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Paulo J. S. G.

Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

Capı́tulo 5

A série de Fourier clássica e


discreta

O objectivo deste capı́tulo é estudar duas das técnicas mais úteis para analisar
e compreender sinais analógicos e digitais, e o modo como estes interactuam
com os sistemas lineares invariantes no tempo. Referimo-nos à série de Fou-
rier clássica, para sinais analógicos definidos num intervalo finito, e à série
de Fourier discreta, para sinais digitais com um número finito de amostras.
Os sinais analógicos definidos em toda a recta real e os sinais digitais com
um número infinito de amostras exigem outras técnicas de análise, que serão
estudadas posteriormente.
A intuição geométrica desempenha um importante papel na nossa abor-
dagem às séries de Fourier. A utilidade da análise de Fourier, e as próprias
definições de série de Fourier clássica ou discreta, surgem como consequências
directas das definições de sistema linear invariante no tempo.

5.1 Motivação
A introdução no estudo dos sistemas lineares invariantes no tempo de técnicas
de análise do tipo da série e da transformação de Fourier não é obra do acaso,
mas uma consequência natural da própria natureza dos sistemas em causa.
Tentaremos provar que assim é, usando certos resultados elementares sobre
as funções próprias desses sistemas. Antes de passarmos ao estudo desse
assunto, apresentaremos algumas ideias que podem servir de motivação para
a análise de Fourier.
Relembramos certos conceitos conhecidos de álgebra linear. Uma matriz
M de ordem n × n define uma operação linear num espaço vectorial de
dimensão n. O facto da operação ser linear traduz-se no seguinte: sendo a e

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5.1 Motivação 90

b quaisquer dois vectores de n (ou n ), e α e β dois complexos arbitrários1 ,


tem-se
M (αa + βb) = αM a + βM b.
Pode identificar-se com a matriz M um certo sistema linear, cujos sinais de
entrada e saı́da são vectores de n (ou n ). Para tal não é necessário grande
esforço de abstracção. Pode considerar-se, por exemplo, que as entradas são
conjuntos de n valores de tensão ou corrente num dado sistema eléctrico. O
sistema matematicamente representado por M operaria sobre essas n grande-
zas, dando como resposta n outras quantidades cujo significado fı́sico seria,
possivelmente, semelhante. Alternativamente, em vez de falarmos de um
conjunto de n valores de n grandezas fı́sicas, podemos falar dos n resultados
v(ti ) (1 ≤ i ≤ n)
de n medidas consecutivas de uma só grandeza fı́sica v(t).
O cálculo da saı́da do sistema M traduz-se pela multiplicação de uma
matriz por um vector. Designando o resultado por y, tem-se
n
!
yi = Mij xj , (1 ≤ i ≤ n)
j=1

donde é claro que são precisas n2 multiplicações (n para cada um dos yi a


calcular, que são em número n). Será possı́vel efectuar tal cálculo com menos
operações? Existirá alguma forma de compreender, em termos qualitativos,
o comportamento do sistema?
Sob certas condições a resposta a estas questões é afirmativa. Para isso,
é conveniente recordar os conceitos de vector próprio e valor próprio de uma
matriz, e a técnica da expansão em vectores próprios, que é usada extensi-
vamente em álgebra linear. Se a matriz M possuir um conjunto ortonormal
de n vectores próprios
x(1) , x(2) , . . . , x(n)
isto é, soluções das n equações
M x(i) = λi x(i) , (1 ≤ i ≤ n)
n
qualquer vector x de pode ser expresso como uma combinação linear do
tipo
n
!
x= αi x(i) .
i=1
1
Procuraremos reservar as letras latinas maiúsculas (como M ou H) para nos referirmos
a matrizes, as letras minúsculas (como a, b ou x e y) para representar vectores de n ou
n
, e as letras gregas para representar escalares reais ou complexos.

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5.1 Motivação 91

e1 e1
2 x = 2e1 + e2

v2
v1

1 e2 e2
(a) (b)

e1 e1
y = λ 1 u1 + λ 2 u2
x = u 1 + u2

u2 u1

e2 e2
(c) (d)

Figura 5.1: O papel dos vectores e valores próprios de uma matriz 2 × 2.


(a) o vector x (b) os vectores próprios v1 e v2 da matriz M (c) o vector x
expresso como combinação linear de v1 e v2 , x = u1 + u2 = α1 v1 + α2 v2 (d)
o vector y = M x, calculado a partir do efeito de M sobre u1 e u2 , isto é,
y = λ 1 u1 + λ 2 u2 .

Os escalares λi são os chamados valores próprios da matriz.


Neste caso, a resposta do “sistema” representado por M será dada por
n
!
Mx = M αi x(i)
i=1
!n
= αi M x(i)
i=1
n
!
= αi λi x(i) .
i=1

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5.1 Motivação 92

Este processo está ilustrado na figura 5.1. O que se pretende é calcular


y = M x, em que M é a matriz 2 × 2
" #
1 229 72
M= ,
250 72 271

e x é o vector com elementos x1 = 2 e x2 = 1, isto é,


" #
2
x=
1

ou, mais concisamente, x = [2 1]T . Pretende calcular-se M x através da


utilização dos vectores e valores próprios da matriz M .
O vector x está representado na figura 5.1.a, com respeito à base orto-
normal constituı́da pelos vectores e1 e e2 ,
" # " #
1 0
e1 = e2 = ,
0 1

É claro que x = 2e1 + e2 . Analisando a matriz M chega-se à conclusão que


os seus vectores próprios são
" # " #
0.6 0.8
v1 = v2 = ,
0.8 −0.6

os quais estão representados na figura 5.1.b. Repare-se que v 1 e v2 são orto-


normais.
As componentes do vector x com respeito à base ortonormal constituı́da
por v1 e v2 estão representadas na figura 5.1.c. Isto corresponde a exprimir
x como uma combinação linear de v1 e v2 ,

x = α1 v 1 + α2 v 2 .

As componentes α1 v1 e α2 v2 de x, que são as projecções de x sobre v1 e v2 ,


foram designadas por u1 e u2 na figura 5.1.c, tendo-se por isso a expressão
x = u 1 + u2 .
O efeito da matriz M sobre o vector x pode agora interpretar-se facil-
mente, se os valores próprios da matriz forem conhecidos. Neste caso, os
valores próprios são λ1 = 1.3 e λ2 = 0.7. Quer isto dizer que

M v1 = 1.3 v1 ,
M v2 = 0.7 v2 .

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5.2 Preliminares geométricos 93

Logo, o vector pretendido é dado por


y = M x = M u1 + M u2 = 1.3u1 + 0.7u2 .
A interpretação geométrica é dada na figura 5.1.d.
Se os vectores próprios e os valores próprios de M forem antecipadamente
conhecidos, a resposta y = M x de M a x pode ser calculada usando esta
expressão, mas efectuando apenas n adições e multiplicações. Como só é
necessário efectuar o cálculo dos valores e vectores próprios uma vez, se
quisermos calcular um número suficientemente elevado de respostas
M a, M b, M c, M d, . . .
este processo pode diminuir o esforço computacional total, desde que se co-
nheçam os n coeficientes αi , que aliás podem substituir com vantagem os n
elementos xi do vector x em tudo o que sejam cálculos com a matriz M .
Se os coeficientes αi não forem já conhecidos pode acontecer que esta
técnica não seja vantajosa do ponto de vista computacional. Mas, indepen-
dentemente da utilidade que possa ter para fins de cálculo, o conhecimento
dos vectores e valores próprios da matriz M é de grande importância para a
compreensão da sua acção sobre vectores arbitrários.
Estes raciocı́nios conduzem a diversas questões de grande importância.
Sabemos que é possı́vel interpretar os sinais digitais como vectores. Es-
tando nós interessados em sistemas lineares invariantes no tempo, coloca-se
a questão de como calcular os seus vectores próprios, isto é, os sinais que estes
sistemas passam a respectiva saı́da inalterados, a menos de uma constante
multiplicativa.
Veremos ainda que é também possı́vel interpretar os sinais analógicos f (t)
como vectores, mas de dimensão infinita. Isto faz surgir a seguinte pergunta:
para qualquer sistema linear e invariante no tempo, analógico, designado por
H, existirão expansões para os sinais de entrada f (t) em termos dos “vectores
próprios” de H? O que são esses “vectores próprios”?
Antes de mais, convém esclarecermos certas questões geométricas, essen-
ciais para estabelecer em bases precisas as analogias entre sinais e vectores.

5.2 Preliminares geométricos


Nesta secção definiremos os conceitos de norma, produto interno e ortogona-
lidade para certas classes de sinais digitais ou analógicos de grande interesse
prático. Adoptamos uma notação que é praticamente universal: a norma de
um vector x é designada por $x$, e o produto interno de dois vectores a e b
é designado por %a, b&.

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5.2 Preliminares geométricos 94

n
5.2.1 Produto interno, norma e ortogonalidade em
e n
n
Relembramos que o produto interno de dois vectores a e b pertencentes a ,
e com componentes
a0 , a1 , a2 , . . . , an−1 ,
e
b0 , b1 , b2 , . . . , bn−1 ,
respectivamente, é definido por
n−1
!
%a, b& = ai b i .
i=0

n
No caso mais geral em que os vectores pertencem a , a definição correcta

n−1
!
%a, b& = ai b∗i .
i=0

O produto interno de um vector consigo próprio é uma grandeza não-negativa


dada por
n−1
!
2
%a, a& = $a$ = |ai |2 ,
i=0

e que se pode identificar com o quadrado do comprimento do vector. É


também habitual a denominação norma, em vez de comprimento.
O produto interno satisfaz as relações

%a + b, c& = %a, c& + %b, c&,

%a, b + c& = %a, b& + %a, c&,


que se podem verificar partindo da definição.
Os vectores podem ser interpretados como sinais digitais, e estes como
vectores. Na verdade, cada elemento ai do vector pode ser visto como uma
amostra do sinal, e cada amostra de um sinal pode ser entendida como uma
das componentes de um vector.
O produto interno de um sinal consigo próprio é igual ao quadrado da
sua norma. É costume interpretar esta grandeza como a energia do sinal.
Note-se que só o sinal nulo tem energia nula.
Pode definir-se ortogonalidade à custa da definição de produto interno:
dois vectores dizem-se ortogonais se o seu produto interno for nulo.

