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Sistemas Agroflorestais como Instrumento para o


Desenvolvimento Sustentável no Bioma Cerrado

José Felipe Ribeiro1, Eny Duboc2 e José Teodoro de Melo3

Introdução
De maneira geral, agrosilvicultura pode ser entendida como a ciência que estuda um
conjunto de técnicas de manejo e uso do solo que implicam na combinação de árvores
com cultivos anuais, com pecuária ou com ambos, de forma conjunta ou escalonada no
tempo e no espaço (Montagnini, 1992), de forma temporária ou permanente, tendo
como principal objetivo, otimizar a produção por unidade de superfície, respeitando
sempre o princípio do rendimento sustentado. Entretanto, o perfeito entendimento a
acerca deste conceito vêm evoluindo, de modo que seu significado depende do ponto de
vista, podendo ser mais amplo ou mais restrito em função das diferentes ênfases dadas
a seus vários componentes.
Se formos mais longe nesta definição, espécies perenes e anuais da flora integradas
com fauna são encontradas em qualquer paisagem natural. Na busca de sistemas mais
adequados para o uso racional e sustentável do enorme potencial do bioma Cerrado
podemos ir ao encontro de uma definição mais ampla de sistema agroflorestal, ou seja,
um sistema de uso do ambiente, que envolve árvores e arbustos nativos combinados
com a produção de alimento ou forragem e animais semi-selvagens como a ema, a
capivara, o cateto e animais domésticos. Este sistema seria utilizado para otimizar a
produção de produtos de interesse, mantendo e até aumentando a produtividade dos
sítios locais. Assim, de forma mais ampla, a utilização de espécies nativas como um
componente de manejo desse ambiente complementaria as necessidades de alimentos,
combustível, proteção do solo e renda do pequeno agricultor. É essencial lembrar que
estes sistemas necessitam ter sustentabilidade social, cultural e econômica, portanto,
dentro do possível, deve procurar maximizar a produção e reflexos sociais e minimizar
seu “custo” ambiental.
De acordo com Contant (sd.) citado por Mattei (1990), a agrosilvicultura é a aplicação
de uma ciência complexa que requer conhecimento de ambiente, agricultura, silvicultura
e social. Embora, seja muito conhecida em seus componentes individualmente,
relativamente pequenos são os conhecimentos das interações entre elas, de forma
separada das observações empíricas. Portanto, existe necessidade de se conhecer para
reexaminar os conhecimentos procurados nas interações entre os componentes. A
agrosilvicultura agrega importante dimensão ao estudo científico do manejo dos recursos
naturais.

1
Pesquisador da Embrapa Cerrados, Rodovia Brasília-Fortaleza BR 020 Km 18, 73301-970 Planaltina, DF,
Brasil. Fone: (61)388-9898 - Fax: (61)388-9879. E-mail: felipe@cpac.embrapa.br
2
Pesquisadora da Embrapa Cerrados. E-mail: enyduboc@cpac.embrapa.br
3
Pesquisador da Embrapa Cerrados. E-mail: teodoro@cpac.embrapa.br
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Os sistemas agroflorestais priorizam a otimização dos recursos, inclusive os naturais, em


