata da reunião realizada responsável pelo projeto até passar essa
em 13/09/1998 entre a Ouvidoria Geral responsabilidade para a Secretaria de
do Estado do Ceará, representada pela Justiça e Cidadania do Estado do Ceará,
Dra. Maria do Perpétuo Socorro França em janeiro de 2003. Na sequência, em
Pinto e pela Ouvidora Adjunta Vanja Fon- maio de 2008, o projeto foi incorporado
telene Pontes, juntamente com vários ju- pelo Ministério Público do Estado do Ce-
ristas e profissionais das mais diferentes ará, que é responsável pelo projeto até
áreas, com o objetivo de criar um progra- os dias de hoje.
ma governamental que fosse capaz de
dar resposta para a solução dos conflitos Há um ano antes, o Ministério Público
nas comunidades.46 do Estado do Ceará já havia instituído
o Programa de Justiça Comunitária por
Esses atores idealizaram a primeira Casa meio da Resolução de n.º 01/2007, de
de Mediação Comunitária do Estado 27/06/2007, da Procuradoria Geral do
do Ceará, instalada em 24/09/1999 no Ministério Público do Estado do Ceará,
bairro do Pirambu, um dos bairros mais que estabeleceu a estrutura, objetivos e
violentos à época. A segunda Casa de incentivos à criação de Núcleos de Me-
Mediação foi a de Parangaba, criada em diação Comunitária.48
26/06/2000, no bairro do Parangaba.47
Os objetivos do programa declarados na
No início, o projeto das casas de media- Resolução nº. 1/2007 são: 1. Estimular a

44 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ. PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA. 10 anos da Mediação

Comunitária no Pirambu. Fortaleza, 2009, p. 11.

45 Sobre a origem do núcleo de Pirambu, uma das mediadoras e supervisoras narra a importância da interlocução

com lideranças comunitárias e algumas das dificuldades encontradas: “Viemos para o Pirambu, juntamente com a

equipe técnica, e foi realizada uma reunião ampliada com as lideranças comunitárias, onde dessas lideranças comu-

nitárias foi feito um seminário, foi feito uma apresentação teatral dentro da própria história de mediação comuni-

tária dos momentos de conflitos entre vizinho, mostrando, fazendo essa amostragem com as próprias lideranças. E

daí houve a vontade, um anseio de participar do curso de mediação. Fizemos o curso (...) e fomos escolher o local

onde poderia ser o Núcleo de Mediação Comunitária do Pirambu. Aí foi que teve algumas dificuldades, mas dificul-

dades que foram superadas graças a Deus. Em um primeiro momento fomos para a Escola Marvin, que não deu para

ser na escola, depois fomos para uma entidade aqui no Cristo Redentor, mas o técnico condenou o prédio, viemos

para cá, para a Federação do Movimento Comunitário do Pirambu. Fizemos uma reunião com as lideranças, teve

alguns que na época não aceitaram, mas aí fomos para a votação e a maioria ganhou. Então foi instalado o núcleo

de mediação que na época era Casa de Mediação Comunitária do Pirambu, foi criada com esse nome. Passamos a

atender a comunidade e nós tínhamos muitos conflitos, inclusive briga de gangues, os adolescentes brigando pelo

espaço, território, e isso na época o núcleo juntamente com a 3ª Companhia, nós fizemos um trabalho, e graças a

Deus essas gangues até hoje acabaram” (Mediadora e supervisora).

61
formação de Núcleos de Mediação Co- comunidade; 5. Incentivar a organização
munitária nos municípios do Estado do da sociedade civil para o exercício da ci-
Ceará, estabelecendo parcerias entre o dadania participativa; 6. Estimular a for-
Ministério Público do Estado do Ceará e mulação de projetos de inclusão social; 7.
entidades públicas e privadas, de modo Gerenciar planos de capacitação de me-
a proporcionar à comunidade o exercí- diadores comunitários; 8. Sensibilizar a
cio efetivo da cidadania participativa; população sobre a relevância da solução
2. Estabelecer parcerias com entidades pacífica dos conflitos; 9.Viabilizar na co-
relacionadas à mediação e arbitragem, munidade um espaço gratuito de escu-
objetivando a colaboração no proces- ta-fala para resolução de controvérsias;
so de criação dos núcleos de mediação 10. Fomentar a instalação de núcleos de
comunitária; 3. Estimular a implementa- mediação comunitária, com o escopo de
ção de núcleos de mediação comunitária contribuir para a redução da violência,
nos diversos municípios cearenses, com pela solução pacífica dos conflitos; 10.
a decisiva participação do membro do Contribuir para a melhoria da qualidade
Ministério Público; 4. Viabilizar, a partir de vida da comunidade; 11. Incentivar a
da implantação dos núcleos de media- prática do serviço voluntário na comuni-
ção comunitária, atendimento rápido, dade; 12. Instituir permanente hábito de
desburocratizado, gratuito e eficiente à estudos e pesquisas, visando à implanta-

46 Conforme consta na Ata da III Reunião do Grupo de Estudos em mediação e tratamentos adequados de solução

de conflitos (GEM-TASC): “Os idealizadores então falaram que no ano de 1998, em um dia de domingo, na antiga

Ouvidoria Geral do Estado, foi realizada uma reunião para discutir a possibilidade da implantação da mediação co-

munitária no Ceará. Foi relatado que estiveram presentes nesse dia: Dra. Socorro França, Dr. Willis Guerra, Dra. Vanja

Fontenele Pontes, Dra. Maria Neves Feitosa Campos, Dr. Octávio Costa Neto, Prof. Luis Alberto Warat, Wolfgang

Grunsky (Universidade Bielefeld Alemanha), Francesco Paolo (Univ. De Pisa), César Fiúza (PUC-MG), Marcelo Guer-

ra, Nívea de Matos Rolim, Filomeno de Moraes e Djalma Pinto. A presença desses grandes nomes ligados ao Direito,

foi possível devido a um congresso de Direito Processual Civil, que estava ocorrendo em Fortaleza nesse mesmo

período e cujo um dos temas discutidos era Mediação e Arbitragem. Daí então a ideia da Mediação, inicialmente

levantada pelo Prof. Willis Guerra, foi acolhida e implementada pela Ouvidora Geral do Estado à época, Dra. Maria

do Perpétuo Socorro França Pinto. Dra. Neves disse, ainda, que o projeto Casas de Mediação foi pensado de uma

forma científica e que inicialmente a ideia do Prof. Willis Guerra, associada a teoria e a credibilidade dos renomados

professores presentes ao Congresso, levaram a implantação da mediação no Estado.”


47 SALES, Lília Maia de Morais; LIMA, Martônio Mont’Alverne Barreto; ALENCAR, Emanuela Cardoso Onofre de. A

mediação como meio democrático de acesso à justiça, inclusão e pacificação social: a experiência do projeto casa

de mediação comunitária da Parangaba. Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, 2008, p. 719. Disponível

em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/07_182.pdf. Acesso em:17/08/2014.

48 LANDIM, Francisco Edson de Sousa; GONDIM, Lílian Virgínia Carneiro. Mediação comunitária do Ministério Pú-

blico do estado do Ceará: uma experiência em virtude da paz. Revista Acadêmica da Escola Superior do Ministé-

rio Público do Estado do Ceará. Fortaleza, ano 5, n. 1. Jan./jul. 2013, p. 05. Disponível em: http://www.mp.ce.gov.

br/esmp/publicacoes/Edital-n-01-2013/Artigos/Francisco%20Edson%20de%20Sousa%20Landim.pdf. Acesso em

16/08/2014.

62
ção de projetos que promovam a cultura Outro fato importante para a visibilidade
da paz; 13. Orientar a comunidade so- dos núcleos de mediação no Estado do
bre direitos e deveres dos cidadãos; e 14. Ceará foi a aprovação da Lei Estadual nº.
Exercer outras atribuições compatíveis 14.620, de 2010, que instituiu o dia 13 de
com a filosofia do Programa. setembro como o “Dia Estadual do Me-
diador Comunitário”. Da mesma forma, o
No que diz respeito à estrutura dos nú- município de Fortaleza, por meio da Lei
cleos, a resolução prevê três cargos de Municipal nº. 9.853, de 2011, determinou
coordenação: Coordenador, Coordena- que o dia 24 de setembro passasse a ser
dor-Adjunto e Gerente de Projetos. o “Dia Municipal do Mediador Comunitá-
rio”, data esta escolhida em razão de ser
Atualmente, a coordenação do Progra- esse o dia da instalação do Núcleo de Pi-
ma é composta por membros do Minis- rambu, o primeiro núcleo de mediação
tério Público, de entrância Especial, para comunitária daquela cidade.
mandato de dois anos. O cargo de Co-
ordenador do Programa dos Núcleos de Segundo o Coordenador do programa,
Mediação Comunitária é exercido pelo os núcleos são financiados pelo Ministé-
Promotor Titular na 14ª Promotoria de rio Público, que arca com a remuneração
Justiça de Família. Os cargos de Coorde- dos supervisores dos núcleos e as des-
nador-Adjunto do Programa dos Núcle- pesas de expediente. Já os imóveis são
os de Mediação Comunitária e de Geren- cedidos pelos mais variados parceiros,
te de Projetos do Programa dos Núcleos como faculdades, municípios, igrejas e
de Mediação Comunitária encontram-se Federações de bairro. Como os núcleos
vagos. são criados pensando-se nas necessida-
des e peculiaridades de cada comunida-
Em maio de 2013, foi proposta a primei- de, inserem-se dentro destas, contando
ra emenda à Resolução nº. 01/2007 para com a participação de seus membros.
alterar e atualizar todos os artigos da-
quela resolução, contendo ainda quatro Um momento decisivo na institucionali-
anexos: (i) Cursos de capacitação e aper- zação dos Núcleos de Mediação Comu-
feiçoamento; (ii) Regimento Interno do nitária foi a sua inserção no “Projeto Me-
Programa dos Núcleos de Mediação Co- diação Comunitária, do Programa Nacio-
munitária; (iii) Regulamento do Processo nal de Segurança Pública com Cidadania
de Mediação Comunitária; e (iv) o Códi- – Pronasci” (Secretaria de Reforma do
go de Ética do Mediador Comunitário, Judiciário)49, que realiza convênios com
de 07/10/2008. A emenda ainda não foi atores do sistema de justiça, da socie-
aprovada junto ao Colégio dos Procura- dade civil e da administração para de-
dores de Justiça do Estado do Ceará. senvolver e fomentar formas consensu-
ais de resolução de conflitos de caráter

49 Informações disponíveis em <http://portal.mj.gov.br/main.asp?ViewID=%7BDA9EC2A8-2D0D-4473-A4DD-DF9D33C8DE

5D%7D&params=itemID=%7BF85A2668-7541-4D7D-8FBF-08649EFC9BA7%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-

-A26F70F4CB26%7D>. Acesso em 27/07/2014.

63
comunitário. Por meio desses convênios, O protocolo dá ênfase em quatro eixos
são instituídos núcleos que financiem de atuação: (i) formação/capacitação de
atividades de capacitação de agentes mediadores de conflitos; (ii) implanta-
de mediação comunitária, aquisição de ção de serviços gratuitos de mediação e
equipamentos, contratação de profissio- demais formas de solução de conflitos,
nais e adequação de espaços físicos50. preferencialmente em locais de alta vul-
nerabilidade social; (iii) monitoramento e
Em 13/09/2012, o Ministério Público do supervisão do processo de formação, do
Ceará, por meio do Procurador-Geral de atendimento prestados pelos mediado-
Justiça e do Coordenador dos Núcleos res e de outros pontos relevantes para
de Mediação, firmou um protocolo de o aprimoramento dos serviços, por meio
intenções com dezenas de atores, do da constituição de um grupo de trabalho
Estado e de diversos municípios, de or- permanente composto de representan-
ganizações religiosas, de organizações tes dos órgãos signatários do protoco-
da sociedade civil, dentre outros, com lo e de outros que tiverem interesse no
vistas a estabelecer parâmetros comuns seu objetivo; e (iv) ampliação da rede de
para desenvolver projetos e ações con- parceiros que tenham interesses comuns
juntas para a implementação da media- do protocolo.
ção, conciliação, negociação, práticas
restaurativas e demais formas alternati- A equipe da pesquisa visitou os núcleos
vas de resolução de conflitos no Estado de Pirambu, Messejana, Caucaia-FATENE,
do Ceará, com ênfase no município de Caucaia e de Parangaba, que foram esco-
Fortaleza e Região Metropolitana. lhidos por apresentarem características
variadas quanto ao tempo de existência,
Por meio do referido protocolo de inten- parceiros envolvidos e localização. Com
ções, os 61 (sessenta e um) partícipes do isso, foram estudados desde o núcleo de
protocolo concordaram em oferecer por Pirambu, que foi o primeiro núcleo insta-
dois anos recursos humanos e tecnológi- lado na cidade de Fortaleza, até em um
cos disponíveis para viabilizar a realiza- dos mais recentes núcleos instalados na
ção de ações voltadas para a construção região metropolitana de Fortaleza, na ci-
da Cultura da Paz por meio do incentivo dade de Caucaia, situado no interior da
e da implementação de serviços de me- Faculdade Tecnológica do Nordeste.
diação e demais formas alternativas de
resolução de conflitos. Foram realizadas entrevistas com três dos

50 Entretanto, como o programa de mediação comunitária no Ceará não conseguiu continuar com o financiamento

do Ministério da Justiça por meio do Prosnaci, o Coordenador dos Núcleos de Mediação afirma houve uma queda

na estrutura do programa. Ele afirma que: “Atualmente nós não estamos mais com a estrutura que antes tínhamos,

quando em convênio com o Ministério da Justiça. Nós tínhamos uma equipe com psicólogo, com assistente social,

com estagiário de direito, e nós ampliamos muito a ação da mediação comunitária em uma perspectiva de cons-

truir essa rede social com outros equipamentos de cada bairro. Isso funcionou [de forma] excelente. Infelizmente

o projeto findou o convênio com o Ministério da Justiça, e hoje os núcleos continuam padecendo dessa equipe

multidisciplinar.”

64
supervisores gerais dos núcleos, mediado- está na internet, isso porque por meio das
res e estagiários, além de funcionários e redes sociais e blogs o programa mantém
com o Coordenador Geral do programa. a sua rede informada sobre cursos, pales-
tras e demais acontecimentos relaciona-
O programa dos Núcleos de mediação do dos ao programa em si e à mediação de
Ceará recebeu o 2º Lugar na Categoria “Di- um modo geral. Para tanto, o programa
minuição da Criminalidade e Corrupção”51, conta com uma página oficial no sítio do
do Prêmio CNMP de 2013. Ministério Público do Ceará, um blog que é
alimentado semanalmente52, além de uma
Importante destacar que as estratégias de página no facebook53 e uma conta no twit-
divulgação do programa levam em consi- ter54. Além disso, semanalmente é produ-
deração a comunidade em que os núcleos zido um Informativo, que é fixado nos nú-
estão inseridos, havendo, por exemplo, as cleos e enviado a toda a rede de contatos
visitas do projeto “Porta a porta”, no qual do programa, que circula as novidades e
os mediadores determinam um dia para acontecimentos dos núcleos.
sair pelo bairro batendo na porta das pes-
soas para divulgar o núcleo de mediação O Coordenador dos Núcleos de Mediação
daquela comunidade. afirma que o custo de manutenção de um
núcleo de mediação comunitária é muito
O programa também conta com vários baixo, tendo em vista o alto volume de ses-
projetos paralelos. Entre eles, chamam sões e de atendimentos diversos, que fa-
atenção a realização dos bazares, a realiza- zem com que a pacificação seja atingida
ção da semana do mediador comunitário, nas mais variadas comunidades em que o
o concurso para escolha da frase e da arte poder público, mais especificadamente o
da semana do mediador e o selo de boas Poder Judiciário, não consegue dar uma
práticas. resposta eficaz55.

O foco comunitário do programa também

51 CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CNMP). Projetos premiados por categoria. Disponível em:

http://www.cnmp.mp.br/premio/premiados/17:programa-dos-nucleos-de-mediacao-comunitaria. Acesso em

16/08/2014.

52 http://mediacaocomunitaria.blogspot.com.br/.

53 https://www.facebook.com/groups/mediacaocomunitariaceara/.

54 https://twitter.com/nucleosnmc.

55 “O que se gasta com mediação é muito pouco, para manter o núcleo com tudo, gasolina, água, luz, telefone,

inclusive o servidor pago pelo Ministério Público a gente gasta oito mil, seis mil e oitocentos reais. Isso é irrelevante,

considerando que quatro presos em uma cadeia gastam mais para a sociedade, custa mais caro do que se manter

um núcleo desse com atendimento. Nós já atendemos 643 pessoas esse semestre no núcleo, tem uns que atendem

mais, outros atendem menos, mas a média foi 643 atendimentos de janeiro a junho de 2014. Eu trabalho em uma

Promotoria da Família, entra 100, 90 processos por mês. Comparando o que se gasta em uma Promotoria de Famí-

65
IV. 3. O DESENHO E FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA

Público-alvo, estrutura e objetivos:

Enquanto programas de vocação comunitária, os núcleos de mediação visam aten-


der as próprias comunidades, razão pela qual estão localizados em bairros periféri-
cos. Existem até o momento onze núcleos de mediação no Estado do Ceará, cada
um contando com um supervisor:

Núcleo Localização e Telefone

1. Núcleo de Mediação Comuni- Rua Tomaz Rodrigues, S/N – Antônio Bezerra (Praça Jo-
tária de Antônio Bezerra aquim Nogueira), Fortaleza/CE. Fone: (85) 3235-5427

2. Núcleo de Mediação Comu- Avenida Senador Robert Kennedy, N° 920 – Barra do


nitária da Barra do Ceará Ceará, Fortaleza/CE. Fone: (85) 3485-4177

3. Núcleo de Mediação Comu- Rua Geraldo Barbosa, N°1095 – Bom Jardim, Fortaleza/
nitária do Bom Jardim CE. Fone: (85) 3245-8583

4. Núcleo de Mediação Comu- Rua Coronel Correia, N°1119 – Centro (na Faculdade Terra
nitária de Caucaia-FATENE Nordeste - FATENE), Caucaia/CE. Fone:(85) 3387-1563

5. Núcleo de Mediação Comu- Rua 10, Nº 207 – Jereissati, Maracanaú/CE – Fone:(85)


nitária de Maracanaú 3371-8593

6. Núcleo de Mediação Comu- Rua José Euclides Ferreira Gomes, N°59 – Curió, Forta-
nitária da Grande Messejana leza/CE. Fone: (85) 3476-3316

7. Núcleo de Mediação Comuni- Avenida Dom Almeida Lustosa, N°4395 – Jurema (Anexo ao
tária Jurema Lar Fabiano de Cristo), Caucaia/CE. Fone: (85) 3259-1364

8. Núcleo de Mediação Comu- Avenida Quinze, N° 507 – Jereissati II, Pacatuba/CE.


nitária de Pacatuba Fone: (85) 3384-4082

9. Núcleo de Mediação Comu- Rua Júlio Braga, N°161 – Parangaba, Fortaleza/CE. Fone:
nitária de Parangaba (85) 3452-4572

10. Núcleo de Mediação Comu- Avenida Castelo Branco (Avenida Leste-Oeste), N°2709,
nitária do Pirambu Fortaleza/CE. Fone:(85) 3433-1751

11. Núcleo de Mediação Comu- Rua Santa Terezinha, Nº 72 - COHAB I, Sobral/CE.


nitária de Sobral Fone:(88) 3614-4001

66
Quanto ao público-alvo, o Coordenador recentes do próprio Ministério Público, o
dos Núcleos de Mediação afirma que programa apresenta a seguinte estrutura:
não há nenhum tipo de critério para
atendimento, tendo em vista que o Dentre outras atribuições, a Coordena-
objetivo é atender à população em ção Geral do programa cuida das contra-
geral, principalmente a população com tações de funcionários para os núcleos,
renda baixa. Ele afirma que o público- sendo que uma parte são servidores ce-
alvo é: didos pelas prefeituras por meio de Ter-
“Pessoa de baixa renda, porque, mos de Cessão e outra é contratada por
como a nossa mediação é comunitá- meio de uma licitação conduzida pelo
ria, normalmente nós instalamos os Ministério Público para seleção de uma
núcleos em locais muito vulneráveis, empresa de terceirização:
com vulnerabilidade social, econô-
mica, desemprego, falta de seguran- “Quando abre, quando existe a vaga,
ça, inexistência de iluminação públi- existe o recrutamento por parte do
ca, de esgoto. Então, é um público RH, têm as entrevistas, todo aquele
mesmo excluído da sociedade, que a procedimento mesmo de RH, e aí de-
mão da Justiça, a mão do Poder Ju- pois somos contratados. pelo menos
diciário não chega lá nessas comuni- quando vim para cá, eu passei por
dades.” todo o processo seletivo até chegar
aqui.” (Funcionária da Coordenação
Após a incorporação da iniciativa pelo do programa).
Ministério Público, a Procuradoria Geral
do Estado do Ceará criou a “Coordena- “A terceirização acontece no Minis-
ção dos Núcleos de Mediação”, que tem a tério Público também através de lici-
incumbência de coordenar os núcleos de tação. Surgem as demandas, é feita
mediação comunitária juntamente com a uma licitação, e a empresa ganha-
Coordenação Adjunta e com a Gerência dora contrata esse grupo de pesso-
de projetos. De acordo com informações as que vem fazer parte do núcleo.”

Figura 3. Estrutura do programa “Núcleos de Mediação Comunitária”.


Fonte: Coordenação do Programa dos Núcleos de Mediação Comunitária – Setor de
Estatística, 2014.

67
(Funcionária da Coordenação do botado na justiça’. Aí a gente vai e
programa). explica para ele: ‘não, aqui não é a
Justiça. Aqui a gente resolve através
Ainda em termos de estrutura, o pro- do diálogo’. Aí sim: ‘olha, ele trouxe
grama é em grande parte custeado pelo para cá justamente por isso, porque
Ministério Público, que fomenta a rea- ele não quer levar para a Justiça’.
lização de parcerias com membros da Porque aqui é antessala da justiça,
comunidade para obter a realização de senão resolver aqui e a pessoa sentir
serviços voluntários de auxílio ao núcleo. vontade, a gente encaminha para o
Os mediadores são voluntários, com ex- Fórum, encaminha para a Defenso-
ceção do mediador supervisor, que é re- ria”. (Funcionária da Coordenação
munerado pelo Ministério Público. Geral do Programa)

Sobre o papel exercido pelo Ministério Segundo os entrevistados, os núcleos


Público, ressalta-se que além de gestor contam atualmente com 83 mediadores
dos núcleos, atua como legitimador de ativos (frequentam os núcleos semanal-
sua atuação, o que se verifica pela per- mente), 11 supervisores (um por núcleo),
cepção dos entrevistados de que as par- 02 motoqueiros (que entregam as car-
tes chamadas para procedimentos de tas-convite), 04 funcionárias na Coorde-
mediação dão significativa importância nação Geral, uma estatística que traba-
à oficialidade advinda do envolvimento lha com as avaliações e 02 funcionárias
de um órgão estatal: de serviços-gerais. Há também os esta-
giários de mediação, que são alunos do
“Quando a gente manda o convite curso de capacitação que estão realizan-
para alguém e este vai com a logo- do as 60 horas/aula práticas necessárias
marca do Ministério Público as pes- para conclusão do seu processo de for-
soas tendem a respeitar mais o que mação em mediação.
está ali. Muito difícil a gente mandar
o convite e a pessoa não atender, a Além dos estagiários de mediação, há
gente acha que realmente quando também estagiários de outras áreas, tais
eles veem o que está no envelope, como Direito, Psicologia, Serviço Social e
com o nome do Ministério Público, Informática, que atuam nos núcleos por
eles chegam até pensando que é a meio de acordos firmados com diversas
Justiça. Quando ele chega assim: faculdades, de modo que a atividade de-
‘mulher, mas tu não precisava ter me sempenhada seja válida para o cômputo

lia, ou em quanto ganha um juiz, quanto ganha um promotor, quanto ganha um técnico, um diretor de Secretaria,

provavelmente umas vinte vezes, umas quarenta vezes mais do valor gasto pelo núcleo para atender 643 pessoas

por mês. E não só atender, mas é para transformar as pessoas, mudar a qualidade de vida, respeitar as pessoas,

trabalhar com mudanças sociais. Isso é muito diferente do que é feito no Poder Judiciário, que ninguém se apercebe

no lado humanista, no lado de trabalhar as pessoas com respeito, com a dignidade das pessoas.” (Coordenador dos

Núcleos de Mediação Comunitária).

68
das atividades complementares obriga- e de soluções alternativas em diversas
tórias de diversos cursos: esferas56. O GEM-Tasc está dividido em
dois eixos fundamentais. O primeiro
“(...) eles são de Direito, que é a de- eixo, de Mediação de Conflitos, é dividi-
manda que nós precisamos, Psicolo- do em: (i) Aspecto Histórico; (ii) Introdu-
gia, Serviço Social, Informática, Ad- ção à Mediação; (iii) Tipos de Conflitos
ministração de Empresas, eu tenho e Mediação; e (iv) Introdução à Justiça
esses espaços para trabalhar com Restaurativa. O segundo eixo é o da Me-
eles. Já firmamos convênios com es- diação Escolar.
sas faculdades, esse projeto está em
fase, no cronograma, para começar Sobre mediação escolar, há um projeto
agora na segunda quinzena de agos- sendo desenvolvido para trabalhar com
to e receber os alunos, porque já a mediação de conflitos na escola com
houve um trabalho de sensibilização os próprios alunos. Já foi feito um con-
com a coordenação dos cursos de vênio com a Secretaria de Educação dos
Direito, sensibilização com o aluno, municípios de Horizonte e Caucaia e os
reuniões técnicas de sensibilização. núcleos dessas localidades estão dando
A universidade que vai selecionar, suporte técnico para implementação do
ela baixa o edital e seleciona, o alu- projeto, promovendo a capacitação e
no que se interessar faz a atividade sensibilização de alunos, pais, professo-
complementar nos núcleos, ele terá res e funcionários:
o acompanhamento das atividades
complementares, e ao final ele re- “A proposta é fazer com que os alu-
cebe uma certificação para ele levar nos, através da mediação e da cultu-
para a faculdade, para contar como ra de paz, possam ajudar os alunos a
carga horária complementar.” (Coor- se entenderem, a serem os próprios
denador dos Núcleos de Mediação mediadores da escola. Esse projeto
Comunitária). para mim tem sido o mais interes-
sante dos últimos projetos que tem
O programa também criou recentemen- sido feito aqui no Ministério Público.
te o “Grupo de Estudos em Mediação e (...) A gente faz a parte de formação
Técnicas alternativas de solução de con- de alunos, fazemos o passo a passo
flitos” (GEM-Tasc), que tem como função junto com a escola sobre a sensibi-
incentivar o aprofundamento do estudo lização, com os professores, com a
e da avaliação de técnicas de mediação equipe técnica da escola, com os

56 “Esses encontros são realizados no terceiro sábado de cada mês, se eu não me engano, e várias pessoas podem

participar. Nós temos advogados, psicólogos, que estudam mediação, sempre tem uma temática para cada encon-

tro, exercícios. Quem quiser ir pode ir, o mediador, está aberto. É um curso gratuito e aberto para quem quiser usu-

fruir de mais conhecimento. É muito bom que desses encontros que aconteceram no ano de 2013 vai ter origem um

livro. (...) Então, assim, vai ser um momento muito importante o lançamento desse livro, que é o fruto desse grupo

de estudos”. (Funcionária da Coordenação Geral do programa).

69
alunos, com os profissionais da es- ceria entre o Ministério Público e o La-
cola inclusive, a comunidade escolar boratório Central de Fortaleza para rea-
como um todo, para que eles enten- lização de exames de DNA em casos de
dam a proposta da mediação escolar, investigação de paternidade de forma
e vejam como é possível implantar gratuita, desde que voluntária58.
esse projeto lá. (...) A ideia é que os
alunos, através do diálogo, da media- Por fim, é importante destacar que os
ção em si, consigam fazer com que objetivos dos Núcleos de Mediação Co-
os conflitos que ocorrem no interior munitária, de acordo com a Resolução nº.
da escola possam ser mediados por 1/2007 já mencionada acima, focam em
eles mesmos, os conflitos de aluno três pilares: educação em direitos, traba-
no caso. Porque têm outros tipos lho em rede e promoção da mediação co-
de conflito, conflitos de professores, munitária enquanto forma de sensibilizar
que aí já é outro tipo de proposta, de a população sobre a relevância da solu-
abordagem” (Supervisor de um dos ção pacífica dos conflitos, contribuindo
núcleos de mediação). para a redução da violência e melhoria da
qualidade de vida da comunidade.
Além disso, foi firmado Convênio de Co-
operação Técnica entre o Ministério Pú- Triagem e agendamento:
blico do Estado do Ceará e a Associação
Terre Des Hommes/Lausanne no Brasil Os núcleos de mediação comunitária re-
Projeto “Práticas Restaurativas e Media- cepcionam conflitos de diversas naturezas
ção de Conflitos”, focando o público juve- que envolvam indivíduos da comunidade.
nil em 03 (três) escolas e o fortalecimen-
to destas práticas no Núcleo de Mediação Há panfletos amplamente distribuídos
Comunitária instalado no bairro de Bom nas diversas localidades nas quais estão
Jardim, na cidade Fortaleza/CE57. situados os núcleos, que descrevem os
conflitos que podem ser remetidos para
mediação comunitária: ameaça, crime
Outra iniciativa do programa é uma par- contra a honra, conflito de dívida, con-

57 Mais informações são encontradas nos seguintes sítios: http://www.mpce.mp.br/servicos/asscom/destaques2.

asp?cd=3139 e http://www.mpce.mp.br/servicos/asscom/destaques.asp?cd=1200.

58 “Então as pessoas chegam no núcleo e dizem que querem fazer um exame de DNA. É chamado o suposto pai

para perguntar se ele concorda em fazer o exame, porque nada a gente pode obrigar. Então a gente pergunta se ele

quer. Aí eles querendo, a gente liga para o Laboratório LACEN, dá o nome deles e eles vão com o encaminhamento

do núcleo fazer o exame no laboratório. Sem custo. Depois de dois a três meses o resultado do exame vai para o

núcleo de mediação, todo lacradinho, e só pode ser aberto na presença dos dois. Jamais ele é aberto na presença

de um, sempre na presença dos dois. E a gente abre o resultado, tira cópia, e anexa junto com o processo. E eles

levam e, dependendo da situação, a gente já marca uma outra mediação para a questão da pensão alimentícia,

dependendo do resultado que tiver. Mas isso tudo é fruto de uma parceria do Laboratório com o programa” (Fun-

cionária Coordenação Geral do programa).

70
flito familiar, conflito de vizinho, reco- pelo mediador ou pelo supervisor, o
nhecimento de paternidade, conflito de supervisor já tem o pré-requisito de
apropriação, conflito de imóvel, conflito ter sido o mediador, para ele enten-
trabalhista, conflito escolar, conflito so- der todo mundo. Não tem sentido
cietário, conflito do consumidor e pen- um supervisor supervisionar o nú-
são alimentícia. cleo se ele não foi mediador, se ele
não tem uma formação. O mediador,
Indivíduos da comunidade buscam os mesmo comunitário, vai acolher, ele
núcleos e são recepcionados por super- vai fazer a pré-mediação (Funcioná-
visores ou pelos próprios mediadores, ria da Coordenação do programa).
que realizam uma pré-mediação para es-
cutar a narrativa do conflito, explicar o Durante esse procedimento de acolhi-
que é a mediação e, com a aceitação da mento e pré-mediação, o supervisor ou
parte, é enviada uma carta-convite para mediador realiza uma série de perguntas
uma reunião de mediação59. Como esse para melhor compreensão do conflito e
momento de acolhimento é bastante de- preenche um formulário de pré-media-
licado, pois frequentemente a parte che- ção, o qual é posteriormente remetido
ga bastante conturbada com o conflito, ao mediador que realizará a mediação.
é necessário que aqueles que recepcio- Essas informações também são utili-
nam as pessoas que procuram o núcleo zadas para elaboração de relatórios de
sejam devidamente capacitados em me- estatísticas, as quais são fundamentais
diação: para gerenciamento do trabalho e ava-
liação do desempenho de cada núcleo.
“A pessoa às vezes chega com a ca-
beça tão quente para resolver aquele Ainda no que diz respeito à triagem, os
conflito, que o início de tudo é o aco- núcleos excluem conflitos que já foram
lhimento. A pessoa chega lá com rai- judicializados, ou seja, nos quais já exista
va porque o ex-marido não está pa- um processo judicial em trâmite.
gando a pensão alimentícia, a crian-
ça está precisando daquilo, e tudo, a Como já mencionado, um dos aspectos
pessoa já vai com raiva. Então ela já mais importantes da atuação dos núcle-
chega com a cabeça quente. No mo- os é, justamente, a disseminação de in-
mento em que ela chega no núcleo formações para que conflitos surgidos
de mediação, tem que ser acolhida dentro da comunidade sejam remetidos

59 “O procedimento é assim, eu estou em conflito com a minha vizinha porque ela está com o som muito alto. Então

o que acontece? Eu vou no núcleo mais próximo da minha casa, vou lá, sou acolhida pelo mediador comunitário,

então ele vai abrir, a primeira coisa que ele vai fazer é uma pré-mediação. Ele vai escutar você, saber o que é que te

atinge, o que é o problema que está acontecendo, e aí a pessoa vai e diz: “não, é porque a minha vizinha, eu já falei

com ela, eu já levei a ronda, eu já levei a polícia para baixar o som, ela abaixa mas...” Então ela vai contar o conflito,

aí a gente informa para ela se ela sabe o que é a mediação. Se ela souber, tudo bem, mas se não, a gente vai dizer o

71
para os núcleos, ou seja, para que estes ge na comunidade, seja ele qual for,
sejam reconhecidos pelos membros da o próprio delegado manda para cá.
comunidade como mais uma via legítima O delegado do 7º Distrito, 33º, do 1º,
de resolução de conflitos. Além da dis- do 2º, do Conselho Tutelar, da própria
tribuição de panfletos e da realização de Delegacia da Criança e do Adoles-
visitas de porta em porta por mediado- cente, mandam para cá, da Promo-
res e supervisores, são realizados even- toria do Idoso, porque a Promotoria
tos paralelos, como bazares, palestras e do Idoso trabalha com violações ao
concursos, e utilizados os meios de co- idoso, briga entre o vizinho e o ido-
municação digital, tais como redes so- so, então vem para cá e a gente tra-
ciais, site e blogs. balha isso com a maior naturalidade.
Isso tem dado muito certo em nossa
Há, também, procedimentos informais comunidade, tudo o que as pessoas
de encaminhamento de casos por dele- querem, podem vir aqui. Eu achei in-
gacias, juizados especiais cíveis, conse- crível, porque semana passada, veio
lhos tutelares, Ministério Público e cen- um cidadão aqui, aí ele disse que es-
tros de referência da assistência social tava em uma situação muito ruim, há
– CRAS, que informam pessoas que os mais de dois anos que não trabalha-
buscam da possibilidade de serem aten- va, chorou. Eu disse: “não posso te
didos por um núcleo de mediação de ajudar.” Nós temos uma cartinha de
sua comunidade.60 Com o tempo, alguns encaminhamento, fiz uma cartinha
núcleos se tornam uma referência para de encaminhamento, solicitei, fiz ex-
a comunidade não só para resolução posição dos motivos para quem eu
de conflitos, mas para encaminhamento o estava encaminhando. Pois não é
problemas diversos, sendo que durante que me ligaram dizendo que ele po-
os atendimentos os mediadores tentam deria contar com a vaga dele? Em-
dar orientações e encaminhamentos pregaram ele” (Mediadora e supervi-
para os indivíduos que buscam o núcleo: sora de um dos núcleos).

“Tudo e qualquer problema que sur- Ainda com relação aos procedimentos

que é a mediação, vai explicar que é uma forma alternativa de resolução de conflitos, em que as partes envolvidas

elas vão tentar, através do diálogo, resolver aquele problema. Aceita, pergunta se a pessoa aceita, aí tudo bem, aí

vai para abertura do procedimento. A gente não chama de processo, porque processo dá a ideia de justiça, então

é procedimento. Abre-se o procedimento, envia-se uma carta convite para a outra parte.” (Funcionária da Coorde-

nação do programa).

60 O Coordenador dos Núcleos de Mediação do Ceará afirma que as pessoas “(...) procuram muito o núcleo às ve-

zes pensando que o núcleo é uma delegacia ou é um juizado. E quando eles são submetidos ou entram na triagem,

eles começam a entender o que é a mediação, os princípios da mediação, a questão da confidencialidade, do sigilo,

da imparcialidade de um mediador, é da comunidade, a mediação é voluntária também para as partes, elas não

são obrigadas a aceitar o procedimento da mediação. Elas são orientadas, caso eles não se identifiquem com os

procedimentos da mediação, elas são orientadas a caminhar, a ir em busca do Poder Judiciário, de uma Defensoria

Pública, de um advogado particular ou de uma entidade que trabalhe com a defesa dos direitos do cidadão.”

72
de triagem, encaminhamento e pré-me- qual é explicado no que consiste a me-
diação, entrevistados mencionam a efe- diação e se a parte aceita participar do
tividade de se trabalhar de forma des- processo.
burocratizada e inserida na comunidade.
Nesse sentido, enfatizam que a entrega As sessões de mediação:
da carta-convite é feita por um moto-
queiro contratado pelo núcleo (e não Quanto aos procedimentos utilizados
pelo correio), o que garante a sua entre- durante a sessão de mediação, funcio-
ga de forma célere e em mãos. Segun- nárias da Coordenação Geral do progra-
do funcionárias da Coordenação Geral, a ma relatam que a linha geral adotada é
sessão de mediação pode ser realizada a transformativa, enfatizando-se a trans-
em até sete dias após o primeiro atendi- formação do relacionamento entre as
mento. partes mais do que o acordo em si:

“Quando a demanda é muito grande “A mediação que a gente trabalha


a gente consegue marcar, por exem- aqui é a transformativa. Trabalha a
plo, para um dia ter quatro, depen- questão dos laços afetivos, a questão
dendo do número, tem cinco. Porque de restabelecer os laços que foram
têm núcleos pequenos e grandes, rompidos. Porque o vizinho, você vai
têm núcleos que possuem duas sa- levar uma vida inteira discutindo com
las e têm núcleos que possuem três, essa pessoa? (...) Porque o mediador
quatro. Então isso varia muito de ele só facilita, ele só permite que as
acordo com o núcleo. Mas em me- pessoas conversem, que um fale e o
nos de um mês está resolvido, da en- outro escute, porque no final o acordo
trada até a finalização. Quando você é feito por eles. Já foi o tempo onde
chega lá no núcleo, tem o dia que o a gente se preocupava muito com
motoqueiro passa. Se você veio na acordo, a gente tinha uma preocupa-
segunda feira, e se o [dia do moto- ção de no final fazer um acordo. Mas
queiro do] núcleo é dia de sexta, sua hoje não, o Coordenador dos Núcleos
carta-convite só vai ser entregue na se preocupa mais com a questão de
sexta-feira. A gente marca para uns restabelecer os laços que foram rom-
dez dias à frente, que é para dar tem- pidos. E a gente tem trabalhado mui-
po do motoqueiro passar, as pessoas to essa questão. E depois que ele veio
receberem com antecedência, para trabalhando dessa maneira a gente
poderem se preparar para vir ao nú- viu que os resultados têm sido melho-
cleo de mediação” (Funcionária da res a cada dia. Cada dia tem sido me-
Coordenação geral do programa). lhor.” (Funcionária da Coordenação
Geral do programa).
A carta-convite informa a parte não só
do horário da mediação, mas também “Nós temos uma proposta de media-
que ela poderá comparecer meia hora ção transformativa, não só resolver o
antes da sessão para passar também por acordo em si, mas mudar a percepção
um procedimento de pré-mediação, no das pessoas sobre os conflitos, e fazer

73
com que elas consigam resolver as o povo”61 (Funcionária da Coordenação
suas coisas sem precisar voltar ao nú- Geral do programa).
cleo de mediação. Então é uma forma
de mudar também a percepção das Geralmente há um mediador, que conduz
pessoas dos conflitos, porque os con- o procedimento, e um co-mediador cuja
flitos são positivos, são parte da sus- principal atribuição é relatar o que ocor-
tentabilidade humana, não tem como reu no formulário do caso (o mesmo que
haver paz sem haver conflito. Então, é preenchido durante as pré-mediações).
não é só o acordo em si, mas o que o Ao final, esse formulário é lido para as
envolve, o sentimento das pessoas, o partes e assinado, tornando-se o termo
que elas trazem, os medos, as emo- de mediação.
ções. Então a gente trabalha o pro-
cesso transformativo dos conflitos, Não há um tempo de duração pré estabe-
não só ‘acordista’.” (Supervisor de um lecido para a pré-mediação ou para a me-
dos núcleos de mediação). diação, que pode durar algumas horas62.
Muitos ressaltam a informalidade no aten-
Ainda que a noção da mediação trans- dimento e na condução do procedimento,
formativa esteja bastante presente, os respeitando-se o estilo e a forma de atua-
entrevistados ressaltam que a mediação ção de cada mediador.
comunitária possui uma forma mais livre
– “a mediação do povo, para o povo, pelo A gestão dos Supervisores de cada Nú-

61 “A mediação ela é do povo, para o povo, e pelo povo. A gente sabe que o conflito sempre vai existir. O conflito é

inerente ao homem. Então não é que a gente vá resolver os conflitos do mundo, mas vai tentar plantar uma sementi-

nha dentro de cada um. A semente é plantada a partir do momento que eu resolvo ser mediador. Porque a partir do

momento que eu estou em uma mediação, que eu vou mediar um conflito entre pai e mãe, um filho querendo tomar

o que é do pai, eu vou olhar isso com outros olhos. Puxa, não quero isso para mim, para a minha família. Então quem

é mediador aprende muito mais a lidar com esses conceitos de humildade. Apesar da gente ter que ser imparcial,

de não ter que pender para um lado ou para o outro, por mais que a gente saiba que muitas vezes aquela pessoa

tem a razão, mas a mediação ela nos beneficia com um outro olhar da sociedade, de ser mais paciente, de acolher.

É um programa riquíssimo para quem vive na comunidade, você entender as pessoas. Tem gente que chega com

uma carga tão pesada de problema. E aí é tão bom, é como o Coordenador dos Núcleos sempre fala, em uma hora

dessa tem algum problema sendo resolvido em algum núcleo de mediação e que as pessoas vão sair de lá com o

seu conflito resolvido. E isso, fazer com que as pessoas canalizem o bem para elas, e que restaurem realmente os

laços quebrados, isso é muito importante. Não é só você encher um relatório desses de número, mas é encher a

sociedade de paz, a comunidade, a gente trabalha por uma cultura de paz.” (Funcionária da Coordenação Geral do

programa).

62 Sobre a pauta dos núcleos de mediação e sobre o tempo disponibilizado para cada mediação, o Coordenador

enfatiza que “(...) a gente marca normalmente duas, três audiências pela manhã, audiência não, sessões de media-

ção pela manhã, de acordo com a procura, e três à tarde. Dá tempo suficiente para se fazer uma sessão de uma

hora, uma hora e meia, para escutar as duas partes, é suficiente para fazer uma sessão de mediação.” (Coordenador

dos Núcleos de Mediação Comunitária).

74
cleo de Mediação, a gestão das sessões e dos pelo Tribunal de Justiça e pelo Con-
as reuniões periódicas: selho Nacional de Justiça. Os funcioná-
rios da Coordenação Geral do programa
A gestão realizada pelos supervisores de relatam essas diferenças, bem como a
cada Núcleo de Mediação é acompanha- percepção de que a formação de media-
da de perto pelo Coordenador dos Nú- dores comunitários não é reconhecida
cleos. Juntos, os supervisores e o Coor- como sendo compatível com a capacita-
denador, estabelecem metas individuais ção exigida pelo Judiciário:
para cada supervisor e para cada Núcleo
de Mediação, conforme ressaltado pelo “A gente percebe que desse perío-
Coordenador dos Núcleos: do para cá foi criada a ENAM [Esco-
la Nacional de Mediação]. (...) Eles
“Por exemplo, nós estabelecemos trabalham com a mediação judicial,
esse mês, na última reunião, que a experiência comunitária é a que a
cada supervisor ia fazer uma visita a gente tem aqui, e em Minas Gerais
delegacias para levar panfletos, para também. (...) A gente percebe que
falar com delegado, porque as dele- hoje tem mediação nos cartórios.
gacias, quando são visitadas, enten- Havia uma pessoa que fazia parte do
dem que muitos dos atendimentos programa, e queria uma oportuni-
que são feitos pela delegacia podem dade para ganhar, porque os nossos
ser feitos pelo núcleo com muito são todos voluntários, e a gente en-
mais êxito, como desavença de ma- caminhou essa pessoa [para um car-
rido e mulher que vai para a delega- tório], e lá eles não reconheceram o
cia, hoje já manda para os núcleos. nosso curso como curso oficial, para
Então eu estabeleci em uma reunião eles só ia valer se fosse da ENAM. Só
com eles que durante esse mês até que aqui para o nosso Estado, quem
a próxima reunião de mesa circular conhece que o lugar que tem um
seria feito uma visita por cada super- bom conceito na mediação é o Mi-
visor das suas áreas nas delegacias nistério Público” (Funcionária da Co-
do bairro.” (Coordenador dos Núcle- ordenação Geral do programa).
os de Mediação Comunitária)
Quanto à capacitação oferecida aos me-
Cursos de formação: diadores comunitários, trata-se de um
curso ofertado no próprio prédio do Mi-
Com a Resolução nº 125/10 e o fomen- nistério Público, com 40 horas/aula te-
to à institucionalização da mediação ju- óricas, ministradas pelos supervisores
dicial, percebeu-se que havia uma clara que atuam nos núcleos, e 60 horas/aula
divisão entre o trabalho realizado pelos práticas, cursadas no núcleo sob a orien-
núcleos comunitários e a mediação ins- tação do supervisor. Caso um mediador
tituída nas instâncias judiciárias e nos de outra instituição queira atuar nos nú-
cartórios extrajudiciais, que passaram a cleos, terá de fazer esse mesmo curso,
admitir somente mediadores e concilia- visto que só é permitido atuar no núcleo
dores capacitados em cursos certifica- quem participa desse processo de for-

75
mação. Quanto ao público-alvo dos cur- Também participam de outros eventos
sos de mediação realizados pelo Ministé- da comunidade e do núcleo, como cur-
rio Público, o Coordenador dos Núcleos sos e seminários, de modo que se inte-
de Mediação explica que: gram cada vez mais na comunidade.

“(...) o nosso público alvo para for- O programa conta com uma parce-
mar um curso é que os mediadores ria com a Escola Nacional de Mediação
sejam voluntários, e que eles sejam (ENAM) há dois anos. Contudo, segun-
da comunidade. Mas o que precisa- do o Coordenador dos Núcleos de Me-
mos de um mediador é que ele seja diação, a parceria ainda não teve frutos,
comprometido, nós pedimos, no má- apesar do seu potencial63.
ximo, primeiro grau completo, ensi-
no fundamental completo, nono ano. Formação de Equipe Multidisciplinar dos
E temos dados de pessoas deficien- Núcleos de Mediação Comunitária do Es-
tes visuais sendo mediadoras, e ex- tado do Ceará:
celentes mediadores, temos pessoas
que não escrevem, não tem uma lei- Além dos cursos de capacitação teóri-
tura, mas em uma sala de sessão de ca e prática, foi desenvolvido no âmbito
mediação eles têm um poder muito do programa o “Projeto de Formação de
grande de fechar uma mediação exi- Equipe Multidisciplinar dos Núcleos de
tosa, com transformação, com mu- Mediação Comunitária do Estado do Ce-
danças, e compreendem muito bem ará – FEMMEC”, com objetivo de formar
o processo de mediação.” um conjunto de colaboradores e volun-
tários, especialistas de áreas diversas,
Durante as horas práticas, os alunos se para atuar nos núcleos de mediação co-
tornam “estagiários em mediação” pri- munitária64.
meiramente observando a dinâmica do
núcleo e depois participando das ses- Como já mencionado, além dos estagiá-
sões de mediação como “observadores”. rios de mediação, há estagiários de áreas
Na etapa seguinte, fazem a co-mediação diversas atuando nos núcleos, de modo
com mediadores mais experientes até que o tempo dedicado ao projeto seja
concluírem essa etapa de sua formação. contabilizado na carga horária de seu

63 Já temos um convênio com a ENAM, mas só foi assinado o convênio e nada de recurso, nada de melhoria para

o programa de mediação do Ministério Público do Estado do Ceará. Nós fechamos um convênio com a ENAM, mas

nada de melhoria. Bom, “vamos realizar um seminário ali no Ceará, a ENAM tem como patrocinar esses recursos?”

(...) Está engavetado, infelizmente, nós podíamos ser um polo aqui para o nordeste, Ceará, Piauí, Maranhão, Sergipe,

Alagoas, um polo irradiador da mediação comunitária para outros estados, já que eles podem se preocupar com a

mediação comunitária para outras regiões, dividiam essas responsabilidades aqui com o Ceará.” (Coordenador dos

Núcleos de Mediação do Ceará).

