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DANIEL LAGES DIAS, LUIZ ANTÔNIO K. BITTENCOURT, JOSÉ RENATO CAVICCHIO, MÁRCIO JANSEN FIGUEIREDO,
ANA MARIA SIMÕES
Clinicordis
Endereço para correspondência: Rua Visconde de Taunay, 421 — conj. 71 — CEP 13023-200 — Campinas — SP
O encaminhamento de pacientes visando à avali- lizar um dos vários índices de risco disponíveis na li-
ação pré-operatória do cardiologista é prática comum teratura. O encaminhamento ao especialista ou a so-
em nosso meio. Entretanto, uma série de distorções licitação de exames complexos são muitas vezes des-
ocorre nessa prática. O médico avaliador é um con- necessários, embora alguns grupos especiais de paci-
sultor, que irá avaliar o estado clínico do paciente, entes requeiram maior atenção.
com ênfase em sua classe funcional, assim como o risco Descritores: cuidados pré-operatórios, risco cirúr-
envolvido na cirurgia proposta, podendo o médico uti- gico, cirurgia não-cardíaca, avaliação pré-operatória.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:259-67)
RSCESP (72594)-976
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DIAS DL e cols.
Importância e fundamentos da avaliação pré-operatória para pacientes submetidos a cirurgia
não-cardíaca: quem deve ser avaliado e quem deve avaliar
rantia da não ocorrência de problemas e como parte ca. Os seguintes itens devem ser considerados num
integrante da avaliação pré-anestésica. parecer clínico(4) :
A avaliação do estado clínico no período pré-ope- — avaliação completa;
ratório pretende responder basicamente a duas ques- — resposta ao que foi solicitado;
tões: qual é o risco cirúrgico e o que pode ser feito — presteza na resposta;
para diminuí-lo. A determinação do risco cirúrgico — recomendações claras;
pode propiciar, quando devidamente considerado, — comunicação com a equipe cirúrgica;
melhor evolução per e pós-operatória, e seguramente — base científica das recomendações.
fornece elementos que ajudam na decisão de realizar A avaliação pré-operatória é muitas vezes a pri-
ou não uma cirurgia (1) . Essa decisão deve ser de res- meira consulta clínica de um indivíduo, sendo essa uma
ponsabilidade quase exclusiva do cirurgião e, em me- boa oportunidade para a estratificação de risco
nor escala, do anestesista, pois são eles que, atuando cardiovascular e subseqüente orientação, não signifi-
durante o ato operatório, sabem de seus limites e ca- cando isso aumento de custo ou realização de exames
pacidades e são os responsáveis diretos pelo paciente. desnecessários. Esse raciocínio é tão mais válido quan-
Devemos lembrar, também, que o cirurgião foi quem to mais nos lembramos que o envelhecimento natural
fez a avaliação inicial e quem diagnosticou a doença da população faz com que cada vez mais idosos, que
e, mais ainda, foi quem recomendou a terapêutica ci- são população com alta prevalência de cardiopatia,
rúrgica como sendo a mais indicada para a doença que passem por procedimentos cirúrgicos de alta comple-
aquele paciente apresenta. Tal avaliação cirúrgica, pres- xidade (ortopédicos, vasculares), com alta morbidade
supõe-se, tenha sido feita dentro dos padrões técnicos e alta mortalidade cardiovasculares.
adequados e, portanto, após criteriosa análise dos da-
dos médicos disponíveis. Seria impensável que um DETERMINAÇÃO DO RISCO CIRÚRGICO:
médico fizesse uma proposta terapêutica sem infor- FUNDAMENTOS
mação médica adequada. Portanto, a questão que se
coloca na avaliação pré-operatória por parte do A abordagem de um paciente candidato a cirurgia
cardiologista é a de ser um consultor que deve ajudar deve envolver três fatores (5) :
a responder questões claramente colocadas pelo mé- — condição clínica do paciente;
dico cirurgião ou pelo anestesista. Não deve ser aque- — particularidades do procedimento cirúrgico plane-
le que avalia todos os riscos, mas aquele que avalia jado;
determinado tipo de risco (risco cardiovascular) que o — particularidades dos recursos disponíveis no servi-
cirurgião teve dificuldade em avaliar no contexto ge- ço que realizará a cirurgia.
ral do paciente. Semelhante raciocínio deve ser feito A avaliação clínica inicia-se com anamnese, exa-
quando outros especialistas forem chamados para opi- me físico e eletrocardiograma.
nar em casos de avaliação cirúrgica pré-operatória (ris- A anamnese deve buscar identificar as principais
cos específicos para cada especialidade). A comuni- doenças cardiovasculares e, principalmente, sua severi-
cação adequada entre os médicos é vital para o estabe- dade, estabilidade e fase do tratamento em que o pacien-
lecimento da razão para o parecer clínico e da pergun- te se encontra. São ainda de grande importância a capa-
ta a ser respondida. Ela não deve se restringir a mero cidade funcional do paciente, a idade e as condições
“encaminhamento” por meio de formulário impessoal médicas associadas, como diabete, insuficiência arterial
e padronizado. A transmissão precária de informações periférica, insuficiência renal crônica, pneumopatia, etc.
pode resultar em custos excessivos para os pacientes(2). O exame físico, com ênfase no aparelho
A prática de se encaminhar, sem informação, para ou- cardiovascular, permite a avaliação de vários dos cri-
tros médicos avaliarem, quando o cirurgião não fez térios a serem empregados na classificação do risco
sua própria e detalhada avaliação, seja por falta de tem- cirúrgico. Assim, são de grande importância o estado
po ou por má prática médica, envolve riscos de geral do paciente, a palpação dos pulsos periféricos, a
“pseudo-avaliações” e “garantias inadequadas presença de 3a bulha e a presença de sopros sugestivos
fornecidas por terceiros”. Por outro lado, mesmo quan- de lesões estenóticas.
do o rito médico é adequado de ambas as partes, há Além do tipo de cirurgia planejada e todos os fato-
necessidade das recomendações do consultor serem res a ela relacionados, o consultor deverá levar em conta
precisas e específicas(3) . É importante que seja realiza- também a habilidade da equipe cirúrgica em realizar o
da avaliação ordenada e criteriosa do paciente, assim procedimento proposto, disponibilidade ou não de ser-
como comunicação permanente com a equipe cirúrgi- viço de Terapia Intensiva no hospital ou outros recur-
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Importância e fundamentos da avaliação pré-operatória para pacientes submetidos a cirurgia
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Maiores
— Infarto agudo do miocárdio recente (entre 7 e 30 dias), com evidência de isquemia residual importante
por achados clínicos ou estudos não-invasivos
— Angina instável ou severa (classes III ou IV da Canadian)
— Insuficiência cardíaca congestiva descompensada
— Bloqueio atrioventricular de alto grau
— Arritmia ventricular sintomática em paciente com cardiopatia
— Arritmia supraventricular com freqüência cardíaca não-controlada
— Valvopatia severa
Intermediários
— Angina do peito leve (classe I ou II da Canadian)
— Infarto agudo do miocárdio prévio pela história ou achados de eletrocardiograma
— Insuficiência cardíaca congestiva compensada
— Diabete melito
Menores
— Idade avançada
— Alterações no eletrocardiograma (hipertrofia do ventrículo esquerdo, bloqueio de ramo esquerdo,
alterações do segmento ST)
— Ritmo não-sinusal
— Baixa capacidade funcional
— Antecedente de acidente vascular encefálico
— Hipertensão arterial não-controlada
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Importância e fundamentos da avaliação pré-operatória para pacientes submetidos a cirurgia
não-cardíaca: quem deve ser avaliado e quem deve avaliar
rúrgico (técnicas e processos) na gênese das compli- de quantificar esse risco e de padronizar a linguagem
cações per-operatórias é menor que os fatores relacio- entre clínicos, anestesistas e cirurgiões.
nados ao paciente(13) . Entretanto estes não podem ser Os métodos mais freqüentemente utilizados para
esquecidos, uma vez que também contribuirão para a avaliar os riscos cirúrgicos são os da American Society
morbidade e a mortalidade per-operatórias. São fato- of Anesthesiologists (ASA)(14) e os de Goldman(15) . A
res importantes relacionados à cirurgia sua urgência, classificação do grau de risco clínico feita pelo méto-
o local, o tipo de anestesia, a severidade estimada de do da ASA é simples, sendo muito utilizada por man-
perda sanguínea, a probabilidade de modificações do ter boa correlação com a intensidade do risco cirúrgi-
equilíbrio hidro-eletrolítico e a necessidade de cuida- co. É baseada em parâmetros clínicos, não havendo a
dos pós-operatórios. necessidade de exames subsidiários.
Vários autores classificam as cirurgias em faixas A classificação de Goldman, mais específica para
de risco alto, médio e baixo (Tab. 3). Segundo as dire- o risco cardíaco, foi elaborada na década de 70, após
trizes do American College of Cardiology (11) , o con- análise de condições que contribuíram de forma inde-
sultor deverá pesar os fatores clínicos preditores de pendente para graves complicações cardíacas em pa-
complicação acima descritos juntamente com o tipo cientes com mais de 40 anos submetidos a grandes
de cirurgia proposto. Assim, pacientes portadores de cirurgias. A essas condições foram atribuídos pesos e
preditores clínicos maiores requerem cuidado médico assim foi estabelecido um sistema de pontos, a partir
intensivo, podendo levar ao adiamento ou até ao can- do qual se atribui o risco cirúrgico do paciente. Em
celamento da cirurgia, independentemente de sua clas- 1995, Mangano e Goldman(16) fizeram uma atualiza-
se de risco, a menos que esta seja de emergência. Aque- ção do índice, buscando corrigir condições nas quais
les pacientes que apresentam preditores clínicos inter- o risco era subestimado. Assim, fatores como a pre-
mediários deverão ter sua classe funcional bem avali- sença de coronariopatia ou grandes cirurgias envol-
ada. Caso apresentem capacidade funcional baixa, irão vendo a aorta passaram a ser considerados como de
necessitar de investigação adicional. Caso apresentem risco elevado “pré-teste”, influenciando o resultado
capacidade funcional superior a 4 METs, poderão ser obtido com o escore original de Goldman.
submetidos a cirurgias de risco médio ou baixo com bai- Diversos autores têm procurado atualizar ou pro-
xo índice de complicações. Já aqueles pacientes com por novos índices de avaliação do risco pré-operató-
preditores clínicos menores poderão submeter-se a ci- rio. Entre eles, Detsky e colaboradores (17) modifica-
rurgias de risco médio ou baixo, independentemente de ram o escore de Goldman, tornando-o mais abrangente,
sua classe funcional, devendo ser mais bem avaliados na com maior número de pontos a serem analisados. Mais
hipótese de serem candidatos a cirurgias de alto risco. recentemente, Lee e colaboradores(18) propuseram novo
índice, com seis preditores independentes de compli-
ÍNDICES DE RISCO cações:
1) cirurgia de alto risco;
Embora cada vez mais questionados, os índices 2) história de doença coronariana;
padronizados de risco continuam sendo uma maneira 3) história de insuficiência cardíaca congestiva;
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Importância e fundamentos da avaliação pré-operatória para pacientes submetidos a cirurgia
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4) história de doença cerebrovascular; conjunto foi superior ao uso dos mesmos de forma iso-
5) tratamento pré-operatório com insulina; lada.
6) creatinina sérica pré-operatória > 2,0 mg/dl. Os índices de Goldman e da ASA são particular-
As taxas de complicações com 0, 1, 2 ou 3 ou mais mente úteis por serem de aplicação simples, de baixo
desses fatores foi de 0,5%, 1,3%, 4% e 9%, respecti- custo e por determinarem grupos de pacientes de mai-
vamente. or risco, nos quais pode ser necessário adiar o proce-
Até mesmo o índice de APACHE II(19) , original- dimento cirúrgico, modificá-lo, ou indicar cuidados
mente utilizado para avaliar prognóstico em unidades per-operatórios mais intensificados. Um dos motivos
de terapia intensiva, foi proposto como preditor útil para resultados conflitantes na aplicação desses índi-
para avaliação prognóstica para grandes cirurgias. ces pode estar ligado a erros em sua aplicação, com
Todas as classificações estão sujeitas a críticas, pois índices super ou subestimados(26) .
dificilmente cobrirão toda a ampla gama de variáveis De qualquer forma, qualquer índice tem suas limi-
envolvidas nas possíveis complicações cirúrgicas, prin- tações, ligadas, inclusive, às particularidades do ser-
cipalmente no tocante às variações de respostas pró- viço em que ele é aplicado(27) . Os índices devem servir
prias de cada paciente. As duas classificações mais como referência para o consultor. O julgamento clíni-
utilizadas continuam sendo a da ASA e a de Goldman, co e a experiência do médico que acompanha o paci-
que têm sido submetidas a diversos estudos,procuran- ente serão sempre superiores e mais valiosos para a
do validá-las em diferentes populações cirúrgicas (20-25) . adequada estratificação do risco do indivíduo.
Os resultados desses estudos são muitas vezes
conflitantes, porém, de modo geral, os índices têm se QUEM DEVE AVALIAR?
mostrado bons preditores de complicações quando
aplicados em grandes populações. No maior desses Em tempos de controle de custos, essa pergunta
estudos, Prause e colaboradores(20) analisaram 16.227 adquire grande importância. A avaliação pelo
pacientes, de forma retrospectiva, segundo os índices anestesista é sempre realizada em diversas instituições,
de Goldman e ASA. Ambos foram preditores de com- no Brasil e no exterior. Acredita-se que se o paciente
plicações, e a acurácia dos dois índices utilizados em não apresenta sinais de doença significativa e se a ava-
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Importância e fundamentos da avaliação pré-operatória para pacientes submetidos a cirurgia
não-cardíaca: quem deve ser avaliado e quem deve avaliar
liação adicional pelo especialista não irá implicar a probabilidade de resultado anormal. Para uma bate-
modificações no planejamento cirúrgico, esta não é ria de 20 exames bioquímicos, as chances de todos
necessária. serem normais é de apenas 36%; isto é, há chance de
A utilização de algoritmos, que podem ser indivi- 64% de que existirá pelo menos um resultado anor-
dualizados para cada instituição, auxilia a realização mal(28) . Ainda, segundo Macpherson(28) , “ao se optar
da avaliação e também contribui para a redução de pela solicitação de um exame num paciente sem acha-
custos. dos sugestivos de doença na história ou no exame físi-
É prática comum que as equipes cirúrgicas tenham co, que irá influenciar no resultado, os fatores a serem
seus avaliadores preferenciais (consultores) e que considerados são os seguintes: primeiro, existe alta
referenciem seus pacientes para eles. Tal atitude pre- probabilidade de que o resultado do exame seja anor-
tende criar facilidades de comunicação entre clínicos mal?; segundo, um resultado anormal está associado a
e cirurgiões e também preenche aspectos de caráter elevado risco de complicações pós-operatórias, de for-
econômico, pois criam vínculos mais ou menos está- ma que a descoberta de uma anormalidade poderia
veis entre os profissionais e propiciam rotinas de tra- resultar em intervenções para reduzir o risco do pro-
balho (estas otimizariam os recursos e agilizariam os cedimento ou cancelar a cirurgia?; terceiro, existe alta
resultados). Quando se age dessa maneira, tende-se a probabilidade de que, se o exame for repetido após o
fazer todas as avaliações clínicas por quem se “conhe- ato cirúrgico, ele se tornará anormal, de forma que um
ce e é de confiança da equipe cirúrgica”. Entretanto, valor basal seria fundamental?”. Portanto, podemos
às vezes, o cirurgião se esquece de que o paciente já concluir que as principais razões para realizar os exa-
tem médico clínico que o acompanha, que sendo “da mes seriam as seguintes:
mais estrita confiança do paciente” e que sendo um a) detectar condições não suspeitadas que podem alte-
observador e orientador da saúde dele há longo tem- rar o risco cirúrgico;
po, é um avaliador, para aquele paciente, de grande b) obter resultados basais que possam ser úteis na to-
acurácia e perspicácia técnica. Esse clínico com certe- mada de decisão durante e após a cirurgia.
za tem mais condições de avaliar melhor, utilizando, A questão que se coloca não é a de termos exames
inclusive, menos recursos médicos subsidiários por normais, mas sim a de termos exames que sejam úteis
conhecer algumas das particularidades do paciente. O na tomada de decisão pré, per ou pós-operatória. Uma
médico que faz a avaliação sem conhecer previamente boa regra é analisar se o exame em questão seria so-
o paciente tem a tendência de solicitar o maior núme- licitado independentemente da necessidade de o paci-
ro possível de exames subsidiários, para “cercar” to- ente ser ou não submetido a cirurgia.
das as possibilidades e tentar garantir o sucesso do em-
preendimento. Essa atitude não encontra respaldo téc- QUEM DEVE SER AVALIADO?
nico: fazer muitos exames não é igual a fazer boa ava-
liação. As complicações a serem evitadas não são ape- Sendo o ato cirúrgico um ato invasivo, que implica
nas aquelas que a literatura médica relata, mas são prin- a utilização de drogas diversas e que inevitavelmente
cipalmente aquelas que a equipe cirúrgica tem tido a provoca súbitas e intensas modificações fisiológicas,
partir de sua própria experiência e que devem ser dis- as quais são suportadas de forma variável pelos paci-
cutidas com o médico avaliador. entes, há uma tendência em submeter todos os pacien-
tes (jovens, idosos, com ou sem doenças prévias, gra-
EXAMES SUBSIDIÁRIOS PRÉ- OPERATÓRIOS ves ou com problemas de pequena monta, etc.) a ex-
tensas avaliações com sofisticados e modernos méto-
Os médicos consultores ligados às equipes cirúr- dos na tentativa de diagnosticar o grau de “suportabi-
gicas tendem a estabelecer rotinas, inclusive de exa- lidade” dos pacientes. Talvez o único método de se
mes laboratoriais. Chamamos de exame de rotina quan- saber com certeza o que cada paciente suporta seja
do ele é solicitado para todos os pacientes, indepen- submetê-lo ao procedimento propriamente dito, o que
dentemente dos achados na história e do exame físico. obviamente não é exeqüível. Por outro lado, o estresse
As investigações acerca de exames pré-operatórios de induzido pelo ato cirúrgico é reversível sem interven-
rotina concluíram que o número de resultados de exa- ção médica. Há, então, uma adaptação fisiológica do
mes não selecionados e que detectam anormalidades é organismo humano, que está dentro do esperado e que
baixo, com grande número de resultados falsos positi- possibilita o próprio ato cirúrgico. A magnitude do que
vos. Como os resultados deles são independentes uns é passível de adaptação é de difícil detecção e não há
dos outros, quanto maior o número de exames, maior exames que avaliem tal variação. Trata-se, portanto,
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não-cardíaca: quem deve ser avaliado e quem deve avaliar
sempre de uma avaliação médica estimativa (com alto culdades na avaliação funcional desse grupo de paci-
grau de incerteza) baseada em conjecturas de ordem entes, conforme relato de Del Guercio e Cohn(33) . O
teórica, de difícil demonstração prática, e que depen- que é mais aceito é tentar fazer a cirurgia no menor
dem daquilo que o cirurgião e o anestesista fazem du- espaço de tempo, com a menor agressão possível; es-
rante e após a cirurgia, da experiência prévia de am- ses dois aspectos estão intimamente ligados à destre-
bos e também de fatores individuais relativos ao paci- za e à experiência do cirurgião e só podem ser avalia-
ente e sua capacidade de resposta aos estímulos. A in- dos por ele mesmo.
certeza está presente mesmo nos jovens que possuem Outro fator que merece consideração é o ligado às
elevada capacidade de adaptação aos mais diversos doenças psiquiátricas. São pacientes que podem estar
fatores agressivos. É, no entanto, essa mesma estima- fazendo uso de diversos medicamentos que modifi-
tiva que pode ajudar na tomada de decisão, pois ela cam a fisiologia e os padrões de resposta habitualmente
alertará para os aspectos relevantes e de maior proba- esperados. Além disso, existem interações
bilidade de complicações. Sem dúvida os portadores medicamentosas entre as drogas anestésicas e as de
de doenças crônicas e de problemas médicos especi- uso psiquiátrico, sendo o principal exemplo os
ais podem ter rebaixamento na capacidade de se ajus- inibidores da monoaminoxidase e das drogas causa-
tarem às modificações induzidas pelo ato cirúrgico. doras de síndromes de abstinência (34) . Em tais pacien-
Nos próximos capítulos, os diversos autores discuti- tes, impõe-se minuciosa avaliação pré-anestésica e
rão a importância das doenças concomitantes para o comunicação obrigatória entre o cirurgião, o anestesista
bom andamento das cirurgias em geral e de estratégi- e o psiquiatra. Avaliações feitas por terceiros esbarra-
as para acompanhamento cirúrgico. riam em enormes dificuldades, tais como história clí-
A idade do paciente é um fator que não deve ser nica nem sempre possível de ser obtida, nível alterado
esquecido. Vários autores (29-32) demonstraram existir de consciência do paciente e modificações funcionais
aumento da mortalidade cirúrgica relacionada com a induzidas pelas drogas psicotrópicas.
idade, principalmente em procedimentos de emergên- Outra situação especial é aquela ligada às urgências,
cia. Esse aumento deve-se principalmente às altera- quando decisões devem ser tomadas no menor intervalo
ções decorrentes da idade (30) , que provocam diminui- de tempo com o objetivo de garantir a vida do paciente
ção da reserva funcional dos diversos aparelhos, em que está sob séria ameaça. Nem sempre podem ser obti-
especial diminuição em graus variáveis das funções das as informações adequadas ou realizadas medidas para
cardíaca, respiratória e renal, com efeitos adversos estratificação do risco cirúrgico. Assim, a avaliação aca-
sobre as evoluções cirúrgicas. Há que se considerar ba sendo direcionada para minorar os riscos de compli-
ainda que os idosos têm probabilidade aumentada de cações pós-operatórias, independentemente da cirurgia
apresentar diversas doenças, inclusive coronariopatia, que foi realizada (a qual, na realidade, garantiu a vida
muitas vezes de forma assintomática, devido às daquele paciente), com posterior estratificação de risco
autolimitações impostas pela idade. Há evidentes difi- e orientação ao paciente.
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Importância e fundamentos da avaliação pré-operatória para pacientes submetidos a cirurgia
não-cardíaca: quem deve ser avaliado e quem deve avaliar
DANIEL LAGES DIAS, LUIZ ANTÔNIO K. B ITTENCOURT , JOSÉ RENATO CAVICCHIO, MÁRCIO JANSEN
FIGUEIREDO, ANA MARIA SIMÕES
Referal to a cardiologist for preoperative evaluation is a very common practice, but there’s a lot of distortions
on it. The consultant physician must act as an adviser, evaluating the clinical status of the patient, stressing in
his functional capacity, and also evaluating the risk of the proposal surgery. In this way, the physician can use
one of the many risk indices available on medical literature. Referal to the specialist or demand of high cost
exams is many times unnecessary, although some special groups of patients need a higher attention.
Key words: preoperative care, risk assessment, noncardiac surgery, surgical risk.
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Importância e fundamentos da avaliação pré-operatória para pacientes submetidos a cirurgia
não-cardíaca: quem deve ser avaliado e quem deve avaliar
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O PAPEL DO CIRURGIÃO NA AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
Com a responsabilidade sobre a indicação cirúr- a nutrição, as particularidades dos idosos, dos porta-
gica e sobre seu resultado, o cirurgião precisa ofere- dores de neoplasias e outras doenças, o conhecimen-
cer as melhores condições para que seu paciente su- to dos riscos operatórios e a melhora de todos esses
porte o ato cirúrgico-anestésico. A história clínica fatores permitirão melhor resultado no tratamento ci-
detalhada, o estado psíquico-emocional do paciente, rúrgico proposto.
o exame físico pormenorizado, os exames Descritores: avaliação pré-operatória, complica-
laboratoriais, a propedêutica armada, os cuidados com ções pós-operatórias, triagem pré-operatória.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:268-76)
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*
Ex-médico assistente da Cirurgia do Trauma do HC-UNICAMP.
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CONCON FILHO A
O papel do cirurgião na avaliação pré-operatória
nefícios com seus custos. cessos contra médicos, impulsionado pela própria
Levando-se em consideração a pessoa do pacien- mídia, o que faria o profissional da área médica cer-
te, a gravidade de sua doença, seu estado de saúde, a car-se de exames para justificar sua conduta, criando
urgência da realização do ato operatório, a segurança a chamada “Síndrome de Documentação” (5,6) .
e a proteção da equipe médica, e os aspectos médico- Melo(2) aponta os aspectos responsáveis por essa
legais, podemos tentar propor algumas medidas em rotina de exames pré-operatórios: “Autoridade”, dos
diferentes situações. Mesmo diante de diversos proto- livros-textos e dos serviços de cirurgia que ensinam e
colos e classificações propostas, sabe-se que uma boa difundem essa prática; “Tradição”, gerando nos cirur-
história clínica e o exame físico são insubstituíveis. giões a tendência de repetir procedimentos clássicos;
Dentro da história clínica, devemos cada vez mais es- “Preconceito”, que impede o questionamento destes;
tar atentos quanto aos antecedentes do uso de drogas, “Conjectura”, onde a não realização desses exames
prática cada vez mais comum em nosso meio, princi- aumentaria o risco cirúrgico; e “Hábito”, onde solici-
palmente entre os jovens. Os usuários de algumas dro- tamos exames sem considerar sua real necessidade.
gas, como a cocaína, correm risco maior de desenvol- Ainda, o excesso de trabalho do cirurgião e o re-
ver edema pulmonar agudo ou instabilidade duzido tempo disponível para a avaliação clínica de-
hemodinâmica durante a anestesia. talhada levariam o profissional a solicitar diversos exa-
Podemos dividir o preparo pré-operatório em fun- mes para surpreender laboratorialmente alguma do-
ção do tempo disponível para se avaliar e preparar o ença que poderia ser suspeitada por uma minuciosa
paciente para a operação, considerando-se três situa- história e exame físico. A dissociação entre os servi-
ções: indicação cirúrgica eletiva, de emergência e de ços de cirurgia e anestesiologia poderia levar à sus-
urgência. pensão de uma cirurgia pela “falta de exames”, acar-
retando ao cirurgião uma série de transtornos de or-
CIRURGIAS ELETIVAS dem pessoal, burocrática, profissional e de dinâmica
de serviço(5) .