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5.2 Preliminares geométricos 95

5.2.2 Produto interno, norma e ortogonalidade em !2 (I)


As definições anteriores podem generalizar-se a sinais com um número finito
ou infinito de amostras pertencentes a $2 (I) (acerca dos espaços $p (I) veja-se
a secção 3.6 “Espaços vectoriais de sinais”). Seja I um subconjunto finito
ou infinito dos inteiros . Os exemplos mais comuns são I = , ou I =
{0, 1, . . . , n − 1}. Este último exemplo conduz-nos de volta aos conceitos
mencionados na secção anterior.
Define-se produto interno de dois elementos a e b pertencentes a $ 2 (I)
através da expressão !
%a, b& = ai b∗i .
i∈I

Também neste caso se tem

%a + b, c& = %a, c& + %b, c&,

%a, b + c& = %a, b& + %a, c&.


O produto interno de um vector consigo próprio é uma grandeza não-negativa
dada por !
%a, a& = $a$2 = |ai |2 ,
i∈I

e que se pode identificar com o quadrado do comprimento do vector. É


também habitual a denominação norma, em vez de comprimento.
Também neste caso é possı́vel definir ortogonalidade à custa da definição
de produto interno: dois vectores dizem-se ortogonais se o seu produto in-
terno for nulo.

5.2.3 Produto interno, norma e ortogonalidade em L2 (I)


As definições anteriores não são aplicáveis a sinais analógicos (de variável
contı́nua). Para estes, as definições correctas devem empregar um integral
em vez de um somatório.
O produto interno dos sinais a e b (funções reais ou complexas de variável
real, definidas num certo intervalo I) define-se pela expressão
$
%a, b& = a(t)b∗ (t) dt,
I

que faz sentido se as energias de a e b no intervalo I forem finitas, isto é, se


$
%a, a& = $a$ = |a(t)|2 dt < ∞,
2
I

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5.2 Preliminares geométricos 96

$
2
%b, b& = $b$ = |b(t)|2 dt < ∞,
I
ou seja, se a ∈ L2 (I) e b ∈ L2 (I).
Tal como nos casos anteriores, tem-se
%a + b, c& = %a, c& + %b, c&,
%a, b + c& = %a, b& + %a, c&.
A definição de ortogonalidade transpõe-se para este caso usando, como nos
casos anteriores, o conceito de produto interno: dois sinais analógicos de
energia finita dizem-se ortogonais se o respectivo produto interno for nulo.

5.2.4 Ortogonalidade, ortonormalidade, e exemplos


Intimamente relacionado com o conceito de produto interno temos o de pro-
jecção. Geometricamente, o produto interno de dois vectores relaciona-se
com o comprimento ou norma da projecção de um desses vectores sobre o
outro. Sempre que o produto interno de dois sinais for zero os sinais dizem-se
ortogonais, independentemente de se tratar de sinais analógicos ou digitais.
No caso de sinais digitais com um número finito de amostras, a interpretação
da ortogonalidade à luz da analogia vectorial é simples: os vectores são per-
pendiculares entre si, pelo que a projecção de um no outro tem comprimento
nulo.
Um conjunto de sinais ortonormais é um conjunto de sinais com norma
igual à unidade, e ortogonais dois a dois.
O exemplo mais simples de sinais ortonormais, no contexto dos sinais
digitais com número finito n de amostras, é o conjunto de n sinais
s(1) , s(2) , s(3) , . . . , s(n) ,
definidos por
s(1) = {1, 0, 0, . . . , 0},
s(2) = {0, 1, 0, . . . , 0},
s(3) = {0, 0, 1, . . . , 0},
..
.
(n)
s = {0, 0, 0, . . . , 1}.
É fácil verificar a ortonormalidade usando a definição de produto interno.
No contexto dos sinais analógicos, também é fácil encontrar conjuntos de
sinais ortonormais em intervalos finitos ou mesmo em . Apresentam-se dois
exemplos nas figuras 5.2 e 5.3.

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5.3 As funções próprias dos sistemas analógicos lineares invariantes no tempo97

f0 (x)
1
...

1 x
f1 (x)

f2 (x)

f3 (x)
...

Figura 5.2: Exemplo de um conjunto de funções ortogonais.

5.3 As funções próprias dos sistemas analógicos


lineares invariantes no tempo
Um sistema analógico linear invariante no tempo é matematicamente des-
crito por uma aplicação H que faz corresponder a cada sinal de entrada x
um sinal de saı́da y. Propomo-nos responder agora à seguinte questão: que
entradas é que conduzem a saı́das iguais, a menos de uma constante multi-
plicativa? Estamos a excluir, naturalmente, o sinal nulo, ao qual sabemos
que os sistemas lineares respondem com saı́da nula.
Esta pergunta é semelhante à que conduz ao conceito de vector próprio,
na teoria de matrizes. Nesse caso, procuram-se vectores particulares sobre
os quais a acção de uma dada matriz M é equivalente à multiplicação por
um escalar λ, isto é, procuram-se vectores x não nulos tais que o vector y
definido por
y = Mx
seja proporcional a x, o que significa que
y = λx,
e conduz à bem conhecida equação M x = λx.
No caso de sistemas lineares invariantes no tempo, procuramos sinais x
não nulos tais que a saı́da
y = Hx

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5.3 As funções próprias dos sistemas analógicos lineares invariantes no tempo98

φ00 (x) φ10 (x) φ11 (x)


1

1
1 2 1
x x 1 x
2

φ20 (x) φ21 (x) φ22 (x) φ23 (x)

1 1 3
4 2 4 1
x x 1 3 x
2 4

Figura 5.3: Outro exemplo de um conjunto de funções ortogonais. Notar


que qualquer das funções apresentadas é ortogonal às restantes, independen-
temente das respectivas “larguras”.

seja dada por


y = λ x,
onde λ é um escalar (real ou complexo). Tais sinais não são formalmente
alterados pelo sistema, a menos de um ganho e mudança de fase. A equação
em que estamos interessados é por isso também da forma Hx = λx. As suas
soluções dizem-se funções próprias do sistema H.
As funções exponenciais
e(x) = eαx
são as candidatas mais naturais a funções próprias dos sistemas lineares e
invariantes no tempo.
Consideremos um sistema analógico H e um sinal analógico x(t) qualquer.
Designemos, tal como anteriormente, por y(t) a resposta de H ao sinal x(t),

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5.3 As funções próprias dos sistemas analógicos lineares invariantes no tempo99

isto é, y(t) = H[x(t)]. Considere-se o sinal dado por

x(t) − x(t − h)
a(t) = .
h
A resposta do sistema H ao sinal a(t) é o sinal b(t) dado por

b(t) = H[a(t)]
% &
x(t) − x(t − h)
= H
h
H[x(t)] − H[x(t − h)]
=
h
y(t) − y(t − h)
= ,
h
uma vez que H é linear e invariante no tempo. Se x for diferenciável em t,
temos
x(t) − x(t − h) dx(t)
lim = = x% (t).
h→0 h dt
Assumindo que H é contı́nuo ou fechado, temos
% & % &
x(t) − x(t − h) x(t) − x(t − h)
lim H = H lim
h→0 h h→0 h
%
= H[x (t)]
y(t) − y(t − h)
= lim
h→0 h
%
= y (t).

Se H for fechado, pode acontecer que o limite


% &
x(t) − x(t − h)
lim H
h→0 h

não exista. Contudo, se existir, será necessariamente igual a H[x % (t)]. Se


H não for contı́nuo nem fechado, o limite pode existir mas ser diferente de
H[x% (t)], o que invalida os resultados.
Assumindo que H é contı́nuo ou fechado, a conclusão é a seguinte.

Seja y(t) a resposta de um sistema linear invariante no tempo ao


sinal x(t). Então, a resposta do mesmo sistema linear ao sinal
x% (t) será y % (t).

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5.4 As funções próprias dos sistemas digitais lineares invariantes no tempo 100

A resposta à pergunta inicialmente formulada pode agora ser dada. Seja


x(t) um sinal de entrada tal que x% (t) = α x(t), onde α é uma dada constante
complexa. Como é sabido, a solução da equação diferencial
dx(t)
= α x(t)
dt
é a função
x(t) = Aeαt , (5.1)
como se pode facilmente verificar por derivação. A constante A fica deter-
minada uma vez estabelecidas condições iniciais (notar que A = x(0)).
A resposta de qualquer sistema linear invariante no tempo ao sinal expo-
nencial x% (t) será por isso
H[x% (t)] = H[α x(t)] = α H[x(t)] = α y(t).
Mas, pela propriedade acima deduzida, temos
H[x% (t)] = y % (t).
Confrontando as duas últimas equações conclui-se que
dy(t)
= α y(t),
dt
e logo
y(t) = Beαt . (5.2)
A constante arbitrária que intervém nesta equação foi agora designada por
B, de forma a evitar confusão com a constante que aparece na equação (5.1).
Comparando (5.1) e (5.2) chegamos de novo à conclusão que a resposta
de um sistema linear invariante no tempo a um sinal exponencial é um sinal
exponencial semelhante ao primeiro, a menos de um factor constante mul-
tiplicativo (ganho), que poderá eventualmente ser complexo, e por isso dar
origem também a uma mudança de fase.
Exprimiremos a propriedade de invariância dos sinais exponenciais quando
sujeitos à acção de um sistema linear invariante no tempo dizendo que estes
sinais são funções próprias desses sistemas.