especial o solo, não apenas como técnica de regeneração, mas como forma de
desenvolvimento rural. Portanto, inadequação na escolha e combinação das espécies, no
tempo e espaço (praticas de manejo), na motivação e o no entendimento das técnicas
pela população, pode levar a agrosilvicultura induzir falhas semelhantes a outras formas
de uso do solo.
A prática agroflorestal também pode ser muito importante, em termos de agricultura
familiar ou até de subsistência. Quando a falta de infra-estrutura e o ingresso de
recursos na propriedade, faz com que os produtores tenham que satisfazer suas
necessidades básicas de alimentação, habitação, combustível, dentre outros, e é
oneroso e complicado o uso de insumos agrícolas. Em geral, a aplicação de técnicas
agroflorestais pode consolidar ou aumentar a produtividade das propriedades e
plantações, ou então, ao menos evitar que haja degradação do solo e da produtividade
com o passar do tempo (Montagnini, 1992). Considerando ainda o ponto de vista
ecológico, também poderíamos incluir aqui outra dimensão, que diz respeito à
diminuição da erosão dos recursos genéticos nativos.
A maioria dos critérios comumente utilizados na classificação dos sistemas
agroflorestais têm sido: o arranjamento no tempo e no espaço, a importância relativa e
função dos componentes, produção obtida dos componentes, produção obtida nos
sistemas e as feições econômicas e sociais. Algumas outras têm tentado integrar vários
destes critérios em planos hierárquicos, mais ou menos complexos. Portanto, a maioria
dos sistemas agroflorestais pode ser agrupada de acordo com suas bases estruturais,
sócio-econômicas, funcionais e ecológicas.
Entretanto, Mattei (1990) explica a idéia que propõe uma terminologia distinta e
interessante, quando considera que todos os sistemas de produção ou de manejo
pertencem a uma das três classes seguintes:
a) Sistemas modificadores: correspondem aos sistemas relativamente artificiais, como
por exemplo, quando se submete um bosque natural a desbaste pesado e se planta
na sombra das árvores remanescentes.
b) Sistemas tolerantes: quando se trata de sistemas de produção pouco ou muito pouco
diferenciados (florística e estruturalmente), do ecossistema natural. Por exemplo:
aproveitamento agroflorestal de um bosque que já tenha sofrido intervenção.
c) Sistemas intermediários: apresenta características dos dois anteriores. Por exemplo:
cultivo de cacau sob o dossel de bosques de pouca intervenção.

O uso racional do “Cerrado em pé” aqui proposto poderia ser enquadrado nessa
classificação como sistema tolerante. O Cerrado tem sofrido intervenções de diversas
maneiras e existem muitas áreas degradadas disponíveis, principalmente aquelas por
pastagem com manejo inapropriado.
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Potencial do Bioma Cerrado para o Desenvolvimento Sustentável


O Cerrado brasileiro está entre os biomas de maior diversidade florística do planeta, com
cerca de 6.500 espécies de plantas vasculares listadas até o momento (Mendonça et al.
1998). Ele é apontado como um dos 25 hot spots mundiais para conservação da
biodiversidade, estando entre os mais ricos e ameaçados. Nesse bioma ocorrem
diferentes formações vegetais como as florestais, as savânicas e as campestres, com
várias fitofisionomias em cada uma (Ribeiro & Walter, 1998). Nessas formações
vegetais, foram identificadas espécies com diferentes potenciais de uso: alimentar,
forrageiro, tanífero, artesanal, ornamental, corticífero, melífero, oleaginoso, medicinal,
madeireiro, tintorial, resinífero, condimentar, lacticífero e aromático, dentre outros
(Almeida et al., 1998; Brandão, 1991; Brandão, 1992; Lyra et al., 1970).
No uso alimentar, estão incluídas muitas frutas que tradicionalmente são consumidas
pela população local, evidenciando a importância dessas espécies no desenvolvimento
regional. Esses recursos representam fontes de renda alternativas para comunidades
tradicionais, comerciantes, processadores e empresários de todo tipo, contribuindo, de
certa forma, para o desenvolvimento sustentável da região, já que são ecologicamente
compatíveis com as características peculiares deste bioma. Entretanto, vale realçar que
boa parte destes recursos vai ao mercado sem um mínimo de esforço de produção
racional e sem a conservação de seus genes por meio de plantios ou coleções de
germoplasma (Clay & Sampaio, 2000).
Em adição a pressão que o extrativismo exerce sobre os recursos naturais, as
modificações antrópicas na região vem promovendo a sua escassez nas últimas
décadas. O bioma Cerrado é visto pelos planejadores, financiadores e agricultores
apenas como substrato a ser ocupado para expansão da agropecuária e urbanização
(Felfili et al., 1994). Esta expansão à taxa de 3% ao ano, em termos de superfície, já
determinou a conversão de pelo menos 60% da vegetação original de cerrado, o que
implica na perda de muitas espécies endêmicas e valiosas ainda não devidamente
investigadas. Esta perda é irreversível, uma vez que uma espécie extinta poderia
fornecer matéria-prima de grande valor econômico para o futuro ou ter um papel chave
na manutenção do equilíbrio do ecossistema (Felfili et al., 1994). No Distrito Federal
esta situação é ainda mais grave do que o quadro regional com uma perda de 60% de
sua vegetação original, estimando-se extinção em nível local de 20% das espécies de
plantas vasculares (Unesco, 2000).

