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MÁRCIO ANTONIO PONTES IBIAPINA

ASPECTOS RELEVANTES DO DANO MORAL EM


RICOCHETE DECORRENTE DA RELAÇÃO
EMPREGATÍCIA

CURSO JORGE HÉLIO / UNIVERSIDADE ESTADUAL DO VALE DO


ACARAÚ
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO
FORTALEZA
2010
MÁRCIO ANTONIO PONTES IBIAPINA

ASPECTOS RELEVANTES DO DANO MORAL EM


RICOCHETE DECORRENTE DA RELAÇÃO
EMPREGATÍCIA

Monografia apresentada ao Curso de


Especialização em Direito e Processo do
Trabalho realizado por convênio entre o
Curso Jorge Hélio e a Universidade
Estadual do Vale do Acaraú, como
requisito parcial para obtenção de título de
Especialista, sob orientação do Prof. Dr.
Francisco Gérson Marques de Lima.

FORTALEZA
2010
BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

I
Aos meus pais Nonato
(in memoriam) e Neide, pela
centelha de vida e de amor ao
conhecimento, mas sobretudo por
me ensinarem a discernir sobre o
que é essencialmente bom.

À Renata e Bárbara,
por preencherem de amor o
cotidiano e alimentarem de
esperanças o futuro.

Aos meus irmãos e


irmãs, para que saibam não ser tão
silenciosa a admiração que sempre
me inspiraram.

II
Agradeço a todos que, direta ou
indiretamente, contribuíram para a
conclusão deste trabalho.

III
“pensamento....”
Pensador

IV
RESUMO

O presente trabalho trata das principais particularidades atinentes ao

dano moral reflexo decorrente da relação empregatícia. Trata-se do conceito

dessa modalidade de dano moral, cuja proteção se alça às pessoas atingidas

indiretamente pelo ato ilícito, sendo mais comum, na seara trabalhista,

decorrerem de acidente de trabalho. Explana-se sobre sua releitura à luz do

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, defendendo-se, nessa linha, que os

legitimados somente podem ser conhecidos no caso concreto, ainda que se

presuma a existência de dano em relação ao círculo de convivência mais

próximo do trabalhador. Aponta-se a competência da Justiça do Trabalho para

julgar as ações indenizatórias por dano moral indireto em face de ato ilícito

ocorrido contra o empregado, à luz da EC nº 45/04. Em relação ao rito

processual a ser seguido, apregoa-se obediência aos procedimentos contidos na

Consolidação das Leis do Trabalho, consoante IN nº 27 do TST, criticando-se,

contudo, a exigência de assistência por ente sindical para fins de concessão da

justiça gratuita, visto que não se trata de ação movida pelo trabalhador, mas por

terceiros. Por fim, tecem-se considerações sobre a quantificação do dano moral

reflexo, com destaque para o debate sobre ser a indenização global para todos os

legitimados ou individualizada para cada um deles, corrente esta considerada

mais afeita ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................XX

1- CONCEITUAÇÃO DO DANO MORAL EM


RICOCHETE.................................................................................................XX

2- ESTUÁRIO NORMATIVO......................................................................XX

3- HIPÓTESES DE DANO MORAL REFLEXO DECORRENTE DA


RELAÇÃO EMPREGATÍCIA .....................................................................XX

4- COMPETÊNCIA.......................................................................................XX

5- LEGITIMIDADE...................................................................................... XX

6- PROCEDIMENTO ADEQUADO.............................................................XX

7- QUANTIFICAÇÃO DO
DANO.............................................................................................XX

CONCLUSÃO.................................................................................................XX

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................XX
INTRODUÇÃO

Os temas afetos à responsabilidade civil sofreram incremento na Justiça do


Trabalho a partir da EC nº 45/2004 e, especialmente, após a decisão do Supremo
Tribunal Federal no Conflito de Competência nº 7.024-1/MG, que consolidou a
competência daquele ramo do Poder Judiciário para processar e julgar ações de
indenização por danos decorrentes de acidentes de trabalho. O novo paradigma fez
com que uma grande leva de processos, com os quais os operadores do Direito do
Trabalho não tinham contato, passassem a ser processados na Justiça Trabalhista,
trazendo a lume questionamentos que precisam ser debatidos sob a ótica multifária
do Direito e do Processo do Trabalho.

Parte importante desse temário cuida do dito dano moral em ricochete, também
conhecido como dano moral indireto ou dano moral reflexo, havido quando a lesão a
direito personalíssimo de determinada pessoa provoca danos não somente a ela,
mas também ao patrimônio moral daqueles que fazem parte do seu círculo mais
próximo de convivência.

A relevância desse debate reside no fato de que o potencial de distensão do


dano moral indireto no mundo do trabalho é incalculável, por ser um dos ramos da
atividade humana em que mais os direitos de personalidade são violados,
envolvendo, na maioria dos casos, pessoas sem maiores recursos financeiros,
submetidas às pressões de uma relação de trabalho social e economicamente
desnivelada. Bem por isso, a necessidade de melhor compreensão do tema justifica
o estudo dentro do universo maior da responsabilidade civil.

Afinal, é fácil compreender a ação indenizatória quando movida pelo próprio


empregado, haja vista ter sido ele a vítima direta do dano que se busca indenizar.
Mas nos casos em que o trabalhador vai a óbito ou padece de severo
comprometimento à saúde? Ou, ainda, quando o ato ilícito é de tal monta que o
sofrimento por ele provocado transcende da pessoa da própria vítima para atingir os
que lhe são próximos? Existe direito de ação de terceiros que também se sintam
prejudicados em face do ato ilícito? Quem e quantos seriam os legitimados aptos a
pleitear indenização em nome próprio? Qual o ramo do Poder Judiciário competente
para julgar as demandas de tal natureza?

Esses e outros questionamentos serão tratados no presente estudo, dada a


importância de se estabelecer a base doutrinária sobre a qual se assenta a disciplina
do dano moral indireto e, de igual forma, como vem se dando o tratamento do
instituto na jurisprudência pátria, notadamente a trabalhista, abrangendo aspectos
ligados à competência, legitimidade, rito processual a ser adotado e aspectos
atinentes à indenização a ser arbitrada em tais casos.

Contudo, antes de prosseguir, mister esclarecer que não se pretende aqui


ingressar em temas da Teoria Geral da Responsabilidade Civil, mas somente
naqueles que digam respeito, mais especificamente, à reparação do dano moral
indireto, com o intuito de fornecer elementos para a discussão e a maturação desse
tema na seara trabalhista.

Por fim, cumpre informar que o método de pesquisa utilizado foi o bibliográfico,
com extensa pesquisa na doutrina brasileira afeita à responsabilidade civil no que
toca ao dano moral em ricochete, bem assim na jurisprudência dos Tribunais pátrios
acerca dessa matéria.
1. CONCEITUAÇÃO DO DANO MORAL EM RICOCHETE

Historicamente, a responsabilização civil por danos se encontra em constante e


crescente evolução para garantir, de forma cada vez mais ampla e irrestrita, a
integral reparação devida ao patrimônio material e imaterial das vítimas de atos
ilícitos de terceiros. Basta lembrar que, se na antiguidade nem sequer se reconhecia
a existência do direito a uma reparação pecuniária à guisa de dano moral,
hodiernamente já encontram guarida teses como a da responsabilidade objetiva em
face do risco da atividade e a da titularização do dano moral pela pessoa jurídica1.

Ao longo de tal processo evolutivo, a doutrina francesa desenvolveu teoria sobre


o que nomeou de dano “par ricochet”2, expressão claramente alusiva ao vocábulo
ricochetear. Segundo essa doutrina:

“embora o dano deva ser direto, tendo como titulares da ação aqueles que sofrem, de
frente, os reflexos danosos, acolhe-se também o dano derivado ou reflexo, 'le dommage
par ricochet', de que são titulares os que sofrem, por conseqüência, aqueles efeitos,
como no caso do dano moral sofrido pelo filho diante da morte de seus genitores e vice-
versa”3.

Releva, ainda, o conceito jurisprudencial desenvolvido pelo doutrinador


Sebastião Geraldo de Oliveira, desembargador do TRT da 3ª Região, em julgado
daquele Corte de Justiça Trabalhista. Confira:

“Dano moral indireto, reflexo ou, em ricochete, é aquele que, sem decorrer direta e
imediatamente de certo fato danoso, com este guarda um vínculo de necessariedade, de
modo a manter o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o prejuízo. Ainda que
sejam distintos os direitos da vítima imediata e da vítima mediata, a causa indireta do
prejuízo está intensamente associada à causa direta, tornando perfeitamente viável a
pretensão indenizatória4.

Compreende-se, dessa forma, que não apenas a vítima direta pode fazer jus à
reparação cabível em caso de ato ilícito, mas também outras pessoas que,
indiretamente, ou seja, por ricochete, tenham sofrido seus efeitos. Significa
reconhecer que um ato danoso repercute de várias maneiras na vida das pessoas,
gerando uma multiplicidade de conseqüências que se irradiam, muitas vezes, para
1
Súmula 227 do STJ.
2
Pereira, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 43.
3
Cahali, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 116)
4
(TRT 3ª R./ 2ª T., RO 1019-2007-042-03-00-3, Rel. Des. Sebastião Geraldo de Oliveira, DJEMG 29-07-2009).
além do âmbito do indivíduo diretamente atingido, violando o patrimônio moral e
material de terceiros.

Sérgio Cavalieri Filho identifica a vítima do dano reflexo como sendo a “titular de
relação jurídica que é afetada pelo dano não na sua substância, mas na sua
consistência prática”5. No caso do dano reflexo de caráter extrapatrimonial, como
veremos no capítulo atinente à legitimidade, esse terceiro se identifica na pessoa
daqueles que compõem o círculo de convivência mais íntimo da vítima direta.

Nessa exata linha, Rui Stoco leciona que “o dano sofrido pela vítima pode
repercutir em terceira pessoa, de sorte que esta, indiretamente, sofrerá detrimento.
A hipótese é a de uma pessoa que sofre o ‘reflexo’ de um dano causado a outra
pessoa”.6

Em outras palavras, o que a doutrina denomina de dano moral em ricochete,


dano moral reflexo ou, ainda, de dano moral indireto, é o dano que, gerado a partir
de acontecimento envolvendo determinada pessoa, possui a capacidade de causar
sofrimento a diversas outras que não foram diretamente atingidas.