5.4 As funções próprias dos sistemas digitais


lineares invariantes no tempo
Um sistema digital linear invariante no tempo é matematicamente descrito
por uma aplicação H que faz corresponder a cada sinal digital de entrada

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5.4 As funções próprias dos sistemas digitais lineares invariantes no tempo 101

x(k) um sinal digital de saı́da y(k). Propomo-nos responder agora à seguinte


questão: que classe de sinais de entrada é que é aplicada em si própria? Ou
seja, que tipos de entradas é que conduzem a saı́das formalmente semelhan-
tes? Estamos a excluir, naturalmente, o sinal nulo, ao qual sabemos que os
sistemas lineares respondem com saı́da nula.
O primeiro dos argumentos apresentados na secção anterior é válido quer
para exponenciais de variável real x ∈ e sistemas analógicos H, quer para
exponenciais de variável discreta x ∈ e sistemas digitais. Existem, natu-
ralmente, outros processos de chegar à solução.
Estamos novamente a tentar responder a uma pergunta semelhante à que
conduz à definição de vector próprio, na teoria de matrizes. No caso dos sis-
temas que estamos agora a considerar, isto é, digitais, lineares, e invariantes
no tempo, procuramos sinais digitais x(k) não nulos tais que a saı́da
y(k) = H[x(k)]
seja dada por
y(k) = λ x(k),
onde λ é um escalar (real ou complexo). Como anteriormente, tais sinais só
são alterados pelo sistema no que diz respeito ao ganho e à fase. A equação
em que estamos interessados continua a ser da forma Hx = λx.
Para responder à pergunta que fizemos, consideremos um sistema digital
H, linear e invariante no tempo, e um sinal x(k) qualquer. Seja y(k) a
resposta do sistema H ao sinal x(k), isto é, y(k) = H[x(k)].
Para sinais de variável contı́nua, diferenciáveis, o sinal definido por
x(t) − x(t − h)
a(t) =
h
%
tende para x (t), quando h → 0. Provámos que um sistema de variável
contı́nua, linear e invariante no tempo, responde a x% (t) com y % (t), sendo y(t)
a resposta a x(t). Existirá algum conceito análogo em termos de sistemas
digitais? Dando a h o menor valor inteiro não-nulo possı́vel obtemos o sinal
a(k) = x(k) − x(k − 1),
Por analogia com o caso anterior, investiguemos a natureza da resposta de um
sistema digital linear e invariante no tempo ao sinal a(k), ao qual podemos
chamar a primeira diferença do sinal x(k). A resposta b(k) é dada por
b(k) = H[a(k)]
= H [x(k) − x(k − 1)]
= y(k) − y(k − 1),
o que conduz à seguinte conclusão.

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5.4 As funções próprias dos sistemas digitais lineares invariantes no tempo 102

Seja y(k) a resposta de um sistema digital linear invariante no


tempo ao sinal x(k). Então, a resposta do mesmo sistema linear
à primeira diferença de x(k) é a primeira diferença de y(k).
A resposta à pergunta inicialmente formulada pode agora ser dada. Seja x(k)
uma entrada particular tal que

x(k) − x(k − 1) = βx(k), (5.3)

onde β é uma dada constante complexa. Para obter a solução desta equação
basta resolvê-la em termos de x(k),
x(k − 1)
x(k) = ,
1−β
que conduz imediatamente a
x(0)
x(1) = ,
1−β
x(1) x(0)
x(2) = = ,
1−β (1 − β)2
x(2) x(1) x(0)
x(3) = = 2
= ,
1−β (1 − β) (1 − β)3
e assim sucessivamente. Em geral, temos
x(0)
x(k) = .
(1 − β)k
Pondo α = 1/(1 − β) para simplificar a escrita, obtém-se

x(k) = Aαk , (5.4)

onde a constante A se pode determinar partindo de condições iniciais (notar


que A = x(0)). Isto significa que a solução de (5.3) é uma função exponencial,
de variável discreta. Notar que a substituição α = eγ conduz a

x(k) = Aeγk .

A resposta de qualquer sistema linear invariante no tempo ao sinal a(k) será


por isso
y(k) = Bαk = Beγk , (5.5)
como se pode ver por um processo inteiramente semelhante ao que seguimos
para sinais analógicos.

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5.5 Escolha de exponenciais para expansões 103

Confirmamos assim que, à semelhança do que se passava para os sinais


analógicos, a resposta de um sistema linear invariante no tempo a um si-
nal exponencial é um sinal exponencial semelhante ao primeiro, a menos de
um factor constante multiplicativo (ganho), que poderá eventualmente ser
complexo, e por isso dar origem também a uma mudança de fase.
Exprimiremos a propriedade de invariância dos sinais exponenciais de
variável discreta quando sujeitos à acção de um sistema linear invariante no
tempo dizendo que eles são funções próprias desses sistemas.

5.5 Escolha de exponenciais para expansões


Nesta secção definiremos um conjunto de sinais analógicos e um outro con-
junto de sinais digitais de grande importância. Defendemos que estes conjun-
tos de sinais são especialmente apropriados para a expansão de sinais tendo
em vista a análise de sistemas lineares invariantes no tempo. É com base
nestes conjuntos de sinais que se definem duas das peças fundamentais para
a análise dos sistemas e sinais analógicos e digitais: a série e a transformação
de Fourier clássicas, e a série de Fourier discreta.
Iniciemos então o processo de busca desses conjuntos de sinais. O facto de
sabermos que as funções próprias dos sistemas lineares invariantes no tempo
são exponenciais sugere a procura de processos de exprimir sinais analógicos
em termos de exponenciais

ei (t) = Ai esi t ,

ou de sinais digitais em termos de exponenciais

ei (k) = Ai esi k ,

onde Ai e si designam constantes complexas a determinar, e que podem ser


diferentes num caso e noutro (apesar disso usamos as mesmas letras para não
complicar a notação).
Pretendemos poder exprimir qualquer sinal f de interesse como com-
binação linear dos sinais ei . Para sinais analógicos a expansão será por isso
da forma ! !
f (t) = αi ei (t) = αi Ai esi t ,
i i

enquanto que, para sinais digitais, teremos


! !
f (k) = αi ei (k) = αi Ai esi k .
i i

103
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.5 Escolha de exponenciais para expansões 104

Voltamos a insistir que as constantes complexas Ai e si poderão ser distintas


num caso e noutro.
Em qualquer dos casos o cálculo dos coeficientes αi deverá ser fácil de
efectuar, ou a utilidade prática da expansão ficaria seriamente comprometida.
A resposta de um sistema H, linear e invariante no tempo, a um sinal f
poder-se-ia então determinar através da expressão
" #
!
Hf = H αi ei
i
!
= αi H[ei ]
i
!
= αi λi ei ,
i

onde os λi traduzem o efeito do sistema H sobre a exponencial ei , e não


dependem de f . Note-se como o raciocı́nio é válido para os casos analógico
e digital, e como depende do facto dos sinais exponenciais serem funções
próprias de H.
Como veremos em seguida, os conjuntos de exponenciais mais adequados
para que o cálculo dos coeficientes αi seja de facto simples são os conjuntos de
exponenciais ortonormais. Explicitaremos os necessários processos computa-
cionais, e veremos qual o papel que o conceito de “projecção” desempenha
nesses processos.
Sublinhamos que muitos dos resultados que se seguem são válidos para
outros conjuntos de sinais ortonormais além dos sinais exponenciais. O nosso
interesse nas exponenciais resulta somente do facto de serem estas as funções
próprias dos sistemas lineares invariantes no tempo, em cujo estudo estamos
particularmente interessados.

5.5.1 Uso da ortonormalidade


Consideremos de novo as expansões de vectores segundo uma base ortonor-
mal, tal como se estudam na álgebra linear. Sejam

e0 , e1 , . . . , en−1 (5.6)

n vectores ortonormais (isto é, com norma ou comprimento igual à unidade,


e ortogonais dois a dois).
A importância da ortonormalidade reside no facto de permitir calcular fa-
cilmente os coeficientes da expansão de qualquer vector que se possa exprimir
como combinação linear de elementos da base. Lembremos como.

104
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.5 Escolha de exponenciais para expansões 105

Seja x um vector qualquer, e procuremos n coeficientes αi tais que


n−1
!
x= αi ei . (5.7)
i=0

Recordamos que x e os n elementos ei são vectores, enquanto que os αi são


escalares (reais ou complexos).
Qual será a projecção de x sobre um determinado vector da base, por
exemplo, e0 ? A projecção de x sobre e0 é obviamente um vector da forma βe0 ,
uma vez que tem a direcção de e0 , mas, eventualmente, comprimento dife-
rente. Como os ei são perpendiculares dois a dois, os vectores e1 , e2 , . . . , en−1
são perpendiculares a e0 . Logo, na expansão (5.7), o único termo com o qual
se pode identificar a projecção de x sobre e0 é o termo

α0 e0 .

Mas então α0 deverá ser o comprimento do vector “projecção de x sobre


e0 ”. Mais precisamente, tomando o produto interno de x com e0 , e usando a
ortogonalidade dos ei ,
n−1
!
%x, e0 & = αi %ei , e0 & = α0 %e0 , e0 &,
i=0

Como os ei são ortornormais, a norma de e0 é unitária, $e0 $2 = %e0 , e0 & = 1,


pelo que
α0 = %x, e0 &.
O raciocı́nio é o mesmo para outro qualquer dos vectores ei , e o resultado é
a seguinte conclusão.

O i-ésimo coeficiente da expansão de x em termos dum conjunto


de vectores ortonormais obtém-se projectando x sobre o i-ésimo
elemento desse conjunto.

É este o resultado que pretendı́amos. Apesar de, durante o percurso efectu-


ado, não termos sido sempre matematicamente rigorosos, chegámos a uma
conclusão válida e que nos pode orientar na busca de soluções para o pro-
blema da expansão de sinais analógicos ou digitais em termos de um conjunto
de sinais ei .

105
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.5 Escolha de exponenciais para expansões 106

5.5.2 O caso digital


A expansão é definida por
n−1
!
f (k) = αi ei (k),
i=0

onde os ei (k) são sinais digitais exponenciais definidos por

ei (k) = Ai esi k .