A extensa literatura sobre a melhor avaliação pré- Esses exames pré-operatórios podem ser divididos
operatória, tentando determinar índices ou classifica- em três categorias:
ções que melhor poderiam prever os riscos de compli- a) Descritivos: realizados para avaliar o estado atual
cações intra e pós-operatórias, tem-se mostrado diver- de uma doença ou condição já identificada previa-
gente quanto aos exames necessários para cada paci- mente.
ente. b) Parâmetro inicial: para servirem de comparação no
O risco de complicações cardiopulmonares pós- caso de uma complicação pós-operatória.
operatórias está na dependência de diversos fatores, c) Triadores: para detectar doenças e condições insus-
entre eles idade acima de 70 anos, história de infarto peitas clinicamente. Nessa categoria pesam as
do miocárdio prévio, insuficiência cardíaca ou doen- maiores críticas, uma vez que o gasto excessivo
ça pulmonar crônica, principalmente em cirurgias de nesses exames poderia ser dirigido a programas de
grande porte, gastrocirurgias ou cirurgias de emergên- prevenção e outros (7) . Além do custo-benefício
cia(1) . proibitivo, grande número de doenças
diagnosticadas não recebe tratamento correspon-
Exames subsidiários dente, resultando em benefício clínico desprezí-
O conceito de “Rotina Pré-Operatória”, com pro- vel(8) .
tocolos listando diversos exames subsidiários, basea- A maioria dos autores concorda com a realização
do geralmente na idade e na cirurgia proposta, sem a do eletrocardiograma para aqueles pacientes com clí-
análise criteriosa das indicações dos exames baseadas nica sugestiva, grupos de risco para doença cardíaca
numa apurada avaliação clínica individual, tem sido a oculta e idosos. A radiografia de tórax estaria dispen-
rotina da maioria dos serviços de cirurgia(2) . Alguns sada nos pacientes com menos de 30 anos de idade,
autores alegam esse procedimento na tentativa de di- desde que assintomáticos e sem fatores de risco para
agnosticar doenças insuspeitas ou usar esses dados doenças pulmonares.
como referências para possíveis dosagens no pós-ope- Segundo um estudo realizado por Labbate(9) , não
ratório, caso haja alguma complicação (3,4) . demonstraram significado estatístico preditivo de com-
Uma preocupação cada vez mais presente em nos- plicações intra e pós-operatórias os exames de hemo-
so meio é garantir-se de possíveis questionamentos no globina, glicemia, uréia, hematócrito, creatinina, análi-
aspecto legal em virtude do crescente número de pro- se urinária, radiografia de tórax e avaliação do porte
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deambulação.
d) Programa de monitorização não-invasiva: para os Acesso venoso central pré-operatório
pacientes de cirurgia ortopédica de grande porte e Indicado em cirurgias de grande porte, onde a me-
pacientes cirúrgicos com dois ou mais fatores de dida da pressão venosa central se faz necessária du-
risco para trombose venosa profunda. rante a cirurgia para se estimar o estado volêmico e
e) Filtros na veia cava: nos pacientes onde está contra- permitir a reposição rápida de soluções cristalóides ou
indicado o uso de anticoagulantes. Não impede a colóides, quando necessário.
trombose venosa profunda, só diminui o Se possível , o cateter venoso central deve ser pas-
tromboembolismo pulmonar. sado na véspera da cirurgia e sua correta posição de-
terminada por estudo radiológico do tórax.
Predição de mortalidade Deve-se evitar a instalação do cateter em situação
Vários são os fatores que aumentam a mortalidade de emergência, pois aumenta as complicações (pneu-
cirúrgica(26) . motórax, hidrotórax, lesão vascular e outras)(28) .
Existem as variáveis relacionadas ao paciente: sexo,
idade, pressão arterial sistêmica, disfunção renal, Sugestão mínima na avaliação pré-operatória
disfunção hepática e doenças associadas. Em que pesem as particularidades inerentes de cada
Existem variáveis relacionadas à cirurgia: comple- paciente, em função de suas características físicas e
xidade cirúrgica, prioridade cirúrgica e tempo anesté- de suas doenças associadas, que implicarão preparo
sico. pré-operatório individualizado e personalizado, pode-
Nos homens, a taxa de mortalidade é duas vezes mos propor uma rotina mínima de avaliação pré-ope-
maior que nas mulheres. ratória, considerando-se a relação custo-benefício.
A mortalidade aumenta com a idade. Somente com estudos prospectivos e randomizados,
Nos pacientes com pressão arterial sistêmica mai- com meta-análises, utilizando-se também a medicina
or que 160 mmHg, a taxa de mortalidade era duas ve- baseada em evidências, poderemos tentar chegar a ín-
zes maior que nos pacientes com pressão arterial dices ou protocolos mais seguros e menos onerosos.
sistêmica normal. Naqueles com pressão arterial a) Pacientes hígidos, abaixo de 40 anos de idade: hemo-
sistêmica menor que 100 mmHg, era sete vezes maior grama completo e coagulograma (com atividade de
que nos indivíduos normais. protrombina e RNI). Avaliação anestesiológica pou-
Disfunção renal: taxa de mortalidade seis vezes cos dias antes da cirurgia e no dia da cirurgia.
maior. b) Pacientes hígidos, acima de 40 anos de idade: hemogra-
Disfunção hepática: taxa de mortalidade sete ve- ma completo, coagulograma, glicemia, creatinina, uri-
zes maior. na I, radiografia de tórax. Avaliação anestesiológica pou-
A taxa de mortalidade aumenta quando tem doen- cos dias antes da cirurgia e no dia da cirurgia. Avaliação
ça associada, é maior quanto maior a ASA e quanto cardiológica com eletrocardiograma.
maior a complexidade cirúrgica. c) Pacientes com doenças associadas: devem ter avali-
As cirurgias de urgência e emergência têm maior ação do especialista da doença em questão e a li-
taxa de mortalidade que as eletivas. beração para o ato operatório.
As taxas de mortalidade das cirurgias com tempo d) Cirurgias no trato digestivo: proteínas total e fra-
anestésico acima de 240 minutos eram três vezes mai- ções e protoparasitológico; preparo de cólon na
ores que aquelas de 121 a 240 minutos, cinco vezes véspera da cirurgia.
maiores que aquelas de 61 a 120 minutos e oito vezes e) Possibilidade de transfusão: tipagem sanguínea,
maiores que aquelas de até 60 minutos. provas cruzadas e reserva de hemoderivados. Nas
É possível reduzir a taxa de mortalidade otimizando cirurgias de grande porte, com grande probabili-
essas variáveis no pré-operatório, reduzindo o tempo dade de transfusão sanguínea, a realização da pré-
cirúrgico e realizando o menor procedimento cirúrgico. coleta de sangue do próprio paciente, dias antes da
No doente grave, de risco, devemos lançar mão de cirurgia, visando à autotransfusão.
medidas para prevenir as complicações pós-operatóri-
as: suporte nutricional, correção da anemia, melhora CIRURGIA DE EMERGÊNCIA
da função cardíaca, fisioterapia respiratória, profilaxia
com antibiótico, postergar operação quando possível, Chamamos, assim, aquelas operações que devam
cateter venoso central intra-operatório, monitorização ser realizadas imediatamente, com o mínimo de tem-
intra e pós-operatória e controle do débito urinário(27) . po (ou nenhum) de preparo pré-operatório, em função
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O papel do cirurgião na avaliação pré-operatória
da gravidade e do risco iminente de morte. pecíficas. As medidas gerais incluem aquelas neces-
Como exemplos, aqueles pacientes vítimas de sárias a todos os pacientes, independentemente da do-
traumatismos fechados (como, por exemplo, aciden- ença e do tipo de cirurgia. Entre as medidas específi-
tes automobilísticos) ou penetrantes (como, por exem- cas incluem-se aquelas que dependem do tipo de paci-
plo, ferimentos por projétil de arma de fogo ou arma ente ou do tipo de doença cirúrgica e, conseqüente-
branca), que por insuficiência respiratória ou perda mente, de suas intercorrências.
volêmica aguda podem vir a falecer em poucos minu-
tos. Medidas gerais
Com a sistematização de atendimento preocupada Primeiramente, devemos conscientizar o paciente
em diagnosticar e tratar primeiro aquelas lesões que e seus familiares de sua doença e do tratamento opera-
levariam o paciente a óbito mais precocemente, como tório proposto. Isso implica boa relação médico-paci-
a hipoxia e a hipovolemia, preconizada pelo Colégio ente, desde já transmitindo segurança e conforto ao
Americano de Cirurgiões através do ATLS (“Advanced enfermo, com preparo psicológico adequado àquele
Trauma Life Support”)(29) . que, além de estar sofrendo por uma afecção aguda,
Nesses casos, o preparo pré-operatório resume-se será submetido a tratamento agressivo e invasivo.
em diagnosticar e tratar as lesões ameaçadoras da vida, Melhora do estado geral, com hidratação parenteral
realizar procedimentos rápidos e efetivos como a adequada, lembrando que, na maioria dos casos, o pa-
intubação traqueal e a reposição volêmica, e levar o ciente encontra-se com ingesta oral insuficiente há
paciente imediatamente ao centro cirúrgico para muitas horas ou dias, algumas vezes complicada com
submetê-lo a cirurgia e correção da lesões, como pa- vômitos. A realização do ato anestésico e cirúrgico com
rar a hemorragia. um paciente restabelecido de suas condições
Exames subsidiários, como radiografia, exames hemodinâmicas transcorre de forma muito mais está-
laboratoriais, tipagem sanguínea e outros, podem ser vel e segura. Um parâmetro simples e confiável da boa
feitos durante a cirurgia, quando já tiverem sido trata- recuperação da hidratação e da volemia é observar a
das (ou controladas) as lesões ameaçadoras da vida. diurese; se presente, deve ser espontânea ou por meio
O perfeito entrosamento do cirurgião com a equi- de sondagem vesical.
pe de resgate que fez o atendimento pré-hospitalar, com O jejum pré-operatório de seis horas para líquidos
a equipe do pronto-socorro, com a equipe do centro e de oito horas para sólidos só é possível em alguns
cirúrgico e com o anestesiologista é necessário para casos, como apendicite aguda na fase inicial, que pode
que se perca o menor tempo possível até que o pacien- evitar a realização de anestesia com o “estômago
te esteja recebendo o tratamento definitivo no centro cheio”, com a chamada seqüência rápida de intubação
cirúrgico. traqueal e paralisação muscular, com risco de aspira-
ção pulmonar.
CIRURGIA DE URGÊNCIA A realização de hemograma completo é importan-
te, não só para se ter idéia mais confiável da
São assim definidas as cirurgias em que se dispõe hemoglobina, leucócitos e plaquetas (o que pode ser
de um curto período de tempo para se confirmar o di- substituído por anamnese e exame físico detalhados),
agnóstico e preparar o paciente para operá-lo nas me- mas também para satisfazer uma necessidade famili-
lhores condições clínicas possíveis. Esse período pode ar, já que culturalmente é difícil explicar uma cirurgia
variar em algumas horas, dependendo da doença ci- sem a realização de “nenhum exame de sangue”.
rúrgica.
Como exemplos, podemos citar o abdome agudo Medidas específicas considerando-se o paciente
inflamatório (por exemplo, apendicite aguda, Alguns cuidados especiais e a realização de exa-
colecistite aguda e outras), o abdome agudo por obs- mes particulares deverão ser providenciados depen-
trução (por exemplo, por bridas ou por tumores), o dendo da idade do paciente e de seus antecedentes
abdome agudo hemorrágico (por exemplo, prenhez mórbidos.
tubária rota, cisto hemorrágico de ovário), o abdome Pacientes com mais de 40 anos de idade deve-
agudo por perfuração (por exemplo, úlcera perfurada) rão ser submetidos a eletrocardiograma; caso haja
e o abdome agudo vascular (por exemplo, trombose alguma alteração, verificada pelo cirurgião e/ou
mesentérica). anestesiologista, deverão ser avaliados pelo cardio-
Para o preparo pré-operatório para essas cirurgias logista.
de urgência, podemos dividir em medidas gerais e es- Aqueles que já possuem cardiopatia ou que este-
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O papel do cirurgião na avaliação pré-operatória
jam em uso de medicações cardiovasculares deverão sim como a realização de gasometria (mesmo que ve-
ser submetidos a eletrocardiograma e avaliação cardi- nosa) para quantificar o pH e o bicarbonato, diagnos-
ológica. ticando-se acidose decorrente de desidratação ou de
Antecedentes de nefropatia indicam o estudo da alcalose hipoclorêmica hipocalêmica pela perda do
função renal no período pré-operatório, com dosagem HCl.
de uréia e creatinina, que também servirão como refe- Abdome agudo vascular
rência para prováveis dosagens no pós-operatório. Necessita um estudo da coagulabilidade sanguí-
Quando em uso de diuréticos, devem ter seus ele- nea, uma vez que, em alguns casos, o quadro isquêmi-
trólitos avaliados, como o sódio e o potássio. co ocorre não por alteração vascular, mas por estados
Hepatopatas e etilistas crônicos ou aqueles com dis- de hipercoagulabilidade.
túrbios de coagulação deverão ser avaliados quanto à Hemorragias
função hepática, realizando-se o coagulograma, para se Como no abdome agudo hemorrágico ou nas he-
ter idéia de seu estado de coagulação sanguínea. morragias digestivas altas e baixas, onde, além da do-
O pneumopata, com doença crônica do fluxo alve- sagem da hemoglobina e do hematócrito, faz-se ne-
olar, deve ter estudo radiológico pulmonar para se ava- cessário o estudo do coagulograma e tipagem sanguí-
liar o estado enfisematoso e, quando necessário e ha- nea com as provas cruzadas.
vendo tempo hábil e disponibilidade, gasometria arte-
rial e prova de função pulmonar. CONCLUSÃO
Medidas específicas considerando-se a doença O cirurgião deve tentar preparar seu paciente o
Abdome agudo inflamatório melhor possível para ser submetido a tratamento ci-
A leucometria é importante para termos uma idéia rúrgico. São diversas as variáveis que o cirurgião deve
do nível de infecção e para servir de parâmetro no conhecer, estudar e corrigir no período pré-operató-
pós-operatório. Dosagem da creatinina quando utili- rio, otimizando a evolução de seu paciente.
zamos o aminoglicosídio como parte da antibiotico- O cirurgião não deve se limitar a ser unicamente
terapia. um operador. Deve, sim, ser um excelente clínico no
Abdome agudo por obstrução pré-operatório, um exímio técnico no intra-operatório
A presença de vômitos implica a dosagem dos ele- e um competente intensivista e metabologista no pós-
trólitos para imediata correção devido às perdas, as- operatório.
Regarding the surgeon’s responsibility to give advice and thus its consequences, patients need to be offered
the best possible conditions in order to undergo surgery. Improvement of the following factors will enable a
better result in the surgical treatment provided: a detailed clinical history and physical examination, related
laboratory evaluations, the importance of beneficial nutrition, particularities concerning the elderly and neoplasm
patients, and a complete knowledge of preoperative risks.
Key words: preoperative evaluation, postoperative complications, preoperative screening.
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O papel do cirurgião na avaliação pré-operatória
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RISCOS E ORIENTAÇÕES PRÉ-OPERATÓRIAS EM
ASSINTOMÁTICOS DO PONT O DE VISTA CARDIOVASCULAR
E COM ALTERAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS
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LORGA AM e col.
Riscos e orientações pré-operatórias em assintomáticos do ponto de vista cardiovascular e com alterações eletrocardiográficas
alterações são consideradas “preditores maiores” de vio foi preditor negativo para infarto do miocárdio não
risco cardiovascular perioperatório aumentado (3, 4) . As reconhecido. Diabete dependente ou não de insulina não
alterações restantes (de 3 a 5), juntamente com altera- foi preditor positivo para infarto do miocárdio não reco-
ções do segmento ST-T, sobrecarga ventricular esquer- nhecido, apesar de sê-lo para isquemia silenciosa.(7)
da e bloqueio do ramo esquerdo, são tidas como Muito importante também foi a constatação, em
preditores de risco intermediário ou baixo(3, 4) . ambos os estudos, de que o fato de o infarto ser ou não
reconhecido não interferiu na mortalidade total. O
INFARTO RECENTE DO MIOCÁRDIO infarto do miocárdio não reconhecido teve o mesmo
NÃO- DIAGNOSTICADO prognóstico do diagnosticado (5,6) .
É claro que a identificação de infarto do miocárdio
Uma parcela importante dos infartos do miocárdio recente não diagnosticado é só questão de acaso, mas
passa despercebida, ou por serem totalmente poderá acontecer, mesmo que muito raramente. Na
assintomáticos ou por terem sintomas pouco impor- Tabela 1, considerada a incidência de infartos totais e
tantes e/ou atípicos que são interpretados como de outra de infartos não reconhecidos em Framingham (5) (inci-
doença (gastrite, bursite, hérnia de hiato, etc.). Em dência) e no Cardiovascular Halth Study (prevalência)(6),
Framingham (5) , mais de 30% dos infartos diagnostica- pode-se obter o número necessário para diagnosticar,
dos nas revisões bienais da população acompanhada isto é, o número de pessoas submetidas a
não foram reconhecidos como tal à época do evento e eletrocardiograma necessário para se diagnosticar
metade deles foi totalmente assintomática (Tab. 1). infarto na população estudada. Deve-se observar que
Essa incidência, tanto dos infartos do miocárdio reco- o número necessário para diagnosticar para infartos
nhecidos como dos não-diagnosticados, aumentou não reconhecidos foi de aproximadamente 25, ou seja,
consideravelmente entre homens acima de 45 anos e de cada 25 pacientes submetidos a eletrocardiograma,
mulheres acima de 55 anos (5) (Fig. 1) um tinha infarto do miocárdio não reconhecido previ-
amente.
Tabela 1. Porcentagem de infartos do miocárdio (IMT) Esses números referem-se à população americana,
e infartos não reconhecidos (IMNR) em Framingham confirmados em Honolulu(8) e em homens de Reikja-
(30 a 84 anos)(5) e no Cardiovascular Health Study vik(9) , mas ainda não há evidências de que possam ser
(CHS) (maiores de 65 anos)(6) . As porcentagens dos aplicados no Brasil. Diagnosticado ou suspeitado um
dois estudos, apesar de se referirem à incidência em infarto do miocárdio não reconhecido, a cirurgia de-
Framingham e à prevalência no Cardiovascular Health verá ser adiada até que medidas clínicas adequadas
Study, levam a números muito semelhantes de pacien- sejam tomadas e o paciente tenha evolução de pelo
tes submetidos a eletrocardiograma necessários para menos quatro a seis semanas após o evento, para ser
diagnosticar (NND). liberado para o procedimento cirúrgico proposto. Ex-
ceção feita, obviamente, aos casos de emergência,
Framingham CHS como, por exemplo, rotura de aneurisma aórtico, rotura
de víscera, trauma, etc. Freqüentemente, se o exame
IMT IMNR IMT IMNR não-invasivo indutor de isquemia, como a cintilografia
miocárdica de perfusão com dipiridamol, for negati-
% 13,8 4,2 15,3 3,4 vo, não haverá necessidade da avaliação invasiva des-
NND 7 24 7 26 se paciente com infarto do miocárdio recente.
Casos com cirurgia inadiável podem se beneficiar com
a utilização perioperatória de betabloqueadores(10,11) , com
No Cardiovascular Health Study (6) , em pacientes redução de até dez vezes na mortalidade em paci-
de ambos os sexos, maiores de 65 anos, as observa- entes com cardiopatia isquêmica de alto risco (por
ções foram semelhantes, com 22% dos infartos fican- exemplo, cirurgia de aneurisma de aorta em paci-
do sem diagnóstico à época do evento (Tab. 1). Nesse entes com sinais de isquemia na cintilografia do
estudo, os seguintes fatores foram preditores positi- miocárdio). (11)
vos para infarto do miocárdio não reconhecido em ido-
sos: sexo feminino, ausência de história de angina, BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR DE
ausência de história de insuficiência cardíaca, ausên- ALTO GRAU ASSINTOMÁTICO
cia de história de claudicação, ausência de história fa-
miliar, saúde percebida boa ou ótima. Tabagismo pré- Não é raro que portadores de bloqueio
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LORGA AM e col.
Riscos e orientações pré-operatórias em assintomáticos do ponto de vista cardiovascular e com alterações eletrocardiográficas
INFARTO ANTIGO
DO MIOCÁRDIO
NÃO- DIAGNOSTICADO
IMR 5 4,3 12,6 19,2 9,7 3,2
IMNR 0,1 1,2 3,8 8,5 6,0 1,7 A identificação de ondas Q
IMT 0,6 5,5 16,4 27,7 15,7 4,9 patológicas no eletrocardiogra-
NND-T 167 18 6 4 6 20 ma pré-operatório sugere infar-
NND-NR 995 80 23 10 15 57 to antigo do miocárdio, que
Figura 1. Incidência de infarto do miocárdio em 10 anos, em Framingham pode ser confirmado por disfun-
(modificado da referência 5): incidência, por 100 pessoas, de infarto do ção segmentar no ecocardiogra-
miocárdio (IMT), reconhecidos (IMR) ou não reconhecidos (IMNR), con- ma. Não há consenso entre as
(3, 4) sobre o que é con-
forme a faixa etária. O número de pessoas submetidas a eletrocardiograma, diretrizes
necessárias para diagnosticar (NND) um infarto do miocárdio (NND-T) ou siderado infarto recente ou an-
um infarto do miocárdio não reconhecido (NND-NR), varia com a faixa etária tigo: uma define recente como
e provavelmente é custo-efetivo a partir dos 40 anos (menos que 1:18 e 1:80, o infarto com mais de 7 e me-
respectivamente). nos de 30 dias (3) ; a outra classi-
fica-o como recente se ocorrido
há menos de 6 meses e tardio se
atrioventricular de 2o ou 3o graus sejam assintomáticos ocorrido há mais de 6 meses (4) . Entretanto, em ambas
e tenham vida normal com a bradiarritmia não o infarto recente é de maior risco. O infarto antigo não
diagnosticada. O diagnóstico no eletrocardiograma diagnosticado é considerado preditor intermediário de
pré-operatório, entretanto, exige providências, às ve- risco cardiovascular, justificando avaliação mais deta-
zes precedentes ao ato cirúrgico. Nos casos de blo- lhada da condição clínica e do estado funcional atual
queio atrioventricular do 2o grau tipo Wenckebach com do paciente e a tomada de providências adequadas para
QRS estreito, apenas uma investigação não invasiva otimizar as condições operatórias. Também, índices
(Holter, teste de esforço) mais detalhada é suficiente, de risco revistos (2) , mais recentes, indicam a simples
pois a maioria desses bloqueios é de localização nodal presença de ondas “Q” patológicas como preditores
atrioventricular. Já o bloqueio atrioventricular de 2o de risco de complicações cardiovasculares periopera-
Mobitz tipo II, os bloqueios atrioventriculares de grau tórias.
avançado (seja variante de Wenckebach ou Mobitz tipo
II) e os bloqueios atrioventriculares totais deverão ser OUTRAS ALTERAÇÕES NO
tratados com marcapasso definitivo antes do procedi- ELETROCARDIOGRAMA
mento cirúrgico proposto(12) . Os casos de bloqueio
atrioventricular do 2 o grau, nos quais suspeita-se que As diretrizes da ACC/AHA (3) consideram como
esteja ocorrendo bloqueio no sistema His-Purkinje, “preditores menores” de risco cardiovascular
poderão ser submetidos a estudo eletrofisiológico pré- perioperatório aumentado: bloqueio do ramo esquer-
operatório para que se possa definir o local do blo- do, alterações de ST-T (exceção as de infarto recente),
queio e tomar a conduta adequada. É aparente tam- sobrecarga de ventrículo esquerdo e ritmo não-sinusal
bém que em situações de emergência essa avaliação porque não há evidências de que estas aumentem, in-
poderá não ser possível. dependentemente, o risco perioperatório. A presença
Deve-se também ficar alerta para a ação, durante o de mais de 5 ectopias ventriculares ou alterações
ato cirúrgico, de fármacos que interferem na condu- isquêmicas do segmento ST-T no eletrocardiograma
ção atrioventricular, seja no nó atrioventricular (por convencional de repouso tem o mesmo valor na
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LORGA AM e col.
Riscos e orientações pré-operatórias em assintomáticos do ponto de vista cardiovascular e com alterações eletrocardiográficas
estratificação que o infarto antigo (há mais de 6 me- tretanto, essas alterações, normalmente, não impedi-
ses), nas diretrizes da ACP (4) , ou seja, são de risco in- rão a cirurgia, nem necessitarão, na maioria das vezes,
termediário. de avaliações invasivas pré-operatórias, porém serão
Outras situações que devem ser consideradas são a de grande valia no manuseio per e pós-operatório des-
fibrilação atrial com alta freqüência ventricular (ape- ses pacientes. É sugerido que diabéticos com mais de
sar de muito raramente ser assintomática), o bloqueio 40 anos de idade e apresentando alterações do seg-
atrioventricular de 1 o grau e o ritmo juncional, que tam- mento ST-T sejam submetidos a cintilografia do
bém deverão ser abordados pré-operatoriamente. miocárdio com dipiridamol, pela possibilidade de
Essas alterações ditas menores podem nos orien- isquemia silenciosa(7) .
tar a pesquisar condições antes insuspeitadas (como, Essas considerações reforçam a necessidade de o
por exemplo, cardiomiopatia hipertrófica, pré-excita- eletrocardiograma ser incluído na rotina de avaliação
ção ventricular, etc.) ou a avaliar condições ainda não pré-operatória de pacientes com mais de 40 anos de
diagnosticadas, porém já suspeitadas ao exame físico idade, mesmo que assintomáticos e com história clíni-
(valvopatias, arritmias, hipertensão arterial, etc.). En- ca negativa do ponto de vista cardiovascular.
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Riscos e orientações pré-operatórias em assintomáticos do ponto de vista cardiovascular e com alterações eletrocardiográficas
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QUAIS PACIENTES DEVEM RECEBER CUIDADOS DE UTI
NO PÓS-OPERATÓRIO E QUE CONDUTAS DEVEM SER TOMADAS
PARA PREVENIR COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES?
A doença arterial coronária é uma das doenças tes selecionados, porém carece de estudos definitivos.
mais prevalentes em pacientes cirúrgicos e está asso- O uso adequado de drogas antiarrítmicas, inotró-
ciada a elevada morbidade e mortalidade. A adequa- picos positivos e hipotensores arteriais será de im-
da monitorização cardíaca poderá reduzir os eventos portante valor no controle desses eventos.
isquêmicos e o infarto do miocárdio. Sempre deverá ser realizada a prevenção da trom-
A insuficiência cardíaca também tem alta mortali- bose venosa profunda e do tromboembolismo pulmo-
dade e em vários casos é secundária a doença arteri- nar.
al coronária. A monitorização cardíaca invasiva em Descritores: cirurgia cardíaca, prevenção da trom-
pacientes de alto risco poderá ser benéfica em pacien- bose venosa.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:282-8)
RSCESP (72594)-979
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BARUZZI ACA e col.
Quais pacientes devem receber cuidados de UTI no pós-operatório e que condutas devem ser tomadas
para prevenir complicações cardiovasculares?
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BARUZZI ACA e col.
Quais pacientes devem receber cuidados de UTI no pós-operatório e que condutas devem ser tomadas
para prevenir complicações cardiovasculares?
PROFILAXIA DA TROMBOSE VENOSA PROFUNDA Vários fatores de risco, clínico ou cirúrgico, para
trombose venosa profunda têm sido identificados e
A profilaxia da trombose venosa profunda deve ser deve-se atribuir a cada um deles um peso diferenciado
realizada tanto nos pacientes clínicos como cirúrgi- (Tab. 1).
cos. As principais complicações da trombose venosa O paciente é classificado de risco baixo quando a
profunda são o tromboembolismo pulmonar e a soma dessa pontuação for < 1, risco moderado quando
síndrome pós-trombose venosa profunda, onde a entre 2 e 4, e risco alto quando > 4 pontos. A profilaxia
recanalização incompleta do trombo junto ao plano será realizada conforme o risco encontrado. Quanto
valvar do sistema venoso profundo causa estase veno- mais fatores de risco estiverem presentes, maior será a
sa e insuficiência valvar. estratificação do risco do paciente e, portanto, mais
A profilaxia é a melhor forma de prevenção do intensa a profilaxia.
tromboemblismo pulmonar. Quando adequada, reduz Weinmann Salzman (7) propõem classificar os pa-
o risco em 70% a 80% dos casos, sendo raras as com- cientes em três níveis de risco: 1) baixo risco; 2) risco
plicações hemorrágicas. Infelizmente, os principais moderado; e 3) risco alto, conforme a incidência de
fatores que contribuem para sua subutilização devem- eventos tromboembólicos em pacientes não submeti-
se ao fato de sua incidência ser subestimada (a maio- dos a profilaxia da trombose venosa profunda, levan-
ria é assintomática), às dúvidas quanto a sua eficácia e do-se em consideração várias condições clínicas e ci-
ao receio de sangramento. rúrgicas (Tab. 2).
