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V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005

A PROFISSIONALIDADE E A ARTICULAÇÃO DOS SABERES E


A AUTONOMIA NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DOCENTE

Solange Mary Moreira Santos 1


Maria José Oliveira Duboc 2

RESUMO

A presente pesquisa tem a intenção de estudar a profissionalidade do professor na busca de


identificar os mecanismos de construção dos saberes e da autonomia docente. Os dados
coletados, fundamentados na revisão bibliográfica e na natureza qualitativa da investigação,
vêm permitindo analisar os depoimentos, tendo como base três temas: profissionalização
docente, saberes e autonomia docente. Na tentativa de apreender tais dimensões, busca-se,
inicialmente, à luz da pedagogia freiriana tratar do exercício da profissão nas suas múltiplas
interfaces (externas e internas) para se chegar até à profissionalidade, ou seja, do que se
constitui o específico do ser professor. Em seguida, procura-se fazer a articulação entre
autonomia e profissionalidade, destacando o espaço de sala de aula como locus privilegiado
para a consolidação dessa relação. Por último, destaca-se que a prática docente é um
aspecto explícito da profissionalidade através da qual as teorias se efetivam, tomam corpo e
se apresentam, além de evidenciar que teoria e prática se intercomplementam.
Palavras-chave: profissionalidade - autonomia - saberes.

INTRODUÇÃO

Nas últimas duas décadas tem sido significativo o número quantitativo e qualitativo de
pesquisas que buscam conhecer, com mais profundidade, a natureza do trabalho docente
(TARDIF, 1991; ANDRÉ, 1995; LUDKE&BOING, 2004). Os resultados dessas
pesquisas vêm explicitando o crescimento surpreendente da valorização da técnica sobre
a regulação de práticas relativas aos mais diversos campos profissionais. No terreno das
ciências humanas, na política e na educação essa valorização tem causado alterações
profundas nas análises sobre a constituição da identidade profissional. Essas alterações
quase sempre são pautadas no controle da profissão e no produto resultante da força de
trabalho.

Contudo, o foco de análise diz respeito à compreensão crítica dos processos pelos quais
os professores, através do ensino, formulam, apropriam-se e constroem durante a sua
prática paralela a sua formação.

Assim, falar sobre a formação de professores vai nos remeter a reflexões importantes
sobre diversos elementos que incidem sobre o desenvolvimento pessoal e profissional
do professor, como saberes, autonomia e construção da profissionalidade. Ao tratar
dessas temáticas, muitas abordagens podem ser consideradas, não obstante interessou-

1
Doutora em Educação-Currículo. PUC-SP. Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS.
E-mail: solange.santos@ig.com.br
2
Mestre em Educação Especial-CELAEE-Cuba. Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS. E-
mail: mariaduboc@ig.com.br
2

nos especialmente destacar a perspectiva freireana.

Nesse sentido, Freire (1996), em sua obra, ressalta a importância dos cursos de
formação no sentido de prepararem os professores como profissionais e como seres
situados histórico-culturalmente, orientados a construir uma prática docente crítica, cada
vez mais rica e significativa, a partir dos saberes que dizem respeito a ações
pedagógicas coerentes com uma opção político-pedagógica emancipadora.

Essas idéias vêm se constituindo em uma referência para o Grupo de Estudos e Pesquisa
sobre Formação de Professores, da Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS,
que tem desenvolvido projetos voltados para formação de professores e prática docente.

Tendo como suporte os estudos desenvolvidos em experiências e observações


sistemáticas e assistemáticas, foram alvos de nossos estudos algumas questões: O que
pode ser definido como saberes no âmbito da profissionalidade docente? Quais são os
saberes que os professores mobilizam no exercício da sua profissão? Quais os requisitos
para que o docente se desenvolva como profissional? O que significa profissionalização
e profissionalidade docente? Quais fatores contribuem para autonomia docente? Estas e
outras questões têm encaminhado para a realização de pesquisas, uma das quais
intitulada “Profissionalidade docente, saberes e autonomia”, que norteia o presente
artigo.

Certamente as questões formuladas podem nos conduzir a uma reflexão mais profunda,
ao pensar na melhoria do trabalho docente, e, por conseguinte, a qualidade da escola
pública. Nesse sentido, buscamos explicitar, neste trabalho, como essas questões foram
respondidas pelos sujeitos da pesquisa. Também, a partir delas, foi possível definir os
objetivos centrais do estudo, que apresentamos a seguir:

• Identificar o processo de construção da profissionalidade.