Na seara trabalhista esse dano deve ocorrer no bojo de uma relação de trabalho
ou em decorrência dela, de modo que sejam lesados, além do próprio trabalhador,
pessoas de sua convivência mais próxima, sensíveis ao ato danoso que possa vir a
afetá-lo.

5
Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 102.
6
Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 1244.
2. ESTUÁRIO NORMATIVO

O ordenamento jurídico pátrio não contempla norma específica para o dano


em ricochete. Vale observar, contudo, que o art. 927 do Código Civil, ao estatuir a
responsabilidade daquele que, “por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo”, não faz qualquer restrição a ser o indenizado apenas a
vítima diretamente lesionada.

O próprio art. 186 do Código Civil explicitou tratar-se de ato ilícito aquele que
“violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral”,
dispositivo que deve ser interpretado de maneira a conferir eficácia plena à
reparação de qualquer dano relevante, patrimonial ou extrapatrimonial, ainda que
provocado por via reflexa.

Da mesma forma, o art. 944 do Código Civil, ao prever que “a indenização


mede-se pela extensão do dano”, cria parâmetro objetivo a ser utilizado para
aferição da indenização de qualquer pessoa vitimada, seja ela direta ou
indiretamente atingida.

Na verdade, deve-se promover a leitura do instituto à luz da Constituição Federal,


cuja força irradiante se faz sentir sobre todo o ordenamento jurídico, informando a
criação de novas normas que a ela não contrariem e a interpretação conforme
daquelas já componentes do sistema jurídico. Nesse sentido, a compensação do
dano moral direto e indireto assenta suas raízes na proteção da própria dignidade da
pessoa humana, alçada a princípio fundamental da República Federativa do Brasil
pelo art. 1º, II, da Carta Política. Não fosse o suficiente, também jaz inscrito dentre
os direitos fundamentais expressos no texto constitucional, a teor do art. 5º, inc. X,
que dita serem invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurando direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação”. O mesmo se dá em relação ao rol de direitos sociais do art. 7º,
cujo inciso XXVIII prevê, como direito dos trabalhadores, “seguro contra acidentes
de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado,
quando incorrer em dolo ou culpa”. Em face disso, a interpretação a ser conferida à
reparabilidade de danos morais deve ser a mais ampla possível, a fim de que não
sejam mitigados direitos fundamentais dos trabalhadores brasileiros ou de seus
entes mais próximos.

Nesse exato diapasão, Francisco Gérson Marques de Lima leciona que:

“quando a CF prevê como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da


pessoa humana (art. 1º, III), já está, por si só, vedando os maus tratos carcerários,
resguardando o direito à intimidade e o respeito à integridade moral, bem como o direito
à sobrevivência, segundo padrões dignos da sociedade atual. Daí porque o direito
personalíssimo do cidadão há de sofrer interpretações ampliativa e progressista.7”
(grifou-se).

No mesmo sentido, lembrando a dimensão constitucional da reparação do dano


moral, Sérgio Cavalieri Filho explica que hoje vigora o que pode ser chamado de
direito subjetivo constitucional à dignidade, tendo a Constituição conferido “ao dano
moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é
do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos
personalíssimos”8.

Tal a importância da proteção ao ser humano no cerne do processo que


promoveu a superação do positivismo clássico e a constitucionalização do Direito
Civil, que o Código Civil de 2002, em harmonia com o princípio constitucional basilar
da dignidade da pessoa humana, trouxe à baila capítulo específico sobre os direitos
de personalidade9. Esse capítulo, ao estatuir, no art. 12, que se pode “exigir que
cesse a ameaça ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos,
sem prejuízos de outras sanções previstas em lei”, também confere base normativa
ao pedido de indenização por dano causado a direito personalíssimo de qualquer ser
humano, ainda que atingido por via reflexa, ou seja, em face de prejuízo causado
diretamente a outra pessoa que com ele se relacione.

7
LIMA, Francisco Gérson Marque de. Lei de Introdução ao Código Civil e Aplicação do Direito do
Trabalho. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 35.
8
Ob. Cit., p. 80.
9
Nelson Nery Jr. e Rosa Nery sugerem, como mais adequada, a expressão “direitos da humanidade”.
3. HIPÓTESES DE DANO MORAL REFLEXO DECORRENTE DA
RELAÇÃO DE TRABALHO

Não há dúvida que, no campo das relações trabalhistas, o fato danoso que mais
comumente possui o condão de incidir para além da figura do próprio empregado é o
ligado ao acidente de trabalho, especialmente o que acarreta o óbito do obreiro. Isso
ocorre porque a morte do trabalhador desestrutura o núcleo familiar, não somente
com a extinção da renda auferida com o seu trabalho, por si só motivo de angústia
para os familiares, mas pelo sofrimento que o óbito provoca aos entes afetivamente
mais ligados, privados da convivência de quem era pai, irmão, cônjuge, noivo, um
amigo querido. Enfim, de alguém cuja existência se conectava mais estreitamente à
rotina e à vida de outras pessoas.

Vale lembrar que a vida é o direito de personalidade mais fundamental do ser


humano e do qual decorrem todos as outras salvaguardas intrínsecas à condição
humana, tais como o direito à integridade física e psíquica, à imagem, à intimidade,
à honra e à liberdade em suas mais variadas vertentes. Portanto, quando o ser
humano perde a própria vida em decorrência de seu trabalho, ocorre a mais grave
ruptura do plexo de direitos personalíssimos da pessoa natural, repercutindo
diretamente no círculo sócio-afetivo que compunha a intimidade desse trabalhador.

Certamente por isso, nos dias de hoje, não pairam dúvidas sobre a lesividade do
evento “morte” sobre terceiros, fazendo com que a casuística registre as mais
diversas ações originadas da morte do trabalhador quando provocada em
decorrência e no bojo da relação empregatícia.

Nessa vertente se inscreve a seguinte decisão, em que se reconheceu o dano


moral reflexo ocasionado pela morte do empregado em assalto ocorrido durante a
jornada de trabalho:

“DANO MORAL EM RICOCHETE. ASSALTO. MORTE DO EMPREGADO. Provado nos


autos que o empregado faleceu em decorrência de assalto ocorrido no local e horários
de trabalhos, diante da negligência da ré quanto à segurança privada em seu
estabelecimento, o empregador tem que ser responsabilizado pelo dano moral suportado
pela esposa do de cujus, assim denominado dano reflexo ou em ricochete, definido
como o prejuízo sofrido por pessoa próxima ligada à vítima direta do ato ilícito.” (TRT 3ª
R., RO 00518-2008-148-03-00-0, Rel. Des. José Miguel de Campos, DJEMG 18-12-
2008).
Colhem-se, ainda, da casuística, à guisa de exemplo, os seguintes arestos:

“Acidente de trabalho. Dano moral. Culpa patronal caracterizada pela permissão de


lavagem do tanque do caminhão sem a observância de procedimento de medições
exigidas em seus manuais. Concausa da morte em razão de problemas cardíacos
originados da falta de ar sofrida quando da limpeza do tanque de caminhão sem
oxigênio. Transtornos típicos para a indenização moral, renda mensal vitalícia para os
herdeiros e constituição de capital.” (TRT 2ª Região/ 6ª T., RO 01432-2006-087-02-00,
Relator Des. Rafael. E. Pugliese Ribeiro, DOE SP, PJ TRT 2ª DE 25/08/2006).

“Dano moral. Acidente de trabalho. Morte do empregado. Culpa da empresa. Medidas de


segurança insuficientes que não impediram a queda do empregado no bueiro que
acessa o canal onde ‘corre água de altas temperaturas’ na área interna da Cosipa,
causando queimaduras de 2º e 3º graus e morte. Culpa da empresa comprovada.
Indenização por dano moral.” (TRT 2ª Região/6ª T., RO 0332-2005-253-02-00, Relator
Des. Rafael E. Pugliese Ribeiro, DOE SP, PJ TRT 2ª de 25/08/2006)

Assente-se, por oportuno, que a jurisprudência tem reconhecido a existência de


dano moral reflexo não apenas quando o óbito decorre de acidente de trabalho
típico, mas também quando é provocado por doença profissional. Nesse sentido, do
TRT da 3ª Região:

“INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAL E MORAL. DOENÇA PROFISSIONAL.


MORTE DO EMPREGADO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ESPOSA E FILHOS
DO DE CUJUS. Os danos decorrentes do óbito do trabalhador acometido por doença
profissional atingem os parentes do de cujus, principalmente a esposa e os filhos.
Destarte, a viúva é parte legítima para pretender, em nome próprio, as indenizações por
danos materiais e morais, estes chamados indiretos ou em ricochete.” (TRT 3ª Região/5ª
T., RO 0124-2007-076-03-00-2; Rel. Juiz Rogério Valle Ferreira, DJMG 16-06-2007).

Nem sempre, contudo, o óbito será fator determinante para o reconhecimento da


lesão reflexa a direitos personalíssimos. Como exemplo, podemos tomar o caso em
que o acidente de trabalho tenha deixado seqüelas gravíssimas no empregado,
incapacitando-o para o trabalho, bem como deixando-o dependente de cuidados
especiais pelo tempo de vida restante. Em tal hipótese é inegável o prejuízo moral
causado autonomamente ao núcleo familiar desse trabalhador, talvez em grau ainda
mais acentuado que o provocado pela morte, haja vista a lesão perpetuar-se ao
longo do tempo de sobrevida do obreiro.

Em caso dessa natureza, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu o


direito a indenização dos “familiares do empregado, vítima de acidente de trabalho,
que ficou irreversivelmente inválido e dependente de cuidados especiais”10.