Sistemas Agroflorestais para o Cerrado


Várias espécies de múltiplo uso estão sendo valorizadas comercialmente no Cerrado e o
Barú ou Cumbaru (Dipteryx alata) é uma delas. Ela ocorre em áreas de transição entre o
Cerrado e as Matas Secas, em solos relativamente mais férteis, e sua semente e polpa
são bastante importantes economicamente. Em algumas regiões, principalmente em
Mato Grosso e Goiás, as árvores são deixadas no pasto, pois, os frutos caídos no solo
constituem rica fonte de alimentos para o gado pela frutificação no período seco. Sua
frutificação é abundante de modo que poucas árvores podem suprir grandes demandas.
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Na natureza, a produção média por árvore pode chegar a 15.000 frutos (Ribeiro et al.,
2000). Em Goiás, principalmente na região de Pirinópolis e Alto Paraíso, suas castanhas
vem sendo torradas e usadas na alimentação humana de várias formas. As mesmas
considerações podem ser aplicadas para outras espécies como a cagaita e a mangaba
em regiões próximas.
Além disso, espécies de palmeiras do cerrado e das matas como: buriti, piaçava e
gueroba, têm sido usadas tradicionalmente, assim como comercializados pelas
comunidades do Brasil Central. O Babaçu, por exemplo, produz óleos já utilizados na
indústria de cosméticos nacional e internacional. Neste ultimo caso, despontam
empresas que somente adquirem esse produto extrativo de quem produz
sustentavelmente e com valores compatíveis com essa estratégia (Felfili, 2003,
informação pessoal). Desta maneira, a remuneração retorna de maneira justa às
comunidades extrativistas. Com a valorização da fitoterapia tradicional as ervas
medicinais vêm ganhando espaços nas farmácias do mundo. Algumas empresas vêm se
especializando exclusivamente em fitoterapia e incluem a comercialização de produtos
de várias espécies do cerrado e das matas do Brasil Central.
No entanto, temos que considerar que: a época de plantio, o espaçamento e as regras
de manejo em plantios de recuperação ainda são empíricas para muitas espécies do
Cerrado. Por outro lado, a literatura indica que várias espécies de potencial econômico
da fisionomia Cerrado sentido restrito no bioma são amplamente distribuídas (Ratter et
al., 1998). Exemplos destacados são: a sucupira preta (Bowdichia virgilioides), a faveira
(Dimorphandra mollis), o pacari (Lafoensia pacari), o pequi (Caryocar brasiliense), a
mama cadela (Brosimum gaudichaudii), a pimenta de macaco (Xylopia aromática), o
gonçalo-alves (Astronium fraxinifolium), a mangaba (Hancornia speciosa) e o murici
(Byrsonima verbascifolia). Este conhecimento deveria estimular sua manutenção na
natureza, pois além de crescerem juntas nesta paisagem, apresentam densidade
suficiente para justificar um ganho econômico, desde que fosse agregado valor a essa
produção. Esses resultados têm sido conseguidos a partir de informações
fitossociológicas associadas a avaliações quantitativas de produção de frutos e
comercialização local, mas ainda não são por si só suficientes. O campo da agricultura
ecológica deveria ser ampliado e desenvolvido dentro dos cursos de ecologia e de
agronomia no Brasil no sentido de entender que as leis que regem o comportamento em
um plantio agrícola são essencialmente as mesmas da ecologia, adicionadas àquelas do
mercado financeiro. Essas leis deveriam ser então compatibilizadas e associadas com as
leis “sociais” para que pudéssemos ter o que se chama de tripé básico para
desenvolvimento sustentável.
Assim sendo, para aproveitamento da biodiversidade dos recursos naturais do Bioma
Cerrado são necessárias: a caracterização de sua heterogeneidade e distribuição, a
quantificação do seu valor econômico, e a valorização desse ambiente para a adequada
tomada de decisões na aplicação de políticas públicas na construção de Sistemas
agroflorestais utilizando estas espécies nativas.
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2000.

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