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Adair Bonini
Maria Marta Furlanetto
(Orgs.)
Tubarão - SC
Contato:
Unisul - Universidade do Sul de Santa Catarina
Campus Tubarão
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Ficha Catalográfica
Linguagem em (Dis)curso / Universidade do Sul de Santa
Catarina. - v. 1, n. 1 (2000) - Tubarão : Ed. Unisul,
2000 -
Quadrimestral
ISSN 1518-7632
Os textos publicados na revista são indexados em: LLBA - Linguistics & Language Behavior Abstracts
(Cambridge Scientific Abstracts); MLA International Bibliography (Modern Language Association); Ulrich’s
Periodicals Directory; Clase (Universidad Nacional Autónoma de México); Latindex; Directory of Open Access
Journals (DOAJ); Social and Human Sciences Online Periodicals (UNESCO); GeoDados (Universidade Estadual
de Maringá); e Portal de Periódicos da CAPES.
The journal and its contents are indexed in: LLBA - Linguistics & Language Behavior Abstracts (Cambridge
Scientific Abstracts); MLA International Bibliography (Modern Language Association); Ulrich’s Periodicals
Directory; Clase (Universidad Nacional Autónoma de México); Latindex; Directory of Open Access Journals
(DOAJ); Social and Human Sciences Online Periodicals (UNESCO); GeoDados (Universidade Estadual de
Maringá); and Portal de Periódicos (CAPES).
Reitor
Gerson Luiz Joner da Silveira
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Pró-Reitor de Administração
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Pró-Reitor Acadêmico
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Chefe de Gabinete do Reitor
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Adair Bonini, Editor-chefe
Fábio José Rauen, Editor-assistente
Débora de Carvalho Figueiredo, Editora-assistente
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Conselho Editorial
Ana Zandwais (UFRGS) Leila Bárbara (PUC-SP)
Angela Paiva Dionisio (UFPE) Leonor Scliar-Cabral (UFSC)
Anna Rachel Machado (PUC-SP) Lourenço Chacon Jurado Filho (UNESP)
Belmira Rita da Costa Magalhães (UFAL) Luiz Paulo da Moita Lopes (UFRJ)
Bernardete Biasi-Rodrigues (UFC) Mailce Borges Mota Fortkamp (UFSC)
Bethania Sampaio Corrêa Mariani (UFF) Manoel Luiz Gonçalves Corrêa (USP)
Carmen Rosa Caldas-Coulthard (Un. of Márcia Teixeira Nogueira (UFC)
Birmingham) Maria Cristina Lírio Gurgel (UERJ)
Désirée Motta-Roth (UFSM) Maria Elias Soares (UFC)
Edair Maria Gorski (UFSC) Maria Izabel Santos Magalhães (UNB)
Freda Indursky (UFRGS) Maria Marta Furlanetto (UNISUL)
Heloísa Pedroso de Moraes Feltes (UCS) Mônica Magalhães Cavalcante (UFC)
Heronides Maurílio de Melo e Moura (UFSC) Pedro de Moraes Garcez (UFRGS)
Ingedore Grunfeld Villaca Koch (UNICAMP) Pedro de Souza (UFSC)
Ingo Voese (UNISUL) Régine Kolinsky (Un. Libre de Bruxelles)
Jair Antonio de Oliveira (UFPR) Sílvia Ines Coneglian Carrilho de Vasconcelos (UEM)
José Luiz Meurer (UFSC) Solange Maria Leda Gallo (UNISUL)
José Marcelino Poersch (PUC-RS) Telma Nunes Gimenez (UEL)
José Carlos Junça de Morais (Un. Libre de Vera Lúcia Lopes Cristóvão (UEL)
Bruxelles) Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG)
Lêda Maria Braga Tomitch (UFSC) Vilson José Leffa (UC-Pel)
Consultor Ad hoc
Marcos Baltar (UCS).
Apresentação 343
341
Práticas discursivas em conclusões de teses de doutorado/ Discursive
practices in concluding chapters of PHD theses
Antonia Dilamar Araújo 447
ENSAIO/ ESSAY
RETROSPECTIVA/ RETROSPECTIVE
342
Apresentação
Adair Bonini
Maria Marta Furlaneto
(Organizadores)
Resumo: Desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a noção de gênero como
instrumento de ensino-aprendizagem passou a ser um tópico freqüente no debate didático de como
ensinar Português. Este trabalho relata uma pesquisa longitudinal de um grupo de crianças
acompanhadas da 3ª à 5ª série do ensino fundamental. Nessa pesquisa, foi desenvolvida uma
experiência de ensino com seqüências didáticas baseadas em gêneros textuais. A análise dessa
experiência possibilita mostrar o que significa trabalhar com gêneros textuais dentro da proposta
teórica do interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1999, 2004, 2005).
Palavras-chave: gênero de texto; modelo didático; seqüência didática; ensino fundamental;
interacionismo sociodiscursivo.
1 INTRODUÇÃO
O desafio do trabalho com gêneros textuais tem sido motivo de muitos estudos
no campo de ensino/aprendizagem de língua materna, como bem mostra Bezerra
(2002). A publicação pelo MEC dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1998,
em que as diretrizes curriculares para o Ensino Fundamental brasileiro apóiam-se
fortemente em concepções teóricas relativamente recentes e inovadoras, trouxe a
noção de gênero para o primeiro plano do debate didático. A noção de gênero como
instrumento de ensino-aprendizagem é central nessa proposição: “Todo o texto se
organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas,
como parte das condições de produção dos discursos, os quais geram usos sociais
que os determinam” (BRASIL, 1998, p.21). O objetivo do presente artigo é refletir
sobre uma experiência didática com gêneros textuais na escola, tomando por base a
proposta teórica do interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1999).
Proponho uma reflexão sobre o desenvolvimento de seqüências didáticas
levadas a efeito em uma escola municipal da periferia da região metropolitana de
Porto Alegre, dentro da proposta do projeto por mim coordenado: “Desenvolvimento
*
Professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Doutora em Lingüística Aplicada.
1
Agradeço a colaboração da mestranda Daiana Campani, do PPG Lingüística Aplicada da UNISINOS, e dos bolsistas
de iniciação científica Rafaela F. Drey (UNIBIC) e Márcio Gerhardt (FAPERGS) no desenvolvimento deste projeto.
Agradeço ainda ao CNPq e à FAPERGS o apoio recebido nos projetos “A construção da escrita em ambientes
sociais diversos: o interacionismo sociodiscursivo em questão” e “Desenvolvimento de narrativas e a construção
social da escrita”, cujos dados foram essenciais para a elaboração deste artigo.
2
Foi escolhida a 3ª série como ponto de partida do estudo longitudinal, pois trabalho de pesquisa anterior da
autora já havia estudado o desenvolvimento da linguagem da criança em fase de letramento (dos 5 aos 8;11 anos
de idade), com ênfase em narrativas (Cf. GUIMARÃES, SIMÕES, COSTA E SILVA, 1998).
3
Ainda que a palavra ‘intervenção’ não me pareça apropriada quando se fala da situação escolar (prefiro utilizar
‘instrumentalização’ em seu lugar), vou empregá-la, pois, no caso do projeto, fica marcada essa possibilidade,
pelo fato de os professores da escola pedirem aos pesquisadores que assumissem o papel docente, em seu lugar,
durante as seqüências didáticas.
4
Segundo este autor: “Chamamos de texto toda a unidade de produção de linguagem situada, acabada e auto-
suficiente (do ponto de vista da ação ou da comunicação). Na medida em que todo texto se inscreve,
necessariamente, em um conjunto de textos ou em um gênero, adotamos a expressão gênero de texto em vez de
gênero de discurso“ (BRONCKART, 1999, p. 75).
Ah, é a do Puff que eu me lembro, a do Patinho Feio não é tão boa assim. Ah
@ i , o Puff no livrinho dizia que ele era um ursinho que era muito feliz, que
ele pulava de um lado pro outro com seus amigos que era o Tigrão, o
Porco, se eu não me engano é o Coelho e eu não sei os outros que tem. Ah
@ i que ele era muito feliz, que ele pulava, no anoitecer ele ia pra casa, ele
tomava banho, fazia seus dever(es) de casa, e no outro dia, ele alevantava
de manhã, tomava banho, se arrumava e ia pro colégio e aí depois que ele
chegava do colégio ele ia brincar de novo e aí depois de noite ele www só
me lembro essa parte. (Menina S: 10 anos)
7
Esta experiência encontra-se descrita com mais detalhes em Guimarães (2004).
9
Foi desenvolvido, por uma bolsista do projeto, no ano seguinte, trabalho específico sobre questões de ortografia
que se mostraram recorrentes nas oficinas do conto de fadas. Em turno diverso do habitual, 10 crianças do grupo
foram acompanhadas por um semestre.
10
Naquele ano, a escola oferecia a oportunidade de curso extraclasse de teatro, o que despertou o gosto das
crianças pelas atividades cênicas. Elas só podiam, entretanto, ensaiar teatro fora da sala de aula, no turno oposto.
Trazer o teatro para a sala de aula foi algo visto pelos alunos como surpreendente e maravilhoso.
11
Segundo Rocha (1996), o desenvolvimento da pontuação – quantidade e variedade – está relacionado com o
domínio do formato gráfico do texto. A aquisição da pontuação segue uma ordem, é adquirida de fora para
dentro. Inicialmente, as crianças indicam os limites textuais externos, como o final do texto e de parágrafos.
Depois, detalham o texto internamente (frases e partes de frases), atentando para aspectos da fala e funcionais,
como diálogos presentes em narrativas. Assim como a pontuação externa aparece antes da interna, também a
organização gráfica externa é anterior às distinções internas mais específicas, como a diferenciação gráfica entre
narrativa e discurso direto.
12
Esta escolha foi conduzida pela facilidade de acesso ao livro, recebido pela escola através do Programa Nacional do Livro.
[...] O teatro de bonecos acabou fui direto para o teatro de pessoas contava
a história do Senhor X. as cortinas se abrirão e eu me imprecionei quando
vi que o Senhor X era o meu vizinho seu José.Eu chegei em casa fui direto
no meu vizinho para ele me contar como é fazer teatro eu fiquei facinada
com o que ele me dizia ele me contou que fazer teatro é maravilhozo e
resolvi entrar no grupo de teatro da escola. Era muito divertido aconselho
a vocês entrarem no fantástico mundo do teatro. (Produção inicial)
Um dia Roxana e Cirano estavam conversando na escola.
O sinal bate eles dois entram e a professora fala:
- Hoje temos uma aluna nova na escola!
Mirtes pergunta:
- Qual é o nome dela?
A professora responde
- É Priscila
Gabi fala:
- Mande ela entrar professora [...] (Produção final)
13
Os resultados que serão apresentados nesta seção referem-se aos alunos da 5ª série que freqüentaram todas as
oficinas, no total de 15.
Oficina 1
Caracterização do gênero narrativa de detetive com os alunos, a partir de
perguntas como “Alguém aqui já leu histórias de detetives, já assistiu na TV, no
cinema?”, “Conhecem algum livro, filme, história ou mesmo um detetive
famoso?”, “Quais?”. Leitura de texto do gênero “O Misterioso Telefonema”
(Lourenço Cazarré). Proposição de questões sobre o gênero: levantamento de
vocabulário típico das narrativas de detetive, a presença de suspense, medo,
mistério; características do conto, relativas à sua estrutura, como tempo, espaço,
complicação, ações, resolução; análise dos personagens: o próprio detetive e o
possível antagonista; existência de duas histórias paralelas: uma que está no
passado e diz respeito ao crime ou mistério; e outra, no presente, que rege a
investigação do crime/mistério existente na primeira história. Análise da capa
da história com imagens e ilustrações que remontem à presença de
características de uma história de detetive, como suspense, mistério, investigação.
Oficina 2
A partir de três textos de gêneros diversos (conto de fada, narrativa de
detetive e narrativa de terror), identificação do texto que apresenta
características de narrativa de detetive.
Oficinas 3 a 7
Apresentação do livro “O vírus vermelho” (CARR, 1991), que acompanhará
o desenvolvimento das oficinas. Análise do título e da capa do livro, a partir
dos quais os alunos fazem uma série de inferências sobre o possível
desenvolvimento da narrativa. Leitura do livro em partes. Em cada oficina,
preenchimento de um “diário de leitura”, que auxilia na caracterização
do gênero, pela identificação das ações ocorridas no capítulo e mediante
o desafio de inferir as próximas. Após a leitura da narrativa em sua
totalidade, montagem de um cartaz, com a seqüência completa da narrativa
(situação inicial, a complicação, as ações decorrentes da complicação, a
resolução e a situação final). Na última dessas oficinas, os diários de leitura
foram reunidos, recebendo uma capa desenhada pelos alunos.
Oficina 8
Início da etapa de produção de narrativas de detetive. A primeira tarefa foi
realizada em duplas e consistiu na construção de um enigma. Os alunos
construíram as características que antes eram analisadas nas outras histórias
de detetive, como as duas histórias paralelas, uso do vocabulário e dos
tempos verbais adequados, presença de pistas, de mistério, seqüência de
ações, etc. Ao final desta oficina, o material produzido pelos alunos foi
recolhido para verificar o progresso da construção da história, que foi
continuada ao longo das oficinas seguintes.
Oficina 9
A partir da releitura dos mistérios produzidos na aula anterior, foi
preenchida uma ficha, que constituiu um roteiro para completar uma
narrativa de detetive. Neste roteiro, foram estabelecidas as principais
características que uma história de detetive deveria conter, como os
culpados, as vítimas, os investigadores, os motivos do mistério/crime, etc.
Tanto os mistérios quanto os roteiros foram recolhidos, para análise.
Oficina 10
A partir do mistério e do roteiro construídos anteriormente, a produção
final da narrativa de detetive é solicitada, de forma individual.
Oficina 11
Após a realização da produção final da narrativa de detetive e da análise da
professora, foi feito um trabalho de autocorreção, visto que os alunos
deveriam buscar soluções com o objetivo de melhorar sua narrativa de
detetive, sobretudo no tocante à organização textual e características do
gênero de texto em questão.
Oficina 12
As narrativas produzidas foram distribuídas a todos, para leitura e
comentários. Os próprios alunos escolheram três narrativas, para serem
“publicadas” em livrinho especial. Os critérios para esta escolha foram as
características do gênero.
É possível observar que, desde a produção inicial, a grande maioria dos alunos
mobiliza o conteúdo temático típico das narrativas de detetives, com exceção das
subcategorias “elaboração da intriga” (40% dos alunos) e “referência temporal”
(20 % dos alunos). Após a realização da seqüência didática, o conjunto dos aprendizes
demonstra crescimento, criando situações típicas ao gênero.
Os resultados da figura 7 revelam que, já na produção inicial, os alunos
mostram conhecer os princípios de organização de uma seqüência narrativa. Estes
resultados confirmam a apropriação da seqüência narrativa, que ocorreu após a
primeira seqüência didática: os alunos habituaram-se a produzir textos orais e escritos
pertencentes aos gêneros do agrupamento narrar desde a intervenção didática
realizada na 3ª série. Todos conseguem montar uma narrativa com situação inicial,
complicação, ações dela decorrentes e resolução na produção final. No entanto,
eles apresentam dificuldades na elaboração de “avaliações”, uma vez que menos de
50% as apresentam (ainda que o percentual tenha crescido de 20% para 50%).
5 À GUISA DE CONCLUSÃO
P: Isso mesmo. E tu acha(s) que esse... esses projetos que a gente fez te
ajudaram em alguma coisa?
S: Ajudaram bastante.
P: Em...
S: No português.
REFERÊNCIAS
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ROCHA, I. L. V. Pontuação e formato gráfico do texto: aquisições paralelas. D.E.L.T.A.,
Marcos Baltar*
Fabiele Stockmans de Nardi**
Luciane Todeschini Ferreira***
Maria Eugênia Gastaldello****
Resumo: Este estudo, que tem como base conceitual o quadro do Interacionismo Sociodiscursivo,
é fruto da análise de atividades de sala de aula que vêm sendo sistematizadas no projeto de pesquisa-
ação UCS-PRODUTORE, cujo propósito é investigar a natureza da formação inicial e continuada de
professores de Língua Portuguesa. O principal objetivo desse artigo é discutir a potencialidade do
trabalho com a ensinagem de diversos gêneros textuais que circulam em diferentes ambientes
discursivos da sociedade, extrapolando a dimensão exclusivamente escolar, por meio de uma
atividade didático-pedagógica denominada Circuito de Gêneros, a qual busca desenvolver nos
usuários da língua a sua competência discursiva.