• Analisar o que pensam os professores sobre a autonomia do trabalho que
exercem.
• Analisar os saberes que os professores mobilizam na prática.

Vale ressaltar que os resultados explicitados nesta pesquisa são alguns recortes que
fizemos, dadas as limitações de uma comunicação dessa natureza. Assim, é importante
destacar que alguns elementos teóricos vão nos ajudar a tornar compreensíveis os
principais conceitos com os quais trabalhamos, para situar os cenários de atuação
docente: profissionalização; saberes e autonomia docente.

ELEMENTOS CONCEITUAIS PARA SITUAR A PROFISSIONALIDADE, OS SABERES E A


AUTONOMIA DOCENTE

De maneira sucinta, apresentamos alguns elementos teóricos sobre profissionalidade,


saberes e autonomia docente, que vêm facilitar a compreensão do processo de formação
de professores, numa perspectiva de desenvolvimento da prática pedagógica.
3

A PROFISSIONALIDADE DOCENTE

A discussão em relação à profissionalidade docente é considerada, na atualidade, como


um importante elemento para a mudança educativa. Esse fenômeno traz consigo a
necessidade de uma revisão profunda dos modelos formativos e das políticas de
aperfeiçoamento e fortalecimento da profissão docente. Pensar na profissionalidade na
perspectiva da docência implica reconhecê-la como conjunto de comportamentos,
habilidades, competências, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser
professor.

Não encontramos na obra de Paulo Freire o uso do termo profissionalidade, mas a


concepção com a qual trabalhamos encontra-se presente nos seus escritos, quando ele
se refere à prática docente como um processo de ação-reflexão, de indagação e de
experimentação, no qual o professor aprende ao ensinar e ensina porque aprende,
intervém para facilitar e não para impor nem substituir a compreensão dos alunos, e, ao
refletir sobre sua intervenção, exerce e desenvolve a sua própria compreensão, de ser
professor.

A esse respeito, Freire postula no extrato que se segue:


[...] ao ensinar, ele aprende também, primeiro porque ele ensina, quer dizer, é
o próprio processo de ensinar que o ensina a ensinar. Segundo, ele aprende
com aquele a quem ensina, não apenas porque se prepara para ensinar, mas
também porque revê o seu saber na busca do saber que o estudante faz.
Tenho insistido em trabalhos antigos como em recentes, enquanto às
inquietações dos estudantes, a sua dúvida, a sua curiosidade, a sua relativa
ignorância devem ser tomadas pelo professor como desafios a ele. No fundo,
a reflexão sobre tudo isso é iluminadora e enriquecedora do professor como
dos alunos (1985, p. 44).

Essas idéias, bem distantes do conceito clássico de profissionalidade, emergem num


contexto caracterizado por estruturas descentralizadas de produção de serviços voltadas
para a flexibilidade das empresas e para a descentralização de responsabilidades,
conforme destaca Courtois et al, (1996).

A profissionalização depende, entre muitos fatores, de como o professor compreende e


analisa as suas práticas educativas, como articula saberes da docência no seu ato de
ensinar; como reflete na ação diante do inesperado e do desconhecido. Tudo isto
constitui grande parte de sua atividade, bem como reflete sua prática educativa
distanciada do dia-a-dia na busca por novas possibilidades de agir no ensino.

Esse conjunto de saberes legitima a reflexão sobre a profissionalidade que, segundo


Altet, Perrenoud e Paquay (2003), pode ser definida em termos de funções específicas a
assumir, de competências a aplicar, mas também em termos de identidade e de questões
sociais. Para os autores, a profissionalidade é definida como “o conjunto de
competências que um profissional deveria ter ou, ainda, o conjunto de competência
4

reconhecida socialmente como característica de uma profissão” (p. 235).

O termo profissionalidade engloba capacidades, saberes, cultura, identidade e refere-se


às noções de profissão e de profissionalização, isto é, diz respeito mais “à pessoa, às
suas aquisições, à sua capacidade de utilizá-las em uma dada situação, ao modo de
cumprir as tarefas. Ela é instável, sempre em construção, surgindo mesmo do ato de
trabalho; facilita a adaptação a um contexto de crise” (p. 235).