64 Informações obtidas nas entrevistas e no documento “FEMMEC – Formação de Equipe Multidisciplinar nos

76
curso de graduação. Essas parcerias são trabalho nos núcleos, dentre outros.
firmadas com as instituições de ensino
com fundamento na Resolução do Con- O Coordenador dos Núcleos de Media-
selho Nacional de Educação da Câmara ção do Ceará destaca a importância que
de Educação Superior (CNE/CES) nº. 9, a parceria com o PRONASCI teve para o
de 29/09/2004, que estabelece: programa, principalmente em relação à
equipe interdisciplinar:
“Art. 8º As atividades complemen-
tares são componentes curriculares “O convênio veio em uma época em
enriquecedores e complementado- que o Ministério da Justiça estava fa-
res do perfil do formando, possibi- zendo, estava dando esse apoio aos
litam o reconhecimento, por avalia- núcleos, à mediação comunitária, e
ção de habilidades, conhecimento e nós assinamos esse convênio para
competência do aluno, inclusive ad- que o Ministério da Justiça entras-
quirida fora do ambiente acadêmico, se com o pagamento dessa equipe
incluindo a prática de estudos e ati- multidisciplinar e para melhorar as
vidades independentes, transversais, nossas condições de computado-
opcionais, de interdisciplinaridade, res, impressoras, uma máquina para
especialmente nas relações com o filmar. Esses recursos todos foram
mercado do trabalho e com as ações financiados pelo Pronasci. Foi uma
de extensão junto à comunidade”. época, vamos dizer assim, que mar-
cou muito a história da mediação
Nesse caso, há previsão de que atuem quando esses convênios estavam
nos núcleos estagiários das áreas de Di- em vigência. Depois nós perdemos
reito, Psicologia, Serviço Social, Jorna- essa equipe toda e os núcleos que
lismo, Comunicação Social, Informática, funcionavam com a equipe multidis-
Ciências da Computação, Estatística e ciplinar passaram a funcionar apenas
Recursos Humanos, sempre de forma com um mediador comunitário, com
voluntária. o supervisor comunitário. Há uma
necessidade que só o supervisor não
Os recursos financeiros e estruturais supre, esse trabalho de mediação
concedidos pelo PRONASCI viabilizaram comunitária, uma visão mais de tra-
a criação da assessoria dessas equipes balhar com as outras participações,
multidisciplinares em alguns dos núcleos de outras entidades, tanto pública
para assessorar o trabalho dos mediado- como privada.” (Coordenador dos
res. Essa assessoria capacita e fiscaliza Núcleos de Mediação)
o trabalho dos estagiários voluntários,
além de proporcionar a troca de experi- Assim, percebe-se que a formação da
ências entre as equipes, incentivo a pro- equipe multidisciplinar de voluntários é
dução de artigos acadêmicos sobre o uma forma que o programa encontrou

Núcleos de Mediação Comunitária”, elaborado pela Procuradoria Geral de Justiça – Coordenação dos Núcleos de

Mediação Comunitária”, disponibilizado aos pesquisadores.

77
para suprir essa demanda que surgiu mas a gente tem muito cuidado com
após o programa não renovar mais o o mediador. É voluntário, ele não re-
convênio com o PRONASCI65, de modo cebe nada além de fazer o bem para
que a equipe consiga tratar dos conflitos aquela comunidade. Porque hoje em
da comunidade, sem descuidar de ou- dia ninguém vai trabalhar de graça
tros fatores, tais como fatores psicológi- para ninguém.” (Funcionária da Co-
cos, entre outros. ordenação Geral do programa).

O diferencial do programa: “Todos nós somos voluntários e a


princípio todo mundo pensa que
Um dos diferenciais relatados por alguns vai entrar pela carga horária, mas se
entrevistados se expressa nos esforços apaixona e quer continuar fazendo. A
(bem-sucedidos, a seu ver) de manter satisfação de ver um conflito resolvi-
um grupo de voluntários trabalhando de do não tem preço. Nós somos volun-
forma consistente e motivada durante tárias e esse programa do Ministério
anos, ainda que sem remuneração: Público, além de desafogar o Judici-
ário, está prevenindo crime. Muitas
“Diferencial é a gente tentar, durante vezes um vizinho mata o outro por
15 anos, e conseguir manter dentro qualquer coisa. E aqui na mediação
dos núcleos mediadores comunitá- a gente previne esses casos. Então
rios voluntários que não recebem ne- é muito satisfatório” (Mediadora de
nhum tipo de benefício para estarem um dos núcleos).
lá. Que a única coisa que acontece
em favor deles é a Semana do Me- Também é relatado como diferencial o
diador, onde a gente tem uma sema- fato de o programa estar articulado com
na que é toda voltada para o media- a comunidade, tornando-se uma forma
dor. A gente tem cursos, tem lazer, de “emancipação ou transformação so-
que acontece só uma vez por ano. O cial”. A comunidade faria parte do pro-
programa tem toda uma estrutura, grama, carregando por si própria o pro-

65 Sobre as perdas de não ter renovado o convênio com o Pronasci e também sobre os motivos pelos quais não

houve a renovação, o Coordenador dos Núcleos de Mediação assim se posiciona: “Uma parte do Pronasci, que

começou a fazer exigências, muitas exigências, e nós preferimos não renovar mais os convênios. Muitas exigências,

burocracias muito grandes para você conseguir. Quer dizer, aquilo que no começo eles deram, por exemplo, os pro-

fissionais, agora eles não contratam mais o profissional, ele cede recurso para o programa. Agora o profissional tem

que ser do próprio Ministério Público. Então isso inviabilizou, o convênio ficou inviável para nós por isso. Mas que foi

uma história, na nossa história, vamos dizer assim, da mediação no Ceará... porque nós contávamos com psicóloga,

assistente social, estudante de Direito, fazíamos o trabalho de mediação, fazíamos o trabalho de animação de redes

sociais com a comunidade toda participando. E também a questão dos direitos humanos, nós realizávamos cursos

sobre INSS, os benefícios de uma pessoa segurada pelo INSS, curso sobre o idoso, os direitos do idoso, então nós

vivíamos praticamente realizando eventos de formação para a comunidade.”

78
jeto66. trabalho por uma cultura de paz, e
vejo que a mediação é um dos ins-
Segundo o Coordenador dos Núcleos de trumentos que pode ser levado às
Mediação, o restabelecimento da comu- mudanças sociais.” (Coordenador
nicação entre as partes e a informalida- dos Núcleos de Mediação)
de do procedimento de mediação são os
diferenciais do programa, na medida em Acessibilidade e equilíbrio de poderes:
que possibilitam que as pessoas se em-
poderem de suas decisões, promoven- No intuito de preservar o equilíbrio entre
do-se, em última análise, a pacificação e as partes, funcionários do programa re-
mudanças sociais: latam que quando uma delas comparece
com advogado e a outra sem, o proce-
“Para mim é reestabelecer a comu- dimento adotado é deixar a critério da
nicação entre as partes, transformar parte que estiver desacompanhada se o
a vida das pessoas que estavam em advogado da outra parte poderá partici-
conflitos, restaurar a comunicação, par da sessão:
o empoderamento, que as pessoas
passam a viver e a ter uma nova vi- “A gente pergunta para a pessoa por-
são de um problema. Às vezes um que a gente não pode deixar um em
conflito é muito bom se ele for bem vantagem e o outro em desvanta-
administrado, se ele for bem ge- gem. Perguntamos para ela se aceita
renciado. Então as pessoas podem que o advogado entre. Aí se ela tam-
aprender de maneira simples. Outro bém não aceitar, a gente explica para
diferencial da mediação é a informa- o advogado, pede para ele entender
lidade. Então eu acho que as pessoas como é a mediação, que é permitido
podem sair de uma sessão de media- que ele participe, mas que ele fique
ção com um trabalho de aprendiza- caladinho, sem interferir. Mas quan-
do para aplicar aquilo na sua vida. Eu do a outra pessoa não aceita a gente
posso dizer que eu fui uma pessoa explica para ele: ‘olha, [o advogado]
que sofri transformações pessoais e da outra pessoa não veio, e aqui na
profissionais na minha vida depois mediação vocês não podem opinar,
que eu comecei a trabalhar com me- vocês não podem sugerir, não po-
diação, que eu já trabalho há vinte dem fazer nada, porque o nosso tra-
anos. Como promotor de Justiça eu balho é com eles’. Aí ele entende e
sempre fui um pacificador social, e aguarda fora”. (Funcionária da Coor-

66 “Eu acho que o diferencial da mediação comunitária é a articulação da comunidade, é a comunidade resolvendo

seus próprios conflitos. Então eu tenho pra mim que a mediação é uma forma de emancipação social, transforma-

ção social, as pessoas realmente saem modificadas depois daqui. Eu acredito que o resultado da mediação é bom

aqui porque a comunidade está aqui, a comunidade faz parte do programa e ela leva o projeto. A ideia é que com o

tempo o núcleo de mediação possa ser levado pela própria comunidade. Então exatamente emancipação humana,

entendo dessa forma.” (Supervisor de um dos núcleos de mediação).

79
denação Geral do programa) aí o mediador vai dizer para ela to-
dos os princípios da mediação, que
Ainda com relação ao papel desempe- aquela mediação é voluntária, que
nhado pelos advogados, é bastante rara há confidencialidade, que tudo que
a sua presença na maioria dos núcleos, for colocado naquela mesa ninguém
visto ser o público majoritário de classe vai divulgar, é confidencial, os princí-
média baixa. Contudo, quando há advo- pios da imparcialidade do mediador,
gados presentes, os mediadores tentam é importante dizer que ele é uma
assegurar que a sua atuação não signifi- pessoa neutra, que não tem nenhum
que uma pressão para a parte contrária interesse por uma parte ou pela ou-
aceitar um acordo com o qual não esteja tra. Isso possibilita aos interessados
confortável. A percepção relatada é de a compreensão do procedimento da
que muitas vezes advogados já chegam mediação. Porque assim, da mesma
com “soluções prontas”, enquanto o ob- maneira que há uma pré-mediação
jetivo da mediação comunitária é buscar com uma primeira parte que vai ao
outras soluções por meio do diálogo67. núcleo, também há um outro que vai
ser ouvido em uma sessão de media-
Outro fator destacado nas entrevistas ção, também é feito uma pré-media-
com relação à diminuição da desigual- ção com ele. Então os dois quando
dade entre as partes foi a existência das entram para a sala de sessão de me-
sessões de pré-mediação. O Coordena- diação eles já estão preparados para
dor dos Núcleos de Mediação destaca uma sessão de mediação. Então isso
que a pré-mediação de certa forma con- facilita muito, eu acho que com essa
tribui para o nivelamento entre as partes, pré-mediação feita pelos dois, com o
destacando que: mediador presente, já facilita muito
para que não haja essa desigualda-
“O sucesso com a mediação é de- de.” (Coordenador dos Núcleos de
vido à pré-mediação. O mediador Mediação).
sabe trabalhar com a pré-mediação,
a parte procura o núcleo, é feita a Ainda assim, se houver a percepção de
primeira pré-mediação com aquela que o desequilíbrio entre as partes per-
parte, ela pode estar acompanhada siste durante a sessão, os mediadores
do advogado ou pode estar sozinha, são orientados a interromper a media-

67 “Porque o advogado já vai para a sessão de mediação com a solução pronta, querendo resolver o caso do seu

cliente. E a outra pessoa, onde é que fica? O advogado pode chegar com a solução ali, e a outra parte pode não

aceitar. E aí vai ser um acordo sem mediação. Não necessariamente a mediação tem que ser alcançada, o objetivo

tem que ser alcançado, porque a questão do advogado é justamente isso, pode ser que ele interfira de uma forma

que vai até piorar a situação, porque ele vai para ganhar, ele não vai para perder. Então o que acontece? A outra par-

te vai se sentir acuada: “não, não quero, e não vou aceitar o acordo e pronto.” A mediação não vai ser exitosa, não

vai alcançar o objetivo. E aí ele pode dizer: “não, eu não quero e pronto”, e vai embora, e acabou. E aí, dependendo

da situação, é encaminhado para algum lugar” (Funcionária da Coordenação geral do programa).

80
ção para incitar melhor reflexão na par- neste último relatório da pesquisa.
te que está em desvantagem, cuidando
para que esse procedimento não afete a ANÁLISE DOS RESULTADOS ESTATÍSTI-
imparcialidade do mediador: COS DA MEDIAÇÃO:

“Muitas vezes está acontecendo uma O levantamento de dados quanto ao de-


sessão de mediação e a gente vê sempenho dos núcleos se dá por meio
que só uma pessoa vai levar vanta- da análise dos formulários de pré-media-
gem com aquele acordo, mesmo a ção, preenchidos quando do acolhimen-
outra pessoa aceitando. Aí a gente to de um indivíduo que procura o núcleo.
pode interromper a mediação, pedir É pelo tratamento estatístico dessas in-
para a outra pessoa pensar melhor, formações que o Ministério Público e a
sem ser parcial. A gente tem que ser Coordenação Geral do programa conse-
totalmente imparcial, mas de algum guem melhor gerir os diferentes núcleos,
jeito a gente tem que fazer aquela concentrando recursos e esforços con-
pessoa enxergar aquilo, de algum jei- forme necessário. Para tanto, o programa
to ela tem que saber que ela está em conta com uma estatística que consolida
desvantagem” (Mediadora de um os dados enviados pelos supervisores
dos núcleos). dos núcleos, o que é destacado por uma
das Funcionárias da Coordenação:
IV. 4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA
“Porque é assim, se por um acaso
acontecer de em um mês o núcleo
O programa é avaliado de várias formas, ter N mediações e o outro tem me-
entre elas: (i) relatório estatístico anual nos, aí o Coordenador dos Núcleos
e semestral; (ii) cumprimento do plano vai intervir, vai perguntar o que é que
estratégico; (iii) avaliação in loco realiza- aconteceu para ter caído tanto. Ou
da pelo Coordenador dos Núcleos; (iv) quando aumenta, tudo, isso aí serve
relatório da produção dos motociclistas; como um termômetro para ele. En-
e (v) produção de um relatório social tão é muito importante o trabalho da
anual. estatística aqui. Muito. Porque atra-
vés do trabalho dela a gente sabe
Como o programa não fazia um levan- quais são os objetivos que a gente
tamento sistemático das percepções dos alcançou, quantas mediações a gen-
usuários, a equipe de pesquisa deixou te abriu, quantas não alcançaram o
um survey completo para que os usuá- objetivo. Então para nós que traba-
rios respondessem após as sessões de lhamos aqui na coordenação, preci-
mediação. Esperava-se que os formulá- samos muito dessas informações. E
rios fossem enviados aos pesquisadores é um trabalho que vai, é o termôme-
para que pudessem ser analisados no tro que vai medir lá as situações de
último relatório. Todavia, os formulários cada núcleo. É claro que a gente não
respondidos pelos usuários não foram pode exigir que um núcleo mais novo
encaminhados a tempo para a análise tenha o mesmo desempenho do nú-

81
Figura 4. Total de atendimentos realizados nos “Núcleos de Mediação Comunitária”
com relação à média no 1º semestre de 2014.

Figura 5. Quantidade de atendimentos realizados em relação à média em 2013.


Fonte: CNMC – MP, 2013.

cleo mais antigo. Às vezes o super- gura 04), a média semestral de atendi-
visor é mais administrador, às vezes mentos nos núcleos de mediação foi de
o supervisor é mais comunitário. En- 643 atendimentos por núcleo. Verifica-se
tão também tem o aspecto pessoal também que o primeiro núcleo instalado
e nato de cada supervisor. E é assim em 1999, do Pirambu, é o que tem maior
que a gente começa a gerenciar o volume de atendimentos, chegando ao
que aconteceu” (Funcionária da Co- número de 1.008 atendimentos somente
ordenação Geral do programa). no primeiro semestre de 2014.

Conforme se pode perceber abaixo (Fi- Por outro lado, o núcleo da cidade de

82
Sobral, que se encontra fora da Região 2011 e 2013 e o relatório semestral de
Metropolitana de Fortaleza e iniciou suas 2014 também trazem o percentual de
atividades somente no mês de setembro êxito nas mediações realizadas em cada
de 2013, realizou 308 atendimentos, o núcleo68. A média de êxito no ano de
menor número entre os núcleos de me- 2010 foi de 83,05%. No ano de 2011, foi
diação comunitária do Ceará, conforme de 87,51%. Já no relatório do ano de 2012,
divulgado pelo Relatório Estatístico do não foi apresentada a média de êxito.
primeiro semestre de 2014. No ano de 2013, a média foi de 83,59%,
enquanto que no primeiro semestre de
Já no relatório estatístico do ano de 2014, a média de êxito foi de 85,37%. O
2013, pode-se verificar que a média anu- que se percebe desses números é que
al de atendimentos dos núcleos naquele a média de mediações exitosas vem se
ano foi de 1.631, tendo também o núcleo mantendo alta nos últimos anos.
de Pirambu o maior número de atendi-
mentos, 2.872, conforme se verifica na fi- Contudo, ao se examinar, por exemplo,
gura 5. O total de atendimentos naquele os dados referentes ao ano de 2013, ve-
ano foi de 14.884, que vão desde a aber- rifica-se que há diferenças significativas
tura de procedimentos, mediações rea- na porcentagem de êxito das mediações
lizadas, encaminhamentos e orientações nos diferentes núcleos. O núcleo de Ju-
sócio jurídicas. O núcleo de Sobral, ins- rema, na cidade de Caucaia (Região Me-
talado em setembro de 2013, conforme tropolitana de Fortaleza), obteve êxito
já dito, teve um número de 201 atendi- em 95,18% de suas sessões de mediação.
mentos. Os núcleos de Barra do Ceará e do Bom
Jardim, por sua vez, obtiveram êxito em
Com relação às sessões de mediação, o torno de 69% das sessões de mediação,
Relatório de 2013 informa que naquele ano conforme se verifica na figura 7.
foram realizadas 3.384 mediações. Ou seja,
do total de atendimentos (14.884), apenas Apenas com esses dados não é possível
22,74% foram sessões de mediação. dizer o motivo pelo qual os núcleos apre-
sentam diferenças no percentual de êxi-
O relatório faz uma comparação do nú- to das sessões de mediação. Entretanto,
mero de atendimentos e do encaminha- os dados podem servir de indicadores
mento que foi dado no ano de 2013, em para a avaliação in loco realizada pelo
comparação com os anos de 2011 e 2012, Coordenador dos Núcleos, conforme se
conforme se verifica na figura 6. passa a expor.

Os relatórios estatísticos anuais de 2010,

68 Todos os relatórios estão disponíveis no blog dos Núcleos de Mediação Comunitária do Ceará, no endereço:

http://mediacaocomunitaria.blogspot.com.br/p/estatisticas.html. Acesso em 19/08/2014.

83
Figura 6. Distribuição por tipos de atendimentos nos anos de 2011, 2012 e 2013.

Figura 7. Percentual de Êxito nas mediações em relação ao percentual Médio de Êxito


em 2013.

i. AVALIAÇÃO IN LOCO REALIZADA eu uso de avaliação, assim o plane-


PELO COORDENADOR DOS jamento estratégico, a gente no final
NÚCLEOS: de cada ano escreve as metas prio-
ritárias para o programa, um cro-
Além da avaliação estatística, o Coor- nograma que é feito no começo de
denador dos Núcleos também verifica cada ano por cada núcleo, porque
mensalmente com os supervisores se cada um tem a sua realidade, as suas
as metas definidas no planejamento es- características próprias. Então é fei-
tratégico para aquele ano estão sendo to pelo supervisor e os mediadores
cumpridas, conforme ressaltado em suas de cada grupo, e a gente consolida.
palavras: E aí como é que a gente avalia esse

“(...) só são esses instrumentos que

84
planejamento? A gente, todos os dessas reuniões mensais, que acon-
meses, nessa reunião de mesa, colo- tecem na coordenação do progra-
ca isso de uma forma, cada um tem ma, nós temos também visitas técni-
o seu planejamento, vamos pergun- cas, quando eu me dirijo aos núcleos
tar se a meta foi cumprida, se deixou para avaliar a estrutura deles, como
de ser cumprida, se parcialmente foi o prédio está suportando, a melhoria
cumprida.” (Coordenador dos Núcle- da qualidade do atendimento, con-
os de Mediação Comunitária). versar com os mediadores, interagir
com eles, fazer essa interlocução en-
Outra forma de avaliação e de acompa- tre a coordenação, os supervisores e
nhamento é realizada informalmente e in os mediadores, isso é extremamen-
loco pelo Coordenador dos Núcleos. Isso te necessário, já que o mediador é
porque o Coordenador se dirige aos nú- voluntário, ele se sente valorizado
cleos e conversa com os usuários, ques- quando eu vou, bato a mão no om-
tionando se eles foram bem atendidos, bro dele e digo: ‘rapaz você...’, é uma
se estão satisfeitos com o atendimento e injeção [de ânimo] que a gente dá.”
ainda o que poderia melhorar. O Coorde- (Coordenador dos Núcleos de Me-
nador ainda destaca que por um tempo diação do Ceará).
o programa disponibilizou uma “caixinha
de sugestões” com um formulário, mas ii. RELATÓRIO DA PRODUÇÃO DOS
que, apesar de essa prática ser interes- MOTOCICLISTAS:
sante pelo fato de que alguns usuários de
fato se utilizavam dessa caixinha, a práti- Conforme já relatado anteriormente, a
ca acabou se perdendo com o tempo. carta-convite para a sessão de mediação
é enviada por meio de dois motociclistas
“Também a gente avalia em reuniões. contratados pelos Núcleos de Mediação
Todos os meses tem duas reuniões Comunitária. Assim, tendo em vista a im-
com os supervisores e mediadores portância do acompanhamento desse
que eu chamo de reunião geral. E trabalho, também é disponibilizado pela
também uma reunião de mesa circu- Coordenação do programa um relatório
lar, onde a gente se reúne somente estatístico.
com os supervisores, onde a gente
lava a nossa roupa suja (...). Então a No relatório estatístico de 2013 da pro-
gente tem essa liberdade para: “olha, dução dos motociclistas são compa-
você precisa melhorar, o seu núcleo rados os dados referentes aos anos de
está assim...” A gente avalia, eu faço 2012 e de 2013. Naquele relatório, verifi-
visitas sistematicamente, eu vou aos ca-se que em 2012 foram enviadas 3.286
núcleos, eu vou olhar como é que cartas-convite, enquanto que no ano de
está, os procedimentos, a parte de 2013, esse número subiu para 6.144.
estrutura, o que está sujo, o que está
limpo, por que está sujo, porque não Com relação ao número de cartas-con-
está limpo? Então são visitas, são vite devolvidas, verifica-se que no ano
estratégias de avaliação. (...) Além de 2012 apenas 178 cartas-convite foram

85
devolvidas. Já no ano de 2013, 266 fo- o Coordenador dos Núcleos de Mediação
ram devolvidas. Ou seja, o percentual de do Ceará tem como um dos objetivos mais
cartas-convite que não chegaram ao seu próximos realizar a mediação itinerante
destinatário não foi expressivo nos dois em ônibus, para que possa ser difundida
anos analisados. Isso pode ser explicado nas mais diversas comunidades. Segundo
pelo fato de que nos casos em que o en- o Coordenador, atualmente essa ideia está
dereço do destinatário da carta-convite em fase de articulação para a obtenção
tem alguma incorreção, os próprios mo- desses ônibus com o Sindicato dos Trans-
tociclistas conversam com pessoas da portes Coletivos:
vizinhança para saber se a pessoa se mu-
dou, se o número da casa está informa- “Meu sonho, que eu acalento há mui-
do incorretamente, entre outros fatores, tos anos, é trabalhar em uma unidade
conforme ressaltado pelas funcionárias móvel com mediação comunitária nos
da Coordenação dos Núcleos nas entre- bairros mais vulneráveis, que poderia
vistas realizadas pela equipe de pesquisa. ser o braço da Justiça, braço do Minis-
tério Público, chegar mais próximo, ter
iii. ANÁLISE DOS RESULTADOS um ônibus adaptado, um escritoriozi-
SOCIAIS: nho com o mínimo, básico, para que a
gente pudesse ter.” (Coordenador dos
O programa também disponibiliza um Núcleos de Mediação)
relatório anual que informa todas as ati-
vidades relevantes que ocorreram nos Outro objetivo que já está em andamen-
núcleos69. O formato desse relatório so- to é a criação da Escola Estadual de Me-
cial apresenta basicamente as ativida- diação. Isso porque o procurador-geral de
des realizadas pelos núcleos, divididas Justiça do Estado do Ceará encaminhou
por cada mês, sempre com um pequeno recentemente um projeto de lei à Assem-
texto e uma foto para ilustrar a ativida- bleia Estadual, com o objetivo de criar a
de ocorrida. O referido relatório também Escola de Mediação do Ceará (ESMED)70.
apresenta o cronograma das reuniões
mensais que ocorreram, além de fazer Outras considerações foram feitas pelo
um breve resumo do relatório estatístico. Coordenador dos Núcleos de Mediação
ressaltando-se que a busca de parcerias
é constante e que o próprio Coordenador
iv. PERCEPÇÕES SOBRE O QUE do programa não para de buscar novas
PODERIA MELHORAR NO maneiras de incrementar o programa:
PROGRAMA:
“Os avanços são de natureza mais ro-
Quanto às perspectivas para o programa, tineira, projetos que eu sempre busco,

69 Os relatórios sociais são encontrados no blog do programa, disponíveis no endereço: http://mediacaocomunitaria.

blogspot.com.br/p/relatorios.html. Acesso em 19/08/2014.

70 As informações estão disponíveis no sítio: http://www.mpce.mp.br/servicos/asscom/destaques2.asp?cd=2727. Acesso

em 18/08/2014.

86
na verdade parcerias para melhorar Conciliação e Arbitragem.” (Coorde-
o projeto, porque se eu fosse esperar nador dos Núcleos de Mediação)
exclusivamente do Ministério Público
avanços, eu estaria estagnado e não A questão do voluntariado e da inexis-
teria como avançar do modo que a tência de algum tipo de remuneração
gente avança. O projeto é sustentável, também foi foco de questionamento por
tem um índice de sustentabilidade, parte de um dos Supervisores dos Nú-
quer dizer, todas as avaliações que cleos de Mediação, ressaltando-se prin-
a gente faz semestral e anualmen- cipalmente a questão do reembolso pelo
te, o que o projeto sempre traz é a deslocamento dos mediadores voluntá-
sustentabilidade. O que infelizmente rios até o núcleo de mediação:
não existe é política pública para ga-
rantir financiamentos, garantir pro- “Nós temos as nossas dificuldades
gressos mais rápidos, a coisa é mui- no programa, mas eu acho que a
to burocratizada, muito lenta, e faz maior delas, que pode ser também
com que a gente permaneça nesse o seu lado positivo, é a questão do
ritmo que não é o ritmo ideal. O ideal voluntariado, todos os mediadores
é que fosse um ritmo mais acelerado são voluntários, mas eles não têm
de avanço. Nós podíamos ter hoje no uma contribuição, uma ajuda de cus-
Ceará 30 núcleos de mediação, e eu to, por exemplo, para se deslocar da
gerenciaria isso. A capacidade que sua residência para o núcleo de me-
nós temos hoje torna possível que se diação. Acho que um dos pontos que
gerenciem 32 núcleos de mediações. poderiam ser melhorados no progra-
Não se faz porque não se tem re- ma seria essa parte, não uma remu-
curso e não tem gestores assim que neração, mas uma ajuda de custo
tem uma visão de futuro. É necessá- para os mediadores, que são pesso-
rio que os gestores públicos tenham as da comunidade.” (Supervisor de
uma visão de futuro, que tenham a um dos núcleos de Mediação Comu-
visão de que a sociedade não pode nitária).
depender só do poder Judiciário,
que de certo modo o Poder Judici- v. PERCEPÇÕES SOBRE O FUTURO
ário já tem comprovação que não DO PROGRAMA:
atende à demanda. Com 92 milhões
de processos, demora dez anos para Quanto ao futuro do programa, o Coor-
chegar a uma decisão, um julgamen- denador diz ter certa preocupação sobre
to, uma sentença. Mudar também a sua perenidade, pois entende que o pro-
OAB, mudar também as faculdades, grama ainda depende muito da sua atua-
a faculdade precisa ter disciplinas ção pessoal, estando ele à frente da cria-
de mediação. Treinar a OAB aqui do ção dos núcleos de mediação comunitá-
Ceará foi um avanço nosso recente, ria desde os estudos e a implementação
conseguimos através de negociação do Núcleo de Mediação do Parangaba,
criar uma Comissão de Mediação, no ano de 2000. Dessa forma, o Coorde-

87
nador entende que não há pessoas que da mediação judicial, por exemplo,
se interessem em dar prosseguimento ainda há muito a crescer”. (Supervi-
nos cargos de coordenação do progra- sor de um dos núcleos de Mediação
ma: Comunitária).

“Eu me preocupo. Diz-se que um


bom líder é o que prepara os seus V. O TERCEIRO
liderados, não é? Eu me preocupo
muito em preparar uma pessoa para ESTUDO DE CASO
quando eu decidir me aposentar, ter
uma pessoa que dê continuidade a – REGIÃO SUL
isso, eu me preocupo muito. Agora
mesmo está surgindo um colega que V. 1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO
me procurou, disse que tinha uma DAS CENTRAIS DE PRÁTICA
identidade muito grande com o tra- RESTAURATIVA DE CAXIAS DA
balho da mediação, e está se apro- PAZ
ximando. Eu acho que pode ser um
sucessor, uma boa pessoa, que ainda Após o mapeamento de experiências
é um rapaz jovem, muito talentoso, e dos atores de Justiça que se utilizam da
que tem o perfil para manter o pro- mediação na região do Sul, chegou-se à
grama.” (Coordenador dos Núcleos conclusão de que o Programa Municipal
de Mediação). de Pacificação Restaurativa de Caxias do
Sul - Caxias da Paz seria a iniciativa que
De outro lado, há uma crença dos super- alcança a maior diversidade de conflitos
visores, mediadores e demais funcioná- e está mais enraizada nas práticas insti-
rios do programa de que o futuro é de tucionais locais, tendo alcance em diver-
crescimento e de aprimoramento, tanto sos núcleos sociais onde há altos índices
no campo de atuação comunitária quan- de violência e contando com a participa-
to no campo profissional: ção ativa de representantes da socieda-
de civil, da rede socioeducativa (Poder
“Eu vejo muito crescimento, da épo- Executivo) e do sistema de justiça, além
ca em que eu entrei já faz uns qua- de apresentar um potencial inovador,
tro anos, eu acho que quase dobrou conforme se verá a seguir.
o número de núcleos de mediação.
Então eu vejo que é um crescimento Justiça restaurativa significa “qualquer
muito grande, inclusive com as leis processo no qual a vítima e o ofensor,
que estão saindo, a temática da me- e, quando apropriado, quaisquer outros
diação e vai dar uma visibilidade bem indivíduos ou membros da comunidade
maior, e eu vejo como um campo afetados por um crime, participam ativa-
profissional que vai crescer bastan- mente na resolução das questões oriun-
te. Aqui no Ceará, mesmo tendo me- das do crime, geralmente com a ajuda de
diação comunitária há muito tempo, um facilitador”. É esse o conceito trazido
mas em termos de outros espaços pela Resolução 2002/12 da Organização

88
das Nações Unidas – ONU, que trata dos protocolo firmado entre a Prefeitura de
“Princípios básicos para utilização de Caxias do Sul, a Associação de Juízes do
Programas de Justiça restaurativa em Rio Grande do Sul (AJURIS) e a Justiça
matéria criminal”, aprovada na Sessão Para o Século XXI (prática-piloto de Jus-
Plenária de 24 de Julho de 2002, e que tiça Restaurativa no Brasil, desenvolvida
ressalta que os processos restaurativos em Porto Alegre - RS)71 com o objetivo
podem incluir a mediação, a conciliação, de unir esforços para começar a aplica-
a reunião familiar ou comunitária (con- ção da Justiça Restaurativa na cidade de
ferencing) e círculos decisórios (senten- Caxias do Sul.
cing circles).
Junto com o início do estudo e da es-
A mesma Resolução destaca as poten- truturação das práticas restaurativas em
cialidades dessa forma de solução de Caxias do Sul, o Coordenador do Progra-
conflitos em seu preâmbulo, ao chamar ma ressalta que também no ano de 2010
atenção para como essa prática propicia houve uma mudança metodológica, que
uma oportunidade para as vítimas obte- surgiu do campo da comunicação não-
rem reparação, se sentirem mais seguras -violenta que tem Marshall Rosemberg
e poderem superar o problema, pois per- como referência72 - e que era realizado
mite aos ofensores compreenderem as pelo pesquisador social Dominic Barter,
causas e consequências de seu compor- e entrou nos processos circulares. Isso
tamento e assumirem responsabilidade porque o Programa teve a visita de Kay
de forma efetiva, bem assim possibilita à Pranis, pesquisadora, professora e auto-
comunidade a compreensão das causas ra de livros sobre o tema da Justiça Res-
subjacentes do crime, para se promover taurativa73, que ministrou cursos de ca-
o bem estar comunitário e a prevenção pacitação naquela cidade. O Coordena-
da criminalidade.

V. 2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
PROGRAMA

O Programa Justiça Restaurativa de Ca-


xias do Sul (Caxias da Paz) teve início
em junho de 2010 com a assinatura de
Figura 8. Estrutura do programa “Caxias da Paz”1.

71 A criação desse Programa teve como inspiração o caso-piloto de implementação de Justiça Restaurativa no

Brasil, o Justiça Para o Século XXI, que ganhou o Prêmio Innovare em 2007.

72 ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta. Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e pro-

fissionais. 3ª ed. Tradução Mário Vilela. São Paulo: Ágora, 2006.

73 PRANIS, Kay; BOYES-WATSON, Carolyn. No coração da esperança: guia de práticas circulares: o uso de círcu-

los de construção da paz para desenvolver a inteligência emocional, promover a cura e construir relacionamentos

saudáveis. Tradução: Fátima De Bastiani. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Depar-

tamento de Artes Gráficas, 2011.

89
dor do Programa assim explica como se com os outros métodos de resolução de
deu a adoção de uma nova metodologia: conflitos, o Coordenador do Programa
Caxias da Paz destaca a interface entre
“(...) em 2010 nós trouxemos a Kay (i) processo judicial e Justiça Restaura-
Pranis. Porque o Howard Zehr, que é tiva, que é utilizada essencialmente para
um dos fundadores teóricos da Justiça conflitos envolvendo direito penal, e (ii)
Restaurativa esteve conosco em 2008, mediação e Justiça Restaurativa, que
e em conversa com ele eu disse que possui princípios semelhantes, mas me-
a gente estava demorando muito, 80 todologias diferentes.
horas para treinar um multiplicador de
comunicação não violenta, e ainda as- Conforme será explanado adiante, a re-
sim as pessoas tinham uma grande di- lação entre justiça restaurativa e pro-
ficuldade de colocar em prática aquela cesso judicial, que se dá essencialmente
metodologia. Ele ficou assombrado no plano criminal, é compreendida pelo
achando que isso era muito caro, e que programa como sendo uma abordagem
a gente tinha que treinar um facilitador alternativa e participativa da solução do
em 20 horas. Eu digo: ‘mas isso existe?’ conflito. Nesse sentido, o resultado cons-
Ele disse: ‘Sim. Vocês pretendem tra- truído pelas partes na prática restaura-
balhar aonde, mais no campo judicial tiva poderá influenciar no processo pe-
ou no campo comunitário? Se for no nal desde a substituição da prolação da
campo judicial procurem o Cris lá da sentença até a determinação de como
Nova Zelândia, se for o campo comu- se desenvolverá a transição do cumpri-
nitário procurem a Kay lá dos Estados mento da pena de privação de liberdade
Unidos’. E aí o meu foco sempre foi ao programa de acompanhamento de
essa ideia de deslocamento do eixo do egressos.
tratamento de conflito do judicial para
o comunitário. Então quando a Kay Ademais, a justiça restaurativa tem se
Pranis veio em 2010 ela já estava re- apresentado como uma das poucas for-
presentando uma escolha que é uma mas de mediação no direito penal bra-
migração de metodologia, eu já não sileiro, ao lado da transação para as in-
estava satisfeito com a comunicação frações penais de menor potencial ofen-
não-violenta.” (Coordenador do Pro- sivo, e muito importante para o avanço
grama) do consenso no direito penal brasileiro.
Segundo explica o coordenador do pro-
Sobre a ligação da Justiça Restaurativa grama, o consenso74 alcançado nos cír-

74 Nas palavras do coordenador do programa, “o conceito de consenso que utilizamos tem implicações bastante

sutis trabalhadas nos círculos, não significando a concordância exatamente aquilo que eu quero, mas significando

“aquilo que eu posso aceitar na medida em que é suportável para mim”, por outro lado, a discordância traz ao dis-

sonante o compromisso de propor uma solução alternativa que seja aceitável pelo restante dos presentes - esses

são posicionamentos que não forçam acordos, mas geralmente conduzem a soluções conciliatórias.”

90
culos de construção de paz está calcado o posicionamento dos sujeitos para que
na ideia de coesão e não de coerção, via- eles resolvam seus conflitos:
bilizando a responsabilização de pesso-
as em conjunto com o restabelecimento “Primeiro, antes de ser uma prática
dos laços sociais: de composição de conflitos, nós tra-
zemos aqui uma abordagem reflexi-
“A importância do consenso está em va, eu diria filosófica, uma filosofia a
que ele é a base da coesão. Estamos respeito do funcionamento, da reso-
dedicados a formatar um modelo de lução de conflitos, através do mode-
justiça e segurança que seja baseado lo tradicional, que não se esgota no
antes na coesão do que na coerção. sistema judicial, mas também que se
Desse modo, esses modelos deci- reinstala em qualquer contexto de
sórios participativos (“democracia convivência social em que conflitos
deliberativa”) permitem um ajusta- são submetidos à resolução. E que,
mento das pessoas diretamente en- portanto, antes de propor entrar
volvidas no acertamento da relação com qualquer prática auto composi-
e no cumprimento do consequente tiva a gente tem que fazer uma filtra-
acordo, seguramente promovendo gem desse mecanicismo cultural que
maior adesão no que se refere aos acaba nos movendo, não demora e
compromissos, e maior coesiona- a gente assume uma posição sen-
mento do tecido social rompido pela tencial dominadora. Então esse é o
infração (ou cuja prévio esgarçamen- ponto de partida. Isso já esclarece o
to esteve na raiz da própria eclosão porquê a gente trabalha com a me-
da situação conflitiva). É um trabalho todologia diferente. Por que a gen-
artesanal, de lapidaria das relações te trabalha diferente? Escolhe essa
sociais, mas por certo na medida em metodologia por quê? Porque ela
que se multipliquem essas concep- significa uma possibilidade de mate-
ções e essas práticas se capilarizem rialização dessas concepções. E se-
(por isso as estimulamos “de dentro gundo, porque a gente pode incidir
para fora do sistema de justiça”, para em diferentes campos, seja judicial,
que sejam feitas everywhere), pode- seja extrajudicial, com a mesma me-
rão contribuir para um importante todologia. Por quê? Porque a base, o
fortalecimento da auto-proteção so- ponto de partida é o mesmo, a gente
cial (responsabilização das pessoas não está lá para compor o conflito,
e comunidades pela solução de seus a gente está lá para permitir que as
próprios problemas) emudecimento pessoas consigam dialogar, uma ha-
da cidadania (=treinamento na parti- bilidade social que não é aprendida,
cipação democrática)” faz parte da nossa tradição cultural
aprender a habilidade de diálogo. En-
Assim sendo, sob o ponto de vista de tão é isso que a gente está fazendo,
seu coordenador, o programa visa atu- a gente não está resolvendo conflito,
ar não somente enquanto método, mas a gente está treinando junto com as
também enquanto atitude para mudar pessoas para dialogar a respeito dos

91
conflitos, e a solução é delas, não é de de Caxias do Sul (UCS) e a Fundação
nossa.” (Coordenador do Programa Caxias com o objetivo de promover uma
Caxias da Paz) política pública de pacificação social77.
Essa interação pode ser visualizada na
Há uma variedade de métodos utilizados figura a seguir:
no Programa Caxias da Paz. Embora o
método principal seja o de círculos de- Mais especificamente, os órgãos da pre-
cisórios na justiça restaurativa, isso não feitura de Caxias do Sul que participam
exclui a realização de mediações na so- diretamente do Programa são a Secre-
lução do conflito75. A mediação e os cír- taria Municipal de Segurança e Proteção
culos podem ocorrer em casos judiciais e Social (SSPPS), a Fundação de Assistên-
extrajudiciais, nessa última hipótese com cia Social (FAS), a Secretaria Municipal
enfoque mais preventivo. É nesse senti- de Educação e a Secretaria Municipal de
do também que a Resolução 2002/12 da Saúde; e os órgãos do Poder Judiciário
Organização das Nações Unidas – ONU, são o Tribunal de Justiça do Estado do
referida acima, considera que os proces- Rio Grande do Sul (TJRS), o Juizado da
sos restaurativos podem incluir várias Infância e da Juventude (JEC/IJ) e o CE-
formas de solução de conflitos, como a JUSC. Além disso, também participam
mediação, a conciliação, a reunião fami- do Programa como convidados ao Con-
liar ou comunitária (conferencing) e cír- selho Gestor a Defensoria Pública e o Mi-
culos decisórios (sentencing circles). nistério Público.

A instauração e funcionamento do Pro- Nos primeiros dois anos de sua imple-


grama de Justiça Restaurativa em Caxias mentação, o Programa se concentrou
do Sul é fruto de parceria estabelecida em promover atividades de capacita-
entre a Prefeitura Municipal de Caxias ção de possíveis multiplicadores e faci-
do Sul, o Poder Judiciário, a Universida- litadores da Justiça Restaurativa, tendo

75 Quanto à escolha entre a mediação e os círculos, e considerando a mediação no contexto do processo judicial,

afirma o coordenador da Central Judicial: “Apesar da mediação se propor a trabalhar os aspectos subjetivos, sub-

jacentes à situação do processo, a mediação se limita a trabalhar com as partes do processo, pelo menos aqui... Já

na Justiça Restaurativa a gente convida para a participação todos os indiretamente envolvidos, então familiares,

vizinhos, amigos, as pessoas que são importantes para ajudar a conversar sobre aquela situação. Isso faz toda a

diferença. Óbvio que também o modelo de atendimento, o roteiro do encontro que é diferente no Círculo, também

faz a diferença. Então, têm casos amoldados para uma situação e para outra, normal, mas me arrisco a dizer assim

que o que a gente faz com a mediação a gente vai fazer praticamente tudo isso com os Círculos, e o inverso não é

verdadeiro.” (Coordenador da Central Judicial).

76 A política pública de pacificação social consiste em um conjunto de medidas desenvolvidas com integração

interinstitucional e que visam interromper as espirais conflitivas como forma de prevenir e reverter cadeias de pro-

moção de violência.

77 Fonte: BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um ano de im-

plementação da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014, p. 28.

92
as práticas se iniciado efetivamente em gação ao CEJUSC de Caxias do Sul, em
novembro de 2012. Em 2012, foi firmado sua frente de cidadania, como um passo
o primeiro convênio para a contratação importante à institucionalização:
de pessoal e custeio de material. O Co-
ordenador do Programa enfatiza que em “Tudo isso a gente está procuran-
Caxias do Sul aconteceu algo muito pe- do fazer para que seja, a vinculação
culiar, tendo em vista que ele: ao CEJUSC, essa institucionalidade
toda, reconhecida pelo Tribunal. Jun-
“(...) já estava morando aqui, traba- to ao Tribunal a gente está definin-
lhando no Juizado Especial Cível, e do política agora, a gente vai treinar,
fui procurado pela Secretaria de Se- os futuros treinamentos em Justiça
gurança do Município. Me visitaram o Restaurativa que o Tribunal oferecer
secretário, diretor da Secretaria e as- vão ser oferecidos para juízes que
sistentes sociais da secretaria. Lá em participem juntos com seus volun-
Porto Alegre eu tinha passado aque- tários. Tem toda uma perspectiva
les anos todos com o dinheiro para aí de estratégia de consolidação da
financiar o projeto, com projeto em proposta. Ou seja, não é uma ideia
andamento, e eu visitava as Secre- solta. É uma ideia que está entrela-
tarias, a Associação de Assistência, çada com a política judiciária, com a
Secretaria de Educação, Secretaria política municipal, e com uma ideia
do Estado, Secretaria do Município, de um movimento social mais amplo
Guarda Municipal, pedindo: ‘venham que possa expandir. Mas o fato de
fazer parte, aceitem nossas capaci- ser uma cidade menor eu acredito
tações gratuitas, deem carga horária que seja um fator importante. Para
para o pessoal de vocês trabalharem, você ter uma ideia disso, fora do
deixem eles fazerem. Eles gostaram script também, a ideia Caxias da Paz,
da ideia, vai ser bom’, sempre con- se você olhar na apresentação desse
vencendo um e outro aqui e havendo relatório, a gente fala que quer cons-
sempre uma descontinuidade, falta truir uma rede de cidades de paz.
de oportunidade, de espaço.” Então são algumas articulações em-
brionárias que a gente vem fazendo
Devido ao sucesso do Programa para a com outras cidades. Estamos crian-
comunidade local, em abril de 2014 sua do esse imaginário. Vamos fazer, va-
prática foi objeto da Lei Municipal nº mos multiplicar isso, vamos criar uma
7.754/2014. Embora o Programa ainda rede de cidades de paz. Paz. Como é
esteja em desenvolvimento e suas prá- uma cidade de paz? Não sei. Vamos
ticas estejam em constante aperfeiçoa- sonhar juntos, depois a gente plane-
mento, a promulgação da Lei foi essen- ja. Então a gente vem falando com
cial no reconhecimento das comissões outras pessoas de outras cidades.”
de paz e dos voluntários e no proces-
so de institucionalização do Programa. Assim, foram quatro as principais insti-
Isso é enfatizado pelo Coordenador do tuições envolvidas no desenho e na im-
Programa, que também reconhece a li- plementação do Programa, consistentes

93
na Prefeitura Municipal de Caxias do Sul, do Juiz Coordenador do Programa, que
no Poder Judiciário Estadual, na Univer- esteve entre os responsáveis pelo dese-
sidade Caxias do Sul (UCS) e na Funda- nho do Programa e continua, enquanto
ção Caxias. Conforme será explanado membro dos Conselhos Executivo e Ges-
mais adiante, atualmente esses quatro tor, exercendo atividades de coordena-
parceiros institucionais compõem a Co- ção e planejamento estratégico.
missão Executiva e passaram a contar,
desde a promulgação da Lei Municipal nº O Tribunal de Justiça do Estado do Rio
7.754/2014 com o apoio estratégico de Grande do Sul (TJRS) foi um dos apoia-
outros órgãos públicos e organizações dores financeiros e institucionais dos
da sociedade civil que compõem o Con- eventos de divulgação das práticas res-
selho Gestor. taurativas e dos cursos de formação e
capacitação de facilitadores. Além dis-
O município de Caxias do Sul, por meio so, o TJRS cede espaço físico e estrutura
da Secretaria de Segurança Pública e material para o funcionamento da Cen-
Proteção Social (SSPPS), fornece recur- tral Judicial dentro do fórum de Caxias
sos financeiros para a contratação de do Sul.
funcionários (facilitadores, secretárias e
coordenadores administrativo e técni- A Fundação Caxias e a UCS foram im-
co) e para o custeio de gastos materiais portantes parceiros institucionais para
do Programa. Ao total são 640 mil reais a aceitação e divulgação do Programa
previstos para o período de 30 meses Caxias da Paz na sociedade civil devido
contados desde o começo das práticas ao seu histórico e reconhecimento pela
restaurativas78. Além disso, a prefeitura comunidade local. Mais especificamente,
também cede ao Programa servidores a Universidade Caxias do Sul (UCS) cede
públicos provenientes de secretarias di- espaço físico para o funcionamento da
versas como, por exemplo, a Secretaria Central de Infância e Juventude e a Fun-
Municipal da Educação e a SSPPS. Outra dação Caxias colabora atuando como in-
função do município consiste em articu- termediário institucional entre a SSPPS e
lar e mobilizar a interseccionalidade e in- os funcionários do Programa, efetuando
terinstitucionalidade do Programa. o pagamento de salários e gerenciando
questões trabalhistas. Além disso, a Fun-
O Poder Judiciário participa do Progra- dação Caxias também está articulando
ma de Justiça Restaurativa de Caxias projeto de inserir práticas restaurativas
do Sul principalmente por intermédio dentro de empresas na cidade.

78 Nas palavras do Secretário de Segurança Pública do Município entrevistado: “(...) o primeiro passo que foi dado,

foi em novembro de 2012, quando foi assinado o primeiro convênio, e aí depois foi feito o aditamento ainda no ano

de 2012, dando um aporte maior de recursos. Então a somatória dos recursos nesses 30 meses, dois anos e meio

de trabalho com Justiça Restaurativa é de 640 mil reais, previsto até março de 2015 esses valores. Nós temos dois

convênios, um que passou a vigorar de novembro de 2012, depois nós tivemos um aditamento, e agora esse ano,

em março, foi feito mais um convênio, que vai perdurar até março de 2015.”