Palavras-chave: ensino; estratégia; gênero textual; atividade de linguagem; competência discursiva.
1 INTRODUÇÃO
*
Professor da Universidade de Caxias do Sul – UCS. Doutor em Lingüística. E-mail: <marbalta@ucs.br>.
**
Professora da UCS. Mestre em Letras. E-mail: <fabielestockmans@hotmail.com>.
***
Professora da UCS. Mestre em Comunicação e Semiótica. E-mail: <ltferrei@ucs.br>.
****
Professora da UCS. Mestre em Educação. E-mail: <maeu@terra.com.br>.
caso particular de avaliação social). Mas ela tem também um estatuto interno ou
internalizado que nunca é acessível diretamente ou enquanto tal (e que na investigação
é objeto de hipóteses): trata-se das representações de sua situação material e de seu
posicionamento social forjadas por esse agente/ator verbal.
As atividades e ações de linguagem são consideradas como pertencentes a
um nível de apreensão pré-lingüístico, visto que os fenômenos estudados e as noções
que correspondem a esses fenômenos devem sempre poder ser analisados e definidos
sem levar em conta ou sem prejudicar as propriedades lingüísticas das realizações
verbais efetivas que as semiotiza, num quadro de uma língua natural dada.
Os lugares ou instituições sociais em que se organizam diferentes formas de
produção com respectivas estratégias de compreensão, em que ocorrem as atividades
a as ações de linguagem, por meio de gêneros textuais e de textos empíricos, são
denominados ambientes discursivos. Determinadas atividades e ações de
linguagem, realizadas potencialmente por gêneros textuais específicos, ocorrem,
notadamente, mais em um ambiente discursivo do que em outro.
A noção de texto da qual se utiliza o ISD se assemelha à noção bakhtiniana
de enunciado/texto/discurso; ou seja, trata-se da unidade comunicativa verbal: oral
ou escrita, gerada por uma ação de linguagem, acumulada historicamente “no mundo
das obras humanas”, que os indivíduos utilizam para interagir uns com os outros
nos diferentes ambientes discursivos da sociedade. Os textos, de acordo com suas
características estruturais e funcionais, como unidades de interação verbal humana,
podem ser classificados em gêneros textuais, o que garante sua indexação no
inventário geral historicamente construído pela interação humana denominado
arquitexto. Nesse recorte do mundo das obras humanas estão os textos etiquetados
em gêneros de textos, que são atualizados cada vez que ocorre uma ação de linguagem,
e, portanto sempre suscetíveis de uma carga de novo aportada pelo estilo individual
dos interlocutores e pelas restrições contextuais das atividades e das ações de
linguagem produzidas historicamente. Se não fosse assim, como havia advertido
Bakhtin (1997), a cada nova interação seria necessário criar um novo gênero textual.
O reconhecimento e a escolha de um gênero que mediatiza o interagir verbal é a
primeira instância da interação verbal humana e é sempre dependente de uma ação
geral não verbal que se processa num determinado tempo e lugar social. Dito de
outra forma, onde há interação verbal há o exercício feito pelos interactantes de
mobilizar e atualizar um gênero indexado ao arquitexto, cujo produto será um texto
empírico, de extensão indeterminada: desde um pedido de “socorro” até um livro
1
Termo tomado de empréstimo a Bakhtin (1986).
2
Embora em Bronckart (1999) se leia ‘unidades verbais’, é conveniente ampliar a noção de textos e discursos para
unidades semióticas, extrapolando a noção do verbal.
3 CIRCUITO DE GÊNEROS
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Title: Genre chain: significant language activities for the development of discursive competence
Author: Marcos Baltar, Fabiele Stockmans de Nardi, Luciane Todeschini Ferreira, Maria Eugênia
Gastaldello
Abstract: This study, based on the conceptual framework of socio-discursive interactionism, results
from the analysis of school activities currently being systematized in the action-research project
UCS-PRODUTORE, which aims at investigating the nature of pre-service and in-service education
programs for teachers of Portuguese. The main objective of this article is to discuss the advantages
of teaching, beyond the school dimension, several textual genres which circulate in different discursive
environments, through a didactic-pedagogical activity called Genre Chain, which attempts to develop
the discursive competence of the language users.
Keywords: teaching; strategy; genre; language activity; discursive competence
Resumo: Este artigo tem como objetivo relatar uma experiência de planejamento de um curso de
português instrumental na área de Ciências Contábeis. Meu ponto de partida está no conceito de
gênero discursivo da perspectiva sistêmico-funcional de linguagem (HALLIDAY; HASAN, 1989;
MARTIN, 1992; EGGINS, 1994; THOMPSON, 1996; EGGINS; MARTIN, 1997), no conceito do
conhecimento sobre gêneros (BERKENKOTTER; HUCKIN, 1995), associado ao conhecimento
partilhado pelos usuários ao utilizarem gêneros escritos (JOHNS, 1997), além de aspectos
relacionados ao planejamento de cursos instrumentais (ROBINSON, 1991; HUTCHINSON; WATERS,
1987). Relato, em um primeiro momento, como tais conceitos foram operacionalizados para sua
implementação pedagógica. Em seguida, apresento algumas atividades desenvolvidas, bem como
as percepções dos alunos sobre tais atividades.
Palavras-chave: gênero discursivo; aprendizagem; lingüística sistêmico-funcional; português
instrumental.
*
Agradeço aos alunos do 1º ano matutino de Ciências Contábeis de 2005 do Centro Universitário UniFecap pela
participação no projeto e disponibilização de suas atividades e exercícios.
**
Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da UniFECAP. Doutor em Lingüística aplicada. E-mail:
<orlandovianjr@uol.com.br>.
preparar os alunos para a vida acadêmica e também pelo fato de o ensino ser
descontextualizado, não lidando com necessidades específicas relacionadas à vida
escolar em si, ao próprio aprender ou a estratégias de estudos requeridas de forma
mais constante no ensino superior que incite o aprender a aprender.
É claro que contribuem significativamente para esse contexto as
transformações pelas quais vem passando o ensino de língua portuguesa, além das
novas condições sociais de acesso à universidade, também em constante mudança
nos últimos anos. Esse panorama dá ao ensino da língua um novo referencial, como
aponta Soares (1998, p. 57):
Este é o cenário que funciona como ponto de partida para o trabalho relatado
neste artigo: uma experiência desenvolvida juntamente a alunos de primeiro ano de
um curso de Ciências Contábeis em uma Instituição de Ensino Superior (IES, daqui
por diante) particular na cidade de São Paulo, que utilizam a modalidade escrita da
língua materna para desenvolver tarefas acadêmicas que não lhes foram previamente
ensinadas, uma vez que o ensino de língua materna, mais especificamente no ensino
médio, e principalmente pelo famigerado e desvirtuado vestibular, tende a focar na
forma e no produto e nunca no significado ou no processo. Os alunos simplesmente
não aprendem o processo da escrita, mas são apenas solicitados que produzam
textos de gêneros distantes daqueles que circulam em seu cotidiano, como, por
exemplo, editoriais de jornal, um gênero pouco provável de ser produzido em
contextos cotidianos por cidadãos comuns. Importante sinalizar, contudo, que os
editoriais podem, dependendo da maneira como abordados na sala de aula, ser
utilizados a partir de uma perspectiva prática, em que o professor o tome como
objeto de ensino para discutir a linguagem da mídia no ensino médio, por exemplo.
No ensino superior, por seu turno, solicita-se aos alunos que produzam
monografias, relatórios, resumos, resenhas e outros gêneros; fazem-no sem nem
mesmo lhes dizerem do que se trata ou para que propósitos comunicativos tais gêneros
são destinados; isso ainda leva a uma severa crítica, por parte dos próprios
professores, de que os alunos não estão aptos a produzirem textos, sem ao menos
refletirem sobre o fato de que muitos jamais foram expostos a tais gêneros, ou seja,
exigem dos alunos algo a que não foram expostos ou que não lhes foi ensinado. E,
no mais das vezes, o comentário do professor está tão-somente no uso da norma
culta, relegando questões sociolingüísticas, de uso e de produção textual a outros
planos. O professor, por outro lado, não leva em conta a relevância da exigência de
tais tarefas, nem estabelece um vínculo entre a vida acadêmica e a vida profissional,
entre teoria e prática.
Com base em análise de necessidades desenvolvida em sala de aula e em
minha própria experiência como professor de português instrumental, optei pela
pilotagem e implementação de um curso no qual os gêneros do discurso fossem a
base, com o objetivo de tentar atingir dois objetivos: (a) trabalhar com gêneros
acadêmicos que os alunos supostamente necessitariam em sua vida acadêmica para
as demais disciplinas, baseado em levantamento prévio, assim como (b) gêneros
profissionais com que os alunos deveriam estar familiarizados para sua futura vida
profissional. Assumo como pressupostos, aqui, e também como apontado por Cintra
(1996), três aspectos importantes no ensino de português instrumental: o diagnóstico,
o planejamento e a avaliação.
Inicio pela apresentação dos conceitos de gênero discursivo, conforme
preceituado pela perspectiva sistêmico-funcional de linguagem, da noção de
conhecimento de gêneros, assim como outros tipos de conhecimento com os quais
os interactantes lidam quando desempenham determinados gêneros, além de discutir
questões de planejamento de cursos a partir do prisma instrumental e o tipo de
planejamento adotado para o curso em questão. Descrevo, em seguida, os gêneros
escolhidos para serem trabalhados no curso para atingir os objetivos na primeira
parte da experiência – uma vez que a segunda parte encontra-se em desenvolvimento
–, algumas atividades desenvolvidas e as percepções dos alunos sobre elas. Concluo
apontando alguns resultados preliminares, além de questões relacionadas à
operacionalização e à implementação pedagógica de uma proposta de ensino de
produção escrita com base na perspectiva sistêmico-funcional de linguagem.
2 ENQUADRAMENTO TEÓRICO1
1
Partes deste enquadramento teórico foram adaptadas de minha tese de doutorado (VIAN JR, 2002), na qual
discuto a questão da utilização dos gêneros do discurso – sob uma perspectiva sistêmico-funcional – para o
planejamento de cursos instrumentais de produção oral. no ensino de inglês instrumental.
vista de Halliday e Hasan, por exemplo, podemos dizer que, no exemplo que estou
utilizando, o cumprimento inicial e final são estágios obrigatórios da interação.
Os usuários do gênero em questão também partilham o mesmo registro2, ou
seja, as frases e o vocabulário que usarão na interação possuem características
informais, assim como as formas de tratamento que serão utilizadas. Associados a
esses elementos estão os valores culturais, uma vez que a linguagem cotidiana é
marcada por elementos do contexto; ao considerarmos, por exemplo, a escolha do
sabor da pizza, diversos valores culturais entram em funcionamento, que podem
estar ligados aos ingredientes locais disponíveis, por exemplo.
Finalmente, temos a consciência da intertextualidade, pois a linguagem
utilizada na interação traz consigo elementos de experiências discursivas anteriores.
Se considerarmos, por exemplo, uma pessoa que nunca tenha feito um pedido de
pizza por telefone e o faça pela primeira vez, talvez essa atividade possa ser marcada
pela ausência de elementos intertextuais, ao passo que alguém que é usuário assíduo
de determinado fornecedor vai se utilizar de elementos intertextuais desse contexto,
como em alguns casos de atendimento informatizado, em que somente dizer o número
do telefone aciona as demais informações, já armazenadas em um sistema.
Devemos levar em consideração, entretanto, que o trabalho de Johns refere-
se à utilização dos gêneros escritos no contexto acadêmico; logo, ao considerarmos
um meio social mais amplo, como o exemplo dado acima, alguns dos elementos
propostos pela autora tornam-se passíveis de questionamento, como é o caso da
partilha do nome do gênero utilizado, por exemplo. O trabalho de Freire (1998) –
em que a autora pesquisa a produção de textos mediada por computador – aponta
para o fato de que o nome do gênero que se está utilizando nem sempre é partilhado
pelos usuários na mesma comunidade, pelo menos para os profissionais no contexto
em que a autora pesquisou. Isso também é observável em sala de aula, principalmente
em atividades de produção escrita, nas quais se pede que os alunos produzam textos
e estes são materializados diferentemente do esperado, pois não há uma partilha em
relação ao nome do gênero. Outro questionamento que podemos levantar é o de
que o indivíduo, ao interagir socialmente, não realiza conscientemente operações
que o levem a definir que gênero irá utilizar e todas as convenções sociais e textuais
a ele relacionadas. Pensemos num caso oposto: se solicitássemos a um usuário que
2
O conceito de registro utilizado por Johns (1997) refere-se à predominância de determinadas características
lexicais e gramaticais em um gênero específico. Diferencia-se do conceito de registro utilizado na gramática
sistêmico-funcional, um conceito tripartite (campo, participantes e modo) relacionado ao contexto de situação
(HALLIDAY; HASAN, 1989).
desempenhasse uma tarefa que nunca houvesse desempenhado, sua atitude seria
buscar, juntamente a outros usuários que utilizassem aquele gênero, pistas para a
sua utilização, ou seja, os conhecimentos propostos por Johns seriam inerentes ao
novo gênero aprendido, não havendo uma relação unívoca entre convenções textuais
e convenções sociais.
No ensino de língua materna, essas premissas também podem ser utilizadas.
Relato, especificamente, o problema recorrente que enfrento com os gêneros resumo
e resenha, já que muitos professores costumam confundi-los, solicitando a produção
de um gênero, mas indicando características do outro, colocando os alunos, muitas
vezes, num embate terminológico.
No contexto empresarial, esse fato também está presente. Os estudos de
Barbara et alii (1996) e de Celani e Scott (1997) revelam que os mesmos documentos
são utilizados por diferentes empresas com nomes diferentes. O que é memorando
em uma empresa, por exemplo, pode ser denominada comunicação interna em
outra, embora o propósito comunicativo, assim como outras características textuais
e formais, sejam idênticos.
A proposta de utilização dos conceitos de gênero e conhecimentos sobre gêneros
está associada, portanto, ao fato de os alunos, no ambiente acadêmico, produzirem
textos pertencentes a gêneros de situações extremamente ritualizadas, cuja linguagem
e conteúdo são previsíveis. Daí poder basear o ensino da produção escrita nos gêneros
do discurso que os alunos utilizam e usarmos o próprio conhecimento do aluno, como
usuário potencial do gênero em questão, como ponto de partida para as aulas,
reforçando, assim uma participação mais colaborativa do aluno, acentuando sua
participação nas aulas e aumentando, simultaneamente, sua motivação.
A idéia para este projeto surgiu de minha experiência em uma IES na cidade
de São Paulo, onde ministro as aulas de Português Instrumental nos cursos de
Administração de Empresas e de Ciências Contábeis. Ocorreu, principalmente, em
função de minha frustração com o desempenho dos alunos, que por muito tempo –
mesmo a disciplina tendo a denominação de “instrumental” – foram expostos a
uma visão estruturalista de ensino de língua portuguesa. Considerei, ainda, as
reclamações dos próprios alunos da dificuldade de se aprender a língua, bem como
os comentários dos demais professores de que os alunos não eram competentes no
uso da língua. Vislumbrei, pois, a possibilidade de implementação de um curso em
que questões mais práticas fossem abordadas.
Esse cenário gerava um grande desconforto, uma vez que, em alguns
momentos, estava claro que a exigência dos professores estava centrada em suas
do programa do curso. O foco inicial foi colocado nas sete disciplinas do currículo:
Contabilidade, Sociologia, Matemática, Psicologia, Direito, Economia, Teoria Geral
da Administração e Português Instrumental.
