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www.forumcarajas.org.br
São Luís/Maranhão/Brasil
2010
Centro dos Direitos das Populações da Região de Carajás - Fórum Carajás
Conselheiros: José Maria Araújo, Izabel Santos Lisboa, José Raimundo Rodrigues, Carlos Augusto Velo-
so, Maria Carmélia Costa Borges, Fábio Pierre Fontenelle Pacheco, Alberto Cantanhede Lopes, João Fon-
seca dos Santos, Raimundo José Pereira Ferreira, Josefa Andreza Alves, Maria da Graças Costa Martins,
Saulo Pastor dos Santos, Elton Carlos Araújo Alves e Diarmondes Alves Paixão.
Apoio: Misereor
Textos: Rogério Almeida, Marluze Pastor; Padre Dario Bossi, Padre Edilberto Sena, Gilvandro Santa
Brígida, Raimundo Gomes, Manoel Paiva, Airton Pereira, José Batista Afonso.
Fotos: Rogério Almeida, Nils Vanderbolt, Guto, Murilo Santos, Roberto K-Zau, Gilvandro Santa Brígida,
Arquivo Fórum Carajás
Fórum Carajás
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Mineração na Amazônia: Estado, Empresas e
Movimentos Sociais 04
Contrário me dê licença para contar essa história 07
Impactos e resistências em Açailândia, profundo
interior do Maranhão. 22
33
Itupanema em meio ao projeto Albras - Alunorte:
o desencantamento do mundo.
45
Energia limpa na ponta e desgraça na fonte,
resultado de mega hidrelétricas na Amazônia.
O extrativismo tem regido a econo- dor é obrigado a atender uma série de exigências.
mia na Amazônia. O ciclo mais re- Como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Re-
cente é o mineral, iniciado a partir latório de Impacto Ambiental (Rima), que devem ser
da década de 1950 do século passado, no estado do apresentados em audiências públicas. Sob um grave
Amapá, quando o mesmo ainda tinha o status de ter- problema, a assimetria de forças entre as parte en-
ritório. volvidas: grandes empreendedores versus comuni-
A exploração do manganês na Serra do Navio dades tradicionais.
O processo é marcado por uma infinidade
foi ponta pé inicial. A experiência durou apenas cin-
de limites, que passa pela incorreção e manipulação
co décadas. Ficou apenas o buraco, literalmente.
dos EIA/RIMA, não publicização das informações e
A exploração mineral no Amapá, considera-
a cobertura da mídia marcada pela parcialidade. O
da a primeira na Amazônia, foi ativada pela empresa
que denuncia a fragilidade da democracia nacional,
estadunidense de Daniel Ludwig, a Bethlehem Ste-
que não universaliza o acesso ao direito. E, que às
el Company em sociedade com o empresário Augus-
vezes, exibe as nuances autoritárias do Estado.
to Trajano de Azevedo Antunes, dono da Indústria e
E por falar em Estado, ele ainda é o princi-
Comércio de Mineração S/A (ICOMI).
pal indutor da economia. Se no período da ditadura
O ciclo da mineração ganhou maiores pro-
o Banco da Amazônia (Basa) e a Superintendência
porções na Amazônia a partir da região de Carajás; de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) confi-
com a presença da Vale na extração do minério de guraram-se com as principais instituições, nos dias
ferro na década de 1980, no sudeste do Pará, é com atuais o protagonismo recai sobre o Banco Nacional
as atividades de prospecção inauguradas no regime de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
militar. Ladeado pelo Banco Interamericano de Desenvolvi-
O processo da transição democrática des- mento (BID).
cortinou outros cenários na economia, política e na A atuação da instituição tem ultrapassado a
sociedade civil brasileira. Ainda que prepondere o fronteira nacional. Advoga-se que a mesma exerce
constrangimento econômico e político em processos um papel estratégico em escala continental. E as
de definição de instalação de grandes projetos, há agências multilaterais são o centro de gravidade na
alguns avanços no campo normativo. definição de políticas de desenvolvimento para o
No entanto, tais avanços - se tratados assim Brasil e a América Latina.
- carecem de aperfeiçoamento ou uma refundação. Observa-se ainda outras diferenças nas polí-
Para a instalação de grandes projetos o empreende- ticas para a Amazônia. Na ditadura imperaram os
pólos de produção, madeira pecuária e extrativismo cobre no município Canaã dos Carajás, e outros mi-
mineral. Enquanto hoje despontam os eixos de in- nérios em São Félix do Xingu, Xinguara, Ourilândia
tegração, transporte multi-modal, comunicação e do Norte e tantos outros. No município de Barcare-
infraestrutura. na as fábricas de produção de alumina e alumínio da
É creditado a Eliezer Batista, ex-executivo Vale passam por uma ampliação da produção, que
da Vale, a construção do mapa das riquezas naturais dialoga com o aumento da produção de energia da
na América do Sul. Batista é pai de Eike, festejado hidrelétrica de Tucuruí e a construção de outras usi-
como o novo bilionário nacional. Obra do acaso? nas hidrelétricas e mesmo termoelétrica. A energia é
Os levantamentos de Batista foram encomen- o principal insumo das empresas de eletro-intensivo,
dados pela Corporação Andina de Fomento (CAF). como as de produção de alumínio.
A CAF é um dos agentes do projeto de Integração da A construção de termoelétrica no município
Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). de Açailândia, oeste do Maranhão, a presença da
Do conjunto de 10 eixos de integração, qua- empresa Suzano Celulose, a construção da Ferrovia
tro se destacam, por suas riquezas naturais e pos- Norte Sul, bem como a construção da Hidrelétrica
sibilidades de conexões: o Amazonas, A Hidrovia de Estreito constituem elementos recentes que re-
Paraná-Paraguay, o Capricórnio e o Andino. O obje- configuram a paisagem física, econômica e humana
tivo central, prima em facilitar a circulação de mer- da região. Assim como em São Luís, capital do Ma-
cadorias. ranhão, os portos experimentam uma ampliação.
O eixo do Amazonas compreende os seguin- Não se sabe exatamente o que vem ocorren-
tes países: Colômbia, Peru, Equador e Brasil. Visa do na região. Há informações fragmentadas compar-
criar uma rede eficiente de transportes entre a bacia tilhada nos espaços de encontros e desencontros que
Amazônica e o litoral do Pacífico, com vista à ex- as redes de organizações sociais proporcionam.
portação. É nesse sentido que nasce o projeto em aglu-
No mundo do Brasil, alguns se arriscam em tinar neste livro artigos que atualizem as dinâmicas
pontuar que o Programa de Aceleração do Cresci- nos municípios de São Luís, Açailândia e Bacabeira
mento (PAC) é uma miniatura do IIRSA. no estado do Maranhão; e no município de Barcare-
na e regiões sudeste e sudoeste, Carajás e Tapajós/
Há algo de novo o ‘front’? Xingu no Pará.