94
Ademais, o Coordenador do Programa vinculação institucional estão: (i) maior
de Caxias do Sul/RS atua como assessor credibilidade atribuída ao Programa80,
especial para difusão da Justiça Restau- (ii) o Programa auxilia na mudança de
rativa, da Associação dos Magistrados do relação entre a sociedade civil e as ins-
Brasil (AMB). A AMB, no dia 14 de agosto tituições públicas, em especial a guarda
de 2014, celebrou juntamente com o Min. civil, (iii) as práticas restaurativas podem
Ricardo Levandowski, atual presidente resultar na extinção de processos judi-
do STF e CNJ, entre outras instituições, ciais, e (iv) possibilidade de integrar o
um protocolo de cooperação que pre- Programa dentro de sistema maior de
vê a expansão da Justiça Restaurativa políticas públicas.
no país79. O protocolo teve como base
a Lei nº. 12.594/2012, que conforme dito Os aspectos negativos, por sua vez, po-
anteriormente, prioriza as medidas res- dem ser resumidos na fala de uma das
taurativas no âmbito da Justiça Juvenil, facilitadoras da Fundação de Assistência
e também da Resolução nº. 125/2010 do Social, que afirma que as decisões toma-
CNJ.  das no Círculo têm a ver com o consenso
obtido, que talvez não sejam decisões
O fato de o Programa estar vinculado a aceitas pelo próprio Poder Judiciário.
instituições públicas, em especial o Po- Nas palavras da facilitadora:
der Judiciário, conforme indicado pelos
entrevistados, possui externalidades po- “Alguma coisa mais de sustentação
sitivas e negativas. No que diz respeito para afirmar... Se bem que a deci-
aos aspectos positivos decorrentes da são não é tomada por ti, no Círculo

79 Embora a parceria com o STF e demais órgãos do Poder Publico legitimem e autorizem a existência do progra-

ma, ele continua sendo um movimento de base (de baixo para cima), em que as necessidades sociais e as experi-

ências práticas são institucionalizadas. As entidades que assinaram o protocolo de cooperação foram as seguintes:

Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Associação Brasileira dos Ma-

gistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ); Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul e Escola Superior

da Magistratura (Ajuris/ESM); Associação Palas Athena; Associação Paulista da Magistratura (Apamagis); Asso-

ciação Terre Des Hommes (TDH); Departamento Penitenciário Nacional (Depen); Escola Paulista da Magistratura

(EPM); Fórum Nacional da Justiça Juvenil (Fonajuv); Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH); Secretaria

da Reforma do Judiciário (SRJ); Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT); Tribunal de Jus-

tiça do Rio Grande do Sul (TJRS); Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Mais informações disponíveis em http://

www.amb.com.br/?secao=mostranoticia&mat_id=27062. Acesso em 23/08/2104.

80 “O psicólogo e coordenador Paulo Moratelli explica que o fato de a Central estar situada no prédio do Judiciário

também favorece os atendimentos, já que o ambiente oferece segurança e traz respeitabilidade para o processo. “É

muito mais fácil você convidar, chamar ou intimar as pessoas estando aqui dentro. As pessoas começam a perceber

que é uma coisa séria. Fica muito claro que, se os acordos previstos no Círculo não se cumprirem, isso trará conse-

quências.” BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um ano de im-

plementação da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014, p. 37.

95
a decisão é um consenso, enfim, mas por dar algumas respostas que tu não
quando se trata de uma questão judi- sabes se vem.” (facilitadora da Fun-
cial, o furo é mais embaixo. Em deter- dação de Assistência Social)
minados momentos tu acaba dando
um direcionamento com coisas que V. 3. O DESENHO E FUNCIONAMENTO
tu tens que saber o que não pode DO PROGRAMA
acontecer, por exemplo: tu tens que
ter isso, senão tu não podes estar lá,
na minha concepção. Mas isso ainda Público-alvo, estrutura e objetivos:
não existe. Isso não é um consenso. E
também tem outra coisa, como isso O objetivo do Programa de Justiça Res-
está, por exemplo, muitos dos Círcu- taurativa de Caxias do Sul consiste em
los que a gente faz por quê? Porque contribuir com as demais ações da polí-
estamos no CREAS, porque está vin- tica pública destinada à pacificação so-
culado ao Judiciário... Acaba tendo cial por meio da implementação da me-
uma demanda, nosso funcionamento todologia restaurativa, consistente em
social é de uma rapidez em chegar processo de diálogo destinado a criar
a conclusões. Quando a gente sabe um espaço seguro para se discutir pro-
que, por si só, os próprios princípios blemas sensíveis aos envolvidos e bus-
do Círculo não te levariam necessa- car uma melhora em seu relacionamen-
riamente a uma decisão como o Ju- to. Essa metodologia busca restabelecer
diciário gostaria, talvez. Não neces- relações sociais e reparar danos sofridos,
sariamente porque vai ter que surgir colaborando com a redução da cultura
daquele grupo e o que vai surgir tu punitiva e a construção de respostas
não tens muito controle sobre isso. mais efetivas aos conflitos.
Mas, quando a gente está dentro de
uma instituição assim, está dentro Mais especificamente, o Caxias da Paz
do Fórum, tendo que responder por procura promover a desjudicialização de
isso também, tem questões ali que conflitos por meio do empoderamento
se atravessa, que é essa da urgência da sociedade civil e do resgate da cul-
e de tu ter que se sentir responsável tura do diálogo81. Com os exemplos das

81 O Coordenador do Programa assim ressaltou que a visão do programa é para “(...) empurrar o conflito para fora,

e devolver à sociedade duas coisas: uma é empoderamento, porque na medida em que a comunidade delega esse

poder de resolver o conflito ao Judiciário, ela se desempodera. Então isso é um processo político emancipatório. É

um processo político emancipatório de alto poder cívico, que a qualidade democrática que isso tem de treinamento

das pessoas para exercício de poder. Hoje, a sociedade vive certa anemia em termos de exercício de poder local

auto gestionário. Por quê? Porque está muito associado a essa matriz de delegação de responsabilidade pela reso-

lução de conflitos. Então eu acho que uma das funções que o Judiciário tem ao empurrar, essa expressão, empurrar

para fora, é devolver o poder à comunidade. Gerar autonomia nesse lugar de heteronomia que existe, e a partir

desse campo de aprendizagem tão privilegiado é que nós temos, como nós estamos hoje sentados sobre o mundo

do conflito, ou seja, como donos do conflito, é devolver essa aprendizagem em termos de novas habilidades. Que

aquilo que a gente aprende aqui é uma habilidade e a gente pode oferecer isto como um treinamento, como um

96
práticas promovidos pelas Centrais e calizar e avaliar a execução do Programa.
com o trabalho de polinização promo- O Secretário de Segurança Pública do
vido pelos voluntários, acredita-se que Município explica que as atividades do
a sociedade civil será capaz de se apro- Conselho Gestor ainda estão no começo:
priar das técnicas da Justiça Restaura-
tiva e solucionar de forma não violenta “O Conselho Gestor ele foi firmado
seus conflitos. agora recentemente por Decreto do
prefeito, então ele vai ter as suas reu-
O Programa abrange conflitos de natu- niões periódicas, ordinárias, e no in-
rezas diversas com conteúdo relacional tercurso, entre uma reunião e outra
continuativo associado a uma conflitiva do Conselho Gestor vai ficar, nós te-
crônica reiterada, submetidos ou não à mos um Comitê Executivo, que é um
apreciação judicial, com enfoque princi- Comitê mais enxuto, que vai dar an-
pal na assistência social, na educação, na damento às resoluções que o Con-
segurança e na saúde. selho Gestor vai estabelecer. Que o
Conselho Gestor tem caráter fiscali-
O Programa Justiça Restaurativa de Ca- zatório e, enfim, de estruturação da
xias do Sul é composto pela Comissão própria Justiça Restaurativa no âm-
Executiva, pelo Conselho Gestor, pelo Nú- bito do município.”
cleo de Justiça Restaurativa, pelas Cen-
trais de Pacificação Restaurativa, pelas A Comissão Executiva, por sua vez, é
Comissões de Paz e pelo Voluntariado. composta pela Prefeitura de Caxias do
Sul, pelo Poder Judiciário, pela Funda-
O Conselho Gestor é nomeado pelo pre- ção Caxias e a pela Universidade Caxias
feito e atualmente formado pela Guarda do Sul (UCS) e é responsável por imple-
Municipal, pela UCS, pela Coordenado- mentar as decisões do Conselho Gestor.
ria Regional de Educação, pela Brigada Nos termos do Secretário de Segurança
Militar, pela Defensoria Pública, pela Se- Pública do Município:
cretaria de Justiça e Direitos Humanos
do Estado do Rio Grande do Sul (SJDH/ “(...) o Comitê Executivo basicamen-
RS), pela Fundação de Atendimento So- te é o mesmo que existia antes da
cioeducativo (FASE), pela Secretaria Mu- própria promulgação da Lei. Antes
nicipal de Educação, pela Política Civil, da lei entrar em vigor nós já tínhamos
pela Secretaria Municipal de Saúde, pela as três Centrais, a legislação munici-
SSPPS, pelo 7ª Departamento de Políti- pal transformou-as, no caso, deu um
ca Regional, pelo Poder Judiciário, pela caráter oficial, legal às Centrais, que
Fundação de Assistência Social (FAS) e antes era através de convênio. Mas
pela Fundação Caxias. Em breve resumo, o Comitê Gestor vai ser executado
suas funções consistem em promover a através do Poder Judiciário, da Pre-
integração entre as instituições partici- feitura, do Secretário de Segurança e
pantes e subsidiar o planejamento e fis- Proteção Social, do juiz da Infância e

processo de pedagogia social para mudança”.

97
da Juventude, da Universidade atra- res de Círculos de Construção de Paz82.
vés da Faculdade de Direito, que tem
seu diretor, da Fundação de Assis- As Centrais de Pacificação restaurativa
tência Social, e o presidente da Fun- são espaços onde as práticas restaurati-
dação Caxias, que é um parceiro de vas são realizadas ou difundidas. Atual-
primeira hora que nós tivemos para mente o Programa é composto por três
fazer o repasse de recursos e articu- unidades: a Central Judicial de Práticas
lar financeiramente e logisticamente, Restaurativas, a Central de Práticas Res-
com recursos humanos, o programa taurativas da Infância e da Juventude e
Municipal.” a Central Judicial de Práticas Restaura-
tivas Comunitárias, cada uma funcionan-
O Núcleo de Justiça Restaurativa con- do em localidade diferente e contando
siste em espaço de gestão do Programa, com corpo próprio de funcionários.
onde são centralizadas as contribuições
materiais, acadêmicas e de recursos hu- A Central Judicial foi implementada em
manos oferecidos pelas instituições par- novembro 2012 e possui sede em sala do
ceiras. As Comissões de paz são espaços fórum de Caxias do Sul junto à Central
informais de estudo e aplicação das prá- de Conciliação e Mediação, que após a
ticas restaurativas que são desenvolvi- edição da Resolução nº 125/10 se trans-
dos no âmbito de instituições públicas, formou em Centro Judiciário de Solução
religiosas, empresas, comunidades e de Conflitos e Cidadania (CEJUSC). As-
qualquer outro núcleo social onde ocor- sim, a Central Judicial do Programa está
ra formação sobre as técnicas do Pro- inserida no CEJUSC do fórum de Caxias
grama. do Sul, mas há duas equipes distintas
para trabalhar com a Justiça Restaurati-
Os voluntários da paz são pessoas físi- va ou com a Mediação e a Conciliação83.
cas formadas, cadastradas e supervisio- Os conflitos atendidos por essa Central
nadas pelo Núcleo de Justiça Restaurati- estão judicializados e são encaminhados
va e que participam de forma voluntária pelos magistrados do fórum, especial-
nas atividades do Programa, geralmente, mente pela Vara De Infância e Juventu-
mas não somente, no papel de facilitado- de, no limite de capacidade de atendi-

82 Há grupo de profissionais que vêm atuando voluntariamente em outras frentes, como a informatização de uma

guia de registro, que formará um banco de dados onde serão armazenadas todas as informações sobre os casos

trabalhados pelos Círculos de Construção de Paz promovidos nas Centrais ou em qualquer outro local. A implan-

tação de uma comunidade virtual para multiplicar formações e possibilitar a supervisão das práticas também está

sendo viabilizada por profissionais voluntários da área. Cf. BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma

nova justiça: a paz restaurativa. Um ano de implementação da justiça restaurativa como política de pacificação so-

cial em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014, p. 61.

83 Enquanto a equipe do CEJUSC é composta por funcionários contratados pelo Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Sul, a equipe da Justiça Restaurativa é composta por servidores públicos cedidos pela SSPS, por

funcionária contratada por intermédio da Fundação Caxias e voluntários.

98
mento da equipe de facilitadores. ventiva ou reativa.

No ano de 2013, foram aplicados na Cen- A atuação preventiva da Central da In-


tral Judicial os Círculos de construção de fância e Juventude consiste em promo-
paz em 118 casos e realizados 182 pro- ver a prática de Círculos de construção
cedimentos, com a participação de 488 de paz junto às escolas-piloto e serviços
pessoas. Já no ano de 2014, até o mês de de proteção à infância e juventude com
julho, foram realizados Círculos em 148 o objetivo de estimular a resolução es-
casos e realizados 162 procedimentos, pontânea de conflitos pelo diálogo. Já a
com a participação de 373 pessoas84. atuação reativa ocorre quando há enca-
minhamento à Central de situação con-
A Central Comunitária foi implementada flitiva, caso em que os Círculos de cons-
em julho de 2013 e está localizada em trução de paz são realizados para evitar
sala do Centro de Referência de Assis- o desenrolar de violência e para a reso-
tência Social (CRAS) da Zona Norte da lução pacífica do conflito. Nessa Central,
Cidade de Caxias do Sul. Conta com a no ano de 2013, foram atendidos apro-
parceria entre a Rede de Proteção Social ximadamente 133 casos e realizados 177
(UBS, escolas, ONGs e AMOB) e as lide- atendimentos, envolvendo uma média
ranças dos bairros da região. Suas prá- de 1.116 pessoas. Já no ano de 2014, até o
ticas visam atuar de maneira preventiva mês de julho, foram atendidos 76 casos e
e pacificadora de conflitos de natureza realizados 89 atendimentos, com a parti-
diversa (e.g. infância, saúde, família, es- cipação de 818 pessoas85.
cola, crime, etc.). A atuação preventiva
dessa Central consiste na realização de Cada Central possui um funcionário de
Círculos de sensibilização junto a jovens atendimento, ao menos 02 facilitadores
e crianças da comunidade; já a atuação servidores públicos (01 coordenador-fa-
reativa ocorre com o encaminhamento cilitador e um facilitador) e contam com
de situações conflitivas existentes entre o apoio dos 09 facilitadores voluntários
habitantes da região. volantes. Os funcionários das Centrais e
os funcionários administrativos do Pro-
A Central da Infância e Juventude foi ins- grama (coordenação administrativa e
talada em junho de 2013 e está localizada coordenação técnica) são contratados
em sala cedida pela Universidade Caxias pela Fundação Caxias com recursos pro-
do Sul (UCS). Sua atuação está focada venientes da SSPPS. Os facilitadores, por
especialmente na temática da infância e sua vez, são servidores públicos cedidos
juventude, embora não exclua o atendi- à Secretaria de Segurança Pública e Pro-
mento de demandas de outra natureza teção Social, normalmente pela Secre-
que porventura lhe sejam encaminhadas, taria de Educação ou pela Fundação de
e também se desenrola de maneira pre- Assistência Social (FAS), ou voluntários

84 Os dados foram enviados pela Coordenação do Programa, por e-mail, em 14/08/2014.

85 Os dados foram enviados pela Coordenação do Programa, por e-mail, em 14/08/2014.

99
que atuam por convocação em carga 12.594, de 2012, que instituiu o Sistema
horária flexível. Os facilitadores servido- Nacional de Atendimento Socioeduca-
res públicos, incluídos os facilitadores- tivo (SINASE). Esta lei determina que a
-coordenadores das Centrais, dedicam execução das medidas socioeducativas
cerca de 20h semanais às atividades da reger-se-á, entre outros, pelo princípio
Justiça Restaurativa. da excepcionalidade da intervenção ju-
dicial e da imposição de medidas que
O Programa tem uma interface com favoreçam meios de autocomposição de
quatro outras áreas do Poder Executi- conflitos, dando-se “prioridade a práti-
vo: segurança pública, assistência social cas ou medidas que sejam restaurativas
e saúde. Assim, contando ainda com a e, sempre que possível, atendam às ne-
interface com a política judiciária, o Co- cessidades das vítimas” (Art. 35, inc. II e
ordenador do Programa define que as III, da Lei nº. 12.594/2012).
cinco políticas estão relacionadas e se
complementam. Além disso, conta com diversas outras
ramificações87, tais como os Voluntários
No mês de maio de 2013, foi celebrado da Paz, os Círculos da Paz, Círculos na
um Protocolo operacional entre a Se- Superintendência de Serviços Peniten-
cretaria Municipal de Segurança Pública ciários (SUSEPE), Guarda Municipal, en-
e Proteção Social, Juizado da Infância tre outros. Sobre o trabalho realizado na
e da Juventude, Promotoria da Infância SUSEPE, o Coordenador destaca que é a
e da Juventude, Defensoria da Infância primeira Comissão de Paz:
e da Juventude, Brigada Militar, Polícia
Civil e Guarda Municipal com o objetivo “a SUSEPE é a Superintendência de
de realizar o atendimento restaurativo a Serviços Penitenciários, que tenha
crianças e adolescentes em conflitos de um trabalho com os profissionais que
menor potencial ofensivo no âmbito ex- estão realizando, os profissionais da
trajudicial, ressaltando-se que este é um própria SUSEPE, dos próprios presí-
dos capítulos do programa.86 dios fazendo Círculos, é o caso que
eu te disse que estava ali entregando
O referido protocolo operacional, segun- relatório para a colega do Júri agora
do o Coordenador do Programa, colo- de manhã. Agora também dentro do
ca em prática as disposições da Lei nº. presídio tem um grupo de voluntá-

86 BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um ano de implementa-

ção da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014, p. 21.

87 O Coordenador do Programa diz que as ramificações do programa, que tornam o programa complexo, tem rela-

ção também com a forma de se combater o crime, pois “(...) a vida é assim, o crime é assim. O crime é ágil, ele joga

em todas as pontas. Quando você vê ele aparece, e a gente tem que jogar assim. Agora, o desafio é a insustentável

leveza do programa dentro dessa densidade institucional toda. Você lidar com presídio, com juiz o Júri, com o Juiz

da Infância, com o Judiciário, com o Tribunal, a gente tem muitas, é um trabalho de plasticidade a ser desenvolvido,

que as instituições, em regra não tem.”

100
rias trabalhando. Então essas volun- Guarda Escolar:
tárias fazem um Círculo de Diálogo
com as presas. Círculo de Diálogo é “É uma viatura com quatro guardas,
estreitamento de vínculos, é pacifi- que um eles intercalam entre o tra-
cação da convivência.” balho preventivo que é palestras, ofi-
cinas, Círculos de Paz, trabalho co-
Já com relação aos conflitos da infância munitário, e ação comunitária, isso
e da juventude, o Coordenador explica em um dia da semana, e nos outros
que são tratados de duas formas distin- três eles trabalham em viatura. Então
tas, uma mais proativa e outra mais rea- a Guarda Escolar está dentro do se-
tiva, nestes termos: tor de prevenção mesmo, o mesmo
que vai lá fazer prevenção, o Círculo,
“(...) uma linha que é a linha proati- a palestra, a oficina, é o que vai estar
va, em que a gente está trabalhando registrando a ocorrência também.”
com algumas escolas piloto, visando
uma ambientação da escola dentro Dessa forma, o que se percebe é que o
de uma compreensão restaurativa. E Programa, além de ter as três Centrais
uma linha reativa, ou seja, por pro- (Judicial, Comunitária e da Infância e da
vocação, por demanda, que aí po- Juventude), ainda atua em diversas ra-
dem ser outras escolas para atender mificações na cidade de Caxias do Sul,
conflitos, ou até mesmo para situa- estando presente também nas escolas,
ções não conflitivas específicas. Por igrejas, penitenciárias, casas de medidas
exemplo: queremos fazer um Círculo socioeducativas para jovens infratores,
de integração dos professores. En- entre outros locais, formando-se assim
tão essas são as duas possibilidades uma verdadeira rede de atuação enrai-
de atuação na Central até agora.” zada.

Essa atuação tanto preventiva quanto Triagem de casos:


relacionada à resolução do conflito tam-
bém é encontrada na Guarda Municipal, Na Central Judicial os casos são encami-
que trabalha na Guarda Escolar especi- nhados pelos magistrados do Fórum de
ficamente com a Justiça Restaurativa. O Caxias do Sul, em especial o juiz respon-
trabalho é realizado por quatro guardas, sável pela Vara da Infância e da Juventu-
por meio de uma escala de modo que de, que é o Coordenador do Programa.
o mesmo guarda escolar que se dirige Todavia, devido à limitação de pessoal e
às escolas municipais para realizar os de estrutura dessa Central, há uma quan-
projetos de prevenção de conflitos é o tidade restrita de casos que podem ser
guarda que irá comparecer na escola nos encaminhados para solução restaurativa.
casos em que seja necessária a sua atua- Nesse sentido é que o Coordenador do
ção para realização dos Círculos com os Programa enfatiza que:
alunos, professores e demais envolvidos
nos conflitos. Nesse sentido, o Coorde- “Há uma adesão que a gente limita
nador da Guarda Escolar afirma que a pela capacidade de atendimento. A

101
gente não recebe mais porque não que isso é intencional, o Programa,
tem capacidade de atender. Então a a ideia é que cada Central funciona
gente tem que represar para a Jus- como um centro de difusão das prá-
tiça Restaurativa. Para a questão de ticas. Chama-se de Centro de Difu-
conciliação e mediação não, o que são Operacional. A partir da aplica-
a gente tem conseguido observar ção prática você gera perspectivas
é que um procedimento restaurati- de resolução não-judicial. Então as-
vo tem uma complexidade maior, e sim, isso aqui está sendo resolvido
como o nosso principal foco de aten- aqui, mas poderia estar sendo resol-
dimento é a área da infância, porque vido lá, antes que viesse para o ju-
eu sou juiz da Infância, então eu de- dicial. Como é que vocês poderiam
mando mais. A intervenção restaura- intervir preventivamente à judicia-
tiva gera muito impacto na rede de lização desse conflito? Como é que
atendimento, porque ela muda mui- pode mudar a ponta da Assistência,
to a perspectiva dos profissionais a ponta da Educação, a ponta da
que atuam no atendimento do caso.” própria Saúde, a gente já está come-
çando a trabalhar em UBS, como é
O Coordenador ainda enfatiza que o que a UBS pode trabalhar para fins
modo como a Justiça Restaurativa está de prevenir o agravamento, o con-
estruturada, em Caxias do Sul, deman- flito, a ponto dele se tornar judicial?
da muito tempo das pessoas que estão Esse é um trabalho de articulação
envolvidas, pois ela é complexa, além de que também sobrecarrega a carga
demandar tempo para a construção da horária do pessoal.
rede:
Além disso, como a Central Judicial está
“Ela envolve reuniões preparatórias inserida no CEJUSC, por vezes, conflitos
com o pessoal da rede, e aí algumas encaminhados à mediação ou à concilia-
reuniões, em casos repetitivos, situ- ção podem ser, por triagem do coorde-
ações típicas, elas acabam gerando nador da Central, redirecionados à solu-
necessidade de rediscussão de flu- ção restaurativa88.
xos de atendimento. Então a equipe
que trabalha na Central Judicial faz Outras hipóteses de triagem de casos da
essa dupla função, ela não só aten- Central Judicial são o encaminhamento
de os casos, mas também atua nes- pelo Ministério Público de conflitos não
sa dimensão de articulação de rede. judicializados ou o surgimento de de-
Então, reuniões, discussão, e revisão mandas espontâneas, mas esses tipos de
de procedimentos, e ajudando... por- encaminhamentos estão reduzindo devi-

88 O Coordenador da Central Judicial destaca que “(...) muitas vezes o juiz encaminha para o CEJUSC. A gente faz

essa triagem e quando a gente identifica que o caso é para ser feito no Círculo Restaurativo, a gente faz os Círculos.

Senão o resto é feito na conciliação ou na mediação, mas normalmente o pessoal hoje, os juízes, o pessoal dos car-

tórios já está conhecendo mais qual é a proposta da Justiça Restaurativa, e já encaminha uma coisa mais com um

foco mesmo da Justiça Restaurativa, restauração de vínculos, e cuidado com a vítima, coisas assim”.

102
do à implementação e consolidação das O encaminhamento de casos pela Guar-
outras duas Centrais do Programa. da Municipal e pela brigada militar ocor-
re após o registro policial da ocorrência
Na Central da Infância e da Juventude os de prática infracional envolvendo a in-
casos são enviados pelo Ministério Pú- fância e a juventude, momento em que
blico, pelas escolas-piloto, pelas CIPAVE esses órgãos poderão aguardar até 90
(Comissões Internas de Prevenção de dias pela solução do conflito antes de re-
Acidentes e Violência Escolar), por es- meter a ocorrência ao Ministério Público.
colas públicas Estaduais, brigada militar, Caso não tenha havido encaminhamen-
guarda municipal, e por ONGs parceiras. to pelas instâncias escolares ou policiais,
poderá o Ministério Público solicitar o
As escolas-piloto são 05 escolas públi- atendimento de casos à Central de Infân-
cas municipais localizadas em região cia e Juventude antes do momento de
próxima à Central de Infância e Juven- apreciação acerca do oferecimento de
tude89, nas quais há professores capaci- remissão ou representação.
tados para realizar práticas restaurativas
no núcleo escolar. Os conflitos identifica- Há também casos enviados espontanea-
dos dentro dessas escolas-piloto e que mente por representantes de escolas pú-
necessitem de um acompanhamento blicas Estaduais, escolas particulares, e
aprofundado que extrapole o ambiente membros ou organizações da sociedade
escolar são encaminhados à Central de civil, hipóteses em que, por vezes, a natu-
Infância e Juventude. reza do conflito pode extrapolar à temá-
tica da infância e da juventude, mas que
As Comissões Internas de Prevenção de são igualmente atendidos pela Central.
Acidentes e Violência Escolar (CIPAVE),
por sua vez, são comissões fruto de par- Na Central Comunitária há uma sensibili-
ceria entre as Secretarias Municipais da zação da rede socioeducativa junto a or-
Educação e de Segurança Pública e Pro- ganizações da sociedade civil, por meio
teção Social para a identificação e acom- da realização de Círculos de vivência e
panhamento de vulnerabilidades e casos diálogo junto à comunidade Santo Antô-
de violência escolar. Em se tratando de nio da zona norte da cidade de Caxias
escolas públicas municipais que não se do Sul. Assim, as demandas dessa cen-
qualifiquem entre as escolas-piloto, as tral surgem por encaminhamento das
CIPAVE são responsáveis por realizar um ONGs parceiras, dos assistentes sociais e
filtro dos conflitos que serão encaminha- por meio de demandas espontâneas visi-
dos à Central de Infância e Juventude. bilizadas por essas atividades.

89 As escolas-piloto foram escolhidas entre aquelas situadas nas proximidades da Central de Infância e Juventude

(ou seja, próximas à UCS) para facilitar o acompanhamento da utilização experimental das práticas restaurativas

no ambiente escolar.

103
Funcionamento da prática da Justiça serão as técnicas utilizadas. Não há pa-
Restaurativa em Caxias do Sul: râmetros que definam critérios de esco-
lha dos facilitadores para cada tipo de
Existem diferentes metodologias para conflito, mas os coordenadores das três
realizar práticas restaurativas, como a Centrais indicaram que no momento da
mediação vítima-ofensor, as reuniões escolha são considerados: (i) a existên-
restaurativas norte-americanas e os Cír- cia de relação do facilitador com o con-
culos de comunicação não violenta. No flito ou com alguma das partes, (ii) expe-
entanto, a metodologia utilizada no Pro- riência pretérita do facilitador com con-
grama de Justiça Restaurativa de Ca- flitos de natureza similar e (iii) formação
xias do Sul consiste essencialmente na profissional do facilitador, buscando-se
realização de Círculos de construção de sempre compor duplas multidisciplina-
paz90. Em breve síntese, essa metodolo- res de facilitadores.
gia consiste em sentar pessoas em uma
roda para que dialoguem e busquem Definida a estratégia de atendimento,
alcançar determinadas finalidades pre- são realizados convites aos potenciais
estabelecidas, como a compreensão, o participantes do procedimento de jus-
reestabelecimento, a reintegração, a re- tiça restaurativa, informando-se data e
solução de um conflito, etc. local de atendimento inicial. Na Central
Comunitária esse convite pode ser rea-
A prática do Programa de Justiça Res- lizado pessoalmente pelos facilitadores
taurativa Caxias da Paz segue essencial- escolhidos para acompanhar o caso.
mente os seguintes passos. Em primeiro
lugar é identificado o caso que, confor- Em seguida são realizados os pré-círculos
me já informado, pode surgir de deman- individuais ou coletivos, destinados a ex-
da espontânea ou por encaminhamento plicar sobre a natureza do procedimento,
de organizações da sociedade civil, por os objetivos e a metodologia da Justiça
atores do sistema de justiça ou por mem- Restaurativa, além de identificar quem
bros da rede socioeducativa. Quando de são os demais possíveis atores envolvi-
seu recebimento, será realizado registro dos no conflito. Essas sessões podem
de procedimento restaurativo pelo fun- ser realizadas quantas vezes forem ne-
cionário de atendimento sob a supervi- cessárias. Se uma ou ambas as partes não
são do coordenador da Central. aceitarem participar do procedimento de
justiça restaurativa, os facilitadores res-
Em seguida é realizada uma avaliação ponsáveis pelo caso redigem relatório ex-
estratégica do caso, geralmente pelo co- plicando o ocorrido e devolvem o conflito
ordenador da Central e mais um facilita- para o órgão que o endereçou à Central.
dor, para indicar quem serão os facilita-
dores responsáveis pelo Círculo e quais O próximo passo são os Círculos de

90 Essa técnica difere daquela utilizada no programa-piloto de Justiça Restaurativa de Porto Alegre (Justiça para

o Século XXI), consistente na comunicação não violenta.

104
construção de paz, que contam com a enquanto os demais escutam sem
participação de dois facilitadores e de pensar numa resposta, ou pode de-
todas as pessoas envolvidas no conflito cidir oferecer um período de silêncio.
ou situação. Nesse momento, os facilita- ‘O objeto da palavra desacelera o
dores são responsáveis por estimular o ritmo da conversa e estimula intera-
debate e não podem impor soluções ou ções refletidas e cuidadosas entre os
propostas de acordos, conforme eluci- participantes. Em virtude de somen-
dado a seguir: te uma pessoa poder falar de cada
vez e de o objeto de fala se mover
“A ideia é que a solução, decisão, sucessivamente por todas as pes-
medida ou acordo, surja a partir da soas, duas pessoas que estejam em
contribuição de cada participan- desacordo não podem entrar numa
te do Círculo. Para Kay [Pranis], em altercação durante o momento da
um Círculo chega-se à sabedoria raiva’, explica Kay.”92
por meio das histórias pessoais. Ali,
a experiência vivida é mais valiosa Além disso, a sessão do Círculo deve se-
do que conselhos. “Círculos são uma guir os seguintes passos:
forma de estabelecer uma conexão
profunda entre as pessoas, explorar • Cerimônia de abertura do Círculo de cons-
as diferenças ao invés de exterminá- trução de paz;
-las e ofertar a todos igual e voluntá-
ria oportunidade de participar, falar • Promoção de relacionamento entre os par-
e ser ouvido pelos demais sem inter- ticipantes por meio da realização de per-
rupção”, explica Kay.”91 guntas empáticas;

As principais técnicas utilizadas durante • Desenho, em comum acordo pelas partes,


os Círculos da paz são: (i) os participan- de plano de ação e diretrizes da conversa;
tes se sentem em círculo, (ii) o diálogo
é conduzido de forma circular e, (iii) so- • Diálogo circular a respeito do conflito;
mente poderá falar quem estiver com o
objeto da palavra, conforme explicado a • Alcance de acordo; e
seguir:
• Cerimônia de fechamento do Círculo da
“O objeto da palavra passa de mão paz.
em mão, de pessoa para pessoa,
dando a volta na roda. O detentor do Ao final, as partes firmam um termo de
objeto tem a oportunidade de falar acordo com ações de responsabilidade

91 BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um ano de implementa-

ção da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014, p. 64.

92 BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um ano de implementa-

ção da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014, p. 65.

105
de cada um dos participantes do Círcu- prolação da sentença”.  Esses nor-
lo de construção de paz. O documento malmente são os procedimentos
deve ser produto de consenso entre as que envolvem as vítimas (presencial-
partes e conter metas específicas, men- mente junto aos infratores ou indire-
suráveis, alcançáveis, exequíveis, equili- tamente, junto aos facilitadores) na
bradas e com prazos determinados. proposição de soluções reparatórias.
O cumprimento do acordo é normal-
Após esse momento os facilitadores de- mente acompanhado por uma me-
vem realizar um breve relatório sobre o dida socioeducativa de meio aberto
ocorrido no Círculo, respeitado o prin- (liberdade assistida, via de regra),
cípio da confidencialidade, para arquivo mas também pode ser acrescido de
na Central. Em se tratando da Central prestação de serviços à comunidade
Judicial, o relatório também é utiliza- (que serve como reparação indireta
do para prestar esclarecimentos ao juiz de danos, podendo a vítima suge-
responsável pelo processo, que deverá rir onde gostaria que o adolescente
avaliar o termo de acordo e homologá- preste o serviço).”
-lo. Na hipótese de não haver acordo ao
final do Círculo de construção de paz, Por outro lado, se a prática restaurativa
o relatório de encerramento deverá ser foi realizada quando da execução das
entregue àquele que encaminhou o con- penas, o acordo dela resultante atuará
flito ao Programa para que tome as pro- essencialmente como método participa-
vidências necessárias, especialmente se tivo de resolução do conflito e cumpri-
tratar-se de instauração de procedimen- mento da pena, conforme explica o co-
to infracional. ordenador do programa:

Caso o círculo de construção de paz te- “No curso das execuções das me-
nha sido realizado durante a fase de ins- didas já impostas (ou ajustadas por
trução do processo, o consenso alcança- acordo quando não houve círculos
do poderá adotar o formato de “plano anteriormente), há diversas possibili-
de cumprimento alternativo à prolação dades de utilização das práticas res-
de sentença” e geralmente será acom- taurativas, que serve principalmente
panhado de medida socioeducativa ou como metodologia de abordagem
de prestação de serviços à comunidade, e solução participativa do proble-
conforme explica o coordenador do pro- ma, integrando a equipe técnica e
grama: família, família extensa, pessoas de
referência (rede, escola, eventual
“Na fase judicial, então, temos a empregador, comunidade como o
maior parte dos casos feitas no cur- treinador do time de futebol etc),
so da instrução, quando normal- num plano pactuado coletivamente,
mente suspendemos o processo por onde todos podem oferecer ajuda e
remissão, adotando o conteúdo do assumirem compromissos, inclusive,
acordo como uma espécie de “pla- e principalmente, o infrator. Essas
no de cumprimento alternativo à aplicações vão desde a elaboração

106
do Plano Integrado de Atendimento Finalmente, pode ser realizada uma ou
(PIA), passam pelas revisões periódi- mais sessões de pós-círculo para moni-
cas do PIA, podem ser refinadas sob toramento do cumprimento do termo de
a forma de “Círculos de Integração”, acordo pelos envolvidos e, se for o caso,
reuniões de preparação e definição modificar determinadas obrigações assu-
do plano de compromissos - tanto midas por alguns participantes do Círculo
do adolescente quanto dos que o se de construção de paz. Na hipótese de al-
comprometerem a ajuda-lo -  para a gumas das partes não estarem cumprin-
liberdade (nas medidas de meio fe- do com o acordado no termo de acordo,
chado aqui no RS isso já é um padrão pode ser realizado novo Círculo de cons-
de procedimento, na transição entre trução de paz para identificar as razões
a unidade de privação da liberdade e do descumprimento e tentar estabelecer
o programa de acompanhamento de novos compromissos entre as partes.
egressos, e a FASE, ex-Febem, cha-
ma de Círculos de Compromisso)”. Finalizado o pós-círculo ou transcorridos
90 dias do início do procedimento de Jus-
É importante ressaltar que os atores pro- tiça Restaurativa, o coordenador da Cen-
tagonistas da persecução penal (Ministé- tral deverá encaminhar relatório à autori-
rio Público, Advogados, Defensores) po- dade que encaminhou o conflito para que
dem participar do círculo e são acolhidos dê os encaminhamentos cabíveis ao caso.
como qualquer outro participante, sem
considerar o exercício de seus papéis ins- Conforme argumentado pelos atores
titucionais. O papel do juiz é também re- envolvidos na execução do Programa
levante, quer durante a triagem e encami- Caxias da Paz, uma boa prática é medi-
nhamento dos casos ao programa, quer da pelo grau de satisfação dos usuários
no acompanhamento após o encaminha- com a experiência de Justiça Restaura-
mento do caso à justiça restaurativa. As- tiva e com o estabelecido no termo de
sim, a justiça restaurativa, antes, durante acordo. Assim, a promoção de diálogo
ou depois do processo penal, visa pacifi- entre as partes é considerada medida de
car infrator, vítima e comunidade, e pode maior importância para avaliar o Progra-
ser um instrumento poderoso voltado ao ma mais do que indicadores de eficiência
consenso.
93
ou quantidade de acordos alcançados93.

93 Segundo o Coordenador do Programa: “(...) o resultado exitoso deve se medir pelo grau de satisfação das pes-

soas com a experiência de justiça. Eu já escrevi inclusive sobre isso dizendo que a gente tem discutido muito sobre

indicadores de eficiência e considerado pouco o grau de satisfação do usuário na relação com o sistema. Porque

é muito comum, a gente chega aqui, as pessoas sentam na frente dos juízes: ‘ah não, eu nunca vim no Fórum, eu

nunca tive que dar depoimento aqui, eu não gosto disso, isso é horrível’. Por quê? Porque a experiência é negativa.

Então, o grau de satisfação do usuário, segundo indicadores que a gente tem conhecimento da literatura, é na faixa

de 15% que gostam da Justiça Criminal. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fez um levantamento na porta

do Fórum, assim, quer dizer, genérico, não só de Justiça Criminal, deu a faixa de 35% de satisfação positiva. E aí nós

fizemos uma avaliação com 380 casos de Justiça Restaurativa em Porto Alegre e ouvimos as vítimas, elas tiveram

95% de satisfação.”

107
Capacitação e supervisão dos facilitado- sos nas atividades do Caxias da Paz, os
res: novos cursos estão exigindo uma contra-
partida de horas de estágio prático.
Conforme citado anteriormente, a capa-
citação do Programa se baseia na meto- Não há reuniões de supervisão dos faci-
dologia da professora Kay Pranis, que foi litadores, embora exista uma proposta
a Caxias do Sul várias vezes capacitar a de realização de reuniões periódicas de
equipe do Programa: supervisão e trocas de experiência. Por
outro lado, os conflitos são planejados,
“nós trouxemos o pessoal do Cana- desenvolvidos e relatados por duplas de
dá, depois trouxemos a professora facilitadores, que variam de acordo com
Kay Pranis, que veio ao Brasil para a natureza do conflito, o que possibilita
aquele Programa, e aí além de Porto uma avaliação da prática.
Alegre ela atendeu Caxias, foi a ou-
tros... A primeira vez que ela veio ao Além disso, uma vez por semana são re-
Brasil foi a outros estados também, alizadas reuniões com os coordenadores
ela foi, na época, acho que a São das três Centrais e com o representante
Paulo e ao Maranhão.” (Coordenador dos voluntários para organizar os regis-
do Programa) tros das atividades dos Círculos de paz,
que são relatórios preenchidos pelos fa-
Outro professor que foi a Caxias do Sul cilitadores do caso e nos quais são iden-
no ano de 2013 capacitar os facilitadores tificados os participantes, a natureza do
do Programa foi o professor Jean Sch- conflito e há breve relato da prática res-
mitz, representante para a América Lati- taurativa realizada.
na do Instituto Internacional de Práticas
Restaurativas. O curso de formação do O Coordenador do Programa afirma que
professor Jean foi por meio de uma for- a capacitação em Caxias do Sul é apenas
mação intensiva de 40 horas-aula com uma das várias frentes de capacitação,
os facilitadores. que é feita no Brasil inteiro. O Coordena-
dor frisa que a capacitação em Caxias é
Uma das metas do Programa de Caxias é uma parte da história, que começou há
reformular o sistema de capacitação, de- dez anos no Núcleo de Justiça Restau-
vido ao fato de que apenas 15% das mais rativa da Associação dos Juízes do Rio
de 70 pessoas que participaram dos cur- Grande do Sul (AJURIS), pois a capaci-
sos oferecidos ainda estão envolvidos no tação é realizada em diversas cidades
Programa. Dentre os cursos oferecidos, brasileiras:
apenas um ocorreu mediante inscrições
pagas e os demais foram custeados pelo “(...) Isso aqui é um recorte, um pro-
Tribunal de Justiça do Estado do Rio duto dessa história, desses 10 anos.
Grande do Sul (TJRS) ou pela Secretaria Mas a partir da implantação do pi-
de Segurança Pública e Proteção Social loto no Rio Grande do Sul, em Porto
(SSPSP). Por conta da baixa permanên- Alegre, nós constituímos dentro da
cia dos participantes dos primeiros cur- AJURIS um Núcleo de Justiça Res-

108
taurativa que completa 10 anos.(...). Programa de Justiça Restaurativa de Ca-
Com o tempo a gente precisava for- xias do Sul, o principal fator de sucesso
mar as pessoas lá em Porto Alegre apontado foi o envolvimento de diversos
para fazer a prática. A gente come- órgãos do Poder Executivo e do Poder
çou a oferecer essas formações de Judiciário no desenho, implementação,
uma maneira aberta, dirigida aos financiamento e monitoramento da prá-
parceiros do projeto, com financia- tica. Outro elemento apontado consiste
mento dos parceiros nacionais das na consolidação de programa sólido que
agências da ONU. Depois se estrutu- conta com o apoio de órgãos da admi-
rou esses cursos e a gente começou nistração pública e de organizações da
a fazer algumas formações avulsas, sociedade civil, especialmente após sua
por demanda. Por exemplo, Lajeado institucionalização mediante a edição da
recebeu formação, Bento [Gonçal- Lei Municipal nº 7.754/2014:
ves] foi formado por nós. Esse ano
agora a gente fez em Belo Horizon- “A arquitetura institucional que está
te, fez no Paraná também. Isso gera sendo modelada em Caxias facilita-
desdobramentos. Por exemplo, do rá a difusão da Justiça Restaurativa
Paraná a gente já teve uma visita, também em outras Comarcas, pois a
veio uma Comitiva de 12 juízes do experiência caxiense parte da defini-
Paraná aqui para conhecer o que a ção de um espaço institucional onde
gente está fazendo, e que já estão a Justiça Restaurativa pode ser insta-
propondo desdobramentos lá. Nis- lada no Poder Judiciário. Essa contri-
so talvez você possa identificar que buição pode ser favorecida também
a nossa ideia é gerar um movimento por oferecer alguns padrões de pro-
de base. Embora a gente se articu- cedimentos, já testados, sistematiza-
le com a cúpula de vez em quando dos e prontos para serem multiplica-
para dar um fôlego, um impulso.” dos. A inclusão das práticas restau-
(Coordenador do Programa) rativas no menu de atendimento do
CEJUSC, aliás, é um modelo organi-
O diferencial do Programa: zacional que vem sendo referendado
pelo Tribunal do Rio Grande do Sul,
Quando questionados sobre o diferencial e sua difusão já começou, como é o
do Programa de Justiça Restaurativa de caso de Pelotas, onde a Justiça Res-
Caxias do Sul os entrevistados seguiram taurativa foi introduzida na Comarca
duas principais vertentes de resposta: o via CEJUSC, e em Porto Alegre, onde
diferencial do Programa Caxias da Paz e o Tribunal estuda um plano para que
o diferencial da metodologia da Justiça a Central de Práticas Restaurativas
Restaurativa. do Juizado da Infância e da Juven-
tude seja absorvida pelo CEJUSC do
No que diz respeito ao diferencial do Foro da Capital.”94

94 BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um ano de implementa-

ção da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014, p. 37.

109
A transinstitucionalidade e a institucio- continuidade a essa política pública, em
nalização foram apontadas como con- virtude de lei:
quistas da gestão realizada pelo juiz
coordenador do Programa e do finan- “O diferencial do Programa é porque
ciamento realizado pela Secretaria de essa Lei Municipal, que é a 7.754, de
Segurança Pública e Proteção Social. As- 29 de abril desse ano, transformou o
sim, embora o Programa tenha emergido Programa de Pacificação Restaurati-
por mérito individual dos envolvidos no va em uma política de governo, uma
desenho e implementação do Programa, política pública, melhor dizendo. En-
o seu diferencial aparenta residir na pos- tão essa política pública, independe
sibilidade de continuidade da prática in- da administração que estiver no go-
dependentemente dos atuais envolvidos verno, pois nós temos uma Lei Mu-
devido à sua recente institucionalização. nicipal que estabeleceu os conceitos
do Programa Municipal de Pacifica-
Quanto ao diferencial da metodologia da ção Restaurativa, a estrutura que nós
Justiça Restaurativa, o principal fator de temos ali, a estruturação do Progra-
sucesso apontado consiste na perspecti- ma é através de um Conselho Ges-
va diferenciada oferecida para o enfren- tor do Núcleo de Pacificação Res-
tamento da violência e do problema de taurativa, de um Comitê Executivo
acesso à justiça, consistente no empo- das Centrais, dos voluntários da paz.
deramento da sociedade na resolução Ficou bem definido na Lei Municipal,
de seus próprios problemas mediante a que instituiu o Programa, o que com-
adoção da cultura da paz95. pete a cada um dos atores, e, prin-
cipalmente, colocando a Secretaria
Nessa perspectiva, o impacto do Progra- de Segurança Pública e Proteção
ma Caxias da Paz apontado pelos entre- Social como referência no âmbito da
vistados reside em processo de mudan- administração municipal, para fazer
ça cultural no que diz espeito à resolução com que o Programa sempre esteja
de conflitos e à apropriação espontânea se aperfeiçoando, porque a Justiça
da metodologia da Justiça Restaurativa, Restaurativa, da maneira como foi
que resultam em redução de violência colocada, tem muito a evoluir ainda,
sistêmica e na criação de espaços segu- nada foi dado como concluído, como
ros para pessoas poderem discutir con- trabalho terminado. Mas o básico, o
flitos de maneira autocompositiva. fundamental, foi colocado na lei que
institui o Programa, e, no futuro, nós
Para o Secretário de Segurança Pública teremos muitos aperfeiçoamentos
do Município, a criação da Lei munici- que surgirão em razão disso.” (Se-
pal de pacificação restaurativa pode ser cretário de Segurança Pública do
considerada como um diferencial, pois Município de Caxias do Sul/RS).
cria uma política pública de resolução
de conflitos no âmbito do município, de Por fim, o Coordenador do Programa en-
modo que independentemente de quem tende que o diferencial do Programa re-
esteja no governo, será necessário dar side no fato de o Programa ter e adotar

110
uma compreensão sistêmica do confli- como uma habilidade social, não
to, atuando em várias ramificações, por como uma oferta de serviços.” (Co-
meio de abordagens distintas. Nas pala- ordenador do Programa)
vras do Coordenador:
Acessibilidade e equilíbrio de poderes:
“Eu acho que o grande diferencial é
uma compreensão sistêmica. Uma Durante o procedimento de Justiça
compreensão sistêmica e integrado- Restaurativa as partes raramente estão
ra. Mas, acho que antes disso, isso já acompanhadas de advogados, mesmo
é uma questão de meio, eu acho que nos conflitos recebidos pela Central Ju-
o diferencial está em um bordão que dicial, mas quando eles estão presentes
eu uso, que o problema do acesso à sua participação ocorre somente até a
Justiça ou da distribuição da pres- sessão de pré-circulo. Isso ocorre por-
tação judicial não é uma questão que, se o advogado desejar participar da
nem de estrutura nem de gestão, é sessão de Círculo, ele não poderá atuar
uma questão de concepção. Quer di- como representante de seu cliente e so-
zer, não adianta a gente aumentar a mente será autorizado a se pronunciar
oferta, não adianta qualificar os pro- quando estiver com o objeto da pala-
cedimentos se a gente mantiver um vra. Assim, não podendo representar seu
mesmo ponto de vista. E a Justiça cliente ou orientá-lo durante a sessão,
Restaurativa oferece uma mudan- tanto o advogado como o cliente ten-
ça substancial de ponto de vista, ou dem a não julgar necessária ou benéfica
seja, de concepção. Foi aquilo que sua presença no Círculo de paz95.
eu falei a princípio. Então, esse é um
ponto de partida importante, a gen- De todo modo, as partes são autorizadas
te parte dessa ideia de que muda a a solicitar uma pausa ou reagendamen-
concepção. E aí, dentro dessa visão to do Círculo para refletirem sobre seu
paradigmática, a compreensão sis- envolvimento na resolução do conflito
têmica, essa interface simultânea de ou para consultarem seus advogados ou
Poder Judiciário, Poder Executivo e defensores públicos.
sociedade civil em atuação integra-
da. Uma ideia de desjudicialização No que diz respeito a situações em que é
progressiva, ou seja, de construção possível haver desequilíbrio de poder en-
das habilidades auto compositivas tre as partes conflitantes, os facilitadores

95 Segundo Leoberto Brancher, “a ideia é que cada comunidade se aproprie do conhecimento e das habilidades

restaurativas, aplicando-os, a princípio, como ferramenta cotidiana de fortalecimento de vínculos e de harmoniza-

ção da convivência, até ir adquirindo maior autonomia na solução de conflitos de maior complexidade. O trabalho

visa não apenas evitar que as situações de conflito gerem processos judiciais, mas, principalmente, fortalecer as

comunidades”. BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um ano

de implementação da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014,

p. 45.