Apresentarei aqui, por uma questão de espaço, apenas três atividades, em
três momentos distintos, para que possa ilustrar como operacionalizei os conceitos
sistêmico-funcionais, num primeiro momento, e, em seguida, como os implementei
pedagogicamente, de forma que os alunos pudessem realizar as tarefas solicitadas.
objetivo de mostrar aos alunos que todos, como usuários da língua, utilizam gêneros
cotidianamente e que, ao utilizá-los, colocam em funcionamento alguns
conhecimentos sobre aquele gênero, além de partilharem de alguns conhecimentos
com a comunidade discursiva em que interagem, conforme proposto por
Berkenkotter e Huckin (1995) e também por Johns (1997), além de dar aos alunos
novas ferramentas para seus estudos, levando-os a perceberem que os textos que
utilizam partilham características. Como atividade suplementar, os grupos também
analisaram um capítulo do livro didático que utilizam para cada uma das outras
disciplinas do currículo, como forma de compreender o funcionamento dos capítulos
e, ao final, produziram um quadro com as características de cada disciplina. Isso os
leva, ao mesmo tempo, a desenvolver estratégias de aprendizagem para utilização
dessas informações em outros gêneros, como o resumo, por exemplo e, ainda, a
perceberem que seu conhecimento prévio exerce grande influência em seu
desempenho acadêmico, além de também enfocar a interdisciplinaridade.
Subjazem a essas atividades, como indiquei anteriormente, do ponto de vista
teórico, os conceitos de gênero e de registro, bem como as noções de contexto de
cultura e de contexto de situação, uma vez que, do ponto de vista pedagógico, meu
objetivo era que os alunos compreendessem o papel do contexto e como os elementos
contextuais são imbricados no texto. E, do ponto de vista do planejamento, estou
fazendo a passagem da teoria para a prática, passando da operacionalização de um
conceito teórico e transformando-o em prática para, no momento seguinte, usá-lo
no ensino, tratando-se, assim, de sua implementação pedagógica.
Após algumas das atividades, foi solicitado aos alunos que relatassem as suas
percepções sobre a experiência. Na apresentação da atividade sobre os capítulos
dos livros das outras disciplinas, por exemplo, solicitei aos alunos que respondessem
a duas perguntas:
a) O que você aprendeu sobre gêneros depois da análise dos textos e das
apresentações de seus colegas?
b) Como isso pode ajudar a sua vida acadêmica?
As respostas variaram de acordo com o conhecimento prévio dos alunos, outras
experiências escolares, conscientização e conhecimento partilhado. Em resumo, os
resultados foram muito positivos e sugerem a eficácia e a significância de tais atividades,
como podemos inferir pelas seguintes respostas escolhidas aleatoriamente:
(6) Fazer esse resumo foi mais fácil que o primeiro, porque adquiri
conhecimentos ao longo do semestre como os métodos de apagamento,
coesão, vocabulário, etc. (Alexandra B)
(7) Foi mais fácil elaborar o resumo por já ter conhecimento a respeito da
técnica de como fazê-lo. Por se tratar de um artigo acadêmico, de grande
interesse, tornou a leitura e o resumo mais agradáveis, fácil compreensão e
fixação da idéia. (Rejane)
(8) A elaboração do resumo é mais simples após compreender os
mecanismos de coesão do texto, pois podemos perceber quando o parágrafo
vai tomar uma idéia nova ou apenas retomar uma o raciocínio do parágrafo
anterior. (Éric)
(9) Não senti nenhuma diferença ao fazer este resumo com relação ao que foi
feito no início do semestre. Independente de tudo que eu tinha aprendido
esse semestre, continuei fazendo resumo da maneira que eu fazia antes. (Paula)
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Meu objetivo, neste artigo, foi o de ilustrar como tenho trabalhado os conceitos
da Lingüística Sistêmico-Funcional (LSF) como forma de operacionalizar o seu
uso, isto é, transformar o conceito teórico em prática para que seja compreensível a
alunos para, em seguida, desenvolver a sua implementação pedagógica, ou seja,
a utilização dos conceitos em atividades e tarefas de sala de aula, o que equivale a
dizer: preencher, mesmo que de forma tímida, a distância entre teoria e prática,
entre ensino e pesquisa.
Apresentei, especificamente, como o conceito de gênero do discurso,
conforme preceituado pela LSF, e o conceito de conhecimento sobre gêneros
(BERKENKOTTER; HUCKIN, 1995) podem ser utilizados no ensino de português
instrumental.
Em seu artigo sobre uma proposta para o ensino de língua estrangeira, Ramos
(2004) aponta que, embora haja muita teoria sobre o conceito de gêneros, “pouco
ainda foi feito no contexto brasileiro na área de planejamento de cursos baseados
em gêneros, principalmente para o ensino de línguas estrangeiras”, e posso
acrescentar, por experiência, que menos ainda tem sido feito na operacionalização
de conceitos da teoria sistêmico-funcional de linguagem no ensino de língua materna,
e uma quantidade mais exígua ainda no ensino de português instrumental.
O que se observa, com base nas atividades apresentadas neste artigo, é que o
ensino da produção escrita em língua materna deve levar em conta o conhecimento
prévio dos alunos, mas, por outro lado, deve, ao mesmo tempo, incentivar a
conscientização sobre seu papel social, para que não se insista na visão de linguagem
como algo dissociado do mundo ou como um conjunto de regras, mas como um todo
coeso, do qual fazem parte diversos elementos, dentre eles a gramática, não sendo ela
tomada como fim, mas como meio, dentre outros elementos co-textuais e contextuais
que colaboram para a textura de um texto e para a comunicação como um todo.
Outro aspecto importante é o papel da pesquisa no contexto de ensino-
aprendizagem de língua materna, pois urge que mais pesquisas sejam incentivadas e
desenvolvidas no sentido de suprir, como já apontei acima, o grande vácuo entre
teoria e prática, entre pesquisa e ensino, pois parece haver um diálogo muito incipiente
nessa área em nosso país.
Espero que as experiências aqui apresentadas possam auxiliar outros
professores ou profissionais envolvidos no planejamento de cursos e que delas possam
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FREIRE, M. M. Computer-mediated communication in the business territory: a
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(Doutorado) – Ontario Institute for Studies in Education, Universidade de Toronto, 1998.
Title: Discursive genres and genre knowledge in the planning of a course on Portuguese for specific
purposes for the accounting area
Author: Orlando Vian Jr.
Abstract: This paper aims at presenting an on-going experience based on the concepts of genre
and genre knowledge interactants share while using some genres. Focus is put on the education of
the pre-service professional in the Accounting area, by reporting how both academic and professional
genres were implemented at undergraduate levels so as to help students develop a more effective
performance in their academic life as well as in their future professional life according to the genres
they are supposed to use
Keywords: genre; genre knowledge; systemic-functional linguistics; Portuguese for Specific
Purposes.
Tìtre: Genres discursifs et connaissances sur les genres dans le projet d’un cours de portugais
instrumental pour les sciences comptables
Auteur: Orlando Vian Jr.
Résumé: Cet article a comme objectif de faire le rapport d’une expérience de projet d’un cours de
portugais instrumental dans le domaine des Sciences Comptables. Mon point de départ se trouve
dans le concept discursif de la perspective systémico-fonctionnelle de langage (HALLIDAY; HASAN,
1989; MARTIN, 1992; EGGINS, 1994; THOMPSON, 1996; EGGINS; MARTIN, 197), dans le concept
de la connaissance partagée par les employeurs quand ils s’en servent des genres écrits (JOHNS,
1997), au delà des aspects qui sont en rapport avec le projet des cours instrumentaux (ROBINSON,
1991; HUTCHINSON; WATERS, 1987). Je fais le rapport, tout d’abord, pour démontrer comment
tels concepts ont été operationnalisés visant leur emploi pédagogique. Ensuite, je présente quelques
activités développées, aussi bien que les perceptions des élèves sur ces activités.
Mots-clés: genre discursif; apprentissage; linguistique systémico-fonctionnelle; portugais
instrumental.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo relatar e analisar uma experiência de ensino
de produção textual acadêmica escrita, surgida a partir de nossa observação, como
professores de pós-graduação, da dificuldade de muitos mestrandos em ingressar
no discurso acadêmico em termos práticos, isto é, em produzir textos que possam
ser reconhecidos como gêneros do meio, dentre eles o “artigo de pesquisa”. Em
outras palavras, detectamos que muitos de nossos alunos, embora já façam parte de
um programa de mestrado há algum tempo, mostram pouca (ou nenhuma)
familiaridade com e capacidade de utilização eficiente dos gêneros do discurso
científico.
No âmbito específico dos cursos de mestrado, temos observado que os textos
dos alunos apresentam problemas de organização micro e macroestrutural, refletindo
* Professora da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Doutora em Inglês e Literaturas Correspondentes.
E-mail: <deborafigueiredo@terra.com.br>.
** Professor da UNISUL. Doutor em Lingüística. E-mail: <adbonini@yahoo.com.br>.
escrita acadêmica. Desses 13, seis realizaram uma minipesquisa atrelada ao texto
(nas áreas de análise do discurso e estudos de gênero textual), sendo que quatro
deles desenvolveram essa pesquisa num processo de produção textual em etapas
que foi acompanhado, na forma de tutorias, pelos professores que coordenaram a
experiência, como podemos ver no quadro 2.
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
quais são as implicações desta premissa? Primeiro, que a linguagem é parte da sociedade,
e não algo externo a ela. Segundo, que a linguagem é um processo social. E terceiro,
que a linguagem é um processo socialmente condicionado por outros elementos (não-
lingüísticos) da sociedade. Fairclough (1989) argumenta que não há uma relação
externa ‘entre’ linguagem e sociedade, mas uma relação dialética interna. A linguagem
é parte da sociedade; os fenômenos lingüísticos são fenômenos sociais de um tipo
especial, e os fenômenos sociais são (em parte) fenômenos lingüísticos.
Os fenômenos lingüísticos são sociais na medida em que, sempre que alguém
fala ou ouve ou escreve ou lê, essas ações são feitas de formas socialmente
condicionadas, e provocam efeitos sociais. Por outro lado, os fenômenos sociais são
lingüísticos na medida em que as atividades lingüísticas que ocorrem em contextos
sociais não são um mero reflexo ou expressão de processos e práticas sociais, na
verdade elas são parte desses processos e práticas.
Os analistas críticos do discurso acreditam que práticas sociais e práticas
discursivas se apóiam mutuamente, i.e., a linguagem é tanto fonte quanto receptora
de processos discursivos, sociais e ideológicos mais amplos. Devido a esta inter-
relação entre discurso e sociedade, as instituições sociais dependem profundamente
da linguagem. Nas palavras de Wodak (1996, p. 15):
gêneros. Nas palavras de Cope e Kalantzis, “os gêneros são intervenções textuais na
sociedade; e a sociedade em si nada seria sem a linguagem, com seus padrões
previsíveis” (1993, p. 7).
Cope e Kalantzis lembram que, longe de filiar-se ao movimento de ‘volta ao
básico’, a abordagem do letramento em gêneros faz objeções tanto à pedagogia
tradicional quanto à pedagogia progressista. Ao contrário dos progressistas, os
pesquisadores que adotam essa linha acreditam na importância da metalinguagem e
da gramática na escola, alegando que a educação é o único espaço social onde a
gramática como metalinguagem tem importância real. Em oposição aos tradicionalistas,
os defensores do letramento em gêneros argumentam que a metalinguagem precisa
ser explicada em termos de suas funções sociais; se o projeto da escola é facilitar a
inclusão social dos alunos provenientes de grupos sociais marginalizados através do
acesso aos gêneros de uma variedade de âmbitos sociais, então é necessário estabelecer
uma conexão explícita entre estrutura e propósito dos gêneros ensinados, isto é, a
gramática ensinada na escola precisa ser obviamente relevante.
Em resumo, o conceito de ‘letramento em gêneros’ proposto por Cope e
Kalantzis (1993) se diferencia tanto das abordagens tradicionais ao ensino da escrita,
que davam ênfase à correção formal do texto, quanto das pedagogias progressistas
que enfatizam a aprendizagem ‘natural’ através da prática livre da escrita. Segundo
os autores, “o letramento em gêneros não significa progressismo liberal, nem é
parte do movimento que prega a ‘volta ao básico’ [ensino da gramática normativa].
O letramento em gêneros está tentando estabelecer um novo espaço pedagógico”
(1993, p. 1). Nas palavras dos autores:
valores e crenças que geram formas particulares de ação social, decisões, escolhas
e omissões particulares, assim como certos tipos de estruturas lingüísticas” (2004,
p. 1). O que a autora propõe é que a forma como falamos sobre a escrita e sobre a
aprendizagem da escrita apresenta traços reconhecíveis de certos discursos sobre a
escrita. Como os textos e os eventos discursivos dos quais participamos são
heterogêneos, geralmente nossas concepções sobre a escrita, sua aprendizagem e
seu ensino, apresentam um amálgama complexo de mais de um discurso sobre o
tema. Por exemplo, ao analisar suas respostas escritas aos textos de alunos,
Christiansen (2004) concluiu que seu discurso se localizava em algum ponto entre a
abordagem do letramento acadêmico, uma proposta com a qual ele se diz teórica e
profissionalmente comprometido, o modelo das habilidades, resquício de sua
formação de ensino médio e universitário, e o modelo da socialização, que marcou
grande parte de sua pós-graduação na área de escrita acadêmica.
^
Ivanic identifica seis discursos sobre a escrita e sobre a aprendizagem e o
ensino da escrita. Esses discursos consistem de crenças sobre como se escreve e
como se aprende a escrever, assim como das práticas de ensino e de avaliação da
escrita associadas a essas crenças. Os seis discursos estão resumidos, de forma
diagramática, no quadro 3.
^
Ao usarmos a proposta de Ivanic , é importante lembrar que um professor de
produção escrita dificilmente se encaixa em apenas uma das linhas horizontais do
modelo, ou seja, suas crenças sobre o ensino, aprendizagem e avaliação da escrita
provavelmente envolvem a combinação de mais de um discurso sobre o tema.
Entretanto, em contextos específicos (ou atividades específicas de escritura), algumas
vezes é possível, pela forma como algumas crenças e práticas são postas em primeiro
plano, identificar um discurso dominante.
2
Lea e Street (1998, apud CHRISTIANSEN, 2004, p. 3) apontam três abordagens gerais para o letramento que
influenciaram e influenciam as pesquisas e as práticas na área: 1) a abordagem das habilidades, na qual o letramento
é reduzido a um conjunto de habilidades que precisam ser adquiridas; 2) a abordagem da socialização acadêmica,
que procura aculturar os aprendizes no mundo da linguagem acadêmica; e 3) a abordagem do letramento
acadêmico, cujo foco são as práticas sociais envolvidas no processo de letramento. É importante notar que, nos
últimos anos, muitos autores têm tentado levantar as abordagens do ensino de escrita (JONHS, 1997; SCHNEUWLY;
DOLZ, 1997; HYLAND, 2002; BONINI, 2002; entre outros).
^
ensino da escrita acadêmica, Ivanic descreve a abordagem australiana de gêneros
como “‘socialização acadêmica’: o aprendizado das convenções estabelecidas para
os tipos de escrita que são valorizados na academia” (2004, p. 11).
A abordagem de gênero tem atraído tanto críticas quanto elogios, seja no
âmbito da escola, da pesquisa, ou da criação de políticas educacionais. Alguns a
vêem como lógica, sistemática, realista e ensinável. Outros, por outro lado, a
consideram prescritiva e simplista, baseada numa visão falsa dos gêneros como
unitários, estáticos e passíveis de especificação. Cope e Kalantzis (1993), por exemplo,
são contrários à modelagem por acreditarem que essa abordagem não só é uma
reencarnação da pedagogia da transmissão passiva, mas que também sacraliza os
gêneros do poder e os transmite de forma acrítica, pelo simples fato de que deveriam
ser ensinados para grupos de alunos historicamente à margem do letramento escolar.