10
TJMG/17ª Câmara Cível; AG 1.0024.06.201768-6/0011; Rel. Des. Lucas Pereira; DJEMG 15-11-2007.
No mesmo diapasão, o TRT da 3ª Região entendeu que a esposa de trabalhador
vitimado por acidente de trabalho que resultou em graves e permanentes seqüelas
faz jus à reparação do dano moral indireto por ela sofrido. A decisão jaz assim
ementada:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL REFLEXO. REPARABILIDADE. Dano


moral indireto, reflexo ou em ricochete é aquele que, sem decorrer direta e
imediatamente de certo fato danoso, com este guarda um vínculo de necessariedade, de
modo a manter o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o prejuízo. Ainda que
sejam distintos os direitos da vítima imediata e da vítima mediata, a causa indireta do
prejuízo está intensamente associada à causa direta, tornando perfeitamente viável a
pretensão indenizatória. Nesse passo, constatando-se que o acidente de trabalho sofrido
pelo marido da reclamante provocou lesão em sua coluna vertebral, limitando-lhe os
movimento de braço e perna do lado esquerdo, prejudicou sua locomoção e lhe impôs
restrições na vida afetiva, não se pode negar os danos reflexos causados à sua esposa,
que sofreu alteração dolorosa e drástica na vida de relação e na vida doméstica, sem
falar nas repercussões emocionais de tal situação, tudo compondo um quadro fático que
clama por reparação”. (TRT 3ª R./ 2ª T., RO 1019-2007-042-03-00-3, Rel. Des.
Sebastião Geraldo de Oliveira, DJEMG 29-07-2009).

Mesmo fora da seara do acidente de trabalho não é difícil cogitar outras


hipóteses em que os ilícitos cometidos contra o trabalhador podem ferir o patrimônio
moral de terceiros. É bastante lembrar os inúmeros casos em que trabalhadores são
forçados a prestar seu labor em condições análogas às de escravo. Geralmente são
levados para lugares distantes de suas moradias, onde ficam impossibilitados de se
comunicarem, de retornarem para o convívio familiar ou mesmo de proverem o
sustento dos que de si dependem. Não há como negar que seus familiares, privados
de sua convivência e do sustento que lhes devia ser proporcionado, também são
atingidos pelo ilícito, fazendo jus à reparação moral cabível.

Outro caso em que tal lesão é evidente ocorre no aliciamento de mulheres,


muitas vezes para o exterior, que se tornam vítimas de exploração sexual, sendo
forçadas à prostituição para promover seu sustento. Em tais casos, não há como
negar, à semelhança do trabalho em condições análogas à de escravo, que o
quadro é de tal maneira degradante que macula o patrimônio moral não somente da
pessoa diretamente envolvida, mas também do núcleo familiar que lhe é mais
próximo.

Recentemente, ao julgar o HC nº 95848, o Supremo Tribunal Federal manteve


em prisão um empregador condenado por torturar e jogar soda cáustica em um
funcionário de sua empresa. Segundo noticiado no sítio eletrônico do STF11, as
investigações policiais revelaram que o empresário queria que o funcionário
assumisse a culpa por um furto ocorrido na empresa. Em vista de ato ilícito tão
grave cometido pelo empregador, não é razoável conceber que a família também
não seja reflexamente atingida ao acolher de volta no recesso do lar, doente e
abalado, o pai de família que vira sair saudável no começo do dia.

Mas não somente a violência física contra o trabalhador é capaz de gerar danos
aos seus familiares. Casos há em que o assédio sexual e o assédio moral no
ambiente de trabalho podem provocar abalo psíquico de tal monta no ser humano
que o levam a desenvolver fobias, comportamento depressivo e outras chagas cujas
consequências são sentidas no seio familiar de maneira contundente.

Doutra feita, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu haver dano moral
indireto provocado pela divulgação inadvertida de informação depreciativa de
pessoa morta. Reconheceu-se, no caso, que tal possibilidade resulta das
“conseqüências negativas que, porventura, o uso ilegítimo da imagem do parente
pode provocar a si e ao núcleo familiar ao qual pertence, porquanto atinge a pessoa
de forma reflexa”12. Essa situação é fácil de se configurar na seara trabalhista,
especialmente na divulgação de informações depreciativas que cause ao
empregado e aos seus entes mais próximos manifesto prejuízo. É o caso da criação
e divulgação das listas negras contendo o nome de trabalhadores que tenham sido
despedidos por justa causa ou que tenham ajuizado reclamações trabalhistas, ato
de altíssimo potencial lesivo ao trabalhador, visto obstar o acesso a um novo posto
de trabalho que lhe propicie a subsistência, com conseqüências nefastas para toda
sua família.

Na verdade, muitas outras situações podem dar ensejo à reparação do dano


moral indireto. É de se lamentar que o limite resida, tão-somente, na fertilidade da
imaginação humana, pródiga em encontrar as mais variadas formas de violação de
direitos personalíssimos dos seus semelhantes.

11
“1ª Turma nega liberdade para empresário acusado de jogar ácido em funcionário”. In
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=113864. Acesso em 1º /10/2009.
12
TJMG/16ª Câmara Cível, APCV 1.0105.02.064636-7/0011, Rel. Des. Otávio de Abreu Portes, DJEMG 30-
05-2008.
Todavia, cabe a ponderação seguinte: nem todo ato ilícito provoca o nascimento
de danos morais reflexos, mas somente aqueles que, por seu relevo e magnitude,
agridem o trabalhador de tal maneira que lesionam não somente a ele, mas aos que
com ele compartilham da convivência diária. O sopesamento é de ser feito caso a
caso pelos operadores do direito que militam na Justiça do Trabalho, não havendo
espaço para fórmulas pré-concebidas quando a matéria é conferida pela dinâmica
da própria vida humana em suas múltiplas relações interpessoais.
4. COMPETÊNCIA

A Justiça do Trabalho é a competente para julgar as ações indenizatórias de


danos morais e materiais decorrentes da relação de trabalho13, notadamente após a
paradigmática decisão em que o Supremo Tribunal Federal, revendo sua
jurisprudência, declarou que tais lides, quando pautadas em acidente de trabalho,
pertenciam, com efeito, à esfera competencial justrabalhista, definindo como marco
inicial o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 200414.

A matéria, mais recentemente, foi objeto da Súmula Vinculante nº 22, cujo teor
cristaliza o entendimento do Excelso Pretório, sobre a competência da Justiça do
Trabalho, quando a causa de pedir versar sobre a reparação de danos decorrentes
de acidente de trabalho. Confira:

“A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização


por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por
empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de
mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional no 45/04”.

Tal competência, vale dizer, radica-se no inciso VI do art. 114 da CF/88, que
insere no rol competencial da Justiça do Trabalho "as ações de indenização por
dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho", inexistindo
restrições, no texto constitucional, quanto a serem tais danos diretos ou indiretos,
sendo bastante que decorram da relação trabalhista.

Consoante esclarece Francisco Gérson Marques de Lima as controvérsias


decorrentes da relação de trabalho são, justamente, as surgidas do trabalho, "mas
apenas indiretamente ou reflexamente, por via oblíqua, podendo se referir a
terceiros que se viram atingidos, de alguma forma, pela prestação dos

13
Exceto das ações oriundas das relações de cunho administrativo, conforme interpretação conferida pelo STF,
ao art. 114, I, da CF/88, na ADI 3395.
14
"Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal
entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho,
ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos
Estados-Membros. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal
competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava
transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa
verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. Nada
obstante, como imperativo de política judiciária — haja vista o significativo número de ações que já tramitaram
e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa —, o Plenário
decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04." (CC
7.204, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 29-6-05, DJ de 9-12-05).
serviços, ou cujas obrigações não sejam especificamente laborais15", o que se
adapta, perfeitamente, às situações em que a ação é ajuizada por terceiros que se
sintam atingidos, em seu patrimônio moral, com a lesão por ele sofrida.

Com efeito, em nada altera a competência o fato de o objeto da lide ser a


reparação de danos morais sofridos, indiretamente, por terceiros, haja vista que a
origem de tais danos reside no mesmo fato delituoso, ou seja, no ato ilícito praticado
no bojo de relação trabalhista. Por óbvio, se a causa de pedir é a mesma, não há
como diferençar o órgão julgador apenas por que o legitimado não é o próprio
trabalhador vitimado.

Sobre ser assim, os operadores do direito do trabalho reunidos na I Jornada de


Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho16 aprovaram tese pela
competência da Justiça Laboral quando se tratar de ação ajuizada para reparação
de danos em ricochete, consubstanciada no Enunciado nº 36, assim redigido:

ACIDENTE DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. AÇÃO AJUIZADA POR HERDEIRO,


DEPENDENTE OU SUCESSOR. Compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar ação
de indenização por acidente de trabalho, mesmo quando ajuizada pelo herdeiro,
dependente ou sucessor, inclusive em relação aos danos em ricochete. (destacou-
se).

O próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar lides sobre indenização de danos


morais, confirmou a linha jurisprudencial inaugurada com o CC 7.204, declarando a
competência material plena da Justiça do Trabalho para decidir as questões alusivas
a danos morais decorrentes da relação empregatícia, ainda que em ações propostas
pelos dependentes ou sucessores do trabalhador. Confira:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.


COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E
PATRIMONIAIS, DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO AJUIZADA
OU ASSUMIDA PELOS DEPENDENTES DO TRABALHADOR FALECIDO.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIAL.
Compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar pedido de indenização por danos morais
e patrimoniais, decorrentes de acidente do trabalho, nos termos da redação originária do
artigo 114 c/c inciso I do artigo 109 da Lei Maior. Precedente: CC 7.204. Competência
que remanesce ainda quando a ação é ajuizada ou assumida pelos dependentes
do trabalhador falecido, pois a causa do pedido de indenização continua sendo o
acidente sofrido pelo trabalhador." (STF/1ªT., AGRE 503.043-1, Relator Ministro
Carlos Ayres Brito, DJ 01.06.2007). (destacou-se).

15
Explorando o sentido etimológico dos termos "oriundos" e "decorrentes" do art. 114 da Constituição
Federal. In "http://www.prt7.mpt.gov.br/artigos/maio_2007_Justica_Trabalho_Decorrentes_e_oriundos.pdf".
Acesso em 14 de setembro de 2009.
16
Ocorrida na sede do TST entre os dias 21 e 23 de novembro de 2007.
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONSTITUCIONAL. JUÍZO ESTADUAL DE
PRIMEIRA INSTÂNCIA E TRIBUNAL SUPERIOR. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA SOLUÇÃO DO CONFLITO. ART. 102, I, ‘O’,
DA CB/88. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA PARA
JULGAMENTO DA AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS
DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO PROPOSTA PELOS SUCESSORES
DO EMPREGADO FALECIDO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LABORAL.
1. Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir o conflito de competência entre Juízo
Estadual de primeira instância e Tribunal Superior, nos termos do disposto no art. 102, I,
‘o’, da Constituição do Brasil. Precedente [CC n. 7.027, Relator o Ministro CELSO DE
MELLO, DJ de 1.9.95] 2. A competência para julgar ações de indenização por danos
morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho, após a edição da EC 45/04,
é da Justiça do Trabalho. Precedentes [CC n. 7.204, Relator o Ministro CARLOS
BRITTO, DJ de 9.12.05 e AgR-RE n. 509.352, Relator o Ministro MENEZES DIREITO,
DJe de 1º.8.08]. 3. O ajuizamento da ação de indenização pelos sucessores não
altera a competência da Justiça especializada. A transferência do direito
patrimonial em decorrência do óbito do empregado é irrelevante. Precedentes. [ED-
RE n. 509.353, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 17.8.07; ED-RE n.
482.797, Relator o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 27.6.08 e ED-RE n.
541.755, Relator o Ministro CÉZAR PELUSO, DJ de 7.3.08]. Conflito negativo de
competência conhecido para declarar a competência da Justiça do Trabalho.” (STF/TP,
CC 7.545, Relator Min. Eros Grau, Dje nº 152, divulgado em 13/08/2009). (destacou-se).

