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Revista Eletrônica Frontistés

Faculdade Palotina – FAPAS

COMO O INTELECTO CONHECE SEGUNDO ARISTÓTELES

Alison Valduga1

Neste artigo, pretende-se reconstruir o caminho que Aristóteles faz no ‘Tratado Da


Alma’ para chegar à definição do modo como o Intelecto conhece. Para isso, ele faz
a divisão da alma em faculdades: Alma Nutritiva, Alma Sensitiva e Alma Intelectiva,
para melhor estudá-la e compreendê-la. Essas são chamadas pelo Estagirita de
Faculdades da Alma, que se encontram nos seres vivos. Assim, partiremos da
argumentação aristotélica acerca da alma, analisando-a separadamente para
chegar ao intelecto e, então, analisar como se dá a abstração das formas e a
atualização do que o Intelecto contém em potência, chegando, enfim, a como o
Intelecto conhece. Para Aristóteles, o Intelecto contém tudo em potência e reconhece
no abstraído as formas que já contém em si.

PALAVRAS-CHAVE: alma, intelecto, abstração, potência, atualização,


reconhecimento, conhecimento.

1 INTRODUÇÃO

No Tratado Da Alma Aristóteles investiga a estrutura dos seres vivos. Para ele
os seres animados se diferenciam dos seres inanimados porque possuem um princípio
que lhes dá a vida, um princípio vital, e esse princípio é a Alma.
Segundo Aristóteles, o princípio que dá vida aos seres animados, a alma,
possui faculdades. Algumas criaturas animadas possuem todas as faculdades, outras
algumas e outras ainda, apenas uma. As faculdades da alma são: a Faculdade
Nutritiva, a Faculdade Sensitiva e a Faculdade Intelectiva. Devemos ter presente que
Aristóteles realiza suas investigações partindo sempre do objeto para chegar a
identificar o órgão que conhece esse objeto, ou seja, usa o método genealógico. Por
exemplo: parte dos objetos visíveis para chegar ao órgão da visão. Ele afirma: É
“necessário estudar-se os objetos antes da ação, será acerca deles que devemos em
primeiro lugar encetar a nossa investigação [...]” (Aristóteles, 2001, 415a 20, p.60).
Quando Aristóteles parte para a investigação da Alma Intelectiva vai deparar-se com
1
Acadêmico do Curso de Filosofia da FAPAS.
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um problema. Não poderá mais usar o método genealógico, pois o objeto do Intelecto
é tudo. Procura-se, neste escrito, ver como Aristóteles procede para identificar o
modo segundo o qual o intelecto conhece, sendo que não usará mais o objeto como
ponto de partida.

2 A ALMA NUTRITIVA

Segundo Aristóteles, os vegetais têm alma Nutritiva, que é o princípio mais


básico e elementar da vida, responsável pelas funções biológicas como nutrição,
crescimento e geração. Primeiro Aristóteles trata da alimentação e da geração. Por
geração entende a reprodução. Assim o “animal de uma espécie vai gerar um outro
da mesma espécie. Da mesma forma, a planta de uma espécie vai gerar outra da
mesma espécie” (Aristóteles, 2001, 415a 25, p. 61). É por essa faculdade que os seres
vivos perpetuam suas espécies respectivas. A alimentação é o que produz a energia
que nutre os seres. As plantas crescem para cima, com o alimento retirado do solo.
As raízes, por sua vez, crescem para baixo penetrando na terra buscando o alimento
para o crescimento da planta. Para que aconteça o ato de alimentar-se é preciso que o
ser seja provido de vida. Nem todos os seres providos de vida são dotados da
faculdade do movimento, (por exemplo, as plantas). Nenhum ser poderá crescer
naturalmente sem se alimentar.
Se identificarmos, como propõe Aristóteles, os órgãos segundo suas funções,
podemos dizer que a cabeça constitui nos animais aquilo que as raízes são para as
plantas. O ser vivo necessita do alimento para subsistir. O alimento é uma
necessidade para que o ser conserve-se e reproduza-se.
Os animais irracionais são dotados da faculdade do movimento, através da
qual podem exercer o ato de movimentar-se com perfeição. Mas, o que dá essa
capacidade de mover-se de um lugar para outro? Isso, não acontece com os vegetais,
que, por sua vez, permanecem estáticos. Então, o que dá aos animais a capacidade do
movimento é a alma. Os animais são dotados de alma Sensitiva, que além de
responsável pelo movimento, é também responsável pelas sensações do corpo.
Recordemos que os animais também possuem alma Nutritiva, que como é sabido, é
responsável pela nutrição e geração, que também é comum aos vegetais.