Mesa: O conflito entre a Vale e o Meio Ambiente no Fórum Social Mundial, Belém-PA / 2009 (foto: Fórum Carajás)
A
história do Fórum Carajás, iniciada em1992, é resultado de iniciativas adotadas pela socie-
dade civil, para intervir nas políticas, nos projetos e plantas industriais causadores de danos
sociais e ambientais. Na época, Fernando Collor de Melo era presidente do Brasil, Edson
Lobão e Jader Barbalho eram governadores, respectivamente, do Maranhão e do Pará. Os conflitos de terra
nesses estados recrudesciam, entre 1985 e 1995. Neste período foram computadas pela Comissão Pastoral
daTerra( CPT) 45 mortes no campo no Maranhão e 67 no Pará. A concentração fundiária estava no seu
patamar mais alto, conforme Índice de Gini3 , em torno de 0,85 %; os recursos naturais eram utilizados para
acelerar o processo de enriquecimento de grupos econômicos. A região e Carajás era área atrativa para
investimentos. Várias siderúrgicas( convidadas pela CVRD) já estavam instaladas: Companhia Siderúrgica
do Pará (COSIPAR), (1988) em Marabá a Siderúrgica Viena, (1988) e Vale do Pindaré, (1988) Açailandia.
1 Este texto teve a colaboração de Edmilson Pinheiro, Secretario Executivo do Fórum Carajás.
2 Música de Zé Lopes, samba enredo da Favela do Samba em homenagem a César Teixeira.
3 Coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade, quanto mais próximo de um maior a desigualdade
Em Barcarena já estavam a Albrás, (1985) Alunorte, pesquisadores/as e organizações internacionais
(1978), em São Luís a ALUMAR e a ELETRONOR- de igrejas e ambientalistas, ONGs, associações de
TE, em Tucuruí. Havia também um grande número moradores, grupos de jovens, grupos de mulheres,
de fazendas e madeireiras. organizações de pescadores/as, de professores, se-
Nesse contexto o Grupo de Trabalho Ama- ringueiros e quebradeiras de coco entre outras ex-
zônico (GTA) e outras entidades do Maranhão e do trativistas.
Pará, desencadearam um processo de articulação de A primeira ação foi conhecer os projetos, pois
grupos sociais atingidos pelas políticas e projetos. A era necessário possuir conhecimentos para intervir,
partir daí surgiu a proposta de organizar um seminá- discutir o desenvolvimento da região, saber como
rio internacional sobre os grandes projetos na região, eram as relações entre a indústria e meio ambien-
precedido de um conjunto de estudos para permitir te, analisar seus impactos. Assim uma série de estu-
uma intervenção qualificada do Movimento Social. dos, pesquisas e treinamentos foram realizados com
Esse processo foi nominado de Seminário Consulta a participação de professores e pesquisadores das
Carajás. Universidades do Pará e do Maranhão e ligados aos
Naquele período eram poucas as organiza- movimentos sociais. A pesquisa precisava ser ime-
ções ambientalistas na região, que se concentravam diatamente útil, os/as pesquisadores/as participavam
no Sul e Sudeste do Brasil, atuavam na proteção de das reuniões com informações e análises dos dados
ecossistemas naturais, porém havia um distancia- levantados. Assim, pesquisas científicas tiveram o
mento dessas organizações com outros movimentos, propósito apoiar na discussão dos problemas loca-
as ambientalistas ignoravam as questões sociais e as lizados, bem como na promoção da capacidade de
demais organizações não incorporavam a qualida- planejar, de tomar decisões, fortalecer o sentimento
de ambiental nos discursos. Eram as ambientalistas de pertencimento e poder de negociação.
compostas por universitários, funcionários/as de ór- A pretensão era intervir nas políticas públi-
gãos públicos. cas e privadas, mudar o curso da história, relacionar
O Fórum se estrutura enquanto rede socio- justiça social com meio ambiente, mas, era preci-
ambiental envolvendo sindicatos urbanos e rurais, so capacitar as organizações e as lideranças. Foram
As relações internacionais
O desafio era grande, foi necessário identificar e conquistar parceiros em órgãos públicos, estimular
o apoio de legislativos, promover audiências públicas. Assim as relações com as organizações internacio-
nais especialmente com organizações da Alemanha foram fundamentais para iniciar o processo de interlo-
cução e reconhecimento do Fórum, por parte do setor público e privado.
Um primeiro projeto foi encaminhado a Pão para o Mundo (BROT FÜR DIE WELT- PPM)4, e
Misereor5 com a interveniência da Coordenadora Ecumênica de Serviços (CESE). Naquela oportunidade,
a Conferência Conjunta Igreja e Desenvolvimento (Gemeinsame Konferenz Entwicklung und Kirche-
GKKE), organização das igrejas alemãs, que já atuava com programa de diálogo iniciou um novo progra-
ma, tendo como centro de atividades a Tanzânia e Brasil sobre justiça internacional e de proteção ao meio
ambiente com grupos representativos da sociedade civil da Alemanha, e, no caso do Brasil, com indústrias
siderúrgicas alemãs e entidades populares da região de Carajás. Aqui se buscou estabelecer e ampliar re-
lações com organizações internacionais, avançar nas relações Norte-Sul, nos acordos internacionais e na
responsabilidade global.
Além das organizações da Igreja da Alemanha o Fórum desenvolveu outras relações internacionais
com o GREEPEACE, FIAN, KOBRA, Cooperação Técnica Alemã (GTZ), IG Metal, International Rivers
Network, PARC-FASE 6.
LORIEN, A. Subsídios para criação de Reserva CESE. Amazônia Mito e Desencanto. Salvador:
Extrativista no Cerrado Nordeste Maranhense. CESE, 1995
São Luís: Fórum Carajás. 2008;
COELHO, Maria Célia Nunes. COTA, Raymundo
MIRANDA, E.A Algumas considerações sobre os Garcia. (orgs.). 10 anos de Estrada de Ferro Cara-
organogramas da CVRD. Belém: Fórum Carajás jás. Belém: UFPA/NAEA. Supercores, 1997
MIRANDA E.A et. al. Diagnóstico do Mercado de ESTERCI, N. Escravos da Desigualdade: Um estu-
Trabalho do Município de Parauapebas. Belém: do sobre uso repressivo da força de trabalho hoje.
Fórum Carajás. 2001 Rio de Janeiro: CEDI l994.