111
do Programa Caxias da Paz afirmaram • Pessoas de apoio: são chamadas para par-
que um pré-circulo bem conduzido pode ticipar do Círculo pessoas escolhidas por
acabar com tal situação porque consiste cada uma das partes e que lhe inspirem
no momento em que são explicados em segurança e confiança;
profundidade os princípios e metodolo-
gia da Justiça Restaurativa. Além disso, • Confidencialidade: o comprometimento
os facilitadores são instruídos a não re- assumido por todos os participantes do
alizar os Círculos de construção de paz Círculo, incluídos os facilitadores, de con-
enquanto todas as partes envolvidas não fidencialidade sobre o ocorrido no Círculo
estiverem confortáveis para participar de construção de paz colabora para que
do procedimento. os indivíduos efetivamente se comprome-
tam com seu bom desenvolvimento.
Na sessão do Círculo há ainda técnicas
específicas desenvolvidas para envolver V. 4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA
as partes na plena e satisfatória resolu-
ção do conflito e que buscam, entre ou- O Programa teve o acompanhamento
tros objetivos, estabelecer uma relação de uma pesquisadora, que produziu um
de confiança e igualdade entre os envol- relatório de acompanhamento do seu
vidos no Círculo (participantes e facilita- primeiro ano, conforme se verificará a
dores). Foram quatro as principais téc- seguir. O Programa também analisa o
nicas citadas pelos facilitadores do Pro- número de atendimentos, conforme re-
grama, capazes de reduzir a desigualda- latado no item que trata do seu desenho
de de poder entre os participantes do e funcionamento, de modo que se tem
Círculo de construção de paz: noção de quantos atendimentos e casos
são realizados, além de se saber quantas
• Perguntas empáticas: durante todo o de- pessoas foram atendidas. Além disso, a
senrolar do Círculo os facilitadores pro- Guarda Municipal conta com um acom-
põem perguntas capazes de estimular os panhamento diário e estatístico das
envolvidos a pensar em sua própria res- ocorrências, que ajudam a verificar em
ponsabilidade dentro do conflito; quais escolas se dão os atendimentos, e
ainda a planejar outros métodos de pre-
• Objeto da palavra: um objeto aleatório es- venção de conflitos nas escolas.
colhido pelo facilitador para indicar que a
pessoa que está em sua posse será a úni- Contudo, não há uma forma de avalia-
ca autorizada a se manifestar naquele mo- ção mais precisa do impacto do Progra-
mento, estando os demais participantes da ma, até porque, apesar de o Programa e
roda obrigados a escutar a fala de todos das práticas existirem há alguns anos no
os envolvidos no processo e proibidos de município de Caxias do Sul, aquele en-
se posicionar enquanto não estiverem na trou em funcionamento efetivo há pouco
posse do objeto; mais de um ano96.

96 Nos termos do Coordenador da Central Judicial: “Às vezes, o advogado pode participar. Só que quando a gente

112
A equipe de pesquisa deixou um survey tacada em várias respostas dos usuários.
completo para que os usuários respon-
dessem após os Círculos. Somente a Cen- A grande maioria dos respondentes tam-
tral de Práticas Restaurativas da Infância bém declarou que procuraria o progra-
e da Juventude encaminhou as respostas ma para tentar resolver outros conflitos,
para os pesquisadores. Após o preenchi- do mesmo modo que indicaria o progra-
mento pelos usuários, percebeu-se que ma para outras pessoas.
quase a totalidade dos procedimentos
resultou em acordo total ou parcial. Em i. ANÁLISE DA PESQUISA DE
alguns poucos casos, os usuários decla- ACOMPANHAMENTO DO
raram que não tiveram a oportunidade PROGRAMA:
de se manifestar. Isso pode ter uma forte
relação com a sistemática dos círculos e A pesquisadora Ana Caroline Monteza-
com o objeto da palavra, que fazem com no Gonsales Jardim produziu um rela-
que todos envolvidos no conflito possam tório de acompanhamento do Programa
se expressar. Caxias da Paz. O acompanhamento da
pesquisadora foi feito desde a reunião
A oportunidade de se expressar é um de planejamento geral do projeto, em
dos fatores que os usuários apontam dezembro de 2012, até outubro de 2013.
como importantes para que os usuá- O objetivo da pesquisa era “investigar
rios se sentissem confortáveis durante quais as repercussões da aplicação de
o procedimento. Muitos ressaltaram que princípios e referenciais teórico-metodo-
se sentiram confortáveis durante o pro- lógicos da Justiça Restaurativa no muni-
cedimento pelo fato de que consegui- cípio de Caxias do Sul, com vistas a sub-
ram expressar o que sentiam, enquanto sidiar o aprimoramento destas iniciativas
que outros declararam que se sentiram enquanto política pública de pacificação
confortáveis pelo fato de que não foram social”97.
obrigados a falar. Da mesma forma, a
possibilidade de ouvir as outras partes Após a análise dos dados, a pesquisado-
envolvidas no conflito também foi des- ra concluiu que o Programa obteve resul-

faz, geralmente o advogado participa até o pré-círculo, quando a gente explica o que é que vai acontecer, como é

que funciona o advogado entende que não precisa participar, e talvez ele nem se sinta à vontade para isso. Então

até hoje nenhum advogado participou do encontro, justamente por isso, porque ele entende, e as partes entendem

e ficam seguras de que não precisam dele.”

97 Tal fato é explicado pela Coordenadora da Central Comunitária, mas com uma percepção de que já estão acon-

tecendo mudanças na sociedade: “Nós estamos no primeiro ano, então eu acho que é um pouco cedo para a gente

já estar fazendo, medindo isso enquanto mudança. Mas eu acredito que já exista, e que já existam muitas situações

que não foram, muitas crianças que deixaram de ser abrigadas em função dos Círculos, muitos vizinhos que voltaram

a conviver pacificamente a partir do Círculo. Porque às vezes as pessoas se desentendem por coisas que são bem

banais. É judicializada uma situação do vizinho porque o cano do esgoto está indo no pátio de outro. Eles vão lá brigar

judicialmente, enfim, e vai ser determinada uma medida, mas eles vão voltar e vão continuar morando, vizinhando,

todo mundo. Então quando se consegue resgatar esse vínculo aí eu acho que é por aí que a mudança acontece.”

113
tados significativos, tanto na dimensão poderiam ser melhorados: (i) aumento e
quantitativa, tendo em vista que aten- coordenação da equipe de facilitadores
deu 2.162 pessoas no período estudado, servidores públicos e voluntários, e (ii)
quanto no aspecto qualitativo, pois ob- maior consolidação do Programa.
teve resultados concretos e simbólicos
de transformação do paradigma da con- Embora o Programa esteja constante-
flitualidade e da violência98. mente buscando aumentar a quantidade
de facilitadores, todos os entrevistados
Outros dois fatores foram levantados na sentem que para o bom funcionamento
conclusão da pesquisa. O primeiro foi o das Centrais e para a plena difusão das
de que o Programa alcançou a multidi- práticas restaurativas na comunidade de
mensionalidade da conflitualidade so- Caxias do Sul seria necessário aumentar
cial, pois atuou de forma diversificada na a quantidade de facilitadores capacita-
tentativa de resolver conflitos por meio dos, sejam eles servidores públicos ou
da Justiça Restaurativa. O outro fator voluntários, conforme se verifica na fala
ressaltado na pesquisa foi o do “desen- do Coordenador do Programa:
volvimento de práticas de justiça e prá-
ticas institucionais e sociais baseadas “Ainda temos que aumentar (aumen-
em relações horizontais”99, afirmando-se tar não, porque não tivemos muito
que o Programa considera e valoriza as ainda) a oferta de capacitações, ter
vozes de todos os envolvidos nos confli- uma oferta sistemática de capaci-
tos, de modo que todos participam das tações, e promover uma interação
decisões que se referem às suas vidas. mais sistemática entre as equipes
envolvidas e arregimentar potenciais
ii. PERCEPÇÕES SOBRE O QUE voluntários. Arregimentar e treinar
PODERIA MELHORAR NO potenciais voluntários.”
PROGRAMA:
Conforme apontado por coordenadores
Pela entrevista realizada com o Coorde- de Centrais de Pacificação restaurativa,
nador do Programa, os coordenadores a demanda de resolução de situações
das três Centrais de Pacificação Restau- ou conflitos pela Justiça Restaurativa é
rativa, os facilitadores e os funcionários muito alta para a quantidade de facilita-
do Programa de Justiça Restaurativa de dores cadastrados, servidores públicos
Caxias do Sul – Caxias da Paz, foi possível ou voluntários. Idealmente, um facilita-
identificar dois principais aspectos que dor que dedique cerca de 20 horas por

98 JARDIM, Ana Caroline Montezano Gonsales. Relatório de monitoramento: A Introdução da Justiça Restaurativa

em Caxias do Sul. BRANCHER, Leoberto (Coord.). In A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um

ano de implementação da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul,

2014, p. 92.

99 Ibidem, p. 107.

114
semana ao Programa, como ocorre com do que oito casos por facilitador ao
os facilitadores servidores públicos, seria mesmo tempo, porque envolve pré-
08 o número máximo de casos que de- -círculo, Círculo, o pós-círculo, liga-
veria ser assumido ao mesmo tempo. To- ções, um monte de relatórios, etc.
davia, devido à pequena quantidade de Então, mais do que isso começa a
facilitadores vinculados a cada uma das acumular. Esse seria o ideal, mas
três Centrais do Programa, esse máximo estamos sempre muito além desse
ideal está superado, conforme se verifica ideal. As outras Varas também co-
nas falas dos coordenadores das Cen- meçam a encaminhar bastante ca-
trais de Pacificação Restaurativa Judicial sos para nós e começam a entender
e da Infância e Juventude: o que fazemos, o que gera uma de-
manda e temos dificuldade de aten-
“De acordo com a avaliação da co- der, pela falta de pessoal. Então, não
ordenadora [da Central da Infância se tem um número X de encaminha-
e da Juventude], a atuação de mais mentos. Por exemplo, quando o juiz
pessoas como facilitadoras de Círcu- coordenador está em uma audiência
los de Construção de Paz é neces- e entende que a situação vai ser me-
sária. Para ela, a ocorrência de casos lhor resolvida com um diálogo entre
de conflito em ambiente escolar em as partes, ele nos chama e alguém
Caxias do Sul é muito grande. “Nós que estiver disponível vem e parti-
ainda não divulgamos muito para a cipa da audiência, toma ciência do
cidade o nosso trabalho e já esta- caso, já sai da sala de audiências e
mos com uma demanda altíssima. vai para a sala de Círculos. Teve dias
Existe muita violência e uma grande que fomos chamados em duas, três
dificuldade de relacionamento entre audiências no mesmo dia. Só que um
as pessoas... o diálogo está faltando caso novo vai demandar umas quin-
muito no ambiente escolar e princi- ze, vinte horas para ser trabalhado,
palmente nas famílias”, constata. Ela entre os Círculos, pré-círculos, pós-
acredita que principalmente líderes -círculos e relatórios, etc. Ou seja, a
de comunidade podem ser facilita- gente não teria como atender mais
dores.”100 que dois casos por semana. É uma
média, tem casos com os quais esta-
“Na prática, a gente tem uma fa- mos trabalhando há dois anos.”
cilitadora que trabalha 33 horas e
eu estou me dividindo entre essas As consequências apontadas para esse
duas coisas [facilitação e coordena- problema são a possibilidade de se pre-
ção]. Então, temos uma capacidade judicar a qualidade do trabalho realizado
de atendimento pequena. O que eu nos Círculos e a redução da quantidade
imagino, isso é uma suposição, (...) é de casos que poderiam ser solucionados
que o ideal seria que não fosse mais por intermédio das práticas restaurati-
100

100 Ibidem, p. 107.

115
vas.Também foi apontado pelos entre- nicípio não, e a gente não tinha onde
vistados que seria necessário melhorar trabalhar, mas ainda assim teve que
a supervisão dos facilitadores, especial- pagar essas horas. Dentro do próprio
mente dos voluntários, que atuam me- projeto tem pessoas que são servi-
diante demanda e em horários flexíveis, dores cedidos e outras são contrata-
o que por vezes influencia no tempo da das. Ele foi moldando com o que se
resolução de alguns conflitos. tinha, foi feito o melhor possível, só
que ele gera algumas discrepâncias,
Além disso, foi indicada a necessidade inclusive de carga horária. (...) É bem
de promover uma interação mais siste- confuso. Tem que montar um que-
mática entre as equipes do Programa. A bra-cabeça da coisa, mas foi assim
título de exemplo, a transinstitucionali- que foi possível e é assim que esta-
dade produz algumas discrepâncias na mos fazendo acontecer; temos que
gestão de pessoal, que merece melhor ter criatividade para fazer dar certo.”
equacionamento, como a carga horária
dos funcionários da Central Judicial, que Os demais aspectos que podem ser
são contratados pela prefeitura e traba- modificados no Programa estão rela-
lham no fórum, que é gerido pelo gover- cionados à sua recente implementação.
no do Estado. A respeito disso se mani- Segundo os entrevistados, para conse-
festou o coordenador da Central Judicial cução dos objetivos do Programa - en-
de Pacificação Restaurativa: tre eles a difusão da política de paz e a
consequente redução dos índices de vio-
“(...) é uma coisa muito louca porque lência - seria necessário amplia-lo ainda
nós somos funcionários da Prefeitu- mais, com a instauração de novas Cen-
ra trabalhando dentro do serviço do trais, a capacitação de mais facilitadores
Estado. Por exemplo, nós não temos e o aumento na promoção de Círculos
crachá, não somos funcionários do de vivência e diálogo junto à comunida-
Fórum, e para entrar no Fórum hoje de. Sobre esse respeito se manifestou o
teria que ter crachá e nós não temos. Coordenador da Central Judicial:
Então o pessoal nos conhece, mas
volta e meia entra alguém novo na “(...) a Central da comunidade vai
segurança e questiona. Mas apesar ser um sucesso e isso vai propiciar
de não termos o crachá, temos, por a abertura de outras Centrais Co-
exemplo, e-mails, logins do Tribunal munitárias. Temos outros espaços
para acessar o e-mail do TJ e coisas na cidade que são espaços de con-
assim. É uma coisa um pouco confu- vivência complexa, de violências e
sa, às vezes tem alguma incongruên- vulnerabilidades, que comportariam
cia entre o que é um feriado para o outras Centrais. Eu vejo que isso es-
estado e para o município e a gente tará mais amadurecido e será pen-
fica um pouco perdido com relação sado onde se deve estruturar essa
a isso. No final do ano passado teve Central: se é dentro de um CRAS
uma situação bem estressante, pois ou não, se tem de estar fora daque-
o Tribunal entrou em recesso e o mu- le serviço, desvinculado dele. (...) Eu

116
assim: quando tu vais fazer um tra-
gostaria que a equipe da Central do balho com uma família, começam a
Fórum fosse maior. Eu sei que da- aparecer não só as fragilidades, mas
qui a cinco anos nós teremos salas questões ilegais. O que o facilitador
adequadas, nós teremos um espaço tem como parâmetro ético? Ele não
físico bem estruturado. Já está tudo tem nada, porque isso não é uma
no projeto, assim que ficar pronto, o profissão, isso não está estabelecido
prédio novo vai ser reformado e nós em lugar nenhum, isso não foi cons-
vamos ter um andar para nós, todo truído por ninguém.”
estruturado. Com essa estruturação
poderemos ter mais pessoas traba- iii. PERCEPÇÕES SOBRE O FUTURO
lhando ao mesmo tempo. Hoje nós DO PROGRAMA:
temos só uma sala de Círculo e, mes-
mo que tivéssemos um monte de fa- Quando questionados sobre a perspec-
cilitadores, não teríamos onde fazer tiva do Programa de Justiça Restaurati-
os encontros. Eu imagino que talvez va de Caxias do Sul – Caxias da Paz nos
a Central de Infância e Juventude ve- próximos cinco anos, todos os entrevis-
nha a ser mais de uma e que ela seja tados apontaram que, tendo em vista a
mais acessível e mais reconhecida conquista da institucionalização do Pro-
pelo serviço da rede.” grama101 e a ampla aderência da comuni-
dade às práticas restaurativas, ele certa-
Além disso, um esforço que está sendo mente estará mais consolidado e alcan-
realizado pela Coordenadoria Executi- çará ainda mais pessoas e comunidades.
va do Programa, mas que foi apontado
pelos entrevistados como possibilidade Para a coordenadora e para os facilita-
de melhora no programa foi o estabele- dores da Central Comunitária entrevista-
cimento de regramentos específicos e dos, deverá haver expansão do alcance
claros a respeito das seguintes questões: do Programa com a consequente instau-
(i) parâmetros éticos com relação ao tra- ração de novas Centrais Comunitárias
balho do facilitador, (ii) critérios para in- em outros bairros de Caxias do Sul.
dicação de facilitadores e (iii) fixação de
quantidade máxima de Círculos que po- Já para a coordenadora e para as facilita-
dem ser assumidos por cada facilitador doras da Central de Infância e Juventude
ao mesmo tempo, conforme se verifica entrevistadas, o Programa deverá expan-
exemplificativamente por fala de facilita- dir a disseminação das práticas restau-
dores do Programa: rativas, especialmente junto às escolas
e universidades da cidade. Acredita-se
“Falta estabelecer alguns parâme- que Justiça Restaurativa deva ser incluí-
tros éticos com relação a esse tra- da na grade extracurricular universitária
balho porque acaba acontecendo e que todas as escolas possam ter cen-

101 BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um ano de implementa-

ção da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014, p. 46.

117
tros de prática restaurativa: to ou que possuem problemas em
casa, ou com vizinhos, ou com algu-
“Como a Central está localizada den- ma outra coisa e leva isso para den-
tro da Universidade de Caxias do Sul, tro das suas empresas. Então num
o desejo da equipe é desenvolver um futuro bem próximo a gente já pode
intercâmbio sólido com os alunos da começar. Nós temos a ideia de esten-
UCS, do curso de Direito e de outras der o Programa, mas eu não sei se vai
áreas do conhecimento”102 ser uma Central na área da indústria
ou se será uma continuação de uma
“(...) fazer disseminação das práticas Central já existente (...). Quanto mais
restaurativas nos diferentes espaços: pudermos diminuir esse foco de atri-
nas escolas, nas unidades básicas, tos, menor vai ser o custo social, me-
nesses serviços de convivência, en- nor vai ser o custo judicial, o prisional,
fim, que a gente conseguisse multi- seja lá o que for.” (Fundação Caxias)
plicar a filosofia da Justiça Restau-
rativa. (...) que se tenha isso nas fa- “(...) Nós vamos falar em quatro inter-
culdades, essa possibilidade de ter faces no campo do Executivo: Segu-
realmente esse diferencial teórico na rança, Educação, Assistência e Saúde.
formação. (...) Nas diferentes forma- Isso está sistematizado. Nossa visão é
ções o tema Justiça Restaurativa te- de cinco políticas relacionadas: Justi-
ria que estar incluído.” ça, Segurança, Assistência, Educação
e Saúde. (...) Nesses três campos, da
Finalmente, a Fundação Caxias e o Juiz Assistência Social, Educação e Segu-
Coordenador apontaram que novos pro- rança já temos trabalhos mais estru-
gramas estão sendo desenvolvidos em turados. A Saúde é uma zona de con-
outros núcleos sociais, como nas Unida- tato que estamos recém trabalhando.
des Básicas de Atendimento (UBS) e em Tem aplicações isoladas de casos
empresas privadas: com interface de Saúde. Já há um
programa mais elaborado com essa
“(...) As empresas sofrem muito hoje parceria, mas estamos iniciando isso
com esses problemas. Problemas de agora.” (Coordenador do Programa)
empregados com mau relacionamen-

102 Um dos desafios do Programa é contar com mais apoio da comunidade e dos atores do sistema de justiça: “(...)

o desafio dessa Central é conquistar mais espaço dentro do Sistema Tradicional de Justiça. O apoio da comunidade

também é fator importante, já que os Círculos Restaurativos podem ser muito úteis para resolver situações conflitu-

osas de uma forma mais criativa, com a participação de todos os envolvidos. Além disso, o processo contribui para

eliminar despesas públicas.” BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaura-

tiva. Um ano de implementação da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias

do Sul, 2014, p. 38.

118
VI. O QUARTO ESTUDO DE CASO – REGIÃO
CENTRO-OESTE
VI. 1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO Especificamente em relação à escolha
DO NUCLEO PERMANENTE por estudar o NUPEMEC, ela reflete a
DE METODOS CONSENSUAIS preocupação em verificar práticas de-
DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS senvolvidas após a edição da resolução,
DO MATO GROSSO DO SUL de modo a identificar como esse norma-
(NUPEMEC-MS) tivo está sendo interpretado e colocado
em prática segundo as peculiaridades
Após o mapeamento de experiências locais.
dos atores de Justiça que se utilizam da
mediação na região Centro - Oeste, fo- Além disso, o NUPEMEC – MS difere do
ram escolhidos como casos para serem CEJUSC Jundiaí porque sua coordena-
estudados o Núcleo Permanente de Mé- ção é atribuída a órgão colegiado com-
todos Consensuais de Solução de Con- posto por membros do TJMS. A centra-
flitos do Mato Grosso do Sul (NUPEMEC lização do programa no Tribunal tem
- MS) e o Posto Avançado de Conciliação potencializado a capacidade de divulga-
Extraprocessual da Câmara de Mediação ção e conscientização dos membros da
e Arbitragem da Associação Comercial e magistratura a respeito de práticas auto-
Industrial de Campo Grande (CBMAE / compositivas de solução de conflitos e
PACE)103. viabilizado uma expansão planejada do
programa dentro do Estado.
Os dois casos são desenvolvidos em
Campo Grande e estão relacionados à VI. 2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
mediação e à conciliação no Judiciário: PROGRAMA
são iniciativas desenvolvidas com vistas
a dar cumprimento ao determinado na O Núcleo Permanente de Métodos Con-
Resolução nº 125/10 do Conselho Nacio- sensuais de Solução de Conflitos (NUPE-
nal de Justiça. Assim, tal como a escolha MEC) do Mato Grosso do Sul foi criado
por estudar o CEJUSC de Jundiaí, o es- por meio do Provimento nº 230, de 30
tudo desses casos se deve ao fato serem de março de 2011 e teve como objetivo a
representativos do movimento de conso- regulamentação da Resolução nº 125, de
lidação da política judiciária nacional de novembro de 2010 do Conselho Nacio-
tratamento adequado dos conflitos de nal de Justiça (CNJ)104.
interesses no âmbito do Poder Judiciário.

103 BRANCHER, Leoberto (Coord.). A paz que nasce de uma nova justiça: a paz restaurativa. Um ano de implemen-

tação da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2014, p. 46.

104 A escolha e descrição do CBMAE será realizada a partir do iten VI.5 do relatório.

119
Segundo consta do referido Provimento, utilizados, (v) manter cadastro a respeito
o NUPEMEC deve ser composto por um dos mediadores e conciliadores atuantes
Desembargador que exercerá a função nos CEJUSCs.
de coordenador e pelos Diretores-Gerais
da Escola Judicial de Mato Grosso do Sul Após a edição do provimento e constitui-
– EJUD e da Secretaria do Tribunal de ção do Núcleo em 2011, o primeiro passo
Justiça, pelo Diretor da Secretaria Judi- empreendido consistiu na realização de
ciária, por um Juiz Auxiliar da Presidên- cursos de capacitação de mediadores.
cia do Tribunal de Justiça, por um repre- Em seguida, no início de 2012, foi instau-
sentante do Conselho de Supervisão dos rado o primeiro Centro do NUPEMEC no
Juizados Cíveis e Criminais e pelo Juiz prédio do TJMS e, em 2013, foram instau-
Coordenador dos mutirões de concilia- rados mais dois Centros em ambientes
ção em Campo Grande. cedidos pelas universidades Anhanguera
e Estácio de Sá de Campo Grande.
Na prática, todavia, o Núcleo é coorde-
nado pelo Desembargador Coordenador O TJMS é o principal ator envolvido na
e administrado por funcionários do Tri- implantação, gestão e difusão do pro-
bunal, conforme explica a coordenadora grama. Além de a coordenação estraté-
administrativa: gica ser realizada por desembargador
do Tribunal, todos os funcionários, sis-
tema operacional e recursos financeiros
“Quem coordena, aqui, na prática, é do programa são provenientes do TJMS.
o desembargador. Ele é o chefe res- Conforme relata a coordenadora admi-
ponsável pelo NUPEMEC. O NUPE- nistrativa do Núcleo, o TJMS também
MEC não conseguiu uma estrutura. tem sido responsável pela promoção de
(...) A única coisa que ele deram foi cursos de capacitação de mediadores e
o meu cargo, que é uma assessoria pelo estabelecimento de parcerias com
técnica especializada, e uma coorde- outros atores privados ou do sistema de
nadoria.” justiça:

A função do Núcleo consiste, entre ou- “O Tribunal de Justiça ele é catali-


tros, em (i) desenvolver a Política Judi- sador, certo? Sai dele a iniciativa de
ciária de tratamento adequado dos con- fazer parcerias e de envolvimento
flitos de interesses, (ii) planejar, imple- da sociedade. Nós entramos como
mentar, manter e aperfeiçoar as ações agente catalisador, divulgador e fo-
destinadas à consecução da política e mentador do procedimento da me-
suas metas, (iii) instalar Centros Judiciá- diação. E estamos fechando parce-
rios de Solução de Conflitos e Cidadania rias. Então nessa entram as entida-
(CEJUSC), (iv) promover capacitação, des privadas das universidades, por-
treinamento e atualização permanente que o MEC ele já está trazendo uma
de magistrados, servidores, conciliado- certa recomendação de colocar na
res e mediadores a respeito dos méto- grade curricular das universidades
dos consensuais de solução de conflitos de Direito a matéria da mediação.

120
(...) Então a gente fecha um convê- Segundo os atores envolvidos no desen-
nio, o Tribunal dá estrutura de pesso- volvimento do programa, a vinculação
al, capacitação dos mediadores e o de programa de mediação ao Poder Ju-
sistema informatizado.” diciário lhe confere maior credibilidade e
publicidade perante a comunidade. Além
Atualmente o NUPEMEC possui parce- disso, também apontam que o judiciário
ria com a Defensoria Pública Estadual possui aparato e recursos próprios que
e com as universidades Anhanguera e viabilizam a implantação e continuidade
Estácio de Sá. Há também parceria com do programa.
o Posto Avançado de Conciliação Extra-
processual da Associação Comercial de Finalmente, foi possível denotar que a
Campo Grande (PACE) da Câmara de centralização da implantação e expan-
Mediação e Arbitragem de Campo Gran- são do NUPEMEC no Tribunal de Justiça
de (CBMAE), que será objeto apartado e não em magistrado de primeira ins-
de estudo nesse relatório. tância colaborou para uma maior e mais
rápida conscientização dos magistrados
A Defensoria Pública participa do pro- Sul Mato Grossenses a respeito da me-
grama por intermédio do envolvimento diação, está viabilizando uma expansão
de defensores em sessões de mediação uniforme do programa e torna mais fácil
nas quais apenas uma das partes compa- a captação de recursos.
rece assessorada por advogado. Há tam-
bém a previsão de criação no início de VI. 3. O DESENHO E
2015 de Centro pré-processual do NUPE- FUNCIONAMENTO DO
MEC na sede da Defensoria Pública, que PROGRAMA
contará com mediadores defensores105.
Público-alvo, estrutura e objetivos
Já a parceria do programa com as uni-
versidades Anhanguera e Estácio de Sá O público-alvo do NUPEMEC é toda a
consiste no fornecimento por elas de população do Estado do Mato Grosso do
espaço físico e recursos materiais, além Sul, mas, devido à localização dos Cen-
de ser fomentada a participação de seus tros do programa, atualmente seu al-
professores e alunos no programa como cance se restringe essencialmente à po-
mediadores voluntários106. pulação de Campo Grande. Com vistas

105 Nesse sentido se manifestou mediadora do programa: “(...) Veio a determinação do Conselho Nacional de Jus-

tiça para implementar o Núcleo, foi nomeado um diretor para ele, e a partir de então ele começou, passo a passo.

(...) A ideia da criação do Núcleo veio do CNJ, em todo Brasil foi assim.”

106 Conforme informações prestadas pela coordenadora administrativa do programa, os defensores que realizarem

o atendimento do caso serão diferentes dos defensores que atuarão como mediadores nesses mesmos casos que,

por sua vez, também não representarão a parte caso seja necessário o ajuizamento de uma ação judicial.

121
à expansão do alcance do programa e dando para a gente, então já tem na
para cumprir com o determinado na Re- nossa fila uns 2 ou 3 processos que
solução nº 125/2010, há previsão de em vai ser conciliação. Embora não te-
2015 serem implantados novos Centros nha uma separação muito certinha.
nas comarcas de Dourados e Três Lago- O que é que o CNJ traz, a doutrina
as. Nesse sentido se manifestou a Coor- traz? Que a mediação é para aqueles
denadora Administrativa do Núcleo: casos nos quais existe relacionamen-
to continuado. E a conciliação? Nun-
“Temos obrigatoriedade de expandir. ca te vi, bati no teu carro, nunca vou
Pela Resolução do CNJ nós já deve- te ver e eu venho e concilio. Mas na
ríamos estar nas principais comarcas prática o CNJ não quer que se sepa-
do estado. Mas é que aquele aspec- re muito isso.”
to que [o desembargador coorde-
nador] falou, ele primeiro quer con- Os três Centros do NUPEMEC são geri-
solidar bem Campo Grande. Como dos pelo Desembargador Coordenador e
nunca ninguém ensinou como fazer, pela Diretoria Administrativa, e são com-
como montar um Centro, nós qui- postos por funcionários cedidos pelo
semos primeiro ter Campo Grande Tribunal e por mediadores voluntários. A
como um projeto piloto. Bem, saber respeito da estrutura similar adotada nos
todas as rotinas, todas as dificulda- três Centros do Núcleo a Coordenadora
des e facilidades, para poder levar Administrativa se manifestou:
depois para o interior. Mas tem inten-
ção sim, do ano que vem ir para pelo “Hoje na Anhanguera nós temos um
menos duas comarcas.” Centro no qual há quatro servidores
nossos do Tribunal de Justiça, que
Os mecanismos de solução de conflito estão lá dentro, é como se montasse
atualmente utilizados no NUPEMEC são lá dentro um Centro igual esse aqui,
a mediação e a conciliação107, e os con- um cartório com salas de mediações,
flitos a ele submetidos envolvem ques- toda a estrutura que nós temos aqui.
tões familiares ou cíveis. De todo modo, A gente recepciona os processos
segundo relata a Diretora Administrati- eventualmente vindos dos juízes, fa-
va do Núcleo, a agenda dos Centros do zemos convite para as partes, a mes-
NUPEMEC se preocupa essencialmente ma coisa que funciona aqui funciona
com mediação de conflitos de família: na lá na Anhanguera e na Estácio de
Sá: a mesma estrutura, o mesmo tra-
“Por enquanto está sendo só media- balho.”
ção, mas estão vindo casos das varas
cíveis residuais. Já tem juízes man- Os funcionários dos Centros são cedidos

107 Nesse sentido se manifestou a coordenadora administrativa do Núcleo: “Os alunos eles fazem o nosso curso e

vão atuar como mediadores, juntamente com os professores. É mais uma forma da gente divulgar essa nova forma,

não é? De solução de conflitos.”

122
pelo Tribunal para atuação exclusiva no ção e da mediação pelos órgãos jurisdi-
NUPEMEC. Eles são responsáveis por cionais com a consequente absorção es-
dar andamento aos procedimentos de pontânea desses métodos de solução de
mediação (agendamento, certificação, conflitos pela sociedade. Esse objetivo
acompanhamento, etc.) e a participar também pôde ser verificado na fala de
de sessões como mediadores. Em todas mediadora do programa:
as sessões de mediação há pelo menos
dois funcionários do Tribunal: um para “Desde a criação do Núcleo, a inten-
atuar como mediador e outro para docu- ção era trazer essa nova perspectiva
mentar o ocorrido na sessão. de resolução de conflito e desper-
tar nas pessoas, principalmente nos
Os mediadores voluntários são de for- magistrados, o conhecimento e o
mações diversas (advogado, professor interesse pela mediação, e expandir,
universitário, psicólogo, etc.) e dedicam aprimorar, não só a discussão, mas
em média um dia por semana à partici- também a prática da mediação. O
pação em sessões de mediação. Núcleo conseguiu, ao meu ver, fazer
cumprir esse papel de forma gradu-
Existe a previsão para a abertura de pelo al, nada às pressas, e conseguiu im-
menos mais três Centros em 2015: dois plementar, de uma forma tranquila e
Centros judiciais (em Dourados e Três positiva.”
Lagoas) e um pré-judicial (na Defensoria
Pública de Campo Grande). Nos novos Também foram apontados como objeti-
Centros judiciais a estrutura será similar vos do programa a implantação de mais
à dos três Centros atualmente em fun- Centros do NUPEMEC e o aumento no
cionamento. número de mediadores qualificados não
rotativos.
O Centro pré-judicial da Defensoria Pú-
blica também será coordenado pelo Nú- Triagem e agendamento
cleo, mas a triagem e a condução de ses-
sões de mediação serão realizadas por Como os três Centros do NUPEMEC atu-
funcionários da defensoria, cabendo ao almente em funcionamento são proces-
Tribunal disponibilizar um juiz responsá- suais, a triagem de conflitos é realizada
vel por homologar os acordos firmados. pelos magistrados, que encaminham
casos conforme necessidade. O encami-
Segundo o desembargador coordena- nhamento do processo é realizado por
dor do programa108, o objetivo princi- meio sistema E-SAJ e recebido pela Di-
pal do NUPEMEC consiste em propagar retoria Administrativa, que realiza filtro
paulatinamente as práticas da concilia- dos conflitos que poderão ser subme-

108

108 Há no Provimento nº 230/2010 do TJMS a previsão de utilização de outros métodos autocompositivos de solu-

ção de conflitos e os entrevistados declararam estar buscando incluir a justiça restaurativa ao programa.

123
tidos à mediação e os distribui aos três Conforme argumenta a Coordenadora
Centros. Todavia, conforme relata a Co- Administrativa do Núcleo, até o momen-
ordenadora Acadêmica, a triagem nem to os três Centros do Núcleo estão con-
sempre ocorreu dessa forma: seguindo absorver todos os processos
encaminhados pelos magistrados:
“Nós criamos dentro do SAJ uma fila,
chama fila de trabalho do Núcleo de “Se, por exemplo, não aconteceu ain-
Solução de Conflitos. Até o início da, mas vamos supor que os juízes
deste ano éramos nós que puxáva- mandem, mandem, mandem, man-
mos o processo, a gente entrava em dem... Então, a gente decidiu que
todas as iniciais que entravam dentro não quer morrer antes de nascer,
do Judiciário de Campo Grande, nas então, não tem lógica a gente virar
Varas de Família, estudávamos caso um juizado. Por exemplo, eu marcar
a caso e trazíamos para a mediação. mediação para daqui 4 meses? Não
Essa rotina se deu por dois anos, mas tem lógica. Então, é aquele negócio,
o que ocorre? Como a Resolução 125 o fluxo vai, a gente vai freando, vai
ela determina que os processos não vindo mais, a gente vai coordenan-
podem ser suspensos, eles têm que do, então, a pauta mais distante que
ter a tramitação normal. Na tramita- nós temos é para 15 dias, e nós esta-
ção uma das portas do Tribunal de mos fazendo, na média, por mês, nos
Justiça é a mediação. Estava haven- 3 centros, a gente está fazendo uma
do um retrabalho, porque quando média de 120 mediações mensais. Às
o processo vinha para a mediação, vezes menos...”
como ele é virtual ele pode ir para
várias filas diferentes. (...) Estava ha- O critério utilizado pela Diretoria Admi-
vendo um retrabalho: a gente trazia nistrativa do programa para identificar
o processo para a mediação e as se um conflito poderá ser submetido à
áreas não se comunicavam, acaba- mediação é o pleno gozo por ambas as
va acontecendo um estudo psicos- partes de capacidade de participar de
social, por exemplo, psicóloga ia lá sessão de mediação, conforme relata:
fazer o estudo, chegava lá e a parte
falava: ‘não, mas eu já fiz mediação, “A mediação não pode ser feita atra-
já fiz até acordo’. Tinha caso que o vés de intermediário. Por exemplo,
processo já tinha até arquivado. En- pessoas que não estão na posse
tão determinou-se, a partir desses de si mesmas, interditado, não vem
fatos, em janeiro, que os juízes iriam para mediação. A gente faz uma pré-
encaminhar os processos para a nos- -triagem, por exemplo, ele apresenta
sa fila. (...) Então isso que vem ocor- vícios, está internado em tratamento
rendo. Então a gente chega, olha a de dependência, ele não tem condi-
nossa fila, vê o que tem, e trazemos ções de estar na posse de si mesmo.
todos os casos. A gente não sele- Ele tem que estar bem para poder
ciona mais assim: ‘ah, esse caso não ser mediado. Tudo isso a gente sepa-
quero ou esse não posso’.” ra, tudo isso a gente olha. Por exem-

124
plo, teve um caso infelizmente aqui, ‘olha, tem tais e tais processos na
que até não consegui essa resposta, fila você aloca para vocês’. No outro
as duas partes eram surdas e mudas. eu faço a mesma coisa, aí eu verifi-
Aí perguntaram, vem para mediação co como é que está indo a agenda
ou não vem para a mediação? Aí eu deles.”
devolvi a pergunta, vem ou não vem
para a mediação? Quer dizer, eles Ademais, no momento da triagem dos
precisam de um terceiro para se co- casos, a Diretoria Administrativa consul-
municar porque nós não temos um ta o sistema E-SAJ para identificar se as
mediador na linguagem. Então certi- partes do processo estão envolvidas em
fiquei que eu não ia trazer. Aí não dá outras demandas. Se houver pluralida-
para mediar.” de de processos envolvendo as mesmas
partes, todos os pedidos formulados nas
Já a distribuição dos casos entre os Cen- distintas demandas são aglutinados com
tros leva em consideração a complexi- o escopo de tratar na sessão de media-
dade do conflito e a agenda do Centro. ção todo o conflito envolvendo essas
Os casos mais complexos tendem a ser partes. Esse procedimento foi explana-
encaminhados ao Centro do Tribunal, do pela Coordenadora Administrativa do
conforme relata a Coordenadora Admi- programa:
nistrativa do Tribunal:
“Como o processo é virtual ele vem
“Quando o juiz manda para mim eu para a mediação. Vamos supor, um
verifico os mediadores que eu tenho. casal que tem dois filhos e ela entra
Então aqui nós temos mediadores com pedido de guarda, o que ocor-
mais experientes em tratar com ad- re? Ela entra com a guarda em uma
vogados. Então eu faço a triagem Vara e entra com alimentos em ou-
assim, os casos mais complexos, que tra. Como é um sistema informatiza-
envolvem advogados, eu tenho tra- do, quando um desses dois proces-
zido tudo para o Tribunal, para esse sos vem para mim eu entro no siste-
centro que existe aqui dentro do Tri- ma e pesquiso tudo o que existe com
bunal, dentro do Núcleo. E aí eu di- relação àquelas partes, e trago tudo
vido entre os outros Centros aque- para nós. Já que nós vamos mediar
las questões mais, quer dizer, não e as partes são as mesmas, as crian-
existem questões tranquilas, não é? ças são as mesmas, a gente traz um
A gente, no papel acha que vai ser processo de guarda, a gente traz os
tranquilo, e na realidade se transfor- alimentos, a gente traz a execução
ma. Mas pela disponibilidade de me- ou a regulamentação de visita. Tudo
diadores mesmo, lá são menos me- o que existir no Judiciário com re-
diadores, aqui são mais mediadores lação àquelas partes eu consigo ter
que trabalham. Eles optam onde eles acesso. Então a gente traz o prin-
querem fazer a mediação, por loca- cipal que o juiz mandou e pedimos
lização, por afinidade, uma série de para os outros juízes encaminharem
fatores. Daí eu ligo no Centro e falo: para nós os filhotes. Porque ocorre

125
muito isso, o juiz, a Defensoria Públi- “A mediação tem que ser por ade-
ca, o próprio advogado, ele divide os são, então a parte tem que aceitar
pedidos. Então nós trazemos todos.” participar do procedimento. Então
nós optamos aqui por não expedir
Ainda não há critérios definidos para a carta convite, porque o poder de
realização da triagem no Centro pré- convencimento na fala pessoal ela
-processual que será implantado no iní- é muito mais eficaz. O que ocorre
cio de 2015 na Defensoria Pública, mas muitas vezes com carta, com AR, é
acredita-se que ela será realizada pelos que os Correios não têm o cuidado
próprios defensores públicos quando de entregar para a pessoa certa, e às
do seu atendimento ao público, confor- vezes esse convite nem chega para a
me se denota pela fala da Coordenadora pessoa. Então nós optamos por con-
Administrativa do Núcleo: vite por telefone, a gente liga para o
autor, porque sempre tem o telefone
“[A Defensoria] já deu, deu um es- do autor, a Defensoria Pública sem-
paço pequeno para o Cartório, mais pre põe o telefone do autor. Quando
duas salas de mediação e o básico é advogado particular nós ligamos
será aqui. Como ela faz atendimen- para o advogado e fazemos o con-
to ao público e é um atendimento vite a ele e ele verifica com o cliente
grande... por exemplo, eu peguei dele o interesse e nos retorna a liga-
um relatório deles do mês passado, ção: ‘olha, ela aceitou participar, va-
eles fizeram mais de dois mil atendi- mos participar’. ‘Então doutor, para
mentos, só Varas de Família! Então isso, eu precisaria do telefone da ou-
entraram com ações novas, deu qua- tra parte’. E assim a gente contata as
trocentos e, quase quinhentas ações duas partes. Quando as duas partes
novas no mês passado. Dessas ações estão representadas no processo a
novas a gente vai ver se pega pelo gente convida os dois advogados,
menos 10% para não entrar no Ju- pessoalmente. Nós não passamos
diciário. Então passa por eles e eles por cima do advogado para chegar à
já mandam lá para o Centro, para a parte, é sempre através do advoga-
gente fazer a mesma coisa que faz do e sempre tem dado certo.”
aqui.”
Caso uma ou ambas as partes se recu-
Distribuídos os casos, os funcionários sem a participar da sessão de media-
dos Centros são responsáveis por esta- ção, os funcionários do Centro devem
belecer contato telefônico com as partes elaborar certidão informando a recusa e
ou seus advogados, quando estes estive- anexar o documento ao processo. Caso
rem devidamente constituídos nos autos, aceitem participar, um dia antes da ses-
para indagar sobre a voluntariedade em são os funcionários dos Centros ligam
participar de mediação e para agendar novamente às partes para relembrá-las
a sessão. A Coordenadora Administrati- sobre a sessão, verificar se realmente
va do programa relata os motivos para comparecerão e se estarão acompanha-
o agendamento por contato telefônico: das por advogados.

126
As sessões de mediação Após esse momento ou se as partes es-
tiverem desacompanhadas de advoga-
As sessões de mediação são realizadas dos, a sessão é iniciada com a explicação
com a presença de dois mediadores, pelos mediadores acerca dos princípios
sendo um deles voluntário e o outro fun- e do procedimento da mediação. Em se-
cionário do Centro. A escolha dos me- guida, é aberto espaço às partes, uma de
diadores que irão atuar em cada sessão cada vez, para se manifestarem sobre os
é realizada pela Diretoria Administrativa motivos que as levaram a conflito.
e busca combinar diferentes perfis pro-
fissionais e adequá-los às características Conforme relata mediadora do progra-
do conflito mediado. Sobre esse respeito ma, o próximo passo consiste em esti-
se manifestou mediadora do programa: mular o diálogo entre as partes median-
te o emprego de técnicas aprendidas no
“Eu já fui chamada para mediações curso de capacitação, como a contextu-
um pouco mais complicadas, que os alização, o afago e a troca de papeis:
advogados de ambas as partes esta-
vam presentes, o processo já em se- “(...) Essa questão de imediato, que é
gundo grau aqui no Tribunal de Justi- contextualizar, que é a gente traduzir
ça, e demandava um pouco mais de, a história deles de uma forma mais
digamos assim, de fôlego. E o crité- amena, porque muitas vezes, quan-
rio que eu sei que eles utilizam aqui do eles vão relatar a história eles já
é colocar, logo que a pessoa conclui acusam, já culpam. Então a gente re-
o curso, ele vai lá como observador, contextualiza. A gente afaga, quando
faz algumas observações antes de existe um elogio a gente reforça. São
vir como co-mediador, para ele ter várias técnicas, a técnica do silêncio,
uma ideia, e ele já colocam mediado- porque nós temos que saber ouvir
res um pouco mais experientes, para aqui também. Das sessões individu-
que ele perceba e sinta como é que ais praticamente em 100% dos casos,
funciona.” da troca de papéis, para fazer com
que um se coloque no lugar do ou-
Além dos dois mediadores, também ha- tro, para ter a percepção, essa ques-
verá na sessão funcionário do Centro tão do enfoque prospectivo, que a
que será responsável por reduzir a termo gente sempre fala: olha, é daqui para
o ocorrido na sessão. a frente que vocês têm que analisar,
vocês têm que tentar enxergar. Essa
Quando as partes comparecem assesso- do enfoque prospectivo é excelente
radas por advogados, o primeiro passo e surte ótimos efeitos. E aquele tes-
da sessão de mediação consistirá em te de realidade, para a gente sentir,
conversa privativa com os patronos para como foi feito hoje, o teste de rea-
explicar sobre o procedimento da me- lidade. Às vezes a pessoa está ima-
diação e indagar se realmente desejam ginando um absurdo, algo que não
participar da sessão. pode, que jamais aconteceria, a gen-
te diz: olha, não é bem assim. E isso é

127
feito normalmente em sessões indi- ver que pode ter algum... É que as
viduais. Enfim, técnicas que são mui- vezes eles precisam de algum ajus-
to bem repassadas no curso e que a te, de alguma coisa que fica faltan-
gente com o tempo vai desenvolven- do. Por exemplo, tem casos que pre-
do uma leitura, um CNJ indica vários cisam de um tempinho para ver se
livros para a gente. Eu mesmo já li aquilo vai funcionar. As vezes eles
uns três mais ou menos, que nos dão ficam confusos e você não sabe se
ideias muito boas de como aplicar aquilo, se existe muito sentimento
essas técnicas.” no meio, se existe uma madrasta no
meio influenciando o pai, se aqui-
Em hipóteses nas quais as partes não es- lo vai funcionar, se existe uma certa
tejam se abrindo para o diálogo e para a rivalidade, se a gente não percebeu
construção de soluções, os mediadores se o cara está conversando muito, se
realizam sessões individuais com cada ele é malicioso, e das tarefas, e mar-
uma das partes. Em seguida, a sessão ca de novo.”
conjunta é retomada e haverá nova ten-
tativa de estabelecer diálogo entre as As sessões de mediação duram em mé-
partes e promover a construção de so- dia uma hora e meia, podendo ser re-
luções. marcadas até três vezes109. Encerrada a
sessão, o mediador principal será res-
Ao final da sessão serão três os possíveis ponsável por realizar breve relato sobre
resultados: a) alcance de acordo, b) au- a sessão de mediação, conforme relata a
sências de acordo, e c) reagendamento Coordenadora Administrativa do Núcleo:
da sessão de mediação. Nas duas primei-
ras hipóteses o resultado da sessão será “Apesar de sentar duas pessoas na
reduzido a termo e lançado no sistema mesa, tem uma em formação e uma
E-SAJ para que o magistrado possa dar já formada, então a gente sempre vai
o devido seguimento ao processo. misturando os profissionais. A pes-
soa que aquele dia estiver na media-
Se a sessão se estender demasiadamen- ção que é responsável por entregar
te ou se as partes assim desejarem, po- o relatório. E assim a gente vai inter-
derá ser agendada nova sessão e esta calando.”
decisão deverá ser comunicada ao ma-
gistrado pelo sistema E-SAJ. A respeito O programa pretende começar a reali-
da decisão tomada pelas partes em re- zar manutenção sistemática dos acordos
agendar a sessão, se manifestou media- firmados em sessão de mediação. Essa
dor do programa: manutenção consistiria em acompanha-
mento do cumprimento das obrigações
“Até umas três sessões, se a gente firmadas no termo de acordo e, caso se

109 Não foi concedida autorização para a gravação da entrevista realizada com o Desembargador Coordenador do

programa.