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3 A ALMA SENSITIVA

Ao falar da alma Sensitiva, falamos dos cinco sentidos, pois a faculdade


Sensitiva comporta todos os cinco sentidos. Aristóteles, no tratado Da Alma,
especificamente no Capítulo II, faz a exposição de cada um dos cinco sentidos
partindo, como já sabemos, do objeto para chegar ao órgão dos sentidos responsável
por captar determinado objeto.
Para chegar ao sentido da visão, Aristóteles parte do que é visível. O visível é
a cor, sendo ela um elemento superficial dos objetos sensíveis. Ela é uma
propriedade do objeto que é visível. A cor não é visível por si só, mas é visível em
alguma coisa, em algum objeto. Segundo Aristóteles a cor só é visível com a
presença da luz.
Ao falarmos do sentido da audição, partimos do seu objeto: o som. Segundo
Aristóteles, podemos dizer ‘som’ em dois sentidos. Som enquanto ato e som
enquanto potência. Teríamos como exemplo de som em potência a esponja ou a lã,
que parecem ser in-sonoras. Quando, porém falamos em sons sonoros, nos referimos,
por exemplo, ao bronze ou a um outro material duro. Esse tipo de objeto produz som
em ato. Assim, o som em ato consiste sempre no contato ou no choque entre uma
coisa com outra. Logo, “[...] é impossível que um único objeto possa produzir som,
consistindo isto tanto num objeto que causa impacto como, ainda, num outro que é
atingido” (Aristóteles, 2001, 419b 10, p. 71). É importante ressaltar que sentimos o
som no ar e também na água, porém com menos perspicácia. Mas o que determina o
som não é a água nem o ar e sim a necessidade do choque entre os corpos duros, e
esse choque em choque com o ar.
Dando por esclarecido o sentido da audição, passamos para o sentido do
olfato. O objeto do olfato é o odor. Segundo Aristóteles, o olfato é o sentido menos
investigado em relação aos outros sentidos por ser ele em nós um tanto obscuro. O
homem não tem esse sentido tão desenvolvido quanto os animais. O homem não é
capaz de identificar certas coisas pelo odor. Já os animais possuem esse sentido mais
aguçado, pois eles podem distinguir ou identificar certas coisas somente pelo cheiro.
Os animais terão sempre um sentido mais aguçado que o outro.

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Alguns animais ao sentir o odor, mesmo de longe se dirigem a ele se o


próprio os atrai. Segundo Aristóteles, os animais se apercebem do odor da mesma
maneira. O Homem, porém, só poderá sentir o odor se aspirar o ar, pois se em vez de
aspirar ele expira e retêm o ar não sente coisa alguma.
Quando falamos do sentido do gosto ou gustativo, falamos também no seu
objeto que é o sabor, ou seja, o que contém paladar. Segundo Aristóteles, o corpo que
inclui sabor encontra-se em sua matéria gosto envolvido pela umidade. Mesmo se
estivermos na água poderemos sentir aquilo que é doce em função da mistura do
sabor com o que é úmido.
O gosto é o sentido do paladar e do insípido. O insípido possui um sabor
fraco, ou seja, destituído de qualquer gosto. Poderíamos então perguntar: O que é
então o objeto do gosto? Parece que o primeiro objeto do gosto é aquilo que é
potável e aquilo que não é potável. Esses dois elementos constituem o paladar.
Aristóteles explica também que existem várias espécies de sabores. Os sabores
simples, como o doce e o amargo e seus derivados. O melífluo e o salgado e ainda os
intermédios, o azedo e o ácido. Esses sabores, portanto, parecem ser os mais comuns.
Agora, porém, se faz necessário tratar do tangível, que é o objeto do tato. É
preciso ter presente que os objetos tangíveis formam uma multiplicidade de objetos
sensíveis. Assim, Aristóteles faz a seguinte pergunta. Qual é o órgão próprio da
faculdade do tato? Parece-nos que o tangível apresenta um grande número de
contrários: quente e frio, seco e úmido, duro e mole, e assim muitos outros.
Tentando responder a questão, Aristóteles percebe que os outros sentidos
também possuem vários grupos de contrários e, no entanto, um só é o órgão que
capta o seu respectivo objeto, do qual é responsável de perceber. Assim, o tato é o
órgão responsável de sentir o que é tangível. Segundo Aristóteles, “de maneira geral
aquilo que o ar e a água são para a vista, para o ouvido e para o olfato também o será,
do mesmo modo, em relação a carne e a língua 2, segundo o órgão sensorial que lhe é
correspondente” (Aristóteles, 2001, 432b 15, p. 111).
Aristóteles quer dizer que cada órgão dos sentidos percebe do mesmo objeto
as características que são próprias de sua função. Parece ser viável usar como
exemplo uma maçã. O olho tem a função de perceber a cor da maçã. O tato tem a
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O corpo, a carne, é o meio de captação do tangível par Aristóteles e também para Husserl.