Estamos interessados em expandir sinais com um número finito de amostras,


que podemos numerar de 0 a N − 1, por exemplo.
O problema que se levanta agora é determinar as constantes A i e si que
definem cada uma das exponenciais, por forma a que o conjunto resultante
seja ortonormal. Importa ainda resolver o problema do cálculo das projecções
do sinal f (k) sobre cada um dos ei (k). Este último problema é importante
porque as projecções são, como já vimos, os coeficientes αi . Finalmente,
interessa ainda determinar o número de exponenciais distintas necessárias à
expansão de qualquer sinal f (k). Abordaremos estes problemas em seguida.

A expansão e os coeficientes
No caso digital, a expansão de um sinal f (k) definido para 0 ≤ k < N fica
assegurada por ! !
f (k) = αi ei (k) = αi Ai esi k .
i i

Utilizando os conceitos geométricos anteriormente expostos, e admitindo que


os ei (k) são ortonormais, o valor das constantes αi fica determinado pelas
projecções do sinal f (k) sobre cada uma das exponenciais ei (k), ou seja,
N
! −1
αi = f (k)e∗i (k).
k=0

Notem-se os limites do somatório, compatı́veis com a convenção que escolhe-


mos para a numeração das amostras.

As constantes Ai e si
Seja N um inteiro fixo, positivo, e consideremos os dois sinais exponenciais
a e b definidos por
a(k) = Aeαk ,

106
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.5 Escolha de exponenciais para expansões 107

b(k) = Beβk .
Sabemos que o produto interno destes dois sinais é dado por
N
! −1
%a, b& = a(k) b(k)∗ ,
k=0

e pretendemos determinar A e B, bem como α e β, de forma a que os sinais


sejam ortogonais, isto é, de forma que se tenha %a, b& = 0. É impossı́vel
obter a ortogonalidade se α e β forem reais, uma vez que as exponenciais de
expoente real têm sempre valores positivos. Por isso iremos assumir desde já
que α e β são complexos. A hipótese mais simples corresponde a tomar

a(k) = Aejαk ,

b(k) = Bejβk ,
isto é, exponenciais complexas cujo argumento é um imaginário puro.
Para que a e b possam vir a integrar um conjunto ortonormal de sinais
interessa ainda que $a$ = $b$ = 1. Esta condição é fácil de satisfazer, uma
vez que
N
! −1
2
$a$ = %a, a& = Aejαk A∗ e−jαk ,
k=0

ou seja,
N
! −1
2
$a$ = |A|2 = N |A|2 .
k=0

Vemos que basta tomar √ A = 1/ N para que $a$ = 1. Naturalmente, to-
mando B = A = 1/ N conduz a $b$ = 1, o que resolve esta primeira
questão.
Calculando agora %a, b&, tentemos determinar a condição que α e β devem
satisfazer para que a ortogonalidade se verifique:
N
! −1
%a, b& = Aejαk B ∗ e−jβk
k=0
N
! −1
1
= ej(α−β)k
N k=0
N
! −1
1
= rk ,
N k=0

107
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5.5 Escolha de exponenciais para expansões 108

onde para simplificar a escrita se pôs r = ej(α−β) . Se α = β, vem %a, b& = 1.


Mas quando α = β tem-se a = b e %a, b& = $a$2 = $b$√ 2
, pelo que não se chega
a nada de novo (já vimos anteriormente que A = 1/ N conduz a $a$ = 1).
Quando α += β tem-se r += 1, e o produto interno de a(k) e b(k) pode
calcular-se aplicando a expressão para a soma de uma progressão geométrica.
Isto conduz a
1 1 − rN
%a, b& = ,
N 1−r
uma expressão que se anula se

rN = ej(α−β)N = 1.

Isto significa que α − β deve ser um múltiplo de 2π/N . Se definirmos um


conjunto de N sinais ei (0 ≤ i < N ) através de
1 2π
ei (k) = √ ej N ik ,
N
obtemos uma base ortonormal, uma vez que
N −1 N −1
'
! ! 1 2π 1 2π 1, se µ = ν,
eµ (i)e∗ν (i) = √ ej N µi √ e−j N νi =
i=0 i=0
N N 0, se µ += ν.

O número de sinais exponenciais necessários


Cada ei é um vector num espaço de dimensão N , e um espaço de dimensão N
contém exactamente N vectores ortogonais. Logo, o número de exponenciais
necessárias para a expansão de qualquer sinal com N amostras é, no máximo,
N.
As exponenciais digitais ei (k) são periódicas em k, com perı́odo N , isto
é,
ei (k + N ) = ei (k).
Assim, por exemplo,

ei (−1) = ei (N − 1),
ei (N ) = ei (0),
ei (N + 1) = ei (1).

Note-se que, apesar de não existir nada que nos impeça de considerar

e0 (k), e1 (k), e2 (k), . . . , ei (k), . . .

108
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5.5 Escolha de exponenciais para expansões 109

para qualquer i ∈ , não há nisso qualquer vantagem uma vez que
e−1 (k) = eN −1 (k),
e0 (k) = eN (k),
e1 (k) = eN +1 (k),
para dar apenas três exemplos. Por outras palavras, as exponenciais e i (k)
apresentam periodicidade tanto em i, tal como em k, com perı́odo N . Note-se
que
1 2π
ei (k) = √ ej N ik = ek (i),
N
ou seja, ei (k) depende de i da mesma forma que depende de k.
O número de sinais exponenciais digitais ei (k) distintos
1 2π
ei (k) = √ ej N ik
N
que se obtém quando i toma valores inteiros quaisquer, positivos ou negativos,
é exactamente N .

5.5.3 O caso analógico


Estamos interessados na expansão
!
f (t) = αi ei (t),
i

onde
ei (t) = Ai esi t .
Temos de assegurar a ortonormalidade dos sinais ei (t) escolhendo adequada-
mente as constantes Ai e si . Conseguido isto, o cálculo dos coeficientes αi
poderá ser conseguido à custa do cálculo das projecções do sinal f (t) sobre
cada um dos ei (t). Interessa ainda determinar o número de exponenciais
necessárias à expansão de f (t). Abordaremos estes problemas em seguida.

A expansão e os coeficientes
Utilizando os conceitos geométricos anteriormente expostos, e admitindo que
as funções ei (t) são ortonormais num dado intervalo I, o valor dos coefici-
entes αi fica determinado pelas projecções do sinal f (t) sobre cada uma das
exponenciais ei (t), ou seja,
$
αi = f (t)e∗i (t) dt.
I

109
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5.5 Escolha de exponenciais para expansões 110

Como confirmação podem calcular-se os coeficientes αi partindo da expansão


!
f (t) = αi ei (t),
i

multiplicando ambos os membros da igualdade por e∗k (t), e integrando sobre


I, de forma a poder utilizar a condição de ortonormalidade. Esta ideia conduz
a
$ $ "! #
f (t)e∗k (t) dt = αi ei (t) e∗k (t) dt
I I i
! $
= αi ei (t)e∗k (t) dt
i I
= αk .

Isto não é mais do que formar o produto interno de f (t) com uma das funções
ei (t), tal como fizemos atrás. Chega-se assim às equações
!
f (t) = αi ei (t), (5.8)
i
$
αi = f (t)e∗i (t) dt, (5.9)
I

que evidenciam a forma como se pode proceder à expansão de f (t) e ao


cálculo dos coeficientes αi .
Note-se que as expressões (5.8) e (5.9) são válidas independentemente
da natureza particular das funções ei (t), uma vez que para as obter usámos
apenas a propriedade da ortonormalidade.

As constantes Ai e ci
Consideremos agora dois sinais exponenciais a e b definidos por

a(t) = Aeαt ,

b(t) = Beβt .
Consideremos que t pode variar num intervalo finito I conhecido, de compri-
mento T . O produto interno dos sinais a e b é dado por
$
%a, b& = a(t)b(t)∗ dt,
I

110
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5.5 Escolha de exponenciais para expansões 111

e o nosso objectivo é determinar A e B, bem como α e β, de forma a que os


sinais sejam ortogonais, isto é, de forma que se tenha %a, b& = 0. Tal como no
caso digital, também neste caso é impossı́vel obter a ortogonalidade se α e β
forem reais, uma vez que as exponenciais de expoente real têm sempre valor
positivo. Por isso iremos assumir desde já, tal como anteriormente, que α e
β são complexos. Também neste caso a hipótese mais simples corresponde a
tomar
a(t) = Aejαt ,
b(t) = Bejβt ,
isto é, exponenciais complexas cujo argumento é um imaginário puro.
Para que a e b possam vir a integrar um conjunto ortonormal de sinais
interessa ainda que $a$ = $b$ = 1. Esta condição é fácil de satisfazer, uma
vez que $
$a$2 = %a, a& = Aejαt A∗ e−jαt dt
I
ou seja, $
2
$a$ = |A|2 dt = T |A|2 .
I

Logo, basta √tomar A = 1/ T para que $a$ = 1. Naturalmente, tomando
B = A = 1/ T conduz a $b$ = 1, o que resolve esta primeira questão.
Calculando agora %a, b&, tentemos determinar a condição que α e β devem
satisfazer para que a ortogonalidade em I = [r, r + T ] se verifique:
$
%a, b& = Aejαt B ∗ e−jβt dt
I
$
1
= ej(α−β)t
T I
% &t=r+T
1 ej(α−β)t
=
T j(α − β) t=r
1 ( )
= ej(α−β)r ej(α−β)T − 1 .
j(α − β)T
O caso α = β foi já discutido. Corresponde a ter a = b e %a, b& = $a$2 = $b$2 .
Quando α += β, a expressão para %a, b& anula-se se
ej(α−β)T = 1,
ou seja, se α − β for um múltiplo de 2π/T . Se definirmos um conjunto de
sinais ei (t) (i ∈ ) através de
1 2π
ei (t) = √ ej T it ,
T

111
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5.5 Escolha de exponenciais para expansões 112

obtemos um conjunto funções ortonormais, tendo-se


$ $ '
1 2π 1 2π 1, se µ = ν,
eµ (t)e∗ν (t) dt = √ ej T µt √ e−j T νt =
I I T T + ν.
0, se µ =

É instrutivo comparar esta relação com a que se tem para o caso de expo-
nenciais de variável discreta
1 2π
eµ (i) = √ ej N µi .
N
O resultado em causa é
N −1 N −1
'
! ! 1 2π 1 2π 1, se µ = ν,
eµ (i)e∗ν (i) = √ ej N µi √ e−j N νi =
i=0 i=0
N N 0, se µ += ν,

cuja semelhança com o caso que agora discutimos é clara, sobretudo se se


tomar I = [0, T ]:
$ T $ T '
1 2π 1 2π 1, se µ = ν,
eµ (t)e∗ν (t) dt = √ ej T µt √ e−j T νt =
0 0 T T 0, se µ += ν.