128
mostre necessário, na realização de no- e mudou a situação. O cara perdeu o
vas sessões de mediação para rediscutir emprego. Ele deixou de pagar porque
o acordo. ele perdeu o emprego. Então aquele
acordo original deveria ser modifica-
Embora a manutenção dos acordos ain- do, correto? Como não tinha um pré-
da não tenha sido institucionalizada, ela -processual, a orientação era que ele
é por vezes realizada em casos nos quais procurasse a Defensoria e refizesse,
as partes sentiram a necessidade de re- pedisse uma modificação para ser
discutir o acordo e voluntariamente pro- homologado novamente pelo juiz. O
curaram o Núcleo. Nesses casos foi reali- que me encanta agora? Que haven-
zado controle apartado das sessões rea- do esse pré-processual, principal-
lizadas e dos acordos firmados, uma vez mente na Defensoria, nós teremos a
que os processos são arquivados após a liberdade para rever esse acordo que
homologação do acordo pelo magistra- não está dando certo, que daí nós
do. teremos um juiz ali para homologar
novamente essa mudança. A vida é
A respeito da tentativa de implementar contínua, você sabe como funcio-
prática de manutenção dos acordos fir- na, então não é nada estático. (...)
mados em sessões de mediação ocor- E o pré-processual vem justamente
ridas nos Centros do NUPEMEC, se ma- atender essa necessidade. Eu espero
nifestou a Coordenadora Administrativa o ano que vem estar bem estrutu-
do programa: rada aqui e nos outros lugares com
gente ajudando realmente.”
“É esse trabalho [manutenção dos
acordos] que eu acho que deveria Para os envolvidos no programa, a me-
ser o nosso principal foco e nós não diação será considerada exitosa quando
estamos conseguindo. (...) As pesso- a solução do conflito for construída pe-
as tem certa confiança no nosso tra- las partes, conforme se verifica em fala
balho e elas mesmas ligam. Falam; de mediadora do programa:
‘olha, eu estive aí em uma mediação
tal mês e o pai nunca mais apare- “Mediação exitosa não é aquela que
ceu, ou deixou de pagar, ou atrasa, necessariamente resulta em um
ou aconteceu...’ Então a gente fala acordo, mas aquela em que a gente
assim: ‘você aceitaria voltar?’ ‘Sim’. nota que as partes compreenderam
Mas eu não tenho mais esse proces- a necessidade de se comunicarem,
so. Então, qual seria o nosso interes- de resolverem, solucionarem, ou ao
se? Nenhum. Eu tenho um controle menos refletirem sobre os próprios
separado. O juiz de origem nem fica problemas e assim tentarem uma so-
sabendo por que não há motivo para lução pacífica, uma solução que lhes
devolver essa informação, já não traga conforto para a vida, e não mo-
existe mais esse processo. Mas mes- mentâneo. É uma coisa que tem se-
mo assim a gente traz a família no- quência, é essa a mediação que eu
vamente. Vamos supor, chegava aqui acho que é o ideal.”

129
Supervisão e gestão das sessões de me- curso e com a preocupação em man-
diação ter os mediadores atuantes no Núcleo,
foi estabelecido como requisito para a
Dentro da estratégia de implantação e obtenção de certificado de conclusão
expansão do programa, a primeira ação do curso a participação em sessões de
empreendida pelo Núcleo consistiu em mediação como ouvintes, assistentes e
oferecer cursos de capacitação para a mediadores, conforme relatado pela Co-
formação de equipe de mediadores qua- ordenadora Administrativa e por media-
lificados. A respeito dos cursos ofereci- dora do programa:
dos, se manifestou mediadora do pro-
grama: “Quando a pessoa escuta falar da
mediação, todo mundo quer fazer o
“O primeiro curso só foi aberto para curso. Mas nem todos que fazem o
os servidores e nós fomos dispensa- curso vai atuar como mediador, por-
dos aqui do serviço enquanto fazía- que durante o curso ele vai enten-
mos o curso, que foi no período de dendo realmente o que é a media-
uma semana. Foi aberto também (...) ção. (...) A gente capacitou 300 pes-
para professores universitários. Em soas e estão atuando hoje conosco
seguida, no segundo, já foi aberto aproximadamente 60 mediadores. É
para psicólogos. No primeiro tam- certo que essas 300 já vieram, fica-
bém tinham servidores do interior, ram um ano, não voltaram, pararam,
que vieram com a ideia de imple- outras retomaram depois de alguns
mentar, de levar isso para o interior.” meses. (...) Pela resolução do CNJ é
mais ou menos assim: 40 observa-
Esses cursos de capacitação são custe- ções, 10 mediações e 10 co-media-
ados pelo TJMS e oferecidos para o pú- ções. (...) O CNJ exige que para você
blico em geral, salvo em hipóteses nas ser certificado que você tenha que
quais são firmadas parcerias com outras apresentar pelo menos 10 relatórios
organizações para a expansão do proje- de mediação. E quem apresenta o
to, conforme relata a coordenadora ad- relatório são só os mediadores. (...)
ministrativa do Núcleo: Então, na mesma sala a gente vai ro-
dando os profissionais na observa-
“Todas as pessoas interessadas nos ção, na mediação, na co-mediação,
encaminham currículo e a gente vai e assim aquela sala convive durante
montando ali uma sequência de ins- um espaço de tempo bom. Então,
critos. Mas, por exemplo, quando a para você conseguir todos esses ho-
gente fechou parceria, a gente pula rários, vindo uma tarde por semana,
a lista de espera e vai para os profes- demora, na média, de 3 a 4 meses
sores da Anhanguera. Na Defensoria para você ser certificado.”
a gente faz especificamente para de-
fensores que são indicados por eles.” “Eu não tive nenhuma despesa para
realização do curso, não só eu como
Como contraprestação pelo custeio do todos os que fazem. Nós não temos

130
que pagar para fazer o curso. Agora, O diferencial do programa
os formadores, os que vem ministrar
o curso, eu sei que eles têm alguma Segundo o Desembargador Coordenador
diária. (...) Agora nós, como alunos, do NUPEMEC, o diferencial de programas
no caso, que estamos interessados que contem com mecanismos alternati-
em fazer mediação, nós apresenta- vos de solução de conflitos é a possibi-
mos o currículo e não temos despe- lidade de partes envolvidas em conflito
sa alguma com isso. Só que a gente encontrarem soluções mais próximas ao
tem a contraprestação, o Tribunal resultado originalmente almejado por
exige, como deve exigir, que a gen- elas. Além disso, a mediação e a concilia-
te venha e participe de no mínimo 10 ção oferecem respostas mais ágeis e me-
sessões para poder obter o título, a nos custosas do que o processo judicial.
qualificação de mediadora.”
Por sua vez, o sucesso do NUPEMEC está
A capacitação dos mediadores é realiza- na implantação comedida do progra-
da de forma contínua, ou seja, após cada ma, ou seja, na sua expansão preocupa-
sessão de mediação são realizadas reu- da com a consolidação prévia das ações
niões entre os mediadores participantes empreendidas. Segundo argumentou, a
e o funcionário responsável por reduzir a mediação e a conciliação são programas
sessão termo. Nesse momento são apre- baseados na voluntariedade das partes e
sentados feed back e percepções indivi- sua devida implantação está intimamente
duais sobre a condução da sessão. Assim ligada à difusão da cultura de solução au-
sendo, não há um funcionário alocado tocompositiva de conflitos entre os ato-
especificamente para realizar a super- res envolvidos na sua realização.
visão dos mediadores, sendo o controle
realizado circularmente e constantemen- O Desembargador Coordenador também
te entre os mediadores e funcionários de acredita que o impacto da mediação
cada Centro, conforme explica a Coor- pode ser sentido em todos os envolvidos
denadora Administrativa do programa: na prática, desde os usuários até os me-
diadores. O mesmo pôde ser denotado
“A capacitação ela é continua. O que na fala de mediadora do programa:
acontece? A gente faz o curso básico
e no decorrer das mediações, quan- “O diferencial do Núcleo foi exata-
do a gente vai vendo as dificuldades mente esse, despertar em nós me-
de cada um e a gente vai capacitan- diadores, a vontade, o estímulo. Eu
do eles individualmente.” estou sempre com muito estímulo
aqui, eu saio daqui feliz, às vezes eu
“[A supervisão é feita] pelo funcioná- saio esgotada, mas muito satisfeita
rio que está lá dentro, pelo feedback porque eu olho nos Tribunais e falo:
que é feito e trazido às partes, pelas puxa vida, eles estão lá nos gabinetes
dificuldades dos próprios mediadores decidindo nos processos, e a gente
em trabalhar com outros mediadores está aqui despertando nas pessoas a
que não estão muito preparados.” possibilidade de resolver as suas pró-

131
prias questões. Que tudo isso aqui aconteceu um fato aqui em que eu
poderia ser dispensado, esse bando estava fazendo a mediação e a outra
de processo que está aqui. A questão parte falou claramente: não quero,
principal que eu acho, da mediação, não preciso [de defensor]. Porque foi
e aqui do Núcleo, é o que o objetivo explicado à parte sobre essa questão
não é reduzir número de processos, de não ter defensor e falarmos assim:
embora isso seja uma consequência. ‘vamos chamar’. Ele falou: ‘se for para
O objetivo é, e isso eles passam muito eu escolher não precisa, porque eu
para a gente, eu acho positivo aqui do estou aqui tranquilo, estou aberto’.
Núcleo, é exatamente isso: é desper- Então diante da recusa veemente e
tar nas pessoas a noção de que elas muito segura dele, nós realizamos a
podem e devem resolver os seus pró- mediação na presença de um advo-
prios problemas, sem a interferência gado só, de uma parte.”
de juiz, de Judiciário, de testemunha,
enfim. É isso que eu acho de mais po- Ademais, antes do início da sessão os
sitivo que o Núcleo desperta, e é um mediadores realizam breve reunião so-
diferencial grande aqui.” mente com os advogados para explicar
a respeito do procedimento da media-
Acessibilidade e equilíbrio de poderes ção e indagá-los novamente a respeito
da decisão de permanecer na sessão.
Embora o programa atualmente seja
composto exclusivamente por Centros Segundo relatam os mediadores do pro-
processuais, a maioria das partes compa- grama, a presença dos advogados in-
rece à sessão de mediação sem a presen- fluencia na dinâmica da sessão. Há casos
ça de advogado. Isso porque no momen- em que o advogado colabora com o de-
to do agendamento da sessão os funcio- senvolvimento da mediação, auxiliando
nários do Centro explicam brevemente à seu cliente na construção de soluções e
parte ou ao seu advogado a respeito do lhe orientando sobre questões jurídicas
procedimento de mediação. que possam surgir. Todavia, conforme se
denota na fala de mediador a seguir, ain-
De todo modo, na hipótese de uma das da é possível notar uma relutância dos
partes expressar interesse em compare- advogados ao procedimento:
cer assessorada por advogado na media-
ção, os funcionários do Centro são orien- “Quando o advogado tem a noção
tados a convocar um defensor público do que é a mediação e do comporta-
para representar a outra parte. Conforme mento a adotar em uma mediação, é
relata mediadora do programa, somente excelente. Quando não tem, dificulta
não será convocado defensor público se um pouco e eu acho que mais para as
a parte desacompanhada de advogado partes do que para o mediador. Eu,
expressamente se manifestar nesse sen- particularmente, nunca tive nenhu-
tido: ma dificuldade pelo fato de ter um
advogado aqui. Nós falamos sobre a
“Sempre é chamado um defensor. Já forma que ele deve falar, e a reação

132
IMPLEMENTAÇÃO, DESENHO E
DIAGNÓSTICO AVALIAÇÃO
FUNCIONAMENTO

- Atores - Objetivos - Percepção dos usuários quanto


- Relação (ou não) com os - Regulação aos resultados
atores do sistema de justiça - Parcerias e atuação em rede - Percepção dos usuários quanto ao
- Público (mediados) - Recursos procedimento
- Tipos de conflito - Escolha, capacitação e remuneração de - Outros critérios de avaliação do
mediadores sucesso do programa
- Práticas de gerenciamento e triagem
- Técnicas e práticas na mediação

Figura 1. Fases do desenho e institucionalização de um programa de mediação


envolvendo atores do sistema de justiça

do advogado é mais com o cliente, so de capacitação. Além disso, mediador


com pausas para conversar lá fora. do programa afirmou que a presença de
Quando não tem advogado nós per- equipe multidisciplinar de mediadores
cebemos que as partes muitas vezes colabora para a identificação e enfren-
se soltam um pouco mais e tem um tamento de desequilíbrio de poder em
pouco mais de liberdade para expor sessões de mediação:
as necessidades, as preocupações,
ou aquilo que realmente elas têm de “Uma participação que eu acho que
problema, não o problema principal, é essencial, do psicólogo, com o me-
aquele que se apresenta na ação. Eu diador, nos casos em que a gente
estou discutindo a ação de alimen- percebe [desequilíbrio de poder en-
tos, mas o que me chateia é o fato tre as partes]. (...) Essa prévia que é
dele não levar o Juninho para casa, feita pelo Núcleo antes de encami-
não buscar na hora certa. Entendeu? nhar, quando existem esses proble-
Problemas aparentes que são ques- mas. Quando é possível identificar
tões de fundo, mas que às vezes são isso de cara, o próprio Núcleo já faz
as questões mais importantes. Então uma seleção para procurar ter uma
Eu percebo que na ausência do ad- psicóloga como mediadora, alguém
vogado eles adentram mais a essas que já entenda essa situação e ou-
questões porque parece que o ad- tras. Quando não é descrito e nós
vogado acaba, digamos assim, segu- percebemos aqui, automaticamente
rando um pouco. (...) Quando na ver- já iniciamos uma sessão individual
dade o objetivo da mediação não é depois dessa constatação. (...) En-
esse, porque se não sai acordo, saem tão a gente faz o possível para res-
daqui e continuam normalmente lá, tabelecer uma comunicação e tentar
na Justiça, no Fórum.” fazer pelo menos com que ela saia
daqui pensando que não pode ser
Nas demais hipóteses em que se consta- dessa forma.”
ta o desequilíbrio de poder entre as par-
tes, os mediadores do programa utilizam
duas principais estratégias: a) realização
de sessões individuais com as partes, b)
aplicação de técnicas aprendidas no cur-

133
Centro do TJMS Centro Anhanguera Centro Estácio de Sá
NUPEMEC
(2012) (2013) (2014)

Designadas 1.590 950 206 93

Não realizadas 304 192 32 16

Realizadas 1.280 758 174 71

Com acordo 984 600 135 46

Sem acordo 296 158 39 25

Figura 9. Tabela sobre os números das atividades do NUPEMEC-MS.

VI. 4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA do para assessorar no preenchimento pe-


los usuários dos surveys, acredita-se que a
O NUPEMEC - MS não realiza um levan- presença dos funcionários, mediadores ou
tamento sistemático das percepções dos advogados poderiam enviesar as respos-
usuários a respeito do programa, mas con- tas atribuídas aos questionamentos feitos.
tabiliza o número de sessões realizadas e a
incidência de acordos firmados110. Segun- Assim, foram enviados à equipe de pes-
do relatórios disponibilizados pelo progra- quisa surveys respondidos no Centro do
ma aos pesquisadores, os números corres- TJMS e no Centro da Faculdade Anhan-
pondentes às suas atividades desde a sua guera, dos quais, quase metade indicou
criação são conforme descrito na figura 9. não ter a mediação resultado em acor-
do. Outro ponto que merece destaque
Ademais, a equipe de pesquisa deixou consiste na unanimidade de respostas
survey para que os usuários do programa afirmando que o usuário “sentiu que tive
respondessem após as sessões de media- oportunidade de se manifestar durante o
ção. Todavia, funcionários do Núcleo infor- procedimento de mediação”. O mesmo
maram à equipe de pesquisa que não foi se repetiu para os itens que questionam
possível a aplicação dos surveys porque os se o usuário se sentiu ouvido pelo me-
usuários do programa são pouco escola- diador durante a sessão e se sentiu que
rizados e geralmente comparecem desa- possuía as informações necessárias para
companhados de advogados, significando tomar decisões durante o procedimento.
que os mediadores ou funcionários dos três
Centros precisariam explicar e acompa- A grande maioria dos respondentes afir-
nhar o preenchimento dos surveys. Além mou não ter se sentido pressionado a rea-
da grande quantidade de tempo despedi- lizar acordo, mas um indicou ter se sentido
110

110 Sobre isso relatou a coordenadora administrativa do programa: “Não dá para fazer uma mediação com menos

de uma hora e meia, e fica puxado fazer, os mediadores fazendo 3 mediações por dia. Não dá. Emocionalmente é

puxado, é desgastante. Então não dá. Cada sala faz 2 mediações, no máximo, por tarde.”

134
bastante pressionado a realizar um acordo. e de pessoal foi apontado pelos entrevis-
tados como principal fator merecedor de
A avaliação sobre o usuário sentir-se con- melhora no programa. Afirmaram também
fortável durante o procedimento também que a remuneração adicional de funcio-
foi bastante positiva. Merecem destaque nários, diretores e coordenadores do pro-
algumas das justificativas dadas pelos usu- grama seria estratégia mais eficaz para es-
ários a esse item, como o fato de poderem timular maior adesão ao programa e sua
se expressar e falar o que sentiam e pensa- consequente expansão.
vam, e a tranquilidade que lhes foi transmi-
tida pelos mediadores. Nesse contexto, a remuneração dos me-
diadores foi apontada como fator que me-
A maioria dos respondentes não identi- rece especial atenção, uma vez que a vo-
ficou o procedimento como sendo um luntariedade da atividade estimula grande
procedimento formal e afirmou que não rotatividade dos mediadores. Além da difi-
gostaria que algo fosse feito de forma culdade de manter um quadro fixo de cola-
diversa. Da mesma maneira, foi avaliada boradores, a natureza voluntária do ofício
de forma positiva a postura do media- acaba por priorizar a permanência de me-
dor e a demonstração de sua imparciali- diadores menos experientes. A respeito da
dade. A única exceção acerca das atitu- ausência de remuneração dos mediadores
des do mediador durante a sessão está se manifestou mediadora do programa:
na resposta de um usuário que se sentiu
incomodado com a técnica da inversão “Muita gente faz [o curso] e sai fora,
de papéis aplicada pelo mediador, o que por alguma razão, porque também
fez com que o respondente sentisse que nós não temos remuneração nenhu-
neste momento houve quebra da impar- ma. Eu fiz e continuei porque gosto. Se
cialidade do mediador. um dia tiver [remuneração], ótimo. Por
enquanto, é um trabalho que eu faço
Das sessões que resultaram em acordo, com o maior prazer, porque me inte-
a avaliação sobre a satisfação do usuá- ressa, e eu aprendo muito com isso.”
rio com o resultado da sessão e sobre
a justiça de tal resultado foi positiva, “Seria muito bom se o Tribunal ou o
destacando-se, contudo, que alguns res- próprio CNJ pudessem lançar a ideia,
pondentes não acharam o resultado da da mesma forma que existe um perito
mediação justo pelo fato de não terem que recebe, se um processo for enca-
chegado a um acordo. Todos afirmam minhado para a mediação, que sejam
que procurariam novamente o programa fixados valores de honorários para
e o indicariam a conhecidos. que o mediador possa atuar de forma
tranquila e profissional, técnica. Rece-
i. PERCEPÇÕES SOBRE O QUE ber uma contraprestação pelo serviço
PODERIA MELHORAR NO prestado.”
PROGRAMA E SEU FUTURO
A solução momentânea encontrada pelo
A falta de recursos financeiros, materiais NUPEMEC para contornar essa dinâmica

135
do quadro de mediadores foi capacitar advocacia. Essa mesma preocupação foi
todos os funcionários dos Centros para apresentada por mediadora voluntária
a realização e supervisão de mediações. do programa:
Todavia, a dependência em mediadores
funcionários dificulta pretensões de ex- “Eu acho lamentável que o novo Có-
pansão do programa. digo [determine] que o advogado
estará impossibilitado de exercer a
Segundo o coordenador do Programa, mediação com advocacia. Eu já es-
os próximos passos no desenvolvimen- taria prejudicada, eu teria que eleger
to do NUPEMEC serão o recrutamento e uma coisa ou outra. E hoje, sem re-
a capacitação de novos conciliadores e ceber nada, financeiramente, hoje eu
mediadores. Também se objetiva minis- estou tranquila em vir aqui de forma
trar cursos destinados aos magistrados voluntária, mas a partir do momento
estaduais com vistas a torná-los novos em que eu não puder advogar e que
multiplicadores dos mecanismos alter- eu tiver que somente mediar, se eu
nativos de solução de conflitos. quisesse, eu não poderia.”

Uma preocupação com o futuro do pro- “E se eu quiser ser mediadora? É o


grama demonstrada pelo Desembarga- que eu amo, eu quero, eu não vou
dor Coordenador está relacionada ao an- mais advogar e quero ser mediadora,
damento no Congresso Nacional do Pro- como é que eu vou fazer? Eu vou me
jeto de Novo Código de Processo Civil cadastrar aqui no Tribunal, e eu não
(Projeto de Lei nº 8.046/10), que em sua vou receber nada? Então a minha
versão original previa o quanto segue: preocupação é, e eu lamento muito
ter que parar, porque eu não gostaria
“[o]s conciliadores e mediadores ca- de parar, mesmo vindo de forma vo-
dastrados na forma do caput, se ins- luntária. Aí entra o equilíbrio: talvez
critos na Ordem dos Advogados do se fosse remunerado eu viesse mais.
Brasil, estão impedidos de exercer a Eu tenho família, eu tenho filhos, en-
advocacia nos limites da competên- tão entra o lado profissional e todo
cia do respectivo tribunal e de inte- mundo tem que trabalhar e receber.”
grar escritório de advocacia que o
faça.” (art. 147, §5º). Por outro lado, o Desembargador Coor-
denador apontou a existência de dispo-
Segundo argumentou, tal dispositivo sitivos no NCPC capazes de promover o
agravaria a já existente dificuldade em desenvolvimento de programas similares,
angariar mediadores não rotativos para o tal como o artigo 152 do texto original111,
programa e também acabaria por afas- que prevê a possibilidade de remunera-
tar os atuais mediadores que exercem a ção dos mediadores.

111 Todavia, como informado anteriormente, os entrevistados não consideram a quantidade de acordos como indi-

cativo de sucesso da sessão de mediação.

136
De todo modo, os entrevistados acredi- VI. 5. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO
tam que a cultura da mediação está sen- DO POSTO AVANÇADO
do paulatinamente absorvida pela comu- DE CONCILIAÇÃO
nidade e pelos atores do sistema de jus- EXTRAPROCESSUAL DA CÂMARA
tiça, que passarão a apoiar cada vez mais DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM
práticas autocompositivas de solução de DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E
conflitos e ao abandono da “cultura da INDUSTRIAL DE CAMPO GRANDE
sentença”. Para ilustrar essa afirmação, a (CBMAE / PACE)
Coordenadora Administrativa do Núcleo
relatou o quanto segue: Conforme informado no item VI.1, a es-
colha por realizar estudo empírico a res-
“Eu brincava às vezes que meu filho, peito do CBMAE / PACE se deve à sua
quando ele tinha acho que 4 aninhos, conexão com o Poder Judiciário e por
ele chegou para mim e falou assim: estar inserido dentro da agenda de con-
‘mamãe, você conhece a música do solidação da política judiciária nacional
atirei um pau no gato?’ Eu falei: ‘cla- de tratamento adequado dos conflitos
ro’. Ele falou: ‘duvido’. Eu falei: ‘então de interesses constante da Resolução nº
canta para mamãe’. E ele cantou as- 125/10 do CNJ.
sim: ‘não atirei um pau no gato-to,
porque isso-so, não se faz, faz, faz, o A Câmara de Mediação e Arbitragem de
gatinho-nho, é nosso amigo- go, não Campo Grande (CBMAE – MS) foi criada
devemos maltratar os animais’. Isso em agosto de 2009 como órgão da As-
para mim foi um marco. Por quê? sociação Comercial e Industrial de Cam-
Porque ele estava aprendendo lá na po Grande (ACICG) com a finalidade de
escola, naquela idade, que tinha ou- encontrar formas de colaborar com em-
tras formas de fazer, de tratar o meio presariado local na resolução de confli-
ambiente, os animais. A mediação tos. Por dois anos o CBMAE – MS não es-
para mim é isso, eu quero que um teve vinculado a nenhum ator do sistema
dia a criança chegue em casa com os de justiça, tendo estabelecido pareceria
pais brigando e fale: ‘ah, não há ne- com o Tribunal de Justiça do Mato Gros-
cessidade de recorrer ao judiciário’.” so do Sul em 2011, momento em que se
instituiu o Posto Avançado de Concilia-
A despeito do olhar positivo acerca da ção Extraprocessual (PACE). Atualmente
crescente recepção da mediação pela o CBMAE / PACE consiste no único cen-
comunidade jurídica e pela população tro de Campo Grande que desenvolve
em geral, acredita-se que a resolução nº práticas de conciliação.
125/10 permanece sendo crucial para a so-
brevivência dos programas de mediação. O CBMAE / PACE assume especial inte-
A institucionalização dos CEJUSCs e a resse para a pesquisa porque está vincu-
promoção de cursos de capacitação pelo lado a programa promovido por entida-
CNJ foram apontados como elementos de de privada com alcance nacional – a Con-
divulgação do programa e de enfrenta- federação das Associações Comerciais
mento a possíveis oposições à mediação. Brasileiras (CACB) - e que, por conta da

137
Resolução nº 125/10 do CNJ, passou a e o SEBRAE que visava criar essa rede
contar com o apoio institucional do Tri- de câmaras de conciliação e arbitragem
bunal de Justiça do Mato Grosso do Sul voltadas ao atendimento de empresas no
(TJMS). Brasil113.

Além disso, o CBMAE / PACE já foi pre- Conforme relatou funcionária do pro-
miado duas vezes pela CBMAE Nacional, grama, o CBMAE – MS foi trazido para
CACB e SEBRAE em concurso denomi- a Associação Comercial e Industrial de
nado Prêmio Conde dos Arcos de Acesso Campo Grande (ACICG) como tentativa
à Justiça que busca premiar CBMAEs ou de implantar novas unidades de CBMAE
PACES que tenham contribuído a divul- fora das grandes capitais do país:
gação e utilização no meio empresarial
de mecanismos extrajudiciais de solução “O CBMAE é uma entidade nacional,
de conflitos112. Nesse sentido, o CBMAE / surgiu de uma ideia da CACB, que é
PACE do Mato Grosso do Sul tem des- a Confederação das Associações Co-
pontado entre outros programas da mes- merciais, para divulgar as metas, os
ma natureza. métodos de conciliação, a mediação
e arbitragem. O nosso coordenador
VI. 6. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO foi até Brasília, conheceu esse Projeto
PROGRAMA e ofereceu a Associação Comercial de
Campo Grande para que se instalasse
A CBMAE - MS foi criada em 2009 como um projeto piloto de uma CBMAE fora
braço de programa nacional da Confe- de Brasília e fora das grandes metró-
deração das Associações Comerciais poles, e trouxe para a gente em 2009
Brasileiras (CACB), que possui o objeti- o CBMAE. O que é a CBMAE aqui em
vo de difundir, administrar e coordenar Campo Grande? Ela é uma Instituição
ações e políticas relacionadas à concilia- mantida pela Associação Comercial e
ção, mediação e arbitragem em contro- Industrial de Campo Grande. Ele trou-
vérsias envolvendo direitos patrimoniais xe a estrutura física e a estrutura pro-
disponíveis. A criação do CBMAE e de fissional, e a Associação Comercial
outras câmaras vinculadas às federações banca o projeto.”
comerciais estaduais foi em parte finan-
ciada por uma parceria entre o Banco Por um período de dois anos a CBMAE –
Internacional de Desenvolvimento (BID) MS funcionou desvinculada de qualquer

112 “O conciliador e o mediador perceberão por seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal,

conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.”

113 No prêmio referente ao ano de 2011 o CBMAE / PACE de Campo Grande ficou em segundo lugar nas categorias

“Relações com o mercado e sustentabilidade” e “Excelência Operacional”. Fonte: http://www.cacb.org.br/noticia_no-

ticias/ver/1442#.VGpr0PnF-WY (acesso em 17 de novembro de 2014). No prêmio de 2012 o programa foi premiado

em segundo lugar na categoria “Sustentabilidade Financeira”. Fonte: http://www.cacb.org.br/noticia_noticias/ver/2486#.

VGps8fnF-WY (acesso em 17 de novembro de 2014).

138
ator do sistema de justiça. Após a edição existindo sem o TJ, mas lógico que
da Resolução CNJ nº 125/10 e tendo em a credibilidade do TJ não se discute.
vista a escassez de outras práticas con- Como é que essa parceria funciona?
sensuais de solução de conflitos em Cam- Aí a gente deixa de lado um pouqui-
po Grande, os coordenadores do CBMAE nho a mediação e a arbitragem, está
– MS buscaram estabelecer parceria com se falando de conciliação.”
o TJMS. Assim, em 2011 foi criado o Posto
de Atendimento e Conciliação Extrapro- A parceria originalmente estabelecida en-
cessual (PACE), que seria desenvolvido tre o TJMS e o CBMAE – MS estava previs-
dentro do escopo do CBMAE – MS, se- ta para durar até o final de 2014, mas foi
gundo relata funcionária do programa: prorrogada por adicionais 60 meses, com
término previsto para setembro de 2009,
“Nós, através da Lei de Arbitragem, quando poderá ser novamente renovada
permite-se que qualquer entidade segundo conveniência das partes.
pratique a arbitragem e a conciliação
sem o vínculo com o Tribunal. Então, O PACE está localizado no mesmo am-
foi a partir da Lei que foi constituída a biente do CBMAE, nas dependências da
CBMAE de Campo Grande, a CBMAE- ACICG, e, segundo consta do convênio,
-CG. Durante esses dois anos a gente compete à Associação Comercial fornecer
trabalhou totalmente independente estrutura física, material e pessoal suficien-
do Tribunal. O que é que aconteceu? tes ao devido funcionamento do progra-
Com a Resolução 125 do CNJ, o coor- ma. A associação também é responsável
denador foi até o presidente do TJ-MS pelo desenvolvimento, gestão e acompa-
e disse: ‘olha, a gente está fazendo a nhamento das sessões de conciliação.
conciliação na Associação Comercial’.
E não existia aqui em Campo Gran- Ao Tribunal foi atribuída a função de for-
de nenhum núcleo que atendesse a necer capacitação aos conciliadores que
Resolução 125 do CNJ, nem o núcleo atuam no PACE e a disponibilizar juiz para
nem o posto de conciliação, porque homologar os acordos firmados dentro
na realidade o projeto que a gente do escopo do programa. A respeito do
tem com o Tribunal é dentro da CB- funcionamento da parceria estabelecida
MAE, mas ele chama PACE. Por que é entre o Tribunal e o CBMAE – MS para
que se dividiu isso? Porque se cana- a constituição do PACE, manifestou-se
lizou a conciliação com o PACE. Em funcionária do programa:
2011 o coordenador fez essa visita ao
TJ, apresentou os números de conci- “Na época do convênio foi instituído
liação que a gente já vinha realizando. tudo, quais são os materiais usados,
E o coordenador visitou o presiden- formatação de documento, vai po-
te e ofereceu: ‘olha, vamos fazer uma der usar o logo do TJ, foi autoriza-
parceria? Seria interessante que o TJ da a utilização do logo. O TJ entrou
tomasse conhecimento do que a gen- com a parte de homologação des-
te está fazendo lá’. Por mais que não ses termos dando validade jurídica
havia necessidade, podia continuar aos acordos realizados aqui dentro

139
do PACE. Então o PACE é um proje- ção Comercial de Campo Grande.”
to dentro da CBMAE, um projeto de
conciliação dentro do CBMAE, com o Atualmente não há diferença funcional
aval e com a autorização do TJ, para entre o PACE e o CBMAE – MS, uma vez
efeito de homologação. A gente cui- que a estrutura física, os funcionários e os
da do atendimento, da triagem das conciliadores dos dois programas são os
pessoas, documentação das pesso- mesmos. Além disso, todos os acordos fir-
as, atendimento em audiência, re- mados dentro do CBMAE / PACE são ho-
alização da audiência, organização mologados pelo juiz atuante no programa.
dos documentos necessários para a
homologação e o TJ entrou com a Dentro do escopo do CBMAE / PACE tam-
designação do juizado, do juiz que bém são promovidos mutirões de concilia-
vai homologar. Esse juiz tem mais ou ção, que são desenvolvidos de duas ma-
menos uns 12 anos de história com a neiras distintas: (a) Semanas Nacionais de
conciliação aqui dentro do estado. Aí Conciliação do CNJ e (b) Semanas de Con-
quem fez a seleção dele foi o TJ. Já ciliação promovidas pelo CBMAE. As Se-
mudou a presidência do TJ e ele con- manas Nacionais de Conciliação são even-
tinua homologando os nossos ter- tos organizados e custeados pelo Conse-
mos, o convênio foi renovado agora lho Nacional de Justiça, mas se utilizam da
em setembro por mais 5 anos. E é as- estrutura do CBMAE – MS para sua reali-
sim que procede hoje o convênio do zação em Campo Grande. Já as Semanas
PACE, que instituiu o PACE, porque a de Conciliação organizadas pelo CBMAE
CBMAE já fazia conciliação.” obedecem a mesma estrutura da parceria
estabelecida em 2011, ou seja, o CBMAE
“O que é a parceria do PACE? A Asso- é responsável por organizar, promover e
ciação entrou com a estrutura física, custear a ação e o Tribunal de Justiça par-
profissional, porque nós somos fun- ticipa com a homologação dos acordos114.
cionárias da Associação Comercial. A
CBMAE ela não tem personalidade ju- VI. 7. O DESENHO E FUNCIONAMENTO
rídica própria, ela trabalha dentro do DO PROGRAMA
CNPJ da Associação Comercial, que
é a sua mantenedora, e nós somos Público-alvo, estrutura e objetivos
duas funcionárias registradas, mais
um estagiário, mantido pela Associa- Embora o CBMAE – MS tenha surgido

114 Sobre as parcerias realizadas para implantação da câmara e projetos de capacitação no seu início, uma concilia-

dora comenta: “era uma cadeia assim de parceiros, a Confederação, a Federação e a Associação, Associação, socie-

dade e associados, que era a forma mais fácil de trazer um resultado final. Porque a Associação, como a Câmara, ela

poderia fazer a divulgação para quantos associados? Quantos associados têm numa Associação Comercial? E isso

ia refletir também para a sociedade em geral, porque o associado tomando conhecimento desse método, estando

interessado em resolver os seus problemas empresariais na Câmara, atingiria a sociedade em geral, outros grupos.

Então esse projeto, como ele foi implantado e porque, eu não sei te dizer, mas eu quando assumi, na verdade, para

140
com o intuito de desenvolver práticas de ou em sua proximidade. Conforme relata
mediação, conciliação e arbitragem, atu- funcionária do programa, o público-alvo
almente o programa realiza apenas ses- do programa nas semanas de concilia-
sões de conciliação em conflitos envol- ção se amplia para além da comarca de
vendo direitos patrimoniais disponíveis, Campo Grande devido à grande divulga-
conforme relata funcionária do programa: ção do evento nos meios de comunica-
ção regionais:
“O projeto começou em 2009, come-
çou com a mediação, a conciliação e “A gente atende interior também,
a arbitragem. Hoje o grande volume só que assim, como tudo acontece
é a conciliação. Em 2011, desde 2009 aqui, geralmente interior vem nas
a gente já fazia conciliação, 90% dos campanhas. A gente promove duas
casos que a gente atende aqui são campanhas ao ano, então, por conta
negociações de débito.” da divulgação das redes de TV aqui
do estado, dos jornais locais, mas
“A regra geral da CBMAE é direitos que passam no interior, as pessoas
patrimoniais disponíveis. Isso é um vem resolver. Mas é de pertinho, no
guarda chuva grande, mas aí dentro máximo um raio de 100 quilômetros.
dele existem coisas que a gente não A gente realizou no começo da CB-
atende. Direito trabalhista a gente MAE dois eventos fora da cidade, só
não atende, direito de família a gen- que isso não se repetiu depois do
te não atende. Agora o nosso foco é convênio com o TJ.”
90% negociação de débito.”
De todo modo, o CBMAE / PACE possui
A escolha da natureza dos conflitos so- duas frentes de trabalho que variam se-
lucionados dentro do CBMAE / PACE se gundo o modo que a demanda chega ao
deve ao fato de o programa estar locali- programa. Nas hipóteses em que pessoas
zado dentro do escopo e nas dependên- físicas procuram diretamente o programa,
cias de associação comercial. são realizadas sessões gratuitas de conci-
liação116. Por outro lado, se a procura pelo
O público-alvo do programa são pesso- CBMAE / PACE for realizada por pessoas
as físicas e jurídicas envolvidas em con- jurídicas, é cobrado um valor pela convo-
flito de pagamento de dívida. Além dis- cação dos clientes devedores e desenvol-
so, devido ao local de funcionamento do vimento das sessões de conciliação, se-
CBMAE / PACE, os conflitos conciliados gundo relata funcionária do programa:
no programa envolvem pessoas físicas
residentes na cidade de Campo Grande “Para o empresário utilizar como for-
115

implantar aqui, ele veio na forma de convênio, tinha metas para ser cumpridas: implantar Câmaras, criar estatuto,

regimento interno, toda essa parte burocrática para ser aprovado em assembleia, para trazer, eles autorizarem a

trazer palestrantes para cá”.

115 A diferença entre as duas ações pode ser verifica em fala de funcionária do programa: “O evento é mantido pela

141
ma de cobrança, eles utilizam a con- tégias para divulgação e triagem dos ca-
ciliação para chamar o devedor para sos: uma direcionada às pessoas físicas
pagar, eles têm uma taxa para eles devedoras e outra direcionada às pesso-
entrarem com esse procedimento. as jurídicas credoras.
Aí a gente faz um pacote, ah, convi-
da 50 clientes, a gente confecciona As pessoas físicas tomam conhecimento
carta, a gente manda a carta, a gen- do programa especialmente em virtude
te posta a carta no correio, a gente de sua localização no interior do prédio
agenda com o conciliador. Só que da ACICG, no centro da cidade de Cam-
para você convidar os seus clientes po Grande, onde são disponibilizados di-
vai ter um honorário do conciliador, versos serviços de atendimento à popu-
que hoje gira em torno de 70 reais lação, como o balcão do Serviço Central
por período. Na verdade é uma gra- de Proteção ao Crédito (SCPC). Assim,
tificação, então, em eventos, o conci- os funcionários dos demais serviços são
liador é gratificado.” aconselhados a encaminhar o cidadão ao
CBMAE / PACE nas hipóteses em que se
O CBMAE / PACE possui duas funcio- vislumbra potencial conflito ou a neces-
nárias e um estagiário contratados pela sidade de ser realizada negociação da
ACICG. Atualmente o programa conta dívida. A respeito dessa forma de divul-
52 conciliadores cadastrados, que traba- gação dos serviços do CBMAE / PACE
lham voluntariamente ou remunerados, a se manifestou funcionária do programa:
depender de quem procurou a concilia-
ção, e um juiz designado para a homolo- “Pode ser um pouco por conta de a
gação de acordos. gente estar dentro de uma Associa-
ção Comercial, hoje a gente tem o
No que diz respeito aos objetivos per- serviço SCPC à disposição também,
seguido, relata-se que o CBMAE / PACE que é o Serviço Central de Proteção
visa, de modo geral, a inovar no âmbito ao Crédito. O consumidor inadim-
da resolução de conflitos, evitando que plente quer resolver o problema,
disputas envolvendo direitos patrimo- então a gente usou esse gancho do
niais disponíveis sejam dirimidas pelo consumidor querendo resolver o seu
Judiciário e propiciando o acesso por problema com o seu credor para apli-
parte de empresas e indivíduos a solu- car a conciliação, para ele não pre-
ções mais eficientes117. cisar entrar em um Procon, para ele
não precisar entrar no Judiciário. A
Triagem e agendamento gente começou a divulgar no balcão
os serviços: ‘olha, você está com pro-
Devido ao fato de o programa estar as- blema? Não é cobrança. Você está
sociado a uma associação industrial e com problema com a empresa?’.‘Ah,
comercial, os conflitos conciliados no o banco ‘x’ não existe mais em Cam-
programa relacionam-se à existência de po Grande. Como é que eu faço para
dívida financeira entre pessoa física e eu pagar? Eu estou negativado’. En-
pessoa jurídica. Assim, são suas as estra- tão a gente usou a conciliação para

142
tentar resolver esses pequenos pro- até eles no próprio portfólio da As-
blemas. Só que foi crescendo.” sociação, de serviços da Associação
Comercial, que existe a câmara, que
Já as pessoas jurídicas tomam conheci- existe o PACE. Assim, um empresá-
mento do programa especialmente pelos rio usa, explica para o outro: ‘olha, eu
meios de divulgação dos serviços ofere- fui lá, consegui receber, eu coloquei
cidos pela ACICG, mas também pelas se- 15 clientes, 7 clientes foram, o custo
manas de conciliação e por palestras re- é baixo para você entrar, o procedi-
alizadas pela associação comercial, con- mento’. Então acaba sendo, o foco
forme relatou funcionária do programa: são os nossos associados, mas aca-
ba vindo empresas que não são as-
“Por conta já do próprio tempo que sociados também.”
a gente está aqui, é um que fala para
o outro, ou resultado da divulga- A triagem dos conflitos que serão sub-
ção das semanas, dos eventos que metidos à conciliação é realizada pelas
a gente promove. Tem essas visitas funcionárias do programa. Os critérios
nos bairros, por exemplo, associação de triagem de conflitos foram estabele-
comercial vai fazer uma palestra em cidos pelos próprios documentos cons-
um bairro, a gente faz a panfletagem, titutivos do programa, consistentes no
a gente já conversa com as pessoas, regulamento do CBMAE – MS e no con-
então é uma divulgação esporádica.” vênio de implementação do PACE, que
determinam que somente serão aten-
“A Associação Comercial é represen- didos conflitos de natureza patrimonial
tativa dos empresários aqui de Cam- disponível. Assim, segundo relata fun-
po Grande, então acaba chegando cionária do CBMAE / PACE, conflitos

Associação Comercial, diferente do segundo evento que a gente participa, da semana nacional, que é realizada pelo

CNJ, que os postos de conciliação do Brasil inteiro são convidados. Aí nós participamos, mas aí vem estrutura, a

cara do evento, tudo vem já pronto do CNJ. É diferente da nossa, que é independente.”

116 Conforme relata funcionária do programa: “A gente trabalha com o polo ativo: ‘eu vim até o posto, sou uma pes-

soa física e quero resolver um conflito. Já fui nas Casas Bahia e já tentei um acordo e não consegui’. Para a pessoa

física entrar com procedimento, ele vai ter custo zero, a gente não cobra nada. Mas a gente vai reunir a documenta-

ção, a gente vai agendar, vai agendar com o conciliador, ele vai vir, vai agendar com as Casas Bahia.”

117 “O PACE, quando ele foi implantado aqui, o objetivo justamente era esse, era de trazer inovações, trazer uma

forma de, digamos assim, de desafogar, porque é uma terminologia que todo mundo usa, os problemas que acon-

tecem com as pessoas envolvendo todos os direitos patrimoniais disponíveis. Então o objetivo dele justamente

é esse, é trazer uma inovação, que eu acredito que é o futuro hoje nosso, é exatamente o método de mediação,

conciliação e arbitragem. (...) A gente está procurando sempre trazer para a sociedade, tanto para empresários,

para pessoas de classes baixas, aqueles que são mais humildes mesmo, que desconhecem os seus próprios direitos,

porque muita gente não sabe que existe outro método no sistema, que é tão eficiente quanto se você procurar a

Justiça (Conciliadora do CBMAE / PACE)

143
que porventura cheguem ao programa e “Não tem como a gente interferir.
extrapolem seu escopo de atuação são Existe até uma lacuna, que faria um
recebidos, mas encaminhados para o ór- acordo aqui, homologava, juntaria
gão público responsável: no processo lá para cancelar o de
lá. Mas existem minúcias que para a
“Eu estou aqui com o pai do meu fi- parte que está entrando não é inte-
lho, eu já sei quanto é que eu quero ressante que se faça dentro de um
que ele me pague, eu só quero que posto. Então, realmente, a gente é
faça o termo. Não. A gente não vai pré-processual, é para que você não
pegar. A gente vai procurar a [justiça entre com a ação.”
itinerante] ou a Defensoria e reme-
te para eles. É direito do consumi- Para as semanas da conciliação os cri-
dor, existe o Procon, então a gente térios de triagem são os mesmos, salvo
também não pega, porque é muito no que diz respeito à judicialização do
específico. E até para que o próprio conflito, posto que nessas ocasiões mes-
consumidor não seja prejudicado, mo conflitos já judicializados podem ser
porque às vezes ele está tão na ân- remetidos à conciliação118.
sia de resolver, que a empresa vai vir,
vai fazer qualquer proposta. Então a Realizada a triagem, as funcionárias de
gente orienta para ir para lá.” atendimento colhem os documentos
pessoais do solicitante de conciliação
Outro critério de triagem consiste em e algum documento que comprove a
que não sejam iniciados procedimentos existência de vínculo com a pessoa re-
de conciliação com conflitos que já este- clamada119. Em seguida, é definida a data
jam judicializados, conforme relata fun- da conciliação e notificadas as partes a
cionária do programa: respeito da data e horário da sessão. As
pessoas físicas são notificadas por liga-

118 Conforme explicado por funcionária do programa: “É bem parecida com a semana nacional de conciliação. A

diferença é assim: nos postos de conciliação, como entra o processual, a gente não atende quem já tem processo.

As pessoas até vem: “ah, mas eu já tenho processo”. “Não, a gente não vai te atender. Aí a gente vai pedir para você

entrar no site do CNJ ou do TJ-MS, cadastrar lá o seu processo do seu advogado para participar da semana nacional

lá do Núcleo”. Senão a gente tira o foco.”

119 O procedimento de atendimento ao público foi relatado por funcionária do programa: “Alguns documentos a

gente precisa tirar cópia para abrir o procedimento em si, que é cópia dos documentos pessoais com foto, RG, CPF

ou carteira de habilitação, um comprovante de residência, e um documento que comprove o vínculo dele com essa

empresa reclamada, com a empresa convidada. Ou o extrato da própria negativação, ou um boleto, ou um contrato,

é um documento que comprove esse vínculo. Daí a gente vai reunir todas essas cópias. Ele não sai daqui com uma

data, até porque a gente junta uma quantidade, a gente confecciona a carta convite, que ela é um modelo próprio

que foi aprovado pelo Tribunal, isso dentro do projeto do PACE. A gente confecciona essa carta, define uma data

conforme a nossa agenda e a nossa disponibilidade, confecciona e posta. Nesse momento a gente já liga para o

consumidor, a gente pega os contatos telefônicos dele, ‘olha, senhor José, a sua audiência ficou marcada para o dia

tal’. Ele é notificado por telefone.”

144
ção telefônica e as empresas credoras realizada de acordo com a disponibilida-
por carta convite: de dos profissionais cadastrados e capa-
citados para atuar no programa120.
“A carta convite é apenas para a
empresa. A pessoa física é notifica- Se a parte que solicitou a realização de
da pelo telefone. No caso de uma sessão deixar de comparecer e de jus-
dificuldade de falar com ela a gen- tificar sua ausência, o procedimento de
te manda uma mensagem falando conciliação será arquivado e o solicitante
da data da audiência dele, e a gente ficará impedido de participar em media-
aguarda a manifestação da empresa. ção no CBMAE / PACE por um período
Geralmente a gente agenda com uns de 6 meses, conforme relata funcionária
15 dias, 20 dias de antecedência, por- do programa:
que a gente trabalha com os correios
e a gente trabalha com carta simples, “Por mais que a gente notificou o
justamente para minimizar o custo, a consumidor para o dia da audiência
gente não manda com A.R. Em casos dele, por mais que a gente mandou a
muito específicos que a gente man- cartinha, uma das partes não veio. A
da com A.R.” (Funcionária) gente faz um termo de ausência do
reclamado, quando foi o consumidor
Para cada conflito submetido à concilia- que faltou ou quando foi a empresa
ção no CBMAE / PACE é aberto um pro- que faltou, e quando não há nenhum
cedimento, que é arquivado no próprio dos dois a gente faz uma ausência
programa e, quando necessária a homo- das partes só para registrar essa ses-
logação ou ciência de juiz, uma cópia é são. Aí a gente assina como teste-
enviada ao Poder Judiciário. São arqui- munha, o conciliador que está aqui
vados os documentos das partes, atas assina e a gente remete ao arquivo
de sessões e outros documentos refe- esse procedimento. No caso de uma
rentes ao procedimento de conciliação. ausência do consumidor, ele vai ter
uma punição de 6 meses sem utilizar
As sessões de mediação o posto, porque ele foi notificado,
ele ocupou a nossa pauta e ele não
Comparecem à sessão de conciliação compareceu. Mas isso é muito difícil
realizada na sede do CBMAE / PACE as de acontecer, de ele voltar.”
partes e um conciliador. A alocação dos
conciliadores para atuar nos conflitos é Na ausência da outra parte, será verifi-

120 A funcionária do programa explica a dinâmica de seleção de conciliadores para atuar em sessões de concilia-

ção: “A gente já tem uma escala de conciliadores, vamos supor, se alguém, o senhor José está para terça feira, eu já

tenho dentro do meu controle quem é o conciliador que vai atender ele. Lembrando que é voluntário. Porque uma

das nossas conciliadoras disse que na terça feira a tarde ela pode, então a gente dá um toque para ela via telefone

e informa que tem 5 audiências para terça feira à tarde. ‘Está disponível? É voluntário’. ‘Estou disponível’. Então a

gente combina com ela também via telefone.”