Os métodos de profilaxia, sejam farmacológicos Um indivíduo com menos de 40 anos de idade,
ou não-farmacológicos, devem ser individualizados e submetido a ato operatório com duração de até 60
aplicados conforme o grau de risco para trombose ve- minutos e sem nenhum outro fator de risco, é classifi-
nosa profunda. Mesmo após a alta hospitalar, esta deve cado de risco baixo. Entretanto, se a idade for superior
ser continuada entre os que ainda apresentam algum a 40 anos e o tempo cirúrgico acima de 60 minutos, o
risco de trombose venosa profunda (6) . risco será moderado. Assim, a profilaxia para os di-
IAM = infarto agudo do miocárdio; ICC = insuficiência cardíaca congestiva; AVCI = acidente vascular cerebral isquêmico;
TVP = trombose venosa profunda; TEP = tromboembolismo pulmonar.
284 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
BARUZZI ACA e col.
Quais pacientes devem receber cuidados de UTI no pós-operatório e que condutas devem ser tomadas
para prevenir complicações cardiovasculares?
versos níveis de risco deverá ser diferenciada (Tab. 3). (8 mmHg), porção distal da coxa (10 mmHg) e porção
No primeiro exemplo, o paciente deveria ser submeti- proximal (8 mmHg). Aumentam 36% a velocidade do
do a profilaxia não-farmacológica (meias elásticas, fluxo da veia femoral. É a primeira medida profilática
inclusive no ato operatório, além da deambulação pre- a ser adotada além da deambulação precoce.
coce); no segundo, à associação da profilaxia Compressão pneumática intermitente dos membros
farmacológica (heparina de baixo peso molecular ou inferiores
heparina não-fracionada) além das meias elásticas e A insuflação seqüencial de “cuffs” de 35 mmHg,
deambulação. 30 mmHg e 20 mmHg, respectivamente, no tornoze-
As principais contra-indicações para a profilaxia lo, no joelho e na coxa, aumenta em 240% a velocida-
farmacológica são: sangramento ativo e os distúrbios de de fluxo na veia femoral. Quando apenas uma câ-
hemorrágicos graves (congênito ou adquirido). mara é utilizada no tornozelo, com pressão de 35
mmHg durante 12 segundos, esse aumento é de 180%.
Profilaxia não-farmacológica Há evidências de que essa modalidade de profilaxia
Meias elásticas aumenta a atividade fibrinolítica endógena.
As meias elásticas têm compressão graduada: tor- Filtro na veia cava inferior
nozelos (18 mmHg), panturrilhas (14 mmHg), joelhos Indicado quando a profilaxia farmacológica não
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 285
BARUZZI ACA e col.
Quais pacientes devem receber cuidados de UTI no pós-operatório e que condutas devem ser tomadas
para prevenir complicações cardiovasculares?
pode ser realizada (por exemplo, sangramento ativo), Heparina de baixo peso molecular (dalteparina,
na vigência de alto risco de tromboembolismo pulmo- enoxaparina, nadroparina)
nar. O portador de fratura ortopédica com fenômeno Obtida pela despolimerização da heparina, tem
tromboembólico recente e necessidade de tratamento peso molecular entre 4.000 e 6.000 dáltons. Em rela-
cirúrgico poderá beneficiar-se do mesmo. Complica- ção à heparina não-fracionada, tem maior capacidade
ções: migração do filtro, estase venosa crônica e para inibir o fator Xa e menor afinidade por proteínas
tromboembolismo pulmonar por meio de vasos plasmáticas, vasculares, células endoteliais,
colaterais. Filtros especiais para uso temporário (du- macrófagos e plaquetas. Isso confere maior biodispo-
ração de até 14 dias) com retirada dos mesmos após nibilidade e meia-vida plasmática, com redução dos
comprovação de ausência de trombo é outra opção efeitos colaterais (plaquetopenia e risco de sangra-
profilática. mento).
Dextran 40
Profilaxia farmacológica Reduz a adesão e a agregação plaquetárias. É utili-
Heparina não-fracionada (Liquemine®) zado nas doses de 500 ml por via endovenosa durante
Polissacarídeo natural extraído da mucosa intesti- 6 a 24 horas e mantido por alguns dias. Pode causar
nal de porco ou de pulmão bovino. Tem peso molecular insuficiência cardíaca pela expansão volêmica,
médio de 15.000 dáltons e interage com a antitrombina anafilaxia e insuficiência renal.
III, alterando sua conformação estrutural. Inativa vá-
rios fatores da cascata da coagulação: XIIa, XIa, IXa, RECOMENDAÇÕES ESPECIAIS(8-11)
Xa e IIa (trombina), sendo a trombina e o fator Xa os
mais sensíveis a sua ação (Fig. 1). Nos pacientes cardiopatas submetidos a cirurgias
Somente um terço da heparina infundida por via oftalmológica, neurológica ou urológica de grande
endovenosa liga-se à antitrombina III, promovendo seu porte, recomenda-se a compressão pneumática inter-
efeito anticoagulante. O restante liga-se ao fator de mitente ou as doses farmacológicas indicadas para a
von Willebrand, às células endoteliais e aos profilaxia de moderado risco.
macrófagos. Durante a internação, manter a profilaxia farma-
cológica e a não-farmacológica
enquanto persistirem os fatores de
risco.
Após a alta hospitalar, manter
a profilaxia durante algumas sema-
nas até que o paciente volte a deam-
bular ou reassuma as atividades
habituais.
Na grávida cardiopata com
história pregressa de trombose
venosa profunda e/ou tromboem-
bolismo pulmonar, sua recorrên-
cia em gestações subseqüentes
varia de 4% a 15%. Realizar a
profilaxia com heparina não-fra-
cionada (7.500 a 10.000 UI SC 2
x/dia) ou com heparina de baixo
peso molecular (doses indicadas
para paciente de alto risco). As
heparinas não atravessam a pla-
centa e não apresentam efeito
teratogênico. Manter anticoagu-
lante oral durante seis meses no
pós-parto.
Figura 1. Complexo heparina/ATIII inativa os fatores da coagulação XIIa, No trauma medular, a incidên-
XIa, IXa, Xa e trombina (IIa), especialmente estes dois últimos. cia de trombose venosa profunda
286 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
BARUZZI ACA e col.
Quais pacientes devem receber cuidados de UTI no pós-operatório e que condutas devem ser tomadas
para prevenir complicações cardiovasculares?
é maior nas duas primeiras semanas e rara após o ter- cidência de tromboembolismo pulmonar sem profilaxia
ceiro mês. Utilizar heparina não-fracionada ou hepa- é de até 4% dos casos. No pós-operatório, utilizar as
rina de baixo peso molecular (pelo menos três meses) doses indicadas para a profilaxia de risco moderado.
associada às medidas não-farmacológicas. Nos pacientes domiciliares, a profilaxia deverá ser
Na neurocirurgia, a profilaxia não-farmacológica realizada enquanto persistirem os fatores de risco.
tem sido a recomendada durante os primeiros dias. Nos portadores de cateter peridural, a profilaxia
Após, utilizar heparina não-fracionada ou heparina de deverá ter início uma hora após sua retirada. Se a
baixo peso molecular. profilaxia estiver em curso, aguardar duas horas do
Na cirurgia de revascularização miocárdica, a in- término do efeito terapêutico para sua retirada.
Coronary artery disease is the most prevalent underlying cardiovascular disease in surgical patients, and it
is associated with considerable morbidity and mortality in this setting. A major focus of postoperative care must
be monitoring for ischemia and therapy designed to reduce or prevent ischemia and myocardial infarction.
While less common, acute congestive heart failure in the postoperative setting is associated with mortality
and may be consequence of underlying coronary artery disease. Perioperative invasive monitoring in high-risk
patients may reduce adverse outcome. However, studies supporting this practice are not compelling.
Newer drugs can treat perioperative arrhythmias, reduce cardiac performance, and arterial hypertension
providing the clinician with valuable tools to prevent and avoid adverse cardiac outcomes.
Venous thromboembolism prevention is always important for surgical patients.
Key words: perioperative cardiac care, venous thromboembolism prevention.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 287
BARUZZI ACA e col.
Quais pacientes devem receber cuidados de UTI no pós-operatório e que condutas devem ser tomadas
para prevenir complicações cardiovasculares?
10. Arcelus JI, Caprini JA, Traverso CI. Venous Knobel E, ed. Condutas no Paciente Grave. São
thromboembolism after hospital cardiac surgery. Paulo: Atheneu; 1999. p.211-25.
Thromb Hemost 1993;51-55. 12. Alpert JS, Dalen J. Epedemiology and natural
11. Baruzzi ACA, Hamersschlak N. Anticoagulantes, history of venous thromboembolism. Prog
fibrinolíticos e trombose venosa profunda. In: Cardiovasc Dis 1994;36(6):417-46.
288 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
DIABETE E CIRURGIA
MARCOS TAMBASCIA
Estudos prospectivos recentes têm demonstrado insulina intermediária e regular de acordo com as
que as complicações micro e macrovasculares do necessidades é a maneira mais apropriada de contro-
diabete estão relacionadas com o controle da glicemia, lar os diabéticos já usuários de insulina e mesmo os
com a correção da dislipidemia, da obesidade e da que estão sendo controlados com drogas orais, já que
hipertensão arterial, e com a abolição do tabagismo. toda droga oral deve ser interrompida por ocasião de
Um paciente diabético controlado em todas essas va- uma cirurgia eletiva. A automonitorização domiciliar
riáveis tem a mesma taxa de sobrevida do não-diabé- pré-cirurgia e a determinação de perfil glicêmico do
tico. A evolução peri e pós-cirúrgica em um paciente paciente servirão de orientação quanto ao esquema e
diabético não deverá ser diferente de um paciente não- quanto às doses de insulina que deverão ser emprega-
diabético, desde que esteja em bom controle metabó- das. A equipe cirúrgica e o auxílio de médico especi-
lico. As complicações do diabete, no entanto, poderão alizado no tratamento do diabete melito contribuirão
ter influência na evolução e, assim, deverão ser exaus- para o sucesso do procedimento.
tivamente empregadas boa avaliação pré-cirúrgica e Descritores: diabete melito, controle metabólico,
medidas de correção. O tratamento em que se utiliza cirurgia.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:289-92)
RSCESP (72594)-980
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 289
TAMBASCIA M
Diabete e cirurgia
catrização não têm sido confirmados. Quando diabéti- tos de função renal, como níveis de creatinina, uréia e
cos são pareados com não-diabéticos para idade, sexo e análise urinária, incluindo a avaliação da proteinúria
tipo de cirurgia não foram verificadas diferenças na de 24 horas, marcador de nefropatia diabética. A ava-
prevalência de complicações pós-operatórias ou mesmo liação radiográfica utilizando contraste iodado deverá
dificuldade de cicatrização(5,6) . A manutenção do estado ser cautelosa, pois em pacientes com nefropatia insta-
de euglicemia não está associada à melhor evolução, lada poderá ocorrer insuficiência renal aguda (9) . Quan-
comparativamente ao estado de discreta hiperglicemia. do essa avaliação for inevitável, os pacientes deverão
Algumas alterações funcionais, como deficiência de estar bem hidratados e deverá ocorrer monitorização
quimiotaxia de neutrófilos, fagocitose e ação eletrolítica e dos níveis de creatinina.
antibacteriana, são observadas quando ocorre
hiperglicemia e essas mesmas alterações são revertidas TRATAMENT O DO DIABETE MELIT O DURANTE
com o controle adequado(7) . No entanto, faltam dados no O ESTADO PERIOPERATÓRIO
sentido de se admitir que essas alterações possam modi-
ficar o prognóstico de diabéticos submetidos a procedi- Não existe consenso sobre quais níveis glicêmicos
mentos cirúrgicos. É mais provável que complicações deverão ser observados nos procedimentos cirúrgicos.
crônicas preexistentes, como neuropatia e doença O bom senso mostra que valores entre 140 mg/dl e
macrovascular, possam influenciar a recuperação. 240 mg/dl podem ser considerados satisfatórios, mas
mesmo valores mais elevados não estão associados a
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA morbidade e mortalidade elevadas. Por outro lado,
quando os valores de glicemia forem inferiores a 120
Quando a cirurgia é eletiva, a avaliação deverá ter mg/dl, deverá ser necessária atenção maior para se
por objetivo permitir que o paciente seja operado nas impedir evento hipoglicêmico. Para a obtenção de con-
melhores condições possíveis. Para isso, será neces- trole glicêmico rigoroso e correção dos valores da he-
sário identificar e corrigir as eventuais condições que moglobina glicosilada, geralmente é necessário esfor-
potencialmente poderão induzir morbidade e mortali- ço conjunto de paciente e médico e o tempo para o
dade, como as complicações cardíacas, pulmonares e sucesso pode ser de várias semanas. Com freqüência,
renais. Essas complicações poderão ser secundárias o tempo para controlar o paciente para uma cirurgia é
ou não ao diabete melito preexistente. bem restrito, pois o clínico somente é chamado a in-
As complicações microvasculares, como tervir um ou dois dias antes da cirurgia. Uma boa ava-
retinopatia, nefropatia e neuropatia diabética, têm re- liação clínica e metabólica, realizada ambulatorialmen-
lação direta com o grau de controle metabólico(1) . No te, poderá ser de grande importância e utilidade para o
entanto, são as complicações macrovasculares que esforço aqui proposto. A monitorização residencial,
determinam a maioria das causas de óbito em pacien- realizada com o auxílio de glicosímetros, tem forneci-
tes com diabete melito tipo 2 e têm relação com o con- do ao paciente e a seu médico informações extrema-
trole glicêmico, além da eventual dislipidemia, da hi- mente importantes relacionadas ao perfil glicêmico.
pertensão arterial, da obesidade e do tabagismo, que Um paciente bem orientado quanto aos procedimen-
por vezes estão associados (3) . Pacientes com diabete tos e diagnósticos é capaz de alterar individualmente
melito tipo 1 e, principalmente, tipo 2, quando se iden- a dose de sua medicação, determinando, seguramente,
tifica a doença vascular periférica, podem apresentar melhor controle. A sensibilidade à insulina será alte-
a concomitância de doença coronariana assintomática. rada por mudanças no estado nutricional, estresse ci-
A avaliação pré-operatória deverá, então, pesquisar o rúrgico e emocional, além de dor e imobilidade, influ-
diagnóstico de doença coronariana isquêmica. Paci- enciando o controle glicêmico. Em função dessas ra-
entes diabéticos e com história de infarto do miocárdio zões, o uso de insulina exógena será necessário
ou de angina instável poderão ter o risco cirúrgico re- nessa fase também para os pacientes com diabete
duzido se realizada angiografia coronariana e corrigi- melito tipo 2.
do com cirurgia de revascularização ou angioplastia (8) .
Para a maioria dos pacientes, no entanto, uma cirurgia PACIENTE EM USO DE INSULINA
só terá bom prognóstico se forem adotadas medidas
apropriadas de controle clínico. Deve-se preferir que a cirurgia seja realizada no
A nefropatia diabética é ocorrência comum em período da manhã. O paciente deverá receber de meta-
pacientes com história de longa duração de diabete e, de a um terço da dose de insulina intermediária (NPH)
assim, a avaliação pré-operatória deverá incluir aspec- que já usava anteriormente, aplicada antes da anestesia.
290 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
TAMBASCIA M
Diabete e cirurgia
O paciente deverá usar normalmente a dose de insuli- cuidado para se evitar hipoglicemia, principalmente
na intermediária à noite ou no jantar do dia anterior. O no paciente sob anestesia, onde as reações adrenérgicas
controle glicêmico, por meio de dosagens por estão abolidas.
glicosímetros, permitirá ao médico decidir pela utili-
zação de insulina de ação regular. Se a cirurgia so- PACIENTE EM TRATAMENT O COM DROGAS
mente ocorrer no final da manhã ou no período da tar- ANTIDIABÉTICAS ORAIS
de, deve-se iniciar infusão de glicose endovenosa na
quantidade aproximada de 5 g/hora e controlar a velo- Se o paciente estiver em controle metabólico ade-
cidade de infusão ou necessidade de insulina regular quado, a medicação oral deverá ser interrompida no
adicional, baseando-se nas determinações da glicemia. dia anterior e introduzida insulina. As sulfoniluréias
Quando o paciente já estiver em condições de alimen- deverão ser suspensas pela possibilidade de induzir
tação por via oral, a infusão de glicose deverá ser in- hipoglicemia, já que seu tempo de ação é prolongado
terrompida. Quando o paciente estiver utilizando in- e, por vezes, incerto(13) . As biguanidas não deverão ser
sulina de ação prolongada (ultralenta) e doses de insu- utilizadas, pois, em situação de propensão à acidose,
lina regular pré-refeição, aconselha-se a mudança para poderá ocorrer quadro de acidose láctica(13) . A acarbose
o esquema de insulina NPH um ou dois dias antes. não deverá ser utilizada, pois pode induzir retardo na
A utilização de insulina regular, por via venosa, no absorção de monossacarídeos e dificultar a correção
manuseio de diabéticos em cirurgia não tem apresen- de eventual hipoglicemia(13) . O esquema de insulina
tado vantagem quando comparada com o esquema de mais utilizado é o de uma dose inicial arbitrária de
insulina aplicada por via subcutânea(10,11). Esse esque- insulina NPH de cerca de 16 a 20 U pela manhã e in-
ma tem utilidade quando o caso evoluiu para sulina de ação regular nas refeições segundo esquema
descompensação aguda com alteração de pH arterial e predeterminado. Pode-se utilizar a dose de 1 U de in-
eletrolítica e/ou quando ocorrer quadro de sulina regular para cada 40 mg/dl de glicemia, em ho-
vasoconstrição periférica com hipotensão arterial e rários pré-refeição. No dia da operação, adotar a mes-
choque (12) . Está também indicado para casos de cirur- ma conduta indicada para o paciente já em uso de in-
gia em paciente com cetoacidose, septicemia ou mes- sulina a longo prazo. Para pacientes em estado inade-
mo em operações de grande complexidade, como trans- quado de controle glicêmico, a conduta mais apropri-
plantes. Geralmente, a dose utilizada é de 0,1 U/kg de ada é adiar a cirurgia até um controle razoável ou, se
peso por hora, utilizando-se de bombas de infusão e impossível, tratar segundo o esquema proposto para
controle glicêmico freqüente. Deverá haver grande grandes cirurgias ou para o quadro de cetoacidose.
MARCOS TAMBASCIA
Several prospective studies concerning the relationship of diabetes management control and complications
have recently shown that micro and macrovascular complications are associated with the incapability to control
blood glucose as well with difficulties in the management of dyslipidemia, hypertension, obesity and smoking.
When all these parameters are controlled the survival rate in diabetics are similar to normal glucose patients.
The follow-ups during and after surgery are similar both in non-diabetics and in very well controlled patients.
Diabetic complications however, can be associated with bad prognosis detection and corrections are necessary
prior to surgery. Intermediate and regular insulin should be used according to blood glucose profile. Self
monitorization and the use of glucose measurement several times a day is the best scheme. The medical team
and the participation of an experienced diabetologist will contribute to the surgery outcome.
Key words: diabetes mellitus, metabolic control, surgery.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 291
TAMBASCIA M
Diabete e cirurgia
292 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
ABORDAGEM PRÉ-OPERATÓRIA DO PACIENTE PNEUMOPATA —
RISCOS E ORIENTAÇÕES
Complicações pulmonares são freqüentes após senso sobre o teste ou bateria de testes ideal para es-
procedimentos cirúrgicos, em especial naqueles que tratificar esses indivíduos em grupos de risco diferen-
acontecem no tórax ou no abdome superior. A presen- te. As decisões devem ser tomadas tendo por base a
ça de doença pulmonar crônica prévia constitui o história clínica e o exame físico minuciosos, a avalia-
maior fator de risco para esses eventos adversos. Os ção cuidadosa do radiograma de tórax e o apanhado
portadores de asma brônquica grave sintomáticos à geral de todas as co-morbidades. Testes de função
época da cirurgia têm risco ligeiramente aumentado pulmonar (espirometria, oximetria, gasometria) não
de apresentar complicações no período perioperató- devem ser realizados de rotina em cirurgias que não
rio; se possível, deve-se retardar o procedimento até envolvam a ressecção de tecido pulmonar, a menos
que o paciente esteja assintomático ou, pelo menos, que os sintomas sejam muito importantes. Não existe
oligossintomático. Devem-se usar broncodilatadores um valor medido no pré-operatório para qualquer dos
e corticóides no pré-, intra e pós-operatório. O risco testes de função pulmonar que esteja definido como
de complicações pulmonares pós-operatórias foi ava- capaz de contra-indicar uma cirurgia. Intervenções
liado extensamente na literatura médica até agora em pré-operatórias que podem reduzir o risco de compli-
pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva cações pulmonares incluem tratamento da obstrução
crônica leve ou moderada; se o risco de complicação ao fluxo aéreo (com interrupção do tabagismo, bron-
é definido como o aparecimento de produção aumen- codilatadores, esteróides e antibióticos ) e instruções
tada de secreção, atelectasia, pneumonia ou altera- de uso do espirômetro de incentivo.
ção na função pulmonar, ele está claramente aumen- Descritores: pneumopatias, doenças respiratóri-
tado nessa população de pacientes. Não existe con- as, cirurgia.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:293-302)
RSCESP (72594)-981
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 293
PASCHOAL IA e col.
Abordagem pré-operatória do paciente pneumopata — riscos e orientações
po de pessoas com maior propensão a apresentar séri- pulmonares mais freqüentes relacionadas à anestesia
os comprometimentos cardiovasculares e/ou pulmo- geral é o acúmulo de muco nos pulmões, levando à
nares. formação de áreas de atelectasia e criando condições
Independentemente das condições pré-operatórias propícias ao desenvolvimento de infecções respirató-
do paciente, tanto o ato anestésico como o cirúrgico rias (4) .
produzem alterações na fisiologia pulmonar que serão É provável que o decréscimo na velocidade de
determinantes na evolução pós-cirúrgica do doente, transporte do muco seja decorrente da depressão ciliar
estando intimamente envolvidos na gênese das com- produzida diretamente pelos gases anestésicos (5) . Há
plicações pulmonares, tanto no paciente pneumopata controvérsia quanto às alterações nas propriedades fí-
como naquele sem problemas respiratórios. sico-químicas do muco produzidas diretamente pela
ação desses mesmos gases.
EFEITO DOS AGENTES ANESTÉSICOS
EFEITO DO AT O CIRÚRGICO
Os agentes anestésicos podem ter diversos efeitos
prejudiciais à função pulmonar, que incluem: dimi- Assim como o ato anestésico, o ato cirúrgico tem
nuição na capacidade residual funcional*, elevação das conseqüências na função pulmonar dos pacientes, a
porções posteriores do diafragma, piora da desigual- despeito de sua situação pré-operatória.
dade ventilação/perfusão e prejuízo no “clearance” A posição em que o paciente permanece durante a
mucociliar. cirurgia é determinante, sob alguns aspectos. As cirur-
A capacidade residual funcional sofre decréscimo gias realizadas em pacientes em posição supina cau-
de 20%, que equivale a cerca de 500 mililitros. A uti- sam decréscimo de 20% na capacidade vital forçada(6) .
lização de anestesia geral com paralisia muscular e Essa queda é significantemente maior nos pacientes
ventilação mecânica causa alterações nos volumes de obesos e nos portadores de doenças neuromusculares,
gás e sangue, tanto no tórax como no abdome. O dia- disfunção diafragmática ou doença pulmonar
fragma desloca-se cranialmente e a caixa torácica tem obstrutiva crônica.
seu diâmetro diminuído. Isso leva à diminuição da O tipo de cirurgia a que foi submetido o doente
capacidade residual funcional e ao desvio do sangue também é um fator fundamental no surgimento de com-
do tórax para o abdome. O relaxamento do diafragma plicações pulmonares.
deve ser a causa inicial do decréscimo da capacidade A diminuição da capacidade vital parece ser um
residual funcional observado(1, 2) . parâmetro sensível e preditivo de complicações pul-
Após cinco minutos de indução anestésica, pode- monares pós-operatórias. Nas cirurgias de andar su-
se observar formação de atelectasia nas porções de- perior do abdome, observa-se queda da capacidade
pendentes dos pulmões, conforme já documentado por vital, situando esse valor entre 37% e 53% dos valores
tomografia computadorizada (3) . pré-operatórios, para o mesmo doente(7, 8) . Nas cirur-
Alguns agentes anestésicos e vasodilatadores po- gias de andar inferior do abdome, a diminuição é para
dem inibir a vasoconstrição pulmonar hipóxica, au- 58% a 75% dos valores pré-operatórios (7, 8) . Nas
mentando, assim, a mistura venosa de sangue prove- toracotomias sem ressecção pulmonar, o decréscimo
niente das áreas atelectásicas ou hipóxicas dos pul- coloca a capacidade vital em 58% dos valores pré-ope-
mões. Os agentes intravenosos parecem preservar a ratórios. Entre os procedimentos do andar superior do
vasoconstrição hipóxica induzida, mas há controvér- abdome, as incisões subcostais têm impacto menor na
sias quanto aos agentes inalatórios(2) . função pulmonar pós-operatória que as incisões de li-
O fluxo mucociliar fica prejudicado por dois a seis nha média(7) .
dias após o ato anestésico. Uma das complicações O ponto mais baixo da capacidade vital no pós-
operatório da maioria dos procedimentos cirúrgicos
situa-se no primeiro dia após a cirurgia. Nas cirurgias
* Considere um indivíduo respirando pausadamente. O vo- de andar superior, em sete a dez dias há retorno aos
lume de ar que entra e sai dos pulmões é ovolume corrente. valores pré-operatórios (7) , enquanto nas cirurgias car-
Em seguida, ele faz uma inspiração máxima, seguida por
díacas, particularmente na revascularização
uma expiração máxima; o volume expirado é chamadoca-
pacidade vital. Entretanto, parte do ar permanece nos pul- miocárdica, essa recuperação pode levar de 6 a 17 se-
mões após expiração máxima; esse é o volume residual.O manas(1, 9) .
volume de ar nos pulmões após expiração normal é acapa- Taggart e colaboradores (9) estudaram 129 pacien-
cidade residual funcional. tes submetidos a cirurgias de revascularização
294 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
PASCHOAL IA e col.