Entretanto, vários pesquisadores e teóricos da área têm trabalhado no sentido de
integrar essa perspectiva com visões mais fluídas e ideologicamente estruturadas
dos gêneros textuais.
v. O discurso da escrita como prática social: Nessa visão da escrita, o texto e
os processos de composição são vistos como inseparáveis das interações sociais
complexas que formam o evento comunicativo no qual estão situados, sendo possível
^
isolar o sentido dos objetivos sociais da escrita. Como afirma Ivanic (2004, p. 12),
Como foi dito anteriormente, enviamos aos alunos um questionário com sete
perguntas sobre discurso, práticas acadêmicas, gêneros acadêmicos, e sobre como
eles avaliavam a influência da oficina em sua concepção de escrita acadêmica, e em
sua prática de produção escrita pós-oficina (artigo produzido). Cinco alunos
responderam ao questionário. Na análise abaixo, buscamos, nas respostas dos alunos
para cada uma das perguntas, evidências dos diferentes discursos sobre a escrita, a
^
partir do modelo de Ivanic .
Na resposta à pergunta “O que você entende por discurso?”, a fala dos
alunos traz marcas tanto do discurso das práticas sociais quanto do discurso
sociopolítico, através de referências ao contexto sociocultural de produção textual
escrita, e à presença de ideologias e relações de poder no discurso.
(1) [...] Nessa abordagem, discurso é algo mais que apenas uso da
linguagem: é uso da linguagem, falada ou escrita, como um tipo
de prática social, que está sempre inserida em um contexto. O
(7) Os discursos têm que ter um [sic] linguagem apropriada, que não
seja um linguajar vulgar, mas que também não seja uma linguagem pretensiosa,
que seja um [sic] linguagem clara, objetiva e precisa. (Aluno 2)
(8) Um discurso para ser classificado como científico precisa ter antes de
tudo uma linguagem apropriada segundo o meio acadêmico que irá
circular e que seja fruto de um estudo teórico e/ou prático do assunto.
(Aluno 3)
3
Sobre as relações de poder na formação das identidades dos membros da comunidade discursiva acadêmica, ver
Figueiredo, 2004.
(17) Eu acredito que seja estabelecer uma espécie de padrão para que
tanto produtores e leitores possam ter um acesso ágil e eficaz a esses
textos. E de forma alguma, isso seria estabelecer o que é certo ou errado,
mas sim o que seria mais conveniente para cada produção textual.
(Aluno 1)
(18) A norma serve para padronizar e para ajudar o leitor a entender
melhor o relato. (Aluno 3)
(19) O papel da norma é colocar os textos acadêmicos circulando de uma
forma uniformizada, para que o leitor tenha acesso a uma maior
quantidade de textos, as normas normatizam, as produções, padronizam
nos dão um modelo a seguir na tentativa de ter um controle sobre as produções,
bem como para “facilitar ao leitor e ao escritor”. (Aluno 4)
precisos’, torna difícil distinguir se o aluno está focalizando o texto escrito como
produto final, ou o ato de escrever, se seu critério de avaliação é a precisão em
termos de normas e regras que regem a produção lingüística, ou a adequação a um
padrão genérico como forma de alcançar propósitos específicos.
(22) Entre outras, acredito que a mudança mais significativa diz respeito ao
aprimoramento da relação que existe entre forma e discurso
propriamente dito. [...] A oficina textual é de extrema relevância para o
entendimento dos procedimentos da escritura de um texto. É também
uma oportunidade prática, não só voltada a aprendizagem, mas também à
melhoria e ao aprimoramento do ato de escrever (Aluno 1)
(23) [...] antes elaborava meus textos sem nenhum planejamento não
tinha os objetivos claros em minha mente, e também não lia o suficiente
para poder ter uma boa argumentação, hoje percebo muitas mudanças em
meus textos, são mais coerentes e mais bem elaborados e talvez mais
precisos. (Aluno 2)
Nos dois últimos exemplos fica ainda mais clara a entrada do discurso das
habilidades lingüísticas na fala dos alunos, provavelmente como resultado de uma
formação escolar que os levou a ver a escrita como um processo baseado em
habilidades4. O primeiro (Aluno 5) combina o discurso de gênero com o das
habilidades, enquanto que o segundo (Aluno 4) identifica seus problemas apenas no
nível da falta de conhecimentos lingüísticos normativos que permitam alcançar a
‘perfeição’:
4
A visão da escrita como o resultado de habilidades lingüísticas e textuais adquiridas na formação escolar está presente
não só no discurso da escola, mas também no discurso da mídia e até das políticas públicas, e pode ser detectada em
noções do senso comum como “A escrita é uma habilidade importante no mercado de trabalho” ou “Os professores
[de português] sabem [ou devem saber] tudo sobre gramática e ortografia” (CHRISTIANSEN, 2004).
e percebo que estava muito ruim, dou a outras pessoas para lerem
meu trabalho, enfim, é um desgaste incomensurável, e que tenho a
impressão que não vou conseguir nunca chegar a perfeição [...]
(26) Estou escrevendo atualmente dois artigos, quando os releio, acabo
apagando tudo, acho pouquíssima coisa certa, etc...
(27) Este texto que aqui acabei de escrever, é uma grande frustração, pois
se eu reler, irei apagar ou nem mandar á [sic] vocês [...] (Aluno 4)
Sobre o discurso das habilidades, muitos alunos ainda parecem esperar dos
professores uma postura de instrução, controle e cobrança de habilidades lingüísticas,
assim como em muitas ocasiões nós, professores, também apresentamos um discurso
contraditório, e acabamos cobrando, embora de forma velada ou inconsciente, a
precisão lingüística ou a modelagem acrítica em nossas interações com os textos
dos alunos. Christiansen, por exemplo, ao analisar seus comentários aos textos
produzidos por seus alunos, afirma que:
(28) Uma outra dica é seguir bons exemplos de escritura. Ou seja, ler
boas produções textuais e anotar boas formas de se expressar. Um terceiro
item seria entender que o você escreve será lido por alguém, e
portanto, precisa ser claro o suficiente para que haja compreensão por
parte do leitor. (Aluno 1)
^
Entretanto, comprovando a crença de Ivanic de que os diferentes discursos
da escrita não aparecem de forma isolada na fala e nas práticas de letramento de
professores e aprendizes, o mesmo aluno apresenta também a visão do aprendizado
da escrita como um processo implícito, resultante de grandes quantidades de leitura
e de produção escrita constante.
(29) Num primeiro momento, notei que produzir um texto não era
algo que se aprendia por meio de fórmulas ou regras a serem
seguidas. Era necessário escrever e escrever. Mas para que isso
acontecesse, a leitura também era um outro item bastante
importante. (Aluno 1)
5
Embora a prática de ‘venda’ de trabalhos acadêmicos seja considerada antiética e combatida dentro da comunidade
científica, ela ainda é corrente, e até mesmo naturalizada, entre muitos membros periféricos dessa comunidade,
como fica claro na fala desse aluno.
6 COMENTÁRIOS FINAIS
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UERJ, 2002.
Title: Discursive practices and the teaching of academic writing: notions about writing presented
by master students
Author: Débora de Carvalho Figueiredo, Adair Bonini
Abstract: This article investigates the notions about the learning-teaching of academic writing, based
on the answers to a questionnaire on this topic presented to a group of master students after they had
^
taken part of an academic writing workshop. The analysis is based on the work of Ivanic (2004) on the
discourses about the teaching of writing at school. Through the analysis of the questionnaires we
could identify, in the students’ discourse, traces of the genre literacy pedagogy and of a social view of
discourse. The results indicate that the workshop contributed to the students’ meta-language in the
sense that it familiarized them with a view of writing as a social practice located within specific discursive
communities. However, they also indicate that the students are still marginal members of the academic
discursive community.
Keywords: discourse; genre; writing; teaching.
Tìtre: Pratiques discursives et enseignement du texte académique: des conceptions des élèves du
cours de “master” sur l’écriture
Auteur: Débora de Carvalho Figueiredo, Adair Bonini
Résumé: Cet article recherche les conceptions sur l’enseignement-apprentissage de l’écriture
académique, à partir des réponses données à un questionnaire sur ce sujet répondu par un groupe
d’élèves du cours de “master”, après avoir pris part à un atelier de production textuelle académique
^
écrite. L’analyse s’est fondée dans le travail d’Ivanic(2004) à propos des discours sur l’enseignement
de la production écrite à l’école. À travers l’analyse des questionnaires on a pu constaté, dans la
parole des élèves, des traits de pédagogie d’alphabétisation en genres et d’une vision sociale du
discours. Les résultats indiquent une contribution de l’expérience de l’enseignement dans le sens
d’habituer ces élèves avec la notion d’écriture comme pratique sociale insérée dans une communauté
discursive, mais aussi qu’ils se trouvent encore dans le stage de membres périphériques de cette
communauté.
Mots-clés: discours; genre textuel; production textuelle; enseignement; article de recherche.
Resumo: O presente artigo tem por objetivo refletir sobre o papel das práticas discursivas na
redação de teses de doutorado nas línguas inglesa e portuguesa, considerando-se aqui apenas o
capítulo de conclusão. A pesquisa, que se caracteriza como uma investigação descritiva e
comparativa, analisou dez capítulos de conclusão de teses de doutorado na área de análise do
discurso e lingüística de texto. Duas práticas discursivas foram examinadas: a estrutura retórica do
capítulo, segundo o modelo de Swales (1990), e a forma como os escritores se projetam em seus
textos. Os resultados apontaram quatro unidades retóricas na redação dos capítulos conclusivos e
uma sensível diferença nas duas culturas quanto ao papel que o escritor escolhe para se projetar
no capítulo final das teses.
Palavras-chave: gênero acadêmico; tese de doutorado; prática discursiva.
1 INTRODUÇÃO
* Professora da Universidade Estadual do Ceará. Doutora em Letras - Inglês e Literaturas Correspondentes. E-mail:
<dilamar@fortalnet.com.br>.
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
3 METODOLOGIA
(3) Perhaps the main conclusion from this study is that bringing any
one aspect of discourse meaning to the foreground will inevitably blur the
boundaries between any other set of linguistic or discourse categories. […]
Rather than distinguishing evaluation as a category, then, I have proposed
looking at a whole text as a single realization of evaluation. I have
proposed three parameters and three functions of evaluation, and also three
types of analysis. In the experimental research articles under discussion,
the sets of three are associated as follows. [TLI 1, UR 2, p. 355-356]
(4) In this study I have described and compared the behaviour, as exhibited
in the talk, of participants within two sets of feedback sessions, and offered
explanations for this behaviour. The findings can be summarized as
follows:…. [TLI 5, UR 2, p. 261]
(6) Whilst this study has added little to the ‘Whorfian debate’, it does offer
some contribution to the discussion of how linguistic connectives are
interpreted in a variety of languages and the implications for the teacher and
the learner of mathematics. It suggests that, in teaching mathematics, we should
be aware of the potential ambiguity in the interpretation of logical relationships
conveyed through natural language. [TLI 1, UR 4, p. 267-268]
(7) I hope that the findings of this research will be of interest to teacher
trainers and to those concerned with in-service training and development
within the ELT profession – both in the UK and overseas. The study may
even contain some points which are relevant to those interested in the training
and development of teachers of other subjects. [TLI 5, UR 4, p. 264]
discursiva. Dessa forma, enquanto alguns usos de I/eu são exemplos discretos de
manifestação de autoridade no texto, outros usos são considerados formas de o escritor
dialogar com seus pares. O uso de “we” tanto pode ser inclusivo (sinaliza a interação
escritor – leitor) quanto exclusivo (sinaliza voz de autoridade no texto, mas de forma
polida e positiva). No caso dos capítulos de conclusão em análise, percebe-se que
ambos os usos de I e we (eu ou nós) marcam a voz de autoridade: o escritor apela para
o leitor para aceitar suas suposições, hipóteses ou conclusões alcançadas com os
resultados da investigação. A seleção e uso desses pronomes podem refletir relações
de poder, ou mesmo, a tentativa de provocar efeitos não pretendidos.
Nos exemplos de 13 a 18, percebe-se a presença do escritor, quando usa o
pronome pessoal “I” e a forma “we” (como sujeito universal e autoria coletiva),
revelando a autoridade do escritor no texto e seu domínio de um campo particular
de conhecimento, como também no sentido de ser “um construtor de significados
^
de seu texto” (IVANIC , 1994, p.12). O uso do pronome “we” ocorreu com mais
freqüência do que o pronome “I”, revelando que o escritor, embora interpretando e
argumentando, compartilha conhecimento com aqueles que de alguma forma
pertencem à comunidade científica, buscando, em última instância, a construção e
legitimação de um saber postulado pelo discurso científico. A seleção dos pronomes
“I” e “we”, numa dimensão interpessoal, tem por finalidade alcançar uma interação
entre escritor-leitor, através do texto, e revela-se como uma atividade de divulgar
ciência num verdadeiro fazer persuasivo.
Dessa forma, na construção da interação entre o escritor e seus pares
(leitores), o escritor expressa-se por meio de formas pronominais de referência
pessoal: o uso dos pronomes “I” e “we”, que, numa escala de maior ou menor grau,
revela a presença do escritor nos capítulos de fechamento das teses como uma forma
de convencer o interlocutor e ganhar adeptos ao longo do seu percurso discursivo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Roxane Rojo**
Bernard Schneuwly***
1 INTRODUÇÃO
Não existe ‘o oral’, mas ‘os orais’ sob múltiplas formas, que, por outro
lado, entram em relação com os escritos, de maneiras muito diversas: podem
se aproximar da escrita e mesmo dela depender – como é o caso da
exposição oral ou, ainda mais, do teatro e da leitura para os outros –,
como também podem estar mais distanciados – como nos debates ou, é
claro, na conversação cotidiana. Não existe uma essência mítica do oral
que permitiria fundar sua didática, mas práticas de linguagem muito
diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo uso da palavra (falada),
*
Schneuwly é apresentado como co-autor deste texto por ser o autor da conferência nele analisada e, principalmente,
por ser, em grande parte, autor da visão sobre as relações entre oralidade e escrita que nele é adotada. A análise
em si da conferência, entretanto, é da autoria de Rojo, e os eventuais equívocos e imprecisões nela encontrados
são de sua exclusiva responsabilidade.
**
Professora do Departamento de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), UNICAMP.
Doutora em Lingüística Aplicada.
***
Professor titular da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FAPSE) da Universidade de Genebra (UNIGE),
Suíça. Doutor em Ciências da Educação.
mas também por meio da escrita, e são essas práticas que podem se tornar
objetos de um trabalho escolar. (SCHNEUWLY, 2004, p. 135)
Ou seja, a criança desenvolveria uma fala inicial sem contato com a escrita
(F1). Quando de seus contatos iniciais com a escrita (E1), sua fala seria modificada
por efeitos de letramento (F2… Fn), assim como sua escrita (E2…En) também sofreria
impactos desses processos.
[...] A relação entre gêneros orais e gêneros escritos não é uma relação de
dicotomia. É antes uma relação de continuidade e de efeito mútuo, isto é,
gêneros orais podem sustentar gêneros escritos; gêneros escritos podem
sustentar gêneros orais. Eles estão em mútua interdependência, cada gênero
oral que entra na escola, em geral, pressupõe a escrita, assim como cada
3
Aos “meios de produção“, como diria Marcuschi (2001a).
3 RETEXTUALIZAÇÃO – UM CONCEITO-CHAVE
4
De acordo com Bovet (1999, p. 68), podemos conceber a conferência como “um texto oral cuja especificidade
diz respeito ao desenvolvimento progressivo e situado de sua escrita/leitura pelo orador e pelo público.”
5
O power point de base da conferência, a fala do professor, a tradução e a transcrição de sua fala.
6
Ver Rojo (2001).
7
Já Goffman (1981, p. 171-172) lembra que há três modos de apresentação pública em nossa sociedade:
“memorização”, “leitura em voz alta” e “fala espontânea”, esta última freqüentemente baseada em notas. O autor
aponta também para o fato de que a fala espontânea em conferências é ilusória, por suas relações com o texto
escrito.
8
Este resumo não é exatamente a apresentação de uma súmula do texto como quer o nome, pois, o mais das vezes,
o texto não se encontra redigido. Trata-se mais de um protocolo de intenções do que virá a ser dito ou um
“présumo”, se se quiser dizer assim.
9
Em nosso entender, estes (resumo e power point) são já dois gêneros de textos escritos que entram na elaboração
do texto oral da conferência. Detalharemos este ponto de vista ao longo da análise.