O número de sinais exponenciais necessários


Neste caso, como o espaço dos sinais de energia finita num intervalo I,
L2 (I), tem obviamente dimensão infinita, o número de sinais exponenciais
necessários para proceder à expansão de um qualquer desses sinais é, em
geral, infinito.
Existem diferenças importantes entre os dois conjuntos ortonormais de
sinais exponenciais mencionados, ou sejam
1 2π
ek (t) = √ ej T kt ,
T
1 j 2π ki
ek (i) = √ e N .
N
Para expandir qualquer sinal definido num intervalo I de medida T só é
preciso conhecer o valor dos sinais ek (t) para t ∈ I. Mas como estes são
de facto periódicos com perı́odo T , podemos considerá-los definidos para
qualquer real t, à custa desta periodicidade. Note-se também que o número
de sinais ek (t) distintos é claramente infinito. Qualquer dos

e0 (t), e1 (t), e2 (t), . . . , ei (t), . . .

112
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
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5.6 Resumo: a série de Fourier discreta 113

é diferente dos restantes. Em particular, e0 (t) é constante, e1 (t) é periódico


com perı́odo T , e2 (t) com perı́odo T /2, e, em geral, ek (t) tem perı́odo T /k.
Esta situação contrasta com a que ocorre no caso digital, em que o número
de exponenciais ortornormais distintas é finito e igual a N .

5.6 Resumo: a série de Fourier discreta


As equações
N −1
1 ! 2π
f (k) = √ αi ej N ik , (5.10)
N i=0
N −1
1 ! 2π
αi = √ f (k)e−j N ki , (5.11)
N k=0
definem a expansão do sinal f (k) em série de Fourier discreta.
Só é necessário conhecer o sinal f (k) para 0 ≤ k < N para proceder à
sua expansão. Contudo, a soma
N −1
1 ! 2π
√ αi ej N ik
N i=0
está definida para qualquer k inteiro, e é periódica em k, com perı́odo N .
Logo, só temos
N −1
1 ! 2π
f (k) = √ αi ej N ik
N i=0
para qualquer inteiro k se f (k) for à partida uma função periódica com
perı́odo N .
Os sinais exponenciais são funções próprias dos sistemas digitais linea-
res invariantes no tempo. A expressão (5.10) permite representar um sinal
definido para 0 ≤ k < N como combinação linear de exponenciais, e como
tal facilita o cálculo das respostas de sistemas lineares invariantes no tempo.
Tomemos, como anteriormente, um sinal f (k) para entrada de um sistema H
linear e invariante no tempo. Exprimindo f (k) através de (5.10), e usando
a linearidade do sistema H, chega-se às seguintes equações para a resposta
g(k) = H[f (k)]:
g(k) = H[f (k)]
" #
!
= H αi ei (k)
i
!
= αi H[ei (k)].
i

113
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5.7 Resumo: a série de Fourier clássica 114

Como as exponenciais são funções próprias de H, a resposta ao sinal



ei (k) = ej N ik

é um sinal da forma λi ei (k), onde λi designa uma constante complexa apro-


priada que depende da natureza do sistema H. Isto permite escrever
!
g(k) = H[f (k)] = λi αi ei (k),
i

e significa que a resposta do sistema H ao sinal f (k), com coeficientes de série


de Fourier discreta αi , se obtém multiplicando cada αi por uma constante λi .
Cada uma destas constantes, que se podem determinar experimentalmente,
traduz o efeito do sistema sobre um dos sinais exponenciais periódicos e i (k).

5.7 Resumo: a série de Fourier clássica


Os resultados anteriores conduziram-nos às equações
+∞
1 ! 2π
f (t) = √ αi ej T it , (5.12)
T i=−∞
$ T
1 2π
αi = √ f (t)e−j T it dt, (5.13)
T 0
que definem a expansão de uma função f (t) em série de Fourier no intervalo
[0, T ].
Só é necessário conhecer a função f (t) no intervalo [0, T ] para proceder à
sua expansão. Contudo, a soma da série
! 2π
s(t) = αi ej T it ,
i

que está definida para qualquer t real, é periódica com perı́odo T . Logo, só
se pode ter ! 2π
f (t) = αi ej T it
i

para qualquer t real se f (t) for à partida uma função periódica com perı́odo
T.
Os sinais exponenciais são funções próprias dos sistemas lineares invarian-
tes no tempo, isto é, a resposta de um desses sistemas a um sinal exponencial
é ainda um sinal exponencial. A expressão (5.12) permite representar um si-
nal definido no intervalo [0, T ] como combinação linear de exponenciais, e

114
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5.8 Exemplos 115

como tal facilita o cálculo das respostas de sistemas lineares invariantes no


tempo. Mais precisamente, seja f (t) um sinal aplicado à entrada de um sis-
tema H linear e invariante no tempo. Exprimindo f (t) através de (5.12), e
usando a linearidade do sistema H, chega-se às seguintes equações para a
resposta g(t) = H[f (t)]:
g(t) = H[f (t)]
" #
!
= H αi ei (t)
i
!
= αi H[ei (t)].
i

Como as exponenciais são funções próprias de H, a resposta ao sinal



it
ei (t) = ej T
é um sinal da forma λi ei (t), onde λi designa uma constante complexa apro-
priada que depende da natureza do sistema H. Isto permite então escrever
!
g(t) = H[f (t)] = λi αi ei (t),
i

e significa que a resposta do sistema H a um sinal f (t) com coeficientes de


série de Fourier αi se obtém multiplicando cada αi por uma constante λi .
Cada uma destas constantes, que se pode determinar experimentalmente,
traduz o efeito do sistema sobre um sinal exponencial periódico e i (t) de
frequência 2πi/T .

5.8 Exemplos
Considere-se o sinal definido por


 +π/4 se 0 < t ≤ π,
f (t) = 0 se t = 0, (5.14)


−π/4 se − π ≤ t < 0.
Determinemos os coeficientes cn da sua expansão em série de Fourier no
intervalo [−π, π].
É fácil ver que c0 é zero, porque o valor médio de f (t) é zero. Os restantes
coeficientes cn são dados por
$ +π
e−jnt
cn = f (t) √ dt
−π 2π

115
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5.8 Exemplos 116

0.8 f(x)
sin(x)
sin(3x)/3
0.6 sin(5x)/5
sin(x)+sin(3x)/3+sin(5x)/5

0.4

0.2

-0.2

-0.4

-0.6

-0.8

-1
-3 -2 -1 0 1 2 3

Figura 5.4: Os três primeiros termos da série de Fourier do sinal f (t) definido
por (5.14), e a respectiva soma.

π $
π sin nt
= −2j √ dt
0 4 2π
√ $ π

= sin nt dt
4j 0

2π 1 − cos nπ
= .
4j n
Logo, '
0 n par,
cn = √
2π 2
4j n
n ı́mpar.
A expansão de f (t) é

! 2π 2 ej(2k+1)t
f (t) = √
k∈
4j 2k + 1 2π
1 ! 1
= ej(2k+1)t
2j k∈ 2k + 1
+∞
1 ! 1 ( j(2k+1)t )
= e − e−j(2k+1)t
2j k=0 2k + 1

116
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5.8 Exemplos 117

1 1

0.8 0.8

0.6 0.6
f(t) f(t)
0.4 1 0.4 3

0.2 0.2

0 0

-0.2 -0.2

-0.4 -0.4

-0.6 -0.6

-0.8 -0.8

-1 -1
-3 -2 -1 0 1 2 3 -3 -2 -1 0 1 2 3
1 1

0.8 0.8

0.6 0.6
f(t) f(t)
0.4 13 0.4 25

0.2 0.2

0 0

-0.2 -0.2

-0.4 -0.4

-0.6 -0.6

-0.8 -0.8

-1 -1
-3 -2 -1 0 1 2 3 -3 -2 -1 0 1 2 3

Figura 5.5: Somas parciais da série de Fourier do sinal f (t) definido por
(5.14), incluindo harmónicos de frequências 1, 2, 7 e 13 vezes a frequência
fundamental.
+∞
1 ! 1 ( j(2k+1)t )
= e − e−j(2k+1)t
2j k=0 2k + 1
+∞
! sin(2k + 1)t
= .
k=0
2k + 1

Neste caso a soma da série é a função f (t), pelo que a utilização do sinal de
igual se justifica.
Como vemos, os coeficientes cn de ı́ndice n par são nulos, e a expansão
só contém harmónicos cuja frequência é um múltiplo ı́mpar da frequência
fundamental.
As somas parciais da série de Fourier de f (t) são definidas por
n
! sin(2k + 1)t
s2n+1 (t) = .
k=0
2k + 1

Constituem uma aproximação a f (t), realizada à custa da sobreposição de

117
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5.8 Exemplos 118

0.8

0.6
f(t)
5
0.4 13
25
0.2

-0.2

-0.4

-0.6

-0.8

-1
-3 -2 -1 0 1 2 3

Figura 5.6: Somas parciais da série de Fourier do sinal f (t) definido por
(5.14), incluindo harmónicos de frequências 5, 13 e 25 vezes a frequência
fundamental.

harmónicos até 2n + 1 vezes a frequência fundamental (figuras 5.4, 5.5 e 5.6).