Abordagem pré-operatória do paciente pneumopata — riscos e orientações
miocárdica, e 30 doentes nos quais foram realizadas ratórias. Embora intuitivamente tenha-se a idéia de que
cirurgias abdominais. Todos os pacientes foram avali- quanto mais dados o médico tiver melhor ele vai po-
ados com medidas de pressão parcial de oxigênio, gra- der tratar seu paciente, testes pré-operatórios só de-
diente alvéolo-arterial de oxigênio e porcentagem de vem ser realizados se tiverem a propriedade de influ-
“shunt” pulmonar. Os autores encontraram a presença enciar efetivamente a conduta a ser tomada no perío-
de disfunção pulmonar severa (pressão parcial de oxi- do perioperatório. Por outro lado, a necessidade de
gênio no sangue arterial < 60 mmHg em ar ambiente) cirurgia pode ser a oportunidade para a realização de
em 66% dos pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, exames preventivos que, de outra forma, o paciente
no segundo dia de pós-operatório, e em 26% dos paci- não faria: não se pode perder a chance de radiografar
entes, no sexto dia de pós-operatório. Os autores evi- um fumante de longa data e diagnosticar neoplasia de
denciaram que, na sexta semana depois da cirurgia, já pulmão em estádio ainda precoce. O clínico de bom
não havia sinais de disfunção respiratória. senso deve ter em mente essas duas situações ao fazer
A explicação da hipoxemia evidenciada nos paci- uma avaliação pré-operatória.
entes submetidos a circulação extracorpórea é dife- A doença pulmonar crônica preexistente é o fator
rente daquela para aqueles submetidos a cirurgias ge- de risco mais significativo para o desenvolvimento de
rais. complicações pulmonares no pós-operatório. Para
Na cirurgia geral, a hipoxemia, quando presente, identificá-la, uma anamnese bem feita é fundamental.
não se acompanha de aumento do gradiente alvéolo- Propõe-se, a seguir, um roteiro das combinações mais
arterial de oxigênio, sugerindo ser decorrente de um freqüentes de sinais e sintomas das diferentes catego-
estado de diminuição da oxigenação alveolar. Tal rias de doença pulmonar crônica, sempre lembrando
hipoventilação pode, eventualmente, ser conseqüente que as associações aqui estabelecidas existem nos ti-
à anestesia ou à analgesia. pos clínicos mais definidos, e que situações interme-
Nos pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, en- diárias, onde os sinais e sintomas se misturam, são
tretanto, observou-se presença de hipoxemia associa- comuns.
da a aumento de gradiente alvéolo-arterial de oxigê-
nio e aumento de porcentagem de “shunt” pulmonar, Antecedentes de crises de dispnéia e chiado há
o que indica a existência de áreas de desigualdade ven- vários anos, no indivíduo não-fumante: o paciente
tilação/perfusão (áreas perfundidas e não ventiladas). asmático
Tais áreas devem corresponder à presença de atelecta- Na maioria das vezes, esse paciente apresenta-se
sia(9). dizendo que tem “bronquite”. Refere crises de chiado
Foram resumidas as principais ocorrências pulmo- e falta de ar desde há muitos anos, desencadeadas por
nares em pacientes que se submetem a cirurgias abdo- exposição à poeira domiciliar; não fuma e tem pouca
minais e torácicas, sejam eles pneumopatas ou não. secreção. Dependendo da gravidade dos sintomas, faz
A alta incidência de eventos adversos perioperató- uso de broncodilatadores com freqüência variável,
rios — que é ainda maior nos pacientes com doenças corticosteróides por via inalatória e/ou corticosteróides
pulmonares e cardiovasculares prévias — e o custo por via oral ou parenteral.
significativo que acarretam, pelo prolongamento do Interessa muito, na avaliação pré-operatória de um
tempo de internação, aumento do sofrimento do paci- asmático, saber o quanto seus sintomas estão contro-
ente e, eventualmente, evolução para óbito, foram res- lados: não se pode levar para anestesia um indivíduo
ponsáveis, durante todo o século XX, por inúmeras que chia todos os dias e tem sibilos difusos na auscul-
tentativas de identificar quais pacientes têm maior ris- ta do tórax. As informações da história clínica e do
co de desenvolvimento dessas complicações, e tam- exame físico podem ser suficientes na orientação da
bém quais as técnicas mais eficazes para preveni-las. conduta(10) , reservando-se a espirometria para os ca-
sos indefinidos ou mais graves, estes últimos depois
IDENTIFICAÇÃO DO PNEUMOPATA COM MAIOR de alguma intervenção terapêutica. Pacientes sintomá-
RISCO CIRÚRGICO ticos têm risco baixo — porém aumentado com rela-
ção aos não-asmáticos — de apresentar morbidade
A estratificação de risco para um procedimento severa e até óbito no período perioperatório(11,12). Em
cirúrgico envolve a realização de história clínica, exa- cirurgias eletivas, podem ser necessárias mais ou me-
me físico e outros exames subsidiários, de modo a nos duas semanas de corticoterapia oral (0,25 mg a
poder classificar o paciente avaliado como de baixo, 0,5 mg por quilograma de peso por dia de prednisona),
médio ou alto risco de complicações intra e pós-ope- além de tratamento broncodilatador adequado, a fim
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Abordagem pré-operatória do paciente pneumopata — riscos e orientações
de colocar o asmático em condições ideais para o pro- nica de maior valor preditivo desses eventos adversos.
cedimento. A maioria dos estudos disponíveis sobre o tema
Caso o paciente tenha feito uso anterior (até seis apresenta falhas de planejamento ou limitações de for-
meses antes) de corticosteróides, inalatórios ou não, mato, o que dificulta sua avaliação. São, geralmente,
há necessidade de se manter corticoterapia intravenosa retrospectivos, com pequeno número de casos; os gru-
no pré-, intra- e pós-operatório imediato (50 mg a 100 pos de pacientes não são homogêneos e a definição de
mg de hidrocortisona a cada quatro horas)(13, 14) . Tanto complicação pulmonar é variável.
quanto possível, não se deve interromper a medicação Um dos primeiros estudos prospectivos relativos a
inalatória que o paciente vinha fazendo uso. esse tema (17) demonstrou que pacientes com doença
Metilxantinas devem ser suspensas antes da cirur- pulmonar obstrutiva crônica têm taxas elevadas (26%)
gia em razão de várias interações adversas com agen- de problemas respiratórios no pós-operatório, tais
tes anestésicos (ketamina, halotano), que favorecem como retenção de secreções, broncoespasmo, pneu-
convulsões e arritmias, e do efeito de redução do tônus monia e ventilação mecânica prolongada. Dos pacien-
do esfíncter gastroesofágico, o que facilita aspiração. tes com doença pulmonar obstrutiva crônica que se
Não pode ser desconsiderado o fato de que a anestesia submeteram a cirurgias grandes de abdome superior,
reduz o fluxo sanguíneo hepático, situação que preju- cerca de 12% morreram, número que contrasta com o
dicaria a metabolização da droga, acarretando níveis achado de 8% para mortalidade geral nesse tipo de
potencialmente tóxicos da substância no sangue (15) . procedimento.
A intubação traqueal pode desencadear Esse efeito prejudicial sobre a função pulmonar das
broncoespasmo, e o anestesista precisa estar pronto cirurgias localizadas no abdome superior foi confir-
para fazer o diagnóstico (inclusive o diferencial com mado no estudo de Svensson e colaboradores (18) .
pneumotórax, pois as duas situações elevam a pressão A presença de doença pulmonar obstrutiva crôni-
na via aérea e fazem cair a saturação) e interpor no ca não aumenta o risco de complicações e mortalida-
circuito anestésico a medicação broncodilatadora(13,14) . de em outros tipos de procedimentos cirúrgicos, como
Os agentes anestésicos inalatórios (halotano, os urológicos e ortopédicos (17) .
enfluorano, isofluorano) são a melhor opção para as- Uma revisão de 135 publicações, de 1989, já con-
máticos, tanto pelo bloqueio dos reflexos como pela cluía que a espirometria anormal no pré-operatório não
ação direta de relaxamento da musculatura das vias era capaz de prever a ocorrência de problemas respi-
aéreas e inibição da liberação de mediadores. Morfina ratórios no pós-operatório (19) .
e derivados e a d-tubocurarina podem trazer proble- Quando não se trata de toracotomia com ressecção
mas, pela possibilidade de liberação de histamina. de tecido pulmonar, a espirometria não é, portanto,
Tem sido demonstrado que a administração obrigatória, nem deve ser feita de rotina.
perioperatória de betabloqueadores reduz o risco de Aqui, novamente, são fundamentais os dados da
complicações isquêmicas cardíacas em até seis a oito história clínica e do exame físico do paciente. O ante-
meses após a cirurgia(16) , fato que vem fazendo aumen- cedente de tabagismo, por si só, já antecipa a ocorrên-
tar o uso dessa classe de drogas no manejo do paciente cia de problemas. Os efeitos lesivos do cigarro no tra-
cirúrgico. No caso de broncoespasmo induzido por to respiratório incluem prejuízo do transporte
betabloqueadores, a droga broncodilatadora de esco- mucociliar, aumento da quantidade de secreção, obs-
lha é o brometo de ipratrópio. trução brônquica, aumento da velocidade de queda do
volume expiratório forçado no primeiro segundo em
O indivíduo grande fumante com queixa de fumantes suscetíveis, e elevação da quantidade de
dispnéia: a grande população de pacientes com carboxi-hemoglobina com diminuição da capacidade
doença pulmonar obstrutiva crônica de transporte de oxigênio (1) . O hábito tabagístico já foi
A presença de doença pulmonar obstrutiva crôni- identificado como fator de risco para complicações
ca aumenta significativamente o risco de complica- pós-operatórias em várias publicações (18,20).
ções pulmonares no período pós-operatório, como Em análise prospectiva de 111 pacientes submeti-
aumento da produção de escarro, atelectasia, pneumo- dos a cirurgia eletiva, o risco de complicações pulmo-
nia e insuficiência respiratória. Além disso, o diagnós- nares pós-operatórias aumentou proporcionalmente à
tico de doença pulmonar obstrutiva crônica sugere intensidade do tabagismo: de 8% em não-fumantes a
maior tendência à mortalidade perioperatória, não ha- 43% em grandes fumantes (20) .
vendo, no entanto, consenso com relação aos indica- O período de abstinência de tabaco antes da cirur-
dores de gravidade da doença pulmonar obstrutiva crô- gia tem importância fundamental no risco de compli-
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Abordagem pré-operatória do paciente pneumopata — riscos e orientações
cações pós-operatórias. Nos pacientes que interrom- gia vascular abdominal detectou freqüência de 24%
peram o hábito de fumar dois ou mais meses antes da de insuficiência respiratória, que necessitou de venti-
cirurgia, foram constadas complicações em 15% dos lação mecânica por mais de 24 horas (25) . Anormalida-
casos. Naqueles que pararam há menos de dois meses, des pré-operatórias de volume expiratório forçado no
a freqüência de complicações verificada foi de 57% (21) . primeiro segundo não foram capazes de identificar
Tendo em mente esses fatos, deve-se sempre recomen- quais pacientes viriam a necessitar de ventilação me-
dar a interrupção do uso de tabaco pelo maior tempo cânica prolongada. Os dados mais significativos para
possível antes de cirurgia, e pelo menos dois meses essa previsão foram: história importante de tabagis-
antes de procedimento eletivo. mo, pressão parcial de oxigênio mais baixa e maior
A queixa de sensação de opressão no peito, cansa- perda de sangue no período intra-operatório.
ço aos esforços e, eventualmente, sufocação reflete a Alguns estudos, no entanto, concluíram que resul-
existência de obstrução brônquica(22) . Normalmente, tados da espirometria podem prever complicações pul-
esses indivíduos apresentam também tosse produtiva monares no período perioperatório(18,26) . De acordo com
persistente, a “marca registrada” da bronquite crôni- Svensson e colaboradores (18) , tanto a pressão parcial
ca, a mais freqüente e mais grave das doenças que com- de oxigênio como a espirometria foram capazes de
põem a síndrome da doença pulmonar obstrutiva crô- discriminar quem precisaria de ventilação mecânica
nica. Sintomas de moderada ou grande intensidade prolongada pós-operatória, em um grupo de pacientes
justificam investigação mais aprofundada, especial- submetidos a correção de aneurismas de aorta
mente quando acompanhados de cianose de extremi- toracoabdominais.
dades, edema de membros inferiores e hipercoloração Valores de PaCO2 persistentemente elevados (mai-
das mucosas. A hipersecreção e a doença inflamatória ores que 45 mm Hg) em pacientes sem doenças neuro-
preferencial de pequenas vias aéreas, esta última uma musculares ou outras causas de hipoventilação cen-
característica de uma parcela suscetível da população tral, podem indicar possibilidade aumentada de com-
de fumantes, combinam-se para diminuir a ventilação plicações pulmonares no pós-operatório, especialmente
em áreas heterogeneamente distribuídas nos pulmões; em cirurgias cardíacas e naquelas que envolvem
a manutenção da perfusão em regiões pouco ventila- ressecção de tecido pulmonar (27) . Não existem, no en-
das prejudica as trocas gasosas e faz cair a pressão tanto, estudos prospectivos, com casuística significa-
parcial de oxigênio no sangue arterial. O aumento da tiva, que abordem especificamente o papel da
resistência ao fluxo aéreo faz crescer o trabalho ne- hipercapnia no aparecimento de complicações pulmo-
cessário para realizar a ventilação, podendo, inclusi- nares pós-operatórias, e também não se pode estabe-
ve, gerar fadiga nos músculos respiratórios; essa lecer um valor de PaCO2 que contra-indique um pro-
exaustão muscular resulta em hipoventilação, que aca- cedimento cirúrgico. Como só os pacientes com do-
ba por produzir hipercapnia. ença pulmonar mais grave têm hipercapnia, parece
Estudo de Nunn e colaboradores (23) foi um dos pri- lógico avaliar com mais reserva o candidato à cirurgia
meiros a correlacionar o risco de complicações pul- que tenha PaCO2 alta.
monares com a gasometria pré-operatória e uma esca- Pacientes com predomínio de enfisema são clini-
la de dispnéia. Nesse trabalho, a casuística era consti- camente diferentes dos bronquíticos: tendem a ser lon-
tuída por indivíduos com doença pulmonar obstrutiva gilíneos, ter dispnéia muito acentuada mesmo em re-
crônica grave (volume expiratório forçado no primei- pouso, e usar intensamente a musculatura acessória
ro segundo menor que 1 litro) e, mesmo assim, a mai- da respiração (em especial os músculos do pescoço).
oria dos pacientes (87%) sobreviveu, sem complica- Chamam ainda a atenção a presença de hiper-insufla-
ções importantes. Os melhores indicadores de neces- ção pulmonar, com aumento acentuado do diâmetro
sidade de ventilação mecânica prolongada pós-opera- ântero-posterior do tórax, pequena excursão do dia-
tória foram a pressão parcial de oxigênio pré-operató- fragma à inspiração, murmúrio vesicular quase inau-
ria e a presença de dispnéia em repouso. dível, pouca secreção, ausência de sibilos, nenhuma
Rao e colaboradores (24) , em trabalho publicado em cianose ou poliglobulia. A ausência de alterações ga-
1992, avaliaram pacientes submetidos a cirurgia por sométricas pode ser enganadora, já que esses indiví-
neoplasias de cabeça e pescoço, e constataram relação duos têm espirometria e volumes pulmonares muito
da incidência de eventos pulmonares adversos com alterados. O aumento do volume do pulmão pela per-
antecedentes de tabagismo intenso, grau de dispnéia da da elasticidade (progressiva destruição inflamató-
no pré-operatório e pressão parcial de oxigênio. ria de fibras elásticas do tecido conjuntivo) faz com
Outra análise de 51 pacientes que sofreram cirur- que ele se comporte como um “elástico velho”: gran-
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de e incapaz de reduzir de volume durante a expira- melhora nos índices espirométricos com seu uso. Esse
ção. Essa situação prejudica muito os fluxos expirató- efeito está relacionado à diminuição do volume dos
rios, fato que se comprova na espirometria. Além dis- pulmões, por redução do aprisionamento de ar em seu
so, o rebaixamento do diafragma, empurrado por um interior: volumes pulmonares menores permitem me-
pulmão de volume excessivo, acarreta perda signifi- lhor posicionamento do diafragma, que, ficando me-
cativa em sua eficiência na ventilação, que passa a nos achatado, passa a ter maior eficiência contrátil (32) .
depender muito da musculatura acessória. A limita- Corticosteróides podem produzir aumento de mais
ção dos fluxos expiratórios e a mecânica ventilatória de 15% no volume expiratório forçado no primeiro
deficiente podem aumentar os riscos de complicações segundo em 15% a 56% dos pacientes com doença
pulmonares em pós-operatórios de cirurgias torácicas pulmonar obstrutiva crônica estável (1) . Kerstjens e co-
e abdominais altas. Portanto, esse conjunto de sinais e laboradores (33) demonstraram efeito benéfico do uso
sintomas deve alertar o clínico para a necessidade de de corticosteróides inalatórios na doença pulmonar
avaliação pré-operatória mais detalhada. obstrutiva crônica, tanto no volume expiratório força-
Alguns estudos têm indicado que o tratamento pré- do no primeiro segundo como na freqüência de exa-
operatório agressivo da obstrução brônquica e da hi- cerbações. Em outro estudo, de Paggiaro e colabora-
persecreção diminui a freqüência de eventos adversos dores (34) , a fluticasona inalada, na dose de 500 micro-
pulmonares no período pós-cirúrgico. De acordo com gramas duas vezes por dia, foi comparada com place-
Stein e Cassara(28) , o tratamento pré-operatório com bo, durante seis meses, em portadores de doença pul-
broncodilatadores, antibióticos e fisioterapia respira- monar obstrutiva crônica, ficando constatada redução
tória, associado à interrupção do tabagismo, reduziu a no número de exacerbações.
incidência de complicações pulmonares de 60% nos Durante os episódios de agudização, já se demons-
controles para 22% nos pacientes tratados. O impacto trou que corticosteróides por via intravenosa diminu-
individual de cada uma das intervenções é desconhe- em a taxa de falência de tratamento, encurtam a esta-
cido, mesmo porque, normalmente, elas são utiliza- dia no hospital e promovem melhora mais acentuada
das em conjunto. da função pulmonar em comparação com o placebo(35) .
Fisioterapia respiratória (exercícios de inspiração Portanto, parece razoável indicar-se um período de
profunda, treinamento da tosse, drenagem postural, corticoterapia antes de cirurgias eletivas em pacientes
percussão e vibração) e técnicas que visam à expan- com doença pulmonar obstrutiva crônica e sintomas
são do pulmão (espirometria de incentivo, respiração respiratórios não controlados. Recomenda-se de 0,25
com pressão positiva intermitente e pressão positiva mg a 0,5 mg de prednisona por quilograma por dia
contínua na via aérea com máscara) são bastante utili- durante duas semanas. No pré-operatório imediato, no
zados na prevenção e no tratamento de complicações intra- e pós-operatório, deve-se utilizar hidrocortiso-
pulmonares pós-operatórias. Nos vários trabalhos pu- na por via parenteral (50 mg a 100 mg por via intrave-
blicados sobre o tema (29, 30) , a espirometria de incenti- nosa a cada 4 horas).
vo, a respiração com pressão positiva intermitente e Muito embora se possa temer um aumento na fre-
os exercícios de inspiração profunda são igualmente qüência de deiscências de suturas com o uso de corti-
efetivos na prevenção de problemas pulmonares pós- costeróides, um estudo que avaliou essa complicação
operatórios. A espirometria de incentivo é preferida em cirurgias abdominais não apontou a terapia com
pela facilidade de utilização. esse tipo de droga como fator de risco significativo (36) .
A pressão positiva contínua na via aérea nasal e a Aumento na dispnéia, no volume de secreção ou
pressão positiva em dois níveis na via aérea nasal têm na purulência da secreção, ou pelo menos duas dessas
vários efeitos benéficos no pós-operatório, revertendo queixas, indicam exacerbação da doença pulmonar
atelectasias e mantendo a capacidade residual funcio- obstrutiva crônica(37) , que deve ser tratada também com
nal em valores normais. Desse modo, previne-se a hi- antibióticos. A escolha do antimicrobiano deve levar
poxemia e reduz-se a necessidade de reintubações(31) . em conta a flora comum nesses indivíduos: Haemo-
O brometo de ipratrópio e os beta-2 adrenérgicos philus influenzae, Haemophilus parainfluenzae, Mo-
devem ser utilizados de rotina sempre que houver chi- raxella catarrhalis, Streptoccocus pneumoniae e bac-
ado ou outro sinal de obstrução brônquica reversível térias Gram-negativas e/ou estafilococos nos pacien-
no exame físico ou na prova ventilatória. Tem sido tes mais graves. Os três primeiros agentes citados são
demonstrado também que os beta-2 adrenérgicos po- grandes produtores de betalactamase, fato que restrin-
dem ter ação terapêutica nos pacientes com doença ge o número de drogas ativas que podem ser emprega-
pulmonar obstrutiva crônica, ainda que não se note das.
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Abordagem pré-operatória do paciente pneumopata — riscos e orientações
Por tudo que foi exposto até aqui, fica claro que os seguintes fatores: idade maior que 70 anos, antece-
uma boa história clínica e um exame físico minucioso dentes de angina do peito, diabete e presença de extra-
são absolutamente essenciais para se avaliar o pacien- sístoles ventriculares e/ou onda Q no eletrocardiogra-
te com doença pulmonar candidato a cirurgia. Se hou- ma(39) .
ver antecedentes, queixas ou sinais significativos de
comprometimento do pulmão, o radiograma de tórax, Os pacientes bronquectásicos
a espirometria, a oximetria de pulso e/ou a gasometria A hipersecreção nos bronquectásicos provoca as
arterial podem ajudar na análise da gravidade do pro- mesmas alterações funcionais descritas para a bron-
cesso. A combinação de exames muito alterados com quite crônica. A colonização bacteriana persistente das
cirurgias torácicas ou abdominais altas serve para an- secreções mantém um processo inflamatório, que pode
tecipar problemas, mas não existe um valor determi- desencadear broncoespasmo grave, além de ser res-
nado para qualquer dos parâmetros medidos antes do ponsável pela progressão da lesão pulmonar. Os agen-
procedimento cirúrgico que possa ser utilizado para tes infecciosos encontrados nesses pacientes são mais
contra-indicar a cirurgia. ou menos aqueles da bronquite crônica; no entanto,
No caso de cirurgias que envolvam retirada de te- com maior freqüência, detecta-se a presença de Pseu-
cido pulmonar, resultados ruins na espirometria e/ou domonas aeruginosa e Staphylococcus aureus, que
gasometria levantam a necessidade de se complemen- exigem terapia antimicrobiana específica. De modo
tar o estudo do paciente com medidas da função pul- geral, valem para esses doentes as mesmas considera-
monar regional, por meio de cintilografia, avaliação ções dos portadores de doença pulmonar obstrutiva
da capacidade de difusão (com monóxido de carbo- crônica, com maior ênfase na drenagem de secreções
no), teste cardiopulmonar de exercício (com determi- e antibioticoterapia.
nação do consumo de oxigênio), e cateterização do
ventrículo direito para determinação da resistência Os pacientes com restrição e hiperventilação
vascular pulmonar(1,27) . Pacientes com doenças intersticiais e hipertensão
Anamnese e exame físico bem conduzidos reve- pulmonar podem ter risco maior de complicações pul-
lam também co-morbidades. Estratificações de risco monares no período perioperatório, do mesmo modo
compostas, que incluam alterações de vários órgãos e/ que os portadores de doença pulmonar obstrutiva crô-
ou sistemas, são mais sensíveis na previsão de com- nica. No entanto, não existem trabalhos publicados
plicações pós-operatórias pulmonares que simplesmen- sobre estimativas de risco nesse grupo específico de
te a espirometria (38) . São particularmente importantes indivíduos (40) .
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Abordagem pré-operatória do paciente pneumopata — riscos e orientações
Pulmonary complications after surgery occur commonly, especially after upper abdominal surgery and
thoracic procedures. Chronic lung disease is the most significant risk for these complications. Patients who
have severe asthma and are symptomatic are at higher risk for perioperative complications; if possible, therefore,
surgery should be done when asthmatic patients are symptomfree. Bronchodilators and corticosteroids should
be used in the perioperative period. Postoperative risk has been evaluated extensively in patients with mild to
moderate chronic obstructive lung disease; if risk is defined as the development of increased sputum production,
atelectasis, pneumonia and alterations in pulmonary function, it is clearly increased in that population. No
consensus exists as to the ideal test or battery of tests to stratify different patient groups by risk. The clinical
decisions should still be based on a careful clinical assessment that includes physical examination, review of
the chest radiogram and assessment of comorbid conditions. Pulmonary function studies do not need to be
performed routinely before pulmonary resectional surgery, unless the symptoms are too severe. No absolute
value for any measured preoperative parameter has ever been defined that could or should be used to
contraindicate surgery. Preoperative interventions that may lessen the rate of pulmonary complications include
treatment of airflow obstruction (with smoking cessation, bronchodilators, steroids and antibiotics) and
instructions on the use of incentive spirometry.
Key words: lung diseases, respiratory tract diseases, surgery.
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Abordagem pré-operatória do paciente pneumopata — riscos e orientações
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AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA NO PACIENTE COM
DOENÇA HEPÁTICA AGUDA E CRÔNICA
A avaliação perioperatória de pacientes com do- mentos cirúrgicos eletivos. Os hepatopatas que preci-
ença hepática aguda ou crônica é um desafio. A ava- sam de cirurgia de emergência são um desafio em
liação pré-operatória para a determinação da severi- particular, pois os cuidados pré-operatórios devem ser
dade e da duração da doença hepática presente, bem feitos em curto espaço de tempo e a mortalidade peri-
como a correção de fatores de risco reversíveis, é fun- operatória é alta. Nos pacientes Child B e C, é essen-
damental. A presença de hepatite aguda e de cirrose cial suporte em unidade de terapia intensiva.
Child C é fortemente associada a complicações peri- Descritores: avaliação pré-operatória, cirrose,
operatórias; portanto, deveriam ser evitados procedi- complicações perioperatórias.
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Avaliação pré-operatória no paciente com doença hepática aguda e crônica
no, chamado de reciprocidade de fluxo, ocorre como ça hepática, pois sua eliminação é por glucoronidação.
reação reflexa da artéria hepática à vasodilatação das Os barbitúricos devem ser usados com cautela, pois
veias do território esplâncnico e queda da pressão por- os mesmos ligam-se aos receptores gama
tal. Entretanto, não há dados demonstrando que essa aminobutírico e isso pode precipitar encefalopatia he-
queda de fluxo leve a alterações importantes no meta- pática em pacientes com doença hepática prévia. Em
bolismo do oxigênio. Por essas alterações fisiopatoló- raras circunstâncias, os benzodiazepínicos e os
gicas, podemos concluir que em pacientes hepatopa- barbitúricos podem causar colestase, associada a fe-
tas, que já apresentam redução do fluxo hepático, epi- bre, hepatite, linfadenopatia, eosinofilia e dermatite.
sódios de hipoxia, hipotensão e hipercapnia deveriam Esse quadro é mais comum em pacientes com doença
ser evitados aos máximo, pois podem agravar muito o hepática prévia. (2, 5)
fluxo hepático e causar danos isquêmicos em um fíga-
do já doente. EFEITOS DA CIRURGIA NÃO-HEPÁTICA
Entre os anestésicos inalatórios, o isoflurano é o NO FÍGADO PREVIAMENTE DOENTE
preferido para administração em hepatopatas, pois é o
único que aumenta o fluxo sanguíneo hepático e seu O procedimento cirúrgico pode descompensar o
metabolismo hepático é inferior a 0,2%. Por outro lado, paciente hepatopata e aumentar a morbidade e a mor-
o halotano e o enflurano diminuem o fluxo sanguíneo talidade pós-operatórias. A laparotomia leva a grande
hepático, como resultado da vasodilatação sistêmica e redução de fluxo sanguíneo hepático, em comparação
do efeito inotrópico negativo. Além disso, o halotano com cirurgias extra-abdominais. O mecanismo prová-
pode causar hepatite imunoalérgica na minoria dos vel para essa diminuição de fluxo é a hipotensão
casos (um caso de hepatite em cada 35.000 exposi- sistêmica reflexa secundária à tração da víscera abdo-
ções) (Tab. 1). (1-3) minal. Cirurgias com grande potencial de sangramento
podem levar à queda do fluxo sanguíneo hepático e à
Tabela 1. Fatores de risco para hepatite por halotano. isquemia dos hepatócitos. Pacientes submetidos pre-
viamente a cirurgia podem apresentar certo grau de
— Obesidade aderências intra-abdominais, o que pode ser um fator
— Múltiplas exposições ao halotano de risco para sangramento em hepatopatas. Na Tabela
— Sexo feminino 2, pode ser observada a média das taxas de morbidade
— História familiar de hepatite por halotano e de mortalidade de diversos estudos.
As referências citadas na Tabela 2 não são uma
Os hepatopatas apresentam resistência aumentada revisão de todos os estudos da literatura, mas, com
aos bloqueadores neuromusculares, porque apresen- certeza, esses estudos representam aproximadamente
tam grande volume de distribuição. Entretanto, seu a taxa de morbidade e de mortalidade dos pacientes
efeito será mais prolongado devido ao aumento do com doença hepática submetidos a cirurgia em geral.
volume de distribuição, à redução da atividade Por esses dados, podemos tirar algumas conclusões
plasmática da pseudocolinesterase e à diminuição da sobre os hepatopatas submetidos a cirurgia:
excreção biliar. Atualmente, o atracúrio é o bloqueador 1) As taxas de morbidade e de mortalidade são eleva-
neuromuscular de escolha em pacientes com doença das tanto para cirurgias de emergência como para
hepática ou com doença obstrutiva de vias biliares, pois cirurgias eletivas; entretanto, as cirurgias de emer-
seu metabolismo não depende do fígado ou do rim. gência apresentam taxa maior de complicações.