NEVES Impactos da indústria do alumínio sobre
a Saúde do Trabalhador: o caso da ALUMAR em MONTEIRO, M. A. Siderurgia e Carvoejamen-
São Luís-Ma. São Luís: Fórum Carajás, to na Amazônia: Drenagem Energético-material
e pauperização regional. Belém: UFPA/NAEA/
SOUSA. M. M. F A Implantação da industria de ETFPA, 1998.
celulose no Maranhão: a Celmar na Região Tocan-
tina. São Luís: Fórum Carajás .1994 ROCHA, M. Mª.C. & PINHEIRO, A.C. E Proje-
to Sonhem: monitoramento e formação ambiental
STUDTE,M. A Expansão da Fronteira Agrícola nos cerrados. São Luís In:Experiência Agrecolo-
e a Agricultura Familiar no Cerrado Maranhense. gicas no Maranhão/Rede de Agrecologia do Ma-
Berlim: USP/,Fórum Carajás/Universidade Ber- ranhão. P.39-46,São Luís, 2007,CDU:63195(812.1).
lim.2008
SANTOS, M.P. As Transformações Sociais e Eco-
www.forumcarajas.org.br lógicas ocorridas no Cerrado Maranhense a partir
da implantação de projetos agroindustriais. São
http://territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot. Luís: Cáritas Brasileira, 1985.
com
SAYAGO, D. et al. Amazônia Cenas e Cenário.
http://reentrancias-ma.blogspot.com/ Brasília: UNB, 2004. 382p
O
s antigos romanos costumavam dizer “nomen omen” (o destino de algo está em seu pró-
prio nome); no caso de Açailândia, cidade do açaí, o ditado foi desmentido e a identidade
do município foi rapidamente alterada em “cidade do ferro”.
Ainda pior o que aconteceu com uma de suas periferias. Piquiá era o nome que os moradores esco-
lheram, valorizando uma das árvores mais elegantes da região. Mas logo que as empresas chegaram, trans-
formaram o mesmo nome no acrônimo “Parque Industrial Químico Açailândia”!
Atrás dessa violação de identidade há uma violência simbólica sobre a vocação de um território e de
um povo. Nesse artigo tentaremos detalhar os passos dessa violência e mostrar os movimentos de resistên-
cia e organização popular.
1 Missionário Comboniano, residente no município de Açailândia, oeste do Maranhão e militante da campanha ‘Justiça nos Trilhos’- www.
justicanostrilhos.org
Açailândia tem pouco mais de cem mil habi- Os atores do “desenvolvimento” e
tantes distribuídos numa área de cerca de 5.806 Km². suas vítimas
O Produto Interno Bruto (PIB) é de 1.410.298.000
R$2 . Com o preço do ferro-gusa antes da crise, ape- a. O Projeto Grande Carajás e a Estrada de Fer-
nas uma siderúrgica no município exportava por ano, ro Carajás4
produtos com valor correspondente a mais de 600
milhões de R$3 . O Programa Grande Carajás (PGC), criado
pelo Governo Federal em 1980, foi o fator que pro-
Por que a siderurgia guseira decidiu investir piciou a instalação do setor siderúrgico na região. O
nessa cidade? PGC surge como um incentivo adicional do governo
para os investimentos privados na região amazônica,
Açailândia se encontra no eixo de duas im- juntamente com o Projeto Minério de Ferro Carajás
portantes rodovias: a BR 010 Belém-Brasília e a BR (PMFC), localizado no município de Marabá (PA)5 e
222, que liga o município a São Luís. O trânsito de controlado pela companhia Vale. O projeto controla
caminhões e veículos é intenso. O município é pon- 10,6% do território nacional. O PGC foi considerado
to de passagem para várias regiões do país, como a um dos maiores programas de desenvolvimento in-
Norte e Nordeste. tegrado numa área de floresta tropical úmida.
Em Açailândia cruzam-se também duas im- A chegada da ferrovia e suas operações cres-
portantes ferrovias: os 892 Km da Estrada de Ferro centes determinaram boa parte dos investimentos
Carajás, que une Parauapebas no Pará com o porto industriais na região. Ao lado da ferrovia, no distri-
de Itaqui em São Luís; e a Ferrovia Norte-Sul, 720 to industrial de Piquiá, instalou-se um grande polo
Km de trilhos, até Palmas no Tocantins (parte ainda Petroquímico, estação de redistribuição para Mara-
está em construção). Ambas estão cedidas em con- nhão, Pará e Tocantins do combustível que chega de
cessão à mineradora Vale, que garante o escoamento navio em São Luís.
de mercadorias e recursos e lucra a partir disso. No final dos anos 80 instalaram-se também
A abundância de terra livre na região foi des- várias usinas siderúrgicas (atualmente 11 no Pará e
de sempre um grande atrativo para os investimen- 7 no Maranhão). Pelo Projeto Grande Carajás, esse
tos no território. A bibliografia de estudos sobre a deveria ser o primeiro passo rumo a “um complexo
região indica que tudo começou no final da década industrial metal-mecânico”, tendo como primeiro
de 1960. Numa seqüência altamente destrutiva, que estágio as indústrias sídero-metalúrgicas. Foi pre-
passou pelos ciclos da madeira nobre, das serrarias, visto que “os encadeamentos para frente das ativida-
dos pastos e gado, do carvão e do eucalipto. des siderúrgicas engendrariam a criação de um par-
que metal-mecânico, cujo porte ensejaria a criação
A região tornou-se interessante também devi- de pelo menos 44 mil empregos diretos no ano de
do à relativa riqueza de água: rios, córregos e lagoas 2010”6
hoje desfrutados também pelas empresas instaladas As promessas desse grande investimento in-
no local. Em razão de tudo isso, a cidade tornou-se dustrial, como quase sempre acontece, nunca se re-
uma etapa obrigatória do dito desenvolvimento, que alizaram nessas proporções. Açailândia, segundo
infelizmente passa por ela sem deixar amadurecer maior pólo de produção siderúrgica, entre os qua-
muitos frutos no local. Minério e ferro vão e vêm,
mas o retorno econômico e o tal de ‘progresso’ para
em Açailândia somente nas mãos de poucos. 4 Relatório Social Instituto Carvão Cidadão, 2005 - http://www.car-
vaocidadao.org.br/ata/relatorio_social.htm
5 CARNEIRO, Marcelo Sampaio. Crítica social e responsabilização
empresarial. Análise das estratégias para a legitimação da produção
siderúrgica na Amazônia Oriental, Cad. CRH v.21 n.53 Salvador
2 IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais, maio/ago. 2008, disponível em www.scielo.br
2006. 6 BRASIL. 1989. Secretaria de Planejamento da Presidência da Repú-
3 www.vienairon.com.br – Exportação anual de 500.000 ton de ferro blica. Programa Grande Carajás. Secretaria Executiva. Plano-diretor
gusa, com um preço antes da crise de 750 $ por tonelada. do Corredor da Estrada de Ferro Carajás. Brasília, NATRON. 536p.