Os erros de aproximação, isto é, as diferenças entre as somas parciais e o
sinal f (t),
e2n+1 (t) = s2n+1 (t) − f (t),
são ilustrados nas figuras 5.7 e 5.8.
As figuras comprovam um fenómeno curioso: a qualidade das aproximações
aumenta à medida que aumenta o número de harmónicos utilizados, pelo me-
nos do ponto de vista subjectivo, mas a amplitude máxima das aproximações
permanece aproximadamente constante. Isto é bem visı́vel na figura 5.6, e
constitui o fenómeno de Wilbraham-Gibbs.
As figuras 5.7 e 5.8 também evidenciam este fenómeno. De facto, a am-
plitude máxima do sinal erro não decresce quando aumenta o número de
harmónicos utilizados para construir as aproximações. Contudo, a medida
dos conjuntos onde a aproximação é má decresce de facto quando aumenta o
número de harmónicos. Isto conduz a um decréscimo da a energia ou norma
L2 do sinal erro, e aponta para um resultado que provaremos posteriormente:
a série de Fourier de um sinal pertencente a L2 (de energia finita, portanto),
converge na norma de L2 (ou seja, a energia do sinal de erro tende para zero

118
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.9 Relação entre as séries de Fourier clássica e discreta 119

0.8 0.8
1 3
0.6 0.6

0.4 0.4

0.2 0.2

0 0

-0.2 -0.2

-0.4 -0.4

-0.6 -0.6

-0.8 -0.8
-3 -2 -1 0 1 2 3 -3 -2 -1 0 1 2 3
0.8 0.8
13 25
0.6 0.6

0.4 0.4

0.2 0.2

0 0

-0.2 -0.2

-0.4 -0.4

-0.6 -0.6

-0.8 -0.8
-3 -2 -1 0 1 2 3 -3 -2 -1 0 1 2 3

Figura 5.7: Diferença entre as somas parciais da série de Fourier do sinal


f (t), definido por (5.14), e o próprio sinal, para somas parciais constituı́das
por harmónicos de frequências 1, 2, 7 e 13 vezes a frequência fundamental.

à medida que se somam mais e mais termos da série).


As séries de Fourier podem também ser utilizadas para a filtragem de
sinais. Considere-se o seguinte problema: um sinal f (t) é transmitido por
um canal de comunicação, e no receptor capta-se f (t) somado a um sinal
indesejável (uma sinusóide de frequência 50 Hz, de amplitude e fase desco-
nhecidas). O problema é estimar o sinal f (t).
A figura 5.9 ilustra o processo de filtragem.

5.9 Relação entre as séries de Fourier clássica


e discreta
Nesta secção mostraremos que as expressões (5.10) e (5.11), que definem a
série de Fourier discreta, surgem de modo natural num outro contexto, o do
cálculo dos coeficientes da série de Fourier clássica, para funções de variável

119
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.9 Relação entre as séries de Fourier clássica e discreta 120

0.8
5
13
25
0.6

0.4

0.2

-0.2

-0.4

-0.6

-0.8
-3 -2 -1 0 1 2 3

Figura 5.8: Diferença entre as somas parciais da série de Fourier do sinal


f (t) definido por (5.14) e o próprio sinal, para somas parciais constituı́das
por harmónicos de frequências 5, 13 e 25 vezes a frequência fundamental.

contı́nua.
Para tal lembremos que a série de Fourier para uma função f (t) definida
em [0, T ] é da forma
+∞
1 ! 2π
f (t) = √ αi ej T it ,
T i=−∞
sendo os coeficientes αi dados por
$ T
1 2π
αi = √ f (t)e−j T it dt.
T 0
Na prática, o cálculo do integral só pode ser efectuado de modo aproximado,
o que se pode fazer de forma simples considerando expressões do tipo
N −1
1 ! 2π
αi ≈ √ f (tk )e−j T itk ∆tk ,
T k=0
onde ∆tk = tk+1 −tk . O processo mais imediato de efectuar esta aproximação
é tomar os N pontos tk equidistantes em [0, T ], ou seja, fazer
kT
tk = = kTa , ∆tk = Ta ,
N
120
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.9 Relação entre as séries de Fourier clássica e discreta 121

0.9

0.8

0.7

0.6

0.5

0.4

0.3

0.2

0.1

0
0 100 200 300 400 500
1.6
1.4
1.2

1
0.8

0.6
0.4

0.2
0

-0.2
-0.4

-0.6
0 100 200 300 400 500
0.9

0.8

0.7

0.6

0.5

0.4

0.3

0.2

0.1

0
0 100 200 300 400 500

Figura 5.9: Exemplo de filtragem utilizando a série de Fourier. Em cima, o


sinal original. Ao meio, o mesmo sinal somado a uma sinusóide de 50 Hz, de
amplitude e fase desconhecidas. Em baixo, o resultado da filtragem.

121
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Notação unificada 122

onde Ta designa o perı́odo de amostragem T /N . Isto conduz a


√N −1
T ! 2π
αi ≈ f (kTa )e−j T ikTa
N k=0
√ N −1
T ! 2π
= f (kTa )e−j N ik . (5.15)
N k=0

A semelhança entre esta expressão e (5.11), que dá os coeficientes da série


de Fourier discreta, é flagrante.
A figura 5.10 mostra alguns exemplos de aproximações usando a série de
Fourier discreta. Um dos exemplos utiliza um sinal digital que é uma versão
amostrada do sinal definido por (5.14). O sinal digital utilizado nas outras
figuras é aleatório. Normalmente, não se utilizam somas parciais da série de
Fourier discreta, uma vez que esta, ao contrário da série de Fourier clássica,
tem sempre um número finito de termos.
Convém sublinhar uma diferença fundamental entre a série de Fourier
clássica e discreta. Na expressão (5.12), que define a expansão em série
de Fourier clássica do sinal f (t), o ı́ndice i pode assumir qualquer valor
inteiro i ∈ , sendo os coeficientes αi , dados por (5.13), em geral, distintos
para cada i. A equação (5.11), que fornece os coeficientes αi da série de
Fourier discreta, mostra que estes satisfazem, devido à forma da exponencial
complexa, a relação
αi+N = αi ,
ou seja, não existem mais de N coeficientes distintos. Isto está de acordo
com as conclusões anteriores, e com o facto do espaço agora considerado
ter dimensão finita N . Note-se que o espaço de funções em que (5.12) tem
significado possui obviamente um número infinito de dimensões.
Se quisermos utilizar os αi fornecidos pela equação (5.11) como versões
aproximadas dos coeficientes αi da série de Fourier clássica, temos de nos
lembrar que a aproximação que nos conduziu de (5.12) a (5.15) se tornará
necessariamente bastante inexacta para valores de i suficientemente elevados,
já que conduz a coeficientes αi que se repetem periodicamente.

5.10 Notação unificada


As expressões para a série de Fourier para funções de variável contı́nua
+∞
1 ! 2π
f (t) = √ αi ej T it , 0 ≤ t ≤ T,
T i=−∞

122
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Notação unificada 123

1.5 1
original
1
1 0.8

0.5 0.6

0 0.4

-0.5 sinal 0.2


1
2
15
-1 0

-1.5 -0.2
0 10 20 30 40 50 60 70 0 10 20 30 40 50 60 70
1 1
original original
10 18
0.8 0.8

0.6 0.6

0.4 0.4

0.2 0.2

0 0

-0.2 -0.2
0 10 20 30 40 50 60 70 0 10 20 30 40 50 60 70

Figura 5.10: Aproximações com a série de Fourier discreta. Em cima,


à esquerda: aproximações baseadas em somas parciais da série de Fourier
discreta a um sinal digital que é uma versão amostrada do sinal definido por
(5.14). O sinal digital utilizado nas outras figuras é aleatório.

$ T
1 2π
αi = √ f (t)e−j T it dt, i∈ ,
T 0
e as expressões para a série de Fourier discreta,
N −1
1 ! 2π
f (k) = √ αi ej N ik , 0 ≤ k < N,
N i=0
N −1
1 ! 2π
αi = √ f (k)e−j N ki , 0 ≤ i < N,
N k=0
podem representar-se de maneira simples utilizando uma notação para o
produto interno de dois sinais que seja independente da sua natureza discreta
ou contı́nua. Isto equivale a ultrapassar um pouco a natureza especı́fica
dos sinais, concentrando a nossa atenção nos aspectos essenciais puramente
geométricos.

123
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Notação unificada 124

O conceito fundamental nas expansões deste tipo é, como vimos, o de


produto interno, através do qual se define ortonormalidade. Designemos o
produto interno de dois sinais a e b, ambos de variável discreta, ou ambos de
variável contı́nua, pela notação %a, b&. Seja bi um conjunto de sinais ortonor-
mais, e que portanto satisfazem
'
1, se i = j,
%bi , bj & =
0, se i += j.