Em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos 2) Colecistectomia, cirurgia gástrica e colectomia es-
prolongados (transplante hepático), o doxacúrio é o tão associadas a maior taxa de complicações.
bloqueador recomendado. (4) 3) Quando houver indicação cirúrgica de tratamento
Os analgésicos e sedativos apresentam particulari- de cálculo biliar em pacientes com cirrose avança-
dades importantes. A morfina e a meperidina podem da, a colecistectomia subtotal ou a colecistostomia
apresentar seu metabolismo diminuído em hepatopatas deve ser a cirurgia preferida.
em comparação com o fentanil ou sulfentanil, sendo 4) Há poucos dados com relação à cirurgia cardíaca;
estes dois últimos os narcóticos preferidos para admi- contudo, a cirurgia em pacientes Child B e C é
nistração em hepatopatas. Os benzodiazepínicos, em acompanhada de altas taxas de mortalidade. Em
geral, apresentam sua ação prolongada em pacientes casos selecionados, o paciente poderá ser subme-
com doença hepática; entretanto, o oxazepan e o tido a cirurgia sem circulação extracorpórea, visto
lorazepan podem ser usados em pacientes com doen- que essa técnica agrava os distúrbios de coagula-
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Avaliação pré-operatória no paciente com doença hepática aguda e crônica
Gravidade
da disfunção Morbidade Mortalidade
Tipo de cirurgia hepática (%) (%)
TP = tempo de protrombina.
ção, e aumenta a disfunção plaquetária e a tretanto, nos últimos anos, a taxa de mortalidade tem
fibrinólise em pacientes com doença hepática. Por declinado em torno de 16%. A provável redução da
esses dados, procedimentos menos invasivos, tipo mortalidade está relacionada à identificação dos fato-
angioplastia, deveriam ser preferidos em pacien- res potencialmente desfavoráveis para a ressecção he-
tes hepatopatas.(19) pática (Tab. 3). Quando esses fatores são ignorados,
principalmente a pressão da veia porta, o paciente po-
EFEITOSDA CIRURGIA HEPÁTICA NO FÍGADO derá evoluir no pós-operatório com ascite, icterícia ou
PREVIAMENTE DOENTE encefalopatia hepática refratárias ao tratamento. (20-24)
Este tópico é de suma importância, porque uma Tabela 3. Fatores que contra-indicam a ressecção he-
cirurgia hepática mal avaliada em portador de doença pática.
hepática prévia pode levá-lo à morte. A seguir, serão
discutidas as cirurgias hepáticas mais freqüentemente — Pressão na veia porta > 10 mmHg (parece ser o
realizadas. mais importante)
— Toracotomia
Cirurgia de ressecção hepática — Doenca pulmonar prévia
Em geral, os pacientes submetidos a cirurgia de — Doença inflamatória hepática associada
ressecção hepática por neoplasia apresentam cirrose — Diminuição do “clearance” da idiocianina verde
associada em seus diversos graus. A ressecção pode — Diminuição da captação hepática do tecnécio-99,
ser feita de forma cirúrgica ou por embolização, tera- visto na cintilografia hepática
pia criogênica ou alcoolização. Uma ressecção mal
indicada pode ser incompatível com a vida, se o paci- Transplante hepático
ente possuir fígado já limitado funcionalmente. Há Essa alternativa terapêutica vem sendo usada com
poucos estudos com pacientes com Child B e C e, por sucesso nos pacientes em que a ressecção está contra-
isso, é difícil a análise adequada de mortalidade. En- indicada. Os resultados são animadores; entretanto, o
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Avaliação pré-operatória no paciente com doença hepática aguda e crônica
número de órgãos doados é pequeno, o que compro- Quando analisamos a relação entre icterícia
mete a utilização dessa técnica de forma mais freqüen- obstrutiva e o procedimento cirúrgico para
te. (21, 22) desobstrução da via biliar, tudo leva a crer que a dre-
nagem biliar via endoscópica com ou sem
Cirurgia de “shunt” portocava esfincterectomia é a melhor abordagem antes do pro-
Esse tipo de cirurgia diminuiu muito nos últimos cedimento cirúrgico definitivo, se indicado. A drena-
anos, com o advento da endoscopia digestiva e do uso gem via transparietal hepática parece aumentar a mor-
de betabloqueadores para prevenir a hemorragia di- talidade quando realizada antes do procedimento ci-
gestiva alta. Quando esses pacientes são operados, a rúrgico definitivo. (5, 30, 31)
classificação de Child é um bom guia para as taxas de
mortalidade. Os pacientes Child A apresentam morta- QUAL O RISCO PERIOPERATÓRIO DE PACIENTES
lidade de 0 a 8%; Child B, de 4% a 30%; e Child C, de COM DOENÇA HEPÁTICA?
19% a 70%. (25)
Como vimos em tópicos anteriores, o risco de com-
CIRURGIA EM PACIENTES COM ICTERÍCIA plicações perioperatórias aumenta, dependendo da
OBSTRUTIVA condição hepática do paciente (classificação de Child)
e do tipo de cirurgia e anestesia. Entretanto, já ficou
Os pacientes com icterícia apresentam diferen- claro que a estimativa de complicações perioperatórias
tes taxas de mortalidade perioperatória, que vari- não é muito fácil, pois os estudos não são consistentes
am de 8% a 28%. Esse aumento de mortalidade está e obviamente a taxa de complicação irá variar de ser-
associado a particularidades fisiopatológicas da hi- viço para serviço. Há poucos estudos que examina-
perbilirrubinemia. (5) A bilirrubina é capaz de supri- ram doenças hepáticas de forma específica.
mir a imunidade celular em modelos experimen-
tais, diminuir a expressão das moléculas de adesão Hepatites
de polimorfonucleares e deprimir a resposta imu- As hepatites agudas (virais e alcoólicas) são con-
nológica a produtos da parede da bactéria. A bilir- tra-indicações absolutas para procedimentos cirúrgi-
rubina pode causar, também, lesão renal por meio cos eletivos, com taxas de mortalidade podendo variar
de vários mecanismos (26-29) : 10% a 55% se forem realizados procedimentos abdo-
1) a endotoxemia que acompanha a icterícia obstrutiva minais. Caso seja necessária biópsia hepática, deverí-
pode lesar o sistema renal, principalmente pelo amos optar pelo procedimento por punção, visto que a
desequilíbrio entre citoquinas e prostaglandinas; biópsia a “céu aberto” apresenta, comparativamente,
2) lesão tóxica direta do parênquima renal; maior taxa de mortalidade. Procedimentos eletivos só
3) por meio de mecanismos coadjuvantes, como alte- deveriam ser cogitados em pacientes com hepatite que
ração da coagulação, favorecendo a deposição de já estivessem assintomáticos e com as enzimas hepá-
fibrina peritubular; ticas normais. (2, 5, 25)
4) potencialização do efeito nefrotóxico dos
aminoglicosídeos e antiinflamatórios não- Hepatite crônica
hormonais. Em pacientes compensados, a taxa de complica-
Nos pacientes com icterícia obstrutiva, alguns fa- ções perioperatórias é baixa, mas pacientes com com-
tores de risco já estão bem estabelecidos (Tab. 4)(26-29) . prometimento clínico, laboratorial e histológico im-
portantes apresentam maior taxa de complicações; por
Tabela 4. Fatores de riscos perioperatórios que aumen- isso, cada caso deve ser analisado, pesando a relação
tam a mortalidade em pacientes com icterícia risco-benefício do procedimento. (2, 25, 32)
obstrutiva.
Esteato-hepatite ou esteatose hepática
— Hematócrito < 30% Essas duas entidades não parecem aumentar a taxa
— Bilirrubina sérica > 11 mg/dl de complicações perioperatórias de cirurgia em geral;
— Doença maligna causando a obstrução entretanto, em cirurgias de ressecção pode haver au-
— Azotemia mento da mortalidade. (33)
— Hipoalbuminemia
— Colangite Hepatite auto-imune
Quando o paciente está em remissão, em geral, as
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MACHADO FS e col.
Avaliação pré-operatória no paciente com doença hepática aguda e crônica
taxas de complicações são baixas; entretanto, deve-se QUAIS OS CUIDADOS QUE DEVEMOS TER
ter cuidado com a reposição de corticóide no NO PERIOPERATÓRIO DE PACIENTES COM
perioperatório. (5) DOENÇA HEPÁTICA PRÉVIA?
TP = tempo de protrombina.
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Avaliação pré-operatória no paciente com doença hepática aguda e crônica
A B C
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MACHADO FS e col.
Avaliação pré-operatória no paciente com doença hepática aguda e crônica
duzidos de como realizar esse manejo, nem qual pre que possível, devemos tentar melhorar o esta-
seriam as metas desse tratamento. Entretanto, sem- do nutricional.
Preoperative evaluation of patients with chronic or acute liver disease poses a unique challenge. A thoughtful
preoperative hepatology consultation aimed at accurate determination of the severity and chronicity of the liver
disease present, and correction of any reversible risk factors, are essential. Ongoing acute hepatitis and Child’s
C cirrhosis are strongly associated with perioperative complications and should lead to avoidance of elective
surgery. Patients with liver disease requiring emergent surgery are particularly challenging, because preoperative
preparation must be brief and perioperative mortality is high. Aggressive supportive care in an intensive care
unit is essential in patients Child B and C.
Key words: preoperative evaluation, cirrhosis, perioperative complications.
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MACHADO FS e col.
Avaliação pré-operatória no paciente com doença hepática aguda e crônica
310 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
ABORDAGEM PRÉ-OPERATÓRIA DO PACIENTE HIPERTENSO:
RISCOS E ORIENTAÇÕES
O risco cirúrgico de um paciente hipertenso de- ciente e à equipe cirúrgica, e eleva os custos hospita-
pende da gravidade da hipertensão arterial e do grau lares sem diminuir o risco operatório. Paciente com
de comprometimento dos órgãos-alvo. Variações da pressão arterial superior a 180/110 mmHg tem risco
pressão arterial ocorrem em fases distintas do ato ci- cirúrgico elevado; nesses casos, a cirurgia eletiva deve
rúrgico: eleva-se no período de indução anestésica, ser suspensa, e o paciente deve ter alta hospitalar até
cai com o aprofundamento do plano anestésico e ele- o controle adequado da pressão arterial, o que pode
va-se novamente no período de recuperação levar semanas ou meses. Variações da pressão arteri-
anestésica. Elevação da pressão arterial média de 20 al 24 ou 48 horas antes da cirurgia não trazem bene-
mmHg por mais de 15 minutos ou queda de 20 mmHg fícios adicionais e até devem ser evitadas. O esquema
por mais de uma hora são preditores de complicações terapêutico anti-hipertensivo, sempre que possível, não
peri e pós-operatórias. deve ser modificado nos 10 dias que antecedem a ci-
Valores de pressão arterial na fase hospitalar pré- rurgia. O controle da variabilidade da pressão arteri-
operatória não se correlacionam com risco cirúrgico. al média no perioperatório é mais importante para se
Pacientes com hipertensão arterial leve ou mode- evitar complicações que o eventual controle da pres-
rada, com valores da pressão arterial até 179/109 são arterial no pré-operatório imediato.
mmHg sem lesão de órgão-alvo, têm risco cirúrgico Descritores: hipertensão arterial, risco cirúrgico,
semelhante ao do normotenso. Suspender ou adiar comprometimento de órgãos-alvo, variabilidade da
cirurgias, nesses casos, traz grande frustração ao pa- pressão arterial.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:311-6)
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Abordagem pré-operatória do paciente hipertenso: riscos e orientações
312 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
ROCHA JC e col.
Abordagem pré-operatória do paciente hipertenso: riscos e orientações
boradores (3) para avaliar o risco cirúrgico, 196 eram senciais para detectar lesão de órgãos-alvo, são de
hipertensos leves e moderados (pressão arterial dias- maior importância na avaliação do risco operatório do
tólica < 110 mmHg). Desses 196, 79 estavam adequa- paciente hipertenso que o questionável papel protetor
damente tratados, 40 inadequadamente tratados e 77 de uma droga anti-hipertensiva administrada no pré-
não estavam em tratamento. Esses autores constata- operatório. Não se pode, também, deixar de valorizar
ram que, durante a cirurgia, os três grupos de pacien- o nível de estresse e ansiedade do paciente no pré-
tes hipertensos não apresentaram alterações hemodi- operatório, fato que deve contribuir para a elevação da
nâmicas significativas que os diferenciassem dos pa- pressão arterial.
cientes normotensos. Os parâmetros analisados foram: As complicações conseqüentes às alterações da
nadir da pressão arterial sistólica no intra-operatório, auto-regulação regional da circulação e suas compli-
uso de drogas vasopressoras, administração de volu- cações conseqüentes à anestesia e ao ato cirúrgico têm
me endovenoso e incidência de hipertensão pós-ope- relação direta com o tempo da variação da pressão ar-
ratória. Não houve, também, significativa diferença de terial. Acima dos limites da auto-regulação têm-se hi-
eventos adversos entre os grupos. peremias e abaixo, isquemia. Variações da pressão ar-
Por outro lado, pacientes com antecedentes de aci- terial média maiores que 20 mmHg têm correlação
dente vascular cerebral e acidente vascular isquêmico direta com insuficiência cardíaca congestiva no pós-
transitório ou insuficiência renal caracterizada por ní- operatório de infarto agudo do miocárdio, isquemia
veis de uréia elevada tiveram nadir da pressão arterial miocárdica e insuficiência renal(19-21) ; 21% dos paci-
sistólica significativamente mais elevado que os paci- entes que apresentaram complicações cardíacas ou
entes hipertensos sem complicações. Da mesma for- renais tiveram queda da pressão arterial média de 20
ma, pacientes normotensos que tomaram diuréticos em mmHg durante mais de uma hora ou elevação da pres-
razão de alguma doença tinham índices de complica- são arterial média de 20 mmHg por mais de 15 minu-
ções intra-operatórias maiores que os pacientes hiper- tos. Variações maiores de 40 mmHg na pressão arteri-
tensos. Esses dados indicam que doenças prévias ou al média ou mais não tiveram maiores complicações
lesões de órgãos-alvo, decorrentes da hipertensão, são que as acima relacionadas.
maiores indicadores de risco que os valores da pres- Dentre os agentes anestésicos, somente o halotano
são arterial isoladamente. induziu alterações hemodinâmicas na série de Gold-
Episódios de hipertensão pós-operatórios ocorre- man(3) . Os pacientes hipertensos que usaram halotano
ram com mais freqüência nos pacientes hipertensos tiveram queda da pressão arterial sistólica mais pro-
que nos normotensos, independentemente se o paci- nunciada e estatisticamente significativa em relação
ente estivesse em tratamento ou não, e esses episódios aos outros agentes anestésicos. O decréscimo da pres-
tiveram relação muito mais direta com a história pré- são arterial sistólica foi mais evidente nos pacientes
via de hipertensão que com os valores pré-operatórios hipertensos ou com história prévia de hipertensão que
da pressão arterial. Em outro estudo, Charlson(18) e co- nos pacientes normotensos. Do ponto de vista clínico,
laboradores constataram que 20% dos pacientes que não foram observados achados significativos.
relataram ter tido pressão arterial diastólica > 120 O uso de agentes adrenérgicos e a administração
mmHg ou hospitalização por crises hipertensivas de- adequada de líquidos intra-operatórios são recursos que
senvolveram insuficiência cardíaca congestiva no pós- se pode utilizar para evitar a labilidade da pressão ar-
operatório, independentemente dos valores pré-ope- terial e alterações hemodinâmicas. Esses cuidados são
ratórios da pressão arterial. mais importantes para se evitar lesões de órgãos-alvo
Esses dados não justificam a necessidade de rigo- que o controle da pressão arterial no pré-operatório
roso controle da pressão arterial no pré-operatório imediato.
imediato. As alterações hemodinâmicas, a labilidade
perioperatória da pressão arterial e suas complicações HIPERTENSÃO PÓS- OPERATÓRIA
são inerentes às características das alterações vascula-
res do paciente hipertenso. A avaliação do risco cirúr- Hipertensão pós-operatória ocorre mais
gico do paciente hipertenso está muito mais relacio- freqüentemente em pacientes com história de hiper-
nada com os antecedentes de gravidade e complica- tensão grave no passado, independentemente dos va-
ções da hipertensão arterial que com os valores da pres- lores da pressão arterial no pré-operatório. Em muitos
são arterial obtidos nas hospitalização para cirurgia. pacientes, antecedentes de hipertensão é o único fato
Anamnese e exame clínico realizados de maneira cui- que se correlaciona com hipertensão pós-operatória.
dadosa e minuciosa, aliados a exames subsidiários es- Edema pulmonar, acidente vascular cerebral e isquemia
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ROCHA JC e col.
Abordagem pré-operatória do paciente hipertenso: riscos e orientações
miocárdica são eventos que podem se correlacionar tomados nos casos de hiperaldosteronismo.
com hipertensão pós-operatória. De maneira geral, podemos concluir que se o con-
Além da hipertensão preexistente, outros fatores trole adequado da hipertensão arterial é capaz de re-
podem contribuir para a elevação da pressão arterial duzir as lesões dos órgãos-alvo (1) , é obvio que esse
no pós-operatório. Dor, talvez o fator principal, exci- conceito poderá ser aplicado em relação aos riscos ci-
tação pós-anestesia, excesso de líquido infundido no rúrgicos quando um paciente hipertenso for submeti-
intra-operatório, reação à extubação, hipotermia e tre- do a cirurgia.
mores são os mais prevalentes. A abordagem adequa- Algumas considerações, no entanto, merecem ser
da dessas variáveis poderá evitar o uso intempestivo feitas:
de drogas anti-hipertensivas. 1) A ausência de controle ideal da pressão arterial não
Não existe forte correlação entre hipertensão pós- acarreta, de maneira geral, aumento do risco cirúr-
operatória e complicações cardiovasculares. Insufici- gico.
ência cardíaca congestiva e edema agudo de pulmão 2) Pacientes com pressão arterial igual ou inferior a
podem ocorrer em pacientes com fração de ejeção bai- 160/110 mmHg, sem lesão de órgão-alvo, têm ris-
xa, nos quais a elevação da pressão arterial aliada a co cirúrgico semelhante ao normotenso.
excesso de administração de líquido intra-operatório 3) Adiar uma cirurgia por causa de hipertensão arteri-
são fatores desencadeantes. al diagnosticada incidentalmente, ou não devida-
mente controlada de acordo com os parâmetros
HIPERTENSÃO SISTÓLICA ISOLADA E acima, traz grande desconforto ao paciente e à equi-
HIPERTENSÃO SECUNDÁRIA pe médica, eleva os gastos hospitalares e não di-
minui o risco cirúrgico.
O papel da hipertensão sistólica isolada (pressão 4) Cirurgias eletivas em pacientes com pressão arteri-
arterial sistólica > 160 e pressão arterial diastólica < al superior a 180/110 mmHg devem ser adiadas,
90 mmHg) é pouco conhecido como fator de risco ci- pois há risco de complicações intra- e pós-opera-
rúrgico em cirurgia geral; ao que parece, o risco da tórias. Nesses casos, o paciente deverá ter alta hos-
hipertensão sistólica isolada é mais significativo em pitalar, pois o controle adequado da pressão arteri-
cirurgias vasculares. Pacientes que se submeteram a al pode durar semanas ou meses.
endarterectomia com pressão arterial sistólica > 200 5) Controle a curto prazo da pressão arterial em um ou
mmHg tinham 19% a mais de chance de desenvolver dois dias antes da cirurgia é desaconselhado, pois
hipertensão pós-operatória, 10% deles tiveram com- não traz benefícios adicionais.
plicações neurológicas contra somente 3,4% dos pa- 6) Se a cirurgia for realizada até dentro de 10 dias, o
cientes que não tiveram hipertensão pós-operatória (22) . esquema de terapêutica anti-hipertensiva não deve
Pacientes hipertensos em decorrência de nefropa- ser alterado, mesmo que o controle da pressão ar-
tia, a principal causa de hipertensão secundária, têm terial não seja o ideal, pois essa mudança no es-
maior probabilidade de desenvolver insuficiência re- quema terapêutico pode aumentar a instabilidade
nal no pós-operatório. Portadores de hipertensão re- da pressão arterial intra-operatória.
novascular, além de também terem maior risco de in- 7) Toda medicação anti-hipertensiva deve ser tomada
suficiência renal pós-operatória, em geral têm hiper- até o dia da cirurgia e ser reinstituída no pós-ope-
tensão arterial mais grave e, se possível, devem ser ratório o mais breve possível, no sentido de se evi-
apropriadamente diagnosticados e tratados antes de tar hipertensão pós-operatória. A via parenteral da
cirurgia eletiva. própria medicação ou de seus análogos deve ser
Portadores de feocromocitoma requerem especial utilizada caso o paciente não possa ingerir com-
atenção, pois podem apresentar grande instabilidade primidos.
da pressão arterial intra- e pós-operatória. Recomen- 8) Nas cirurgias de urgência e também nas cirurgias
da-se infusão adequada de líquido endovenoso, para eletivas, o controle das oscilações da pressão arte-
preservar o volume intravascular, e uso de antagonis- rial pelo anestesista é mais importante para se evi-
tas alfa- e beta-adrenérgicos. tar complicações que o controle da pressão arterial
Pacientes com outras formas de hipertensão secun- no pré-operatório.
dária, como síndrome de Cushing e hiperaldosteronis- 9) Se o risco cirúrgico da hipertensão arterial isolada-
mo primário, geralmente toleram bem a cirurgia e se mente não é significativo, o mesmo não se pode
comportam como pacientes hipertensos primários. dizer quando existe lesão associada de órgãos-alvo.
Cuidados especiais, como hipopotassemia, devem ser Nesse caso, o risco cirúrgico é ampliado de acordo
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ROCHA JC e col.
Abordagem pré-operatória do paciente hipertenso: riscos e orientações
The surgical risk of a hypertensive patient depends on the severity of the hypertension and on the degree of
the lesions of the target organs. A blood pressure variation occurs in specific phases of the surgery. It increases
during anesthetic induction, falls as the anesthetic plan gets deeper and elevates again in the recovery period.
An increase, in mean arterial pressure, greater than 20 mmHg for at least 15 minutes or a fall of 20 mmHg for
at least one hour are predictors of peri and post operation complications. Blood pressure values during in
hospital staying do not correlate with surgical outcome.
Patients with mild to moderate hypertension (blood pressure values up to 179/109 mmHg), and no target
organ lesion, have the same surgical risk as a normotensive patient. Canceling or postponing the surgery in
those cases brings huge frustration to the patient, surgical staff, increases the hospital cost and has no effect in
diminishing the surgical risk. Blood pressure values higher than 180/110 mmHg increases surgical risk and in
those cases elective surgery should be canceled, patient discharged from hospital until appropriated blood
pressure control which could take weeks or even months. Changes in blood pressure 24 to 48 hours before
surgery do not bring additional benefits and should even be avoided. The antihypertensive therapy should not
be changed 10 days prior to surgery if possible. The variation control of the mean arterial pressure in the
perioperative period is more important in preventing surgical complications than the isolated control of immediate
preoperation blood pressure value.
Key words: hypertension, surgical risk, target organs damage, blood pressure variability.
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Abordagem pré-operatória do paciente hipertenso: riscos e orientações
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ABORDAGEM PRÉ-OPERATÓRIA DO PACIENTE PORTADOR
DE DOENÇA DAS ARTÉRIAS CORONÁRIAS CLINICAMENTE ESTÁVEL
EULÓGIO EMÍLIO MA RTINEZ FILHO, FRANCISCO DE ASSIS COSTA
Portadores de doença arterial coronária apre- invasivos, assim como terapêutica específica po-
sentam maior incidência de morbidade e mortali- dem ser indicados, objetivando, principalmente, a
dade perioperatórias em cirurgias não-cardíacas. segurança do paciente e do procedimento cirúrgi-
O risco cardíaco pode ser classificado em alto, in- co, sem, contudo, perder de vista a análise de cus-
termediário ou baixo, na dependência do tipo de to-benefício.
cirurgia a ser realizado. Com base nessa estratifi- Descritores: doença arterial coronária, cirur-
cação, exames complementares, não-invasivos e gia não-cardíaca, risco cardíaco.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:317-23)
RSCESP (72594)-984
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MARTINEZ FILHO EE e col.
Abordagem pré-operatória do paciente portador de doença das artérias coronárias clinicamente estável
Preditores maiores
— Síndromes coronárias instáveis: infarto do miocárdio recente (até 30 dias) com evidências de
isquemia; angina instável ou angina estável classe funcional III-IV
— Insuficiência cardíaca congestiva descompensada
— Arritmias importantes: bloqueio atrioventricular de alto grau; arritmias ventriculares sintomáticas, na
presença de doença cardíaca subjacente; arritmias supraventriculares com freqüência ventricular elevada
— Doença valvar severa
Preditores intermediários
— Angina estável classe funcional I-II
— Infarto do miocárdio prévio ou presença de onda Q patológica
— Insuficiência cardíaca congestiva compensada
— Diabete melito
Preditores menores
— Idade avançada
— Anormalidades eletrocardiográficas: sinais de hipertrofia ventricular, bloqueio de ramo esquerdo,
anormalidades do segmento ST e da onda T
— Outro ritmo que não o sinusal
— Baixa capacidade funcional
— História de acidente vascular cerebral
— Hipertensão arterial sistêmica descontrolada
318 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
MARTINEZ FILHO EE e col.
Abordagem pré-operatória do paciente portador de doença das artérias coronárias clinicamente estável
Tabela 2. Algumas atividades do dia-a-dia, de acordo com seu consumo de oxigênio, em equivalentes metabó-
licos (METs). (4, 5)
Consumo de oxigênio em
equivalentes metabólicos Atividades do dia-a-dia
níveis de exercício físico (< 4 METs ou freqüência 1%, em seguimento clínico de quatro anos. Pacientes
cardíaca < 100 batimentos por minuto) identifica um acometidos de problemas neurológicos, ortopédicos e
grupo de alto risco no que se refere ao desenvolvi- vasculares periféricos, portanto sem condições físicas
mento de eventos cardíacos no intra-operatório. Por adequadas para o exercício, podem se beneficiar de
outro lado, isquemia miocárdica induzida por níveis exames de imagem, sob a utilização de estresse far-
maiores de exercício físico (> 7 METs ou freqüência macológico com adenosina e, principalmente, com
cardíaca > 130 batimentos por minuto) evidencia um dipiridamol, ecocardiografia com dobutamina ou ele-
grupo de baixo risco operatório para eventos cardía- trocardiograma de longa duração (Holter).
cos (10) . Conforme demonstrado no estudo CASS(11) , os
pacientes que exibiram sinais de isquemia miocárdica Testes de perfusão miocárdica com estresse
com menos de três minutos de exercício (protocolo de farmacológico
Bruce) tiveram mortalidade acima de 5%, enquanto Em nosso meio, o dipiridamol é o fármaco mais
aqueles capazes de completar até nove minutos de es- comumente usado para promover estresse farmacoló-
forço físico apresentaram mortalidade anual inferior a gico nos exames cintilográficos de perfusão com tálio
Tabela 3. Estratificação de risco cardíaco (morte e infarto do miocárdio não-fatal) para cirurgia não-cardíaca. (4,5)
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MARTINEZ FILHO EE e col.