7 Ministério do Trabalho e Emprego/Cadastro Geral de Empregados 8 Procedimento n. 116/05 – Ministério Público do Estado do Mara-
e Desempregados. nhão
Consumo médio
Nº de Produção média Relação
Nº de alto - anual de
Siderúrgica funcionários anual de ferro consumo/
fornos
próprios gusa (em ton) 3 produção
carvão(emm )
FERGUMAR 2 234 216.000 480.000 2,22
GUSA NORDESTE 2 218 216.000 540.000 2,50
SIMASA/ PINDARÉ 5 650 564.000 1.440.000 2,55
VIENA 5 560 480.000 900.000 1,88
FERRO GUSA CARAJÁS 2 243 400.000 1.057.000 2,64
USIMAR 2 500 180.000 360.000 2,00
Fonte: Pesquisa de Campo IOS. Elaboração: Instituto Observatório Social.
Área
% de carvão
adquiri da Área plantada Ano meta para ser
Siderúrgica produzido em
para plantio (em ha) auto-suficiente
carvoarias próprias
(em ha)
FERGUMAR 10.000 6.000 0% Não há previsão
GUSA NORDESTE 27.000 10.000 0% 2010
SIMASA/ PINDARÉ 56.000 17.500 20% 2012
VIENA 52.000 20.000 55% 2011
FERRO GUSA CARAJÁS 75.000 32.000 100% Já é
USIMAR 3.000 0 0% Não há previsão
quem socializa os desastres ambientais ao longo de Nos últimos anos, com a intensificação da
mais de duas décadas. Dados tabulados por Mon- fiscalização nas fazendas pelo Grupo Especial de
teiro (2004), indicam que para produção de uma Fiscalização Móvel, as empresas siderúrgicas da re-
tonelada de ferro-gusa são necessários 875 kg de gião foram acusadas pelo Ministério Público Fede-
carvão vegetal, cuja produção, por sua vez, requer a ral de se beneficiarem da escravidão para produzir o
utilização de pelo menos 2.600 kg de madeira seca, ferro gusa. Muitas delas tiveram que pagar quantias
elevadas em indenizações para os trabalhadores que
que – quando se utiliza lenha originária de matas
produzem o carvão.
A
literatura sobre os grandes projetos na Amazônia sinaliza sobre os passivos sociais e ambien-
tais. Os mais comuns são a pressão sobre os recursos naturais, o deslocamento de populações
consideradas tradicionais, o inchaço das cidades, a elevação do preço da terra e de aluguéis.
Assim o foi a experiência na comunidade conhecida como Itupanema, no município de Barcarena,
norte do Pará. O município abriga as principais indústrias da cadeia produtiva do alumínio do Brasil. O pre-
sente artigo tenta fazer o registro sobre o processo da presença das empresas Albrás e Alunorte, vinculadas
a Vale (a Vale Transferiu em Maio/2010 todas as suas participações na Albrás, Alunorte e da Companhia
de Alumina do Pará-CPA para a Norsk Hydro) e a desagregação social e ambiental em Itupanema, numa
peleja marcada pela desigualdade entre as partes envolvidas.
O trabalho coletivo na terra é uma prática social desenvolvida secularmente pelos agricultores/ribei-
rinhos e extrativistas da Amazônia. Entre as particularidades tem-se a distribuição de tarefas por gêneros
ou por faixa etária. A reprodução das práticas é produto de socialização no meio familiar. A relação de
colaboração permite que os grupos familiares enfrentem as adversidades.
1 Sou bacharel e licenciado pleno em Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia. UFPA.
As famílias praticam a agricultura de subsis- dade de fazer frente ao processo de expansão e de
tência, na qual o agricultor procura assegurar para desenvolvimento econômico das empresas e contra
sua família o alimento necessário. E só depois co- a pauperização imposta aos antigos moradores do
mercializa o que sobrou. Esse processo de comércio espaço onde a fábrica se instalou.
era realizado de vez em quando através da “marreta- O problema da desapropriação volta à cena
gem ”.2 nos anos 1990, com a instalação das empresas do
O processo de urbanização no município co- projeto Caulim – Pará Pigmentos S/A e Rio Capim
aduna-se com a chegada do projeto ALBRAS/ALU- Caulim S/A, também vinculada ao grupo Vale. Em
NORTE, na década de 1980. As empresas integram 1993, a Companhia de Desenvolvimento Industrial
o portfólio da Vale, hoje Norsk Hydro. As radicais do Pará (CDI) desapropriou famílias que moravam
transformações consistiram na expulsão de grupos na localidade de Ponta da Montanha. Os moradores
familiares de seus sítios, na desagregação das famí- do local, situado em frente ao rio Pará, foram trans-
lias camponesas, onde a terra perde a condição de feridos para a área do Curuperé, situada nos limites
fornecedor de meio de subsistência, para transfor- da Vila do Conde3. A comunidade da Montanha ce-
mar-se em mercadoria. deu lugar para a construção do terminal portuário de
Tudo começou antes. Lá nos anos 1970. A exportação do caulim.
pressão sobre a terra e as riquezas vegetais e mine- Esta ocupação causou profundas transforma-
rais, através dos grandes projetos, agrava os emba- ções na estrutura produtiva, e no modo de vida da
tes sociais e a agressão ao meio ambiente na região população residente nas áreas atingidas. E princi-
amazônica. palmente quando estas mudanças não cessaram por
Os grandes projetos constituem-se em prin- completo, pois a cada dia surgem novos desafios.
cipal instrumento da política desenvolvimentista Entre eles como as “comunidades” atingidas devem
concebida pelo governo militar de 1964. Tal política criar novas estratégias de organização e de sobrevivên-
ressalta o potencial dos recursos naturais da região, cia, diante da força do capital que se implanta na Ama-
em particular as riquezas minerais e a hidrográfica. zônia, em particular em Bacarena.