145
cado se a carta convite foi devidamen- Acerca do papel do conciliador e das
te recebida. Se a parte estiver ciente e técnicas desempenhadas, uma mediado-
voluntariamente se ausentar da sessão, ra entrevistada enfatiza a importância de
o procedimento será arquivado. Caso a o conciliador se mostrar receptivo des-
carta convite não tiver sido entregue à de o início, afastando qualquer postura
parte, a sessão de conciliação será rea- impositiva ou indício de tratamento di-
gendada. ferenciado para qualquer das partes, ao
mesmo tempo em que deve ressaltar a
Sobre o procedimento em si, uma funcio- possibilidade de se resolver o problema
nária comenta em linhas gerais as etapas de forma consensual:
habitualmente perseguidas durante uma
conciliação realizada no PACE: “[o conciliador] tem que imparcial,
ele tem que ser transparente quando
“O conciliador vai fazer a introdu- com ambas as partes, tem que dizer
ção, vai explicar o que é o posto de de uma forma que não ofenda nem
conciliação. Se é uma empresa que constranja a outra uma maneira para
nunca veio ele vai explicar por que a resolver aquele problema, da melhor
empresa recebeu essa carta convite, forma, como poderia se resolver da
vai agradecer pela presença. Ele vai melhor forma. Mostrar um caminho
dizer que ele está atuando volunta- eficiente para que ele possa resolver
riamente, fala que é qualificado pelo e sair dali com a cabeça tranquila,
Tribunal, explica o que vai acontecer com o seu problema resolvido, que
se der acordo e se não der acordo. o objetivo é esse, é fazer com que as
Se não der acordo, as partes vão sair partes resolvam e saiam ainda paci-
com um documento daqui dizendo ficadas, e não litigadas, porque no
que estiveram, que tentaram a con- Judiciário é assim. Mesmo você fa-
ciliação. Vão novamente orientar so- zendo um acordo, quem impõe, não
bre a não obrigatoriedade do acor- é você que impõe nada, é o estado
do, que eles fiquem a vontade para que impõe uma negociação. E o con-
um ouvir o outro e fazer as suas con- ciliador não, ele mostra, ele mostra
trapropostas, suas propostas. Ques- as partes a melhor opção para resol-
tionam a empresa se houve uma ver o problema” (Conciliadora)
proposta anterior por parte do con-
sumidor ou não, questionam o con- Também na sua fala, a conciliadora ressal-
sumidor quais são as possibilidades ta que é papel do conciliador mostrar os
de pagamento, se ele tem interesse aspectos positivos e negativos da situa-
em uma proposta a vista, se ele tem ção, fazendo com que uma parte se colo-
interesse em uma proposta parcela- que no lugar da outra121, criando um am-
da, e aí vai o andamento da sessão.” biente adequado e propício para que as

121 “E assim, sempre, claro, tem uma das partes que é mais resistente que a outra, porque ninguém quer sair perden-

do dali, sempre tem um que se mostra mais resistente. Mas o conciliador, eu, por exemplo, eu tento mostrar um lado

146
partes busquem uma solução amigável. “O juiz que homologa foi designado
desde o começo, a gente começou
As sessões de conciliação deverão durar a realizar as audiências e periodi-
cerca de 20 a 30 minutos e, ao final, se- camente a gente manda os termos
rão três os possíveis resultados: a) ses- para ele. Se tem alguma observação
são frutífera, b) sessão infrutífera e c) re- para fazer eles fazem, pequeno de-
agendamento. talhe, algum documento que esteja
faltando ele nos devolve. A parte de
Na hipótese de haver acordo, as partes e Secretaria e de Cartório é feita toda
o conciliador assinarão termo de sessão aqui. Ele homologa e nos devolve
frutífera, que será enviado para homolo- esse termo original. Lá, o procedi-
gação por magistrado122. Há um juiz es- mento que é feito, a gente sabe que
pecífico designado para a homologação ele registra no sistema do TJ, onde
dos acordos firmados dentro do escopo gera número para o TJ, como se esse
do programa. A função deste magistra- acordo fosse feito em um juizado
do é unicamente verificar a presença de normal. Ele deve arquivar de alguma
requisitos formais e materiais suficientes forma, mas volta o original para mim
à homologação de acordo; todo o res- e aqui a gente tem um arquivo, que
tante do procedimento de conciliação é a gente disponibiliza para as partes
realizado pelos funcionários e concilia- um termo homologado.”
dores do CBMAE / PACE.
Também na hipótese de a sessão de con-
Assim, segundo relata funcionária do ciliação não resultar em acordo, partes
programa, após a realização de audiên- e conciliador assinarão termo descritivo
cia frutífera, o procedimento de concilia- do ocorrido na sessão. Todavia, o docu-
ção, que contém documentos das partes mento não será submetido à homologa-
e termo descritivo de sessão frutífera, ção por magistrado e o procedimento
será encaminhado para a homologação de conciliação será arquivado, segundo
pelo juiz e prontamente devolvida para relata funcionária do programa:
arquivo no CBMAE / PACE:

positivo, um lado negativo, tento fazer com que ele se coloque no lugar do outro, é normal isso, vamos dizer assim,

uma técnica que as vezes é até difícil do conciliador também ter um equilíbrio, tranquilidade, para poder passar

segurança para a parte também que fala: ‘não, realmente vocês têm razão, seria melhor dessa forma’”.

122 Sobre isso explicou funcionária do programa: “Audiência frutífera. Deu acordo, todos assinam. Logo abaixo do

texto tem um espaço destinado à homologação do juiz. Imprime-se 3 vias, todos assinam, o conciliador e as 2 par-

tes. Fica uma via com o conciliador e uma via com cada parte. Lembrando que essa via que fica com as partes não

está homologada ainda, ela é uma via provisória, para efeito de que o consumidor precisa ir até a loja para pagar

ou retirar o boleto ele vai ter essa via para se apoiar. Depois que aconteceu a audiência a gente pega esse proce-

dimento, faz a pastinha de processo normal, ele recebe um número de procedimento, a gente faz a numeração das

páginas e manda para o juiz.”

147
“Outro desfecho: houve a concilia- para as duas partes.” (Funcionária)
ção, mas não houve o acordo, por
um motivo ou outro as partes não “Para que você tenha um bom êxito
entraram em uma composição. Do no final é importante que as partes
mesmo jeito lavra-se um termo de também queiram que isso aconte-
audiência infrutífera. Naquele termo ça. Eu pelo menos vejo assim. Não
a parte pode colocar a proposta que adianta você iniciar uma sessão de
ela trouxe, a empresa, e o consumi- conciliação em que uma parte ela
dor podem colocar o que para ele se mostre resistente do início ao fim,
seria bom, mas que não aconteceu, você tem que quebrar isso, para que
e o conciliador remete esse proce- haja êxito e para que elas possam, de
dimento ao arquivo por não acordo comum acordo, dar prosseguimento
entre as partes. Da mesma forma, 3 a negociação, a enfim de resolver os
vias são emitidas, todos assinam e seus problemas e chegar a um de-
a gente faz a pastinha, mas remete nominador comum final. Então aci-
ao arquivo, não vai para o juiz. Vira ma de tudo, acho que além do papel
número para a gente, negativo, que do conciliador, de saber lidar, ter essa
a gente chama, mas não vai para ar- técnica dessa conciliação, da conver-
quivo.” sa, desde o início, é importante tam-
bém que as partes queiram que isso
Finalmente, a sessão de conciliação poderá aconteça” (Conciliadora)
ser reagendada caso as partes assim julguem
necessário. Nesse momento, será elaborado ter-
Supervisão e gestão das sessões de me-
mo de adiamento de sessão, que será juntado ao
procedimento de conciliação. diação

Quando da criação do CBMAE - MS fo-


Segundo afirmado pelos entrevistados, ram promovidos cursos de capacitação
uma boa conciliação será aquela cons- para conciliadores promovidos pelo CB-
truída consensualmente pelas partes em MAE Nacional. O público-alvo era qual-
conflito, a qual elas voluntariamente te- quer pessoa interessada e com diplo-
nham aderido e que cujo resultado traga ma de ensino superior, o que permitiu a
satisfação a todos os envolvidos: formação de um corpo multidisciplinar
de conciliadores no CBMAE - MS. Nes-
“Na minha visão é a vontade das par- se sentido se manifestou funcionária do
tes e a solução rápida do problema. programa:
É em que as duas partes saem satis-
feitas. Eu acho que é equilíbrio entre “Brasília ditou as regras e a estru-
as partes na solução dos problemas. tura de como é que teria que ser a
E um acordo satisfatório para que CBMAE. E quem seriam esses conci-
haja realmente o cumprimento des- liadores? O principal requisito para
se acordo. Porque como eles não são que se constitua é que faça o curso.
obrigados a fechar acordo, então O curso é oferecido por Brasília pela
quando fecha é porque ficou bom CBMAE Nacional. A primeira turma

148
aconteceu em 2009, com 25 ou 26 certo controle exercido pela própria rede
pessoas. Os requisitos eram ter cur- de conciliadores da CBMAE. Trata-se de
sado o ensino superior completo, in- proposta pendente de apreciação junto
dependente da área. Então dentro ao PACE.
do quadro nós temos profissionais
do serviço social, psicólogos, arqui- O diferencial do programa
tetos, engenheiros, mas em grande
número são advogados e adminis- O grande diferencial trazido ao progra-
tradores. A segunda turma fez o cur- ma pela parceria estabelecida com o
so aqui em Campo Grande, em uma TJMS consiste na disponibilização de um
fase online, teórica, e uma fase pre- magistrado para homologar os termos
sencial, em duas visitas.” de audiência de conciliação frutífera.
Isto porque a chancela por um magistra-
Ainda sobre a capacitação ofertada pelo do traz maior credibilidade e aumenta
CBMAE Nacional, verifica-se que a parte a incidência de cumprimento voluntário
teórica foi feita de à distância e a par- do acordo firmado pelas partes. Nesse
te prática consistiu em dois encontros in sentido se manifestou funcionária do
loco. Após a Resolução nº 125/2010, os programa:
profissionais capacitados atuantes nas
câmaras passaram por um curso de re- “Sem dúvidas, a parceria com o TJ foi
ciclagem. Reconhece-se que a capaci- fundamental. As pessoas ainda têm
tação ofertada pela CBMAE não se con- esse costume e a prática da confia-
funde com aquela exigida pelo CNJ123, bilidade quando tem homologação
muito embora seja realizada mediante pelo juiz. O que eles acham aqui no
parâmetros similares. Há, inclusive, uma PACE é a facilidade, a desburocrati-
crítica no sentido de a capacitação para zação, a economia, a facilidade, mas
atuação no Judiciário ser de difícil aces- nada que se tire a importância da
so aos conciliadores do PACE124. homologação do TJ. Chama muita
atenção a facilidade, mas quando a
Sobre a supervisão, uma conciliadora gente cita que vai ser homologado,
entrevistada relata não haver um proce- com certeza.”
dimento de supervisão, ainda que haja
123 124

123 “O Tribunal, ele tem o seu projeto de capacitação, criado pelo CNJ, é diferente. Tanto que hoje se exige, para

você ser um mediador, no judicial, um conciliador pelo CNJ você precisa fazer as horas, a capacitação exigida pelo

CNJ. Tem que passar por todo aquele estudo de práticas, horas práticas que você tem que comprovar. A nossa

capacitação também foi assim, só que não é a mesma” (Mediadora)

124 Agora, para eu atuar no Núcleo do Tribunal de Justiça, que é o projeto do CNJ, eu preciso ter a capacitação do

CNJ. E essa capacitação do CNJ, que nós, conciliadores que atuamos na Câmara, não conseguimos fazer aqui no

estado. A gente não consegue fazer, eles não divulgam, não falam, e quando a gente procura já encerrou as ins-

crições, é uma coisa meio fechado, é como se fosse uma concorrência, que até eu não consigo entender, porque a

gente trabalha para eles (Mediadora)

149
“Eu acho que as pessoas conseguem Acessibilidade e equilíbrio de poderes
resolver. Pelo menos aqui em Campo
Grande, por mais que exista a Defen- Segundo informações prestadas pelos en-
soria, por mais que existe o Judiciá- trevistados, raramente as partes compa-
rio, é bem aquilo, a pessoa já vai na recem às sessões de conciliação acompa-
cabeça achando que ela tem que ir nhadas de advogado. Isto se deve à orien-
com advogado. Aqui a gente faz um tação realizada pelos funcionários do pro-
serviço social. Eu vejo muito como grama aos seus usuários, especialmente as
um serviço social. Como um auxílio pessoas jurídicas127, de que é desnecessária
jurídico, uma assessoria jurídica gra- a presença de advogado na sessão.
tuita para a sociedade em geral.”
De todo modo, se apenas uma das partes
Outro aspecto apontado pelos entre- aparece assessorada por advogado, o con-
vistados como diferencial do programa ciliador indaga à outra parte se deseja re-
consiste na celeridade, facilidade e baixo marcar a sessão128 ou se concorda em par-
custo que procedimento de conciliação ticipar de conciliação mesmo desacom-
e os serviços do programa oferecem125. panhada de advogado. Existe também a
Além disso, a localização do programa possibilidade de o advogado presente não
dentro da sede de associação comercial, participar da sessão de conciliação.
que oferece serviços diversos á popula-
ção, também foi apontado como dife- Caso a parte não acompanhada de ad-
rencial porque promove maior contato e vogado aceite participar da sessão de
conhecimento da população a respeito conciliação mesmo sem a presença de
do CBMAE / PACE e do método da con- advogado, o conciliador deve orientar as
ciliação126.
125 126127 128
partes sobre a natureza dialogal do pro-

125 Nesse sentido se manifestou funcionária do programa: “Para mim o diferencial é esse mesmo, além da econo-
mia e da celeridade, eu acho que é a divulgação da conciliação amigável. A desburocratização. A gente consegue

resolver um problema que ia se arrastar aí pelo judiciário, por tempos, ocupando tudo. Ocupando o Poder Público,

ocupando o tempo do juiz, que poderia estar fazendo outras coisas mais complicadas.”

126 Funcionária do programa argumentou nesse sentido: “Para mim o diferencial é isso, é a divulgação e a orientação

que a gente passa para as pessoas que desconhecem o serviço. Eu não sei se a nossa grande vantagem é a gente estar

do outro lado da moeda, porque nós estamos dentro de uma casa empresarial, a gente sabe como é que funciona o

sistema, a parte de negativação, a gente sabe o que é que o empresário pode e não pode fazer, e aqui a gente não está

por nenhuma bandeira.”

127 Conforme se denota na afirmação feita por funcionária do programa: “Acho que esse ano, de 10 empresas veio

um advogado, mas ele nem assinou como advogado porque ele também é funcionário da empresa. A gente prefere

que venha preposto. A gente orienta que não venha com advogado porque a gente sabe que seria interessante que

a outra parte tivesse com defensor público. Então, já que, para que fique patamar igual.” e “A gente orienta que não

venha, mas eu não posso proibir uma parte de querer trazer o advogado dela para assistir a conciliação. Mas a parte

contrária, que vai realizar a conciliação, ela é sempre consultada, consultada por um conciliador.”

128 Nesse sentido se manifestou funcionária do programa: “Tem que haver o consentimento de todas as partes para

que haja a conciliação. O conciliador vai orientar, olha, você está ciente que a parte contrária está com advogado, o

senhor tem interesse em continuar com a conciliação?”

150
cedimento e da não obrigatoriedade de não pode dar orientações jurídicas nes-
realizar acordo. Nesse sentido argumen- sas situações:
tou funcionária do programa:
“(...) porque não pode ter esse de-
“As partes são orientadas de que elas sequilíbrio, a gente vê uma pessoa
não são obrigadas a aceitar nenhum humilde, que não tem conhecimen-
tipo de acordo. (...) A conciliação é to jurídico daquele assunto, e está
vontade das partes, exclusivamente ali numa sessão de conciliação com
vontade das partes, então, eu não uma parte que está super separada,
acredito que haja um prejuízo.” é complicado você seguir adiante.
Então o conciliador ele interrompe e
Em situações nas quais há manifesto orienta que se venha acompanhado,
desequilíbrio entre o individuo que não porque a gente não pode fazer o pa-
comparece acompanhado por um advo- pel de advogado para aquele profis-
gado e a empresa, o conciliador poderá sional que está sem o advogado, o
interromper a sessão e orientar a parte conciliador não pode, ele não pode
no sentido de que venha comparecido a dar essa sugestão jurídica, de papel
uma próxima ocasião acompanhada de de advogado” (Mediadora)
advogado. Idealmente, a parte poderia
buscar orientação junto a um suporte VI. 8. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA
jurídico oferecido pela própria câmara129,
consistente em um advogado ad hoc de Como o CBMAE / PACE não realiza um
plantão. De todo modo, o conciliador levantamento sistemático das percep-

129 “Existem aquelas pessoas bem humildes que vão, que procuram a Câmara para resolver com financeira, com

banco. Quando se convida essas empresas para irem eles vão com os seus prepostos, as vezes o próprio advogado

como preposto. E quando é essa situação e a gente percebe que há um desiquilíbrio, a gente orienta, até com o su-

porte jurídico da Câmara, entendeu? De dar esse suporte, essa assessoria jurídica que no momento que o consumi-

dor está ali sem o profissional, sendo que a parte mais forte está acompanhada do profissional. (...) A Câmara possui

um advogado ad hoc, um assistente jurídico para dar uma assistência jurídica para aquele que não está com o seu

advogado. Mas, se não, a gente procura suspender, interromper a audiência (...). Mas isso é muito difícil acontecer,

comigo nunca aconteceu. Nunca precisei fazer isso, mas as vezes pode acontecer. ” (Mediadora).

A entrevistada esclareceu, contudo, que a câmara ainda não conta com esse tipo de apoio: “A Câmara mesmo, por

exemplo, eu acho que seria interessante, inclusive já sugeri, de ter um suporte, um assistente jurídico. Geralmente

esse profissional entra nesse momento para esclarecer para esse consumidor o direito dele, orientá-lo. Porque o

conciliador não pode fazer isso. Eu vejo assim, eu como conciliadora não posso fazer papel de advogada da uma

parte, orientar ele”.

151
ções dos usuários a respeito do progra- simbólico, a existência e sobrevivência
ma, a equipe de pesquisa deixou survey do programa dependem de investimen-
para os usuários responderem após as to institucional. Atualmente o custeio do
sessões de conciliação. Dentre os formu- CBMAE / PACE é realizado integralmen-
lários preenchidos pelos usuários e en- te pela ACICG devido ao seu interesse
viados à equipe de pesquisa, foi possível em realizar projeto social.
constatar que a totalidade indicava ter
a conciliação resultado em acordo total Assim sendo, foi apontado que para o
ou parcial. Bem assim, a totalidade dos aprimoramento e expansão do programa
usuários que respondeu aos surveys se será necessária a ampliação dos recur-
demonstrou plenamente satisfeita com sos destinados ao CBMAE / PACE. Além
o procedimento e com seus resultados. disso, conforme argumenta funcionária
do programa, seria ideal que o aumento
Uma possível hipótese para explicar tais no investimento proviesse tanto da as-
resultados é que os usuários veem no sociação comercial como do Tribunal de
programa uma arena para resolver mais Justiça:
facilmente seus conflitos creditícios.
Conforme explicado pelos funcionários “Física e pessoal. (...) Mais sala e mais
do programa, a pessoa física usuária do pessoal, que a gente não dá conta.
programa é geralmente de baixa renda Uma semana de conciliação é uma
e pouco escolarizada, e o credor pode loucura. E esse ano nós trabalhamos
vir a ser pessoa jurídica sem sede na ci- em 3, com a estagiária. A estrutura
dade de Campo Grande. Assim, a sessão da Associação Comercial ela está
de conciliação do CBMAE / PACE acaba dando o que ela pode, mas ela não se
por se transformar em espaço onde tais paga, então acaba sendo uma coisa
dificuldades são contornadas, tanto pela social, eu acredito que é por isso que
facilitação do diálogo viabilizada pelo ela ainda não tenha desistido do pro-
conciliador, como pelo envio de repre- jeto. (...) Eu acho que falta um pouco
sentante da pessoa jurídica a local onde de investimento.” (Funcionária)
as partes possam pessoalmente resolver
seus débitos. “Então, eu acho que se fosse aprimo-
rar, talvez com um maior reconheci-
i. PERCEPÇÕES SOBRE O QUE mento do próprio TJ do serviço que
PODERIA MELHORAR NO a gente faz aqui, eu acho que cres-
PROGRAMA E SEU FUTURO: ceria e a gente conseguiria ampliar
mais.” (Funcionária)
O principal elemento apontado pelos en-
trevistados como merecedor de melhora “O problema é que tudo envolve ver-
no programa consiste na escassez de re- ba e nem sempre se tem essa verba.
cursos físico, financeiro e pessoal. Como Então precisa gerar receita. A Câma-
a maioria dos procedimentos conduzi- ra ela precisa gerar receita para po-
dos pelo CBMAE / PACE é gratuito ou, der fazer várias outras coisas. Então
quando remunerados, oferecem retorno vontade é que o que não falta, de

152
trabalhar, porém não é todo mundo Também foi destacada a necessidade de
que quer pagar” (Mediadora) se promover a reciclagem dos concilia-
dores ou desligamento daqueles que não
Os entrevistados também afirmaram estejam atuando na prática para envol-
ser necessário melhorar a forma de di- vimento de novos profissionais, com um
vulgação do programa, que atualmente acompanhamento mais efetivo do seu
se restringe aos boletins da ACICG, à lo- trabalho e a realização da supervisão130.
calização física do CBMAE / PACE e à
veiculação das semanas de conciliação Em relação ao futuro do programa, os
nos principais meios de comunicação. entrevistados demonstraram preocupa-
A divulgação por meio de palestras co- ção quanto à sua continuidade devido à
munitárias e com empresas filiadas foi natureza da vinculação institucional do
apontada como sendo bastante efetiva CBMAE / PACE com a ACICG e o TJMS.
na captação de usuários pessoas físicas Conforme explicado anteriormente, a
e jurídicas, motivo pelo qual se considera parceria entre a ACICG e o Judiciário foi
deveriam ser realizadas com maior pe- realizada mediante convênio que deter-
riodicidade. Todavia, segundo aponta- mina ser obrigação exclusiva da Asso-
ram tanto uma funcionária do programa ciação o custeio e gestão do programa.
quanto uma mediadora, para a amplia- Assim, o funcionamento e continuidade
ção da divulgação do programa seria ne- do CBMAE / PACE são inteiramente de-
cessário que houvesse ampliação na sua pendentes de repasses oferecidos pela
estrutura física e pessoal: diretoria da ACICG.

“Eu acho que uma divulgação tam- Todavia, isso significa que a cada troca
bém. É, mas para rebater na divulga- de gestão da Associação é necessário
ção a gente teria que ter uma estru- ao coordenador do programa solicitar a
tura maior.” (Funcionária) renovação de repasses financeiros pela
ACICG ao CBMAE / PACE. Conforme ar-
“(...) expandir essa divulgação de ou- gumenta funcionária do programa, em-
tra forma, não só em momentos de bora a renovação do programa tenha
campanhas, enfim, mas mais no dia a sido autorizada pelas últimas gestões
dia, fazendo palestras, reuniões com da Associação, não há garantia de que o
empresários, com sindicatos, fazen- mesmo será ocorrerá nas próximas ges-
do a divulgação do sistema para es- tões:
ses empresários. Toda Câmara tem
um difusor, um profissional que faz “É uma luta a cada gestão para a
o marketing, a venda da Câmara. En- gente manter o projeto. Não é fácil.
tão eu acho importante a Câmara ter A gente está há 3 gestões dentro da
esse profissional” (Mediadora). Associação Comercial. E é tudo aqui-
lo: a gente mostrar que vale a pena,

130 “Quem não está ativo no quadro passa muito tempo sem fazer nenhuma prática, eu acho que tem que existir

uma reciclagem, ou um desligamento para fazer novos profissionais, e novos profissionais que realmente tenham in-

153
que é um serviço social, que levanta no projeto. A gente não tem como
a bandeira da Associação Comercial falar para você que daqui a 5 anos
local. Toda gestão, toda diretoria da o projeto vai continuar se não exis-
entidade que entra, a gente tem que tir uma dedicação tanto do TJ, que
ir lá e conquistar ela e mostrar que é uma parte do convênio, quanto da
vale a pena. Não morreu ainda por- entidade que se mantém.”
que os presidentes têm acreditado

VII. O QUINTO ESTUDO DE CASO – REGIÃO


NORTE
VII. 1. A ESCOLHA E DESCRIÇÃO DA e pelo uso de técnicas de mediação na
MEDIAÇÃO NA DEFENSORIA busca de soluções coletivas para proble-
PÚBLICA EM TUCURUÍ mas que afetam a população hipossufi-
ciente do município, tais como a prote-
Assim como nas demais regiões estu- ção ao deficiente físico, idoso, criança e
dadas, os critérios de escolha adotados adolescente e mulheres vítimas de vio-
para a região Norte levaram em consi- lência doméstica.
deração a representatividade da prática,
envolvimento dos atores do sistema de VII. 2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
justiça, institucionalização, consolidação PROGRAMA
e existência de informações para a pes-
quisa de campo e coleta de dados. Nesse A Lei Complementar nº 80, de 12 de ja-
sentido, chegou-se à conclusão de que neiro de 1994, organiza a Defensoria Pú-
o trabalho desenvolvido pela Defenso- blica da União, do Distrito Federal e dos
ria Pública no Município de Tucuruí seria Territórios e prescreve normas gerais
significativo para apontar possibilidades para sua organização nos Estados. Em
para o uso da mediação no desempenho seu art. 4º, inc. II, estabelece como fun-
das funções institucionais desse ator do ção institucional da Defensoria Pública
sistema de justiça, destacando-se suas “promover, prioritariamente, a solução
potencialidades e também os desafios extrajudicial dos litígios, visando à com-
encontrados. posição entre as pessoas em conflito de
interesses, por meio de mediação, conci-
Como se verá a seguir, o programa de liação, arbitragem e demais técnicas de
Tucuruí destaca-se por sua interlocução composição e administração de confli-
com organizações da sociedade civil tos”131.

teresse, se mostrem interessados em trabalhar como conciliador, mediador ou árbitro. Talvez fazer um acompanha-

mento, mais acompanhamento da Câmara para ver qual está sendo o resultado dela. E os próprios conciliadores,

sempre estarem reciclando, capacitando, fazendo outros tipos de reciclagem em técnicas” (Mediadora).

154
A Defensoria Pública do Estado do Pará, Com esse foco, a 2ª Defensoria Pública
por meio da Instrução Normativa Nº do Estado do Pará no Município de Tu-
007/09-DP/GAB132, recomendou aos De- curuí, vem realizando um programa de
fensores Públicos que priorizassem a so- mediação que pode ser subdividido em
lução extrajudicial de conflitos, inclusive dois modos distintos de atuação: um re-
por meio de audiências públicas: alizado de modo individual e outro insti-
tucional, que visa articular entidades em
“Art. 1º Recomendar a todos os De- prol da concretização de um interesse
fensores Públicos que priorizem a transindividual.
promoção da solução extrajudicial
dos litígios, visando à composição Ainda que não possua uma regulamen-
entre as pessoas em conflito de inte- tação específica, a Defensoria Pública
resses, por meio de mediação, conci- promove a criação de conselhos repre-
liação, arbitragem e demais técnicas sentativos de interesses desses grupos
de composição e administração de vulneráveis, que, por sua vez, têm sua
conflitos, podendo, inclusive, convo- estrutura formalizada por meio de regi-
car audiências públicas para discutir mentos. Esses conselhos são formados
matérias relacionadas às suas fun- por representantes de organizações da
ções institucionais. sociedade civil, das associações de bair-
ro, de entes das secretarias municipais
Art. 2º Recomendar que a judicializa- pertinentes, instituições de pesquisa e
ção dos conflitos seja adotada ape- ensino e um representante da própria
nas quando esgotados os caminhos Defensoria Pública.
da tentativa de conciliação, a fim de
que seja dado cumprimento à dispo- A Defensoria auxilia esses grupos a for-
sição da Lei Complementar Federal marem esses conselhos, disponibilizan-
132/09 que priorizou a solução ex- do, inclusive, o modelo e os parâmetros
trajudicial dos litígios como função utilizados para a estruturação regimental
institucional da Defensoria Pública”. desses órgãos134. Dentre outras disposi-
131 132 133 134

131 Redação alterada pela Lei Complementar nº 132, de 7 de outubro de 2009.

132 Defensoria Pública do Estado do Pará. Instrução Normativa Nº 007 /09-DP/GAB. Disponível em http://www.defen-

soria.pa.gov.br/anexos/File/intrucoesNormativas/2009/IN07-2009.pdf. Acesso em 05/10/2014.

133 “Os Conselhos são bons hoje justamente para fazer com que a gente consiga condensar essa demanda, e

também por serem órgãos paritários, seriam órgãos governamentais e não governamentais, pegar a solução de

algumas pessoas dentro do âmbito do próprio Conselho. Aí o que nós temos aqui? Nós temos as leis, como foram

feitas as leis, no caso o regimento do Conselho, para que justamente caso alguém realmente tenha interesse em

implementar no seu município, que possa ter o modelo da lei, ter o modelo do regimento, para que isso venha facili-

tar. O resto, procedimento de audiência pública é algo da lei, a gente segue exatamente os parâmetros que já estão

previstos para a formação de audiência pública” (Coordenador do programa e Defensor Público)

134 “Foi criado o Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência em Tucuruí e foi entregue ao Executivo

Municipal a minuta da lei para criação do Conselho Municipal de Direitos do Idoso. Existe previsão de aprovação

155
ções, o regimento outorga aos conse- civil para busca de soluções mediadas
lhos a função consultiva, deliberativa, fis- para problemas que afetem grupos hi-
calizadora e de articulação de políticas possuficientes, tais como idosos, defi-
voltadas à proteção dos interesses dos cientes, criança e adolescentes e mulhe-
grupos vulneráveis representados135. Os res vítimas de violência doméstica.
conselhos atuam diretamente com a De-
fensoria Pública nos casos de mediação VII. 3. O DESENHO E
interinstitucional, participando da elabo- FUNCIONAMENTO DO
ração e da implementação das políticas PROGRAMA
negociadas entre os grupos e organiza-
ções da sociedade civil e o Poder Públi- Público-alvo, estrutura e objetivos
co.
Tanto no atendimento individual quan-
Nos casos individuais, as partes que se to na mediação chamada interinstitu-
dirigem à Defensoria em busca de assis- cional, o programa visa atender pesso-
tência jurídica são atendidas e encami- as em situação de vulnerabilidade, tal
nhadas à mediação, a qual é realizada como previsto pela Lei Complementar
antes da designação de um defensor nº. 80/1994136.
que atuará na defesa de seus direitos. A
parte contrária é convidada para a ses- Segundo seu Coordenador (e também
são de mediação, na qual um defensor Defensor Público), o uso de técnicas
atua como terceiro. consensuais tem sido visto como uma
forma de concretizar essa função da De-
Já a atuação institucional consiste na fensoria Pública de proteção aos vulne-
articulação desempenhada pelos defen- ráveis em uma perspectiva mais ampla,
sores junto a instituições públicas, entes que busca soluções coletivas a esses
privados e organizações da sociedade problemas, usando-se de meios extraju-

da lei ainda esse ano de 2014. O Conselho da Mulher já havia sido criado. Os conselhos são órgãos importantes nas

mediações, pois eles fiscalizam o cumprimento das leis, bem como as entidades governamentais e não-governa-

mentais de atendimento; formulam, acompanham, fiscalizam e avaliam a Política Municipal dos Direitos; indicam as

prioridades a serem incluídas no planejamento municipal quanto às questões que lhe dizem respeito, enfim, trazem

demandas para que DP possa mediar e buscar a solução extrajudicial desses conflitos” (Coordenador do programa

e Defensor Público).

135 “Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...) XI – exercer a defesa dos interesses

individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da

mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção es-

pecial do Estado;”

136 “Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...) II – promover, prioritariamente, a

solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de

mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;”

156
diciais, o que também pode ser compre- trajudiciais e a defesa de grupos vulnerá-
endido como uma função institucional veis, tanto de uma perspectiva individual
da Defensoria Pública, conforme art. 4º, quanto coletiva138.
inc. II, da referida lei complementar137.
Todos os mediadores atuantes são de-
“Eu coloco a mediação com o ponto fensores públicos, seja no âmbito indivi-
principal, porque a Defensoria Públi- dual, seja quando da realização de me-
ca, por exemplo, não tem recursos diações interinstitucionais envolvendo
para implementar determinado di- entes públicos, privados e organizações
reito, até porque não é sua atribui- da sociedade civil. Auxiliam na admi-
ção de forma direta. É o Município, é nistração do programa também outros
o Estado que tem que fazer. Através servidores da própria Defensoria, além
da mediação, chamando essas pes- de funcionários cedidos pela Prefeitura
soas, a gente consegue checar a ne- Municipal. Há, portanto, certo hibridismo
cessidade de determinados direitos na atuação dos defensores públicos em
que nós temos observado, não só em Tucuruí, na medida em que iniciam seu
relação ao Poder Público, mas tam- relacionamento com os assistidos como
bém a iniciativa privada. Por exem- terceiros facilitadores e, caso não seja re-
plo, acesso à cultura, a lazer, que às alizado um acordo e haja a necessidade
vezes acontecia de determinado em- de judicialização, passam a atuar como
presário não querer receber, permitir representantes da parte que buscou a
o acesso gratuito, seja num campo Defensoria Pública.
de futebol, seja numa boate. Com a
mediação, chamando as partes aqui, Triagem e agendamento:
nós temos conseguido desenvolver
muita coisa (Coordenador do pro- No âmbito individual, o encaminhamen-
grama e Defensor Público)” to para mediação é realizado logo após
o primeiro atendimento feito pelos ser-
Assim, é possível afirmar que o progra- vidores, que já efetivam também uma
ma de mediação da Defensoria Pública triagem para verificar se o caso pode ser
de Tucuruí tem como objetivo a realiza- remetido à mediação. O critério é essen-
ção das funções institucionais do órgão cialmente a disponibilidade do direito,
no que diz respeito ao uso de meios ex- sendo que a regra é a tentativa de solu-
137

138

137 “Há mediações de natureza coletiva. Por que coletiva? Porque a gente vê que é uma determinada entidade que

representa toda uma coletividade, que está buscando a solução de acordo, para que a Defensoria Pública exerça

esse papel de mediador ao poder público, ou junto a um determinado segmento empresarial. Há as mediações que

são individuais, tanto as mediações de natureza coletiva. A gente tem buscado a mediação coletiva justamente

porque são mais eficazes” (Coordenador do programa e Defensor Público).

138 “Alguém procura a Defensoria e os Defensores não tomam conhecimento, pois as pessoas procuram as ser-

157
ção extrajudicial, sendo excluídos apenas tituição a narrar o problema enfrentado
os casos nos quais o acordo seria inviável. sob sua perspectiva, seguida da oitiva da
Os casos mais rotineiros são questões de parte contrária. O defensor público tenta
família, vizinhança e consumo. então estimular que as partes cheguem
a um acordo:
Após o atendimento, a Defensoria Públi-
ca encaminha um motorista para levar “As pessoas sentam e os Defensores
a intimação à parte contrária, contendo explicam como é realizado o serviço
o dia e hora da sessão de mediação139. da Defensoria Pública e buscamos
Caso a parte não compareça ou se as solucionar as questões de manei-
partes não chegarem a um acordo, o de- ra extrajudicial, falamos das vanta-
fensor público irá representar aquela que gens de resolver dessa forma, que
buscou a instituição e ingressará com as as próprias partes chegam a um re-
medidas judiciais competentes. sultado, que tem um procedimento
muito mais rápido que um procedi-
Já nas mediações interinstitucionais, a mento judicial. Buscamos convencer
Defensoria Pública toma conhecimen- e influenciar as partes a buscar um
to das problemáticas envolvendo direi- acordo. Neste momento, ouvimos a
tos coletivos de grupos vulneráveis por pessoa que buscou a Defensoria e
meio de seus contatos com grupos e depois a outra pessoa que foi de-
organizações da sociedade civil, que re- mandada. Depois de ouvir, instiga-
metem suas demandas para que sejam mos para que as pessoas cheguem
realizadas audiências públicas nas quais a um ponto de acordo. Quando ve-
defensores públicos intermediam o diá- mos que as partes não vão conseguir
logo junto aos entes públicos e privados produzir esse resultado, fazemos as
envolvidos. propostas de conciliação, para que
justamente com esse estímulo venha
As sessões de mediação: a chegar a um acordo. Na maioria
das vezes, conseguimos chegar a um
Segundo o Coordenador do programa, acordo.” (Coordenador do programa
quando da realização da sessão individu- e Defensor Público).
al de mediação, o Defensor responsável
realiza integralmente o procedimento, Ainda com relação à mediação indivi-
explicando as vantagens da mediação dual, há uma sala adaptada dentro da
e estimulando a parte que buscou a ins- Defensoria Pública que é utilizada diaria-

139

vidoras encarregadas da triagem, que preparam o convite para a outra parte. Aí o motorista, que é um servidor

cedido para a Defensoria, entrega a intimação para a outra parte. A parte que procurou a Defensoria já sai ciente

do dia e da hora do atendimento. É nesse dia e hora que o Defensor toma conhecimento do caso”. (Coordenador

do programa e Defensor Público)

139 Uma reflexão crítica sobre esse ponto é esmiuçada no item “percepções do que pode melhorar no programa”.

158
mente para realização das sessões, que para já promover a mediação ou a
costumam a ser três por dia. Quando é conciliação, mas não há esse envol-
firmado um acordo, o Defensor Público vimento. Agora, claro, o Defensor, a
formaliza um termo que será levado à partir do momento em que entrar
homologação judicial somente quando com a ação, aí ele vai ficar só com
necessário. aquela parte, e vai ter outro defensor
para representar com a outra parte,
Quando perguntado sobre uma possível casos os dois sejam enquadrados no
confusão de papéis pelo Defensor que perfil da Defensoria Pública, que é
atua como mediador do caso e, quan- de pessoa carente (Coordenador do
do não realizado o acordo, representa a programa e Defensor Público).
parte que buscou a Defensoria Pública
em um processo judicial, o Coordenador Já as mediações interinstitucionais são
do programa afirma que não há risco de realizadas sob o formato de audiência
envolvimento com o caso. A seu ver, é pública, em que é aberta a participação
crucial o fato de que o Defensor Públi- da sociedade civil. A Defensoria Pública
co só toma conhecimento da situação organiza as sessões, abrindo inscrições
quando da sessão, de modo que não se para falas sobre as questões a serem en-
envolve previamente com a narrativa da frentadas, em geral no sentido da neces-
parte que buscou a instituição para ser sidade de implementação ou aprimora-
assistido140. mento de políticas públicas pertinentes
à proteção de interesse dos grupos vul-
A gente toma conhecimento do caso neráveis mencionados141.
no momento em que as partes estão
presentes. A gente não manda noti- Os defensores envolvidos no procedi-
ficação, a não ser para as partes es- mento escutam as manifestações e rea-
tarem presentes. Aí a gente só real- lizam perguntas aos grupos e entidades
mente toma conhecimento do fato envolvidas. Em seguida, alinham os pon-
quando as partes estão presentes tos colocados com o intuito de elaborar

140 “Inicialmente, abrimos as inscrições para que as pessoas na audiência pública possam colocar seus pontos

de vista, falar dos avanços, do que está faltando fazer, as críticas ao serviço público, por exemplo que está sendo

objeto de discussão. Após esse momento, são feitas perguntas para as pessoas que estão diretamente envolvidas.

Aí chega o momento em que as partes também colocam o seu ponto de vista, expõem as dificuldades que estão

sendo encontradas. A partir daí começamos a fazer as deliberações, com o objetivo de alinhar um termo de ajus-

tamento de conduta, no qual são fixados prazos para que seja realizado determinado procedimento. Findo esse

prazo, se não for observado o que foi ajustado na audiência pública, é que teremos que demandar com a Ação Civil

Pública. Só que entramos com essa ACP buscando uma solução que venha das partes. Temos evitado ao máximo

judicializar as questões, porque temos identificado que o judiciário está muito abarrotado de processos, porque en-

tendemos que as pessoas são levadas a procurar o judiciário e não a buscar soluções para o conflito. Temos também

uma função institucional da Defensoria Pública que é buscar uma solução extrajudicial dos conflitos, seja através da

conciliação, da mediação ou da arbitragem.” (Defensor Público e Coordenador do Programa).

141 WAISELFISZ, Julio Jacobo (coord.). Mapa da Violência 2012. Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil. FLAC-

SO BRASIL, 2012.

159
um termo de ajustamento de conduta, Como iniciativa inserida no projeto da
no qual são fixados prazos para reali- Voz Ativa, a Defensoria se colocou como
zação de determinados procedimentos. órgão de intermediação das tratativas
Caso o quanto acordado não seja cum- entre a Eletronorte e o Conselho Munici-
prido, a Defensoria Pública ingressa com pal da Mulher para a cessão de um pré-
a competente ação civil pública, levando dio para abrigar a Casa de Proteção da
as questões suscitadas pelas organiza- Mulher, tendo realizado audiência pública
ções da sociedade civil ao Judiciário. com participação de organizações de de-
fesa dos direitos da mulher e indivíduos
Nas entrevistas e na documentação ana- da comunidade. Sobre esse procedimen-
lisada, foram relatados casos específi- to e sobre a atuação interinstitucional da
cos de atuação da Defensoria Pública de Defensoria, o Coordenador comenta:
Tucuruí, tais como o trabalho realizado
com a Casa da Mulher (mulheres vítimas “Então com essa demanda do Con-
de violência doméstica), a Viação Tucu- selho da Mulher, nós estamos, e atra-
ruí (defesa de deficientes físicos), com a vés da audiência pública, fazendo
“Casa do Idoso – Lar São Francisco de um consentimento para que o esta-
Paula” (idosos), e o Conselho Tutelar do do venha a ficar, a se comprometer a
Município de Tucuruí (crianças e adoles- cumprir a sua parte, que é justamen-
centes). te uma questão pessoal para que a
Casa da Mulher venha efetivamente
A mediação interinstitucional envolven- a funcionar. Aí funciona dessa mes-
do questões relacionadas à violência do- ma forma, a Defensoria em alguns
méstica teve ensejo após a divulgação casos ela serve como um mediador
do Mapa da Violência de 2012142, em que entre alguma entidade, o Centro da
o Município de Tucuruí ocupou a 11ª po- Mulher, como nesse exemplo, ou um
sição entre os municípios com maiores Conselho de Deficientes, ou então o
índices de homicídios contra as mulhe- Conselho Tutelar, ou então até mes-
res. A Defensoria resolveu abordar esse mo associações.”
problema de forma mais ampla, desen-
volvendo o projeto da “Voz Ativa”, em No caso específico da Viação Tucuruí,
que são realizadas palestras, programas foi encaminhado um ofício pela Defen-
de rádio e outras iniciativas que visam à soria Pública à Viação Tucuruí narrando
conscientização de comunidades sobre que entidades de defesa do deficiente
a problemática da violência doméstica. físico compareceram à Defensoria para

142 A Defensoria também teve um papel fundamental na criação do Conselho, segundo a Coordenadora da Asso-

ciação Carajás: “Nós estávamos tentando há muito tempo e não conseguíamos. Quando falamos com o Defensor

público, ele teve uma atuação importante. A gente pedia sempre, mas nunca éramos atendidos. Nossos pedidos

eram sempre negados. Aí o Defensor começou a ir pessoalmente até que foi feita uma Conferência e foi implantado

o Conselho do Deficiente.” (Coordenadora da Associação Carajás de Pessoas com Deficiência).

160
reclamar dos serviços e do atendimento 30.07.2014.
realizado pela viação. A viação foi con-
vidada a comparecer na Defensoria, em A atuação da Defensoria Pública em ca-
28.05.2014 para discutir e buscar uma sos relacionados a pessoas com defici-
solução extrajudicial para o problema ências físicas é continua, usando-se de
com essas entidades e com os membros mecanismos consensuais na articulação
do Conselho Municipal de Defesa dos entre a sociedade civil e os entes envol-
Deficientes de Tucuruí. vidos, tendo mediado, inclusive, a cria-
ção do Conselho Municipal da Pessoa
A empresa compareceu na reunião com Deficiência – CMDPD, responsável
agendada e após todos serem ouvidos por deliberar, fiscalizar e articular polí-
em uma sessão intermediada por um de- ticas públicas (Regimento Interno, art.
fensor público, as partes chegaram às 4º)143.
seguintes recomendações a serem ob-
servadas pela empresa: (i) à Viação Tu- Sobre a participação da Defensoria Pú-
curuí, a capacitação e treinamento dos blica na busca de soluções extrajudiciais
motoristas; (ii) aos prejudicados que re- para problemas envolvendo pessoas
clamaram do tratamento dos motoristas com deficiência, a Coordenadora da As-
que, após 30 dias da audiência, ainda se sociação Carajás de Pessoas com Defici-
sentissem prejudicados, procurassem a ência relata:
Defensoria para ingresso de indenização
por danos morais; (iii) prazo para ma- “A Defensoria tem dado um grande
nutenção dos ônibus danificados; e (iv) apoio para gente. Todo tipo de pro-
ofício à Prefeitura e à Eletronorte soli- blema relacionado a pessoas com
citando a adaptação necessária para o deficiência que tem aqui, a defen-
transporte público. soria está mediando. Seja questões
jurídicas, de saúde, questões legisla-
Após o transcurso do tempo e também tivas. A Defensoria nos ajudou ago-
das respostas e providências tomadas ra a fundar o Conselho Municipal da
pela Viação Tucuruí, uma comissão for- Pessoa com Deficiência – CMDPD.
mada durante a audiência pública reali- Isso tudo graças à Defensoria [que
zou a inspeção nos locais determinados atua] através de reuniões nas quais
e em todos os ônibus, inclusive aqueles são convocadas as partes envolvidas
que estavam em funcionamento. Nessa para tentar conversar e resolver seus
inspeção, constatou-se que os proble- problemas.”
mas estruturais estavam devidamen-
te solucionados, motivo pelo qual se Já outro caso diz respeito à “Casa do
deu por encerrado o procedimento em Idoso – Lar São Francisco de Paula”, ins-

143 DEFENSORIA PÚBLICA DO PARÁ. Defensoria de eficientes - Programa de enfrentamento e mediação para im-

plementar direitos das pessoas com deficiência em Tucuruí. Documento gentilmente enviado pelo Defensor Público

da 2ª Defensoria Pública do Estado em Tucuruí.

161
tituição que cuida de idosos com defi- soria Pública e o Ministério Público, não
ciência, em sua maioria. Após chegar teria condições mínimas para cumpri-
ao conhecimento da Defensoria Pública mento de suas obrigações atinentes aos
diversas questões relacionadas às con- direitos das crianças e adolescentes da
dições de habitabilidade da instituição, cidade. Foram realizadas várias visitas
foi encaminhado ofício, em 10.06.2013, ao local pela Defensoria Pública e pelo
comunicando a realização de inspeção Ministério Público desde o mês de junho
aleatória. Segundo o Coordenador do de 2013, quando foi requerida a solução
programa, ainda que não tenha sido re- do problema ao Município de Tucuruí.
alizada audiência pública nesse caso,
a Defensoria mediou o conflito entre a A Defensoria Pública atuou como facili-
Prefeitura de Tucuruí e um familiar de um tadora das tentativas extrajudiciais entre
idoso lá abrigado acerca das condições a Prefeitura de Tucuruí e o Conselho Tu-
do local e passou a intervir e a acompa- telar na busca de soluções para o proble-
nhar o caso desde então para assegurar ma durante cerca de quatro meses. Não
que as medidas descritas no ofício enca- tendo sido encontrada uma solução ad-
minhado. ministrativa, foi ajuizada uma Ação Civil
Pública em conjunto pelo Ministério Pú-
O documento também consignou que o blico e pela Defensoria Pública, narrando
alvará de funcionamento estaria vencido que os conselheiros tutelares reclamam
e que a “Casa do Idoso” não teria alvará dessas deficiências, que foram também
de autorização sanitária, prescrevendo constatadas pela Defensoria Pública na
uma série de recomendações para me- visita realizada no local em junho de
lhoria do atendimento prestado aos ido- 2013.
sos. Por isso, o ofício também recomen-
da uma série de medidas a serem toma- Na sequência da ação judicial, as partes
das pela Coordenação da Casa do Idoso participaram em 24.08.2014 de audiên-
e também pelo Município de Turucurí. cia de conciliação do caso, quando en-
Após o envio do ofício, conforme rela- tão as partes anuíram com a concretiza-
tado pela Defensoria144, foram atendidas ção das seguintes medidas no prazo de
as recomendações, pois houve a amplia- seis meses (o que acabou também sen-
ção da área coberta do pátio central e a do deferido em sede de medida liminar
reforma da enfermaria e dos quartos da pelo juízo):
instituição.
“a) propiciar estrutura para acesso à
Outra iniciativa relatada foi quanto às internet no ambiente de trabalho, b)
condições do Conselho Tutelar do Muni- fornecer 05 computadores e impres-
cípio de Tucuruí, que, segundo a Defen- soras para realização do trabalho, c)

144 Mais considerações sobre esse e outros aspectos levantados nos casos serão discutidos criticamente nas Dire-

trizes para Boas Práticas de Mediação de Conflitos.