Na expressão de Perrenoud (2002), os traços que caracterizam a profissionalidade


repousam sobre a capacidade de identificar e resolver problemas em situação de
incerteza, de estresse e de forte envolvimento pessoal. A profissionalidade seria, assim,
profissão em estado de ação. Dizendo de outro modo, temporalidade que se constrói na
relação com o campo semântico das formas de expressão das identidades e das
construções, nas trocas sociais e simbólicas estabelecidas entre os sujeitos. Constitui-se
pela autonomia que exerce na escola, diante de seu trabalho; pela responsabilidade de
sua formação permanente; pela capacidade de aprender e refletir sobre sua ação. Tornar-
se profissional também passou a significar “ser competente”.

Diante do inesperado, ele age com seu “talento artístico”, fazendo uso de seu
reservatório de conhecimentos, mobilizando seus saberes conforme a situação particular
exige, ou procurando adquirir novos conhecimentos, impulsionando sua auto-formação.
O professor exerce sua prudência prática, a partir de seus valores, de seus princípios, de
suas convicções éticas e políticas. Dessa forma, o desafio da profissionalização está na
compreensão de “um ofício feito de saberes”, intitulado por: saber disciplinar, saber
curricular, saber das ciências da educação, saber da tradição pedagógica, saber
experiencial e saber da ação pedagógica.

OS SABERES DA PRÁTICA

Estudos desenvolvidos por Tardif (2001) e Nóvoa (1992) sobre a formação de


professores vêm apontando a prática docente como lugar relevante de formação e
produção dos saberes, evidenciando a relação entre formação e exercício da profissão,
em que o professor mobiliza os saberes profissionais, construídos e reconstruídos
conforme a necessidade de utilização dos mesmos precisando ser conhecidos,
sistematizados e valorizados.

O entendimento de formação aqui adotado considera, também, que as experiências


anteriores e dos cursos de formação vão ter influência na formação docente. Como bem
expressa Nóvoa (1992), a formação é um ciclo que abrange a experiência como aluno e
prossegue por todo o exercício profissional.

Com isso, a formação passa a ser entendida como a síntese dos


conhecimentos/experiências vividos antes e durante a formação inicial e continuada.
Nesse sentido, Tardif (2002) esclarece que o saber docente é um “saber plural, formado
pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional
e de saberes disciplinares, curriculares e experiências” (2002, p. 63).
5

Segundo os autores citados, esses saberes da prática são aqueles desenvolvidos pelos
próprios professores, em sua atuação profissional; decorrem do seu trabalho cotidiano e
no conhecimento do seu meio.

Freire trata, de forma peculiar, o que esses autores vêm destacando na


contemporaneidade sobre os vários saberes necessários à prática docente e à coerência
entre o saber fazer e o saber ser pedagógico. Ele nos apresenta elementos constitutivos à
compreensão da prática docente enquanto dimensão social e política da formação
humana.

Nesse sentido, há a evidência da necessidade de termos uma postura atenta contras as


práticas desumanizantes a favor do exercício permanente do saber fazer, da auto
reflexão crítica e do saber ser, condição que permite fazer a necessária leitura crítica da
realidade.
Não há para mim, na diferença e na “distância” entre a ingenuidade e a
criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos
procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A
superação e a não ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem
deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se
criticiza (FREIRE, 1996, p.34).

Tais idéias encaminham para uma visão ampliada e diversificada dos saberes e a
necessária valorização do saber que emerge da prática. Este saber foi desconsiderado ao
longo do tempo por abordagens que procuravam separar a formação da prática cotidiana
ou, segundo Nóvoa (1995), por abordagens que reduzem a profissão docente a um
conjunto de competências e técnicas.

É evidente que a sala de aula constitui-se em um espaço de criação, de transformação,


de negação, de resolução de saberes, que constituem os conteúdos obrigatórios à
organização e ao desenvolvimento do trabalho docente, exigindo do educador um
exercício permanente de convivência amorosa com seus alunos e uma postura curiosa,
aberta e provocadora, na medida em que os instiga a se assumirem enquanto sujeitos
sócio-histórico-culturais do ato de conhecer. Assim, o professor não deve abrir mão da
competência técnica científica e do rigor no desenvolvimento do seu trabalho.