Os Tribunais Trabalhistas, por sua vez, não têm destoado da nota conferida pelo
Excelso Pretório, valendo transcrever, à guisa de amostra, arestos de diversos
colegiados justrabalhistas:

“RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL - RECLAMAÇÃO TRABALHISTA


AJUIZADA PELA FILHA DO EMPREGADO MORTO EM ACIDENTE DE TRABALHO -
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LABORAL. Nos termos do art. 114, VI, da Constituição
Federal, da Súmula nº 392 do TST e de reiterada jurisprudência desta Corte Superior, a
Justiça do Trabalho afigura-se competente para o julgamento de demanda envolvendo o
pagamento de danos morais decorrentes da relação laboral, ainda que a reclamação
trabalhista seja ajuizada por herdeiro do empregado. Recurso de revista não conhecido.”
(TST/ 1ªT., RR - 342/2006-101-18-00.0, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello
Filho, Data de Divulgação: DEJT 21/08/2009).

“RECURSO DE REVISTA - 1. ACIDENTE DO TRABALHO - ÓBITO - AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - AÇÃO AJUIZADA PELA VIÚVA E FILHOS DO
TRABALHADOR FALECIDO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1.1.
Diante do conteúdo do art. 114, inciso VI, da Constituição Federal, compete à Justiça do
Trabalho julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes das
relações de trabalho , aí incluídas aquelas fundadas em acidente do trabalho (Súmula
392 do TST). 1.2. A competência, no caso, se estabelece em razão da matéria (STF,
Conflito de Competência 7.204/MG, Rel. Min. Carlos Ayres Britto). 1.3. Com efeito, foge
ao propósito das regras definidoras da competência da Justiça do Trabalho pretender
que a qualidade das partes modifique o juízo competente para a apreciação da causa.
Se a lide está calcada na relação de trabalho, se a controvérsia depende da análise dos
contornos e do conteúdo dessa relação, a competência é da Justiça especial (STF, RE-
AgR 503043/SP, Rel. Min. Carlos Ayres Britto). 1.4. A competência para processar e
julgar ação de indenização por danos morais, decorrentes de acidente do trabalho, ainda
que ajuizada pela viúva e dependentes do trabalhador falecido, é da Justiça do Trabalho.
Recurso de revista conhecido e desprovido” (TST-RR-1.341/2005-015-03-00.8, Rel. Min.
Alberto Luiz Bresciani, 3ª Turma, DJ de 25/04/08).

“Discute-se nos autos a competência da Justiça do Trabalho para dirimir a presente


controvérsia, cujo objeto é a reparação por danos morais aos herdeiros do empregado,
tendo em vista acidente de trabalho ensejador do óbito. Por força da Emenda
Constitucional nº 45/2004, as ações de indenização por dano moral ou patrimonial,
quando decorrentes da relação de trabalho, passaram a ser apreciadas pela Justiça do
Trabalho. Nesse caso, conquanto seja necessária a aplicação subsidiária de dispositivos
do Código Civil, pertinentes aos danos moral e patrimonial, não se trata de ação de
natureza cível, mas trabalhista. Ademais, ainda que o objetivo seja a reparação da dor
sofrida pelos sucessores do de cujus, a origem do infortúnio decorreu da relação de
emprego, ou seja, a morte foi ocasionada ante a prestação do serviço e, portanto,
configurou-se o liame entre o pleito e a pretensa indenização nesta Justiça
Especializada” (TST-RR-729/2005-051-18-00.3, Rel. Min. Pedro Paulo Manus, 7ª Turma,
DJ de 30/05/08).

“ACIDENTE DO TRABALHO - DANO REFLEXO OU RICOCHETE - COMPETÊNCIA -


Em se tratando de pedido indenizatório por danos morais, visando à reparação por
acidente de trabalho decorrente de culpa ou dolo da empregadora, a competência é da
Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, inciso I, da Constituição da República de
1988. Tal competência se estende às lides relativas à reparação do chamado dano
ricochete ou dano reflexo, ou seja, dano ou prejuízo que atinge reflexamente pessoa
próxima, ligada a vítima direta da atuação ilícita. Dado que cabe à Justiça do Trabalho
julgar as questões ligadas à vítima direta do dano (trabalhador falecido) em face da
reclamada, também lhe cabe apreciar as questões atinentes à vítima indireta
(companheira). A competência desta Justiça se dá por atração, porquanto não há
qualquer sentido ou coerência em deslocar para a Justiça Comum a apreciação e
julgamento das ações que versem sobre o dano reflexos, quando o eventual ilícito tenha
derivado do âmbito da relação de emprego.” (TRT 3ª Região/ 7ªT., RO 0177-2007-149-
03-00-9, Relatora Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima, DJMG 15-04-2008, p.
20).

“ACIDENTE DE TRABALHO. DANO MORAL SOFRIDO PELOS PAIS PELA MORTE


DO FILHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. (...) A Justiça do Trabalho
possui competência para julgar este tipo de ação porque o dano a ser ressarcido tem
origem no acidente de trabalho, ocorrido durante a execução do contrato de emprego do
'de cujus'. Por outro lado, com a nova redação dada ao art. 114 da Constituição da
República através da EC nº 45, houve uma ampliação da competência, que permite a
esta Especializada processar e julgar causas que tenham origem na relação de trabalho,
sem que, necessariamente, se dêem entre trabalhador e empregador. Por esta nova
redação já não se vislumbra nem mesmo a limitação anteriormente imposta em relação
aos legitimados, bastando que as ações sejam oriundas da relação de trabalho e não
mais, somente entre empregado e empregador. Assim, como no presente caso, embora
os Reclamantes não tenham sido empregados da Reclamada, o fundamento da causa
está assentado na ocorrência de acidente de trabalho sofrido pelo seu filho, então
empregado da Reclamada, de forma que, pela conjugação do art. 114, caput e inciso VI
(CF/88), a competência para julgar a presente lide é da Justiça do Trabalho.” (TRT 23ª
Região, RO –668-2005-036-23, Relator Juiz Osmair Couto, DJ/MT 30/06/2006).

Nada obstante a tese que se construiu, corretamente, em torno da interpretação


da EC nº 45/2004, favorável à competência da Justiça do Trabalho para processar e
julgar as ações de indenização de danos morais indiretos, o Superior Tribunal de
Justiça chegou a editar, em novembro de 2008, a Súmula nº 366, por meio da qual
dizia competir “à Justiça estadual processar e julgar ação indenizatória proposta por
viúva e filhos de empregado falecido em acidente de trabalho”. Felizmente, em
setembro próximo passado, a Corte Especial do próprio STJ, ao julgar o CC nº
101977, determinou o cancelamento da súmula referida, por reconhecer que o STF
já decidira que o ajuizamento da ação de indenização pelos sucessores não altera a
competência da Justiça Especializada do Trabalho.

Diante disso, dúvida nenhuma resta, seja do ponto de vista de previsão


constitucional, seja sob a ótica jurisprudencial do STF, do TST e do STJ, acerca da
competência da Justiça do Trabalho para o deslinde de ações que tratem da
reparação de danos morais reflexos decorrentes da relação empregatícia.
5. LEGITIMIDADE

A questão relativa à legitimidade é o verdadeiro nó górdio da reparação de danos


morais indiretos. Afinal, o acolhimento dessa doutrina, como se houvera um bigue-
bangue jurídico, expandiu o universo de legitimados de maneira exponencial,
exigindo uma nova maneira de pensar diversas questões atinentes à
responsabilidade civil. O receio, compreensível, é com a fomentação da chamada
indústria do dano moral, de que muitos se utilizam para adquirir vantagens
pecuniárias indevidas. As consequências perniciosas são o incremento da
insegurança jurídica e o muitas vezes alegado, mas nem sempre verdadeiro, risco
de quebra do empreendimento em razão do aumento do número de pessoas a
serem indenizadas por um mesmo fato lesivo. Nessa linha, grande parte dos
doutrinadores se dedica a estabelecer limitações ao número de legitimados,
desenvolvendo teorias que, volta e meia, permeiam as decisões do Poder Judiciário.

Relevante mencionar, dentre elas, a tese de que somente os que dependem


economicamente do trabalhador possuem legitimidade para ajuizar, de modo
autônomo, ações reparatórias de dano moral reflexo. Caio Mário da Silva Pereira
ilustra bem essa corrente ao defender a adoção da regra da certeza do dano, ou
seja, “se pela morte ou incapacidade da vítima, as pessoas, que dele se
beneficiavam, ficaram privadas de socorro, o dano é certo, e cabe ação contra o
causador”17.

Essa corrente, contudo, padece do vício de vincular o dano extrapatrimonial à


necessária existência de prejuízo econômico, quando, na verdade, a origem do dano
moral é o sofrimento provocado pelo ato ilícito e não necessariamente o dano
patrimonial eventualmente originado do mesmo fato. Tanto assim o é que,
consoante a Súmula 37 do STJ, é pacífico o entendimento de que “são cumuláveis
as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato”. Em face disso,
não é comum a adoção dessa tese pelos Tribunais pátrios.

17
Ob. Cit., p. 44.
Em sentido contrário, ou seja, consagrando a desnecessidade de dependência
econômica dos terceiros para com a vítima direta, colhe-se, por todos, o seguinte
julgado do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE. DANO MORAL.


