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RESUMO
INTRODUÇÃO
Nas últimas duas décadas tem sido significativo o número quantitativo e qualitativo de
pesquisas que buscam conhecer, com mais profundidade, a natureza do trabalho docente
(TARDIF, 1991; ANDRÉ, 1995; LUDKE&BOING, 2004). Os resultados dessas
pesquisas vêm explicitando o crescimento surpreendente da valorização da técnica sobre
a regulação de práticas relativas aos mais diversos campos profissionais. No terreno das
ciências humanas, na política e na educação essa valorização tem causado alterações
profundas nas análises sobre a constituição da identidade profissional. Essas alterações
quase sempre são pautadas no controle da profissão e no produto resultante da força de
trabalho.
Contudo, o foco de análise diz respeito à compreensão crítica dos processos pelos quais
os professores, através do ensino, formulam, apropriam-se e constroem durante a sua
prática paralela a sua formação.
Assim, falar sobre a formação de professores vai nos remeter a reflexões importantes
sobre diversos elementos que incidem sobre o desenvolvimento pessoal e profissional
do professor, como saberes, autonomia e construção da profissionalidade. Ao tratar
dessas temáticas, muitas abordagens podem ser consideradas, não obstante interessou-
1
Doutora em Educação-Currículo. PUC-SP. Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS.
E-mail: solange.santos@ig.com.br
2
Mestre em Educação Especial-CELAEE-Cuba. Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS. E-
mail: mariaduboc@ig.com.br
2
Nesse sentido, Freire (1996), em sua obra, ressalta a importância dos cursos de
formação no sentido de prepararem os professores como profissionais e como seres
situados histórico-culturalmente, orientados a construir uma prática docente crítica, cada
vez mais rica e significativa, a partir dos saberes que dizem respeito a ações
pedagógicas coerentes com uma opção político-pedagógica emancipadora.
Essas idéias vêm se constituindo em uma referência para o Grupo de Estudos e Pesquisa
sobre Formação de Professores, da Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS,
que tem desenvolvido projetos voltados para formação de professores e prática docente.
Certamente as questões formuladas podem nos conduzir a uma reflexão mais profunda,
ao pensar na melhoria do trabalho docente, e, por conseguinte, a qualidade da escola
pública. Nesse sentido, buscamos explicitar, neste trabalho, como essas questões foram
respondidas pelos sujeitos da pesquisa. Também, a partir delas, foi possível definir os
objetivos centrais do estudo, que apresentamos a seguir:
Vale ressaltar que os resultados explicitados nesta pesquisa são alguns recortes que
fizemos, dadas as limitações de uma comunicação dessa natureza. Assim, é importante
destacar que alguns elementos teóricos vão nos ajudar a tornar compreensíveis os
principais conceitos com os quais trabalhamos, para situar os cenários de atuação
docente: profissionalização; saberes e autonomia docente.
A PROFISSIONALIDADE DOCENTE
Diante do inesperado, ele age com seu “talento artístico”, fazendo uso de seu
reservatório de conhecimentos, mobilizando seus saberes conforme a situação particular
exige, ou procurando adquirir novos conhecimentos, impulsionando sua auto-formação.
O professor exerce sua prudência prática, a partir de seus valores, de seus princípios, de
suas convicções éticas e políticas. Dessa forma, o desafio da profissionalização está na
compreensão de “um ofício feito de saberes”, intitulado por: saber disciplinar, saber
curricular, saber das ciências da educação, saber da tradição pedagógica, saber
experiencial e saber da ação pedagógica.
OS SABERES DA PRÁTICA
Segundo os autores citados, esses saberes da prática são aqueles desenvolvidos pelos
próprios professores, em sua atuação profissional; decorrem do seu trabalho cotidiano e
no conhecimento do seu meio.
Tais idéias encaminham para uma visão ampliada e diversificada dos saberes e a
necessária valorização do saber que emerge da prática. Este saber foi desconsiderado ao
longo do tempo por abordagens que procuravam separar a formação da prática cotidiana
ou, segundo Nóvoa (1995), por abordagens que reduzem a profissão docente a um
conjunto de competências e técnicas.
A concepção de saber, para o autor, não significa o mesmo definido pela cientificidade,
pois o saber do professor pode ser um saber da prática que não é o da ciência, mas que
não deixa de ser legítimo. No seu entender, um não é o contrário do outro, mas se
completam, se integram e aceitam essa comunhão, permitindo melhor compreender o
trabalho do professor, como condição para transformar esse trabalho.
[...] é preciso que... desde o começo do processo, vá ficando cada vez mais
claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É nesse sentido
que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar e ação
pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e
acomodado (FREIRE, 1996, p. 25).
Isso envolve um movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer.
Exige ainda a descoberta dos limites da própria prática, que significa perceber a
existência de lacunas ou “espaços livres” a serem preenchidos.
Nesse sentido, Freire ressalta a importância dos “sonhos impossíveis” não como algo
ingênuo, mas com uma utopia no sentido do possível, de quem vive entre a denúncia e o
anúncio, como por exemplo, a denúncia de uma escola domesticadora e o anúncio, de
uma escola libertadora.