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função de sentir a textura, se é lisa, áspera, etc. Ao olfato cabe a função de sentir o
aroma ou cheiro. O paladar, então, tem a função de sentir se é doce ou amarga. E por
fim, podemos dizer, que o ouvido tem a função de ouvir o som que se produzirá
quando a maçã for mordida. Parece mais evidente ser assim que de maneira geral se
dá a percepção dos objetos pelos órgãos dos sentidos.
Podemos avançar mais um passo na investigação que Aristóteles faz acerca
de como se dá o conhecimento. Acredita-se estar, de modo geral, entendido o método
que Aristóteles usa para investigar a Alma Sensitiva e á Alma Nutritiva. Aristóteles
faz esse caminho para chegar agora a Alma Intelectiva. Avançaremos então com o
objetivo de compreender como o intelecto conhece. Para isso, teremos como base em
especial o Livro III do tratado Da Alma.

4 O INTELECTO

Aristóteles, depois de investigar as Almas Nutritiva e Sensitiva, faz uma


investigação acerca da Alma Intelectiva (Intelecto). Dessa faculdade intelectiva,
somente o Homem é dotado, pois somente ele tem a capacidade de conhecer.
Aristóteles, quanto a isso, escreve na sua obra Metafísica: “Todos os homens, por
natureza, desejam conhecer” (Aristóteles, 1969, 980a, p. 36).
Para Aristóteles “há na sensação algo de conhecimento de tal modo que se
pode dizer que a apreensão sensível tem algo de intelectual” (Mora, 2001, p. 1529).
Como percebemos, Aristóteles vinha investigando as outras faculdades partindo
sempre do objeto para chegar ao respectivo órgão responsável por conhecer o objeto.
Aristóteles agora percebe que o objeto do Intelecto é tudo. Assim, depara-se com um
problema: Como investigar o modo como se dá o conhecimento no Intelecto se seu
objeto é tudo? Sendo assim, Aristóteles não poderá utilizar o mesmo método que
utilizou para investigar as outras faculdades da alma. Logo, se assim utilizar, terá que
investigar tudo para chegar ao intelecto.
Aristóteles caracteriza o Intelecto como “aquela parte da alma que permite
conhecer e pensar” (2001, 129a 10, p. 100). O Intelecto tem a “capacidade de receber
a forma, ou algo enquanto forma” (2001, 429a 15, p. 101). O objeto, atingido pelos