LEGITIMIDADE E INTERESSE DE IRMÃOS E SOBRINHOS DA VÍTIMA.
CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. CONVÍVIO FAMILIAR SOB O MESMO TETO.
AUSÊNCIA DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTE DA
TURMA. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.
I – A indenização por dano moral tem natureza extrapatrimonial e origem, em caso de
morte, no sofrimento e no trauma dos familiares próximos das vítimas. Irrelevante, assim,
que os autores dos pedido não dependessem economicamente da vítima.
II – No caso, em face das peculiaridades da espécie, os irmãos e sobrinhos possuem
legitimidade para postular a reparação pelo dano moral." (STJ;4ªT., Resp 239.009,
Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 04.09.2000, p. 161.)

Outra tese de limitação ao número de legitimados é a que apregoa obediência à


ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do Código Civil18. De acordo
com essa corrente, se a indenização já houver sido requestada por herdeiro
necessário, haverá impedimento em se conferir a compensação, pelo mesmo fato,
aos herdeiros subseqüentes na ordem de sucessão da norma civil.

Exemplo dessa corrente constou de julgado da 7ª Turma do Tribunal Superior do


Trabalho, assim ementado:

“INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – AÇÃO PROPOSTA PELA FAMÍLIA DO


EMPREGADO FALECIDO EM ACIDENTE DE TRABALHO – PEDIDO FEITO EM
NOME PRÓPRIO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – INDENIZAÇÃO
PLEITEADA POR PAI E IRMÃOS DO EMPREGADO FALECIDO E ANTERIORMENTE
JÁ DEFERIDA À VIÚVA E AO FILHO DO OBREIRO.

(...)

4. No que tange ao mérito, a rigor, o problema que se colocaria no presente caso, mas
não esgrimido pela Reclamada, é o de já terem os herdeiros diretos do Obreiro recebido
a indenização por dano moral, decorrente do sofrimento que tiveram com a morte
daquele de quem eram dependentes.

5. De acordo com o art. 1.829, I, do CC, são sucessores do falecido seus descendentes
em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Só seriam sucessores do falecido os ora
Reclamantes em caso de inexistência de descendentes (CC, art. 1.836). Ademais,
conforme o art. 943 do CC, o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la
transmitem-se com a herança.

18
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no
regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no
regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
6. Assim, no caso, seria de se negar a indenização ao pai e aos irmãos do Obreiro
falecido, pois a indenização já foi paga em outra reclamatória à viúva e seu filho. Do
contrário, poder-se-ia chegar ao paroxismo de se pleitear dano moral pela perda de
amigo íntimo em acidente de trabalho.(...)”. (TST/7ª T., RR 756-2006-028-03-00.1, Rel.
Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 08-08-2008).

A crítica que se faz a essa corrente, todavia, é a de que o dano moral reflexo não
decorre de qualquer direito sucessório, haja vista pertencer ao próprio autor da ação
e não àquele eventualmente sucedido em decorrência de óbito. O direito vindicado,
pois, não é direito do falecido transmissível sucessoriamente, mas direito próprio.
Nesse caso, o legitimado possui direito autônomo à compensação em face do
estado anímico de sofrimento que experimentou, ainda que ocasionado por lesão
cometida contra terceiro de quem era próximo.

Como bem leciona Rui Stoco:

“Não há confundir a legitimação com a ordem de sucessão hereditária. Tanto pode ser
parte legítima o pai, o irmão, o filho, o sobrinho ou qualquer outro parente, como, ainda,
um terceiro como, ‘ad exemplum’, os chamados conviventes, os companheiros, ainda
que essa relação seja do mesmo sexo. O fundamental é que se possa identificar nessas
pessoas uma lesão efetiva a valores não materiais e que lhes tenha causado dor, tristeza
profunda, desamparo, solidão e outros sentimentos de ordem subjetiva que justifiquem a
compensação”19.

No exato diapasão, colhe-se, ainda, o seguinte aresto:

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. MORTE DE IRMÃO. DANO REFLEXO OU RICOCHETE.


AGRAVO RETIDO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA E DE FALTA DE
INTERESSE DE AGIR, REJEITADAS. OS AUTORES POSSUEM LEGITIMIDADE PARA
PLEITEAR INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM FUNÇÃO DA MORTE DE SEU
IRMÃO. O que se indeniza não é o evento morte, mas sim os danos em ricochete que o
atingiram. Teoria da asserção. É suficiente para afirmar que sofreram abalo em função
da perda do ente querido para lhes gerar legitimidade ativa. O pagamento de
indenização aos pais pela morte da vítima não gera quitação para os irmãos. Cada um
daqueles que sofreu o abalo psíquico em razão da morte possui seu direito individual
lesionado e merece reparação. São as afeições legítimas. Interesse de agir configurado.
Mérito, presunção iuris tantum de proximidade e amor fraternal entre o falecido e seus
irmãos autores, bem como do abalo sofrido pela perda, que restou inabalada. Sentença
de improcedência que se reforma.” (TJRJ/2ª Câmara Cível, Ac. 2006.001.56066, Rel.
Des. Teresa Castro Neves, Julg. 10/01/2007 – Publicado no DVD Magister nº 18 –
Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007).

Exatamente por esse motivo, em que pese a existência de posicionamentos


divergentes20, é que o espólio não é considerado parte legítima para o ajuizamento

19
Ob. Cit., p. 230.
20
“ACIDENTE DE TRABALHO. MORTE DO EMPREGADO. DANO MORAL INDIRETO. Legitimidade
ativa ad causam do espólio presume-se o dano moral indireto da esposa e filhas pela morte do empregado
(representantes do espólio), decorrente de negligência do empregador. Presunção resultante do direito garantido
no art. 226 da Constituição de especial proteção à família. Concreção da cláusula geral da dignidade da pessoa
humana (Constituição, art. 1º, III).” (TRT 9ª R./2ª T., Proc. 00452-2005-089-09-00-0, Rel. Des. Eduardo Milleo
Bacarat, DJPR 13-05-2008).
de ação envolvendo dano moral indireto, uma vez que, nesse caso, não se cuida de
direitos transmitidos aos possíveis herdeiros, mas de ações exercitadas em nome
próprio. Nessa exata linha colhe-se aresto do Tribunal Superior do Trabalho21:

“(...) ESPÓLIO. PARTE AUTORA. ILEGITIMIDADE AD CAUSAM. INDENIZAÇÃO POR


DANO MORAL REFLEXO. Discute-se, in casu, se o espólio é ou não parte legítima para
pleitear indenização por danos morais reflexos sofridos pelos familiares da falecida,
consistente no constrangimento causado pela empregadora ao cancelar o Plano de
Saúde de sua empregada que se encontrava hospitalizada e posteriormente faleceu. No
caso em análise, verifica-se que foram os sucessores da Empregada que efetivamente
sofreram, por via reflexa, o dano moral gerado pelo não cumprimento de cláusula
contratual trabalhista firmada entre a Obreira e a Empregadora. Assim, o direito de
pleitear indenização pelo dano moral sofrido de forma reflexa é pessoal dos familiares
ofendidos. São eles os titulares desse direito, obtido não por herança, mas por interesse
próprio. Desse modo, são os sucessores da Empregada que possuem legitimidade ad
causam para pleitear a indenização em nome próprio, consequentemente o espólio
carece de legitimidade para pleitear indenização quanto a este tema. Recurso de Revista
conhecido e provido.(...)”. (TST/ 2ºT., RR 1472/2005-402-04-00.6, Relator Ministro José
Simpliciano Fontes de F. Fernandes, DEJT divulgado em 26/06/2009).

O que se pode extrair do que se expendeu até agora é que as teses que limitam,
com base em critérios irrazoáveis, a titularização dos danos morais indiretos, são
passíveis de crítica por tenderem a mitigar o direito fundamental à reparação do
gravame moral, direito este que repousa, em última análise, no próprio princípio da
dignidade da pessoa humana.

A ponderação que se deve fazer entre segurança jurídica, de um lado, e a


reparabilidade de dano a direito personalíssimo, de outro, não pode ser realizada a
priori, mas em cada caso concreto, com as peculiaridades que lhes são próprias. A
esse propósito, Francisco Gérson Marques de Lima alerta que, quando se cuida da
aplicação de bens e valores constitucionalmente protegidos, todas as fórmulas de
ponderação “trabalham em um ambiente tópico, porquanto se debruçam sobre
solução de problemas concretos sem critérios gerais ou rígidos previamente
estabelecidos para resolvê-los22.”

Na verdade, todo aquele que sofre dano por ato ilícito tem direito à reparação.
Esse é o cerne da legitimidade na responsabilidade civil. Bem por isso, conforme
preceitua Carlos Alberto Bittar, titulares do direito à reparação "são as pessoas que

21
No mesmo sentido colhe-se, ainda, a decisão do TRT 3ª Região no RO 00919-2004-063-03-00-1, julgado pela
6ª Turma, sob a relatoria do Juiz Ricardo Antônio Mohallem e publicado no DJMG de 26-01-2006, p. 18.
22
LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos Constitucionais do Processo. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 22.
suportam os reflexos negativos de fatos danosos; vale dizer, são aqueles em
cuja esfera de ação repercutem os eventos lesivos.23"

Maria Helena Diniz, por sua vez, define o lesado indireto como “aquele que, não
sendo a vítima direta do fato lesivo, vem a sofrer com esse evento por experimentar
um menoscabo ou uma lesão a um bem jurídico patrimonial ou moral em razão de
sua relação ou vinculação com o lesado direto”24.

Assim, os legitimados para a reparação de dano moral reflexo são todos aqueles
que experimentaram gravame em sua esfera patrimonial, independente de vínculo
familiar ou de dependência econômica para com a vítima direta. O que importa, no
caso, é que a situação fática posta como causa de pedir seja verossímil e bastante
para caracterizar o sofrimento de cunho moral alegado pelo autor.

Tem-se entendido, quando se cuida do círculo familiar mais próximo, que tal
dano é presumido, dispensando efetiva comprovação. Já no caso de parentes
afastados de tal núcleo, de concubinato, de amigos e demais terceiros, que não
gozam de tal presunção, se faz necessária também a comprovação do próprio abalo
moral, ainda que indiretamente, visto que o sofrimento em si não é aferível, mas as
manifestações, sintomas e eventos dele resultantes o são.