10
E, por vezes, também sobre outros tantos, como notas ou livros – em certas áreas, vídeos, imagens ou sonorizações
– que o conferencista traz para incluir citações e ler ou exibir para a platéia.
11
“Genres oraux et genres écrits à l’école.”
12
Prof. Dr. Bernard Schneuwly é docente em Didática do Francês L1 na seção de Ciências da Educação da Faculdade
de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra e coordena o grupo de pesquisa denominado
“Grafé – Groupe Romande de Recherche du Français Enseigné“.
13
Este dado nos será útil para investigar os processos e operações de compreensão do tradutor/transcritor.
Mod.: Vamos abrir a conferência do Prof. Bernard Schneuwly que está numa
breve visita aqui e à Católica […] Esta primeira conferência de hoje é uma
conferência ligada ao trabalho dele dos últimos […] dez anos, sobre o ensino de
gêneros, primeiro escritos, não é?, na primeira fase, eles trabalharam, com foco
especial na produção, e, em seguida, gêneros orais na sala de aula, né?, e que teve
algum impacto nos nossos referenciais, né?, enquanto trabalho. Uma síntese deste
trabalho dos últimos dez anos está no livro que a gente traduziu ãn… o ano
passado, acabamos de traduzir o ano passado, da Mercado de Letras, que chama…
que tem o mesmo título da conferência, que é Gêneros orais e escritos na escola.
O professor/ Nós temos ãn… até meio dia para discussão e exposição […]/ vai
falar uma hora uma hora e pouquinho e aí a gente faz as discussões e… […]
Professor Bernard Schneuwly é da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
da Universidade de Genebra e trabalha com o ensino de francês língua materna
[…] Eu passo a palavra então… Bernard…
Prof.: Merci. Ãn. C´est un grand plaisir de venir ici vous parler d’un thème que
me tient à coeur – Roxanne l’a dit – sur lequel je travaille depuis des très très
longues années. Et donc…15
14
Como acender um cigarro, sentar ou levantar, beber água etc.
15
“Obrigado. Ãn. É um grande prazer vir aqui falar-lhes de um tema que me é muito caro – como disse Roxane –
sobre o qual trabalho há muitos e muitos anos. Então…” (tradução nossa).
Embora tenhamos escolhido fazer para este artigo uma transcrição que
Marcuschi (2001a) qualifica como uma “idealização” da fala, isto é, já na forma do
português padrão (“vamos” por “vamo”, por exemplo), adotando a pontuação da
escrita e eliminando maiores digressões da fala, não procedemos a maiores re-
organizações do texto, para preservar, como exemplificação, já na fala inicial da
moderadora, as “descontinuidades” sintáticas da linguagem oral, por exemplo, no
enunciado “o trabalho dele dos últimos […] dez anos, sobre o ensino de gêneros,
primeiro escritos, não é?, na primeira fase, eles trabalharam, com foco especial na
produção, e, em seguida, gêneros orais na sala de aula, né?”. Além dos fáticos (“Né?”,
“Não é?”) e das hesitações (“ãn…”), os enunciados iniciais já apresentam
descontinuidades sintáticas (“gêneros, primeiro escritos, não é?, na primeira fase,
eles trabalharam, com foco especial na produção”), que, no texto escrito ou transcrito,
sofreriam re-organizações.
A partir deste momento, a fala do conferencista passa a relacionar-se
estreitamente e a constituir-se a partir do texto escrito do editor de apresentações,
como veremos logo mais. O power point organizado pelo conferencista constava de
16 slides, distribuídos conforme o quadro 4.
Mencionamos anteriormente que consideramos este esquema de apresentação
um texto num gênero presente na conferência e não, simplesmente, uma ferramenta
computacional. A própria ferramenta computacional – o editor de apresentações –
disponibiliza modelos (templates) de formato (layout) e de conteúdo (content) que
predizem alguns temas e finalidades possíveis dos textos (encontro empresarial,
apresentação de relatório técnico, visão geral de projeto, motivação de uma equipe,
recomendação de uma estratégia etc.) e permitem escolher entre formatos pré-prontos
(título, tabela, gráfico, organograma, lista com marcadores, texto, imagem ou mídia com
ou sem texto etc.). Podemos dizer que as ferramentas do software prevêem e predizem
tanto a forma composicional como alguns dos temas e estilos possíveis de textos no
gênero, além de possibilitarem um conjunto amplo de animações (de som e imagem).
Este gênero tem uma função planejadora da fala formal pública (no trabalho, no
espaço acadêmico) e exerce controle e apoio à execução desta fala, assim como apóia
também a compreensão da platéia. O texto dos slides esquematiza a fala e o número de
slides, por sua vez, serve de controle do tempo de execução da fala.
Vejamos dois tipos de desenvolvimento da fala em relação ao texto escrito dos
slides. No primeiro exemplo, a fala expande um pouco o texto do slide, apenas o suficiente
para qualificar o elenco de itens a serem desenvolvidos.
16
Tradução nossa.
Exemplo 1:
Je vais, dans un premier temps/ Donc, c’est un peu le plan que je vais suivre/
Je vais parler une heure, une heure et quart, quelque chose de ce type-là/
faire quelques brefs préliminaires; ensuite, vous parler très brièvement –
parce que ça vous connaissez – faire un petit rappell de la notion de genre,
puisque c’est “les genres écrits et oraux” et… évidemment, je ne peux pas
ne pas parler des genres, mais très brièvement. Ensuite, regarder l’école,
qu’est-ce/ l’école étant donné que c’est une institution sociale, il y a une
“sphere d’activité”, comme dirait Bakhtine; quel est le rapport entre, de
manière générale, l’école et les genres et je vais ici introduire la notion de
“forme scolaire” parce que, à mon avis, c’est cette “forme scolaire”, qui est
une forme sociale, […]17 Donc, l’école, la forme scolaire, parce que c’est,
pour moi, la forme scolaire qui définit les genres qui sont à l’intérieur de
l’école. Je vais, ensuite, […] regarder les genres en français, dans la langue
maternelle “français”, et adopter, dans un premier point/ dans un premier
temps, le point de vue de la transposition didactique et ensuite je vais revoir
les genres en français, mais, cette fois-ci, adopter le point de vue de
l’ingénierie – vous verrez un petit peu qu’est-ce que ça signifie tout-à-l’heure.
C’est deux manières de regarder la même realité de deux points de vue,
17
As interrupções aqui são devidas a comentários relativos a problemas técnicos com o equipamento, digressões
relativas à falta de alimentação elétrica para o computador, que optamos por não transcrever, dada a não pertinência
ao tema em desenvolvimento.
précisement, quoi. Je vais terminer sur les genres pour enseigner, et ceci
fait le lien avec la conférence de demain. Et donc, voilà. Ça sera ‘un affaire à
suivre’.18
18
“Eu vou, num primeiro momento/ Então, é um pouco o plano que vou seguir/ vou falar uma hora, uma hora e
quinze, algo assim/ fazer algumas breves preliminares; depois, falar-lhes muito brevemente – pois isso vocês
conhecem – fazer um pequeno apanhado da noção de gênero, pois é “os gêneros escritos e orais” e…
evidentemente, não posso não falar dos gêneros, mas muito brevemente. Depois, olhar a escola o que/ a escola
visto que é uma instituição social, uma “esfera de atividade”, como diria Bakhtin; qual é a relação entre, de
maneira geral, a escola e os gêneros e vou aqui introduzir a noção de “forma escolar”, porque, em minha
opinião, é esta “forma escolar” que é uma forma social […] Então, a escola, a forma escolar, porque é, para
mim, a forma escolar que define os gêneros que estão no interior da escola. Eu vou, depois […] olhar os gêneros
em francês, na língua materna “francês”, e adotar, num primeiro ponto/ num primeiro tempo, o ponto de vista da
transposição didática e depois vou rever os gêneros em francês, mas desta vez adotar o ponto de vista da engenharia
– vocês vão ver um pouquinho o que isso significa daqui a pouco. São duas maneiras de olhar a mesma realidade
de dois pontos de vista, precisamente. Vou terminar com os gêneros para ensinar, o que faz a ligação com a
conferência de amanhã. Então, é isso. Teremos ‘cenas dos próximos capítulos’…” (tradução nossa).
porque vai retomá-los um a um para comentá-los, como é o caso deste slide, seja
por questões de controle do tempo. O índice, neste caso é prosódico: uma fala de
ritmo mais rápido e muitas vezes com entonação de leitura. Certos itens podem ser
reconhecidos como aspados (citados ou lidos), pela entonação – pequena pausa
antes de iniciar o sintagma em tom e pitch mais alto e forte –, como é o caso, no
exemplo 1, de “genres écrits et oraix”, “sphère d’activité” e de “forme scolaire”.
19
Isto é, adaptadas à representação específica que o orador faz da audiência em questão, determinadas, segundo
Bakhtin/Volochínov (1929), pela “apreciação valorativa do locutor sobre o interlocutor“.
discursivo) e tão rapidamente (“falar-lhes muito brevemente – pois isso vocês conhecem
– fazer um pequeno apanhado da noção de gênero, pois é ‘os gêneros escritos e orais’
e… evidentemente, não posso não falar dos gêneros, mas muito brevemente”).
Por outro lado, o texto oral constituído sobre os slides apresenta algumas
das características antes mencionadas de descontinuidade sintática, auto-correção
e retomada etc.
- Ensuite, regarder l’école, qu’est-ce/ l’école étant donné que c’est une
institution sociale, il y a une “sphere d’activité”, comme dirait Bakhtine;
quel est le rapport entre, de manière générale, l’école et les genres
- Donc, l’école, la forme scolaire, parce que c’est, pour moi, la forme scolaire
qui définit les genres
- Et adopter, dans un premier point/ dans un premier temps, le point de vue
de la transposition didactique
Uma maneira diferente de reformular por acréscimo o texto dos slides ocorre
no exemplo 2.
Exemplo 2:
Alors, maintenant, les rapports entre genres oraux et genres écrits, eh...
Dans un/ première/ distinction/ Donc la première defini// Pas
définition, le premier principe que nous définissons c’est que nous
nous limitons – mais ça fait déjà beaucoup – aux genres publiques, c’est-
à-dire, aux genres qui peuvent circuler, être accessibles à des groupes ou
des larges masses de gens, à l’opposée à des genres privés, que nous ne
20
“Então, agora, as relações entre gêneros orais e gêneros escritos, eh… Num/ primeira/ distinção/ Então a primeira
defini/ Não definição, o primeiro princípio que definimos é que nós nos limitamos – o que já é muito – aos gêneros
públicos, isto é, aos gêneros que podem circular, ser acessíveis a grupos ou grandes massas de pessoas, ao contrário
dos gêneros privados, que não tratamos de certa maneira como um objeto a ensinar. É um princípio de base, mas
que está ligado a nossa concepção de escola como um lugar precisamente público, relativamente não desligado, mas
separado da esfera privada etc. Então, é um princípio de base. Que, evidentemente, para os gêneros orais, exclui toda
uma série de gêneros, mas de igual maneira para os gêneros escritos” (tradução nossa).
21
“O segundo princípio é que a relação entre gêneros orais e gêneros escritos não é uma relação de dicotomia. É antes
uma relação de uma certa maneira de continuidade e de efeito mútuo, isto é, gêneros orais podem sustentar gêneros
escritos; gêneros escritos podem sustentar gêneros orais. Eles estão em mútua interdependência, cada gênero oral
traduz/ cada gênero oral que entra na escola, em geral, pressupõe a escrita, assim como cada gênero escrito trabalhado
na escola pressupõe o oral. Então, de uma certa maneira, esta é uma distinção relativamente artificial, o que não quer
dizer que, depois, a produção num certo momento não seja escrita de maneira dominante, mas há um entrelaçamento
contínuo. Além disso, cada gênero é sempre também sustentado/ cada gênero oral é sempre também sustentado por
um outro gênero oral, isto é, há sempre um gênero oral e um gênero oral sobre o gênero oral, ãn? Um discurso
sobre. Há então aqui/ ãn…/ cada gênero é sempre também objeto de outros gêneros de alguma maneira. E então há
sempre o falar para escrever, o escrever para falar, o escrever para escrever e o falar para falar, o que mostra que
sempre um gênero é dependente de outros gêneros, o que é um fenômeno evidente de intertextualidade, mas que
está sempre na base de nosso trabalho” (tradução nossa).
Vemos que, nesse segundo modo de reformulação por acréscimo, esta é bastante
mais extensa e, nele, o tópico do slide funciona como uma espécie de lembrete para o
desenvolvimento de toda uma fala que inclui, como vimos, (re-)definições, explicações,
reformulações, paráfrases do já-dito, exemplificações. Também aqui estão presentes
as formas de (des-)continuidade da fala, marcadas em negrito no exemplo, índices em
geral de busca e da seleção lexical mais adequada, que leva a reformulações responsáveis
pelo caráter “entrecortado” da produção oral.
Donc, on a fait un étude sur quelque chose comme 300, 400 enseignants
pour savoir quels sont les genres qu’ils enseignent.”22
Exemplo 4:
Bien, je termine ici ces quelques éléments de/ sur la refléxion sur les genres
enseignés du point de vue de la transposition didactique et je passe au
prochain point sur le point de vue de l’ingénierie. Alors, j’ai déjà utilisé une
heure, est-ce que vous m’accordez encore… (risos23 e interrupção da
22
“Além disso, podemos mostrá-lo: esta sedimentação, ela funciona. Eu tenho um pequenino/ o próximo
slide/ sim/ isso/ o próximo quadro lá/ ó/ aí, assim/ (slide) Então, fizemos um estudo com algo como 300,
400 professores para saber quais são os gêneros que ensinam” (tradução nossa).
23
Para Bovet (1999), o riso da platéia é um fenômeno de co-enunciação.
24
“Bom, eu termino aqui estes alguns elementos de/ sobre a reflexão sobre os gêneros ensinados do ponto de vista
da transposição didática e eu passo ao próximo ponto sobre o ponto de vista da engenharia. Então, eu já utilizei
uma hora, vocês me concedem ainda… (risos e interrupção da moderadora concedendo tempo). Então, tá. Eu
vou ainda tomar um quarto de hora ou dez minutos assim, se vocês ainda tiverem paciência. Então…” (tradução
nossa).
25
Bovet (1999, p. 71) chama a conferência de “uma fase da ciência se fazendo”. Para ele, “a exposição não pode
ser reduzida a uma forma de divulgação da pesquisa. No seu próprio desenvolvimento, um saber é discursivamente
produzido e organizado”.
26
“Denominamos construção híbrida o enunciado que, segundo índices gramaticais (sintáticos) e composicionais,
pertence a um único falante, mas onde, na realidade, estão confundidos dois enunciados, dois modos de falar,
dois estilos, duas ‘linguagens’, duas perspectivas semânticas e axiológicas. Repetimos que entre esses enunciados,
estilos, linguagens, perspectivas, não há nenhuma fronteira formal, composicional e sintática [...]” (BAKHTIN,
1934-35/1975, p. 110). O contrário ocorre com os gêneros intercalados, cujas fronteiras são marcadas.
O autor lembra ainda algo fundamental para este nosso texto: o fato de que
“o discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é,
ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a
enunciação” (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 1929, p. 150, ênfase do autor).
Assim, tanto as relações discursivas entre os enunciados da apresentação e
os da conferência como os da conferência e os da transcrição seriam fenômenos de
discurso citado, de “discursos no discurso, de enunciações na enunciação”. Mas
com uma diferença básica: no caso da relação dos enunciados da apresentação com
os da conferência, estamos diante de um “estilo pictórico” de citar o discurso e, no
caso da relação entre a conferência e sua transcrição, estamos diante de um “estilo
linear autoritário”27 (“monumental”) de citar o discurso de autor.
O “estilo pictórico” tem “tendência para infiltrar o discurso citado com as
réplicas e os comentários do autor” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929, p. 159). É o
que faz o conferencista em relação aos enunciados dos slides da apresentação: glosa,
comenta, replica. O “estilo linear autoritário” tem tendência a tratar o discurso alheio
como um “monumento”, algo que não pode ser alterado e cuja pureza e integralidade
têm de ser preservadas – é o que tentam fazer o tradutor e o transcritor.