Os saberes, nessa perspectiva, são contextualizados, relacionados aos valores da


realidade e integrados a uma ação política que resulta na relação de dominação ou de
liberdade entre as pessoas. A questão de poder e a clareza política vão assumindo ou
vão fazendo coerência no decorrer da experiência. Em outras palavras:
[...] não basta dizer que a educação é um ato político, assim como não basta
dizer que o ato político é também educativo. É preciso assumir realmente a
politicidade da educação. Não posso pensar progressista se entendo o espaço
da escola como algo meio neutro, com pouco ou quase nada a ver com a luta
de classes, em que os alunos são vistos apenas como aprendizes de certos
objetos do conhecimento aos quais empresto um poder mágico (FREIRE,
1995, p.46).
6

A concepção de saber, para o autor, não significa o mesmo definido pela cientificidade,
pois o saber do professor pode ser um saber da prática que não é o da ciência, mas que
não deixa de ser legítimo. No seu entender, um não é o contrário do outro, mas se
completam, se integram e aceitam essa comunhão, permitindo melhor compreender o
trabalho do professor, como condição para transformar esse trabalho.

Dessa forma, evidencia a importância de se considerar o professor no seu processo de


autoformação, de reelaboração do saber científico, em confronto com sua prática
cotidiana.

[...] é preciso que... desde o começo do processo, vá ficando cada vez mais
claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É nesse sentido
que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar e ação
pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e
acomodado (FREIRE, 1996, p. 25).

Percebe-se que é dada uma fundamentação pedagógica ao trabalho do professor. Ele é


visto como um profissional que não é mero transmissor de informações, mas sujeito
produtor de saber, pois: “quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de
ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica,
gnosiológica, pedagógica, estética, e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos
dadas com a docência e a seriedade” (FREIRE, 1996, p. 26).

Isso envolve um movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer.
Exige ainda a descoberta dos limites da própria prática, que significa perceber a
existência de lacunas ou “espaços livres” a serem preenchidos.

Nesse sentido, Freire ressalta a importância dos “sonhos impossíveis” não como algo
ingênuo, mas com uma utopia no sentido do possível, de quem vive entre a denúncia e o
anúncio, como por exemplo, a denúncia de uma escola domesticadora e o anúncio, de
uma escola libertadora.

Daí, a necessidade de o fazer do professor ser evidenciado à medida em que um sonho


vai sendo compreendido como um o sonho possível, precisando ser viabilizado e não
como algo pré-datado a essa realização, mas relacionado às circunstâncias históricas do
contexto em que se acham as condições objetivas, subjetivas e dialéticas.

Referências como essas têm nos orientado na busca de novos caminhos sobre os saberes
dos professores e a formação docente como elementos significativos para se
compreender e desvelar a riqueza do trabalho docente, marcado pela articulação do
saber, do saber ser e do ser.
7

A AUTONOMIA DOCENTE

A autonomia é um tema recorrente de uso no debate contemporâneo em relação com os


mais diversos sentidos, tornando-se um conceito amplo e impreciso. Daí, ser
fundamental esclarecer de que autonomia estamos falando. O que nos interessa explorar
neste trabalho é, concretamente, o da autonomia enquanto qualidade da “práxis
docente”. Nesse sentido, com base na obra de Freire (1978; 1983; 1995; 1996),
buscamos encontrar elementos que julgamos necessários para melhor compreensão do
tema, no que se refere à autonomia no contexto da prática educativa.

Inicialmente, importa destacar que nos autores consultados, como Azanha (1995), Silva
(1996), entre outros, encontramos o seu emprego vinculado a idéias de emancipação:
independência, sistema ético, autodeterminação.

Para Freire, a autonomia está intimamente articulada à idéia de ser humano de “Ser
Mais”, ou seja, de uma busca permanente e consciente de ser e de estar no mundo,
conquistando uma liberdade que o liberte do individualismo, em direção à vida em
comunhão com o outro, como nos indica o autor no extrato do seu livro Pedagogia da
Autonomia:
Gostaria uma vez mais de deixar bem expresso o quanto aposto na liberdade,
o quanto me parece fundamental que ela se exercite assumindo decisões... A
liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus
direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado... É
decidindo que se aprende a decidir (1996, p. 119).