Admita-se que estes sinais são suficientes para gerarem, por meio de com-
binações lineares, qualquer outro sinal em que haja interesse. Diz-se então
que formam uma base. Se o conjunto dos sinais de interesse tiver dimensão
finita, a base conterá apenas um número finito de elementos. Caso contrário,
a base terá necessariamente cardinal infinito.
Para expandir um sinal a em termos da base procede-se do modo que
anteriormente vimos, ou seja, calcula-se a projecção de a sobre cada elemento
bi da base, e somam-se essas contribuições. A projecção de a em bi é dada
por %a, bi &bi , o que justifica a expansão
!
a= %a, bi &bi .
i

Esta expressão pode desdobrar-se em duas,


!
a= αi b i (5.16)
i

αi = %a, bi & (5.17)


onde o coeficiente αi é o produto interno do sinal a com o i-ésimo elemento
da base.
É claro que é possı́vel extrair destas relações gerais a série de Fourier para
sinais de variável discreta ou contı́nua. Basta exibir os sinais ortonormais,
que são já conhecidos,
1 2π
bi (k) = √ ej N ik , 0 ≤ i < N, 0 ≤ k < N,
N
1 2π
bi (t) = √ ej T it , i∈ , 0 ≤ t ≤ T,
T
que representamos pelo mesmo sı́mbolo para simplificar, uma vez que não
julgamos haver perigo de confusão. De acordo com as dimensões dos espaços,
as bases possuem um número finito ou infinito de elementos. Note-se que os

124
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Notas 125

bi (k) são bases para espaços vectoriais de dimensão N , ou seja, adequados


para sinais de N amostras, definidos para 0 ≤ k < N . Por seu lado, os b i (t)
são bases para espaços de funções de variável contı́nua, definidas em [0, T ],
As definições de produto interno para vectores de n e para sinais de
energia finita foram já dadas (ver secção 5.2 “Preliminares geométricos”).
Podemos utilizá-las agora, de acordo com a natureza dos sinais a e b, para
espaços de sinais de dimensão finita ou infinita. Assim, temos



n−1
!

 a(i)b∗ (i),

%a, b& = i=0

 $ T


 a(t)b∗ (t) dt,
0

sendo os conjugados necessários apenas no caso de a e b poderem ser com-


plexos. É um exercı́cio simples verificar que estas definições, substituı́das em
(5.16) e (5.17), conduzem de facto às séries de Fourier previamente apresen-
tadas.

Notas
• O pioneiro das técnicas de análise de sinal hoje colectivamente desig-
nadas por “análise de Fourier” foi Joseph B. J. Fourier (1768-1830).
O seu trabalho principal sobre análise de Fourier foi provavelmente es-
crito em 1807, mas publicado apenas em 1822, devido à oposição de
Joseph-Louis Lagrange (1736-1813) e de outros eminentes matemáticos
da época. A ideia de exprimir funções sujeitas a condições muito pouco
restritivas por uma soma de funções contı́nuas e diferenciáveis (na ver-
dade, analı́ticas) pareceu a Lagrange, e a outros matemáticos de grande
reputação da altura, duvidosa.

• As funções
!
φjk (x) = 2j/2 φ(2j x − k), j, k ∈ ,
onde φ designa a função φ00 da figura 5.3, constituem a chamada base
de Haar , que foi estudada pelo matemático húngaro Alfred Haar (1885–
1933) na primeira década do século XX.

• Descobertas relativamente recentes levam a pensar que certos princı́pios


sofisticados da análise de Fourier discreta surgiram ainda antes das des-
cobertas de Fourier, e portanto da análise de Fourier contı́nua. Parece
ter sido o extraordinário matemático alemão Carl Friedrich Gauss quem

125
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Problemas 126

primeiro descobriu e utilizou o algoritmo de cálculo da DFT, conhecido


hoje por “fast Fourier transform”, ou FFT. O ano provável da desco-
berta de Gauss é 1805, mas o trabalho em causa viria a ser publicado
(postumamente) apenas em 1866. A motivação de Gauss era o cálculo
das órbitas de certos corpos celestes.
• A análise de Fourier clássica é amplamente tratada em todos os livros
sobre teoria de sistemas e sinais, quer a nı́vel avançado, quer a nı́vel
elementar. Veja-se, por exemplo, o livro de Bracewell (1986), ou o de
Papoulis (1987).
• Todos os livros sobre teoria de sistemas e sinais digitais dedicam também
considerável atenção à análise de Fourier discreta. São exemplos, neste
contexto, os livros de Antoniou (1979); Childers e Durling (1975); Den-
bigh (1998); Jackson (1991); Kuc (1988); Mitra (1998); Oppenheim e
Schafer (1975); Taylor (1994). Para mais informação bibliográfica ver
o capı́tulo 17.7 “Bibliografia comentada”.
• O fenómeno de Wilbraham-Gibbs parece ter sido notado pela primeira
vez por H. Wilbraham, em 1848. Foi trazido à atenção da comunidade
cientı́fica em consequência de observações realizadas em 1898 num ana-
lisador harmónico mecânico, construı́do por Michelson e Stratton. De-
pois de alguma polémica as observações de Michelson e Stratton foram
explicadas por J. Gibbs, em 1898 e 1899.
• Para mais pormenores acerca do fenómeno de Wilbraham-Gibbs, in-
cluindo diversos aspectos históricos, ver o trabalho de Gottlieb e Shu
(1997).

Problemas
5.1 Mostre que as funções representadas na figura 5.3 são ortogonais entre
si, apesar de terem “larguras” diferentes.
5.2 Prove que as funções definidas por
!
φjk (x) = 2j/2 φ(2j x − k), j, k ∈ ,
onde φ designa a função φ00 da figura 5.3, são ortonormais, isto é,
'
1, se j = $ e k = m,
%φjk , φ&m & =
0, noutros casos.
As funções φjk constituem a base de Haar .

126
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Problemas 127

5.3 Mostre que o integral $ a+T


f (t) dt
a
é independente de a quando f : → é uma função periódica com
perı́odo T .

5.4 Relacione a série de Fourier clássica e a série de Laurent. Sugestão:


considere a expansão em série de Laurent e faça z = ejθ .

5.5 Prove que os coeficientes αn da série de Fourier clássica de um sinal



real satisfazem αn = α−n .

5.6 Prove que os coeficientes αn da série de Fourier discreta de um sinal



real satisfazem αn = αN −n .

5.7 Prove que a expansão em série de Fourier do sinal real f (t) em t ∈


[−T /2, T /2]
1 ! 2π
f (t) = √ αk ej T kt ,
T k∈
onde $ T /2
1 2π
αk = √ f (t) e−j T kt
dt,
T −T /2

se pode pôr na forma


+∞ % . / . /&
α0 2 ! 2π 2π
f (t) = √ + √ ak cos kt − bk sin kt .
T T k=1 T T

Mostre que ak é a parte real de αk , enquanto que bk é o coeficiente da


sua parte imaginária, ou seja, αk = ak + jbk .

5.8 Mostre que os coeficientes ak e bk do problema anterior são dados por


$ T /2 . /
1 2π
ak = √ f (t) cos kt dt,
T −T /2 T
$ T /2 . /
1 2π
bk = − √ f (t) sin kt dt.
T −T /2 T

5.9 Prove que a série de Fourier clássica de um sinal real e par é uma série
de cosenos.

127
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Problemas 128

5.10 Prove que a série de Fourier clássica de um sinal real e ı́mpar é uma
série de senos.

5.11 Prove que a série de Fourier discreta de um sinal real com amostras
x0 , x1 , . . . xN −1 é uma série de cosenos se o sinal for par, isto é, se
xk = xN −k .

5.12 Prove que a série de Fourier discreta de um sinal real com amostras
x0 , x1 , . . . xN −1 é uma série de senos se o sinal for ı́mpar, isto é, se
xk = −xN −k .

5.13 Considere o sinal f (t) definido para qualquer real t por


'
1, se |t| ≤ 1,
f (t) =
0, se |t| > 1.

Calcule os coeficientes da expansão em série de Fourier de f (t) no


intervalo [−1, 1].

5.14 Idem, para o intervalo [−2, 2]. Compare com o resultado do exercı́cio
anterior e explique a diferença.

5.15 Considere o sinal f (k) definido para qualquer k ∈ por


'
1, se |k| ≤ M,
f (k) =
0, se |k| > M.

Calcule os coeficientes da expansão de f (k) em série de Fourier discreta


no intervalo [−M, M ].

5.16 Idem, para o intervalo [−2M, 2M ]. Compare com o resultado do exercı́cio


anterior e explique a diferença.

5.17 Expanda o sinal f (t) = sin(2πt) em série de Fourier no intervalo I =


[0, 1/2]. Diga em que subconjunto da recta real é que pode existir
igualdade entre f (t) e a soma da série de Fourier que calculou.

5.18 Expanda o sinal f (t) = sin(2πt) em série de Fourier no intervalo


I = [0, 1]. Diga em que subconjunto da recta real é que pode exis-
tir igualdade entre f (t) e a soma da série de Fourier que calculou.

5.19 Expanda o sinal f (t) = sin(2πt) em série de Fourier no intervalo


I = [0, 10]. Diga em que subconjunto da recta real é que pode existir
igualdade entre f (t) e a soma da série de Fourier que calculou.

128
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Problemas 129

5.20 Considere o desenvolvimento de f em série de Fourier clássica no in-


tervalo [0, T ), com coeficientes αk , k ∈ . Define-se a função g no
intervalo [0, 2T ) através da expressão
'
f (t), t ∈ [0, T ),
g(t) =
f (t − T ), t ∈ [T, 2T ).

Quais serão os coeficientes da expansão de g no intervalo [0, 2T )?

5.21 Considere o desenvolvimento de f (k) em série de Fourier discreta para


0 ≤ k < N , com coeficientes αk , 0 ≤ k < N . Define-se o sinal g(k)
para 0 ≤ k < 2N através da expressão
'
f (k), 0 ≤ k < N ),
g(k) =
f (k − N ), N ≤ k < 2N ).

Quais serão os coeficientes da expansão de g(k) em 0 ≤ k < 2N ?

5.22 Generalize o resultado dos dois problemas anteriores para o caso em


que g é definido em intervalos de medida M vezes superior à medida
inicial.

5.23 Intercalam-se zeros entre cada uma das N amostras do sinal f (k), cuja
série de Fourier discreta tem coeficientes αk , 0 ≤ k < N . Quais serão
os coeficientes do sinal de 2N amostras resultante?

5.24 Seja f um sinal com N amostras (considere que N é par). Sejam P e


I, respectivamente, o valor da soma das amostras de f com ı́ndice par
e ı́ndice ı́mpar. Mostre que f tem componente espectral nula a metade
da frequência de amostragem se e só se P = I.

5.25 Seja f um sinal com N amostras (N ı́mpar), f = {f (0), f (1), . . . , f (N −


1). Mostre que é sempre possı́vel acrescentar a f uma amostra f (N )
de valor tal que a componente espectral a metade da frequência de
amostragem do sinal de N + 1 amostras resultantes se anula.