Nesse diapasão, Sebastião Geraldo de Oliveira leciona que:

"há uma presunção de danos morais para os componentes do núcleo familiar mais
íntimo da vítima. No entanto, adverte Cavalieri Filho, que ‘só em favor do cônjuge, filhos
e pais há uma presunção juris tantum de dano moral por lesões sofridas pela vítima ou
em razão de sua morte. Além dessas pessoas, todas as outras, parentes ou não, terão
de provar o dano moral sofrido em virtude de fatos ocorridos com terceiros’." 25

Em igual linha, a doutrina de José Affonso Dallegrave Neto:

"no caso do acidentado falecer por decorrência de acidente ou doença ocupacional,


poderão ingressar com ação de dano moral todos aqueles que mantinham laço afetivo
com o de cujus [...]. A dor e a angústia que originam o dano moral, neste caso, não é
pela incapacidade laborativa do acidentado, mas pela perda de um ente querido. São
legítimos para pleitearem esta espécie de dano moral não aqueles ‘a quem o morto devia
alimentos'' (art. 948, II, CC), mas todos aqueles que conviviam com o falecido e com ele
mantinham intensa afeição.’ (...)nenhuma dificuldade ocorre quanto aos parentes

23
Apud OLIVEIRA, Paulo Eduardo V. O Dano Pessoal no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 66.
24
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: responsabilidade civil. 17ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 80.
25
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de Oliveira. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença
Ocupacional. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 285.
próximos da vítima; as dúvidas se dão em relação àqueles que saem do círculo limitado
que se considera a família propriamente dita. Em relação a ela, o prejuízo se presume,
de modo que o dano, tanto material como moral, dispensa qualquer demonstração; fora
daí, é preciso provar que o dano realmente se verificou."26

Essa presunção a militar em favor do núcleo familiar também é reconhecida em


sede jurisprudencial, conforme se depreende do seguinte precedente do Superior
Tribunal de Justiça:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR MORTE. LEGITIMIDADE PARA


PROPOR AÇÃO. NÚCLEO FAMILIAR. DANO MORAL CABÍVEL. Os danos morais
causados ao núcleo familiar da vítima dispensam provas. São presumíveis os prejuízos
sofridos com a morte do parente”. (STJ, REsp 437.316/MG, Rel. Ministro Humberto
Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 19.04.2007, DJ 21.05.2007, p. 567).

"Os danos materiais e morais causados aos parentes mais próximos não precisam de
prova, porque a presunção é no sentido de que sofrem prejuízos com a morte do
parente”. (STJ, Resp. 157.912, Min. Sálvio de Figueiredo).

Não cabe confundir, entretanto, a questão da legitimidade processual ad causam


com a existência do direito de fundo, tal como ocorreu no julgado que segue:

“[...] DANOS MORAIS REFLEXOS. AUSÊNCIA DE PROVA. ILEGITIMIDADE. [...]. VI. O


dano moral reflexo ou dano por ricochete constitui espécie de dano moral no qual a
ofensa atinge a vítima indiferentemente e por via reflexa cabe em casos tais, estabelecer
a limitação dos legitimados para evitar, por exemplo, que todos os familiares e ou até
amigos da pessoa vitimada venha a pleitear reparação por dano moral. In casu, se o
marido da vítima já estava dela separado e coabitando com outra mulher na ocasião do
óbito, não demonstrando de que forma teve o patrimônio moral afetado, conclui-se pela
sua ilegitimidade para pleitear indenização nesse sentido.[...].

Vale lembrar que o nosso Código de Processo Civil adotou a teoria eclética
da ação, fruto do gênio de Enrico Tullio Liebman, para quem a ação possui
condições a serem preenchidas previamente, a fim de viabilizar o exame meritório
da litiscontestatio. Tais condições, dentre as quais figura a legitimidade, sofrem
exame in status assertionis, ou seja, de acordo com os fundamentos contidos na
petição inicial, “sem tomar em conta as provas produzidas no processo”27. Por esse
motivo, tem-se que a legitimidade se verifica in abstracto, sendo bastante que o
terceiro se identifique como detentor de direito à reparação de dano moral, em face
da morte do trabalhador, para que se afira a sua legitimidade ativa ad causam.

26
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 2ª ed.. São Paulo:
LTr, 2007, p. 247-248.
27
MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por
artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 267.
Partindo dessa premissa é que se examinará, do conjunto probatório dos autos,
a relação do terceiro com a vítima do acidente, com vistas à caracterização, ou não,
de dano moral a ser reparado. Entendimento contrário violaria a garantia de pleno
acesso ao Poder Judiciário.

Nessa linha, sobre legitimidade para reparação de danos morais em ricochete,


vale trazer a lume os arestos seguintes:

"AGRAVO – INDENIZAÇÃO DE DANO MORAL E MATERIAL – ILEGITIMIDADE ATIVA


DO CÔNJUGE – MATÉRIA DE PROVA – É matéria de prova os possíveis reflexos que
os supostos danos suportados pelo marido da autora possam ter gerado na órbita de
seus direitos patrimoniais ou extrapatrimoniais, o que impede o reconhecimento de
ilegitimidade ativa em despacho saneador." (TJRO – AI 01.003015-8 – C.Esp. - Rel. Des.
Roosevelt Queiroz Costa – J. 05.12.2001).

"[...]Os irmãos têm direito à reparação do dano moral sofrido com a morte de outro irmão,
haja vista que o falecimento da vítima provoca dores, sofrimentos e traumas aos
familiares próximos, sendo irrelevante qualquer relação de dependência econômica entre
eles.[...]". (STJ/4ªT., AgRgEdAI 678.435, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ
11.9.2006.

“ACIDENTE DO TRABALHO. ÓBITO DO EMPREGADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO


POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DOS FILHOS DO "DE
CUJUS". O dano moral decorre da violação a um direito personalíssimo. Em um primeiro
plano, os herdeiros podem ajuizar a demanda buscando, com base na existência do
espólio, a reparação devida, decorrente do acidente fatal, cujo dano decorre da própria
morte que é inerente à condição humana. Em um segundo aspecto, os dependentes da
vítima, mormente aqueles ligados a ela por relação sangüínea, como, "in casu", os
autores, filhos do "de cujus", podem reclamar a indenização, pelo dano próprio e pessoal
sofrido. Trata-se de dano reflexo ou em ricochete, assim denominado o dano sofrido por
pessoa próxima ligada à vítima direta do ato ilícito.” (TRT 3ª Região/8ª T., RO nº 0374-
2006-055-03-00-0, Relator Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires, DJMG 06-02-
2007).

Como se pode ver, a casuística revela a suma do que se expendeu até o


momento, no sentido de que não é por intermédio de regras objetivas que se pode
definir a legitimidade para a vindicação de danos morais reflexos, sobressaindo,
pois, a importância da instrução como ferramenta da solução adequada e justa a ser
proferida em cada caso, aferindo-se a natureza das relações existentes entre o
trabalhador diretamente vitimado e as demais vítimas que pleiteiam a existência de
dano em ricochete.
6. PROCEDIMENTO ADEQUADO:

Questionamento que pode surgir diz respeito ao procedimento a ser utilizado nas
ações indenizatória movidas, em nome próprio, pelos dependentes ou conviventes
mais próximos do trabalhador vitimado por acidente do trabalho ou por outro ato
ilícito malferidor de seus direitos personalíssimos.

A Instrução Normativa nº 27/2005 estabeleceu critério de adaptação dessas


ações aos ritos previstos na CLT, conforme previsão de seu art. 1º:

“Art. 1º As ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou


sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-
se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais
como o Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Ação Rescisória, Ação
Cautelar e Ação de Consignação em Pagamento.”

Assim, a tais ações se aplicam as disposições processuais trabalhistas


concernentes a custas, emolumentos e depósito recursal, aplicando-se-lhes, ainda,
a sistemática recursal trabalhista, inclusive no tocante à nomenclatura, à alçada, aos
prazos e às competências (arts. 2º, 3º e 4º da IN nº 27/200528).

Em relação aos honorários advocatícios, a Instrução Normativa estabeleceu, em


seu art. 5º, que “exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários
advocatícios são devidos pela mera sucumbência”, o que gera questionamento
acerca dos critérios para a concessão de honorários advocatícios em ações de
indenização por danos morais reflexos.

Não há como negar que tais danos decorrem, efetivamente, de eventos ocorridos
no bojo de uma relação empregatícia, o que, em tese, pela dicção da IN nº 27, faria

28
“Art.2º A sistemática recursal a ser observada é a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive
no tocante à nomenclatura, à alçada, aos prazos e às competências.
Parágrafo único. O depósito recursal a que se refere o art. 899 da CLT é sempre exigível como requisito
extrínseco do recurso, quando houver condenação em pecúnia.”

“Art.3º Aplicam-se quanto às custas as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho.


§ 1ºAs custas serão pagas pelo vencido, após o trânsito em julgado da decisão.
§ 2º Na hipótese de interposição de recurso, as custas deverão ser pagas e comprovado seu recolhimento no
prazo recursal (artigos 789, 789 - A, 790 e 790 - A da CLT).
§ 3º Salvo nas lides decorrentes da relação de emprego, é aplicável o princípio da sucumbência recíproca,
relativamente às custas.”

“Art. 4º Aos emolumentos aplicam-se as regras previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, conforme
previsão dos artigos 789 - B e 790 da CLT.”
incidir as Súmulas 219 e 329 do TST, que condicionam a condenação em honorários
advocatícios à presença concomitante de dois requisitos: o benefício da justiça
gratuita e a assistência pelo Sindicato.

Nada obstante, se deve ter em mente que são titulares de ação indenizatória por
danos morais em ricochete não o próprio trabalhador vitimado, mas terceiros que
vindicam o direito em nome próprio. Nesse passo, abstraindo-se da discussão
acerca da manutenção do jus postulandi em tais casos, haja vista os arts. 791 e 839
da CLT preverem tal faculdade apenas para empregados e empregadores 29, não é
possível exigir dos autores dessas ações o requisito da assistência pelo ente
sindical, sob pena de criar-se obstáculo intransponível para a concessão da verba
honorária em ações dessa natureza.

Isso porque, a rigor, embora sejam, no mais das vezes, familiares e pessoas
próximas do trabalhador, tais pessoas não se enquadram na categoria profissional
em que este se enquadrava, não fazendo jus, pois, à assistência judiciária que deve
ser prestada pelo ente sindical representativo da categoria respectiva. Nesse caso, a
concessão de honorários advocatícios encontraria óbice intransponível, visto que
não poderia ser preenchido, pelos autores, requisito reputado indispensável pelo
Tribunal Superior do Trabalho.