Assim, a autonomia se dá num processo contínuo de construção, caracterizando


"inconclusão dos homens e na consciência que dela tem" (FREIRE, 1983, p. 83),
colocando-se como uma busca necessária à superação daquilo que lhe impede de ser
livre conscientemente.

Para o autor, a autonomia tem uma pedagogia e, assim, a educação constitui-se em um


espaço de sua construção; para tanto, não deve negar a sua obrigação moral, ética,
política e pedagógica de se inserir na realidade do educando, possibilitando que ele se
reconheça sujeito de sua história e os estimule a participar das questões sociais da sua
época.

Freire enriquece o conceito de autonomia quando fala em libertação e conscientização


do ser humano na sua vocação de “ser mais” acontecer-se com o mundo e com a
história, no sentido de se reconhecer como homem, humanizado. Fica evidente a sua
convicção de que a presença da pessoa no mundo não é de mera adaptação, mas de
quem nele mergulha. Nesse sentido, ele alerta a respeito do papel do professor em
contribuir para que o aluno caminhe em direção de enfrentar esse desafio.
O educador deve ser um inventor e um re-inventor constante desses meios e
desses caminhos com os quis facilite mais e mais a problematizarão do objeto
a ser desvelado e finalmente aprendido pelos educandos. Sua tarefa não é de
servir-se desses meios e desses caminhos para desnudar, ele mesmo, o objeto
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e depois entregá-lo, paternalistamente, aos educandos, a quem negasse o


esforço de busca, indispensável ao ato de conhecer (FREIRE, 1980, p.17).

Outro aspecto que merece destaque é que “ninguém é autônomo primeiro para depois
decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias e inúmeras decisões
que vão sendo tomadas” (FREIRE, 1996, p.121). Sendo assim, a capacidade de decisão
depende de cada um, a qual deve ser assumida com responsabilidade, vislumbrando a
possibilidade de cada um construir a sua própria história e, por conseguinte, a história
da humanidade.

Pensando na importância das experiências docente, ou seja, dos saberes, do exercício da


autonomia e a construção da profissionalidade, passamos a destacar como a pesquisa foi
desenvolvida, elencando os principais passos e elementos metodológicos.

A INVESTIGAÇÃO

A necessidade de estudar a profissionalidade do professor, na perspectiva de


compreender como vai se dando a sua aprendizagem profissional, os conhecimentos que
o professor vai adquirindo no exercício da profissão e construindo a autonomia do
trabalho que exerce, definiu os procedimentos metodológicos.

A idéia de que o exercício da profissão é um locus poderoso de informação assume


contornos bastante claros para nós, talvez como síntese de elaborações que nos
acompanha já a algum tempo. Parece importante conhecer mais profundamente o que os
professores do Ensino Fundamental, séries iniciais, aprendem no exercício da profissão,
como e com quem pensam e repensam as suas atuações junto escola.

Optamos por realizar esse estudo na Escola de Educação Básica que funciona no
campus da UEFS3, pois pretendemos analisar como os seus professores, alunos e ex-
alunos dos Cursos de Licenciatura dessa Universidade, constroem a sua
profissionalidade docente e identificar as maneiras pelas quais eles concebem e
resolvem problemas e conflitos em que estão em jogo saberes docentes.

Os dados coletados nesta pesquisa estão fundamentados na revisão bibliográfica e na


natureza qualitativa de investigação. Ao localizar o estudo nos sujeitos (professoras),
pertencente a um grupo (as séries iniciais) de certa instituição (uma unidade escolar), e
de uma determinada formação (quatro professoras Licenciadas em Pedagogia e uma
cursando o 3º semestre desse mesmo curso) estamos trazendo, por fim, mais uma
especificidade. Além de ser uma pesquisa qualitativa, estamos desenvolvendo um
estudo de caso.

3
A proposta inicial de criação da referida escola era de ser uma escola vinculada ao Departamento de Educação, por
ser este um locus tradicional de formação de professores na referida instituição. Essa proposta não foi adiante e a
partir de um convênio com a Prefeitura de Feira de Santana esta se tornou a responsável pelas ações pedagógicas ali
desenvolvidas e sem qualquer participação efetiva dos professores da UEFS.
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Bogdan & Biklen (1988) afirmam que um estudo de caso consiste na observação
detalhada de um contexto, ou indivíduo de uma fonte de documento ou de um
acontecimento em especial. Acrescentam ainda que podem também se referir a um
grupo de uma mesma instituição, definindo grupo como a reunião de sujeitos que
partilham certa identidade, compreendendo, por exemplo, concepções e valores.