Referências como essas têm nos orientado na busca de novos caminhos sobre os saberes
dos professores e a formação docente como elementos significativos para se
compreender e desvelar a riqueza do trabalho docente, marcado pela articulação do
saber, do saber ser e do ser.
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A AUTONOMIA DOCENTE
Inicialmente, importa destacar que nos autores consultados, como Azanha (1995), Silva
(1996), entre outros, encontramos o seu emprego vinculado a idéias de emancipação:
independência, sistema ético, autodeterminação.
Para Freire, a autonomia está intimamente articulada à idéia de ser humano de “Ser
Mais”, ou seja, de uma busca permanente e consciente de ser e de estar no mundo,
conquistando uma liberdade que o liberte do individualismo, em direção à vida em
comunhão com o outro, como nos indica o autor no extrato do seu livro Pedagogia da
Autonomia:
Gostaria uma vez mais de deixar bem expresso o quanto aposto na liberdade,
o quanto me parece fundamental que ela se exercite assumindo decisões... A
liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus
direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado... É
decidindo que se aprende a decidir (1996, p. 119).
Outro aspecto que merece destaque é que “ninguém é autônomo primeiro para depois
decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias e inúmeras decisões
que vão sendo tomadas” (FREIRE, 1996, p.121). Sendo assim, a capacidade de decisão
depende de cada um, a qual deve ser assumida com responsabilidade, vislumbrando a
possibilidade de cada um construir a sua própria história e, por conseguinte, a história
da humanidade.
A INVESTIGAÇÃO
Optamos por realizar esse estudo na Escola de Educação Básica que funciona no
campus da UEFS3, pois pretendemos analisar como os seus professores, alunos e ex-
alunos dos Cursos de Licenciatura dessa Universidade, constroem a sua
profissionalidade docente e identificar as maneiras pelas quais eles concebem e
resolvem problemas e conflitos em que estão em jogo saberes docentes.
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A proposta inicial de criação da referida escola era de ser uma escola vinculada ao Departamento de Educação, por
ser este um locus tradicional de formação de professores na referida instituição. Essa proposta não foi adiante e a
partir de um convênio com a Prefeitura de Feira de Santana esta se tornou a responsável pelas ações pedagógicas ali
desenvolvidas e sem qualquer participação efetiva dos professores da UEFS.
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Bogdan & Biklen (1988) afirmam que um estudo de caso consiste na observação
detalhada de um contexto, ou indivíduo de uma fonte de documento ou de um
acontecimento em especial. Acrescentam ainda que podem também se referir a um
grupo de uma mesma instituição, definindo grupo como a reunião de sujeitos que
partilham certa identidade, compreendendo, por exemplo, concepções e valores.
Os dados até então coletados envolveram o contato com cada uma das professoras
(cinco) por aproximadamente 20 horas, nos seus locais de trabalho. Nesse período,
foram realizadas observações e entrevistas que após tratamento, apresentamos alguns
extratos que contribuíram para fundamentar o objeto dessa investigação.
Para iniciar a discussão dos dados obtidos nesta pesquisa, buscamos o delineamento da
visão dos sujeitos a cerca da prática que exercem individualmente e, por conseguinte,
somando-se a outros elementos, atingindo a configuração de sua profissionalidade e do
seu desenvolvimento como docente.
É uma questão que o professor realmente tem que correr atrás. Então é um
saber necessário. Um saber que a gente precisa trabalhar com as crianças.
Mas é um conhecimento que a gente tem que saber sim, num nível maior do
que o das crianças para poder instigá-los a querer mais. Não é um saber que
agente domina completamente porque é impossível. E, além disso, existe o
saber que eu posso chamar de oculto, mas que é necessário, é o de como
você se relaciona com o outro (Beatriz).
Uma análise desses depoimentos sob o olhar de Freire indica que ensinar não é
transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para sua produção ou a sua
construção. Nessa perspectiva, os saberes ocorrem cotidianamente mediatizados pela
prática; são adquiridos em conjunto com os alunos, com os colegas de trabalho e na
academia, permitindo ao professor situar-se no espaço/tempo educativo, de uma forma
adequada. É necessário, pois, que o contexto da prática docente seja colocado como
ponto de análise e como meio de construção de novos saberes e de novas práticas.
Percebe-se que a idéia de domínio do trabalho está circunscrita à sala de aula, não
visualizando a autonomia em outros processos que compõem a profissão docente, como
participação nas decisões da escola, na formação, no engajamento político, entre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
com o cotidiano da sala de aula. Na acepção de Freire, é preciso cada vez mais que os
professores desmistifiquem a curiosidade epistemológica e aprendam a recorrer a ela
para o desvelamento, o desenvolvimento, maior liberdade, autonomia e a segurança na
atuação profissional, produzindo maneiras também pessoais de ser professor.
REFERÊNCIAS:
AZANHA, José Pires. Autonomia da escola: um reexame. In: Revista Educação: temas
polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995,
FREIRE, Paulo. A sombra desta mangueira. São Paulo: Olho D’água, 1995.
FREIRE, Paulo: FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985.