162
fornecer regularmente materiais de envolvendo direitos coletivos e políticas
expediente ao Conselho Tutelar, d) públicas e; (ii) as limitações decorrentes
fornecer 05 aparelhos de ar condi- da instituição de um programa em uma
cionado novos ao Conselho Tutelar, localidade em que o ator do sistema de
e) fornecer bebedouro, f) designar justiça possua uma estrutura pequena,
um motorista para revezar o servi- com poucos representantes.
ço com o único que há no local, g)
conceder diárias quando necessário Nos exemplos narrados, a Defensoria
ao deslocamento, quando em ativi- Pública recepcionou as demandas da so-
dade, h) construir mais um banheiro ciedade civil e as articulou junto aos en-
no local, com instalações condignas, tes públicos e privados, buscando uma
i) elaborar projeto de reforma e con- solução consensual para problemas de
cluir a mesma no prazo deferido”. cunho coletivo cuja efetiva solução de-
pende da implementação ou aprimora-
Para acompanhamento dessas medidas, mento de políticas públicas de proteção
o juízo determinou que no dia 23 de fe- de direitos de vulneráveis. Nesses casos,
vereiro de 2015 haverá uma inspeção ju- a Defensoria não pode ser entendida
dicial no local para averiguar o cumpri- como um terceiro totalmente isento, vis-
mento da obrigação. Não há notícia de to que representa os interesses desses
novas movimentações no processo. grupos, porém tendo sido capaz de me-
diar o diálogo entre outros atores para
Cursos de formação: a busca de uma solução concreta para
atendimento desses interesses.
Um fator relevante na análise do progra-
ma de Tucuruí é o fato de os defenso- Além disso, o programa de Tucuruí ex-
res não terem participado de cursos de põe as limitações de uma iniciativa rea-
formação em mediação. Afirma-se que lizada em uma localidade na qual o ator
o aprendizado sobre as técnicas é pas- do sistema de justiça possui uma atua-
sado de um defensor para o outro, con- ção mais limitada em termos de recursos
solidando-se boas práticas a partir das estruturais e humanos, o que demanda a
experiências concretas. São poucos de- busca por soluções criativas para a insti-
fensores no Município (apenas dois no tucionalização de meios extrajudiciais de
momento), o que inviabiliza iniciativas solução de disputas.
mais robustas de capacitação, ao mes-
mo tempo em que permite o comparti- Acessibilidade e equilíbrio de poderes:
lhamento mais direto de experiências.
Sobre a acessibilidade do programa, a
O diferencial do programa: Defensoria Pública busca a proximidade
com grupos vulneráveis, seja no âmbito
Dois fatores podem ser apontados como individual, seja em sua atuação coletiva.
diferenciais do programa, que justificam,
inclusive, sua escolha para a presente O Coordenador do programa afirma que
pesquisa: (i) o uso da mediação em casos não enfrenta dificuldades pelo fato de o

163
defensor que realiza a mediação ser res- parte dos casos resultou em acordo, sen-
ponsável pela sua representação em juí- do que a maioria dos respondentes de-
zo caso seja necessário o ajuizamento de clarou que tiveram a oportunidade de se
demanda judicial: expressar e que as regras foram bem es-
clarecidas no procedimento.
“Tomamos conhecimento do caso
no momento em que as partes estão Os pontos mais sensíveis do questio-
presentes. Os defensores não en- nário foram “senti que não fui pressio-
viam a notificação, quem faz isso é o nado a realizar um acordo” e “senti-me
servidor. Somente tomamos conhe- confortável durante o procedimento”,
cimento do caso quando as partes em que alguns respondentes afirmaram
estão presentes. Não há um envolvi- concordarem pouco ou discordarem
mento anterior com o caso. Somen- pouco dessa afirmação. Denota-se, por-
te quando não sai o acordo é que o tanto, que a percepção das partes acer-
Defensor vai representar uma parte, ca do procedimento é de fato um fator
se ela se enquadrar no perfil que a bastante delicado e que merece espe-
Defensoria deve atender. Procura- cial atenção, pois mesmo nos casos em
mos sempre a solução, que venha que houve acordo, os usuários relataram
das partes. Não temos envolvimento pontos em que não se sentiram plena-
com o fato, queremos apenas uma mente à vontade com o procedimento
solução que seja justa. No mais das de mediação.
vezes, o direito não está com a parte
que nos procurou, está com o outro.” Ainda assim, verificou-se que a maioria
dos respondentes declarou que procu-
VII. 4. A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA rariam novamente o programa para re-
solver outros conflitos e que indicariam
Como o programa não fazia um levanta- o programa para conhecidos. O uso
mento sistemático das percepções dos contínuo do formulário pelo programa,
usuários, a equipe de pesquisa deixou um mediante a realização das modifica-
survey completo para que os usuários res- ções tidas como necessárias pelos seus
pondessem após as sessões de mediação. próprios integrantes, seria fundamental
para melhor compreensão das questões
Os formulários foram preenchidos ao levantadas, permitindo-se um aprimora-
longo de um período de três semanas, mento efetivo e constante da iniciativa.
permitindo a equipe a aferir a recepti-
vidade dos usuários ao instrumento de i. PERCEPÇÕES DO QUE PODE
avaliação proposto e a verificar, sob um MELHORAR NO PROGRAMA
viés qualitativo (e não quantitativo), as
percepções dos usuários respondentes Uma das críticas feitas pelo coordenador
quanto ao procedimento e ao resultado do Programa é justamente o fato de que
das mediações realizadas no período. o mesmo Defensor que realiza a sessão
de mediação entre as partes, é o Defen-
De modo geral, constatou-se que a maior sor que ajuíza a ação, caso a solução ex-

164
trajudicial não seja atingida, por causa dicial dos conflitos, inclusive afirmando
do pequeno número de defensores. Nas que a arbitragem também deverá ser
palavras do Defensor da 2ª Defensoria utilizada como técnica de resolução de
Pública de Tucuruí, “o ideal é que outro conflitos pela Defensoria Pública:
[Defensor] viesse a propor a ação”.
“O papel da Defensoria como eu dis-
É necessário frisar que mesmo que o de- se, não é só essa questão judicial, a
fensor público tenha acesso ao caso a gente tem um extrajudicial fantástico
ser mediado somente quando as partes para desenvolver, e esse extrajudicial
comparecem em conjunto para a sessão passa muito pela questão da media-
de mediação, é muito complicado afir- ção, da conciliação. E acima de tudo
mar que o mediador necessariamente buscar reduzir essa desigualdade
não vai se envolver com o caso. Isso por- social que existe, buscar implemen-
que, eventualmente, na sessão de me- tar direito, buscar realmente desen-
diação as partes podem expor todos os volver. E fazer com que a Defensoria
seus argumentos, de modo que o defen- Pública venha a ser aquele órgão no
sor/mediador, que irá propor a demanda qual a população carente veja ali os
caso não seja realizado acordo, poderá seus representantes, as pessoas ali
ter acesso a informações privilegiadas que vão defender os seus interesses.
da parte contrária, o que poderia com- Mas seja qual for, o extrajudicial ou o
prometer a confidencialidade da media- judicial, a Defensoria tem um papel
ção e a imparcialidade do defensor145. fantástico ainda para ser desenvol-
vido, explorado. E não tenho dúvida
Nesse sentido, a Coordenadora da Asso- que a Defensoria Pública ela vai ter
ciação Carajás declarou “[n]osso muni- um papel muito importante até mes-
cípio é muito grande, se tivesse mais um mo para desafogar a situação do Ju-
defensor para o nosso município seria diciário, que hoje em dia a gente vê
ótimo. Mas os que tem fazem uma atua- os processos se arrastando durante
ção bem feita”. 10 ,15 anos, as vezes por falta de uma
conciliação efetiva. E se a gente real-
mente desenvolver essa conciliação,
ii. PERCEPÇÕES SOBRE O FUTURO essa mediação, a gente vai fazer com
DO PROGRAMA que somente algumas demandas
mesmo vão para o Judiciário, mas a
Ao ser questionado sobre o futuro do maioria das questões vão ser resolvi-
programa, o Coordenador Defensor pú- das aqui. Até mesmo a questão que
blico ressaltou a importância da mudan- a gente ainda não tem explorado,
ça no papel desempenhado pela própria que é a arbitragem, é algo que pode
Defensoria Pública na resolução extraju- ser desenvolvido também aqui na

145 O grau de institucionalização não é uma variável como as demais. Trata-se de uma variável abrangente, guarda-

-chuva, por permitir a agregação e a análise do peso de cada uma das outras variáveis.

165
Defensoria Pública, para que a gente grama irá melhorar nos próximos anos:
consiga chegar num resultado sem
precisar do Judiciário. Não que o “Quanto mais tempo passar vai es-
Judiciário seja ineficaz, o Judiciário, tar melhor porque as pessoas vão
claro, tem uma importância tremen- conhecer melhor o programa, vão
da. Só que o Judiciário, a gente sabe procurar até mais porque ainda é um
que nós temos que ter essa parceria programa novo no nosso município.
com o Judiciário para evitar essa ju- Muita gente ainda não tem conhe-
dicialização excessiva de processos.” cimento. Os outros defensores tam-
bém vão ter o mesmo carinho que os
A Coordenadora da Associação Carajás defensores estão tendo com o pro-
também tem a percepção de que o pro- grama.”

VIII. CONCLUSÃO
A partir dos estudos apresentados al- recursos humanos. A esses fatores de-
guns aspectos devem ser ressaltados. vem ser acrescidas a legitimidade ou o
Dentre eles, o grau de institucionaliza- reconhecimento por parte dos usuários
ção pode ser entendido como “variável- e a avaliação constante, como mecanis-
-resumo”146. Com efeito, um alto grau de mos que impulsionam a capacidade da
institucionalização implica regras conso- instituição de se renovar e se adaptar às
lidadas, que garantam o perfil e a conti- mudanças.
nuidade no tempo de uma prática ou de
procedimentos. Os casos examinados mostram dife-
rentes graus de institucionalização. Em
Nesse sentido, uma experiência de me- termos gerais, é possível classificar as
diação altamente consolidada seria práticas da mais institucionalizada até
aquela com condições de promover e a menos institucionalizada. Nessa lista,
consolidar métodos, de se manter no as práticas mais institucionalizadas são
tempo, independentemente das pessoas relacionadas ao Judiciário, ocupando o
que ocupem circunstancialmente posi- CEJUSC de Jundiaí e o NUPEMEC-MS
ções de liderança. Recursos materiais e posições de destaque, sendo práticas in-
humanos são fundamentais no proces- teiramente ligadas ao Poder Judiciário e
so de construção institucional. Recursos diretamente derivadas da Resolução nº
materiais sustentam as atividades, forne- 125 do CNJ.
cendo os meios para o desenvolvimento
das práticas. A especialização e a capa- Do mesmo modo, as práticas dos Nú-
citação, por sua vez, garantem a profis- cleos de Mediação Comunitária do Esta-
sionalização e o aperfeiçoamento dos do do Ceará também contam com uma

146 Convocação nº 02/2014 do Projeto BRA/12/13 - Fortalecimento do Acesso à Justiça.

166
institucionalização avançada, tendo em perfil das práticas examinadas. A aná-
vista que estão em pleno funcionamento lise dessa dimensão indica diversidade,
desde o ano de 1999, sendo certo que há havendo diferenças na abrangência dos
um aumento significativo no número de conflitos passíveis de tratamento a par-
núcleos do programa, contando, no mo- tir da mediação/conciliação. Em princí-
mento da pesquisa, com onze Núcleos pio, quanto mais delimitada a área de
de Mediação Comunitária. atuação, mais simples e direta a defini-
ção do perfil da instituição. Enquadra-se
Em contraste, a prática desenvolvida na nesse caso o programa da Confederação
região norte, a mediação da Defensoria das Associações Comerciais Brasileiras
Pública em Tucuruí, é a prática menos (CACB) - Posto Avançado de Conciliação
institucionalizada, a despeito das louvá- Extraprocessual da Câmara de Mediação
veis intenções de seus integrantes. e Arbitragem da Associação Comercial e
Industrial de Campo Grande (CBMAE /
O Programa Municipal de Pacificação PACE) que lida com conflitos relaciona-
Restaurativa de Caxias do Sul ainda está dos a direitos patrimoniais disponíveis.
no início de sua institucionalização, no
sentido de sua consolidação, dificultan- Do ponto de vista do tipo de conflitos, os
do a sua classificação. Contudo, pelo fato demais programas são mais complexos.
de ser um “programa piloto de segunda O rol de conflitos recebido pelo CEJUSC
geração”, que aproveitou as experiências - Jundiaí é bastante amplo, lidando com
do programa piloto de Justiça Restaura- causas cíveis, fazendárias, de família e
tiva de Porto Alegre, o programa Caxias previdenciárias. O Núcleo Permanente
da Paz tem um potencial de instituciona- de Métodos Consensuais de solução de
lização muito grande, tendo em vista, en- conflitos do Mato Grosso do (NUPEMEC-
tre outros, a promulgação da Lei do Mu- -MS) recebe conflitos envolvendo ques-
nicípio de Caxias do Sul, nº 7.754/2014, tões familiares ou cíveis.
que deu um passo importante rumo à
institucionalização do programa. O Programa dos Núcleos de Mediação
Comunitária do Estado do Ceará se dis-
Uma análise mais específica de cada tingue dos demais por abranger ques-
um dos componentes – tipo de confli- tões criminais. Inclui: ameaça, crime
to; capacitação; remuneração; estrutu- contra a honra, conflito de dívida, con-
ra; convênios; avaliação; percepção dos flito familiar, conflito de vizinho, reco-
usuários – que compõem a construção nhecimento de paternidade, conflito de
institucional aponta as seguintes carac- apropriação, conflito de imóvel, conflito
terísticas: trabalhista, conflito escolar, conflito so-
cietário, conflito do consumidor e pen-
são alimentícia.
1. Tipos de conflito:
Já as práticas do Programa Municipal de
Os tipos de conflitos são um compo- Pacificação Restaurativa de Caxias do
nente que contribui para a definição do Sul – Caxias da Paz – visam a atuar de

167
maneira pacificadora em conflitos de na- quadramento no perfil institucional de-
tureza diversa (e.g. infância, saúde, famí- corrente do tipo de conflito. Em princípio
lia, escola, crime, etc.). Mas o grande di- são todas as questões passíveis de atua-
ferencial consiste em ser uma das poucas ção da Defensoria Pública. A dificuldade
formas de obtenção de acordo no direito provém não do tipo de conflito, mas da
penal brasileiro, ao lado da transação pe- forma de atuação. Nessa experiência, um
nal, exclusivamente voltada às infrações mesmo agente se encarrega da atuação
penais de menor potencial ofensivo. Em- extrajudicial e da judicial, ocupando-se
bora não tenha sido objeto de estudo de todos os temas relacionados às atri-
específico desta pesquisa, apurou-se, buições da Defensoria Pública. O defen-
por informações diretamente colhidas sor público, em um primeiro momento,
pela coordenação junto ao Desembar- utiliza técnicas de mediação na busca
gador Coordenador da Câmara da Jus- de soluções coletivas para problemas
tiça Restaurativa do Tribunal de Justiça que afetam a população hipossuficiente
do Paraná, Roberto Bacelar, e dos juízes do município, tais como a proteção ao
coordenadores da Justiça Restaurativa deficiente físico, idoso, criança e ado-
de Toledo, que o Ministério Público e os lescente e mulheres vítimas de violência
juízes daquela Comarca participam ati- doméstica. Essa atuação extrajudicial se
vamente dos círculos de construção do dá tanto no âmbito de direitos individu-
consenso penal constituídos por agres- ais como de direitos coletivos e políticas
sor, vítima e comunidade; os acordos são públicas. Caso, contudo, a mediação não
formalmente comunicados ao promotor ponha fim ao conflito, o mesmo defensor
e ao juiz competentes, que os levam em ajuíza a ação. Trata-se de uma duplicida-
consideração na acusação ou no proces- de de papéis.
so em andamento ou findo, tanto na área
da criança e do adolescente infratores,
como na área penal. O Ministério Público 2. Capacitação
pode deixar de acusar, se já obtida a pa-
cificação, assim como o juiz do processo A formação e a capacitação dos agentes
estatal nela se baseia para fixar, ou não, encarregados de atuar em programas
a medida sócio-educativa adequada, po- constituem variáveis essenciais no pro-
dendo suspender o processo penal para cesso de consolidação institucional. Isto
abrir espaço à justiça restaurativa, ou se é, depende fundamentalmente da profis-
basear na pacificação obtida para fixar sionalização a continuidade de um pro-
a pena e determinar o regime penitenci- grama. O amadorismo diminui as possi-
ário. Esse grande exemplo de consenso bilidades de controle e de uniformização
no campo penal já redundou em Projeto das atuações.
de Lei (nº. 7.006/2006), que teve pare-
cer favorável da Comissão de Constitui- Há apreciáveis diferenças quanto à capa-
ção e Justiça da Câmara dos Deputados. citação nos programas visitados.

O programa de mediação na Defensoria A vinculação institucional a um órgão do


Pública em Tucuruí é de mais difícil en- sistema de justiça do CEJUSC Jundiaí

168
torna compulsória a capacitação dos Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
mediadores e conciliadores cadastrados (TJRS) ou pela Secretaria de Segurança
no Tribunal e atuantes nos Centros. Pública e Proteção Social (SSPSP). Por
conta da baixa permanência dos partici-
No Programa de Justiça Comunitária pantes dos primeiros cursos nas ativida-
do MP do Ceará a capacitação também des do Caxias da Paz, os novos cursos
é uma exigência. Um curso, no próprio estão exigindo uma contrapartida de ho-
prédio do Ministério Público, é oferta- ras de estágio prático.
do aos mediadores comunitários, com
40 horas/aula teóricas, ministradas pe- Um fator relevante na análise do progra-
los supervisores que atuam nos núcleos, ma da Defensoria de Tucuruí é o fato de
e 60 horas/aula práticas, oferecidas no os defensores não terem participado de
núcleo sob a orientação do supervisor. cursos de formação em mediação. Cons-
Caso um mediador de outra instituição ta que o aprendizado sobre as técnicas
queira atuar nos núcleos, terá de fazer é passado de um defensor para o outro,
esse mesmo curso, visto que só é per- consolidando-se “boas práticas” a partir
mitido atuar no núcleo a quem participa das experiências concretas.
desse processo de formação.

Nas práticas visitadas no Centro Oeste 3. Remuneração


os cursos de capacitação são custeados
pelo TJMS e oferecidos para o público A remuneração dos mediadores consti-
em geral, salvo em hipóteses nas quais tui fator que merece atenção, uma vez
são firmadas parcerias com outras or- que a voluntariedade da atividade esti-
ganizações para a expansão do projeto. mula grande rotatividade dos mediado-
Os cursos de mediação são gratuitos. A res. Além da dificuldade de manter um
capacitação dos mediadores é realizada quadro fixo de colaboradores, a nature-
de forma contínua, ou seja, após cada za voluntária do ofício acaba por deses-
sessão de mediação são realizadas reu- timular a permanência de mediadores
niões entre os mediadores participantes mais experientes.
e o funcionário responsável por reduzir a
sessão a termo. Quanto à remuneração, dois aspectos
devem ser salientados devido ao forte
A obrigatoriedade de cursos de capa- impacto no grau de institucionalização:
citação não é, contudo, uma obrigação a profissionalização e a continuidade do
legal em todos os casos. No Programa trabalho.
de Caxias do Sul, por exemplo, apenas
15% das mais de 70 pessoas que partici- No Programa dos Núcleos de Mediação
param dos cursos oferecidos pelo TJRS Comunitária do Estado do Ceará os me-
ainda permaneciam atuando na prática. diadores são voluntários, com exceção
Dentre os cursos oferecidos, apenas um do mediador supervisor, que é remune-
ocorreu mediante inscrições pagas e os rado pelo Ministério Público. Além dos
demais foram custeados pelo Tribunal de cursos de capacitação teórica e prática,

169
foi desenvolvido no âmbito do progra- 4. Estrutura e Convênios
ma o “Projeto de Formação de Equipe
Multidisciplinar dos Núcleos de Media- Na maior parte dos casos examinados, a
ção Comunitária do Estado do Ceará – estrutura das práticas resulta de apoios
FEMMEC”, com objetivo de formar um institucionais. A despeito de essa cola-
conjunto de colaboradores e voluntários, boração propiciar o desenvolvimento
especialistas de áreas diversas, para atu- dos programas, há também um risco
ar nos núcleos de mediação comunitária. proveniente da possibilidade de retirada
da parceria. Essa probabilidade é menor
Da mesma forma, no CEJUSC Jundiaí a apenas no caso da experiência desenvol-
ausência de remuneração dos mediado- vida com o apoio da Associação Comer-
res tem representado um desafio. Como cial em Campo Grande.
se sabe, a boa prática da mediação re-
quer acompanhamento e reciclagem A estrutura do CEJUSC Jundiaí é inti-
das técnicas utilizadas pelos mediadores mamente influenciada pelo envolvimen-
que, sem remuneração pelos seus servi- to de atores do sistema de justiça e das
ços, não conseguem muitas vezes arcar parcerias estabelecidas com a Prefeitura
com o alto valor cobrado pelos cursos e Municipal de Jundiaí e com a Universida-
oficinas de mediação. Embora os media- de Padre Anchieta. O TJSP e a Universi-
dores tenham se mostrado envolvidos dade Padre Anchieta viabilizam a estru-
pela causa e preocupados em utilizar as tura física, pessoal e material dos setores
técnicas aprendidas nos cursos de capa- processual e pré-processual, respectiva-
citação, sem remuneração e reciclagem mente. A Prefeitura é responsável pelo
de seu conhecimento sempre existe a fornecimento de alguns funcionários,
possibilidade desses fatores prejudica- como o advogado supervisor dos me-
rem a qualidade das mediações. Os me- diadores, que são por ela contratados e
diadores são todos voluntários devida- cedidos ao CEJUSC.
mente capacitados por cursos como os
fornecidos pelo ESA, CEBEPEJ e EPD, e Na prática desenvolvida no Ceará, a es-
submetidos a programas de estágio su- trutura do Programa de Mediação Co-
pervisionado. Devido ao caráter voluntá- munitária foi estabelecida pelo MP do
rio da função, que impossibilita a dedi- Ceará. Os imóveis são cedidos por par-
cação exclusiva à prática de mediação, ceiros: faculdades, municípios, igrejas
cada mediador atua em média de 1 a 3 e federações de bairro. O programa é
dias por semana por no máximo 4 perío- em grande parte custeado pelo Minis-
dos de 3 horas. tério Público, que fomenta a realização
de diversas parcerias com membros da
Nas práticas do Centro Oeste os media- comunidade para obter a realização de
dores voluntários apresentam forma- serviços voluntários de auxílio ao núcleo
ções diversas (advogado, professor uni- e apoio de um modo geral às variadas
versitário, psicólogo, etc.) e dedicam em atividades realizadas pelos Núcleos.
média um dia por semana à participação
em sessões de mediação. A instauração e o funcionamento do Pro-

170
grama de Justiça Restaurativa em Caxias necer estrutura física, material e pessoal
do Sul são fruto de parceria estabelecida suficientes ao devido funcionamento do
entre a Prefeitura Municipal de Caxias do programa do Posto Avançado de Con-
Sul, o Poder Judiciário, a Universidade de ciliação Extraprocessual da Câmara de
Caxias do Sul (UCS) e a Fundação Caxias Mediação e Arbitragem da Associação
com o objetivo de promover uma políti- Comercial e Industrial de Campo Gran-
ca pública de pacificação social. O Tri- de. A associação também é responsável
bunal de Justiça do Estado do Rio Gran- pelo desenvolvimento, gestão e acom-
de do Sul (TJRS) foi um dos apoiadores panhamento das sessões de concilia-
financeiros e institucionais dos eventos ção. Ao Tribunal foi atribuída a função
de divulgação das práticas restaurativas de fornecer capacitação aos conciliado-
e dos cursos de formação e capacitação res que atuam no PACE e a disponibilizar
de facilitadores. Além disso, o TJRS cede juiz para homologar os acordos firmados
espaço físico e estrutura material para o dentro do escopo do programa.
funcionamento da Central Judicial den-
tro do fórum de Caxias do Sul. A criação do CBMAE e de outras câma-
ras vinculadas às federações comerciais
O NUPEMEC – MS possui parceria com a estaduais foi em parte financiada por
Defensoria Pública Estadual e com as uni- uma parceria entre o Banco Internacional
versidades Anhanguera e Estácio de Sá. de Desenvolvimento (BID) e o SEBRAE
Há também parceria com o Posto Avan- que visava criar essa rede de câmaras
çado de Conciliação Extraprocessual da de conciliação e arbitragem voltadas ao
Associação Comercial de Campo Grande atendimento de empresas no Brasil.
(PACE) da Câmara de Mediação e Arbi-
tragem de Campo Grande (CBMAE). A
Defensoria Pública participa do progra- 5. Avaliação
ma por intermédio do envolvimento de
defensores em sessões de mediação nas Procedimentos de avaliação contribuem
quais apenas uma das partes comparece significativamente para o fortalecimento
assessorada por advogado. Há também institucional. A verificação da qualidade
a previsão de criação no início de 2015 dos serviços prestados auxilia a elabora-
de Centro pré-processual do NUPEMEC ção de diagnósticos e, consequentemen-
na sede da Defensoria Pública, que con- te, a correção de aspectos vistos como
tará com mediadores defensores. A par- deficientes. Nem todas as experiências
ceria do programa com as universidades examinadas se utilizam desse expedien-
Anhanguera e Estácio de Sá consiste no te. Dessa forma, são distintos os incenti-
fornecimento por elas de espaço físico e vos institucionais.
recursos materiais, além de ser fomen-
tada a participação de seus professores O CEJUSC de Jundiaí, além da avalia-
e alunos no programa como mediadores ção tradicional de suas atividades, adota
voluntários igualmente outra forma de avaliação do
programa: a taxa de execução dos acor-
Compete à Associação Comercial for- dos realizados. Apesar de esse indicador

171
não ser exigido pelo TJSP na planilha da cepção do usuário, logo após as sessões, é
Corregedoria trata-se de um índice com suficiente para aferir o efeito concreto que
capacidade de aferir se as partes se en- a técnica conciliativa teve em relação à so-
tendam e se no futuro saberão lidar com lução do conflito. A verdadeira satisfação
seus conflitos. do usuário decorre da efetiva pacificação,
e esta só pode ser aferida em face do seu
O programa do Ceará é avaliado de várias comportamento futuro.
formas, entre elas: (i) relatório estatístico
anual e semestral; (ii) cumprimento do pla- Esse é um ponto, aliás, em que se nota
no estratégico; (iii) avaliação in loco reali- uma absoluta deficiência de pesquisas em
zada pelo Coordenador dos Núcleos; (iv) nosso país. O êxito de um método conci-
relatório da produção dos motociclistas; e liativo tem que ser medido “a posteriori”,
(v) produção de um relatório social anual. verificando a conduta das partes após a
obtenção do consenso ou o encerramen-
Percepção dos usuários - A verdadeira sa- to da prática. Se a mediação pretende so-
tisfação do usuário: a efetiva pacificação. lucionar o conflito por inteiro, removendo
suas causas e efetivamente pacificando, os
A avaliação feita pelos usuários é uma fer- interessados não voltarão a procurar a jus-
ramenta que subsidia a aferição do pro- tiça conciliativa (o que é o menor dos ma-
grama, bem como fornece elementos para les) e, sobretudo, não procurarão a justiça
que se aprecie o seu grau de legitimidade. formal. Se um deles assim proceder, a me-
Nesse aspecto, o CEJUSC de Jundiaí se diação não será representativa de uma boa
destaca. É o único programa, dentre os es- prática. De nada adianta aferir quantitati-
tudados, que adotou esse tipo de avalia- vamente o número de acordos obtidos, se
ção em sua pauta de atividades. não se medir a satisfação do usuário com
base em seu comportamento futuro. Sa-
Em Caxias do Sul não há reuniões de su- bemos “quantos” acordos são feitos, mas
pervisão dos facilitadores, embora exista não sabemos quantos são cumpridos (ou
uma proposta de realização de reuniões quantas ações executivas são ajuizadas,
periódicas de supervisão e trocas de ex- por exemplo, nos chamados “mutirões de
periência. conciliação”). Sugere-se, a esse propósito,
que novas pesquisas sejam empreendidas
Sobre os demais programas não constam com a finalidade de levantar dados sobre
informações sobre esse aspecto. essa questão.

Mas nem mesmo o conhecimento da per-

172
IX. DIRETRIZES PARA BOAS PRÁTICAS DE
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
Sumário possam ser construídas práticas de me-
diação bem sucedidas, diante de dife-
Introdução. rentes contextos institucionais e sociais
1. Definindo alguns conceitos: afinal, o que e peculiaridades regionais. O texto é fru-
é mediação de conflitos?
to de reflexões feitas a partir de pesquisa
2. Como fazer: o funcionamento de práticas
empírica realizada pela FGV DIREITO SP
institucionalizadas de mediação;
3. Como fazer bem: critérios para avaliação e CEBEPEJ sobre Boas Práticas de Me-
de uma boa prática de mediação; diação, em que foram analisados cinco
4. Pontos em comum entre as práticas bem programas de mediação relacionados a
sucedidas de mediação; diferentes atores institucionais, em todas
5. Conclusão e os principais desafios a as regiões brasileiras147.
serem enfrentados.

A institucionalização das práticas de


Introdução mediação é fundamental para que estas
não dependam apenas da iniciativa indi-
Este documento tem por objetivo tratar vidual de quem as coordena. São fato-
da institucionalização de boas práticas res essenciais a regulação, destinação de
de mediação considerando os atores en- recursos, visibilidade, apoio institucional,
volvidos, recursos disponíveis, desenho capacitação e treinamentos dos envolvi-
e critérios de avaliação, dentre outras dos, previsão de princípios, determina-
questões que serão a seguir expostas. ção de valores e visão de futuro. O Ju-
Não se trata de um manual ou cartilha diciário foi um dos primeiros atores do
sobre como o mediador deve desempe- sistema de justiça a buscar a institucio-
nhar o seu papel em sessões de media- nalização da mediação por meio da cen-
ção. A proposta aqui apresentada é mais tralização de programas de mediação.
ampla e abrangente, não se reduzindo à Mesmo antes da Resolução nº 125/10 do
estipulação de parâmetros rígidos e ho- Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que
mogêneos para o uso de técnicas de re- objetivou consolidar política judiciária
solução de conflitos. nacional de tratamento adequado dos
conflitos de interesses, já existiam pro-
As diretrizes para a institucionalização gramas/centros de mediação e concilia-
de boas práticas de mediação, assim, ção no Judiciário e resoluções prevendo
objetivam estruturar uma base (princí- regras e parâmetros para sua atuação.
pios, parâmetros e valores) sobre a qual O enorme contingente de processos no

147 Em 2013 tramitaram mais de 95 milhões de processos em todos os Tribunais do país, conforme Relatório Justiça

em Números 2014, p. 34, disponível em http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2014.

pdf.

173
Judiciário brasileiro148, contudo, traz de- diação realizadas nas diversas regiões
safios à mediação e conciliação de con- brasileiras, mas principalmente refletir
flitos em escala. sobre critérios e diretrizes voltados à
efetiva implementação de boas práticas
A mediação realizada com envolvimento de mediação, a partir da diversidade de
do Ministério Público e da Defensoria Pú- experiências observadas (diferentes ato-
blica é uma realidade mais recente e apre- res do sistema de justiça, desenhos ins-
senta outras características e desafios, que titucionais, modelos de práticas, meto-
serão tratados também neste documento dologias, formas de atuação, impactos,
sobre diretrizes para a institucionalização etc.), tendo em vista a sua sustentabili-
de boas práticas de mediação149. dade, aprimoramento e continuidade.

O primeiro capítulo traz alguns concei- I. Definindo alguns conceitos: afinal,


tos básicos sobre mediação, sua abran-
o que é mediação de conflitos?
gência e técnicas. O segundo capítulo,
por sua vez, relaciona-se mais pragmati-
camente ao desenho e desenvolvimento Para os fins destas diretrizes, considera-se
de práticas de mediação (o que pode- a mediação de forma ampla, como méto-
mos chamar de “como fazer”), com foco do consensual e dialógico de resolução de
na replicabilidade de experiências; en- conflitos no qual um terceiro, independen-
quanto o terceiro capítulo busca mapear te e imparcial, auxilia a comunicação entre
critérios de avaliação dessas práticas (o as partes envolvidas no conflito com o in-
que chamamos de “como fazer bem”). tuito de que elas possam melhor compre-
No quarto capítulo, a partir da pesquisa ender e resolver suas disputas.
empírica realizada, são tratados alguns
pontos em comum entre as práticas bem Imparcialidade do mediador, isonomia
sucedidas de mediação analisadas e o entre as partes, oralidade, informalidade,
quinto capítulo traz a conclusão e desa- autonomia da vontade das partes, busca
fios à institucionalização da mediação. do consenso, confidencialidade e boa-fé
são alguns princípios que devem estar
Assim, pretende-se não apenas dissemi- presentes na mediação150.
nar técnicas e práticas exitosas de me-
148 Importante ressaltar que também se encontra em trâmite a criação de um marco legal para a mediação. Há dois

anteprojetos de lei de mediação que foram apresentados ao Congresso, um elaborado pela Comissão de Juristas

do Senado Federal e outro pela Comissão de Juristas do Ministério da Justiça. Tais projetos acabaram sendo unidos

ao PLS 517/2011 que, aprovado no Senado, foi encaminhado à Câmara dos Deputados (PL 7169/14).

149 O Projeto de Lei de novo Código de Processo Civil e o Projeto de Lei de Mediação (PL 7169/14), além de tra-

tarem dos princípios norteadores da mediação e conciliação judiciais e extrajudiciais, buscam definir a mediação

como atividade técnica exercida por terceiro imparcial e sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas par-

tes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia (Cf. art. 1º do PL de

Mediação).

150 BRAGA NETO, Adolfo. Reflexões sobre a conciliação e a mediação de conflitos: as grandes transformações do

processo civil brasileiro – homenagem ao professor Kazuo Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009. pp. 489-491.

174
Cabe mencionar que há diferentes visões Muito embora a prática adequada da me-
sobre os contrastes e semelhanças entre diação seja auxiliada pelo estabelecimento
a mediação e a conciliação, esta última de certas diretrizes e parâmetros – a exem-
tida no Brasil como um mecanismo mais plo da Resolução nº 125/2010 do Conselho
próximo do Poder Judiciário, mais célere Nacional de Justiça e dos regulamentos
e, portanto, adequado para conflitos nos das Câmaras de mediação –, há que se
quais não exista entre as partes um relacio- considerar também a especificidade dos
namento significativo no passado ou com locais nos quais a mediação é praticada.
previsão de continuidade no futuro, haven- Isso devido não apenas às dimensões con-
do um papel mais ativo e avaliativo do con- tinentais do país, como também à grande
ciliador151. Ambas as formas de solução de variedade regional de indicadores básicos
conflitos contribuem ao acesso à justiça152 como educação, trabalho e renda. Para
e favorecem a disseminação da cultura da tanto, é de suma importância considerar a
pacificação no país153. Aqui, consideramos diversificação dos locais nos quais se de-
um conceito amplo de métodos consensu- senvolveram as experiências inovadoras
ais que abrange tanto a mediação quanto de mediação frente às particularidades re-
a conciliação, tanto as técnicas facilitativas gionais do país, uma vez que o acesso à
quanto as avaliativas, uma vez que é no justiça, no Brasil, se encontra intimamente
caso concreto que se deve decidir o que relacionado às condições sociais, políticas
é mais adequado, junto às partes, para a e econômicas vigentes.
melhor resolução consensual do conflito.

151 GRINOVER, Ada Pellegrini. “Fundamentos da Justiça Conciliativa”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,

Kazuo; LAGASTRA NETO, Caetano. Mediação e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional –

guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 1-5.

152 Kazuo Watanabe argumenta que é disseminada na sociedade brasileira uma “cultura da sentença”, definida

como “(...) mentalidade forjada nas academias, e fortalecida na práxis forense (...) de solução adjudicada autorita-

riamente pelo juiz, por meio de sentença, mentalidade essa agravada pela sobrecarga excessiva de serviços que

têm os magistrados (...)”. O autor argumenta em prol da necessidade de uma mudança de paradigma, para que a

busca pela “pacificação das partes, ao invés da solução adjudicada do conflito”, se torne prioritária; substituindo-se

paulatinamente essa “cultura da sentença” pela “cultura da pacificação”. (WATANABE, Kazuo. “Cultura da sentença

e cultura da pacificação”. In: YARSHELL, Flávio Luiz; ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Estudos em homenagem à

professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2004, pp. 684-690).

153 Dentre os diversos fatores que influenciam a satisfação do usuário de meios de solução de conflitos com o pro-

cesso, com o resultado e com o sistema em si, é possível identificar cinco categorias: (i) procedimentos utilizados

no caso em questão (ex. processo judicial, arbitragem, mediação, conciliação, etc.); (ii) consequências objetivas do

caso para a parte (ex.: quantia recebida, custo e tempo de duração do conflito, etc.); (iii) avaliação subjetiva que a

parte faz das consequências do caso (expectativas quanto ao resultado, custos envolvidos, tempo até uma resolu-

ção, etc.); (iv) impressões da parte quanto aos procedimentos e ao processo em si; e (iv) características pessoais

da parte e a sua situação no caso. Cf. LIND, Allan E.; MACCOUN, Robert J.; EBENER, Patricia A.; FELSTINER, William

L. F., HENSLER, Deborah R.; RESNIK, Judith; TYLER, Tom R. The perception of justice; Tort Litigants’ views of trial,

court-annexed arbitration, and judicial settlement conferences. RAND Institute of Civil Justice. Rand Corporation:

Santa Monica, 1989, pp. 10-11.

175
Por estas razões, abordamos as práticas Municipal de Pacificação Restaurativa
de: de Caxias do Sul.

I. Justiça Comunitária, que estimula a V. Mediação sem a participação de um


comunidade a construir e a escolher terceiro, quando uma das partes ou
seus próprios caminhos para a reali- seu representante assume o papel de
zação da justiça, de forma pacífica e conduzir o diálogo entre as demais
solidária, focando no desenvolvimen- partes, utilizando-se de técnicas de
to de formas negociadas de resolução mediação para fomentar o diálogo e
de conflitos e nos direitos do cidadão, aprimorar a comunicação.
sendo a mediação comunitária uma
das mais importantes ferramentas II. Como fazer: o funcionamento de
para a promoção do empoderamento
práticas institucionalizadas de
e da emancipação social;
mediação
II. Mediação coletiva, na qual as ques-
tões a serem discutidas dizem respei- Verificou-se ao longo da pesquisa que
to a um determinado grupo e, uma a institucionalização de uma prática de
vez alcançado um acordo, este bene- mediação deve passar pelas seguintes
ficiará todos os indivíduos que façam fases:
parte dessa categoria ou grupo;
1. 1. Diagnóstico: identificação dos atores
III. Mediação judicial, que é realizada no
envolvidos, tipos de conflitos e forma
decorrer de uma demanda ou previa-
mente à sua instauração, o que tem pela q’ual são resolvidos.
ocorrido principalmente em proces-
sos envolvendo questões de direito de É nesse momento que se verifica como
família. Esta modalidade de mediação os atores das instituições do sistema de
pode ser verificada na experiência do justiça (juízes, promotores ou defenso-
CEJUSC (Centro Judiciário de Solu- res) se envolverão na iniciativa e quais
ção de Conflitos e Cidadania) de Jun- serão as interfaces entre a mediação e a
diaí, por exemplo. atuação do Judiciário, Ministério Público
e Defensoria naquela localidade.
IV. Justiça Restaurativa e mediação pe-
nal, voltadas à ampliação do acesso à É possível que esses atores exerçam a
justiça criminal, atuando o terceiro em função de coordenadores e de mediado-
relação às vítimas, ofensores e comu- res, o que leva a uma necessária reflexão
nidades que os abrigam, procurando sobre a cumulação de papéis (ex.: como
equilibrar o atendimento às necessi- o defensor público se envolverá com a
dades das vítimas e da comunidade mediação de uma parte que poderá re-
com a necessidade de reintegração presentar judicialmente caso não seja
do agressor à sociedade. Como exem- realizado um acordo? O juiz mediador
plo dessa prática tem-se o Programa poderá atuar no caso em que foi media-

176
dor?). Entende-se que há situações nas há custos que decorrem da capacitação
quais esta cumulação de papéis pode destes, despesas rotineiras (aluguel de
comprometer a imparcialidade do ter- espaço, material de escritório, etc.), den-
ceiro ou a sua atuação no caso após a tre outros.
realização da mediação (como juiz, de-
fensor ou promotor), devendo, na medi- Programas subsistem muitas vezes pelo
da do possível, ser evitada. auxílio da sociedade civil conferido por
meio de parcerias ou pela atuação em
Ainda durante o diagnóstico, os atores redes comunitárias. Contudo, uma insti-
envolvidos devem refletir sobre o públi- tucionalização que vise à continuidade
co de usuários que será atendido pelo do programa deve refletir uma escolha
programa e quais tipos de conflito serão segura em termos de custeio, para que a
recepcionados (cíveis, penais, familiares, iniciativa não dependa totalmente do vo-
comunitários, dentre outros). Esses fato- luntariado e da colaboração espontânea
res refletirão nas escolhas a serem rea- de indivíduos e organizações, ainda que
lizadas quando do desenho e da imple- o envolvimento destes seja fundamental
mentação do programa. para o sucesso das práticas conciliativas.

1. 2. Desenho e implementação: definição dos O diagnóstico inicial também impacta-


rá escolhas atinentes ao fluxo de aten-
objetivos, valores, princípios, regulação,
dimento e aos procedimentos de divul-
recursos e outros fatores necessários ao gação do programa, bem como a pré-
funcionamento do programa. -mediação e adesão das partes, técnicas
a serem utilizadas e a formalização (ou
Realizado o diagnóstico, são feitas esco- não) de eventuais acordos realizados.
lhas que definirão os rumos da iniciativa. Uma iniciativa que se dê no bojo do Ju-
É a partir do mapeamento inicial que os diciário e que vise absorver demandas
objetivos, valores e princípios são esta- de família já judicializadas, por exemplo,
belecidos e muitas vezes regulados, de atuará por meio da remessa de proces-
modo que essa definição seja feita de sos pelos demais juízes da comarca. Di-
forma expressa, pública e abrangente. ferentemente, um projeto de mediação
comunitária demandará a articulação
Um dos principais entraves à implemen- dentro da comunidade para que seus in-
tação é a obtenção de recursos para iní- tegrantes busquem o programa e vejam
cio do atendimento e sua manutenção. neste um local de apoio para a busca de
Alguns dos programas enfrentaram di- soluções a seus conflitos interpessoais. A
ficuldades justamente por terem obti- definição de objetivos, apoiada em uma
do um investimento inicial (por meio de clara compreensão das necessidades
programas governamentais), mas não o que serão atendidas pela mediação, po-
repasse contínuo de recursos de finan- derá formatar escolhas variadas e criati-
ciamento. Por mais que a prática da me- vas na busca de um desenho responsivo
diação no Brasil tenha bastante presen- a essas demandas.
te o trabalho voluntário de mediadores,

177
1. 3. Avaliação: coleta e reflexão acerca de
percepções das partes quanto ao pro-
informações sobre percepção do usuário cesso e aos resultados obtidos em casos
quanto ao procedimento e resultado, de indenização remetidos à arbitragem
e mediação em programas anexos ao
critérios de avaliação e percepção dos
Judiciário ou mesmo em demandas ju-
demais atores envolvidos. diciais. Os resultados demonstraram que
uma multiplicidade de fatores influencia
A avaliação do programa também de- as impressões dos usuários, tais como a
pende da adoção de referenciais de êxi- percepção de imparcialidade, tratamen-
to claros, os quais deverão ser revistos a to digno e cuidadoso, sensação de con-
partir do diagnóstico e escolhas realiza- forto e de controle sobre o procedimen-
das nas etapas anteriores. to, dentre outros155.

Definidos os critérios, é necessário estru- Sobre essas percepções de conforto,


turar questões e formulários que permi- dignidade e cuidado no processo, pes-
tam aferir junto ao usuário a percepção quisas mostram que as partes frequen-
de justiça ou de satisfação não somente temente valorizam procedimentos em
com o resultado da mediação, mas tam- que percebem que tiveram a oportuni-
bém com o processo em si, visando-se dade de se manifestarem adequadamen-
verificar quais técnicas, procedimentos e te, bem como a sensação de que foram
posturas adotadas pelo programa e seus adequadamente ouvidas e de que rece-
gestores/mediadores/funcionários se- beram um tratamento paritário e digno.
riam conducentes a essa percepção pelo Essas percepções sobre o procedimento
usuário154. também repercutiriam nas impressões
sobre o resultado em si156.
Há pesquisas realizadas no Judiciário
americano em que foram comparadas as Há diversos estudos nesse sentido, espe-

154 “In particular, procedural fairness judgments were strongly linked to perceptions of perceived procedural bias,

the dignity of the procedure, procedural care, evaluation of counsel, how comfortable the litigant found the pro-

cedure, and perceived control over case events and outcomes. System satisfaction was strongly correlated with

evaluations of counsel, the dignity of the procedure, comfort with the procedure, procedural bias, perceived control,

perceptions that the procedure was public, and perceived procedural care. Outcome satisfaction was correlated

most strongly with perceptions of procedural bias, evaluations of counsel, perceived control, and dignity of the

procedure”. (LIND, Allan E.; et alli. The perception of justice; Tort Litigants’ views of trial, court-annexed arbitration,

and judicial settlement conferences, p. 66).

155 WELSH, Nancy A. “Disputants’ Decision Control in Court-Connected Mediation: A Hollow Promise without Proce-

dural Justice”, 2002 J. Disp. Resol. 2002, pp. 179-192.

156 Sobre as escolhas institucionais realizadas especificamente quando da instauração de meios autocompositivos

no ambiente do Judiciário e experiências relevantes identificadas em diversos contextos no Brasil, vide o estudo

realizado por Daniela Monteiro Gabbay em Mediação & Judiciário no Brasil e nos EUA: condições, desafios e limites

178
cialmente na literatura norte-americana, mediação no âmbito específico de atua-
embasados em pesquisas empíricas e ção dos atores do sistema de justiça.
em dados coletados pelos tribunais. É
necessário, contudo, expandir essa refle- III. Como fazer bem: critérios para
xão considerando o contexto fático, ins-
avaliação de uma boa prática de
titucional e normativo brasileiro157, a fim
de se levantar quais aspectos do proce- mediação
dimento da mediação, sua institucionali-
zação, posturas e práticas adotadas são Ao se pensar em boas práticas de me-
relevantes para os atores envolvidos e diação, desenho e institucionalização de
para os usuários do mecanismo. iniciativas, há algumas questões que de-
vem ser consideradas:
O quadro abaixo reflete essas fases de
desenho e institucionalização de um 1. 1. Nível de institucionalização (custos,
tempo de existência, verbas, regulação,
programa de mediação.
espaço, rede de atuação, etc).

O capítulo a seguir desenvolve uma refle-


xão sobre quais são algumas das possí- Como já dito, um dos critérios que de-
veis medidas de sucesso de um programa finem uma boa prática de mediação é
de mediação, ou seja, quais são os crité- a sua capacidade de se manter e de se
rios para se avaliar “como fazer bem” a renovar independentemente da vontade

IMPLEMENTAÇÃO, DESENHO E
DIAGNÓSTICO AVALIAÇÃO
FUNCIONAMENTO

- Atores - Objetivos - Percepção dos usuários quanto


- Relação (ou não) com os - Regulação aos resultados
atores do sistema de justiça - Parcerias e atuação em rede - Percepção dos usuários quanto ao
- Público (mediados) - Recursos procedimento
- Tipos de conflito - Escolha, capacitação e remuneração de - Outros critérios de avaliação do
mediadores sucesso do programa
- Práticas de gerenciamento e triagem
- Técnicas e práticas na mediação

Figura 1. Fases do desenho e institucionalização de um programa de mediação


envolvendo atores do sistema de justiça

157

para a institucionalização da mediação no Judiciário. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. Quanto ao papel do Judiciário,

atuando tanto como poder de Estado quanto como órgão prestador de serviços, nesta última perspectiva preocu-

pado com a qualidade e eficiência da prestação jurisdicional em casos concretos, decidindo conflitos e garantindo

direitos, vide SADEK, Maria Tereza Aina. “Judiciário: mudanças e reformas”. Estudos avançados (online), 2004, vol.