Para tanto, utilizamos como instrumentos metodológicos à entrevista e a observação.


Acreditamos que estas duas formas acopladas possibilitam a obtenção de dados
significativos para o alcance do nosso objetivo. Nossa primeira preocupação foi
esclarecer às professoras o que estamos fazendo e porque estamos fazendo, procurando
dissipar qualquer dúvida quanto ao uso dos dados. Os discursos foram mantidos na
íntegra, para garantir a validade dos dados. Estamos identificando cada uma das
entrevistadas com um nome fictício, a fim de manter o seu anonimato na apresentação
dos dados.

Os dados até então coletados envolveram o contato com cada uma das professoras
(cinco) por aproximadamente 20 horas, nos seus locais de trabalho. Nesse período,
foram realizadas observações e entrevistas que após tratamento, apresentamos alguns
extratos que contribuíram para fundamentar o objeto dessa investigação.

DISCUTINDO OS RESULTADOS: A EXPERIÊNCIA DE TRABALHO NA VOZ DO SUJEITO DA


PESQUISA

Para iniciar a discussão dos dados obtidos nesta pesquisa, buscamos o delineamento da
visão dos sujeitos a cerca da prática que exercem individualmente e, por conseguinte,
somando-se a outros elementos, atingindo a configuração de sua profissionalidade e do
seu desenvolvimento como docente.

As marcas mais freqüentes no depoimento das professoras estão voltadas para as


experiências do dia-a-dia: família, aluno, profissão, atividades, organização do trabalho
pedagógico, relacionamento, que povoam o universo desses sujeitos, constituindo-se
pontos significativos em sua prática e, conseqüentemente, na sua formação.
[...] me tornei professora por causa da infância perdida da minha mãe.
Minha mãe passou um tempo sendo babá das filhas da madrinha dela. Então,
a minha mãe já tinha uma vontade de ser professora e de alguma maneira
passou isso para mim de forma inconsciente (Paula).

Eu caí de pára-quedas na profissão. A princípio não foi uma escolha, mas eu


me mantive porque gostei da área. Achei interessante a questão da educação
e também daquilo que eu estudava na Universidade, como: o
desenvolvimento da aprendizagem, os processos mentais, o planejamento. Eu
acabei me interessando quando eu já estava estudando (Ana).

Buscando perceber como as professoras se sentem e se posicionam diante da profissão,


observamos os sentimentos, as atitudes, os valores, a capacidade de viver e aprender,
permitindo um olhar retrospectivo da vida pessoal e profissional e, conseqüentemente, a
sua profissionalidade. Essa atitude é reforçada pelas palavras de Freire "formar é ação
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pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um sujeito indeciso e


acomodado" (1996, p. 25).

No que diz respeito aos saberes mobilizados na prática, as professoras assim, se


manifestam:
Ao escolher as atividades temos que perceber que o aluno é capaz de pensar,
refletir e construir idéias (Ana).

Para trabalhar um projeto tenho que estar buscando novas informações,


aguçando a vontade das crianças para buscar coisas novas e também, de se
interessar pelo assunto (Maria).

É uma questão que o professor realmente tem que correr atrás. Então é um
saber necessário. Um saber que a gente precisa trabalhar com as crianças.
Mas é um conhecimento que a gente tem que saber sim, num nível maior do
que o das crianças para poder instigá-los a querer mais. Não é um saber que
agente domina completamente porque é impossível. E, além disso, existe o
saber que eu posso chamar de oculto, mas que é necessário, é o de como
você se relaciona com o outro (Beatriz).

Uma análise desses depoimentos sob o olhar de Freire indica que ensinar não é
transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para sua produção ou a sua
construção. Nessa perspectiva, os saberes ocorrem cotidianamente mediatizados pela
prática; são adquiridos em conjunto com os alunos, com os colegas de trabalho e na
academia, permitindo ao professor situar-se no espaço/tempo educativo, de uma forma
adequada. É necessário, pois, que o contexto da prática docente seja colocado como
ponto de análise e como meio de construção de novos saberes e de novas práticas.