Aos olhos dos estrategistas, a Amazônia não passava Barcarena registra novas tensões entre morado-
de vazio demográfico. Indígenas, ribeirinhos, qui- res tradicionais e empresas do grande capital em fase
lombolas e tantas outras variações do campesinato de instalação no município, como a refinaria chamada
local nunca existiam na cabeça dos militares. Companhia de Alumina do Pará (CAP)4. O projeto ado-
Os problemas ocasionados por esse mode- ta um processo de expulsão mais sofisticado e cruel do
lo de desenvolvimento só serão medidos nos anos que há trinta anos. A instalação da CAP tem derrubado
posteriores, a partir do deslocamento das famílias de casas dos moradores locais. Assim ficam impedidos
suas terras e convívio com questões até então total- de voltar. A expulsão dos moradores assemelha-se a
mente desconhecidas. um regime de exceção.
A luta pela terra: grandes corporações Há resistências, ainda que débeis. Mas, o iso-
versos comunidades tradicionais lamento e as técnicas de terror promovidas pela em-
presa acabam por fazer com que os moradores dei-
xem suas casas em troca de indenizações miseráveis,
Nos anos 1980 instala-se em Barcarena o
que não garantem a compra de outro imóvel com as
complexo de alumínio ALBRAS/ ALUNORTE,
mesmas características do anterior. O que assusta
parte do programa grande Carajás, provocando a
neste modelo é que tudo é feito com a conivência do
desapropriação de aproximadamente quinhentas fa-
estado, ou seja, institucionalizado. Como resultado
mílias. O modelo de projeto instalado em Barcarena
deste modelo tem-se a pauperização crescente do tra-
não internaliza riqueza no local. Assim explicam os
balhador rural, embora havendo algumas exceções.
tratados das academias.
A Associação dos Desapropriados de Barca-
rena nasce anos mais tarde. Emerge pela necessi- 3 Considerada conglomerado urbano de Barcarena, onde outras famí-
lias de antigos posseiros já habitavam.
4 O projeto transferido da Vale para a empresa norueguesa Norsk Hi-
dro (20%) e deve produzir 1,9 milhão de tonelada/ano na primeira
2 O processo consistia na mobilização de moradores para otimizar o fase e 7,4 toneladas no apogeu da produção. U$$2,2 bilhões devem
transporte de mercadorias até Belém. ser investidos. A previsão é a produção se inicie em 2011.
ANTONAZ, Diana. Na Escola dos Grandes pacto do grande Capital na Amazônia. Rio de Ja-
Projetos: A formação do Trabalhador ndustrial neiro, VOZES, 1991.
na Amazônia. Dissertação de Mestrado. Rio de
Janeiro,MN/PPGAS/ UFRJ, 1995. MARX, Karl. A chamada acumulação primitiva.
IN: O Capital: crítica da economia política. Rio de
BOURDIEU Pierre. Sobre o poder simbólico. IN: O Janeiro, Civilização Brasileira. 1998. Livro 1, vol 2.
Poder Simbólico. Lisboa/Rio de Janeiro, Difel/ Ber- p.827-877
trand Russel, 1989 p. 7-16
MONTEIRO, Alcidema. ET. ALLi. (org). O espa-
_____________ Introdução a uma sociologia refle- ço Amazônico: Sociedade e Meio Ambiente. Belém,
xiva. IN__________________ , p.17-58. UFPA, 1997.
Edilberto Sena1
O consumismo capitalista, tanto nacional com internacional, olha a Amazônia com olhos de cifrão,
eldorado, lucro, mesmo que para isso aconteça o saque, a destruição e os impactos sociais e ambientais.
Como o alarme mundial, por causa do aquecimento climático, se intensificou nos últimos 20 anos: o sis-
tema fantasiou o chamado desenvolvimento sustentável para continuar o saque do eldorado amazônico. A
partir do ano 2.000 o saque se intensificou, mineradoras, agronegócio, madeireiras, fazendas de gado e
também mais recente, as obras do tal Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC.
Rogério Almeida2
O presidente Lula inaugurou no dia 04 de outubro de 2008 a segunda casa de força da hidrelétrica de
Tucuruí, no sudeste do Pará. A UHE de Tucuruí é a maior hidrelétrica genuinamente nacional e foi erguida
no rio Tocantins há 24 anos para alimentar com energia subsidiada empresas de produção de alumínio no
Pará, Albrás e Alunorte, do grupo Vale e a Alumar, no Maranhão, da estadunidense Alcoa. 75% da produção
de energia de Tucuruí vão para a exportação e o estado possui uma das tarifas domésticas mais caras do país.
O derradeiro reajuste foi de 16%.
1 Reportagem publicada originalmente no blogue FURO em novembro de 2008 e reproduzida no site do www.forumcarajas.org.br, que apoio
o trabalho.
2 Colaborador da rede Fórum Carajás, mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA/
UFPA).
A segunda casa tem potên- tituto Brasileiro de Geografia e O custo da obra é estimado
cia instalada de 4,1 mil megawatts. Estatística (IBGE). Ainda confor- em 2.5 bilhões de reais para que
Junto com a primeira casa de for- me o IBGE, até 2001 a população Estreito gere 1.087 MW de ener-
ça a potência instalada de Tucuruí total do município era calculada gia. Os barramentos no rio devem
vai ser de 8,3 mil megawatts. O em torno de 22.930, bem antes do ultrapassar a casa das 50 unidades
maior empreendimento do setor início da obra, fevereiro de 2007. entre grandes e Pequenas Centrais
de energia encontra-se em cons- O município de Estreito Hidrelétricas (PCH’s). As PC’s
trução no mesmo rio, na fronteira encontra-se numa região repleta produzem no máximo 3 mil kw.
do estado Maranhão com o To- em implantação de grandes proje- Ambientalistas que tratam sobre
cantins, no município de Estreito. tos púbicos e privados. A cidade barragens advertem que caso se
A construção de hidrelétri- dista 100 km do pólo de soja con- sacramente o planejamento esta-
cas na Amazônia integra um por- siderado um dos mais importantes tal, o rio Tocantins deve se trans-
tfólio de projetos baseados no uso do país, na cidade de Balsas, sul formar num grande lago, onde os
intensivo dos recursos naturais da do Maranhão e tem como vizinha impactos ambientais e cumulati-
região. O modelo de desenvol- Aguiarnopólis, cidade do norte do vos são imensuráveis.