Ora, o direito deve se pautar pela razoabilidade, não se prestando a criar


formalidades processuais não condizentes com a própria realidade que busca
disciplinar. Nesse passo, a interpretação que mais se afina com a teleologia do
processo é a de que, em tais ações, os honorários estejam condicionados à mera
sucumbência.

Isso já ocorre quando a ação se iniciou na Justiça Comum e posteriormente


passa a tramitar na Justiça do Trabalho, conforme já entendeu o Tribunal Superior
do Trabalho, tendo em vista a tramitação do feito em ramo do Poder Judiciário em
que não vigora o jus postulandi do empregado. Confira:
29
Os participantes da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, ocorrida no ano de
2007, propuseram interpretação ampliativa do jus postulandi na Justiça do Trabalho ao aprovarem o Enunciado
nº 67, com seguinte conformação redacional: “Jus Postulandi. Art. 791 da CLT. Relação de Trabalho.
Possibilidade. A faculdade de as partes reclamarem, pessoalmente, seus direitos perante a Justiça do Trabalho e
de acompanharem suas reclamações até o final, contida o art. 791 da CLT, deve ser aplicada às lides decorrentes
da relação de trabalho”. O mesmo se poderia dizer das lides decorrentes das relações empregatícias que versam
direitos vindicados não pelo trabalhador diretamente, mas por terceiros legitimados a fazê-lo em face de dano
moral indireto.
“ (...) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO INICIADA NA JUSTIÇA COMUM. A
controvérsia deve ser examinada em conjunto com os princípios que norteiam a Justiça,
mas sem se distanciar do princípio da razoabilidade, em razão do período em que
ajuizada a ação na Justiça Comum (2002), quando a doutrina e Jurisprudência ainda
oscilavam sobre ser ou não da competência da Justiça do Trabalho apreciar as ações
por danos moral e material decorrentes de acidente de trabalho. Assim, apresentada a
ação em 2002 na Justiça Comum; declinada a competência para a Justiça do Trabalho
em 2005, sem prolação de sentença, embora resolvidas questões preliminares
(competência, impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse de agir e
litispendência) e iniciada a instrução processual; bem como realizados atos no processo
que tramitou no Juízo Cível sob a égide da legislação processual civil, que assegura o
direito aos honorários advocatícios pela mera sucumbência; e o empregado não detendo
o ius postulandi no Foro Cível, razão pela qual está obrigado a constituir advogado para
a defesa de seus interesses; deve ser mantida a condenação ao pagamento dos
honorários advocatícios com base no art. 20 do CPC, em face dos atos realizados no
processo e correspondentes ao período em que tramitou na Justiça Comum, porque
inaplicável a legislação trabalhista com relação a tal período. Recurso de revista não
conhecido.” (TST/6ªT., RR 0380-2005-002-20-00.9, Relator Ministro Aloysio Corrêa da
Veiga, divulgado no DEJT de 04-09-2009).

Da mesma forma, em se tratando de ação ajuizada na Justiça do Trabalho,


quando o jus postulandi não é acessível à parte interessada, os critérios das
Súmulas 219 e 329 devem ser obtemperados com o fito de assegurar o pagamento
de honorários advocatícios na forma do art. 20 do Código de Processo Civil
subsidiário.
7. QUANTIFICAÇÃO DO DANO

Como todo dano de natureza extrapatrimonial, não há critérios que possam ser
objetivamente utilizados para a fixação do valor indenizatório devido. É preciso se
apegar, concretamente, à profundidade da relação afetiva que o autor possuía com
o trabalhador vitimado, para que, caso a caso, se possa aferir um valor proporcional
ao gravame sofrido, como se pode depreender da dicção do art. 944 do Código Civil:

“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.


Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.”

A par do critério legal, outros vêm sendo adotados pelos operadores do direito,
valendo destacar, nesse sentido, o Enunciado nº 51 da I Jornada de Direito Material
e Processual na Justiça do Trabalho, cujo texto consigna que o valor da condenação
por danos morais decorrentes da relação de trabalho “será arbitrado pelo juiz de
maneira equitativa, a fim de atender ao seu caráter compensatório, pedagógico
e preventivo”.

Ainda no mister de fixação da indenização pelo Juiz, Misael Montenegro Filho


sugere que a ação de indenização seja encaminhada à fase de instrução mesmo no
caso de revelia do réu, a fim de que sejam aquilatados elementos essenciais à
fixação de uma indenização equitativa para o caso. Segundo o autor, são esses os
elementos a serem perquiridos pelo juiz:

“A extensão do dano, conforme textualizado no art. 944 do CC.


a) O grau de culpa de cada um dos protagonistas do embate (autor e réu), para
determinar a presença da culpa concorrente da vítima (funcionando como redutora da
indenização) ou para oferecer resposta condenatória de valor expressivo, a fim de que o
agente repense as consequências do ato ilícito, diante de condenação de porte.
b) As condições financeira e patrimonial do autor e do réu, a fim de que o
magistrado não prolate sentença inexequível (pela ausência de patrimônio a ser atingido
na fase de execução) ou que não seja suficiente para mitigar as consequências
originadas da prática do ato ilícito”.30

Vale anotar que tramita pelo Senado Federal o Projeto de Lei nº 144/2008, com o
fito de conferir nova redação ao sobredito art. 944 do Código Civil, elastecendo os
30
MONTENEGRO FILHO, Misael. Responsabilidade Civil, Aspectos Processuais. São Paulo: Atlas, 2007, p.
205-206.
critérios a serem observados pelo magistrado quando da fixação da indenização por
danos morais31.

Tal projeto, em sua configuração original, previa a vedação de arbitramento de


indenização em valor superior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Contudo, a Comissão
de Constituição e Justiça do Senado Federal extirpou tal parâmetro pecuniário,
propondo a seguinte redação para o dispositivo civilista:

“Art. 944. O juiz, ao estabelecer a indenização por danos morais, atenderá aos seguintes
critérios:
I – extensão e a gravidade do dano;
II – gravidade e repercussão da ofensa;
III – sofrimento experimentado pelo ofendido;
IV – condição econômica do ofensor; e
V – adequação entre o valor pleiteado e a situação posta em julgamento.
Parágrafo único. O juiz poderá reduzir a indenização, de forma equitativa, se houver
excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano ocorrido.”

Tais critérios demonstram a importância de um arbitramento atento às


peculiaridades de cada caso, balizado por parâmetros de proporcionalidade e de
equidade. A esses, contudo, é possível acrescer mais um critério condizente com a
natureza específica do dano moral indireto, qual seja: deve o magistrado levar em

31
Outro projeto digno de nota é o de nº 334/2008, que também tramita no Senado Federal. Em semelhante
proposição, além de se estabelecerem critérios de observância do magistrado quando da fixação da indenização,
também se estabelecem faixas pecuniárias dentro das quais deverá ser fixada, conforme o caso, o valor da
indenização:
“(...)Art. 3º Ressalvada da hipótese de reparação natural tempestiva e suficiente, a indenização a que se refere o
art. 1º tem caráter exclusivamente compensatório e a sua fixação deverá considerar:
I – o bem jurídico ofendido;
II – a posição socioeconômica da vítima;
III – a repercussão social e pessoal do dano;
IV – a possibilidade de superação psicológica do dano, quando a vítima for pessoa física, e de recomposição da
imagem econômica ou comercial, quando pessoa jurídica;
V – a extensão da ofensa e a duração dos seus efeitos;
VI – o potencial inibitório do valor estabelecido.
Parágrafo único. Na apreciação da demanda, o juiz poderá considerar outros elementos que determinem a
gravidade da lesão ao patrimônio ideal do ofendido.
(...)
Art. 6º O valor da indenização por dano moral será fixado de acordo com os seguintes parâmetros, nos casos de:
I – morte: de R$ 41.500,00 (quarenta e um mil reais) a R$ 249.000,00 (duzentos e quarenta e nove mil);
II – lesão corporal: de R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinqüenta reais) a R$ 124.500,00 (cento e vinte e quatro
mil e quinhentos reais);
III – ofensa à liberdade: de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$ 124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e
quinhentos reais);
IV – ofensa à honra:
a) por abalo de crédito: de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$ 83.000,00 (oitenta e três mil reais);
b) de outras espécies: de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais) a R$ 124.500,00 (cento e vinte e quatro mil e
quinhentos reais);
V – descumprimento de contrato: de R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinqüenta reais) a R$ 83.000,00 (oitenta e
três mil reais) (...).
conta o grau de relacionamento tido entre o titular da ação e o trabalhador lesionado,
com o fito de estabelecer gradação proporcional às indenizações a serem fixadas.

Outro aspecto pertinente à problemática da indenização de dano moral em


ricochete merece atenção no presente trabalho.

Trata-se do entendimento, defendido por parte da doutrina pátria, de que o valor


da indenização deve ser global e rateado entre todos os legitimados, a fim de se
evitar o pagamento repetido sob o mesmo título de dano moral por lesão cometida
contra o empregado, o que caracterizaria bis in idem.32 Nesse passo, já tendo havido
fixação do montante indenizatório em ação anterior, ao legitimado que dela não
participou caberia, tão-somente, o ajuizamento de ação própria com o fito de
participar do rateio daquele quantum.