Marcuschi (2001a, p. 54) aponta como uma das variáveis relevantes para a
retextualização a “relação entre o produtor do texto original e o transformador”,
dizendo que, quando é o próprio autor que retextualiza, as mudanças são muito
mais radicais e, quando é uma outra pessoa, esta terá muito mais “’respeito’ pelo
original e fará menor número de mudanças no conteúdo, embora possa fazer muitas
mudanças na forma”.
É o que vimos ocorrer na transcrição: mudanças na forma para adequá-la a
uma idealização da língua que tem base na escrita, mais aceita como variedade
padrão, e mudanças no âmbito do conteúdo somente para torná-lo mais preciso.
Seria o que Bakhtin/Volochínov (1929, p. 165) chama de “variante analisadora de
conteúdo” do estilo linear. Para ele,
27
Na tradução das obras de Bakhtin e seu Círculo (1929, 1934-35/1975), a palavra “autoritário/a” está usada com
o sentido de “ligado às palavras de autor/autoridade”; authoritative, em inglês.
28
Para Bakhtin/Volochínov (1929, p. 159), “o discurso retórico, diferentemente do discurso literário, pela própria
natureza da sua orientação, não é tão livre na sua maneira de tratar as palavras de outrem. Ele tem, de forma
inerente, um sentimento agudo dos direitos de propriedade da palavra e uma preocupação exagerada com a
autenticidade”.
Em nossos dados sob análise, os movimento desta apreensão ativa por parte
da pessoa que elaborou a transcrição é revelado, em parte, pela tradução feita pela
mesma pessoa, no momento da conferência, exibida no quadro 8:
29
Ver quadro 3.
REFERÊNCIAS
Title: The relationship between orality/writing in formal and public oral genres: the case of the
academic conference
Author: Roxane Rojo, Bernard Schneuwly
Abstract: The relations of continuity and mutual constituency between oral and written language
are central to the understanding of how formal and public oral genres function in educated discursive
communities, as well as to the understanding of the phenomena of literacy and the teaching-learning
of languages at school. In this article we analyse a formal public oral genre – the academic conference
– in terms of the relationship between orality-writing, orality-orality, and writing-writing in the
constitution of the conference and its “retextualization” (MARCUSCHI, 2001a) as a transcription.
The bases for this analysis are several oral and written texts produced by/around a conference
given by Bernard Schneuwly. Finally, we argue that, in formal public oral genres, there is a complex
relation of mutual effect and interference between orality and writing, a relation that can be better
understood in terms of the “activity systems” which put into circulation and in contact “genre systems”
(BAZERMAN, 2005a, 2005b).
Keywords: genre; orality; writing; academic conference; teaching.
Tìtre: Les relations oral/écrit dans les genres oraux formels et publics: le cas de la conférence
académique
Auteur: Roxane Rojo, Bernard Schneuwly
Résumé: La question qui concerne les rapports de continuité et d’une mutuelle constitutivité entre
le langage oral et l’écrit constitue la plus grande importance pour la compréhension du
fonctionnement des genres oraux formels et publics et des genres de texte écrit dans nos sociétés
lettrées, de même que des phénomènes d’alphabétisations et de l’enseigenement-apprentissage
des langues dans les écoles. Dans cet article, on entend faire un exercice d’analyse d’un genre oral
formel et public – la conférence académique – dans les termes des relations oral-écrit, oral-oral et
écrit-écrit dans la constitution de la conférence et dans sa «retextualisation» (MARCUSCHI, 2001a)
comme transcription. On adoptera comme données divers textes oraux et écrits mis en jeu dans
une conférence présentée par Bernard Schneuwly. À la fin, on fera la défense de la place que
l’oralité et l’écrit maintiennent une relation complexe d’un effet mutuel et d’interférence dans les
genres oraux formels publics, qui peuvent se faire mieux comprendre dans des termes de « système
d’activités » qu’ils mettent en circulation et en rapport des « systèmes de genres » (BAZERMAN,
2005a, 2005b), entendus dans le sens bakhtinien du terme.
Mots-clés: genre discoursif; oralité; écriture; conférence académique; enseignement.
Título: Las relaciones oral/escrita en los géneros formales y públicos: el caso de la conferencia
académica
Autor: Roxane Rojo, Bernard Schneuwly
Resumen: La cuestión de las relaciones de continuidad y de mutua constitutividad entre el lenguaje
oral y el escrito es de gran impotancia para la comprensión del funcionamiento de los géneros
orales formales y públicos y de los géneros de texto escrito en nuestras sociedades alfabetizadas,
así como de los fenómenos de los alfabetizados y de la enseñanza-aprendizaje de lenguas en las
escuelas. En este artículo, pretendemos hacer un ejercicio de análisis de un género oral formal y
público - la conferencia académica - en términos de las relaciones entre oral-escrita, oral-oral y
escrita-escrita en la constitución de la conferencia y en su retextualización (MARCUSCHI, 2001a)
como transcripción. Como datos se usó los múltiples textos orales y escritos en una conferencia
proferida por Bernard Schneuwly. Al fin, se defenderá que la oralidad y escrita mantenien una
relación compleja de mutuo efecto e interferencia en los géneros orales formales públicos, que
puede ser mejor comprendida en términos de “sistema de actividades” que ponen en circulación
y en relación “sistemas de géneros” (BAZERMAN, 2005a, 2005b), entendidos en el sentido bajtiniano
del término.
Palabras-clave: géneros discursivos; oralidad; escrita; conferencia académica; enseñanza.
Désirée Motta-Roth**
1 INTRODUÇÃO
1
Agradeço a Adair Bonini por me chamar a atenção para essa questão.
Gênero é tratado como “tipo de texto” por suas características formais como
tema e estrutura composicional:
Como os textos ganham materialidade por meio dos gêneros, parece útil
propor que os alunos do ensino médio dominem certos procedimentos
relativos às características de gêneros específicos, conforme sugerem as
Matrizes Curriculares de Referência do SAEB:
• reconhecer características típicas de uma narrativa ficcional (narrador,
personagens, espaço, tempo, conflito, desfecho)... (BRASIL, p. 78-79)
Nesse caso, o gênero é identificado pela atividade social que o constitui e que
por ela é constituído. Esse terceiro emprego do termo “gênero” parece ser o mais
adequado, pois identifica os usos da linguagem pela atividade social que lhes dá
visibilidade, ampliando a concepção da linguagem para além das regras
morfossintáticas, para concebê-la como uma forma de estar no mundo, um modo
de agir sobre si e sobre os outros e, assim, produzir significado.
Vejamos como os PCN’s tratam dessa terceira perspectiva da linguagem que
incorpora a noção de contexto.
não sabermos como agir em uma dada situação2, que papel é estipulado para nós e
para os outros, que tipo de relações estão pressupostas. No caso da língua escrita, a
dificuldade fundamental talvez seja de levar o aluno a lembrar ou projetar um contexto
em que ele precisa escrever para realizar coisas. O ensino de produção textual em
língua materna, portanto, deve passar por desconstrução e análise do contexto, da
situação comunicativa, para que o aluno possa perceber a configuração social de um
momento e como a língua como sistema sócio-semiótico constitui esse momento. Em
última instância, escrever só faz sentido se houver espaço para isso na vida pessoal e/
ou social da pessoa e se a sociedade desenvolver instituições letradas num processo de
letramento social, isto é, não há razão para saber ler ou escrever um contrato se não há
condições econômicas para se comprar/alugar uma casa ou se não houver instituições
que garantam a validade do texto escrito como ato (OLSON; TORRANCE, 2001, p.12).
Autores conhecidos como Lev Vygotsky, Alexander Luria e Mikhail Bakhtin,
na Rússia, Basil Bernstein, na Inglaterra, Paulo Freire, Magda Soares, Luiz Antônio
Marcuschi, Wanderley Geraldi, apenas para citar alguns colegas no Brasil, parecem
ter em comum uma visão social da linguagem que enfatiza a importância do
engajamento em atividades socialmente relevantes para o desenvolvimento da
linguagem. A consciência individual se amplia na interação com os outros, na
interação com uma realidade idealizada, mediada pela cultura: a participação em
atividades no mundo medeia o individual e o social (KOZULIN, 1986, p. xxiv; xlvi).
Assim, escrever só é importante na medida em que nos possibilita desempenhar
determinados papéis em uma sociedade (industrial e ocidentalizada, no nosso caso)
(TRIEBEL, 2001, p. 32). Sob essa perspectiva, achar lugar para a escrita na vida do
aluno não é suficiente. Como educadores da linguagem, devemos ampliar a
perspectiva do aluno sobre situações vivenciáveis por ele. Em outras palavras, devemos
ampliar o leque de possibilidades de experiências, trazendo o mundo para a sala de
aula e levando o aluno a vivenciar o mundo “lá fora”.
A contribuição da noção de gêneros textuais para o ensino de linguagem,
portanto, é chamar atenção para a importância de se vivenciar na escola atividades
sociais, das quais a linguagem é parte essencial; atividades essas às quais, muitas
vezes, o aluno não terá acesso a não ser pela escola. O mundo letrado deve ser
desmitificado, deve se tornar algo real, palpável.
2
Dependendo de condições econômicas e geográficas, exemplos de agir são: solicitar que seja religada a luz cortada
por falta de pagamento, obter um habite-se da prefeitura, pedir empréstimo no banco, fazer uma consulta no
psicanalista, abrir uma conta no banco, reclamar de um cano quebrado na sua rua.
3
A pedido de meu revisor, incluo exemplos de trabalhos de ensino e pesquisa que me apontaram esses princípios:
projetos de Produtividade em Pesquisa/CNPq n°350389/98-5: “Discursos de investigação: Uma análise de gênero da
construção discursiva da ‘Seção de Metodologia’ em artigos acadêmicos de Lingüística” (2002-2005), “Gêneros
discursivos acadêmicos, construção de conhecimento e pluralidade de acesso: Análise de Gênero da publicação
acadêmica impressa e eletrônica e sua relação com os processos discursivos na construção do conhecimento científico”
(2000-2002), “Os processos sociais de construção de conhecimento: Um estudo contrastivo de características retóricas
e disciplinares no discurso acadêmico em português e inglês” (1998-2000); cursos e oficinas de redação acadêmica
que tenho ministrado na UFSM e em outras instituições (sendo a primeira “Academic Writing”. Oficina ministrada na
XVII Semana de Letras e III Seminário Internacional de Língua e Literatura. 21 a 25 de novembro. Santa Maria, RS:
UFSM, 1994); e publicações (Motta-Roth 1998a; 1998b; 1999; 2000a; 2000b; 2001; 2002; 2005).
Jane, querida:
Tudo bem? Aqui nas 6as séries do Gilberto tudo deu ótimo. O clima é de
muita euforia com o recebimento da carta coletiva de vocês e com o convite
para a publicação conjunta e o anúncio da correspondência eminente [...].
Jane, querida, tu podias me dizer quando chegam as cartas?! Socorro!
Da tua desesperada colega
Cláudia
Amiga Ana:
Acho que já posso ousar te chamar assim a essas alturas dos acontecimentos.
Afinal estou enternecida e entusiasmada com a resposta positiva tua e dos
teus 42 companheirinhos de viagem ao nosso convite para mapearmos esta
cidade com as histórias ímpares que cada um de nós vem carregando por
nossas vidas afora. [...] Chegou. Finalmente chegou a resposta de vocês a
nossa carta coletiva, e eu posso dizer que o dia aqui foi de muita festa, pois
[...] ficaram sabendo o nome dos correspondentes...
Um grande abraço drummoniano igual-desigual pra ti e pra tua gurizada,
Jane
Os alunos, por sua vez, produziram textos sobre temas como: “A história do
meu nome”, “O que eu gosto de fazer”, “O que eu sei, mas não gosto de fazer”, “O
que eu mais gosto e o que menos gosto do lugar onde moro”, “Eu e os outros”.
Assim, vão se constituindo no texto e conhecendo pessoas e lugares fora do seu
contexto imediato, função primeira do texto escrito.
No fluxo da correspondência, foram criando textos para interagir com os colegas,
como nas cartas dos alunos após se encontrarem pessoalmente pela primeira vez:
Débora:
Que pena que a chuva atrapalhou um pouco o nosso plano de ficar mais
tempo...Ouvi falar que você me chamou de balaqueiro. Débora, eu juro,
juro, juro que tentei ser tri legal com você. Mas pelo jeito não deu. Débora,
eu queria falar também que mesmo você tendo me chamado de balaqueiro,
eu achei você muito, muito, muito, muito, tri. Queria falar também que vou
tentar não ser mais balaqueiro.
Deoclides (p.155)
A atividade de Artes tem por objetivo levar o aluno a fruir uma obra de arte,
a propor um exercício de leitura de imagem. Posteriormente ocorre a produção
escrita sobre essa vivência intersubjetiva que depende da observação, da análise e
do debate entre os alunos.
A terceira atividade diz respeito à atividade física na aula de Educação Física.
O professor propõe ao aluno que ele próprio (o aluno) seja o objeto de investigação.
Ao fazer isso, o professor orienta a atenção do aluno para uma observação metódica.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
ensinar línguas é ensinar alguém a ser um analista do discurso, portanto creio que
as discussões em sala de aula devem enfocar as práticas linguageiras nas ações
específicas do grupo social relevante.
Ao discutir a flutuação de uso do termo “gênero” nos PCN’S tentei demonstrar
a necessidade de discutirmos e refletirmos mais acerca das categorias que usamos
para estudar a linguagem acima do nível da sentença para que possamos elaborar
um patamar teórico comum que nos faça avançar na pesquisa e na descrição da
linguagem como sistema simbólico que medeia atividades sociais. A prática
pedagógica nesses termos pode contribuir para o desenvolvimento, no aluno e no
professor, da consciência crítica dos aspectos contextuais e textuais do uso da
linguagem. Essa consciência é central para o desenvolvimento das competências
lingüísticas e discursivas que podem empoderar a todos que participam da vida
contemporânea, em uma sociedade cada vez mais constituída nos e pelos textos que
produzimos. Além disso, vale ressaltar que, embora os PCN’s apresentem flutuação
em relação ao conceito de gênero, a proposta de educação lingüística que apresentam
enfatiza a importância da relação entre texto e contexto no ensino da linguagem e
propõe que sejam utilizados gêneros do contexto do aluno em sala de aula.4
REFERÊNCIAS
BAZERMAN, C. Shaping written knowledge: the genre and activity of the experimental
article in science. Madison, WI: University of Wisconsin Press, 1988.
BONINI, A. Gêneros textuais e cognição: um estudo sobre a organização cognitiva da
identidade dos textos. Florianópolis: Insular, 2002.
BRASIL.Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino
médio - linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2000.
BRONCKART, J.-P.; MACHADO, A. R. Procedimentos de análise de textos sobre o trabalho
educacional. In: MACHADO, A. R. (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem
discursiva. Londrina, PR: EDUEL, 2004. p. 131-163.
CELIS, G. I. de. Aprender a formar crianças leitoras e escritoras. Trad. Jussara
Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
4
Agradeço a Patrícia Marcuzzo por chamar minha atenção de volta a esse ponto na conclusão. Agradeço ainda por
sua leitura da primeira versão deste texto e por suas sugestões de alteração. Os problemas que ainda persistem
são de minha inteira responsabilidade.
______. A construção social do gênero resenha acadêmica. In: MEURER, J. L.; MOTTA-
ROTH, D. (Orgs.). Gêneros textuais: subsídios para o ensino da linguagem. Bauru, SP:
EDUSC, 2002. p. 66-117.
______. Questões de metodologia em análise de gêneros. In: KARWOSKI, A. M.;
GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. Palmas;
União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005. p. 179-202.
NEVES, M. H. M. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
______. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
OLSON, D. R.; TORRANCE, N. Conceptualizing literacy as a personal skill and as a social
practice. In: OLSON, D. R.; TORRANCE, N. (Eds.). The making of literate societies.
Oxford: Blackwell, 2001. p. 3-18.