vimento tem na concentração da Tocantins e fica mais de 500 km A radical alteração do ciclo
terra, renda e do poder político da capital do estado, São Luís. Os de reprodução dos peixes, des-
e econômico seus pilares e ativa economistas tratam o modelo eco- truição da mata ciliar e inundação
tensões entre populações conside- nômico de enclave, traduzindo, de florestas nativas que abrigam
radas tradicionais e grandes cor- não dinamiza a economia local. animais silvestres são alguns dos
poração do capital mundial. Além do pólo de soja, im- impactos pontuados. Empreendi-
No caso de Estreito, tais pactam o município a implanta- mentos de grande porte tendem a
projetos tensionam com comuni- ção da ferrovia Norte-Sul, a am- atrair grandes contingentes de mi-
dades indígenas Krahô, Apinajé, pliação da BR-010 e a construção grantes. 5.500 operários da cons-
no estado do Tocantins, e Gavião do maior projeto hidrelétrico do trução civil estão no canteiro de
e Krikati no Maranhão. Na fron- país, a hidrelétrica de Estreito, no obras atualmente. Cabe interro-
teira há ainda pescadores, extrati- rio Tocantins. Não muito distante gar: para onde essa população irá
vistas e camponeses, ladeados por dali, no município de Açailândia, após a conclusão da obra, prevista
reservas como a Serra das Mesas um pólo de gusa dinamiza uma para 2010?
do lado maranhense e um sítio de cadeia de destruição ambiental e Estreito e Carolina no Es-
árvores fossilizadas no Tocantins. de trabalho escravo para a produ- tado do Maranhão, e Aguiarnópo-
A hidrelétrica de Estreito prestes ção do carvão vegetal. lis, Babaçulândia, Barra do Ouro,
a completar o segundo ano em Darcinópolis, Filadélfia, Goiatins,
fevereiro de 2009, avança sobre O grotão e o planeta Itapiratins, Palmeirante, Palmei-
o rio. ras do Tocantins e Tupiratins se-
O empreendimento da rão os municípios afetados direta-
Estreito em questão – um UHE de Estreito pluga o grotão mente pela obra.
mapa de enclaves marcado por inúmeras chacinas As cidades abaladas pelo
de camponeses ao resto do mun- empreendimento tendem a ter os
A BR-010 corta o muni- do através da geração de energia. preços da terra, do aluguel e venda
cípio de Estreito, oeste do Mara- O empreendimento pertence ao de imóveis inflacionados. As pe-
nhão. A cidade há três anos tinha Consorcio Ceste, que aglutina as riferias proliferam ladeadas pela
uma população estimada em 10 grandes corporações do quilate marginalidade, aumento de con-
mil habitantes localizados na sede da Camargo Corrêa (4.44%), AL- sumo de álcool e a criminalidade.
de um total de 26.490, conforme COA (25.49%), Vale (30%) e a Até três anos atrás no município
os dados do ano de 2007 do Ins- belga Suez-Tractebel (40.07%). de Estreito não se via mendigos
1.500 pessoas ocuparam no dia 28 de janeiro de 2009 uma área de operação da empresa estaduniden-
se Alcoa, no município de Juruti, oeste do Pará. No local é explorada uma mina de bauxita, matéria-prima
para a produção de alumina que é em seguida transformada em alumínio.
O empreendimento fica na bacia do Amazonas. Um bilhão de reais deve ser aplicado para produzir
Meu nome é Manoel Paiva. Sou engenheiro ambiental e ex - presidente do Sindicato dos Químicos
de Barcarena. Atualmente coordeno a Organização Não Governamental (ONG) Ecologia Sócio Ambiental
da Amazônia (Ecosaam), com sede em Barcarena/Pará. E acumulo a direção da CTB e estou presidente do
diretório municipal PC do B.
Resido em Barcarena desde 25 de setembro de 1985. Faz 25 anos que convivo com o projeto Albras
e Alunorte. Entre 1985 a 1995 fui funcionário da Albras, trabalhando como operador de manuseio, forno e
ponte rolante, até julho de 1995.
Em agosto de 1995 passei a trabalhar como funcionários da Alunorte. Em 2001 foi eleito presi-
dente do Sindicato dos Químicos, que representa os trabalhadores da planta química da Alunorte. Fiquei
liberado até 2007, quando perdemos a eleição para chapa que a Empresa Alunorte montou.
Em todos esses anos o que menos se viu em todas as ações das empresas em Barcarena, foi justi-
1 ex-presidente do Sindicato dos Químicos de Barcarena, engenheiro ambiental. mmmpaiva@yahoo.com.br (91) 37544965 / 88713621}
ça. Desde a implantação do pólo E as pessoas que não tiveram a pela exuberância de suas riquezas,
Industrial de Barcarena o capital oportunidade de conhecer a fortu- minérios, rios, floresta e biodiver-
tem atropelado as comunidades, na dos rios. Os grandes projetos sidades. Tudo dentro de um equi-
trabalhadores e o meio ambiente. na Amazônia têm deslocado co- líbrio que garante a sustentabili-
O poder do recurso financeiro tem munidades centenárias, subtrain- dade dos ecossistemas terrestres e
preponderado. O passivo social e do chances de ao menos reclamar. aquáticos.
ambiental que ficará para Amazô- Os protagonistas das nossas dores Não queremos dizer com
nia, ao final desse ciclo será in- nunca aparecem em cena. isso que vamos envelopar a Ama-
calculável. Hoje são centenas de A saúde do trabalhador é zônia. Mas, não podemos mais
homens e mulheres mutilados em delicada. Há um montante signi- aceitar sermos meros exportado-
todos os sentidos, em decorrência ficativo de operários reclamando res de matérias primas para países
dos ataques aos seus direitos. seus direitos. E outros que não desenvolvidos. Ditos do primeiro
Temos capital suficiente têm a mesma iniciativa. Por conta mundo, à custa do sofrimento do
para articular um grande debate da estratégia do calar. A regra con- nosso povo.
sobre a situação de cada comuni- siste em empregar filhos, filhas ou O saque aos nossos re-
dade afetada pelos grandes pro- parentes dos ex-funcionários para cursos tem se repetido desde os
jetos. Sejam eles da Vale, Alcoa, que os mesmos fiquem presos no tempos coloniais. Desde o des-
MMX ou CCM. Necessitamos cordão umbilical da fábrica. Por cobrimento, até os dias de hoje.
apresentar propostas que possam conta do medo do desemprego Os ciclos econômicos saqueiam
garantir a permanência de famí- agonizam calados. Dores que eles nossas riquezas e não deixam
lias tradicionais em seu habitat. dividem somente com as famílias. para nosso povo reflexos positi-
E as suas terras, suas raízes, suas A demissão é um fantas- vos. Foi assim com ciclo com do
culturas, sua identidade e meio ma constante. O futuro para as pau brasil, borracha, ouro e pe-
ambiente. empresas quem faz é o próprio dras preciosas. E agora entramos
Os passivos sociais e am- trabalhador, quando deposita seu na era dos minérios primários. Os
bientais se repetem a cada projeto. INSS, descontado em seu contra mesmos são tratados aqui para se-
O que acresce são a crueldade e – cheque todo mês. Pois todo tra- rem exportados, sem o perigo de
a injustiça. Podemos citar como balhador que chega a essa condi- contaminação pela geração de re-
exemplos os ribeirinhos do rio ção de aposentadoria é um peso a jeitos perigosos. Até que tentaram
Murucupi. Os mesmos tiveram de menos para as empresas, que não sangrar o coração da Amazônia
deixar suas casas, por não pode- garantem absolutamente nada com a Estrada de Ferro Madeira
rem mais usar o rio em decorrên- aos trabalhadores por mais que Mamoré. A natureza não permitiu.