Abordagem pré-operatória do paciente portador de doença das artérias coronárias clinicamente estável
ou sestamibi. À parte algumas diferenças de ordem grama de longa duração, em pacientes de alto risco
físico-químicas, os dois radiotraçadores são muito efi- operatório para eventos cardíacos. Porém, uma varia-
cientes na avaliação da perfusão miocárdica. O dipiri- da gama de alterações eletrocardiográficas interfere
damol age provocando dilatação em artérias não lesa- na análise dos resultados do método e prejudica seu
das, por isso aumentando seu fluxo, ao mesmo tempo uso habitual na avaliação de risco pré-operatório (3) . No
em que piora a perfusão de zonas já mal irrigadas (fe- entanto, o método pode identificar acima de 90% de
nômeno do “roubo de fluxo”). Vários foram os estu- pacientes com alto risco para complicações isquêmi-
dos levados a efeito com o fito de correlacionar com- cas. Aqueles com isquemia assintomática, detectada
plicações perioperatórias com alterações observadas no pré- ou no pós-operatório, exibiram percentual em
na cintilografia com dipiridamol. Boucher e colabora- torno de 30% de risco de desenvolver eventos clíni-
dores (12) constataram haver relação entre defeitos de cos, como infarto do miocárdio, angina instável, con-
redistribuição com tálio e eventos isquêmicos graves gestão pulmonar e morte(16) .
no intra-operatório (angina instável, infarto agudo do
miocárdio e óbito). Tais eventos ocorreram em 50% dos AVALIAÇÃO INVASIVA
doentes submetidos a cirurgia por doença vascular peri-
férica e que apresentaram alterações de perfusão mio- As indicações de cinecoronariografia na avaliação
cárdica à cintilografia de tálio com dipiridamol. pré-operatória de cirurgia não-cardíaca seguem os
Para Leppo e colaboradores (13) , os defeitos de per- mesmos critérios gerais de indicação do exame (17) . A
fusão foram considerados fatores preditores de com- cinecoronariografia deve ser indicada para pacientes
plicações graves, com elevada sensibilidade (93%), de alto risco, particularmente para aqueles com sus-
mas com baixa especificidade (62%). O valor prediti- peita de lesão de tronco da coronária esquerda, doen-
vo positivo, ou seja, a probabilidade de que um teste ça coronária triarterial, em pacientes com síndromes
anormal esteja associado a tais complicações, foi de coronárias instáveis ou com severa angina estável (clas-
33%. Em pacientes com alterações reversíveis de per- se funcional III-IV), grupo em que um procedimento
fusão, localizadas em um só território, há menor pro- de revascularização miocárdica, percutânea ou cirúr-
babilidade de surgirem complicações perioperatórias gica, muito provavelmente modificaria a história na-
que naqueles cujos defeitos estendem-se por várias tural da doença coronária. Por outro lado, em um estu-
regiões. Contudo, a baixa especificidade da cintilogra- do demonstrou-se que a cinecoronariografia de rotina
fia com dipiridamol limita sua indicação rotineira, na precedendo cirurgias vasculares revelou que 59% dos
prática clínica(14) . doentes com suspeita de doença arterial coronária apre-
sentavam doença coronária obstrutiva multiarterial, ou
Ecocardiografia com dobutamina mesmo lesões inoperáveis. Em contrapartida, doença
A experiência com a ecocardiografia de estresse arterial coronária grave difusa foi encontrada em 23%
com dobutamina é menor que a já adquirida com o dos pacientes sem história de cardiopatia isquêmica(18) .
exame cintilográfico na avaliação pré-operatória de Outros estudos confirmaram que a presença de doen-
risco cirúrgico. Alguns estudos, no entanto, atestaram ça coronária, evidenciada pela cinecoronariografia,
a utilidade do método para essa finalidade. Um exame afeta negativamente o prognóstico de cirurgias envol-
normal, definido por ausência de anormalidades da vendo a aorta abdominal. Uma vez que se trata de do-
contração segmentar, apresenta valor preditivo nega- ença muito prevalente entre pacientes com arteriopa-
tivo de 93% a 100%. Já a detecção de anormalidades tia periférica, vários autores advogam a realização de
da contração tem valor preditivo positivo para com- cinecoronariografia antes de cirurgias vasculares mai-
plicações perioperatórias que varia de 7% a 30%, ci- ores (19-21) .
fras que se assemelham àquelas encontradas na cinti-
lografia de perfusão com tálio(15) . Portanto, a ecocar- T ERAPÊUTICA PRÉ -OPERATÓRIA
diografia de estresse com dobutamina parece ser no
mínimo tão eficaz quanto a cintilografia de tálio com Pacientes previamente submetidos a revasculari-
dipiridamol, como preditor de complicações periope- zação miocárdica bem-sucedida exibem baixa morta-
ratórias. lidade perioperatória, que não é diferente daquela ve-
rificada em pacientes sem doença coronária. Uma re-
Eletrocardiografia de longa duração (Holter) visão entre 1.600 pacientes do estudo CASS (11) , sub-
Isquemia espontânea, manifestada por depressão metidos a cirurgia não-cardíaca de alto risco, demons-
do segmento ST, pode ser detectada pelo eletrocardio- trou mortalidade de 2,4% em pacientes com doença
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Abordagem pré-operatória do paciente portador de doença das artérias coronárias clinicamente estável
arterial coronária significativa e sem revascularização placebo em pacientes com vários fatores de risco para
miocárdica prévia, bem superior à mortalidade entre doença arterial coronária, submetidos a cirurgia não-
pacientes sem doença arterial coronária (0,5%) ou com cardíaca. O tratamento com atenolol foi iniciado des-
revascularização miocárdica prévia (0,9%). Uma vez de a internação até a alta hospitalar. Os autores obser-
que o risco da própria revascularização miocárdica varam redução de 15% na ocorrência de infarto do
normalmente excede o risco da cirurgia não-cardíaca, miocárdio, angina instável, insuficiência cardíaca con-
o procedimento de revascularização miocárdica rara- gestiva requerendo internação e morte em seis meses
mente está justificado, precedendo cirurgias não-car- e até dois anos de seguimento clínico. Esses achados
díacas de baixo risco(3) . são consistentes com estudos prévios que apontaram
Com relação à revascularização miocárdica percu- os benefícios do uso dos betabloqueadores no perio-
tânea por angioplastia transluminal coronária, Huber peratório de cirurgias não-cardíacas em pacientes de
e colaboradores(22) estudaram pacientes, em sua maio- alto risco, sobretudo os portadores de doença arterial
ria portadores de angina estável classe funcional III- coronária. É importante realçar que esses pacientes não
IV (Canadian) ou angina instável, todos com testes devem interromper o uso da medicação durante a in-
funcionais positivos e submetidos a angioplastia trans- ternação para a cirurgia. Além dos betabloqueadores,
luminal coronária antes da cirurgia não-cardíaca, ten- o uso de nitratos pode também reduzir a incidência de
do esta sido realizada em média nove dias após a angi- eventos isquêmicos no perioperatório de cirurgias não-
oplastia transluminal coronária bem-sucedida. Os au- cardíacas (25) . Cabe ainda ressaltar que os nitratos (su-
tores observaram taxa de infarto agudo do miocárdio blingual, endovenoso ou tópico) e a nifedipina sublin-
perioperatório de 5,6% e mortalidade de 1,9%, con- gual podem ser usados no pós-operatório imediato de
cluindo que, em pacientes submetidos a angioplastia pacientes com angina. Entretanto, nenhum deles subs-
transluminal coronária com sucesso por severa doen- titui os betabloqueadores nos casos em que esses agen-
ça coronária, o risco de complicações maiores associ- tes já se haviam mostrado efetivos no controle da do-
adas à cirurgia não-cardíaca é baixo. Em outro estudo, ença isquêmica miocárdica(26) .
Gottlieb e colaboradores (23) demonstraram diminuição
de morbidade perioperatória em cirurgias vasculares CONCLUSÃO
de alto risco, entre pacientes com doença arterial co-
ronária e submetidos a angioplastia transluminal co- Todos os pacientes coronariopatas candidatos a
ronária antes da intervenção operatória. cirurgia não-cardíaca devem ser cuidadosamente ava-
No que tange ao tratamento medicamentoso, não liados clinicamente. Aqueles identificados como de alto
há dúvidas de que o estresse cirúrgico acarreta aumento risco necessitam de rigoroso controle clínico e o uso
das catecolaminas circulantes, fato que pode gerar de betabloqueador pode ser imperativo. O procedimen-
conseqüências cardíacas adversas, como arritmias e to eletivo deve ser suspenso, caso o paciente não reú-
maior predisposição à rotura de placa aterosclerótica. na condições clínicas satisfatórias para enfrentar a in-
Baseando-se nessas evidências, tem-se proposto o uso tervenção cirúrgica(27) . Já para aqueles clinicamente
de betabloqueadores no perioperatório de cirurgias estáveis (a maioria em classe funcional I-II), assim
não-cardíacas em pacientes portadores de doença co- considerados como de risco intermediário, testes fun-
ronária obstrutiva, salvo as contra-indicações de pra- cionais não-invasivos são recomendáveis. Pacientes
xe. Alguns estudos observacionais e pequenos ensaios candidatos a cirurgias vasculares de grande porte cons-
randomizados sugerem que a administração de tais tituem um grupo especial, para o qual a cinecoronari-
agentes diminui a incidência de isquemia e infarto do ografia deve ser indicada, a menos que os métodos
miocárdio perioperatório. Em estudo randomizado, não-invasivos sugiram muito baixa probabilidade de
Mangano e colaboradores (24) utilizaram atenolol ou doença coronária concomitante.
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Abordagem pré-operatória do paciente portador de doença das artérias coronárias clinicamente estável
Patients with coronary artery disease are at increased risk of perioperative cardiac morbidity and mortality.
Therefore, clinical assessment is essential for cardiac risk stratification. Cardiac risk is determined by clinical
profile, results of exercise tests or other noninvasive methods for identification of myocardial ischemia, and type
of noncardiac surgery. Indications for preoperative invasive investigation are based on the combined analysis
of the above mentioned risk determinants. Preoperative revascularization, if necessary, is associated with
reduction in perioperative cardiac morbidity and mortality.
Key words: coronary artery disease, noncardiac surgery, cardiac risk.
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MARTINEZ FILHO EE e col.
Abordagem pré-operatória do paciente portador de doença das artérias coronárias clinicamente estável
17. Scanlon PJ, Faxon DP, Audet AM, Carabello B, 22. Huber KC, Evans MA, Bresnahan JF, Gibbons RJ,
Dehmer GJ, Eagle KA, et al. Guidelines for coro- Holmes DR Jr. Outcome of noncardiac operations
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 323
ABORDAGEM PRÉ -OPERATÓRIA DO PACIENTE COM SÍNDROME
ISQUÊMICA AGUDA RECENTE
Na década de 70, surgiram estudos que identifica- instável ou refratária, ou quando houver necessidade
ram a angina instável ou infarto do miocárdio recente de cirurgia não-cardíaca urgente.
como os preditores mais importante de resultados ad- Não existem estudos randomizados ou controla-
versos em pacientes submetidos a cirurgia não-cardí- dos que estabeleçam a validade de se realizar proce-
aca ou procedimentos vasculares maiores. dimento de revascularização miocárdica profilatica-
Foi relatado risco de 30% a 37% de reinfarto ou mente para diminuir o risco de cirurgia não-cardía-
morte cardíaca quando os pacientes eram operados ca. Entretanto, algumas séries têm demonstrado que
dentro de três meses após síndrome isquêmica aguda, os pacientes com cirurgia de revascularização prévia
de 11% a 16% entre três e seis meses, e de 4% a 5% ou angioplastia transluminal coronária bem-sucedi-
após seis meses. Estudos mais recentes descreveram das têm taxas de mortalidade comparáveis às de pa-
significativa redução nessa taxa de riscos decorrente cientes sem doença arterial coronária.
dos avanços nas técnicas operatórias e anestésicas. As indicações para cirurgia de revascularização
Os testes não-invasivos em pacientes com angina miocárdica ou angioplastia transluminal coronária
instável ou infarto agudo do miocárdio recente têm se (com ou sem stent) para o subgrupo de pacientes com
mostrado úteis na estratificação do risco pré-opera- síndrome isquêmica aguda recente são iguais às reco-
tório e têm demonstrado que a isquemia induzível é mendadas para portadores de doença arterial
um significativo preditor de eventos perioperatórios. coronária em geral.
A angiografia coronária pré-operatória está Descritores: angina instável, infarto do mocárdio,
indicada nos casos estratificados como risco alto ou doença arterial coronária, cirurgia não-cardíaca, ava-
intermediário pelos testes não-invasivos, na angina liação pré- e perioperatória cardiovascular.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:324-33)
RSCESP (72594)-985
324 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
NICOLAU JC e cols.
Abordagem pré-operatória do paciente com síndrome isquêmica aguda recente
entre três e seis meses, e 4%a 5% após seis meses(3-8) . nal e, dessa maneira, estabelecer o risco cardíaco peri-
Já a partir da década de 80, outros autores relata- operatório.
ram taxas de risco menores que aquelas referidas pe-
los estudos iniciais (12-14) . Os melhores resultados des- Exames não-invasivos
sas publicações provavelmente estão relacionados a Teste de esforço
avanços nas técnicas operatórias e anestésicas, melhor Diversos autores (20-24) avaliaram o papel desse mé-
seleção de pacientes e melhor manejo das intercorrên- todo na determinação de eventos cardíacos periopera-
cias cardíacas e não-cardíacas(15) . tórios em pacientes submetidos a cirurgia não-cardía-
Rao e colaboradores (13) , estudando um grupo de ca ou vascular, mas em muitas séries os casos com
pacientes submetidos a cirurgia não-cardíaca após in- angina instável ou infarto recente foram excluídos.
farto agudo do miocárdio recente, encontraram taxa Nesses estudos, o risco de eventos cardíacos sub-
de reinfarto de 5,7% nos primeiros três meses pós- seqüentes foi significativamente menor nos pacientes
infarto agudo do miocárdio e de 2,3% entre quatro e que suportaram maiores cargas(22,23), sendo observada
seismeses. ainda correlação positiva entre o risco e o grau de in-
Por outro lado, utilizando-se testes não-invasivos fradesnível do segmento ST(24) .
na estratificação de risco de pacientes com síndrome Testes de estresse farmacológico
isquêmica aguda há menos de seis meses, demonstrou- Em pacientes incapazes de realizar esforço físico,
se que a isquemia induzível é um importante preditor ou ainda nas fases mais precoces das síndromes
de eventos cardíacos no período perioperatório(16-19) . isquêmicas agudas, pode-se realizar cintilografia
Séries utilizando cintilografia miocárdica demonstra- miocárdica ou ecocardiograma associados a estresse
ram que o grau de risco de eventos cardíacos correla- farmacológico. Nessa situação, obviamente, somente
cionou-se com a extensão do defeito(17) , sendo obser- a presença ou a ausência de isquemia e viabilidade
vado que a redistribuição do tálio foi um significativo miocárdica podem ser detectadas, não sendo possível
fator de risco para eventos cardíacos perioperatórios, a avaliação da capacidade física do paciente. Entre-
ao contrário da presença de defeitos fixos (18) . Por ou- tanto, pode-se avaliar a função ventricular esquerda,
tro lado, Raby e colaboradores (19) , utilizando monito- que se correlaciona com o desempenho do paciente na
rização eletrocardiográfica ambulatorial (Holter), de- ergometria e se constitui em importante preditor de
monstraram que eventos cardíacos perioperatórios fo- eventos futuros.
ram significativamente mais freqüentes no grupo com Cintilografia miocárdica com dipiridamol
isquemia. Publicações recentes têm demonstrado o valor pre-
Esses dados demonstram que a presença de isque- ditivo positivo desse método em populações não-sele-
mia miocárdica em pacientes com doença arterial co- cionadas (25, 26) , variando entre 4% e 20%. O valor pre-
ronária seleciona uma população de maior risco para ditivo negativo para um exame normal permanece alto
eventos cardíacos, quando submetidos a cirurgia não- (aproximadamente 99%) para infarto do miocárdio ou
cardíaca. morte cardíaca(27-29) .
Outro importante preditor de eventos, além da is- Ecocardiograma de estresse com dobutamina
quemia, em pacientes com síndrome isquêmica aguda Estudos que utilizaram esse teste na avaliação pré-
recente, é a baixa capacidade funcional detectada na operatória de pacientes candidatos a cirurgia não-car-
ergometria. A presença dessa complicação aumenta de díaca(30, 31) encontraram valor preditivo positivo entre
forma significativa o risco de complicações cardíacas 23% e 50%, e valor preditivo negativo entre 93% e
subseqüentes, estando freqüentemente relacionada a 100%. Além disso, demonstra-se que o grau de anor-
pior desempenho ventricular esquerdo por conta de malidade e/ou mudanças na movimentação da parede
infartos mais extensos. (20,21) acometida, com menores doses de dobutamina, é um
poderoso determinante de risco aumentado para even-
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA DE PACIENTES tos cardíacos perioperatórios (30,31).
COM SÍNDROME ISQUÊMICA AGUDA RECENTE Monitorização eletrocardiográfica ambulatorial
(Holter)
Com base no anteriormente exposto, o objetivo Esse método identificou mais de 90% dos pacien-
básico da avaliação pré-operatória em pacientes com tes que desenvolveram complicações agudas periope-
síndrome isquêmica aguda recente, candidatos a pro- ratórias (19) . Entretanto, esse exame apresenta diversas
cedimento não-cardíaco, é o de identificar a presença limitações, entre elas a impossibilidade de seu uso em
de isquemia miocárdica, avaliar a capacidade funcio- pacientes que apresentam alterações no eletrocardio-
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NICOLAU JC e cols.
Abordagem pré-operatória do paciente com síndrome isquêmica aguda recente
grama de repouso(21) . Em resumo, o papel do Holter na ava- Em conclusão, as indicações de cirurgia de revas-
liação pré-operatória permanece não estabelecido, não exis- cularização miocárdica ou angioplastia transluminal
tindo dados definitivos que permitam recomendação roti- coronária para esse subgrupo de pacientes são essen-
neira do mesmo nas situações ora em discussão. cialmente iguais àquelas recomendadas para todos os
pacientes portadores de doença arterial coronária (39,40),
Exames invasivos — angiografia coronária e o pacientes, sempre que possível, deve ser encami-
Apesar de não haver unanimidade sobre o assunto, nhado à cirurgia não-cardíaca com ausência de isque-
alguns autores defendem a realização da angiografia mia miocárdica evidente. Isso implica dizer que, se
coronária como teste de “screening” a ser realizado de houver indicação independente para cirurgia não-cardí-
rotina em pacientes que vão ser submetidos a cirurgia aca e procedimento de revascularização miocárdica, este
vascular, por conta da alta prevalência de doença arte- último deve ser realizado antes da cirurgia não-cardíaca,
rial coronária nessa população (32, 33) . Entretanto, as Di- na dependência da urgência da cirurgia não-cardíaca e
retrizes das sociedades norte-americanas de Cardiolo- da estabilidade da doença arterial coronária(21) .
gia sobre o assunto indicam a angiografia coronária
pré-operatória apenas nos casos estratificados como ESTRATÉGIA PARA AVALIAÇÃO CARDÍACA
de risco alto ou intermediário pelos testes não-invasi- PRÉ- OPERATÓRIA DE CIRURGIA NÃO-CARDÍACA
vos, na angina instável ou refratária, ou quando hou-
ver necessidade de cirurgia não-cardíaca urgente(34) . A Figura 1 resume a estratégia proposta pelas so-
ciedades norte-americanas de Cardiologia para a ava-
PROCEDIMENTOS DE REVASCULARIZAÇÃO liação cardíaca pré-operatória de cirurgia não-cardía-
MIOCÁRDICA ANTES DE CIRURGIA ca. Como se nota, pacientes com síndromes coronári-
NÃO-CARDÍACA as agudas recentes (infarto do miocárdio e angina ins-
tável) são considerados de alto risco e, portanto, sem-
Não existem estudos randomizados ou controla- pre que possível, devem ser avaliados de forma inten-
dos que estabeleçam a validade de se realizar cirurgia siva antes da liberação da cirurgia não-cardíaca.
de revascularização miocárdica ou angioplastia trans-
luminal coronária profilaticamente para diminuir o ris- Tipo de procedimento cirúrgico
co de cirurgia não-cardíaca. Entretanto, séries retros- O primeiro passo nessa avaliação é classificar o
pectivas não controladas têm demonstrado que paci- tipo de cirurgia como de risco cardíaco alto, interme-
entes com cirurgia de revascularização prévia bem- diário ou baixo(41) . Os procedimentos geralmente con-
sucedida têm taxas de mortalidade comparáveis à de siderados de alto risco, definido como risco cardíaco
pacientes sem doença arterial coronária estabelecida, > 5%, são: cirurgias de emergência (principalmente
quando submetidos a procedimentos cirúrgicos não- em idosos), cirurgia aórtica e outras cirurgias vascula-
cardíacos(35, 36) . res maiores, cirurgia vascular periférica e procedimen-
O maior desses estudos analisou, a partir do banco tos nos quais se antecipam tempos cirúrgicos longos,
de dados do estudo CASS (“Coronary Artery Surgery associados com troca de grande quantidade de fluidos
Study”)(35) , 1.600 pacientes submetidos a cirurgia não- e/ou perda sanguínea. Procedimentos de risco inter-
cardíaca. Nessa amostra, encontraram taxas de morta- mediário, definido como risco cardíaco entre 1% e 5%,
lidade perioperatória de 0,5% nos indivíduos sem evi- incluem cirurgias intraperitoneais ou torácicas, endar-
dência angiográfica de doença arterial coronária, 0,9% terectomia carotídea, e cirurgias de cabeça e pescoço,
nos pacientes submetidos a cirurgia de revasculariza- ortopédica e prostática. Procedimentos de baixo risco,
ção miocárdica prévia ao procedimento não-cardíaco, definido como risco cardíaco < 1%, incluem endosco-
e 2,4% nos pacientes com doença arterial coronária pia e procedimentos superficiais, e cirurgia de catara-
significativa angiograficamente, mas não submetidos ta e de mama. Importante recordar que um achado de
a cirurgia de revascularização miocárdica prévia. risco cardíaco aumentado não deve, necessariamente,
Publicações têm demonstrado, em análises retros- levar à recomendação de angiografia coronária e re-
pectivas, a baixa incidência de complicações cardio- vascularização(21, 41).
vasculares em pacientes submetidos a angioplastia
transluminal coronária previamente à cirurgia não-car- História clínica (índices de risco)
díaca. Entretanto, o pequeno número de pacientes in- Após considerar o tipo de procedimento cirúrgico,
cluídos e a análise retrospectiva tornam difícil uma assim como o risco cardíaco inerente a tal procedi-
conclusão definitiva sobre o assunto(37,38). mento e a provável prevalência de doença coronária,
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NICOLAU JC e cols.
Abordagem pré-operatória do paciente com síndrome isquêmica aguda recente
deve-se avaliar a história cardíaca do paciente(41) . A tos invasivos (cirurgia ou angioplastia), antes da libe-
avaliação clínica básica obtida pela história, pelo exa- ração da cirurgia não-cardíaca.
me físico e pela revisão do eletrocardiograma, geral- Em resumo, quando se analisam, em conjunto, as
mente, proporciona ao clínico dados suficientes para informações obtidas pela história cardíaca e o tipo de
estimar o risco cardíaco. procedimento cirúrgico a ser realizado, é importante
Os preditores clínicos podem ser divididos em perceber que história verdadeiramente negativa seria
maiores, intermediários e menores. Os maiores, quan- a ausência de qualquer fator de risco. Quando acresci-
do presentes, podem resultar em atraso ou cancela- da a procedimento de baixo risco, a história de risco
mento da cirurgia não-cardíaca, e são os seguintes: cardíaco negativo pode então ser avaliada contra ou-
presença de infarto do miocárdio recente (três a seis tros fatores, como a capacidade funcional. Ao contrá-
meses); evidência objetiva de descompensação cardí- rio, pacientes que têm história cardíaca positiva (um
aca; presença de angina classe 3-4 segundo a classifi- ou mais fatores clínicos de risco) ou não têm história
cação canadense; presença de arritmias significativas clínica disponível, e vão ser submetidos a procedimento
(bloqueio atrioventricular avançado, arritmias sinto- de maior risco, devem ser encaminhados para avalia-
máticas na presença de doença cardíaca de base, arrit- ções adicionais(41) .
mias supraventriculares com freqüência ventricular
não-controlada); e doença valvar grave. Os preditores Capacidade funcional
intermediários, quando presentes, justificam cuidado- O próximo nível de interação refere-se à avaliação
sa avaliação do estado atual do paciente, e são os se- objetiva da capacidade funcional. Basicamente, fato-
guintes: angina do peito leve, infarto do miocárdio res de risco cardíaco obtidos pela história também de-
prévio não recente, insuficiência cardíaca prévia com- vem ser avaliados em relação à capacidade total de
pensada e diabete melito. Os preditores menores de exercício do paciente(41) . Essa medida é expressa em
risco são marcadores de doença cardiovascular que não níveis de equivalentes metabólicos (MET). Múltiplos
proporcionam, de forma independente, risco periope- do valor basal do MET podem ser usados para expres-
ratório aumentado, e são os seguintes: idade avança- sar a demanda aeróbica para atividades específicas. O
da, eletrocardiograma anormal, ritmo não-sinusal risco cardíaco perioperatório e a longo prazo é aumen-
(como, por exemplo, fibrilação atrial), capacidade fun- tado em pacientes incapazes de atingir demanda de,
cional baixa, história de acidente vascular encefálico pelo menos, 4 METs durante a maioria das atividades
e hipertensão sistêmica não-controlada (21,41). diárias normais. O “Duke Activity Status Index” e
História de infarto agudo do miocárdio nos últi- outras escalas de atividade fornecem ao clínico um
mos três a seis meses, de maneira geral, constitui-se conjunto de questões para determinar a capacidade
em fator de risco importante para eventos cardíacos funcional do paciente. Gasto de energia para ativida-
perioperatórios. Admite-se, hoje, que a presença de des como comer, vestir-se, andar dentro de casa e la-
miocárdio isquêmico e a disfunção ventricular esquerda var pratos pode alcançar de 1 a 4 METs. Subir um
sejam os mediadores desse risco aumentado. A pes- lance de escadas, andar no térreo a 6,4 km/h, correr
quisa dessas alterações, que deve ser realizada preco- curta distância, esfregar o chão ou jogar golfe variam
cemente no pós-infarto do miocárdio, é a chave para a entre 4 e 10 METs. Esportes enérgicos, como nadar,
avaliação de risco futuro. Se um teste de estresse re- jogar tênis e futebol, excedem 10 METs (21) .
cente não indica miocárdio residual em risco, a proba- O propósito da adição da capacidade funcional ao
bilidade de reinfarto após cirurgia não-cardíaca é bai- tipo de cirurgia e história cardíaca é ajudar a determi-
xa(41) . Embora não haja estudos clínicos adequados para nar o paciente que requer teste adicional para avalia-
confirmar tais recomendações, parece razoável que se ção do risco cardíaco. É importante salientar que paci-
espere a cicatrização do infarto agudo do miocárdio entes com risco cardíaco baixo e história negativa, que
(quatro a seis semanas) para a realização de cirurgias têm capacidade funcional pobre, também podem re-
não-cardíacas eletivas, sempre após adequada avalia- querer testes adicionais. No caso específico em dis-
ção do risco do paciente, por meio de testes específi- cussão, de síndromes isquêmicas agudas recentes, to-
cos (21) , que vão permitir a liberação do procedimento dos os pacientes, sempre que possível, devem ser es-
em prazo substancialmente menor, em relação aos seis tratificados e deve ser corrigida a eventual presença
meses anteriormente preconizados (41) . Da mesma for- de isquemia, antes de serem liberados para o procedi-
ma, pacientes com quadro de angina instável devem, mento não-cardíaco(41) , como se nota na Figura 1.
sempre que possível, ter seu quadro isquêmico rever-
tido, freqüentemente com a utilização de procedimen- continua na página 330
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 327
NICOLAU JC e cols.
Abordagem pré-operatória do paciente com síndrome isquêmica aguda recente
Figura 1. Passos para a estratégia de avaliação cardíaca pré-operatória.† Cuidados subseqüentes podem incluir
328 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
NICOLAU JC e cols.