SWALES, J. M.; FEAK, C. B. Academic writing for graduate students: essential tasks
and skills. 2nd ed. Ann Arbor, MI: The University of Michigan Press, 2004.
______. English in today’s reasearch world: a writing guide. Ann Arbor, MI: The
University of Michigan Press, 2000.
TRIEBEL, A. The roles of literacy practices in the activities and institutions of developed
and developing countries. In: OLSON, D. R.; TORRANCE, N. (Eds.). The making of
literate societies. Oxford: Blackwell, 2001. p. 19-53.
WITTGENSTEIN, L. Philosophical investigations. Translation by G. E. M. Anscombe.
New York: Macmillan, 1958 [1953].
ZATT, A. C.; SOUZA, J. de. (Orgs.). Mapas da cidade: autoria, identidade e cidadania.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
“Gênero” como “tipo de texto” “Gênero” como “Gênero” como “evento comunicativo
“estratégia retórica” institucionalizado”
p. 79 = O trabalho com a diversidade de gêneros permite que se p. 76 = • No transcurso das aulas, os
estabeleçam diferentes relações entre textos e que se proponham alunos devem ter oportunidade de –
alguns procedimentos: individualmente, em duplas ou em grupos
• comparar paráfrase, avaliando sua maior ou menor fidelidade – participar de situações dialogadas que
ao texto original; implicam graus de formalidade variáveis.
• avaliar a intenção da paródia de um texto dado; Nessa linha de trabalho, pode-se propor
• identificar referências ou remissões a outros textos; desde bate-papos mais informais a
• analisar incoerências ou contradições na referência a outro propósito de uma obra literária até o
texto ou na incorporação de argumento de um outro autor; julgamento da atitude de uma personagem
• estabelecer relações temáticas ou estilísticas (de semelhança do texto literário num debate regrado,
ou de oposição) entre dois textos de diferentes autores ou de gênero oral que exige de seus interlocutores
um grau maior de formalidade e de
diferentes épocas.
consciência do texto argumentativo que
estão produzindo na fala.
p. 80 = De acordo com as possibilidades de cada gênero,
empregar:
p. 84 = Em Língua Portuguesa,
• mecanismos de coesão referencial (retomada pronominal, considerando-se o desenvolvimento das
repetição, substituição lexical, elipse); competências interativa, textual e gramatical,
• mecanismos de articulação frasal (encaixamento, podem-se propor diversos formatos de
subordinação, coordenação); avaliação:
• recursos oferecidos pelo sistema verbal (emprego apropriado • aferição das habilidades dos alunos de
de tempos e modos verbais, formas pessoais e impessoais,...); produzir um texto oral, em apresentação
• recursos próprios do padrão escrito na organização textual individual ou em grupo, de acordo com um
(paragrafação, periodização, pontuação sintagmática e gênero pré-estabelecido e com o nível de
expressiva, e outros sinais gráficos); formalidade exigido para a situação
• convenções para citação do discurso alheio (discurso direto, enunciativa;[...]
indireto e indireto livre): dois-pontos, travessão, aspas,...;
• ortografia oficial do Português, desconsiderando-se os casos p. 89-90 = O docente de Língua Portuguesa
idiossincráticos e as palavras de freqüência muito restrita; certamente poderá se beneficiar muito se
• regras de concordância verbal e nominal, desconsiderando- investir no desenvolvimento das dez
se os chamados casos especiais. competências propostas. Elas estão, de uma
forma ou de outra, inevitavelmente ligadas
p. 82 = Outros procedimentos relativos ao desenvolvimento da à implementação das habilidades que o
competência gramatical, dessa vez mais relacionados à professor dessa disciplina deve ter em
competência textual, e particularmente às noções de coerência e relação a:
coesão no processamento do texto, são: [...]
• comparar textos de diferentes gêneros quanto ao tratamento • saber explorar as potencialidades de um
temático e aos recursos formais utilizados pelo autor;[...] texto, nos diversos gêneros, e transpô-las
para os alunos [...]
Tìtre: L’enseignement de production textuelle centré dans des activités sociales et genres textuels
Auteur: Désirée Motta-Roth
Résumé: L’objectif de cet essai est celui d’encourager le débat sur les possibilités pédagogiques de
la conception de genre textuel pour l’enseignement de production textuelle. Dans ce sens, on cherche
à discuter à propos du traitement donné à cette notion dans les PCN+ (BRASIL, 2000) et, en
conséquence de cette discution, réfléchir sur l’enseignement du langage. Les réflexions exposées
dans le texte sont ancrées dans deux principes pratiques, selon ce qui suit: 1) l’enseignement de
production textuelle dépend d’un nouvel alignement conceptuel de la représentation de l’élève sur
ce qui constitue l’écriture, à qui elle sert, avec quel objectif, de quelle manière et sur quoi; 2) les
activités de production textuelle proposées doivent étendre la vision de l’élève sur ce qui veut dire
un contexte de représentation pour soi-même.
Mots-clés: genre textuel; production textuelle; essai.
Resumo: Quando se propõe uma “dissertação” na escola, espera-se do estudante que apresente
um problema e pontos de vista, argumentando para dar uma resposta satisfatória ao problema.
Exige-se dele, contudo, impessoalidade. Tento demonstrar, do ponto de vista discursivo, que sempre
há na produção textual uma escolha para dirigir a interpretação do interlocutor, sendo relevante,
para isso, o uso de certos operadores. Focalizo, então, o conflito entre ser impessoal e defender
um ponto de vista (opinião) – pondo em contraste o modelo da dissertação escolar e a caracterização
dialógica do conceito de gênero em Bakhtin, e os efeitos resultantes em um caso e no outro, com
vistas a uma alternativa de ensino.
Palavras-chave: argumentação; gênero; produção textual; subjetividade.
1 INTRODUÇÃO
*
Professora da Universidade do Sul de Santa Catarina. Doutora em Lingüística Aplicada.
1
Apesar da dubiedade do termo, mantenho-o para indicar que a consciência se apresenta sempre como consciência
de, portanto direcionada para, implicando a produção de um sentido e condicionando a compreensão de um
fenômeno, sem estar necessariamente implicado um desejo ou vontade da mente individual.
valores que um grupo tem como legítimos. O que aparece aí, como resultado, é um
efeito de pessoalidade, de subjetividade – portanto, de posição ou lugar social ocupado.
O ponto de vista reflete uma posição, lugar de emergência de uma enunciação.
Pode parecer estranho pôr foco na “dissertação” escolar quando as pesquisas
em Lingüística Aplicada e as motivações político-pedagógicas (propostas curriculares)
levam pesquisadores e professores a preocupar-se com a compreensão, a descrição
e a metodologia de ensino de gêneros de discurso. Justifico esse “retorno” e a
preocupação que persiste relativamente aos procedimentos usados: não poucos
trabalhos recentes voltados para a produção de textos focalizam os “textos
dissertativos” (em vários níveis de ensino) objetivando analisar uma variedade de
processos, por exemplo: reescrita do texto dissertativo (KÖCHE; PAVANI; BOFF, 2004),
sustentação de pontos de vista (FISCHER, 2003), explicitação da relação entre
linguagem e poder (HEINIG, 2003).
A despeito de não haver aí um trabalho específico com gêneros2, ressalta-se
o aperfeiçoamento obtido na produção de texto, pelo uso de estratégias que se
enquadrariam como interativas, enunciativas. Nos artigos pode-se observar uma
mixagem que, no fundo, é compreensível: teoricamente, a abordagem sócio-interativa
é privilegiada, aparecendo regularmente no corpo dos textos os conceitos de
dialogismo, interlocução, gêneros discursivos, enunciação, atitude responsiva ativa,
produção de sentido. É compreensível que haja conflitos, quando se está numa fase
de revolução teórica e de campo. Em todos esses casos, depreende-se que tem havido
um grande esforço no sentido de transformar, aos poucos, a “cultura da redação”
em “cultura do discurso”3, como se vê mais especificamente no relato de Conceição
(2000), que conduziu um trabalho escolar (com iniciantes do curso superior) para
tentar desconstruir “as formalidades da redação escolar” e construir a discursividade
na escrita4, através da reescrita de textos.
A reflexão sobre esse fenômeno mostra que estamos sempre em transição,
com um pé no passado e um pé direcionado para diante. Nos trabalhos, por exemplo,
podem aparecer, alternativamente, as expressões “gêneros dissertativos”, “gêneros
discursivos”, “texto dissertativo”, “texto argumentativo”.
2
Pode-se ainda argumentar que há situações e circunstâncias, nas esferas da sociedade, em que não é possível
pretender, em curto prazo, uma virada radical de conceitos e métodos. Nesses casos, dar um passo de cada vez é
a atitude mais prudente e proveitosa.
3
É também por isso que o termo ‘redação’ tem sido preterido em favor de ‘produção textual’.
4
A autora usou, para desenvolver a produção e a reescrita, não gêneros, mas temas, que remetiam, em suma, aos
tipos tradicionais (um dos blocos de temas refere-se a “textos dissertativos”). O objeto de trabalho sempre foi
tratado como “redação escolar”, apesar da tentativa de “construir a discursividade”.
2 UM MANUAL TÍPICO
5
O autor propõe essa divisão sem determinismo, apenas como possibilidade de refletir sobre o assunto.
3 RETÓRICA(S)
4 SEMÂNTICA DA ARGUMENTAÇÃO
(entre palavras); ele também usa a expressão “fontes de discurso”, que faz lembrar o
conceito de interdiscurso, tal como concebido na Análise do Discurso. As estruturas
frásticas e os elementos lexicais exercem coerção sobre os encadeamentos
argumentativos na medida em que é ali que estão os topoi: entre a língua e o discurso.
Como cada topos corresponde a uma perspectiva, a um enunciador possível,
aqui está implicada a teoria polifônica. A palavra gratidão, por exemplo, evoca um
topos como “um favor feito merece reconhecimento”. Mas, se a argumentação pode
estar já no léxico, as palavras trazem apenas potencialidade para significar; elas só
funcionam efetivamente, produzindo sentido, quando se materializam em enunciados.
Assim é que as palavras passam a ser encaradas, na teoria, como “feixes de topoi”
(v. ANSCOMBRE, 1995), o que remete a multiplicidade significativa, abertura
constitutiva para a formulação discursiva, polifonia que atravessa o texto. Serão os
encadeamentos, em última análise, que permitirão um relativo fechamento para a
obtenção de certa eficácia argumentativa, num jogo em que a língua, de um lado,
pressiona o sujeito locutor, e em que o locutor se vê jogando com a língua, observando
suas potencialidades e fazendo suas opções (nem sempre com sucesso).
Retornando mais uma vez aos dois exemplos estudados antes,
9
Não vou fazer intervir aqui a propriedade de gradualidade dos topoi, nem aquela, correlata, das formas tópicas.
5 SUBJETIVO E SUBJETIVO
10
A palavra ethos vem da Retórica de Aristóteles: imagem que um orador dá de si através de seu modo de falar
(tom, gestos, comportamento geral). A noção foi explorada na análise do discurso por Maingueneau, que entende
que qualquer discurso pressupõe um ethos, implicando certa representação do corpo do enunciador (v.
Maingueneau, 1997). São palavras de Maingueneau, num artigo específico sobre o ethos: “Na minha opinião, a
noção de ethos é interessante pelo elo crucial que entretém com a reflexividade enunciativa, mas também porque
permite articular corpo e discurso para além de uma oposição empírica entre oral e escrito. A instância subjetiva
que se manifesta através do discurso não se deixa conceber somente como um estatuto, mas como uma ‘voz’,
associada a um ‘corpo enunciante’ historicamente especificado. Enquanto a retórica ligou estreitamente o ethos
à oralidade, em lugar de reservá-lo à eloqüência judiciária ou mesmo à oralidade, pode-se afirmar que todo texto
escrito, ainda que ele a negue, possui uma vocalidade específica que permite remetê-lo a uma caracterização do
corpo do enunciador (e não, bem entendido, do corpo do locutor extradiscursivo), a um aval que, através de seu
tom, atesta o que é dito; o termo ‘tom’ apresenta a vantagem de valer tanto para o escrito como para o oral”
(tradução minha). Disponível em <http://perso.wanadoo.fr/dominique.maingueneau/contents2.html>.
11
Isso tem sido amplamente discutido na área; v., por exemplo, Indursky (2000).
12
Para defender esta tese, estou revertendo a argumentação a respeito do “assujeitamento” ao simbólico e ao
ideológico, sem, contudo (também por coerência), eliminar essa instância. Trata-se de dar um lugar, agora re-
significado, ao estatuto do ego-imaginário.
13
Ou seja, um “espaço“ discursivo ordenado por certas regras que restringem o que dizer e como dizer.
14
Quando se diz, em outros contextos, que se deve ser sujeito de seu discurso, penso que o que se propõe é levar
a uma atitude de forçar para além do condicionamento em busca de algo particular.
6 APONTANDO A SUBJETIVIDADE
Para explorar o que foi discutido acima, trago uma dissertação de aluno de
ensino superior (8º período de Letras)15 elaborada segundo o esquema tradicional,
mas no contexto de uma disciplina em que foram focalizadas as noções de texto e de
discurso, de coesão e de coerência, de operadores de argumentação – que
objetivavam fornecer elementos que estimulassem o uso mais crítico da linguagem.
Procedi a uma marcação diferenciada das várias expressões (sublinhado
simples, sublinhado duplo, e negrito para as palavras ‘progresso’, ‘mas’ e ‘aliás’),
que será explicada no curso da análise.
15
O texto faz parte do corpus analisado por Helena Cristina Lübke (2000) em sua dissertação de Mestrado. A
professora autorizou-me o uso de seus dados para pesquisa.
com a máquina, é imbecilizado, e vai além: fica órfão, abandonado (cf. as expressões
com sublinhado duplo: homem dependente, homem desolado, orfandade
desesperadora, etc.).
O estudante disse apenas o que podia dizer, sem alternativa? Não só. Há aqui o
imprevisível; um exemplo marcante é a associação de Getúlio Vargas (para estabelecer
um movimento) a Ferreira Gullar (para estabelecer o movimento contrário).
Para além desses contornos do jogo subjetivo, o estudante não segue o
esquema da argumentação tal como idealizado pelos manuais: foco sobre o tema,
enfoques (apresentados em parágrafos distintos), interpretação, explicitação através
de opiniões, exemplos, provas, analogias, dados... O que pode justificar essa pouca
variação de pontos de vista a discutir é a ausência de uma posição explícita com a
qual o estudante pudesse debater16. Sem opção, ele não vê por que se debater tanto;
além do mais, é lugar-comum (topos) conceber que a industrialização gera
desumanização 17. Diria que esse topos coordena o texto, apesar de que
industrialização, na parte introdutória, convoque preferencialmente um topos
associado a progresso.
Ainda assim, é preciso fazer escolhas. E, consciente ou não do processo, o
estudante produziu um texto com uma simetria que talvez não se perceba facilmente:
na primeira parte apela ao personagem Getúlio Vargas para introduzir um país que
tinha futuro; na segunda, fecha com um poeta que tristemente anuncia a
marginalização do operário, vencido pela máquina: “Não há vagas”. No trânsito entre
essas duas partes emblemáticas do país, o estudante joga constantemente com a
reversão homem/máquina. É assim que, sem dizer “eu”, ele exerce a singularidade.
Preso à posição de onde deve argumentar, ele mostra, contudo, rupturas, ainda que
a mais visível – os erros gráficos e gramaticais – possa, através de um outro olhar (o
do professor, também refletindo uma posição), receber condenação. E note-se que
a ruptura na linha de argumentação ocorre dentro de um parágrafo, o terceiro do
texto e primeiro do desenvolvimento, onde aparece o mas.
16
Lembremos os jogos em sentido estrito: os opositores estão presentes, do outro lado, e é preciso saber quais os
melhores lances para vencer, presumindo os lances do adversário.
17
Nas outras 14 dissertações do mesmo corpus, das quais 10 têm o mesmo tema (desemprego nos centros urbanos),
a avaliação (e a conseqüente direção escolhida para argumentar) é semelhante, embora encontremos matizes
como: esperança, crítica à globalização e às elites, propostas de solução (reforma agrária, atenção aos jovens,
reformas estruturais), necessidade de estudo para enfrentar a competição. A preferência pelo tema “desemprego”
parece indicar a preocupação dos estudantes com o próprio futuro.