cia da contaminação da água. O os trinta e não sei quantos anos Onde estão os primeiros
rio foi a garantia por muitos anos para a aposentadoria tenham si- habitantes das comunidades que
da segurança alimentar e fonte de dos trabalhados somente naquela existiam nas proximidades do
renda de milhares de ribeirinhos, empresa. Deveria haver leis que projeto Albras /Alunorte? Deve-
pescadores, camaroeiros. Era co- garantissem pelo menos plano de riam no mínimo ter um endereço
mum em tempos de abastança a saúde vitalício para trabalhadores que servisse como referência para
presença de turistas que encosta- que prestaram serviços por cinco, o resgate de sua cultura. Famílias
vam nas tabernas para beber uma dez ou vinte anos para grandes inteiras foram esfaceladas para
pinga, cerveja ou comer um tira empresas. dar espaço para a construção das
gosto. Pois ao se aposentar o tra- grandes fabricas de alumina, alu-
A matemática dos grandes balhador gasta metade do seu ren- mínio e caulim.
socializa a miséria e os desastres dimento com medicação, princi- O povo do Pará tem fama
sociais e ambientais. A máxima palmente na cultura do nosso país de ser um povo hospitaleiro, ale-
de geração de emprego desapare- que quanto mais velho mais caro. gre, falante e de fácil relaciona-
ce quando se faz um paralelo com A Amazônia, em espe- mento. Mas, o que percebemos
os desempregados indiretamente. cial o Estado do Pará, se destaca hoje no semblante das pessoas
que foram remanejadas das suas Essa questão da terra não a pesca e agricultores em áreas
comunidades não é o das referên- é muito diferente dos conflitos agricultáveis. Para evitar que haja
cias acima. A atitude hoje é des- agrários. Esses que a mídia ten- conflitos no repasse das ativida-
confiança, revolta, sentimento de ta reproduzir de forma distorcida, des as novas gerações.
terem sido enganadas e desprezadas. quando “satanizam” os integran- Muitos dos remanejados
O projeto não trouxe a elas tes do MST. A questão é mais para a implantação dos grandes
nenhuma perspectivas de melho- complexa e envolve os gover- projetos não conseguem assimi-
ria de vida. Como as empresas ha- nos federal, estadual e municipal. lar, nem aceitar as ofertas feitas
viam propagado. Em particular os Além de políticas públicas que pelos grupos de interessados pelo
responsáveis pelas mentiras que possam garantir a distribuição de projeto. Há registros de pessoas
convenceram os moradores tra- terras e incentivo à produção da ganhando muito bem pra fazer a
dicionais a saírem de suas terras. agricultura familiar. menor oferta possível às famílias.
Terras que passaram centenas de É preciso levar em con- Muitas delas quase sempre des-
anos sem ter um dono. O direi- ta que cada comunidade vive de providas de informações das reais
to da propriedade privada se so- acordo com suas disponibilidades intenções acabam ficando entre-
brepôs a posse ancestral da terra. e facilidades. Portanto não podem gue a própria sorte.
Com os s grandes projetos apare- ser avaliadas e deslocadas para O estado que deveria dis-
ceram donos de todo que é lado: qualquer lugar. É necessário res- ponibilizar profissionais capacita-
União, Estado, Município e até as peitar cada atividade lucrativa de dos para fazer as primeiras abor-
próprias empresas que estão che- sustento das famílias. Por exem- dagem, e servir como o mediador
gando e as aqui instaladas. plo: pescador em área propicia não o faz. A perspectiva nos im-
1 – Introdução
Hoje, o que mais se ouve é que as grandes empresas são meios essenciais ao desenvolvimento eco-
nômico e tecnológico do país. Na propaganda e nos discursos oficiais de governantes e de políticos influen-
tes elas são apresentadas como símbolo do desenvolvimento, do progresso e da geração de empregos. E
por estarem atreladas a mercados bem mais amplos que os regionais e por serem estratégicas no marketing
internacional, não por acaso, recebem gigantescos investimentos do Estado.
1 Trabalho publicado originalmente no Relatório Sobre Violência da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2009.
Na Amazônia brasileira, A exploração mineral na que essa prática seja mais inten-
Amazônia brasileira não é algo re-
grandes empresas do ramo da mi- sa e de efeitos trágicos às comu-
cente, muitos foram os garimpos
neração são beneficiadas com in- nidades camponesas em quatro
de extração de ouro, diamante e
fra-estrutura (estradas, ferrovias, grandes pólos: “Amapá” com a
cristal, nas margens dos rios Ara-
hidrovias, portos, energia, etc.) exploração de bauxita, manga-
guaia, Tocantins, Tapajós, Xingu
financiadas com dinheiro público, nês, caulim e ouro; “Oeste do
e Madeira e em vários de seus
créditos subsidiados, isenção de Pará” com a extração da bauxita
afluentes. Há casos de “ciclos”
impostos, etc. Controlam a “coisa pela Aluminium Limited of Ca-
de extração aurífera, embora
pública”, os principais meios de nadá (Alcan) e a Mineração Rio
de forma isolada e fragmentada
comunicação e extensos territó- do Norte (MRN); “Carajás”, com
ainda no período colonial como,
rios, onde exercem gestão autôno- a exploração de ferro, manganês,
ma criando enclaves que causampor exemplo, no Amapá e Mato cobre, níquel e ouro por diversas
Grosso. Mas a partir do final da
impactos sobre a organização so- empresas, entre elas a Compa-
década de 1950 e início dos anos
cial regional e o meio ambiente. nhia Vale do Rio Doce, a Vale, e
1960 tornou-se uma prática quase
Para essas empresas, a Amazônia “Paragominas” com a retirada de
que intensiva como, por exemplo,
assume um alto valor estratégico, bauxita e caulim pela Vale e Pará
com a descoberta da província
pois ao controlar recursos e o es- Pigmentos S/A.
aurífera do médio rio Tapajós e
paço regional, fortalecem sua he- É visível que a Amazônia
gemonia. de cassiterita, em Rondônia e em tem um peso significativo na ativi-
São Felix do Xingu (PA).