Essa a corrente adotada por Rui Stoco, sob o argumento de que:

“não se pode pôr em dúvida que a compensação do pretium doloris é uma só.
Se ingressa em Juízo um só legitimado, terá direito a um determinado valor. Por
exemplo, 200 salários mínimos.
Se ingressam dois ou mais legitimados, deverão repartir entre si os mesmos 200 salários
mínimos, e assim por diante.
E se posteriormente outro legitimado pleiteia reparação pelo mesmo fato, quando outro
já tenha obtido aquele valor em ação judicial, só restará a este último pleitear parte
desse valor daquele que já recebeu e não pretender ‘valor novo’”.33

No mesmo diapasão pontuam Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins:

“A fixação em valor global e único a título de indenização por dano moral, sempre que
possível será o mais aconselhável, pois se houver várias ações com o mesmo objeto,
indenizações fixadas individualmente e dependendo do seu somatório poderão acarretar
a inviabilidade do empreendimento empresarial. Não se pode afastar também a função
social da empresa, como geradora de empregos, daí por que a questão fica sempre na
prudência e no convencimento do julgador”.34

Sebastião Geraldo de Oliveira, compartilhando de tal posicionamento, considera


que a "indenização única ou fixada em bloco evita que ocorra elastecimento
excessivo da condenação, com o risco de desviar a reparação do dano moral
de suas finalidades básicas."35

32
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Ob. Cit. p. 248-249.
33
Ob. Cit., p. 1712.
34
FERRARI, Irany. MARTINS, Melchíades Rodrigues. Dano Moral: múltiplos aspectos nas relações de
trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 76.
35
Ob. Cit., p. 234.
Outro não foi o entendimento do TRT da 14ª Região no seguinte aresto:


(...) DANO MORAL INDIRETO, REFLEXO OU EM RICOCHETE – INDENIZAÇÃO –
PLURALIDADE DE LEGITIMADOS – ARBITRAMENTO – VALOR GLOBAL X IMPORTE
INDIVIDUALIZADO. No chamado dano moral indireto, reflexo ou em ricochete, ou seja,
naquele em que uma pessoa sofra agressão em direito personalíssimo e que tem como
causa um dano sofrido por outra pessoa com quem mantinha vinculação, não há
pacificidade na doutrina e na jurisprudência se a indenização deve ser arbitrada com
base num valor global que será partilhado pela pluralidade de sujeitos eventualmente
lesionados, ou se para cada um desses indivíduos será fixado um valor específico e
autônomo. Contudo, evidencia-se mais prudente e razoável a adoção da tese majoritária
em sede doutrinária e jurisprudencial, que se pauta pelo deferimento de uma indenização
única que deve ser fixada em virtude do fato em si, pois, caso contrário, poderá vir a
lume o bis in idem, e ainda fomentar a chamada ‘indústria do dano moral’.” ( TRT 14ª R.,
RO 0948-2007-003-14-00-2, Relatora Juíza Socorro Miranda, DE de 20.05.2008).

Contudo, embora seja compreensível a preocupação com a instalação de uma


indústria da indenização, tem-se que a solução apontada pela corrente doutrinária
mencionada apresenta problemas jurídicos e também de ordem prática.

Como bem disserta Glaci de Oliveira Pinto Vargas:

“A indenização do número de pessoas lesadas não pode oferecer obstáculo para o


ressarcimento do dano, pois, segundo interpreta a maioria dos doutrinadores, ordena-se
a reparação dos danos morais a favor de toda e qualquer pessoa que os houver
experimentado. Neste caso, deve-se levar em conta que o Direito antes de tudo tem que
ser lógico”.36

Nesse passo, tem-se que o dano moral é personalíssimo e gera um direito de


ação autônomo a ser exercido ao exclusivo talante de seu detentor. Sendo assim,
não há como justificar que o autor que um pouco mais tardiamente tenha ajuizado
sua ação se submeta às amarras de um valor fixado em ação diversa, sendo-lhe
vedada, na prática, a aferição de sua dor pessoal, em julgamento específico para as
peculiaridades e concretude de seu caso.

Doutra forma, para se considerar justo e bastante, para todos os legitimados, o


valor fixado em uma ação primeira, necessário seria que o magistrado fixasse a
condenação levando em conta todos os eventuais titulares de possíveis danos
morais, o que é virtualmente impossível.

Se assim não ocorre, a indenização fixada em primeiro lugar, rateada com os


legitimados que somente em momento posterior ajuizaram suas ações, pode se

36
VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Reparação do Dano Moral: controvérsias e perspectivas, 3ª ed. Porto
Alegre: Síntese, 1998, p. 45.
tornar irrisória, não cumprindo a função reparatória a que se destina. O contrário
também pode acontecer, pois se o juiz fixasse indenização com base em todos os
possíveis atingidos, poderia causar gravame ao réu, fixando indenização vultosa
sem ter como prever quantos dos legitimados teriam, efetivamente, a pretensão de
ajuizar ações de reparação.

O Superior Tribunal de Justiça, consignando a autonomia entre ações de


indenização propostas por diversos interessados, já pontuou, em determinado caso,
que:

"Não há solidariedade entre os parentes, de sorte que a transação feita pela esposa e
mãe das vítimas com a ré não faz desaparecer o direito à indenização dos demais
autores, filhos e irmãos dos extintos, em face da independência da relação de
parentesco”37.

No mesmo diapasão, Carlos Alberto Bittar defende existir:

“plena autonomia do direito de cada lesado, de sorte que, nas demandas do gênero se
atribuem indenizações próprias e individualizadas aos interessados: assim acontece, por
exemplo, quanto a mulher e filho, com respeito à morte provocada do marido ou pai (...).
Nada impede se faça sob litisconsórcio o pleito judicial, quando admissível, mas cada
demandante faz jus a indenização compatível com a sua posição”.38

A própria jurisprudência pátria não é infensa a essa vertente, conforme se


depreende do julgado a seguir:

“(...) No caso de pluralidade de lesados indiretos a regra básica é a da plena autonomia


do direito de cada um deles, de sorte que, nas demandas do gênero, atribuem-se
indenizações próprias e individualizadas aos interessados. (...)”. (TJES, AR
100040010264, Segundo Grupo Câmaras Cíveis Reunidas, Relatora Desembargadora
Catharina Maria Novaes Barcellos, DJES 10/01/2008, p. 86).

Essa a interpretação mais razoável a prevalecer, pois não se pode dispensar


Justiça por atacado, notadamente quando há particularidades que merecem atenção
especial do Poder Judiciário e que devem ser sopesadas, caso a caso, para a
fixação de um quantum indenizatório personalizado.

37
STJ, REsp 330.288/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 27.06.2002, DJ
26.08.2002, p. 230.
38
Apud OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Ob. Cit., p. 288.
CONCLUSÃO

Postas as considerações acima, podemos extrair, em síntese, deste estudo, as


seguintes conclusões:

Dano moral em ricochete é aquele que, embora decorrente de um fato ocorrido


com determinada pessoa, possui o condão de atingir o patrimônio moral de
terceiros, notadamente daqueles que possuem vinculação afetiva mais estreita com
a vítima direta.

A reparação do dano moral em ricochete deve ser compreendida à luz do


princípio da dignidade da pessoa humana e da constitucionalização do Direito Civil,
a ser objeto, portanto, de interpretação ampliativa e protetiva dos direitos
personalíssimos.

O acidente de trabalho, com óbito, é um dos fatos, na seara trabalhista, que mais
comumente podem gerar danos morais indiretos, atingindo, em ricochete, familiares
e parentes que gozavam de convivência próxima com o trabalhador falecido. Há
outros atos cometidos contra o trabalhador, contudo, que por sua gravidade,
possuem o condão de gerar dano moral em ricochete independentemente da morte
do trabalhador, tais como o trabalho em condições análogas à de escravo,
divulgação de informações depreciativas, assédio moral etc.

De acordo com o inciso VI, do art. 114, da Constituição Federal de 1988, a


competência para o julgamento de tais ações, quando decorrentes da relação de
trabalho, é da Justiça do Trabalho, ainda que a ação seja ajuizada por terceiros que
buscam, em nome próprio, a reparação de danos morais indiretos provocados pelo
acidente de trabalho. Esse entendimento foi consolidado pela Súmula Vinculante nº
22 do Supremo Tribunal Federal.

Há muitas teorias que buscam a limitação do da legitimação para a vindicação do


dano moral em ricochete. Dentre elas destaca-se a que defende que o direito à
indenização deve seguir a ordem de vocação hereditária. A crítica que se faz a ela,
contudo, é a de que todas as pessoas atingidas em seu patrimônio moral possuem
direito à reparação em nome próprio, não se confundindo esta modalidade de
reparação autônoma com qualquer direito transmitido por herança e, bem por isso,
sujeito à preferência dos herdeiros necessários. Vale ressaltar que, embora no
núcleo familiar mais próximo estejam os legitimados mais facilmente identificáveis, a
proteção à dignidade da pessoa humana confere tal titularidade a todos aqueles que
forem atingidos, em seu patrimônio moral, pelo ato ilícito, independentemente de
parentesco ou dependência econômica, não havendo que se confundir legitimidade,
que se afere em abstrato, com o próprio direito de fundo, que depende da análise da
situação fática concretamente existente.

O procedimento a ser seguido deve obedecer ao rito ordinário ou sumaríssimos


disciplinados na CLT, conforme ditame da Instrução Normativa nº 27 do Tribunal
Superior do Trabalho. Essa orientação, contudo, carreia dificuldade na configuração
dos requisitos para a concessão de honorários advocatícios de acordo com as
Súmulas nº 219 e 329 do TST. Isso porque os autores de ações para reparação de
danos em ricochete não integram a categoria a que pertencia o trabalhador, não
fazendo jus, portanto, à assistência jurídica gratuita do ente sindical. Dessa forma, a
concessão da verba honorária, em tais casos, deve guiar-se pela regra geral da
sucumbência.

Não há critérios que possam ser objetivamente utilizados para a fixação do valor
indenizatório devido. É preciso se apegar à profundidade da relação afetiva que o
autor da ação possuía com o trabalhador vitimado, para que, caso a caso, se possa
aferir um valor proporcional ao gravame sofrido, a teor do art. 944 do Código Civil.
Com relação à forte corrente doutrinária defensora de que o valor da indenização
deve ser global para todos os legitimados, tem-se que tal possibilidade vergasta o
direito de ação autônomo que cada legitimado possui, havendo, ainda, a dificuldade
prática de fixar-se uma indenização, que seja de cunho global, sem conhecimento
efetivo de todos os legitimados que pretendem, com efeito, pleitear a reparação em
juízo.

O fato é que as ações de reparação de dano moral em ricochete devem ocupar


um espaço cada vez mais importante na processualística trabalhista, haja vista que
a tendência, com a mudança competencial fomentada pela EC nº 45, é de
crescimento do número de ações dessa natureza na Justiça do Trabalho. Por esse
motivo, este estudo pretendeu contribuir para a melhor compreensão e debate da
matéria, carreando-a para a realidade do Direito e do Processo do Trabalho, a fim de
que o amadurecimento da matéria tenha como vetor o princípio da dignidade da
pessoa humana, assegurando-se da forma mais ampla possível, assim, a reparação
de violações de direitos personalíssimos dos trabalhadores e de seus familiares e
conviventes mais íntimos.
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