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sentidos, é também atingido pela inteligência, a qual abstrai nele a noção de ser. A
vista vê a cor, a inteligência diz que ela é a cor, uma vê a casa, outra diz que ela é a
casa, e assim por diante. Para explicar esse conhecimento sensível, que depois dá
lugar ao inteligível, Aristóteles apresenta a teoria da abstração que procura explicar
toda a estrutura do conhecimento intelectivo. A partir da abstração, Aristóteles
desenvolveu sua doutrina sobre o conhecimento. Ambos os conhecimentos, o
sensível e o intelectivo começam como intuitivos. Pela intuição sensível o objeto real
afeta por si ou por seus efeitos físicos, o órgão sensível. Há aí uma intencionalidade
direta, intuitiva. Não somente os sentidos, mas também a inteligência intui
diretamente a seu modo.
A diferença da intuição sensível da intuição inteligível é que esta última
abstrai do sensível seu caráter individual, considerando o aspecto formal. A abstração
em Aristóteles é uma ‘intuição da essência’. No processo de abstração, a inteligência
negligencia os aspectos singulares e realiza, assim, uma abstração total, retendo tão
somente a forma, que é universal, pois pertence aos indivíduos indistintos.
A abstração separa as formas, deixando de lado o singular e a matéria. Ex:
Ocorre a abstração quando se deixam os indivíduos homens, e se atende somente o
homem como espécie. Os cinco sentidos captam o objeto sensível e o intelecto
abstrai dos objetos sua forma. O Intelecto abstrai e reconhece no abstraído as formas
que já continha em si, mas que continha em potência. Abstrai, ou seja, retira a forma
universal. Os objetos imprimem na faculdade do conhecimento (intelecto) as suas
respectivas formas, e não a matéria de que são dotados. Simplificando, isso pode ser
observado em um simples desenho que reproduz as formas dos objetos e não sua
matéria. “[...] tal como a cera recebe o modelo do anel sem a matéria ferro ou sem a
matéria ouro, tomando o molde do ouro ou do bronze, mas não do ouro enquanto
ouro ou do bronze enquanto bronze” (Ibidem, 424a 19-21, p.85).
Segundo Aristóteles, o Intelecto é como se fosse uma “tábua rasa em que
nada está escrito em ato” (Ibidem, 430a 01, p.103). Está tudo escrito em forma, que
se dá pela abstração. Então, podemos dizer que o Intelecto é passivo e somente
recebe as formas? Aristóteles apresenta que o Intelecto contém duas partes: seria o
Intelecto ativo e o intelecto passivo. O Intelecto passivo recebe as formas, que

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corresponde a todas as coisas. O Intelecto ativo faz com que o primeiro entendimento
se faça todas as coisas.
Num primeiro momento, o Intelecto contém tudo em si, porém esse conter é
em potência. Sendo assim, quando o Intelecto atualizar, ele irá conhecer. Irá
conhecer aquilo que ele já possui, mas possui em potência. Como então ocorre essa
atualização? Como se dá o conhecimento?
Primeiramente, esse conhecimento acontece no âmbito do Intelecto. O
Intelecto reconhece aquilo que ele possui em potência por meio da síntese que a ele é
apresentada pela imaginação. Os cinco sentidos percebem os objetos externos
separadamente. Essa percepção vai, segundo Aristóteles, para um sentido interno que
é a imaginação. Essa então, unifica as percepções dos cinco sentidos e apresenta as
percepções unificadas para o Intelecto (que contém tudo em potência) e este, por sua
vez, reconhece o que lhe foi apresentado, por meio de atualização.
Sendo assim, segundo Aristóteles, o intelecto conhece por reconhecimento,
atualizando o que ele contém em potência.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Homem é o único ser vivo que é dotado das três faculdades da alma.
Faculdade Nutritiva, Sensitiva e Intelectiva. O Homem tem a capacidade de se nutrir,
reproduzir, captar os objetos através dos sentidos e também é capaz de conhecer por
meio do Intelecto. Aristóteles, no tratado Da Alma, desenvolve uma teoria do
conhecimento a partir da investigação acerca da alma. O Intelecto capta dos objetos a
sua forma universal. O Intelecto possui tudo em potência, os objetos que existem na
realidade. Por isso, quando os sentidos captam os objetos através das sensações
físicas, essas são unificadas e apresentadas pela imaginação ao Intelecto. Ele (o
Intelecto), mediante reconhecimento, atualiza a forma que está nele em potência.
Logo, o Intelecto conhece por reconhecimento.

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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Da Alma (De Anima). Tradução. Carlos Humberto Gomes.


Lisboa: Edições 70, 2001.

_____. Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969.

BENVINDA, Modesto Nalfran. A unidade do homem e o problema do intelecto em


Aristóteles: um breve comentário a partir do De Anima. Studium Revista de
Filosofia, Recife, ano 5, n.10. p. 121-123, 2002.

MORA, Ferrater José. Dicionário de Filosofia. Tomo II (E-J). São Paulo: Loyola,
2001.

PUENTE, Rey Fernando. Os Sentidos do Tempo em Aristóteles. São Paulo:


Loyola, 2001.

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