5.26 Baseando-se nos resultados dos dois problemas anteriores diga como
pre-processar um sinal com N amostras de forma a poder posterior-
mente detectar qualquer erro que possa afectar uma das amostras.

5.27 Generalize os resultados dos problemas anteriores para se poder detec-


tar e corrigir mais do que um erro. Consulte Ferreira e Vieira (1997),
por exemplo.

129
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Problemas 130

5.28 Uma permutação definida no conjunto CN = {f0 , f1 , . . . , fN −1 } é uma


alteração da ordem dos N elementos de CN . Mostre que a permutação

{f (0), f (1), . . . , f (N − 1)} −→ {f (0), f (N − 1), f (N − 2), . . . , f (1)}

equivale à inversão do eixo do tempo f (k) → f (−k), para o conjunto


dos sinais digitais periódicos com N amostras.

5.29 Mostre que o efeito da inversão do eixo do tempo sobre os coeficientes da


série de Fourier discreta se traduz numa inversão do eixo da frequência,

{α0 , α1 , . . . , αN −1 } −→ {α0 , αN −1 , . . . , α1 }.

Por outras palavras: a inversão da ordem temporal de N amostras


conduz à inversão da ordem dos N coeficientes da respectiva série de
Fourier discreta, inversão essa efectuada segundo a mesma regra.

5.30 Altera-se a ordem das N amostras de um sinal f com coeficientes da


série de Fourier discreta αk , 0 ≤ k < N , por forma a obter um outro
sinal g. Seja σ a função tal que g(k) = f (σ(k)). Por exemplo, se a
permutação era uma inversão da ordem temporal das amostras, então
σ(0) = 0, σ(1) = N − 1, . . . , σ(N − 1) = 1. Existem permutações da
ordem de N amostras que se traduzem por uma permutação semelhante
dos N coeficientes da série de Fourier discreta (viu-se no problema
anterior que a inversão da ordem temporal é um exemplo). Mostre
que em geral essa propriedade se mantém se e só se σ(1) for uma raiz
quadrada da unidade módulo N . Sobre o efeito das permutações na
série de Fourier discreta veja-se Ferreira (1994).

5.31 O número de maneiras diferentes de permutar a ordem de N amos-


tras é N !. Contudo, o número de permutações que conduzem a uma
permutação semelhante da ordem dos coeficientes da série de Fourier
do sinal é muito inferior. Com base nos resultados apresentados em
Ferreira (1994) mostre que se

N = 2k0 pk11 pk22 · · · pkr r

existem 
 r
 2, k0 = 0, 1,
M= r+1
2 , k0 = 2,

 r+2
2 , k0 ≥ 3.
tais permutações.

130
Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

5.10 Problemas 131

5.32 Prove que para t ∈ (0, π) se tem



2 4 ! cos 2kt
sin t = − .
π π k=1 4k 2 − 1

5.33 Prove que para t ∈ (0, π) se tem



8 ! k sin 2kt
cos t = .
π k=1 4k 2 − 1

5.34 Prove que para t ∈ (−π, π) se tem


!∞
2 π2 cos kt
t = +4 (−1)k 2 .
3 k=1
k

5.35 Prove que para t ∈ (0, 2π) se tem


!∞ . /
2 4π 2 cos kt π sin kt
t = +4 2
− .
3 k=1
k k

5.36 Prove que para t ∈ (−π, π) se tem



2 sin πα ! sin kt
sin αt = (−1)k 2 ,
π k=1
α − k2

desde que α não seja inteiro.


5.37 Prove que para t ∈ (−π, π) se tem

sin πα 2α sin πα ! cos kt
cos αt = + (−1)k 2 ,
πα π k=1
α − k2

desde que α não seja inteiro.


5.38 Transmite-se uma onda quadrada de 1MHz de frequência por um canal
de transmissão que apresenta ganho unitário até 10MHz, e ganho zero
para frequências superiores. Trace a forma de onda que se obtém à
saı́da do transmissor.
5.39 Determine o número de harmónicos da série de Fourier da onda qua-
drada definida por (5.14) que se têm de somar para que a energia do
sinal de erro seja inferior a 1%. Com base neste resultado, determine a
largura de banda necessária para a transmissão de uma onda quadrada
com 1MHz com distorção inferior a 1%.

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Matemática Aplicada
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5.10 Problemas 132

5.40 Um sinal periódico com perı́odo T conhecido é transmitido por um ca-


nal de transmissão. No receptor, surge adicionado ao sinal um outro
sinal indesejável, sinusoidal, de frequência ωr . Discuta a possibilidade
de remover o sinal indesejável no receptor, e recuperar o sinal origi-
nalmente transmitido. Para que valores de ωr é que a tarefa é mais
fácil?

5.41 Adquirem-se 100 amostras de um sinal amostrado a 4kHz. Calcule a


resolução em frequência que se pode obter quando se analisa o sinal
usando a série de Fourier discreta.

5.42 Pretende analisar-se com a série de Fourier discreta um sinal composto


por somas de duas sinusóides, cujas frequências diferem em mais de
20Hz. A frequência de amostragem a utilizar é de 1kHz. Determine o
número mı́nimo de amostras do sinal que se devem recolher.

5.43 Recolheram-se 256 amostras de um sinal real amostrado a 1kHz. Analisou-


se o sinal com a série de Fourier discreta e traçou-se um gráfico do
módulo dos primeiros 128 coeficientes dessa série. No gráfico existiam
dois picos pronunciados, que correspondiam aos coeficientes número 20
e 50. A que frequências é que correspondem estes picos? O que pode
concluir sobre o sinal?

5.44 Conhece-se o valor de um sinal f (t) em certos subintervalos de [0, T ],


e sabe-se que somente os primeiros 2M + 1 termos da série de Fourier
de f (t) é que são não nulos, isto é,
+M
1 ! 2π
f (t) = √ αk ej T kt .
T k=−M

Mostre que, teoricamente, é possı́vel recuperar f (t) em todo o intervalo


[0, T ], mesmo que f (t) seja conhecido num subintervalo de [0, T ] de
largura * > 0 arbitrariamente pequena.

5.45 Considere o seguinte algoritmo para determinar o sinal f (t) do pro-


blema anterior em todo o intervalo [0, T ]:

1. Complete o sinal f (t) em [0, T ] de forma arbitrária.


2. Expanda o sinal obtido em série de Fourier, determinando os pri-
meiros 2M + 1 coeficientes ck , |k| ≤ M .

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Matemática Aplicada
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5.10 Problemas 133

3. Calcule o sinal dado por


+M
1 ! 2π
√ ck ej T kt .
T k=−M

4. Se o sinal assim obtido for diferente de f (t) nos segmentos em que


f (t) é conhecido, substituir esses segmentos pelos de f (t).
5. Repetir a partir do passo 2.

Acha que este algoritmo utiliza toda a informação disponı́vel acerca do


sinal, no tempo e na frequência?

5.46 Conhece-se o sinal f (k) para alguns k pertencentes a {0, 1, . . . , N − 1},


e sabe-se que somente os primeiros 2M + 1 termos da série de Fourier
discreta de f (k) é que são não nulos, isto é,
+M
1 ! 2π
f (i) = √ αk ej N ik .
N k=−M

Mostre que, teoricamente, é possı́vel determinar f (k) para qualquer


0 ≤ k < N , desde que se conheçam pelo menos 2M + 1 valores de f (k).

5.47 Experimente o seguinte algoritmo para determinar o sinal f (k) do pro-


blema anterior para 0 ≤ k < N :

1. Complete o sinal f (k) em {0, 1, . . . , N − 1} de forma arbitrária.


2. Expanda o sinal obtido em série de Fourier discreta, determinando
os primeiros 2M + 1 coeficientes ck , |k| ≤ M .
3. Calcule o sinal dado por
+M
1 ! 2π
x(i) = √ ck ej N ki .
N k=−M

4. Para qualquer i tal que f (i) seja conhecido, tomar x(i) = f (i).
5. Repetir a partir do passo 2.

5.48 Considere um sinal rectangular, w(k), tal que w(k) = 1 para A ≤ k ≤


B e w(k) = 0 para todos os outros k no intervalo [0, N ). Mostre que

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Referências bibliográficas 134

!
w(k)
! ! ! !1 ! ! !
! !
! !
· · ·! ! ! !· · ·" i
A B
Figura 5.11: Exemplo de sinal w(k), para B − A + 1 = 7 e L = 3.

os coeficientes αk da série de Fourier discreta de w(k) são dados por


N −1
1 ! 2π
αk = √ w(j)e−j N jk
N j=0
sin(π(B − A + 1)k/N )
= e−jπ(B+A)k/N √ .
N sin(πk/N )
Em que condições é que os coeficientes αk são reais? Interprete os
resultados.
5.49 Mostre que os coeficientes αk da série de Fourier discreta do sinal tra-
pezoidal w(k) que satisfaz w(k) = 1 para A ≤ k ≤ B e que decresce
linearmente de um para zero em L amostras (figura 5.11) são dados
por
N −1
1 ! 2π
αk = √ w(j)e−j N jk
N j=0
sin(πLk/N ) sin(π(B − A + L)k/N )
= e−jπ(B+A)k/N √ .
N L sin2 (πk/N )
Verifique o caso particular L = 1, em que w(k) é rectangular, e compare
com o problema anterior.

Referências bibliográficas
A. Antoniou. Digital Filters: Analysis and Design. McGraw-Hill Internatio-
nal Editions, New York, 1979.
R. N. Bracewell. The Fourier Transform and Its Applications. McGraw-Hill
International Editions, New York, 1986.
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Publishing Company, Saint Paul, 1975.

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Paulo J. S. G. Ferreira
Matemática Aplicada
2002–2–19 22:50

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Hill Companies, Inc., New York, 1998.

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F. J. Taylor. Principles of Signals and Systems. Electrical Engineering Series.


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