Entretanto, constatamos entre os sujeitos da pesquisa que a dimensão prática é bastante


valorizada, conforme atestam os depoimentos que se seguem:
Eu cursei o currículo antigo do curso de Pedagogia, não sei como está
agora. A prática é bem diferente. A minha formação me ajudou no sentido de
saber onde buscar auxílio para minha profissão. Mas a questão prática do
cotidiano e de organização do tempo a minha formação não contemplou. Eu
aprendo com a minha prática (Ana).

[...] eu tenho alguns problemas com domínio de sala de aula e dificuldade de


organizar o tempo. Essas coisas a gente só consegue mesmo com a
experiência. No meu primeiro ano no CEB achei que estava péssima, ano
passado achei que estava melhor, este ano penso que melhorei um pouco. É
assim, cada ano que passa a gente vai melhorando gradativamente (Paula).

Ampliando o conhecimento sobre o trabalho que os professores desenvolvem na escola,


interessou-nos saber como estes vêem a autonomia de seu trabalho. Os depoimentos são
comuns no que diz respeito à independência que têm de desenvolverem as atividades,
mas não descartam a importância da ajuda da coordenadora.
[...] a gente planeja de quinze em quinze dias. O planejamento é apresentado
a coordenadora, mas ela faz assim, ela dá uma olhada, dá dicas e tenta
melhorar, mas nada assim, não faça isso; é bem de ajuda mesmo de procurar
crescimento (Maria).
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Aqui, nós trabalhamos com projetos já estabelecidos e atividades


sequenciadas. Projetos estabelecidos pela coordenação. Cada série tem o
seu projeto já estabelecido. Vamos supor que na 4ª série se trabalhe com
divisão. Não que eu possa retomar a adição e a subtração... Tem assunto que
só é determinado em cada série. Não tem aquela coisa de seguir um
conteúdo de um livro, que você segue todo ano a mesma coisa. Cada série
tem o seu projeto. A série seguinte só vai retomar o projeto anterior e vai
avançar (Célia).

Nós fazemos o planejamento juntas e depois a gente passa pra


coordenadora. Aí, qualquer orientação ela passa pra gente ou, no caso, se
for pra melhorar a gente melhora, no sentido da turma... (Beatriz).

Percebe-se que a idéia de domínio do trabalho está circunscrita à sala de aula, não
visualizando a autonomia em outros processos que compõem a profissão docente, como
participação nas decisões da escola, na formação, no engajamento político, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao tomar as experiências docentes como objeto de estudo para compreender a


profissionalidade, a construção dos saberes e da autonomia docente, inevitavelmente,
fomos ao encontro de Freire, pois as questões da prática estão presentes em sua teoria,
ao mesmo tempo em que, nela encontramos sustentação para a prática. A partir do
diálogo com este educador, destacamos alguns pontos que emergiram desta investigação
inicial:

• as experiências, as situações, os contextos vividos vão construindo e


reconstruindo a profissionalidade;
• os saberes resultam do esforço articulado do grupo e do indivíduo, em
interseção com o aprender e o ensinar. Assim, no confronto de saberes, é
produzido um novo conhecimento;
• a busca de superar os desafios do cotidiano, a conquista da capacidade de
decisão e da responsabilidade constituem-se em elementos integrantes da
autonomia.

Enfim, construir a si mesmo e ao outro e saber-se enquanto ser inacabado configura-se


como o processo de formação profissional do professor. Entretanto, a pesquisa empírica
indica que:

• os professores têm dificuldade de articular os saberes da prática com a teoria


e vice-versa;
• os cursos de Licenciatura não dão conta da complexidade da docência;
• no âmbito da escola não há um espaço coletivo de estudos e reflexão da
prática.

Portanto, os resultados dessa investigação têm demonstrado a necessidade de investir


mais e melhor em saberes da experiência desenvolvidos, principalmente, no contato
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com o cotidiano da sala de aula. Na acepção de Freire, é preciso cada vez mais que os
professores desmistifiquem a curiosidade epistemológica e aprendam a recorrer a ela
para o desvelamento, o desenvolvimento, maior liberdade, autonomia e a segurança na
atuação profissional, produzindo maneiras também pessoais de ser professor.

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