Tal energia pode ser concebida como um campo de força criado pelo embate
ininterrupto entre forças centrífugas, que se empenham em manter as coisas
variadas, separadas, apartadas, diferenciadas umas das outras, e centrípetas,
que se empenham em manter as coisas juntas, unificadas, iguais. (CLARK;
HOLQUIST, 1998, p. 35)
18
É a esse estudo filosófico que se tem chamado translingüística.
19
Suponho que ele funcionaria como a forma-sujeito correspondente ao saber de uma formação discursiva no
contexto da Análise do Discurso.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. p. 105-142.
ANSCOMBRE, Jean-Claude; DUCROT, Oswald. L’argumentation dans da langue.
Bruxelles: Mardaga, 1983.
ANSCOMBRE, Jean-Claude (Dir.). Théorie des topoï. Paris: Editions Kimé, 1995.
BAKHTIN, Mikhail/VOLOSHINOV. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:
Hucitec, 1979.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BONINI, Adair. Metodologias do ensino de produção textual: a perspectiva da enunciação
e o papel da Psicolingüística. Perspectiva, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 23-47, jan./jun.
2002.
BRÉAL, Michel. Ensaio de semântica: ciência das significações. São Paulo: EDUC;
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CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. Tradução de J. Guinsburg. São
Paulo: Editora Perspectiva, 1998 [Original ingl. 1989].
CONCEIÇÃO, Rute Izabel Simões. Da redação escolar ao discurso: um caminho a
(re)construir. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 3, n. 2, p. 109-133, jul. 2000.
DUCROT, Oswald. Argumentação e “topoi” argumentativos. In: GUIMARÃES, E. (Org.).
História e sentido na linguagem. Campinas: Pontes, 1989. p. 13-38.
______. Sémantique linguistique et analyse de textes. Cadernos de Estudos
Lingüísticos, Campinas, n. 35, p. 19-36, jul./dez. 1998.
______. Topoï e formas tópicas. In: ZANDWAIS, Ana (Org.). Relações entre
pragmática e enunciação. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2002. p. 10-21.
l’interlocuteur, se faisant important, ainsi, l’emploi de certains opérateurs. Je fais ressortir, alors, le
conflit entre être impersonnel et défendre un point de vue (opinion) – tout en cherchant à mettre
en contraste le modèle de la dissertation écolière et la carctérisation dialogique du concept de
genre chez Bakhtin, et les effets qui en résultent dans un cas comme dans l’autre, ayant le but
d’offrir une alternative d’enseignement.
Mots-clés: argumentation; genre; production textuelle; subjectivité.
1 INTRODUÇÃO
de intervenção no ensino com base nesses modelos. De acordo com Machado (2005),
esses estudos começaram com mais força nesse Programa, por volta de 1995
(portanto, antes da edição dos PCN, em 1998), com pesquisas desenvolvidas por
Rojo, Magalhães e Machado, mesmo que com diferenças de abordagem e de objetivos.
A partir daí, expandiram-se para diversos outros núcleos de pesquisa e de intervenção
didática, sobretudo após a edição dos PCN, o que lhes conferiu maior legitimidade e
valorização no interior de nossa comunidade científica, quer seja pela adesão aos
princípios que os guiam quer seja pela oposição a eles.
Entretanto, neste artigo, limitar-nos-emos ao levantamento de pesquisas
inicialmente desenvolvidas e/ou orientadas por Machado1 e, posteriormente, de forma
autônoma, por diferentes pesquisadores que seguiram a mesma orientação em
núcleos espalhados pelo Brasil. Esses estudos, em geral, têm-se caracterizado por
investigar diferentes gêneros em grande variedade de contextos sociais, tendo como
ponto comum a sua característica intervencionista, no seu sentido mais amplo2 e,
em especial, no campo do ensino de línguas. Uma outra característica comum é o
fato de tomarem aportes desenvolvidos sobretudo por Dolz e Schneuwly (1998), no
quadro da Didática de Línguas e da intervenção direta na educação suíça, em estreita
relação com a reflexão teórico-metodológica de Bronckart (1999 e ss.) sobre as
questões referentes ao desenvolvimento humano e sobre o papel da linguagem nesse
desenvolvimento.
Para atingirmos nosso objetivo, o artigo apresenta a seguinte configuração:
em primeiro lugar, apresentamos os pressupostos teóricos mais amplos do ISD
que orientaram as pesquisas e os pressupostos propriamente didáticos sobre o
ensino de gêneros. Em segundo lugar, discutiremos os problemas que a
transposição didática de qualquer objeto de conhecimento científico pode nos
trazer. Em terceiro, enfocaremos a questão da necessidade da construção de
modelos didáticos de gênero para a transposição adequada do conceito de gênero
para o ensino, os fundamentos que guiam essa construção e os passos que seguimos
para chegar a ela. Em quarto lugar, apresentaremos as pesquisas e as intervenções
didáticas que têm-se desenvolvido, mostrando sua relevância e originalidade em
1
Para um levantamento mais exaustivo, teríamos de desenvolver uma pesquisa muito mais ampla, que poderá ser
efetivada em outro momento.
2
Consideramos que elas se caracterizam por serem “intervencionistas” em um sentido mais amplo, uma vez que
não necessariamente elas estiveram direcionadas por uma intervenção direta nas escolas, mas como um trabalho
preparatório para possíveis intervenções.
relação aos que foram desenvolvidos pelo Grupo de Genebra. Finalmente, nas
conclusões gerais, apontaremos os aportes dessa abordagem e os problemas que
ainda deixam em aberto.
segundo lugar, o mesmo autor estabelece uma analogia entre o uso dos instrumentos
materiais nas atividades não verbais com os gêneros textuais, defendendo a tese de
que esses gêneros se constituem como verdadeiras ferramentas semióticas
complexas que mediatizam a ação de linguagem, permitindo a produção e a
compreensão de textos.
Na verdade, conforme mencionado pelo autor, ele parte dos estudos
desenvolvidos por Rabardel (1993) sobre “a gênese instrumental”. Partindo também
desse último autor, Clot (1999) assinala que a sociedade sempre disponibiliza um
conjunto de artefatos sócio-historicamente construídos, materiais ou simbólicos,
que, se apropriados pelo indivíduo por si e para si, se constituem em verdadeiros
instrumentos para seu agir3. Assim, de nosso lado, concluímos que os gêneros de
texto se constituem como artefatos simbólicos que se encontram à disposição dos
sujeitos de uma determinada sociedade, mas que só poderão ser considerados como
verdadeiras ferramentas/instrumentos para seu agir, quando esses sujeitos se
apropriam deles, por si mesmos, considerando-os úteis para seu agir com a
linguagem. Portanto, podemos pensar que, no ensino de gêneros, se os aprendizes
não sentirem necessidade de um determinado gênero para seu agir verbal, haverá
muito maior dificuldade para sua apropriação.
Ainda segundo Schneuwly (1994), no processo de desenvolvimento dos
indivíduos, sua participação em diferentes atividades sociais vai lhes possibilitando a
construção de conhecimentos sobre os gêneros e sobre os esquemas para sua
utilização. Entretanto, se os gêneros mais informais vão sendo apropriados no decorrer
das atividades cotidianas, sem necessidade de ensino formal, os gêneros mais formais,
orais ou escritos, necessitariam ser aprendidos mais sistematicamente, sendo seu
ensino uma responsabilidade da escola, que teria a função de propiciar o contato, o
estudo e o domínio de diferentes gêneros usados na sociedade.
Entretanto, conforme aponta Bronckart (2003), a diversidade teoricamente
ilimitada dos gêneros e a variabilidade de sua manifestação concreta nos textos
introduz um problema de ordem metodológica, que é o da definição particular de
cada um deles, de sua classificação e da identificação de suas características centrais.
Para o autor, estamos sempre diante de uma certa circularidade metodológica
inevitável, uma vez que, para conceituar os gêneros, devemos primeiro ter algum
conhecimento sobre o que eles são. Mesmo assim, seria possível efetuar um estudo
3
Por exemplo, em uma fábrica, instrumentos materiais disponibilizados podem ser considerados inúteis pelo
trabalhador, que não se apropriará deles facilmente.
- ela propiciaria a motivação dos alunos, uma vez que permitiria a explicitação
dos objetivos das diferentes atividades e do objetivo geral que as guia.
Ora, para cumprir toda essa proposta de ensino de gêneros, logo se tornou
evidente, para os pesquisadores de Genebra, a necessidade da elaboração de um
material didático que propusesse atividades constitutivas da seqüência. No Brasil,
após a promulgação dos PCN de língua portuguesa (BRASIL, 1998), que já prevê
esse tipo de estudo e de atividades, a obediência aos Parâmetros também passou a
ser uma exigência para a aprovação dos livros didáticos submetidos à avaliação do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Assim, nos dois casos, estamos diante
de um subnível da transposição dos conhecimentos científicos a conhecimentos a
serem ensinados, sendo ele talvez o mais importante, pois, no caso brasileiro, as
prescrições dos documentos e o trabalho real do professor são mediados pelos livros
e materiais didáticos. Surge daí a relevância dos trabalhos científicos e didáticos que
visem a efetivar essa transposição.
Ainda em Genebra, para a construção das seqüências didáticas, logo se tornou
evidente a necessidade da construção prévia de um “modelo didático de gênero”, que
pudesse guiar a elaboração das atividades das SDs, tal como mostraremos a seguir.
visualização das dimensões constitutivas do gênero e seleção das que podem ser
ensinadas e das que são necessárias para um determinado nível de ensino.
Segundo os mesmos autores, tendo objetivos explicitamente didáticos e sendo
a transposição didática um processo com determinadas características que não podem
ser evitadas, a construção desses “modelos” não precisa ser teoricamente perfeita e
“pura”4, abrindo-se a possibilidade da utilização de referências teóricas diversas, de
diferentes estudos sobre o gênero a ser ensinado, além de referências obtidas por
meio da observação e da análise de práticas sociais que envolvem o gênero, junto a
especialistas na sua produção.
Além de levar em conta todas essas referências, a construção do modelo
didático implica a análise de um conjunto de textos que se considera como
pertencentes ao gênero, considerando-se, no mínimo, os seguintes elementos:
4
Nesse sentido, podemos dizer que os modelos didáticos podem apresentar falhas ou lacunas, quando vistos do
ponto de vista de uma teoria de texto ou discurso qualquer. Mas, na verdade, os pesquisadores que se envolvem
na sua construção não estão preocupados em esperar a construção científica ideal, pois têm uma preocupação
social imediata, que é a de trazer subsídios para o trabalho docente e para a aprendizagem.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
5
Por exemplo, um trabalho sistemático sobre a elaboração e avaliação de materiais didáticos tem sido desenvolvido
há algum tempo, com grande eficácia, em cursos de extensão da COGEAE – PUC/SP, dirigidos a educadores em
geral e ministrados pelas doutorandas Eliane Lousada e Lilia Abreu-Tardelli. Nesses cursos inúmeras seqüências
didáticas têm sido trabalhadas em conjunto com os professores, tais como: testes de personalidade em revista
para adolescentes, narrativas de cordel, regras de jogos, debate público regrado, entrevista, apresentação pessoal
em recrutamento e seleção, crônicas, carta argumentativa de leitor, folhetos informativos, verbete de dicionário
de língua portuguesa, charges políticas, regulamento, notícia, sinopse de filme, editorial, tiras (de jornal e revistas
em quadrinho), propaganda, quarta capa de livro infantil. Também os cursos desenvolvidos por Baraldi, enfocando
a leitura, têm trabalhado com essas noções.
6
Para uma visão mais global desses trabalhos, assim como para a avaliação que deles faz Bronckart, veja-se o
número especial da revista Calidoscópio (2004), que reúne trabalhos da maioria dos participantes do Grupo
ALTER/CNPq, apresentados no primeiro simpósio do grupo, durante o XIV INPLA (2004). Outra importante
publicação que reúne contribuições de nosso grupo é a revista Signum (2005).
REFERÊNCIAS
Title: The construction of didactic models of genre: constributions and questions to genre teaching
Author: Anna Rachel Machado, Vera Lúcia Lopes Cristovão
Abstract: The objective of this paper is to present an overview of Brazilian research studies aimed
at building “didactic models of genres”, of their didactic sequences, and of didactic intervention
works developed under this perspective. However, we will limit ourselves to the perspective of
socio-discursive interactionism (SDI), focusing especially on those works carried out under the
supervision of Machado, and which were developed autonomously by different researchers. In this
paper we will indicate the validity of using the theoretical and methodological concepts of the SDI,
the genres analysed, the different objectives established and the theoretical, methodological and
pedagogical conclusions which these works managed to arrive at, as well as the questions they left
answered.
Keywords: socio-discursive interactionism; didactic model of genres; didactic sequences;
educational research.
575
NORMAS PARA SUBMISSÃO DE TRABALHOS
3) O texto do trabalho deve ser digitado em Times New Roman, corpo 12, entrelinha 1,5 e
sem sinalização de início de parágrafo;
4) Para citações longas ou exemplos de corpus que exijam recuo de margem, basta usar
Times New Roman corpo 10, sem fazer qualquer alteração gráfica. Se a citação for feita no
interior do parágrafo, usar apenas aspas duplas inicial e final;
5) Tabelas, quadros, ilustrações (fotografias, desenhos, gráficos, etc.) e anexos devem vir
prontos para serem impressos, dentro do padrão geral do texto e no espaço a eles destinado
pelo(s) autor(es). Para anexos que constituem textos originais já publicados, incluir referência
bibliográfica completa, bem como permissão dos editores para publicação;
6) As referências no corpo do trabalho (ou chamadas) devem ser apresentadas entre
parênteses, feitas por intermédio da data identificadora do trabalho, seguida de vírgula,
espaço, da expressão “p.” de página, espaço e do(s) número(s) da(s) página(s) citada(s),
quando for o caso. A norma utilizada para a padronização das referências é a da ABNT
que estiver em vigência. Exemplos de referências:
STUBBS, M. Disourse analysis: the sociolinguistic analysis of natural language.
Chicago: The University of Chicago Press; Oxford: Basil Blackwell Publisher, 1983.
PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (Orgs.). Por
uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux.
Campinas: Ed. da Unicamp, 1990. p. 61-161.
FURLANETTO, Maria Marta. Os caminhos de “onde” no português do Brasil: instrumentos
lingüísticos e deriva. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC: Editora Unisul, v. 4, n. 2,
p. 249-279, jan./ jun. 2004.
Obs: Pede-se atenção especial dos articulistas para que verifiquem se as referências citadas
no corpo do trabalho (chamadas) estão apresentadas na lista final e vice-versa.
7) A seções do texto devem ser numeradas, a começar de 1 (na introdução);
8) As notas de rodapé são destinadas a explicações complementares, não devendo ser
utilizadas para a citação de referências bibliográficas;
9) A revista publicará os seguintes textos:
a) Artigos de pesquisa – textos com o mínimo 5.000 e o máxímo 10.000 palavras,
contendo o relato de uma pesquisa empírica;
b) ensaios (questões e problemas) – textos com o mínimo de 5.000 e o máximo de
10.000 palavras, contendo discussão de um problema teórico relevante ao campo
em que se insere;
c) debates – textos com o mínimo de 5.000 e o máximo de 10.000 palavras, contendo
diálogo crítico com outro texto publicado na revista;
d) retrospectivas (estado da arte) – textos com o mínimo 5.000 e o máximo de
10.000 palavras, contendo histórico analítico e crítico de teorias, abordagens ou
tradições de pesquisa (relativos ao campo textual-discursivo);
e) resenhas – textos com o mínimo de 1.000 e o máximo de 1.500 palavras, contendo
o registro e a crítica de obras, livros, teses, monografias, etc., publicados
recentemente.
Obs: Os resenhistas, em geral, são indicados pelos editores.
DADOS POSTAIS:
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Avenida Marcolino Martins Cabral, 39
Centro – 88.701-000 – Tubarão/SC
E-mail: lemd@unisul.br
Site: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/revista/revista.htm
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