Abordagem pré-operatória do paciente com síndrome isquêmica aguda recente
cancelamento ou atraso da cirurgia, revascularização coronária seguida por cirurgia não-cardíaca ou cuidados intensificados.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 329
NICOLAU JC e cols.
Abordagem pré-operatória do paciente com síndrome isquêmica aguda recente
330 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
NICOLAU JC e cols.
Abordagem pré-operatória do paciente com síndrome isquêmica aguda recente
During the 1970’s, several studies reported unstable angina or recent myocardial infarction as the most
important predictors of adverse outcomes for patients undergoing noncardiac surgery or major vascular
procedures.
Studies reported the risk of reinfarction or cardiac death ranging between 30-37% for patients operated on
within three months following an episode of unstable ischemic syndrome. The risk decreased to 11-16% when
the surgery was performed three to six months after the acute episode, and to 4-5% when the operation was
performed more than six months after the acute episode. More recent data indicated an important reduction of
risk rates due to the improvements in the surgical and anesthesiology fields.
Noninvasive tests are useful for preoperative cardiac risk assessment in patients with unstable angina or
acute myocardial infarction, being well demonstrated that inducible ischemia is a significant predictor of
perioperative events.
Preoperative coronary angiography is indicated for patients at high or intermediate cardiac risk, according
to noninvasive tests, or with unstable or refractory angina pectoris, or yet if the patient is to require urgent
noncardiac surgery.
At present, no randomized clinical trials have demonstrated whether or not prophylactic coronary
revascularization reduces the noncardiac surgery risk. However, some series have demonstrated that patients,
who previously have successfully undergone coronary artery bypass surgery or coronary angioplasty, have
similar mortality rates relatively to patients without evidence of coronary artery disease.
In the subgroup of patients with unstable ischemic syndromes, the indications for coronary artery bypass
surgery or transluminal coronary angioplasty (with or without stent), are the same as those utilized for patients
with coronary artery disease in general.
Key words: unstable angina, myocardial infarction, coronary artery disease, noncardiac surgery,
cardiovascular pre and perioperative assessment.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 331
NICOLAU JC e cols.
Abordagem pré-operatória do paciente com síndrome isquêmica aguda recente
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 333
ABORDAGEM DO PACIENTE ASSINTOMÁTICO DO PONTO DE VISTA
CARDIOLÓGICO E COM INDICAÇÃO DE REVASCULARIZAÇÃO
DE AORTA E SEUS RAMOS
A doença vascular acometendo a aorta e seus metidos a cirurgia vascular maior demonstram re-
ramos ocorre tipicamente em uma população de dução de risco de eventos cardiológicos nos paci-
idade avançada que tende a apresentar ateroscle- entes tratados com essa droga no período periope-
rose coronariana e outras doenças não cardíacas ratório.
associadas, aumentando seu risco cirúrgico. Mais de 80% dos infartos do miocárdio ocor-
A doença arterial coronária é a causa mais fre- rem durante o período pós-operatório, com pico de
qüente de morte após cirurgia vascular maior. Taxa incidência no terceiro dia. A detecção de lesão mi-
de mortalidade perioperatória de 0,9% a 5%, inci- ocárdica após cirurgia vascular é complicada pela
dência de infarto do miocárdio de 3,6% a 10% e alta prevalência de anormalidades eletrocardiográ-
34% de eventos cardíacos em pacientes de alto risco ficas e pela alta taxa de falsos positivos da enzima
podem ser esperados após cirurgia vascular eletiva. CK-MB. Alguns autores sugerem que as troponi-
Um dos objetivos da avaliação pré-operatória nas I e T podem melhorar a abordagem clínico-te-
é determinar se doenças associadas estão presen- rapêutica desses pacientes por identificar aqueles
tes e corrigi-las ou minimizá-las. Outro objetivo é que estão apresentando algum grau de dano mio-
detectar e quantificar a gravidade da doença arte- cárdico.
rial coronária e, então, estimar o risco cardíaco O infarto do miocárdio é a principal causa de
para a cirurgia proposta. Os algoritmos do Ameri- morte durante os primeiros cinco anos após cirur-
can College of Cardiology em conjunto com os da gia vascular. Todos os pacientes vasculares estão
American Heart Association e do American Colle- sob risco de apresentar eventos cardíacos tardios
ge of Physicians propõem uma abordagem especi- e, portanto, devem ser seguidos com controle rigo-
al, com avaliação cardíaca não-invasiva para es- roso dos fatores de risco e avaliação periódica da
ses pacientes. progressão da doença arterial coronária.
Trabalhos publicados que avaliam o efeito car- Descritores: período pós-operatório, doença is-
dioprotetor do betabloqueador em pacientes sub- quêmica do coração, cirurgia vascular.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:334-42)
RSCESP (72594)-986
334 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
DURAZZO AES e col.
Abordagem do paciente assintomático do ponto de vista cardiológico e com indicação de revascularização de aorta e seus ramos
rioperatória como a tardia após cirurgia vascular são impacto sobre a evolução. Como os pacientes vascu-
dependentes da doença arterial coronariana e suas com- lares são, em sua maioria, tabagistas ou ex-tabagistas,
plicações. a ocorrência de alteração da função pulmonar ou de
A sobrevida tardia após cirurgia vascular parece neoplasias pode ser mais freqüente nessa população
independer do diagnóstico da doença vascular de base: de alto risco. Grande porcentagem dos pacientes sub-
os pacientes com aneurisma de aorta abdominal, do- metidos a revascularização dos membros ou amputa-
ença vascular periférica obstrutiva e doença carotídea ção é portadora de diabete melito, que pode ser con-
têm taxa de sobrevida global semelhante. Observou- trolado com dieta, hipoglicemiantes orais ou insulina.
se que a incidência e a distribuição da doença arterial A hipertensão é comum nos pacientes vasculares. O
coronária são similares no aneurisma de aorta abdo- diabete e a hipertensão devem, preferencialmente, ser
minal, na doença carotídea e na doença vascular peri- controlados no período pré-operatório.
férica obstrutiva, o que pode explicar os padrões de Outro objetivo do período pré-operatório é detec-
sobrevida comparáveis nesses grupos tão díspares de tar e quantificar a gravidade da doença arterial coro-
pacientes com doença vascular. (1-7) nária e, então, estimar o risco cardíaco para a cirurgia
proposta. Em muitos casos, essa é a primeira oportu-
CIRURGIA VASCULAR nidade de o paciente ser avaliado por um cardiologis-
ta. Os pacientes vasculares freqüentemente têm evi-
A cirurgia vascular é habitualmente realizada para dência clínica da doença arterial coronária. Angina do
prevenção de acidente vascular cerebral, para salva- peito está presente em 27% a 50% dos pacientes, e
mento de membro ou prevenção de morte por rotura 33% a 44% apresentam história de infarto do miocár-
de aneurisma de aorta. O acidente vascular cerebral, o dio pregresso. Mas mesmo em pacientes vasculares
infarto do miocárdio pós-operatório e outras compli- com história cardiológica negativa e sem sintomas, a
cações, incluindo a morte, podem ocorrer durante e presença de doença coronariana deve ser suspeitada.(2)
após a cirurgia vascular. A prevalência e a gravidade da doença arterial co-
A Tabela 1 mostra as incidências esperadas de com- ronária em pacientes vasculares têm sido estimadas a
plicações em cirurgia vascular. (8, 9) partir de estudos nos quais todos os pacientes foram
submetidos a cineangiocoronariografia antes da cirur-
Tabela 1. Incidência de complicações em cirurgia gia vascular. O infarto do miocárdio foi responsável
vascular. por 56% a 69% da mortalidade após cirurgia vascular,
refletindo a associação comum entre doença arterial
Mortalidade operatória 0,9% a 5% coronária e doença vascular periférica.
Infarto agudo do miocárdio 3,6% a 10% A Tabela 2 demonstra a prevalência e a gravidade
Eventos cardíacos (morte e da doença arterial coronária nos pacientes vasculares.
infarto agudo do miocárdio
não-fatal) 34% em pacientes
de alto risco Tabela 2. Prevalência e gravidade da doença arterial
cardiológico coronária.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 335
DURAZZO AES e col.
Abordagem do paciente assintomático do ponto de vista cardiológico e com indicação de revascularização de aorta e seus ramos
A alta incidência de doença arterial coronariana dio com tálio e dipiridamol como preditor de compli-
assintomática é um dado importante porque o risco de cações cardíacas. Em um grupo de 48 pacientes sub-
eventos cardíacos correlaciona-se com a gravidade da metidos a cirurgia vascular periférica, 8 dos 16 com
doença arterial coronariana e é independente dos sin- hipocaptação transitória do radiofármaco (redistribui-
tomas. Conseqüentemente, todos os pacientes ção) no estudo cintilográfico pré-operatório apresen-
vasculares, mesmo aqueles assintomáticos para doen- taram eventos cardíacos, comparados com nenhum
ça arterial coronariana, devem ser considerados sob evento nos outros 32 pacientes com cintilografia pré-
risco de complicações cardíacas perioperatórias e de- operatória normal ou somente com hipocaptação per-
vem ser submetidos a avaliação perioperatória cuida- sistente. Desde seu estudo inicial, vários trabalhos si-
dosa.(10-17) milares têm confirmado a validade da relação entre
redistribuição e risco perioperatório de complicações
Avaliação cardiológica pré-operatória do paciente cardíacas. A Tabela 3 demonstra a comparação do ris-
vascular co perioperatório com a redistribuição na cintilografia
Esses dados sugerem que a população de pacien- do miocárdio com tálio e dipiridamol.
tes submetidos a operações vasculares, por constituí-
rem o grupo de maior risco de complicações cardio- Tabela 3. Risco de eventos perioperatórios em rela-
vasculares, deva receber atenção especial na avalia- ção ao número de segmentos de redistribuição da
ção perioperatória. De fato, a maioria dos algoritmos cintilografia do miocárdio com tálio e dipiridamol.
ou esquemas de avaliação de risco perioperatório já
publicados propõe estratégias especiais para identifi- Número de segmentos Risco de eventos
car esse grupo de pacientes, utilizando exames com de redistribuição perioperatórios
maior acurácia diagnóstica. Os pacientes com predi-
tores clínicos intermediários (angina do peito graus I 0 1%
ou II, infarto do miocárdio prévio diagnosticado por 2 ou mais 30%
história ou ondas Q patológicas no eletrocardiogra-
ma, insuficiência cardíaca prévia ou compensada e A sensibilidade para predizer eventos cardíacos foi
diabete melito) ou capacidade de exercício limitada, de 86% e a especificidade, de 57%. A despeito de sua
segundo o algoritmo do American College of Cardio- relativa alta sensibilidade, o uso clínico tem sido ques-
logy em conjunto com a American Heart Association, tionado pela baixa especificidade. Entre os pacientes
e os pacientes com risco intermediário que serão sub- com teste positivo, 70% não terão um evento cardía-
metidos a cirurgia vascular, segundo o algoritmo do co. Várias medidas têm sido desenvolvidas para me-
American College of Physicians, devem realizar lhorar a especificidade desse exame. As Tabelas 4 e 5
avaliação cardíaca não-invasiva antes da cirurgia, apresentam a relação quantitativa que tem sido de-
que inclui ecocardiograma com estresse farmaco- monstrada entre o número de segmentos de
lógico ou cintilografia do miocárdio com tálio e redistribuição, o número de territórios coronarianos
dipiridamol.(17, 18) envolvidos e o risco de eventos.
O estudo de perfusão com o tálio identifica, de for-
ma não-invasiva, áreas do miocárdio com fluxo san-
Tabela 4. Relação entre o número de segmentos de
guíneo insuficiente, um achado que aumenta o risco
redistribuição e o risco de eventos.
de complicações perioperatórias. Uma vez que o tálio
proporciona medida funcional do fluxo sanguíneo do
miocárdio, tem melhor potencial como preditor dos Número de segmentos
pacientes que estão sob alto risco comparado com o de redistribuição Risco de eventos
uso da arteriografia coronariana, que proporciona so-
mente informação anatômica. A finalidade principal 1 Próximo de zero
do tálio nos pacientes vasculares não é somente iden- 2a3 12%
tificar aqueles com doença arterial coronária, mas, tam- >4 36%
bém, identificar pacientes de alto risco para morbida-
de e mortalidade perioperatória, independentemente Conseqüentemente, o risco de complicações car-
da anatomia coronariana. díacas é relacionado não somente com a redistribui-
Em 1985, Boucher e colaboradores (19) publicaram ção, mas também ao número total de segmentos ou
o primeiro trabalho do uso da cintilografia do miocár- múltiplos territórios coronarianos envolvidos. A cinti-
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DURAZZO AES e col.
Abordagem do paciente assintomático do ponto de vista cardiológico e com indicação de revascularização de aorta e seus ramos
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DURAZZO AES e col.
Abordagem do paciente assintomático do ponto de vista cardiológico e com indicação de revascularização de aorta e seus ramos
ração pode ser reduzido pela modificação da estraté- Poldermans e colaboradores (9) testaram o efeito do
gia cirúrgica ou por medidas que melhorem a tolerân- bisoprolol em um grupo de pacientes de alto risco car-
cia cardíaca para o procedimento. Se o único sintoma diológico submetidos a cirurgia vascular maior. Os
for a claudicação intermitente, o tratamento clínico é pacientes randomizados para receber bisoprolol apre-
a alternativa mais segura. Para isquemia de membro, sentaram taxa de eventos de 3,4% contra 34% no gru-
angioplastia, aterectomia ou enxerto extra-anatômico po que recebeu tratamento habitual sem betabloquea-
são habitualmente mais seguros que um procedimen- dor, com redução de risco de eventos cardíacos de
to que requeira laparotomia. Quando um procedimen- 91%.(9)
to maior é inevitável, como o tratamento de aneuris-
ma de aorta grande ou sintomático ou para dor isquê- P ERÍODO INTRA -OPERATÓRIO
mica de repouso na doença oclusiva infra-inguinal, o
risco pode ser minimizado com preparação pré-opera- O objetivo do controle intra-operatório dos paci-
tória cuidadosa. entes com doença arterial coronariana é o de preven-
O papel do betabloqueador ção, detecção e tratamento da isquemia miocárdica,
Drogas que promovem o bloqueio dos receptores antes que lesões permanentes se instalem. Como já
beta-adrenérgicos previnem as complicações cardía- citado, a prevenção inicia-se no período pré-operató-
cas em pacientes com infarto agudo do miocárdio, is- rio.
quemia silenciosa e falência cardíaca. Todos os agentes inalatórios têm efeito inotrópico
O bloqueio dos receptores beta-adrenérgicos no negativo. Anestesia peridural ou raquidiana não de-
período perioperatório tem sido proposto para dimi- primem o miocárdio diretamente, mas podem estar
nuição do risco das complicações cardíacas periope- associadas com ansiedade e hipertensão no paciente
ratórias. O mecanismo protetor não é ainda totalmen- acordado ou bradicardia ou hipotensão devido ao blo-
te esclarecido. Vários mecanismos têm sido propos- queio simpático, o que pode aumentar o consumo mi-
tos: ocárdico de oxigênio. Em estudos prospectivos que
— diminuição do consumo de oxigênio pelo miocár- compararam a anestesia epidural com a geral, não hou-
dio por diminuição da freqüência cardíaca e da ve diferença na redução de complicações cardiológi-
contratilidade miocárdica, prevenindo a isquemia cas perioperatórias. (12, 13, 26, 33, 34)
miocárdica, reduzindo o tamanho do infarto ou Alterações durante o intra-operatório devem ser
ambos; tratadas porque em um coração isquêmico podem di-
— diminuição do consumo de oxigênio pelo miocár- minuir o fluxo coronariano e precipitar isquemia mio-
dio por supressão da lipólise, levando à maior me- cárdica. A terapêutica depende da causa. Fatores cau-
tabolização da glicose em relação aos ácidos gra- sais devem ser corrigidos assim que identificados. A
xos livres; hipertensão associada a taquicardia geralmente indica
— aumento da estabilidade das placas ateroscleróti- analgesia inadequada e é tratada com reforço anesté-
cas; sico. Por outro lado, alterações isquêmicas do eletro-
— aumento do limiar de fibrilação ventricular na pre- cardiograma acompanhadas de hipotensão podem ser
sença de isquemia. causadas por perda sanguínea, redução na resistência
Existem poucos trabalhos publicados que avaliam periférica pela liberação do clampeamento aórtico ou
o efeito cardioprotetor do betabloqueador em pacien- disfunção ventricular. As bradiarritmias (bradicardia
tes submetidos a cirurgia vascular maior. Entretanto, sinusal e ritmo juncional) podem ocorrer durante pe-
esses dados de literatura demonstram a redução de risco ríodos de estímulo vagais, respondendo à diminuição
de eventos cardiológicos nos pacientes tratados com do nível de anestesia ou administração de atropina ou
essa droga no período perioperatório. (9, 17, 27-32) beta-agonistas. As taquiarritmias podem ser expres-
Mangano e colaboradores (29) testaram o efeito do são da hipovolemia, vasodilatação ou sensibilização
atenolol comparado com o placebo em um grupo de do miocárdio às catecolaminas circulantes. As opera-
pacientes de baixo risco cardiológico submetidos a ções vasculares podem estar associadas com perda
cirurgia eletiva não-cardíaca. Os pacientes randomi- substancial de sangue e grandes variações do volume
zados para receber atenolol apresentaram taxa de mor- intravascular. Procedimentos vasculares podem envol-
talidade em relação ao grupo que recebeu tratamento ver o uso de anticoagulantes assim como de protami-
habitual sem betabloqueador de 0% contra 8% nos na, ambos podendo apresentar reações adversas. A
primeiros seis meses, 3% contra 14% no primeiro ano necessidade de transfusão maciça durante cirurgia vas-
e 10% contra 21% ao final de dois anos. (29) cular da aorta e de seus ramos aumenta a possibilida-
338 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
DURAZZO AES e col.
Abordagem do paciente assintomático do ponto de vista cardiológico e com indicação de revascularização de aorta e seus ramos
de de coagulopatia dilucional assim como de compli- car aqueles que estão apresentando algum grau de dano
cações agudas ou crônicas relacionadas com a própria miocárdico. Além do valor diagnóstico de marcador
transfusão. A duração da operação pode estar associa- de isquemia miocárdica, a detecção de níveis eleva-
da a complicações, como hipotermia e aumento do ris- dos de troponina são indicadores de mau prognóstico
co de complicações pulmonares e cardíacas. a longo prazo nesse grupo de pacientes. (37,38)
Não existem métodos confiáveis para a detecção
da isquemia miocárdica no paciente anestesiado, ten- Hipertensão arterial sistêmica
do o ecocardiograma transesofágico sido proposto A hipertensão arterial sistêmica ocorre mais habi-
como possível método para sua detecção. tualmente com a interrupção da ventilação com pres-
A despeito da evidência de que a isquemia silenci- são positiva ou na sala de recuperação. Os fatores pre-
osa é freqüente durante cirurgias vasculares, o infarto cipitantes mais comuns incluem: sobrecarga volumé-
do miocárdio intra-operatório não é comum, indican- trica, hipoxemia, ansiedade e dor. A abordagem tera-
do os efeitos benéficos da adequada monitorização pêutica mais adequada inclui oxigenação adequada,
hemodinâmica para esse grupo de pacientes. Porém, controle da dor e do balanço hídrico com uso de diuré-
não se pode descartar a possibilidade de subdiagnósti- ticos, se necessário. Para hipertensão arterial sistêmi-
co do infarto do miocárdio intra-operatório. (12, 13, 26) ca mais severa, o nitroprussiato e o betabloqueador
são as medicações preferidas. A hidralazina endove-
P ERÍODO PÓS- OPERATÓRIO nosa em baixas doses é efetiva, mas pode precipitar
taquiarritmias supraventriculares. (17,26)
Infarto do miocárdio
Mais de 80% dos infartos ocorrem durante o perí- Insuficiência cardíaca congestiva
odo pós-operatório, com pico de incidência no tercei- Apesar de a insuficiência cardíaca congestiva pós-
ro dia. Alguns trabalhos demonstram que a combina- operatória poder ser causada por infarto ou isquemia
ção de eletrocardiograma e dosagens de CK-MB seri- do miocárdio, grande parte dos casos está relacionada
adas é capaz de detectar muitos infartos nas primeiras diretamente com administração de fluidos em exces-
24 horas de pós-operatório. A monitorização so. A insuficiência cardíaca congestiva tende a ocor-
eletrocardiográfica contínua tem mostrado que 40% rer após a interrupção da ventilação com pressão-po-
dos pacientes desenvolvem alterações isquêmicas no sitiva e novamente 24 a 48 horas após a operação, quan-
pós-operatório, com forte correlação com infartos sub- do o líquido administrado no período perioperatório é
seqüentes. Como a isquemia é silenciosa e o infarto mobilizado dos sítios extravasculares. Os diuréticos
ocorre quando a maioria dos pacientes já deixou a endovenosos e raramente os digitálicos são a terapia
unidade de terapia intensiva, muitos episódios de suficiente para a insuficiência cardíaca congestiva pós-
isquemia e dano miocárdico não são detectados, a operatória relacionada aos fluidos. (17, 26)
menos que as medidas de rotina acima citadas sejam
realizadas. A ocorrência do infarto alguns dias após a Arritmias pós-operatórias
cirurgia, quando a maioria dos pacientes está São comuns e geralmente são manifestações de
hemodinamicamente estável, sugere que este deve ser uma complicação não-cardíaca, como sangramento, in-
conseqüência de múltiplos fatores, incluindo fecção ou desequilíbrio ácido-básico ou eletrolítico.
hipercoagulabilidade por ativação plaquetária, anemia, Para o tratamento dessas arritmias, geralmente é ne-
ansiedade, febre, atelectasia, taquicardia sinusal e hi- cessário o reconhecimento e a correção dos fatores
pertensão. A equipe médica pós-operatória deve estar extracardíacos.
ciente da freqüência e da importância da isquemia si- Taquicardia sinusal
lenciosa e estar preparada para reconhecer e tratar pron- É a arritmia mais comum no pós-operatório. Vári-
tamente essas alterações fisiológicas que causam as etiologias não-cardíacas estão relacionadas: dor,
isquemia antes que o infarto se instale. (12, 13, 17, 26, 35, 36) hipovolemia, hipervolemia, febre, anemia, hipoxemia,
A detecção de lesão miocárdica após cirurgia êmbolo pulmonar, ansiedade, infecção, hipotensão e
vascular é complicada pela alta prevalência de anor- anormalidades eletrolíticas (especialmente a
malidades eletrocardiográficas e pela alta taxa de fal- hipocalemia). O tratamento está baseado no reconhe-
sos positivos da CK-MB. Dados de literatura têm su- cimento e na correção do fator precipitante.
gerido que os novos marcadores de lesão cardíaca, in- Fibrilação atrial
cluindo a troponina I e T, podem melhorar a aborda- É também comum no pós-operatório. Precipitantes
gem clínico-terapêutica desses pacientes por identifi- não-cardíacos: pneumonia, atelectasias, êmbolo pul-
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DURAZZO AES e col.
Abordagem do paciente assintomático do ponto de vista cardiológico e com indicação de revascularização de aorta e seus ramos
monar. Digitálicos, verapamil ou betabloqueador po- nados com eventos cardíacos perioperatórios, mas têm
dem ser usados para controle da freqüência ventricular. demonstrado forte correlação com a sobrevida a lon-
A cardioversão (medicamentosa ou elétrica) é adiada go prazo. Após reconstrução vascular com sucesso,
até que os fatores precipitantes sejam eliminados. pacientes que previamente não apresentavam sintomas
“Flutter” atrial de doença arterial coronária, por sua restrição física,
É pouco tolerado pela freqüência ventricular rápi- modificam o estilo de vida e aumentam o grau de ati-
da e pelo difícil controle farmacológico. A cardioversão vidade física a ponto de desenvolverem angina. Por
elétrica é o tratamento de escolha. (17, 26, 39) causa da prevalência de isquemia silenciosa, todos os
pacientes vasculares, sintomáticos ou assintomáticos,
ACOMPANHAMENTO A LONGO PRAZO estão sob risco de apresentar eventos cardíacos tardi-
os e, portanto, devem ser seguidos com controle rigo-
O infarto do miocárdio é a principal causa de mor- roso dos fatores de risco e avaliação periódica da pro-
te durante os primeiros cinco anos após cirurgia vas- gressão da doença arterial coronária para, assim, ofe-
cular. A disfunção ventricular e a presença de defeitos recer melhor qualidade de vida e longevidade após
fixos na cintilografia do miocárdio não estão relacio- cirurgia vascular maior. (6, 12, 26, 40)
Vascular disease typically affects an older population which tends to have associated coronary atherosclerosis
and other associated illnesses that increases its surgical risks. Coronary artery disease has been the most
common cause of death after major vascular surgery. Rates from 0,9% to 5% for operative mortality, 3,6% to
10% for postoperative myocardial infarction and a 34% for all cardiac events in a cardiac high risk population
were related after elective vascular surgery.
One goal of preoperative clinical evaluation is to determine whether associated conditions are present and
correct or minimize them. Another one is to detect and to quantify the severity of coronary artery disease and
thereby to estimate the cardiac risk of the proposed surgery. American College of Cardiology and the American
Heart Association and American College of Physicians guidelines for the preoperative cardiovascular evaluation
propose a special approach for those patients scheduled for vascular surgery with a noninvasive cardiac evaluation
before surgery.
Trials evaluating the cardioprotective effect of beta-blockers on the incidence of serious cardiac events after
vascular surgery showed a reduction in this risk.
More than 80% of myocardial infarctions occur during the postoperative period, with the peak incidence
being on the third day. Detection of myocardial injury after noncardiac surgery is complicated by the high
prevalence of electrocardiographic abnormalities and the high false positive rate of creatine kinase in this
setting. Some data have suggested that cardiac troponin I and T, might improve management of patients by
identifying those who were having or were at risk for cardiac complications.
Myocardial infarction is the primary cause of death during the first 5 years after a vascular procedure. All
vascular patients are at risk for developing late cardiac morbidity and therefore should be followed with strict
control of risk factors and periodic assessment of the progression of their coronary artery disease.
Key words: perioperative care, coronary artery disease, vascular surgical procedures.
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DURAZZO AES e col.
Abordagem do paciente assintomático do ponto de vista cardiológico e com indicação de revascularização de aorta e seus ramos
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DURAZZO AES e col.
Abordagem do paciente assintomático do ponto de vista cardiológico e com indicação de revascularização de aorta e seus ramos
342 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA DE PACIENTES COM
DOENÇA CARDÍACA VALVAR
OSWALDO CESAR ALMEIDA -FILHO, A NDRÉ SCHMIDT, ANTÔNIO P AZIN-FILHO, BENEDITO CARLOS MACIEL,
JOSÉ ANTÔNIO MARIN -NETO
Divisão de Cardiologia — Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto — Universidade de São Paulo
Endereço para correspondência: Av. Bandeirantes, 3900 — Campus Universitário Monte Alegre — CEP 14040-000 —
Ribeirão Preto — SP
As valvopatias graves são marcadores clínicos rização invasiva são úteis em todas as situações para
maiores de risco cardíaco em pacientes submetidos a identificação e correção precoce de desvios, tais como
cirurgia não-cardíaca. A magnitude do risco cardía- hipotensão arterial sistêmica, taqui e bradiarritmias.
co é dependente da interação de diferentes fatores, A avaliação pré-operatória baseia-se, primordi-
incluindo o tipo de procedimento cirúrgico não-car- almente, na história clínica e no exame físico criterio-
díaco proposto, o grau de urgência do mesmo, e o tipo sos. Exames complementares, invasivos ou não, de-
e a gravidade da valvopatia envolvida. vem ser solicitados apenas quando seus resultados
A estenose aórtica grave e/ou sintomática é um podem ter implicações diretas na condução do caso.
preditor de risco cardíaco consensualmente aceito Ressalta-se a importância da profilaxia para endocar-
como indicativo, em muitas circunstâncias, da neces- dite bacteriana em todos os pacientes com próteses
sidade de troca valvar ou valvoplastia por balão an- valvares ou lesões valvares adquiridas, mesmo de
tes da cirurgia não-cardíaca proposta. Aos pacientes menor gravidade, que sejam expostos a bacteremia.
com diagnóstico de estenose mitral grave, também se Finalmente, considera-se a terapêutica anticoagulan-
indica, com freqüência, intervenção prévia para alí- te nos portadores de próteses valvares submetidos a
vio do gradiente diastólico entre átrio e ventrículo procedimentos com risco de hemorragia, sendo reco-
esquerdos, reduzindo a congestão pulmonar. mendada a substituição do anticoagulante oral, tem-
As lesões regurgitantes geralmente são passíveis porariamente, por heparina.
de controle clínico com medidas de redução da pós- Descritores: valvopatia cardíaca, cirurgia não-
carga iniciadas no pré-operatório e mantidas no in- cardíaca, profilaxia de endocardite infecciosa, avali-
tra- e pós-operatório. Medidas agressivas de monito- ação pré-operatória.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:343-50)
RSCESP (72594)-987
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 343
ALMEIDA-FILHO OC e cols.