O crescimento da produ- dade de extração e transformação
ção industrial nos últimos anos e Na década de 1980, as ati- mineral realizada em território
o consequente aumento do valorvidades auríferas se intensifica- brasileiro, considerando a ocor-
ram nos estados do Pará, Roraima
dos principais minérios no mer- rência na região de diversos mi-
e Rondônia. No Pará os garimpos
cado internacional tem provocado nerais que influenciam na balança
de ouro em Serra Pelada, Cumaru
uma corrida cada vez mais acele- comercial do país, sendo o Pará o
e nos arredores de Itaituba e Jaca-
rada do capital internacional sobre segundo maior estado exportador
reacanga atraíram milhares de ga-
as reservas minerais existentes. de minérios [6]. Em 2008, a ex-
rimpeiros de quase todas as partes
Na Amazônia esse processo é ex- tração do nióbio colocou o Brasil
do Brasil [4].
tremamente visível. São dezenas em 1º lugar no ranking internacio-
de projetos de exploração mineral A exploração mineral de nal, em 2º com a extração do ferro,
forma empresarial teve início em
em funcionamento e tantos outros manganês e alumínio (bauxita), e
meados da década de 1940 com
em fase de instalação, resultado em 5º com o caulim e o estanho.
a extração de manganês pela em-
de uma política nacional vergo- O estado do Amazonas participa
presa Indústria e Comércio de Mi-
nhosa e entreguista que coloca o com 12% do nióbio extraído no
nérios S/A (ICOMI), no Amapá.
país na condição de mero forne- Brasil, e com 60% do estanho. Já
Em 1947 essa empresa assinou
cedor de matéria-prima e de sub- o minério de ferro de Carajás, no
contrato de concessão para explo-
serviência aos interesses do capi- sudeste paraense, ocupa o 2º lugar
ração mineral e em 1953, assinou
tal internacional. São projetos que na extração nacional, colocando o
o contrato de concessão para a
evidenciam poucas possibilidades Pará atrás apenas de Minas Gerais
de incremento à economia localatividade portuária e ferroviária, [7].
considerado o marco zero da ex-
e têm trazido sérios prejuízos às A tendência para 2009, de-
comunidades de camponeses e aoploração mineral na Amazônia pendendo das condições da crise
meio ambiente. [5]. na economia mundial, é de que
Atualmente, embora se haja um crescimento significativo
2 - Exploração mineral: possa constatar que a exploração na extração da bauxita, cobre, ní-
da garimpagem à atividade em- mineral esteja espalhada por toda quel, fosfato e ferro, considerando
presarial a Amazônia, é possível considerar a entrada em operação das minas
CRUZ NETO, Raimundo Gomes da. Impacto so- [5] Fórum Paraense de Desenvolvimento. 50 anos de minera-
cioambiental da mineração na região de Carajás, ção na Amazônia. Belém: Cejup, 2003.
Marabá: CEPASP, 2008 (Fotocópia).
[6] A situação dos minérios mais extraídos na Amazônia é esta:
CVRD e Diagonal. Diagnostico Integrado em So- em primeiro lugar, o ferro, que em 2008, respondeu por 35,2%
cioeconomia para os empreendimentos da CVRD. do total nacional. Em segundo lugar, a alumina (bauxita) com
2006. 17,6%, em terceiro, o alumínio com 15,1% e em quarto, o co-
bre com 11,3%. O manganês da Mina do Azul, em Carajás,
CORREIO DO TOCANTINS, Marabá, 10 a e da Buritirama, em Marabá, contribuíram com mais de 50%
12/01/2009. da extração nacional, dos 2,4 milhões de toneladas extraídas
em 2008. O estado do Pará é ainda responsável por 100% da
INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO extração nacional do caulim, 85% da bauxita, 60% do cobre
(IBRAM). Informações e Análises da Economia e 10% do ouro (Companhia Vale do Rio Doce. Relatório de
Mineral Brasileira, 3ª edição, IBRAM, 2008. Produção, 2008).
__________. Indústria da Mineração, IBRAM, Ano [7] O município de Parauapebas, no sudeste paraen
III, nº. 20, 2008. se, participou com 35,8% (minério de ferro), Barcarena com
33,3% (alumina e alumínio), Canaã dos Carajás com 10% (co-
FÓRUM PARAENSE DE DESENVOLVIMENTO. bre), Marabá com 7,1% (ferro gusa e manganês), Oriximiná
50 Anos de Mineração na Amazônia, Belém: Cejup, com 6,3% (bauxita), contribuindo significativamente para o
2003. crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) estadual. O muni-
cípio de Belém participou com 28,21%, para o PIB do estado,
O LIBERAL, Belém, 13/06/03. em segundo lugar, Barcarena com 8,03%, Parauapebas com
6,72%, Marabá com 5,91%, Ananindeua com 5,56%, Canaã
SANTOS, Breno Augusto dos. Recursos Minerais dos Carajás com 1,58% e Oriximiná com 1,42%.
da Amazônia, 2002.
[8] Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Informa-
SCHMINK, Marianne and WOOD, Charles H. ções e Análises da Economia Mineral Brasileira, 3ª edição,
Contested Frontiers in Amazonia. New York: Co- IBRAM, 2008.
lumbia University Press, 1992.
[9] O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
_______________________________________ Naturais Renováveis (IBAMA) já lavrou 56 autos de infração
contra a Vale, desde que foi privatizada, o que resultou em 37
[1] Historiador e Agente da Comissão Pastoral da Terra, em milhões de reais em multas não pagas.
Marabá.
[10] Os registros mostram que na área de influência da Vale, no
[2] Advogado e Agente da Comissão Pastoral da Terra, em sudeste paraense (municípios de Marabá, Parauapebas, Canaã
Marabá. dos Carajás, Eldorado dos Carajás, Curionópolis, Ourilândia
do Norte e Tucumã), as mortes por causas violentas aumenta-
[3] Sociólogo e Agrônomo do Centro de Educação, Pesquisa e ram em 23% de 2007 para 2008, considerando os corpos que
Assessoria Sindical e Popular. passaram pelo Instituto Médico Legal (IML) de Marabá. No
ano de 2008, os municípios de Marabá e Parauapebas foram os
[4]Marianne Schmink and Charles H. Wood Contested Fron- que mais registraram mortes por assassinato. Marabá saltou de
tiers in Amazonia. New York: Columbia University Press, 187 assassinatos, em 2007, para 266, em 2008, e Parauapebas,
1992. saltou de 62, em 2007, para 94, em 2008 [10].
LINKS DE INTERESSE
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