18, n. 51, pp. 79-83, disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000200005.

157 É necessário avaliar até onde essa cumulação de papéis prejudica o desempenho de cada um dos papéis exer-

cidos pelos atores envolvidos no programa (mediador/facilitador x defensor público), de modo a ponderar se essa

limitação acaba por prejudicar sobremaneira o seu funcionamento. De todo modo, é inegável que os Defensores

Públicos do Município de Tucuruí realizam um trabalho notável ao viabilizarem a oferta da mediação de conflitos

179
individual dos envolvidos. Ou seja, uma A pesquisa aponta que essa inserção so-
boa prática é aquela capaz de subsistir cial e política da mediação é fundamen-
e de se aprimorar ao longo do tempo, tal para sua aceitação e legitimação pe-
consolidando-se para melhor atender los usuários e sua adequação às deman-
aos objetivos que propõe atingir. das apresentadas.

Alguns fatores já mencionados e que 1. 2. Capacitação em técnicas e práticas


consensuais de solução de conflitos
refletem diretamente nessa institucio-
nalização são o custeio do programa e
a existência de um espaço para sua atu- A capacitação é fundamental para haver
ação. Também se falou sobre a neces- uma boa atuação dos mediadores e de-
sidade de regulação clara que permita mais atores que atuam na prática como
que os objetivos e escolhas realizadas facilitadores da comunicação entre as
quando da concepção do programa per- partes. A divergência na forma de atua-
meiem sua atuação ao longo do tempo. ção dos mediadores que colaboram para
Busca-se, com isso, uma continuidade a realização de uma determinada prática
que também se reflete em uma maior pode gerar desconforto e falta de credi-
confiança por parte do usuário. bilidade por parte dos usuários.

Ainda assim, também já foi dito que a Não foi por outra razão que os atores do
despersonalização e institucionalização programa CEJUSC de Jundiaí elencaram
não afastam a necessidade de articula- como um dos três pilares de destaque
ção do programa com a sociedade ci- dessa prática o incentivo à capacitação
vil, permitindo sua efetiva participação e ao aprimoramento constante dos me-
por meio de parcerias e da construção diadores. Os terceiros que atuam neste
de redes de atuação. São exemplos des- programa são submetidos a uma peque-
sas articulações as parcerias realizadas na avaliação, têm contato com o pro-
pelo CEJUSC Jundiaí com a Prefeitura cesso antes de iniciar a sessão para que
Municipal e com a Universidade Padre possam conhecê-lo e realizam reuniões
Anchieta, e também pelo Programa Jus- pós-atendimento, tudo sob a supervisão
tiça Restaurativa de Caxias do Sul (Ca- de um funcionário mais experiente.
xias da Paz) com a Prefeitura Municipal,
Poder Judiciário, Universidade Caxias do A capacitação e o aprimoramento cons-
Sul, Guarda Municipal, Fundação Caxias, tantes também passam pela supervisão
dentre outros. A construção dessas re- que os programas de mediação adotam.
des de atuação é também evidente nos Nos casos do CEJUSC de Jundiaí e da
núcleos de mediação comunitária do Ce- mediação comunitária do Ministério Pú-
ará, em que o Ministério Público realizou blico do Ceará, por exemplo, a figura do
diversas parcerias com faculdades, mu- supervisor, que não é a mesma pessoa
nicípios, igrejas e federações de bairro que coordena o programa, tem uma par-
das localidades em que os núcleos foram ticipação fundamental. A realização de
estabelecidos. reuniões de acompanhamento do traba-
lho dos mediadores e de toda a equipe

180
envolvida no programa foi um dos fato- seja quando da realização de mediações
res apontados pelos mediadores como interinstitucionais envolvendo entes pú-
importante para a continuidade e apri- blicos, privados e organizações da socie-
moramento do trabalho desenvolvido. dade civil. Há, portanto, certo hibridismo
nessa atuação, na medida em que os
Foram notadas certas peculiaridades defensores iniciam seu relacionamento
em relação à mediação comunitária, que com os assistidos como terceiros faci-
vão desde a atuação situada em bair- litadores e, caso não seja realizado um
ros periféricos até o empoderamento e acordo e haja a necessidade de judicia-
capacitação de agentes comunitários lização, passam a atuar como represen-
para atuarem como mediadores. Muitos tantes da parte que buscou a Defensoria
programas comunitários contam com o Pública158.
apoio do Executivo (como o Programa
Nacional de Segurança Pública com Ci- Outra dificuldade percebida nos casos
dadania) e/ou de atores do sistema de estudados está relacionada à remune-
Justiça (como é o caso dos Núcleos de ração. A questão fundamental é saber
Mediação Comunitária do Ceará, que como exigir aprimoramento e capacita-
contam com o apoio e articulação do Mi- ção contínua, que demanda tempo e, em
nistério Público Estadual). alguns casos, recursos de pessoas que
estão atuando voluntariamente. A boa
Na iniciativa desenvolvida pela 2ª De- prática da mediação requer acompanha-
fensoria Pública do Município de Tucuruí mento e reciclagem das técnicas utiliza-
(Pará), os defensores que atuam como das pelos mediadores que, sem remune-
facilitadores / mediadores não passaram ração pelos seus serviços, muitas vezes
por uma capacitação formal, o que se não conseguem arcar com o valor cobra-
justifica pelo porte do programa e do re- do pelos cursos e oficinas de mediação.
duzido número de defensores atuantes. Ainda que haja alguns incentivos à atua-
Outra limitação também enfrentada em ção dos mediadores (como a obtenção
Tucuruí advém do fato de que os media- de horas práticas de mediação, titulação
dores atuantes são os próprios defenso- em concursos públicos para magistratu-
res públicos, seja no âmbito individual,

aos seus assistidos mesmo diante dessas limitações, atuando, inclusive, no âmbito coletivo, por meio de mediações

interinstitucionais realizadas no formato de audiências públicas para discussão de questões envolvendo grupos

vulneráveis, como deficientes físicos, idosos, crianças e adolescentes e mulheres vítimas de violência doméstica.

158 O art. 2º do referido projeto dispõe acerca da remuneração: “Art. 2º O valor do abono variável, de cunho pura-

mente indenizatório, será de 02 UFESPs para cada hora. Parágrafo Único: A remuneração somente será devida para

o Conciliador ou Mediador que realizar jornada diária a partir de 02 horas”. Atualmente, o Projeto recebeu parecer

favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, e também da Comissão de Finanças, Orçamento e Pla-

nejamento. O inteiro teor do Projeto está disponível no site http://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1187661. Acesso

em 03/11/2014. O projeto de lei do novo Código de Processo Civil, por sua vez, determina que os mediadores e

conciliadores judiciais recebam remuneração pelo seu trabalho, de acordo com tabela a ser fixada pelo tribunal

181
ra, dentre outros), isso não obsta a eleva- gastos adicionais com o deslocamento
da rotatividade de voluntários e nem jus- até o local em que a mediação é reali-
tifica a ausência de remuneração. Nesse zada.
sentido, não basta remunerar – é preciso
também incentivar a capacitação, profis- Ainda que a participação de voluntários
sionalização e qualidade da mediação. seja extremamente enriquecedora para
os programas de mediação estudados,
Várias são as possibilidades para tentar verifica-se que a dependência no volun-
contornar a questão da remuneração de tarismo pode não ser condizente com a
mediadores e conciliadores, uma delas é institucionalização e a capacitação ne-
através de lei. Em São Paulo, por exem- cessária para o desenvolvimento de uma
plo, tramita atualmente o Projeto de Lei boa prática em mediação.
nº 1.005/13, perante a Assembleia Legis-
lativa (ALESP), que pretende criar o abo- A capacitação em mediação não se resu-
no variável e jornada dos Conciliadores e me à formação teórica, mas compreende
Mediadores inscritos nos Centros Judici- também a realização de estágios super-
ários de Solução de Conflitos e Cidada- visionados e constante supervisão entre
nia, cadastrados no Núcleo Permanente os mediadores. A dedicação de tempo e
de Métodos Consensuais de Solução de recursos para o constante aprimoramen-
Conflitos2. to do trabalho dos mediadores pode não
ser condizente com um vínculo volunta-
Já no caso da mediação comunitária foi rista do mediador para com o programa
levantada a questão do reembolso pelo de mediação, razão pela qual há enormes
deslocamento dos mediadores volun- dificuldades em se manter um programa
tários até o núcleo de mediação, o que de mediação com base unicamente no
ocorreu em alguns programas observa- voluntarismo.
dos na pesquisa, garantindo que o me-
diador voluntário não tivesse que ter De outra parte, uma iniciativa sustentá-
vel também não pode depender apenas
da colaboração voluntária. É necessário

conforme parâmetros estabelecidos pelo CNJ (art. 170, caput, do PL 8.046/2010). As exceções ao que dispõe esse

artigo referem-se a quando o tribunal optar por quadro próprio de mediadores e conciliadores a ser preenchido

por concurso público (art. 168, §6º, PL 8.046/2010) e quando a mediação ou conciliação for exercida de forma vo-

luntária (art. 170, §1º, PL 8.046/2010). No PL 7.169/2014, que visa regulamentar a mediação entre particulares como

meio alternativo de solução de controvérsias e a composição de conflitos no âmbito da administração Pública, há

disposição semelhante, que determina que a remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada pelos tribu-

nais e custeada pelas partes.

182
investir na profissionalização para ob- vogados tendem, por “força do hábito”,
ter uma dedicação efetiva e duradoura a reproduzir a opinião do advogado, ao
por parte dos mediadores envolvidos. invés de expressar a própria opinião.
Daí porque é fundamental se pensar em
formas de profissionalização e de remu- A avaliação, a fim de ser eficiente para
neração do trabalho exercido pelos me- superar tais distorções, deve buscar:
diadores que atuam junto aos atores do
sistema de justiça para o efetivo desen-
volvimento e propagação da prática nes- a. Objetividade: é importante que a avalia-
se âmbito. ção não seja longa para que o usuário se
disponha, após a sessão de mediação, a
1. 3. Avaliação de satisfação com o resultado refletir um pouco sobre ela;
e do processo (estratégias e formulários)

b. Fácil compreensão: a linguagem utilizada


A avaliação permite conhecer o que está deve ser o mais compatível possível com
dando certo e o que não está; é impor- a do público alvo da prática - a facilidade
tante para identificar as dificuldades da na compreensão também colabora para
prática e obter sugestões para o seu que a avaliação seja breve.
aprimoramento. Contudo, o grande de-
safio da avaliação é descobrir qual é a c. Abrangência: deve-se buscar atingir os
métrica adequada, que não seja focada pontos importantes da prática, isto é, as
apenas em questões quantitativas que perguntas não devem ficar restritas, por
ofusquem os reais desafios e atributos exemplo, à atuação do mediador. É im-
do programa. portante verificar a satisfação do usuário
em relação à solução do seu problema, a
São vários os problemas presentes nessa percepção dele quanto aos demais fun-
etapa. No caso da avaliação da mediação cionários do local (atendimento no geral),
pelos usuários, que ocorre geralmente a participação do advogado (caso haja),
ao fim da sessão, a avaliação fica muitas etc. Enfim, a avaliação deve abordar os
vezes prejudicada pelo estado emocio- pontos considerados fortes e fracos.
nal do usuário naquele momento, que
está cansado, podendo ser “positiva de- d. Escala de respostas: Se a avaliação for
mais” ou “negativa demais” e gerar dis- um questionário objetivo, o ideal é que
torções na percepção da prática. Muitos as respostas sigam uma escala crescente,
usuários sentem-se constrangidos em se ou seja, restringir as opções de resposta a
expressar sobre o que acharam da ses- termos antagônicos (como “sim ou não”,
são na presença dos funcionários do lo- “bom ou ruim”, “péssimo ou excelente”,
cal ou mesmo do terceiro que participou etc) prejudicará a avaliação, amentando
da mediação; alguns usuários não en- a disparidade entre os resultados obtidos
tendem o que está sendo questionado, e a realidade.
devido à utilização de palavras e expres-
sões que não fazem parte da sua realida- e. Privacidade: o mais indicado é que o usu-
de. Usuários acompanhados de seus ad- ário tenha o tempo que necessita para

183
responder à avaliação e que, de preferên- com as características da prática e os
cia, faça isso sozinho, para não se sentir objetivos da avaliação, na medida em
constrangido ou pressionado. que os atores envolvidos no programa
devem discutir amplamente as catego-
Sempre haverá desafios na avaliação e rias a serem avaliadas para efetivamente
riscos de distorções, mas entendemos se apropriarem do processo avaliativo.
que um formulário que se baseie nas
questões acima pode reduzir estes ris- Para levantar quais fatores repercutem
cos, sendo possível adaptar, com mais para as partes em sua percepção acerca
facilidade, as perguntas ao público alvo do processo de mediação e seus resulta-
e àquilo que se deseja avaliar. dos, foram feitas afirmações com relação
ao procedimento em si, à conduta do
Sugerimos um modelo de formulário que
pode (e deve) ser adaptado de acordo mediador e ao resultado da mediação.

2 - Concordo pou-
1 - Concordo muito 3 - Discordo pouco 4 - Discordo muito
co

Senti que tive oportunidade de me manifestar durante o pro-


1 2 3 4
cedimento de mediação.

Senti que fui ouvido pelo mediador durante o procedimento


1 2 3 4
de mediação.

Senti que não fui pressionado a realizar um acordo. 1 2 3 4

Senti que possuía todas as informações necessárias para to-


1 2 3 4
mar decisões durante a mediação.

Senti-me confortável durante o procedimento. 1 2 3 4

Justifique.

Senti que o procedimento foi formal. 1 2 3 4

Há algo que você gostaria que tivesse sido diferente?

O mediador explicou com clareza as regras gerais para o


1 2 3 4
bom andamento da mediação.

184
Senti que o mediador foi imparcial (um mediador imparcial é
1 2 3 4
aquele que não favorece nenhuma das partes)
Houve alguma conduta adotada pelo mediador que lhe incomodou?

Sinto que o resultado da mediação foi justo. 1 2 3 4

Estou satisfeito com o resultado. 1 2 3 4

Em um novo conflito, eu procuraria novamente este progra-


1 2 3 4
ma.

Eu indicaria este programa para conhecidos. 1 2 3 4

Acordo
A mediação resultou em acordo? Sim Não
Parcial

É interessante deixar um espaço em aber- envolvidos. Assim, a coleta de percep-


to, no qual o usuário possa se manifestar ções dos usuários deve estar aliada a um
com suas próprias palavras (um item para trabalho de supervisão em que se reflita
“sugestões”, por exemplo). Assim, caso te- sobre esses dados de forma dialogada e
nha algo a acrescentar que não tenha sido construtiva. Somente a partir daí é que
abordado pelo questionário, o usuário tem as informações coletadas poderão impli-
a chance de fazê-lo. Este espaço em aber- car mudanças positivas na atuação dos
to é importante porque pode também se mediadores, traduzindo-se em uma me-
tornar uma fonte de nova questão a ser in- lhor compreensão por parte destes das
cluída no formulário. necessidades dos usuários e das caracte-
rísticas de seus conflitos.
A estratégia para a realização da avaliação
vai depender de cada prática e de suas pe- 1. 4. Como medir o sucesso da mediação?

culiaridades. O importante é tentar adaptar


essa etapa à realidade da prática, buscan- Além da institucionalização, capacitação
do obter do usuário qual foi sua percepção e desenvolvimento de mecanismos de
da forma mais realista possível. avaliação, uma mediação bem sucedida é
aquela em que o conflito é inteiramente pa-
É fundamental o desenvolvimento de es- cificado e que as partes se sentem satisfei-
tratégias de acompanhamento de ava- tas com o procedimento e com o resultado
liações, o que se observou em alguns obtido, o que não necessariamente ocorre
programas por meio de reuniões sema- pela simples realização de um acordo.
nais/mensais de avaliação junto com os
coordenadores, mediadores e demais Além disso, se não for possível pacificar

185
o conflito, é necessário que as partes te- ceitas prontas no que diz respeito à me-
nham acesso a outros meios de solução diação de conflitos. Em cada região e em
de conflitos (como o processo judicial cada contexto, os atores envolvidos foram
ou mesmo a arbitragem) ou que possam capazes de desenhar programas e desen-
procurar novamente o canal dos meios volver práticas adaptadas ao seu público,
conciliativos (o que ocorrerá somente se a suas necessidades e possibilidades, reali-
primeira mediação tiver sido satisfatória). zando escolhas bastante próprias.

Nesse sentido, a aferição do sucesso deve A título de exemplo, é interessante notar


ser qualitativa, e não meramente quan- o êxito da mediação realizada pela De-
titativa. É preciso coletar dados sobre a fensoria Pública de Tucuruí, a despeito
percepção das partes acerca do processo do reduzido número de defensores atu-
e de seu resultado, bem como outras in- antes e da dificuldade de envolvimen-
formações atinentes ao comportamento to de outros profissionais. Os próprios
das partes após a mediação, incluindo o defensores se engajaram no processo,
cumprimento, ou não, do acordo. Esses ao invés de recrutarem mediadores vo-
dados serão capazes de revelar, principal- luntários, como foi feito pelo Ministério
mente, as más práticas de mediação, em Público nos núcleos de mediação comu-
que não ocorre a verdadeira pacificação nitária do Ceará. Em ambas as situações
do conflito, as partes não se sentem ouvi- (bastante diversas), foi possível firmar os
das e acolhidas e frequentemente o acor- atendimentos de mediação, fomentan-
do resta não cumprido, o que leva à judi- do-se o diálogo e a comunicação para
cialização do conflito por uma das partes. resolução de conflitos entre indivíduos
naquelas localidades.
Como já mencionado, é importante que
cada programa desenvolva e se aproprie Um fator interessante observado no
de seus instrumentos avaliativos, que caso da Mediação Comunitária do Minis-
permitirão aferir esses e outros pontos tério Público do Ceará foi a contratação
tidos como cruciais ao desenvolvimen- de dois motociclistas pelos Núcleos de
to de uma boa prática em mediação. Em Mediação, que entregam a carta-convite
paralelo, é pertinente que o Judiciário pessoalmente para as partes convocadas
levante informações sobre o volume de para a sessão de mediação. Os motoci-
demandas judiciais decorrentes de acor- clistas conhecem e conversam com pes-
dos descumpridos, o que é fundamental soas da vizinhança para saber se a pes-
para mensurar o êxito da mediação reali- soa se mudou, se o número da casa está
zada no âmbito pré-processual. informado incorretamente, e, segundo
os dados disponibilizados pelo progra-
1. 5. Adaptação às peculiaridades regionais: ma, a efetividade desse tipo de envio de
correspondência é um dos fatores que
O fato de as experiências estudadas se- colaboram para o êxito das sessões de
rem significantemente diversas, porém mediação, evitando que esta tenha que
igualmente interessantes, remete à rati- ser redesignada em função de a parte
ficação da premissa de que não há re- contrária não ter sido encontrada.

186
1. 6. Número de pessoas atendidas:
os mediadores determinam um dia para
sair pelo bairro batendo na porta das
O número de pessoas atendidas e o nú- pessoas para divulgar o núcleo de me-
mero de acordos realizados não devem diação daquela comunidade).
ser vistos como um “termômetro” de
êxito da prática. Não se trata de uma Se a prática se destina a atender uma
relação diretamente proporcional, onde comunidade menor, cabe essa tentativa
“quanto maior o número de atendimen- de aproximação e inserção na comuni-
tos, melhor a prática” ou “determinada dade; se a prática for realizada em regi-
prática está sendo bem executada, pois ões metropolitanas, cabe o investimento
atende a um número significativo de pes- em divulgação via meios de comunica-
soas”. É importante ter formas de verifi- ção. Cursos, palestras, atividades com a
car o cumprimento dos acordos (como, comunidade, “mutirões” de mediação/
por exemplo, por meio de execuções fu- atendimento à comunidade, panfletos,
turas ajuizadas, pois se os acordos pre- blogs/sites, rádio local, parceria com
cisam ser executados significa que não escolas e empresas (divulgação dentro
foram eficientes). desses locais), são alguns exemplos de
como a mediação por se divulgada em
O acordo não é uma forma segura de uma atuação em rede.
medir o sucesso da mediação. Mesmo
que não se chegue a um acordo ao final 1. 8. Relação da prática com outras
instituições do sistema de justiça:
da mediação, a mediação pode ter me-
lhorado a comunicação entre as partes.
Muitas vezes os programas de mediação
Determinar o bom desenvolvimento de buscam legitimação, recursos e credibi-
uma prática de mediação baseando-se lidade nas instituições públicas. Isso foi
apenas em números de atendimentos ou observado na pesquisa. É o caso da atu-
de acordos alcançados é restringir o pa- ação do Ministério Público nos Núcleos
pel da mediação a uma visão antiquada de Mediação Comunitária no Ceará, do
e simplista de que os meios alternativos Judiciário no CEJUSC em São Paulo, no
surgiram para desafogar o Judiciário e Programa de Justiça Restaurativa de
outros atores do sistema de justiça em re- Caxias do Sul e no Núcleo Permanente
lação à sobrecarga de conflitos e trabalho. de Métodos Consensuais de Solução de
Conflitos do Mato Grosso do Sul e da
1. 7. Divulgação da prática: Defensoria no programa de mediação de
Tucuruí-Pará.
A divulgação da prática precisa estar
atrelada ao público alvo e às peculiarida- Muitas vezes a relação do programa se
des do local onde se fará tal divulgação. dá com múltiplos atores do sistema de
É importante saber atingir, de alguma justiça, além do executivo e universi-
forma, as pessoas que receberão tal in- dade, por meio do estabelecimento de
formação (ex: núcleos comunitários do parcerias. Contudo, mesmo institucio-
Ceará – projeto “porta a porta”, no qual nalizados, na maior parte das vezes os

187
programas dependem muito da atuação dos usuários, que avaliaram, após sessões
e engajamento pessoais do seu coorde- de mediação e conciliação, a imagem do
nador, ficando em risco o futuro do pro- Judiciário e o seu cuidado com o usuá-
grama quando o coordenador deixa de rio. De modo semelhante, os entes que
atuar no mesmo. dialogam com a Defensoria Pública de
Tucuruí-Pará nos casos de mediação co-
Tanto no caso do CEJUSC de Jundiaí letiva (ou interinstitucional) reconhecem
quanto da prática de Mediação Comu- a interlocução dos defensores como fun-
nitária analisada no Ceará, constatou-se damental para construção de soluções
que o engajamento dos coordenadores consensuais para problemas que afetam
(juiz e promotor) na busca por parce- interesses de grupos vulneráveis.
rias foi crucial para a estruturação e fun-
cionamento dos programas. Já no caso Importância da pré-mediação, acolhimen-
da prática da Justiça Restaurativa em to e adesão: Ainda nos núcleos de me-
Caxias do Sul, que também conta com diação comunitária do Ceará, indivíduos
engajamento do coordenador, é impor- da comunidade são recepcionados por
tante destacar que em abril de 2014 a supervisores ou pelos próprios mediado-
prática foi regulada pela Lei Municipal nº res, que realizam uma pré-mediação para
7.754/2014 e, embora o programa ainda escutar a narrativa do conflito, explicar o
esteja em desenvolvimento e suas prá- que é a mediação e, com a aceitação da
ticas estejam em constante aperfeiçoa- parte, é enviada uma carta-convite para
mento, a promulgação da Lei foi essen- uma reunião de mediação. Como esse
cial ao reconhecimento das comissões momento de acolhimento é bastante de-
de paz e dos voluntários, contribuindo licado, pois frequentemente a parte che-
ao processo de institucionalização dessa ga bastante conturbada com o conflito, é
prática. necessário que aqueles que recepcionam
as pessoas que procuram o núcleo sejam
IV. Pontos em comum entre as devidamente capacitados em mediação.

práticas bem sucedidas de


No caso do CEJUSC de Jundiaí, a pré-
mediação -mediação é vista como uma forma de
aumentar a disposição das partes a dia-
Legitimação pelos atores do sistema de logarem para resolver o problema posto,
Justiça: Nos núcleos de mediação comu- consistindo, basicamente, na apresenta-
nitária do Ceará, verifica-se que o Ministé- ção da mediação, até mesmo porque se
rio Público atua como gestor e legitima- verifica que grande parte dos usuários
dor dos núcleos, o que se constata pela desconhece este instituto. Assim, a pré-
percepção dos entrevistados, que dão -mediação serve para mostrar às partes
importância à oficialidade advinda do en- o que é a mediação e para estimular a
volvimento de um órgão estatal; também adesão delas a este mecanismo, de for-
no CEJUSC de Jundiaí vemos que o Judi- ma que possam ir mais preparadas para
ciário legitima a sua atuação, o que pode a sessão de mediação, pré-dispondo-se a
ser percebido pela pesquisa de satisfação dialogar.

188
Isso também se observa na prática da tado do Ceará – FEMMEC, também tem
Justiça Restaurativa em Caxias do Sul, por objetivo formar um conjunto de cola-
na qual existe uma avaliação estratégica boradores e voluntários, especialistas de
prévia do caso que será tratado no Círcu- áreas diversas, para atuar nos núcleos de
lo, geralmente feita pelo coordenador da mediação comunitária.
Central junto a um facilitador. A finalida-
de é indicar quem serão os facilitadores Estabelecimento de parcerias com entes
responsáveis pelo Círculo e quais serão públicos, privados e sociedade: o estabe-
as técnicas utilizadas, de forma a adaptar lecimento destas parcerias faz com que o
o Círculo da melhor maneira possível ao programa de mediação não seja depen-
caso em questão159. Assim, definida a for- dente de um único ator do sistema de jus-
ma adequada de atendimento, são feitos tiça. Por exemplo, foram identificadas nos
os convites para os potenciais participan- programas analisados parcerias com Uni-
tes, que, na Central Comunitária, pode versidades, Municípios, associações, es-
ser feito pessoalmente pelos facilitadores colas, guarda civil, centros prisionais, em-
que atuaram no caso. Em seguida, são presas diversas (de transporte, publicida-
realizados os pré-círculos individuais ou de), rádios, institutos de pesquisa, polícia
coletivos, destinados a explicar sobre a militar, entre outros. O nível das parcerias
natureza do procedimento, os objetivos foi diferente em cada programa, mas per-
e a metodologia da Justiça Restaurativa, cebeu-se que um dos modos de formali-
além de identificar quem são os demais zação dessas parcerias são protocolos de
possíveis atores envolvidos no conflito. intenções, como ocorre no programa de
Mediação Comunitária do Ceará.
Supervisão: No CEJUSC de Jundiaí, per-
cebeu-se a grande ênfase dada ao traba- É também dessa forma que a Defenso-
lho do Supervisor, que assegura a forma- ria Pública de Tucuruí-Pará atua, inter-
ção e aprimoramento por meio de um di- mediando e participando da criação de
álogo constante com os mediadores que conselhos representativos formados por
atuam no programa. Em se tratando de representantes de organizações da so-
voluntários, a supervisão também é fun- ciedade civil, das associações de bairro,
damental para manter o seu engajamento de entes das secretarias municipais perti-
e efetiva participação em todas as fases nentes, instituições de pesquisa e ensino
do procedimento. e um representante da própria Defensoria
Pública. Os conselhos atuam diretamen-
Nesse mesmo sentido, o Projeto de For- te com a Defensoria Pública nos casos de
mação de Equipe Multidisciplinar dos mediação interinstitucional, participando
Núcleos de Mediação Comunitária do Es- da elaboração e da implementação das

159 A escolha dos facilitadores para cada tipo de conflito leva em consideração: (i) a existência de relação do faci-

litador com o conflito ou com alguma das partes, (ii) experiência pretérita do facilitador com conflitos de natureza

similar e (iii) formação profissional do facilitador, buscando-se sempre compor duplas multidisciplinares de facili-

tadores

189
políticas negociadas entre os grupos e dos, quando então se percebeu que mui-
organizações da sociedade civil e o Po- tas iniciativas de mediação relacionadas
der Público. ao sistema de justiça tiveram uma dura-
ção limitada e não conseguiram se man-
No programa do CEJUSC Jundiaí há o ter por períodos longos. Na pesquisa de
envolvimento de atores do sistema de campo, foi possível verificar as dificulda-
justiça e parcerias estabelecidas com a des em se manter um programa de me-
Prefeitura Municipal de Jundiaí e com a diação em funcionamento, mesmo quan-
Universidade Padre Anchieta. O TJSP e a do vinculado a uma instituição pública.
Universidade Padre Anchieta viabilizam
a estrutura física, pessoal e material dos Os casos estudados muitas vezes refle-
setores processual e pré-processual, res- tem iniciativas pessoais de membros das
pectivamente. A Prefeitura é responsável instituições estudadas (juiz, defensor pú-
pelo fornecimento de alguns funcioná- blico ou promotor de justiça, os próprios
rios, como o advogado supervisor dos funcionários e os mediadores/conciliado-
mediadores, que são por ela contratados res) que dão andamento ao projeto mo-
e cedidos ao CEJUSC. vidos por seu próprio ímpeto de imple-
mentar práticas de mediação no âmbito
No caso da prática de Caxias do Sul, a de sua atuação. São realizadas parcerias
instauração e funcionamento do progra- diversas entre instituições, com universi-
ma é fruto de parceria estabelecida entre dades, organizações da sociedade civil e
a Prefeitura Municipal de Caxias do Sul, entes governamentais, facilitando a am-
o Poder Judiciário, a Universidade de Ca- pliação da iniciativa. Contudo, a continui-
xias do Sul (UCS) e a Fundação Caxias dade da experiência por vezes depende
com o objetivo de promover uma política da liderança de um indivíduo específico,
pública de pacificação social. que se responsabiliza por conduzir a arti-
culação necessária para implementação e
V. Conclusão e os principais desafios manutenção do projeto.

a serem enfrentados
Por isso, é possível afirmar que o prin-
cipal desafio identificado nos programas
Ao longo da pesquisa empírica, foram de mediação estudados é a sua efetiva
identificados alguns desafios enfrenta- institucionalização, que permita o seu
dos na implementação e funcionamento funcionamento e aprimoramento cons-
das práticas de mediação. Discutir esses tantes. É necessário que o programa
desafios é fundamental para se pensar subsista às mudanças institucionais e
na replicabilidade de aspectos específi- que não seja totalmente dependente de
cos dessas experiências em outros con- lideranças individuais que foram funda-
textos. mentais à sua concepção.

Um dos principais desafios ficou eviden- Os programas de mediação também en-


te já no mapeamento exploratório reali- frentam dificuldades a cada mudança
zado para escolha dos casos pesquisa- política de governo e de gestão das ins-

190
tituições do sistema de justiça às quais não houve acordo (parte), o que deve-
estão vinculados. A manutenção de seus rá ser revisto, de modo a evitar que esse
recursos e espaço de atuação fica con- hibridismo de papéis não comprometa a
dicionada a novas articulações políticas, imparcialidade do mediador e tampou-
o que remete, novamente, à necessidade co franqueie a este o acesso a informa-
de se pensar em uma institucionalização ções durante a mediação que poderão
efetiva, que resguarde a continuidade do influenciar a propositura da demanda
trabalho e a profissionalização das prá- judicial. Surgem, portanto, dificuldades
ticas. A Resolução n. 125 do CNJ, nesse semelhantes àquelas suscitadas quan-
sentido, adotou o critério da centraliza- do juízes atuam como conciliadores em
ção (por meio dos CEJUSCs) como es- processos judiciais, pelo o que se conclui
tratégia de institucionalização dos pro- pelo fundamental discernimento entre
gramas de mediação. A prática da Jus- os papéis de advogado, terceiro facilita-
tiça Restaurativa em Caxias do Sul, por dor e julgador.
sua vez, foi regulada pela Lei Municipal
nº 7.754/2014. Há também a estratégia Ao lado dos desafios, os estudos de caso
de realização de parcerias interinstitu- levantaram uma série de possibilidades e
cionais ou com atores comunitários. Es- fatores relevantes para o sucesso de prá-
ses são exemplos de algumas medidas ticas de mediação envolvendo atores do
e estratégias que contribuem para pro- sistema de justiça.
mover a institucionalização e tornar mais
permanentes as práticas de mediação. A legitimação decorrente do envolvi-
mento desses atores e o desenvolvimen-
Outro desafio diz respeito à necessidade to de técnicas efetivas no momento da
de capacitação, aprimoramento e super- pré-mediação, acolhimento e adesão,
visão constantes para que o mediador são algumas das variáveis identificadas,
seja capaz de lidar adequadamente com assim como o investimento na supervi-
os conflitos que lhe são colocados. são constante (em paralelo com a capa-
citação adequada dos mediadores) e o
Especificamente com relação à atuação estabelecimento de parcerias com enti-
de defensores-mediadores, observou- dades da sociedade civil, permitindo-se
-se a confusão de funções entre quem uma inserção social e política da media-
deveria ser o terceiro facilitador devida- ção que se revela imprescindível para
mente capacitado (imparcial) e quem sua aceitação pelos usuários e sua ade-
poderá patrocinar a causa em juízo, se quação às demandas apresentada.

191
X. ANEXOS
X. 1. OS ROTEIROS DE ENTREVISTA • Qual é a sua regulação (portarias, regi-
AOS ATORES DO PROGRAMA DE mentos internos, etc.)?
MEDIAÇÃO
• Quais foram as principais mudanças rea-
lizadas desde a implementação do pro-
ROTEIRO DE ENTREVISTAS grama? Quem foram os atores envolvidos
nessas mudanças?
PARA COORDENADORES DO
PROGRAMA DE MEDIAÇÃO Envolvimento das instituições do sistema
de justiça:
IDENTIFICAÇÃO DA PRÁTICA
• Qual a natureza da relação entre o progra-
• Nome do programa/iniciativa/projeto ma e a instituição do sistema de justiça?
(Judiciário, Defensoria, MP)
• Localização e abrangência territorial
• Da onde vêm os recursos que sustentam o
• Atores do sistema de justiça envolvidos e programa? Há recursos públicos?
vínculo (parceria, financiamento, etc.).
• O fato de o programa estar vinculado a
• Qual é a sua regulação? (Pesquisa prévia) uma instituição do sistema de justiça traz
alguma peculiaridade ao seu desenho ou
DESENHO funcionamento?

Objetivos: • Há alguma relação com outra instituição


do sistema de justiça?
• Quais são os objetivos do programa?
Tipos de conflitos:
Institucionalização e regulação:
• O programa lida com algum tipo específi-
• Quando o programa foi implementado? co de conflito? Se sim, por quê?

• Foi implementado com base na Resolução • Quem realiza a triagem ou a remessa de


125/2010? processos/conflitos para mediação ou
conciliação?
• Quem estava envolvido no desenho e na
implementação do programa/núcleo/se- • Quais são os critérios de triagem? Quem
tor? (designers/stakeholders)? estabeleceu esses critérios?

• Quais são os mecanismos de solução de • Qual o volume de conflitos diário/semanal/


conflitos que o programa oferece (media- mensal/anual no programa?
ção/conciliação/outros)?

192
Atores: com alguma escola de mediação? (trans-
formativa, facilitativa, avaliativa)
• Qual o público-alvo do programa?
• Em linhas gerais, quais são as etapas que o
• As partes devem estar representadas por programa adota, desde o primeiro atendi-
advogados? mento até a conclusão do procedimento?

• Se não, a maioria das partes comparece • Há técnicas específicas que são utilizadas?
com ou sem advogados?
• Qual o diferencial do programa?
• Há atuação significativa da Defensoria Pú-
blica e/ou de advogados dativos? Avaliação

• Qual a formação dos conciliadores/media- • O programa já foi avaliado?


dores?
• Quais foram os critérios de avaliação (nú-
• Eles são voluntários ou recebem algum mero de acordos? Satisfação das partes?
tipo de remuneração? Redução do acervo?)

• Quem são as demais pessoas que atuam • Há metas? Quem as estabelece?


no programa (quem é a equipe)?
• Qual a percepção que se tem do que vem
Acessibilidade e equilíbrio de poder: a ser uma mediação exitosa?

• Como as partes/usuários chegam ao pro- • O que poderia melhorar no programa?


grama?
• Qual o impacto que se observa dessa prá-
• As partes devem pagar algo para partici- tica?
par do programa (ex. custos para paga-
mento do conciliador ou mediador, despe- • Como você vê o programa daqui a cinco
sas, etc.)? Se sim, em que momento? anos?

• Como o programa lida com partes que não ROTEIRO DE ENTREVISTAS


comparecem assessoradas por advoga-
PARA MEDIADORES
dos? Como o programa lida com o dese-
quilíbrio de poder entre as partes (infor-
mações, recursos, representatividade, po- identificação da prática (pesqui-
der de barganha, etc.). sa prévia)

Funcionamento da prática • Nome do programa/iniciativa/projeto

• Qual é a concepção de mediação adotada • Cargo e profissão do respondente


pelo programa? Essa concepção se alinha

193
desenho mações, recursos, representatividade, po-
der de barganha, etc.).
Objetivos:
Funcionamento da prática
• Quais são os objetivos do programa?
• Há técnicas específicas que são utilizadas?
Tipos de conflitos:
• Qual é o diferencial do programa?
• O programa lida com algum tipo específi-
co de conflito? Se sim, por quê? Avaliação

• Quem realiza a triagem ou a remessa de • Qual a percepção que se tem do que vem
processos/conflitos para mediação ou a ser uma mediação exitosa?
conciliação?
• O que poderia melhorar no programa?
• Quais são os critérios de triagem? Quem
estabeleceu esses critérios? • Qual é o impacto que se observa dessa
prática?
• Quantas vezes você comparece ao centro
por semana? Quantas mediações realiza • Como você vê o futuro do programa daqui
por dia?
a cinco anos?
Atores:
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
• Qual a formação dos conciliadores/media-
PARA FUNCIONÁRIOS DO
dores? Qual foi a capacitação recebida?
PROGRAMA DE MEDIAÇÃO
• Eles são voluntários ou recebem algum
tipo de remuneração? Qual a motivação identificação da prática (pesqui-
para trabalhar como mediador? sa prévia)

• Como se dá a escolha do mediador para • Cargo e profissão do respondente


cada caso? Há divisão dos mediadores por
tipo de conflito? Se sim, por quê? • Experiência do trabalho como funcionária
do programa
Acessibilidade e equilíbrio de poder:
• Como as partes/usuários chegam ao pro- • Regime de trabalho (dedicação exclusiva?)
grama?
desenho
• Como o programa lida com partes que não
comparecem assessoradas por advoga- Tipos de conflitos:
dos? Como o programa lida com o dese- • Quem realiza a triagem ou a remessa de
quilíbrio de poder entre as partes (infor- processos/conflitos para mediação ou

194
conciliação? • Você sentiu que foi devidamente escutado
na mediação?
• Quais são os critérios de triagem? Quem
estabeleceu esses critérios? • Você sentiu alguma pressão para fazer ou
para não fazer um acordo? Quem exerceu
• Qual o volume de conflitos diário/semanal/ essa pressão?
mensal/anual no programa?
• Você estava acompanhado de um advoga-
Acessibilidade: do?
• Como as partes/usuários chegam ao pro-
grama? • Você sentiu que possuía todas as informa-
ções necessárias para tomar decisão du-
Avaliação rante a mediação?

• O que poderia melhorar no programa? • Você compreendeu todas as perguntas fei-


tas pelo mediador?
• Qual é o impacto que se observa dessa
prática? • Você se sentiu confortável durante o pro-
cedimento?
• Como você vê o futuro do programa daqui
a cinco anos? • Você achou que o procedimento foi formal
ou informal?
X. 2. ROTEIROS DE PERCEPÇÃO DO
USUÁRIO • Há algo que você gostaria que tivesse sido
diferente?
A. ROTEIRO DE ENTREVISTAS
percepção sobre o mediador
PARA AS PARTES

• Você sentiu que o mediador lhe tratou com


educação e cordialidade?
Perfil demográfico:
Gênero • Você sentiu que o mediador foi imparcial?
Escolaridade
Idade • Houve alguma conduta adotada pelo me-
diador que lhe incomodou?

• O mediador foi capaz de manter o controle


percepção sobre o processo do procedimento?

• Você sentiu que teve oportunidade de se • Como você avalia de modo geral a atuação
manifestar adequadamente durante o pro- do mediador?
cesso de mediação?

195
percepção sobre o resultado des para me manifestar

• Qual foi o resultado da mediação? Houve (( ) Senti que tive nenhuma ou quase
acordo? nenhuma oportunidade de me mani-
festar
• Você está satisfeito com o resultado?
2. Você se sentiu ouvido pelo mediador
• Quais eram suas expectativas antes da durante o procedimento de mediação?
mediação? Elas foram atendidas? Elas fo-
ram modificadas? (( ) Plenamente ouvido

• Você acha que o resultado foi justo? (( ) Ouvido

ATITUDE (( ) Raramente ouvido

• Em um novo conflito, você consideraria a (( ) Não fui ouvido


mediação como opção?
3. Você sentiu pressão para realizar ou
• Você buscaria o programa novamente? não realizar um acordo?
Para que tipos de conflito?
(( ) Muita pressão
• Você indicaria a mediação para algum co-
nhecido? (( ) Pressão

• Você indicaria o programa para algum co- (( ) Pouca pressão


nhecido?
(( ) Nenhuma pressão
B. SURVEY PARA AS PARTES
4. Você sentiu que possuía todas as in-
formações necessárias para tomar al-
percepção do processo guma decisão durante a mediação?

1. Você sentiu que teve oportunidade de (( ) Senti-me plenamente informado


se manifestar durante o procedimento
de mediação? (( ) Senti que precisava de mais orien-
tações
(( ) Senti que tive plena oportunidade
de me manifestar 5. Você se sentiu confortável durante o
procedimento?
(( ) Senti que tive oportunidade res-
trita de me manifestar (( ) Extremamente confortável

(( ) Senti que tive poucas oportunida- (( ) Confortável

196
(( ) Um pouco desconfortável (( ) Totalmente parcial

(( ) Muito desconfortável Porque?

6. Você achou que o procedimento foi 3. Houve alguma conduta adotada pelo
formal ou informal? mediador que lhe incomodou?

7. Muito formal Descreva:

(( ) Pouco formal percepção sobre o resultado

(( ) Informal 1. Na sua opinião, o resultado da media-


ção foi justo?
(( ) Muito informal
(( ) Muito justo
8. Há algo que você gostaria que tivesse
sido diferente? (( ) Justo

percepção sobre o mediador (( ) Pouco justo

1. Como você avalia a condução do pro- (( ) Injusto


cedimento pelo mediador?
Porque?
(( ) Muito bom
Você ficou satisfeito com o resultado?
(( ) Bom
(( ) Muito satisfeito
(( ) Razoável
(( ) Satisfeito
(( ) Ruim
(( ) Pouco satisfeito
Porque?
(( ) Insatisfeito
2. Como você avalia a imparcialidade do
mediador? Porque?

(( ) Totalmente imparcial atitude

(( ) Imparcial 1. Em um novo conflito, você procuraria


o programa em questão?
(( ) Dúvidas quanto sua imparcialida-
de (( ) Com muita certeza

197
(( ) Talvez

(( ) Provavelmente não

(( ) Certamente não

Porque?

2. Você indicaria o programa em questão


para algum conhecido?

(( ) Com muita certeza

(( ) Talvez

(( ) Provavelmente não

(( ) Certamente não

Porque?

198
C. OS SURVEYS DE AVALIAÇÃO DO USUÁRIO DA PESQUISA

2 - Concordo pou-
1 - Concordo muito 3 - Discordo pouco 4 - Discordo muito
co

Senti que tive oportunidade de me manifestar durante o pro-


1 2 3 4
cedimento de mediação.

Senti que fui ouvido pelo mediador durante o procedimento


1 2 3 4
de mediação.

Senti que não fui pressionado a realizar um acordo. 1 2 3 4

Senti que possuía todas as informações necessárias para to-


1 2 3 4
mar decisões durante a mediação.

Senti-me confortável durante o procedimento. 1 2 3 4

Justifique.

Senti que o procedimento foi formal. 1 2 3 4

Há algo que você gostaria que tivesse sido diferente?

O mediador explicou com clareza as regras gerais para o


1 2 3 4
bom andamento da mediação.

Senti que o mediador foi imparcial (um mediador imparcial é


1 2 3 4
aquele que não favorece nenhuma das partes)

Houve alguma conduta adotada pelo mediador que lhe incomodou?

Sinto que o resultado da mediação foi justo. 1 2 3 4

Estou satisfeito com o resultado. 1 2 3 4

Em um novo conflito, eu procuraria novamente este progra-


1 2 3 4
ma.

199
Eu indicaria este programa para conhecidos. 1 2 3 4

Acordo
A mediação resultou em acordo? Sim Não
Parcial

X. 3. GUIA DE OBSERVAÇÃO DAS va, facilitadora. dentre outras), a(s)


SESSÕES modalidade(s) a ser(em) seguida(s) no
caso concreto foi(ram) anunciada(s)
1. Conflito a ser mediado: nos esclarecimentos iniciais? Houve
compreensão e aceitação das partes?
a. Descreva em breves linhas o conflito
que seria mediado e quem eram as c. Houve formulação de perguntas pelo
partes: mediador para conhecer melhor a re-
lação entre as partes e o conflito?
b. Trata-se de um conflito judicializado?
Se sim, em que fase do processo se d. Houve algum impasse na mediação?
encontra? Em caso positivo, houve esforço para
superá-lo?
2. Pré-mediação e mediação:
e. O mediador explicou ou ofereceu a
Pré-mediação possibilidade de sessões separadas
com as partes (caucus)?
a. Como foi o primeiro contato dos me-
diados com o processo de mediação? f. O mediador utilizou diferentes formas
de questionamento (paráfrases e re-
b. Foram explicadas às partes as prin- formulações, para checar se o que foi
cipais características do processo de dito foi bem entendido, e perguntas
mediação (voluntariedade, coopera- reflexivas que recaíssem sobre os inte-
ção, sigilo, foco nas relações continua- resses e relação das partes)?
das, papel do mediador)? Em resumo,
ficou claro para elas o funcionamento g. Houve interrupções e ruídos de comu-
do processo? nicação?

Desenvolvimento da mediação h. Houve alguma manifestação emocio-


nal das partes? Em caso positivo, qual
a. Houve algum esclarecimento inicial foi atitude do mediador?
do mediador sobre o procedimento,
seu papel e função durante o proces- i. O estilo de mediação adotada (avalia-
so? tivo, facilitador, dentre outros) foi ade-
quado ao caso?
b. O mediador explicou as diversas
modalidades de mediação (avaliati- j. ouve alguma postura ou conduta do

200
mediador que chamou a sua atenção? Por quê?

k. Houve algum procedimento que você considerou inovador?

Sessão de Mediação

Partes

a. As partes tiveram oportunidade de expressar suas versões sobre os fatos?

b. As partes demonstraram interesse em ouvir a versão das outras partes, seus inte-
resses e necessidades?

c. As partes demonstraram confiança no mediador?

d. Na sua percepção, as partes se sentiram ouvidas?

Advogados e Partes

a. Havia advogados presentes? Se não, você acha que fez falta essa presença?

b. Os advogados ajudaram as partes a se expressarem?

c. Havia uma boa comunicação entre advogado e cliente?

d. Havia uma boa comunicação entre advogado e mediador?

e. Os advogados apresentaram propostas para a solução do conflito? O cliente foi


informado pelo seu advogado durante o processo sobre suas opções e demons-
trou estar participando ativamente das escolhas?

f. O advogado comprometeu os interesses do cliente em face de postura demasia-


damente colaborativa ou competitiva?

g. Na sua percepção, havia algum desequilíbrio significativo entre as partes (infor-


mações sobre o processo, sobre o conflito, desequilíbrio sócio-econômico, poder
de barganha, etc.)?

h. Se sim, como o mediador lidou com esse desequilíbrio?

3. Análise do processo de mediação e resultado

a. No geral, houve liberdade para exposição de ideias e criação de opções sem jul-

201
gamento prévio e sem atribuição de
autoria (brainstorming)?

b. Foram fixados critérios objetivos para


escolhas que necessitaram ser feitas?

c. Havendo sessões privadas com as par-


tes (caucus), elas ajudaram a ampliar a
visão do conflito? Foram úteis?

d. Como as partes saíram da sessão de


mediação? Pareciam satisfeitas com o
processo e/ou com o resultado?

e. Houve acordo entre as partes? O acor-


do foi parcial ou total?

f. Na sua percepção, as partes saíram


da sessão com a plena disposição de
cumprir o acordo?

202
Secretaria de Ministério da
Reforma do Judiciário Justiça
PA Í S P Á T R I A E D U C A D O R A

203

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