Avaliação pré-operatória de pacientes com doença cardíaca valvar
or que 2,0 mg/dl. É provável que a exclusão dos pro- tório; a maioria (71%) foi submetida a monitorização
cedimentos de emergência na investigação mais recente invasiva, envolvendo cateter intra-arterial sistêmico e
explique, pelo menos em parte, a ausência da estenose pulmonar, pressão venosa central e oximetria de pul-
aórtica, assim como de outros marcadores identifica- so. Especulou-se, também, que o pronto controle de
dos no primeiro estudo, tais como idade avançada e hipotensão arterial sistêmica durante a cirurgia e a rí-
arritmias cardíacas significativas. O aprimoramento da gida monitorização de todos os parâmetros hemodi-
abordagem clínica perioperatória desses pacientes tam- nâmicos e gasosos sanguíneos permitiram otimização
bém deve ter influenciado os resultados desse estudo do atendimento ao paciente, reduzindo, conseqüente-
mais recente. mente, as chances de complicações maiores.
São relativamente raros, na literatura, especialmen- O tipo e a urgência do procedimento cirúrgico não-
te quando comparados às publicações relativas à cardíaco proposto são importantes para gradação do
isquemia miocárdica, estudos envolvendo avaliação de risco ao qual o cardiopata será exposto. Complicações
valvopatias previamente a cirurgias não-cardíacas (4) . cardíacas são duas a cinco vezes mais freqüentes em
Ainda mais escassos são os relatos referentes à estenose cirurgias de urgência em relação a procedimentos
mitral grave, o que talvez se justifique pela baixa eletivos. (7)
prevalência dessa modalidade de lesão nos países do Os procedimentos cirúrgicos podem ser didatica-
Primeiro Mundo. Considerando-se, ainda, que a mente classificados, quanto ao risco cardíaco, em três
estenose mitral de etiologia reumática, tão freqüente níveis: alto, intermediário e baixo. No grupo de alto
entre nós, afeta pacientes mais jovens, e que a inci- risco estão incluídas as grandes cirurgias de emergên-
dência de procedimentos cirúrgicos não-cardíacos au- cia, principalmente em idosos; procedimentos na aorta
menta com a idade, provavelmente a seleção dos paci- e outras abordagens vasculares de grande porte; e, ain-
entes incluídos nos grandes estudos, geralmente aci- da, procedimentos cirúrgicos prolongados associados
ma de 40 anos (2) ou 50 anos (3) , encontra o grupo de com grandes variações hidroeletrolíticas e/ou perda
estenose mitral já como portadores de próteses sanguínea. Entre os procedimentos que envolvem ris-
valvares, negligenciando-se, portanto, a doença de co intermediário incluem-se endarterectomia de
base. carótida, cirurgias de cabeça e pescoço, procedimen-
A integração entre o clínico responsável pela ava- tos intraperitoneais ou intratorácicos, e cirurgias orto-
liação pré-operatória e os demais profissionais envol- pédicas e de próstata. No grupo de baixo risco estão
vidos no procedimento, anestesista, cirurgião e inten- os procedimentos endoscópicos, procedimentos super-
sivista, é crítica para o melhor resultado final. Os cui- ficiais, e cirurgias de catarata e mamas. No estudo
dados especiais envolvem tanto a fase pré-operatória, publicado por Goldman e colaboradores (2) foram ex-
com eventuais ajustes ou troca de medicações, indica- cluídos da casuística, entre outros, os pacientes sub-
ção prévia de procedimentos terapêuticos, tais como metidos a ressecções prostáticas transuretrais, basea-
angioplastias, valvoplastias e revascularizações mio- dos na observação de que tais procedimentos são con-
cárdicas cirúrgicas, que podem determinar o adiamento siderados seguros em idosos cardiopatas (8) . Conside-
da cirurgia não-cardíaca proposta, assim como cuida- ram-se procedimentos de alto risco aqueles em que a
dos críticos no intra- e no pós-operatório, incluindo probabilidade de complicações cardíacas é maior que
monitorização intravascular, visando à identificação e 5%, o risco intermediário é de 1% a 5% e o baixo risco
à correção precoces de eventuais instabilizações he- é inferior a 1% (1) .
modinâmicas. Mangano e colaboradores(5) consideram A história clínica e o exame físico criteriosos
o pós-operatório imediato o período de maior risco associados ao eletrocardiograma, geralmente, são
cardíaco de todo o perioperatório. suficientes para responder a maioria das questões
Em estudo recente, Torsher e colaboradores (6) ava- na avaliação pré-operatória(4) . A análise dos dados
liaram 19 pacientes adultos portadores de estenose clínicos, quando considerada em conjunto com o
aórtica grave (gradiente sistólico médio ventrículo es- tipo de procedimento cirúrgico não-cardíaco pro-
querdo-aorta maior que 50 mmHg) submetidos a 28 posto e seu grau de emergência, permite estabele-
procedimentos cirúrgicos não-cardíacos sem prévia cer o grau de risco (alto, médio ou baixo) de com-
troca valvar ou valvoplastia por balão. Curiosamente, plicações cardíacas. É aconselhável que apenas pro-
os pacientes apresentaram baixos índices de compli- cedimentos diagnósticos que resultem em alguma
cações, o que foi interpretado pelos autores como de- mudança de postura na condução do paciente se-
corrente do ótimo padrão de cuidados aos quais esses jam recomendados, evitando-se a realização de exa-
pacientes foram submetidos no intra- e no pós-opera- mes precoces onerosos que não adicionam infor-
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ALMEIDA-FILHO OC e cols.
Avaliação pré-operatória de pacientes com doença cardíaca valvar
mações diagnósticas substanciais (1) . nos quais a reduzida reserva miocárdica pode ser in-
Geralmente, pacientes considerados de baixo ris- suficiente para superar o estresse determinado pelo
co são submetidos a cirurgia não-cardíaca proposta procedimento cirúrgico, resultando em complicações
apenas com dados obtidos em sua história clínica, no severas, devem-se considerar as indicações de troca
exame físico e no eletrocardiograma. Por outro lado, valvar antes do procedimento.
os pacientes de alto risco são submetidos a testes di- Recomenda-se a avaliação do desempenho do
agnósticos não-invasivos ou invasivos que possam adi- ventrículo esquerdo por ecocardiografia ou angiografia
cionar informações que garantam maior segurança à nuclear naqueles indivíduos com história de insufici-
intervenção proposta. Em contrapartida, nos pacien- ência cardíaca, nos quais as funções sistólica e
tes classificados como de risco intermediário, as con- diastólica não sejam previamente conhecidas (1) . A ava-
dutas são menos definidas, em decorrência da ausên- liação da função ventricular de rotina em todos os pa-
cia de estudos com número suficiente de pacientes que cientes não está fundamentada em estudos clínicos.
permitam estabelecer recomendações homogêneas. Na avaliação dos sopros, quando há dúvida sobre
Nesses casos, uma análise das características clínicas sua etiologia, para investigar a gravidade da valvopatia
deve nortear a indicação dos exames complementa- ou, ainda, na avaliação funcional de próteses valvares,
res. a Doppler-ecocardiografia é o método de escolha a ser
Em pacientes cardiopatas valvares, a identificação utilizado(9) .
e a interpretação correta de sopros revestem-se de gran-
de importância. O sopro, refletindo significativa tur- ENDOCARDITE INFECCIOSA
bulência intracardíaca, é um dos sinais mais freqüen-
tes de valvopatia, mas deve inicialmente ser diferenci- A endocardite infecciosa é uma séria complicação,
ado da não incomum manifestação de fenônemos associada a morbidade e mortalidade elevadas, à qual
hemodinâmicos fisiológicos, que podem caracterizar os pacientes portadores de valvopatias e próteses esta-
o sopro inocente ou funcional. Os sopros diastólicos rão expostos quando submetidos a procedimentos ci-
muito dificilmente são funcionais, e quase sempre re- rúrgicos passíveis de provocar bacteremia(10) . A indi-
sultam de doenças cardíacas orgânicas que devem ser cação de profilaxia para endocardite infecciosa
investigadas; as mais freqüentes são a insuficiência independe dos critérios de gravidade do risco cardía-
aórtica e a estenose mitral. Sopros sistólicos indicativos co discutidos anteriormente, pois deve ser feita mes-
de doença valvar associam-se quase sempre a estenose mo em lesões valvares leves. Insuficiência aórtica leve
aórtica ou pulmonar. secundária a degeneração valvar, muito freqüente em
A correta identificação etiopatogênica dos sopros idosos e habitualmente associada a ótima evolução
é importante para a recomendação básica inicial, bem clínica, pode transformar-se em endocardite com séri-
como para a recomendação de profilaxia de endocardite as conseqüências para o paciente. Portanto, o cuidado
infecciosa e, posteriormente, para a seleção de paci- de indicar o uso de antibióticos profiláticos de modo
entes que necessitam de avaliação quantitativa da se- correto antes dos procedimentos com risco de
veridade das lesões valvares. bacteremia nos pacientes com condições
As indicações para investigação e tratamento das predisponentes deve ser sempre ressaltado.
valvopatias nos pacientes candidatos a cirurgia não- A profilaxia da endocardite deve sempre ser
cardíaca são semelhantes aos pacientes em geral e são indicada nas condições consideradas de alto risco e
discutidas em recente consenso publicado pelas soci- moderado risco descritas na Tabela 1 e é desnecessá-
edades norte-americanas de Cardiologia (1,9) . ria nas condições de baixo risco ali descritas (9) .
As lesões estenóticas sintomáticas associam-se a Apesar da recomendação clara indicando a
risco de insuficiência cardíaca ou choque no período profilaxia de endocardite em todos os pacientes com
perioperatório, requerendo, freqüentemente, interven- valvopatias adquiridas (risco moderado), observamos,
ções de valvoplastia por balão ou troca valvar antes da na prática diária, que os portadores de estenose mitral
cirurgia não-cardíaca, para reduzir esse risco. As le- pura dificilmente apresentam essa complicação, tal-
sões regurgitantes são, geralmente, mais bem tolera- vez pelo relativo baixo gradiente encontrado na diástole
das e requerem apenas rígido controle das condições entre o átrio e o ventrículo esquerdo.
de volemia, freqüência cardíaca, pré- e pós-carga no Existem revisões e artigos específicos sobre o re-
intra- e no pós-operatório. Nos casos associados à de- gime de administração dos antibióticos na profilaxia
pressão significativa do desempenho sistólico do de endocardite. Em resumo, devem ser utilizados an-
ventrículo esquerdo (fração de ejeção menor que 35%), tibióticos bactericidas que sejam eficientes contra os
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ALMEIDA-FILHO OC e cols.
Avaliação pré-operatória de pacientes com doença cardíaca valvar
agentes patógenos potenciais presentes na flora local estenose aórtica é especiamente importante, visto que
da região a ser manipulada (por exemplo, boca ou uma área de 1,0 cm² pode ser funcionalmente grave
orofaringe — estreptococos; trato genitourinário ou em paciente de grande porte físico, enquanto uma área
trato gastrointestinal baixo — enterococos ou outro de 0,7 cm² pode não ser funcionalmente grave em pa-
agente Gram-negativo), obedecendo-se as recomen- ciente de menor porte. O consenso sobre valvopatias
dações consensuais publicadas.(9,10) publicado em 1998(9) pela duas sociedades norte-ame-
ricanas de Cardiologia estabelece como grave a
ESTENOSE AÓRTICA estenose aórtica com área valvar menor ou igual a 1,0
cm² e reafirma que em corações com função sistólica
A valva aórtica normal, quando aberta, apresenta normal deve-se esperar gradiente sistólico médio maior
área que varia de 3,0 cm² a 4,0 cm². Sabe-se que essa que 50 mmHg. Estabelece também que os valores ab-
área pode experimentar redução para cerca de um quar- solutos de área valvar e gradiente sistólico não devem
to desses valores máximos, sem que ocorram ser utilizados como determinantes primários para a
significantes alterações funcionais (11,12). Portanto, uma indicação de troca valvar. Nesse grupo de pacientes, a
área valvar de 0,75 cm² a 1,0 cm² nem sempre é consi- presença de sintomas é elemento indispensável para
derada crítica. Conceitualmente, considera-se estenose se definir a decisão terapêutica, em muitas circunstân-
aórtica grave quando encontramos área menor que 0,75 cias.
cm². Quando a função sistólica é normal, essa altera- Há virtual consenso sobre o risco elevado que re-
ção associa-se a gradiente sistólico médio entre o presenta a estenose aórtica severa nos pacientes can-
ventrículo esquerdo e a aorta maior que 50 mmHg. As didatos a procedimentos cirúrgicos não-cardíacos (1, 2)
medidas de área e gradientes, realizadas por meio dos A presença de barreira fixa ao esvaziamento do
estudos hemodinâmicos invasivos, apresentam ótima ventrículo esquerdo limita a capacidade de adaptação
correlação com os dados obtidos pela Doppler do coração aos eventuais estresses desencadeados pelo
ecocardiografia, desde que respeitadas as condições ato cirúrgico, resultando em alto risco de falência
ideais de janela ecocardiográfica e equipamentos apro- ventricular sistólica e congestão pulmonar. A
priados (9) . A presença de sintomas no portador de hipertrofia ventricular que acompanha a estenose
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Avaliação pré-operatória de pacientes com doença cardíaca valvar
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Avaliação pré-operatória de pacientes com doença cardíaca valvar
cerina e hidralazina. Em contraste com o que ocorre do seu esvaziamento e podendo, conseqüentemente,
na estenose mitral, os portadores de insuficiência mascarar depressões de contratilidade, pois a fração
aórtica beneficiam-se das freqüências cardíacas mais de ejeção pode permanecer normal ou pouco diminu-
elevadas, uma vez que o encurtamento da diástole ten- ída, enquanto, na verdade, a reserva funcional do
de a reduzir o volume regurgitante da aorta para o ventrículo esquerdo está comprometida (17) . Portanto,
ventrículo. Por outro lado, a bradicardia é desfavorá- pequenas reduções da fração de ejeção, nesses indiví-
vel, por aumentar o tempo da diástole e também o vo- duos, representam significativas depressões do desem-
lume regurgitante. penho sistólico.
É fundamental a investigação etiológica da
regurgitação valvar, já que o mesmo determinante dessa PRÓTESES VA LVARES CARDÍACAS
lesão pode ter conseqüências adicionais que influen-
ciam o risco cirúrgico. Portadores de próteses biológicas e metálicas de-
A sobrecarga volumétrica ventricular esquerda é vem receber profilaxia para endocardite antes de pro-
também a principal conseqüência fisiopatológica da cedimentos invasivos que provoquem bacteremia.
insuficiência valvar mitral. Medidas de redução da pós- Adicionalmente, é muito importante, na avaliação
carga e uso de diuréticos devem ser adotados no pré- pré-cirúrgica desse grupo de pacientes, o ajuste da
operatório dos procedimentos cirúrgicos não-cardía- medicação anticoagulante. Antes de procedimentos que
cos, visando ao equilíbrio hemodinâmico otimizado envolvam risco de hemorragia, a medicação
durante a cirurgia. Dependendo da situação, deve-se anticoagulante deve ser suspensa vários dias antes da
recorrer à monitorização invasiva intra- e pós-opera- cirurgia proposta, sendo substituída pela heparina. A
tória para garantir ao paciente estabilidade heparina tem meia-vida curta, e pode ser utilizada até
hemodinâmica. o mais próximo possível do ato cirúrgico. Após a ci-
A avaliação do desempenho sistólico do ventrículo rurgia, pode ser reiniciada assim que o risco de he-
esquerdo pela fração de ejeção nos portadores de in- morragias diminuir. Antes da alta hospitalar, o
suficiência mitral grave deve ser analisada cautelosa- anticoagulante oral pode ser reiniciado (18) .
mente. A regurgitação mitral representa, funcionalmen- Para procedimentos cirúrgicos menores, nos quais
te, uma segunda via de saída para o ventrículo esquer- o risco de hemorragia também é pequeno, é possível a
do. Essa via comunica-se com o átrio esquerdo e as redução dos anticoagulantes orais para níveis
veias pulmonares, territórios de baixa resistência que subterapêuticos durante o procedimento, retornando à
oferecem ao ventrículo pós-carga reduzida, facilitan- dose normal após sua realização.
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ALMEIDA-FILHO OC e cols.
Avaliação pré-operatória de pacientes com doença cardíaca valvar
OSWALDO CESAR ALMEIDA -FILHO, ANDRÉ SCHMIDT , ANTÔNIO PAZIN-FILHO, BENEDIT O CARLOS MACIEL,
JOSÉ ANTÔNIO MARIN-NET O
Valvular heart disease is associated with increased risk of cardiovascular complications during noncardiac
surgery. The magnitude of this excess risk correlates with several factors, including: type of surgical procedure,
the degree of clinical urgency and the severity of the cardiac valvar disease.
Severe or symptomatic aortic stenosis is consensually viewed as a high risk predictor of cardiovascular
complications. Thus, in most clinical circumstances, before the noncardiac surgery is performed, it is
recommended balloon valvuloplasty or surgical valve replacement. In patients with severe mitral stenosis balloon
valvuloplasty is usually indicated for reduction of the transvalvular gradient and amelioration of the pulmonary
congestion, before the noncardiac surgery can be more safely done.
Regurgitant lesions are more commonly amenable to clinical control measures to reduce the ventricular
afterload, that should be initiated in the preoperative period and sustained throughout the operative and
postoperative phases. Intravascular rigorous monitoring is useful in most situations for identification and early
correction of common hemodynamic derangements such as hypotension, as well as rhythm disturbances such
as tachy or bradiarrhythmias. Preoperative evaluation of patients is based essentially in the clinical history and
careful physical examination. Invasive or non-invasive laboratory evaluation is indicated only when its results
are likely to yield relevant data for medical management of the patients.
It is important to emphasize the mandatory prophylaxis of infective endocarditis in all patients with acquired
valvar lesions or valvar prosthesis, even when not hemodinamically severe, because of the risk of bacteremia
during the surgical procedure. Also, patients on oral anticoagulant therapy should have their warfarin
discontinued and temporarily replaced by heparin when undergoing surgical procedures likely to impose high
risk of bleeding.
Key words: valvular heart disease, noncardiac surgery, perioperative evaluation, infectious endocarditis
prophylaxis.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 349
ALMEIDA-FILHO OC e cols.
Avaliação pré-operatória de pacientes com doença cardíaca valvar
350 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
ABORDAGEM PRÉ-OPERATÓRIA DE PACIENTES EM USO DE
ANTICOAGULANTES E ANTIAGREGANTES PLAQUETÁRIOS
RICARDO M ANRIQUE
O uso de anticoagulantes e antiplaquetários ex- Entretanto, o risco hemostático também está presen-
pandiu-se nos últimos 10 anos, com novos métodos te, especialmente quando controlar uma hemorragia
não-invasivos permitindo o diagnóstico da trombose é indispensável, como num ato cirúrgico. A presente
venosa e dos quadros isquêmico-necróticos. O uso de revisão aborda esse problema: o preparo do paciente
drogas mais bem toleradas, com aplicação única e com anticoagulado ou em uso de antiplaquetários que ne-
menor incidência de efeitos colaterais explica a ex- cessita de cirurgia, seja no cenário emergencial ou
pansão dos anticoagulantes. A disponibilidade, o bai- eletivo. A primeira providência é descobrir, na anam-
xo custo do ácido acetilsalicílico e a ampla divulga- nese, o uso dessas drogas. A segunda, contar com um
ção de suas virtudes reduzindo o risco de quadros is- laboratório capaz de realizar as provas necessárias
quêmico-trombóticos incentivaram sua indicação pelo para identificar a intensidade do efeito das drogas e
médico, mas também a automedicação. O conceito da indicar as medidas de correção dessas alterações far-
aterotrombose e as novas técnicas de tratamento das macológicas, buscando o menor risco hemostático. O
oclusões vasculares incorporaram novas drogas na objetivo dessas medidas é assegurar hemostasia efici-
prevenção e terapia da hiperatividade plaquetária. Por ente, evitando a hiperatividade, por um fenômeno de
outro lado, a maior potência e o efeito imediato dessas rebote, dos fatores pró-trombóticos.
drogas também aumentaram o risco de hemorragia. Descritores: anticoagulantes, antiplaquetários,
Os benefícios da redução da atividade dos meca- pré-operatório, preparo para cirurgia cardíaca, pré-
nismos envolvidos na trombose são incontestáveis. operatório de cirurgia não-cardíaca.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:351-60)
RSCESP (72594)-988
352 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
MANRIQUE R
Abordagem pré-operatória de pacientes em uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários
protamina só está autorizado em caso de complicação ponto de ação hepático e seu efeito é revertido em
hemorrágica antes da cirurgia, e impossibilita a inter- período menor. A femprocumona, um dicumaríni-
venção imediata com circulação extracorpórea. Em se co, pela maior afinidade hepática, tem efeito com
tratando de emergência, o ato cirúrgico pode ser reali- duração mais prolongada. O período necessário
zado, considerando os riscos e o benefício. Mas sem- para essa reversão dura de 5 a 14 dias, dependendo
pre será um atitude excepcional. da capacidade endógena para produzir e da oferta
A plaquetopenia induzida pelo uso de heparina é exógena de vitamina K e da função hepática. O
uma complicação que implica avaliação cuidadosa do efeito dos anticoagulantes orais será mais intenso
caso. Deve-se suspender a heparina, que pode causar no subgrupo de pacientes com disfunção hepática
hemorragia secundária à plaquetopenia, trombose ar- e a recuperação, mais lenta. Assim, há casos nos
terial pelo chamado trombo branco (formação de quais o período acima é superado. Nesses pacien-
macroagregado de plaquetas) ou trombose venosa pro- tes, quando a indicação é de cirurgia de emergên-
funda. A seguir, deve-se reiniciar imediatamente a cia, sua condição cardiológica é incompatível com
anticoagulação oral (especialmente se o paciente é período de espera tão prolongado. Nessas circuns-
portador de válvula cardíaca protética mecânica). Além tâncias, deve-se oferecer uma alternativa terapêu-
disso, pode-se usar prednisona, 40 a 60 mg/dia, tanto tica compatível com a condição clínica. Essa é a
pelo efeito antiinflamatório como pelos efeitos indicação paro o uso de vitamina K, com o objeti-
imunossupressor e estímulo medular para a maturação vo de reversão rápida.
de megacariócitos.
A realização de plasmaferese depende da intensi- REVERSÃO DO EFEITO DO
dade do quadro e a transfusão de plaquetas só está ANTICOAGULANTE ORAL
indicada em caso de hemorragia ativa grave. Esses
procedimentos estão contra-indicados como forma de Por razões didáticas, o procedimento será dividido
tratamento preventivo, pois podem produzir aumento em dois:
do risco trombótico plaquetário e têm importante efeito 1) cirurgias eletivas; e
imunoativador da plaqueta. 2) cirurgias de emergência ou em pacientes que não
Com o uso de hirudina recombinada (Lepirudin®) têm condições cardiológicas para esperar a rever-
ou sulfato de heparan (Danaparoid®), em pacientes com são passiva do efeito do anticoagulante oral.
quadros vaso-oclusivos ou contra-indicação para Numa intervenção cirúrgica eletiva, os pacientes
anticoagulação oral, a reversão do quadro geralmente com INR na faixa terapêutica podem esperar cinco a
é observada no terceiro ou quarto dias, simplesmente sete dias até a normalização das condições
pela suspensão da heparina. procoagulantes. Nas emergências ou em pacientes com
alteração hepática crônica, com história recente ou
ANTIVITAMINAS K pregressa de insuficiência cardíaca congestiva
recidivante, a evolução deverá ser mais lenta. Nesses
Este é, sem dúvida, o maior desafio na indicação casos, deve-se prescrever vitamina K para acelerar a
de uma cirurgia. Os pacientes que pertencem a esse reversão, pois o tempo de recuperação prolongado
grupo ou têm história de trombose venosa profunda aumenta o risco cardiovascular do paciente.
ou embolia pulmonar, ou são portadores de prótese O valor de INR ideal para a intervenção cirúrgica
valvar mecânica, ou ainda estão evoluindo com trom- é de 1,2 a 1,3. No caso de paciente com indicação ci-
bose intracavitária atrial ou ventricular. Em resumo, rúrgica e anticoagulação plena, deve-se suspender o
trata-se de indicação cirúrgica em paciente com qua- anticoagulante oral e substituí-lo por heparina subcu-
dro de elevado risco trombótico. É evidente que nesse tânea não-fracionada ou heparina de baixo peso
grupo de pacientes não podemos suspender a molecular, sendo esta última a medicação de eleição(2) .
anticoagulação oral sem substituição, pelo risco de Com relação ao uso preventivo de heparina como
recidiva. As variáveis que definem este perigo são: anticoagulante ponte no pré-operatório, salvo circuns-
1. Evolução do quadro tromboembólico: quanto mais tâncias especiais, essa substância deve ser administra-
recente o último evento, maior o risco de recidiva da em doses menores que as usuais. Deve ser conside-
a curto prazo. rado o nível de anticoagulação que o paciente está no
2. Presença de fatores de risco não removíveis. início da retirada do anticoagulante oral, se está na
3. O tipo de anticoagulante oral: a warfarina sódica, faixa terapêutica ou acima dela ou ainda além da faixa
um monocumarínico, tem menor afinidade pelo de segurança. Além disso, deve-se considerar qual
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 353
MANRIQUE R
Abordagem pré-operatória de pacientes em uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários
anticoagulante oral está sendo usado (warfarina sódica SUSPENSÃO DO ANTICOAGULANTE ORAL OU
ou femprocumona). REVERSÃO PASSIVA
Dentro da faixa terapêutica do INR (entre 2 e 3,5),
quanto maior o valor mais pode-se retardar o início do É importante saber qual o anticoagulante oral uti-
uso da heparina subcutânea, entre 24 e 48 horas após a lizado, pois a duração do período de anticoagulação
suspensão do anticoagulante oral. Em se tratando de será diferente. A warfarina sódica (Marevan®) tem
femprocumona, essa medida até pode ser adiada por menor afinidade pelo ponto de ação e perde o efeito
mais 24 horas, lembrando-se de que o paciente, no em menor tempo (cinco dias, em média) que a
início da retirada da anticoagulação oral, ainda está femprocumona (Marcoumar ®, sete dias). A recupera-
anticoagulado pelo cumarínico e o uso de heparina não ção do INR depende também da geração endógena, da
acrescenta segurança antitrombótica, podendo ser cau- ingestão e da absorção da vitamina K, assim como da
sa de sangramento. função hepática.
Quando o valor do INR está aquém da faixa tera- Esse processo multivariável pode significar perío-
pêutica, a heparina, por via subcutânea, pode ser ini- dos muito prolongados para a recuperação dos níveis
ciada simultaneamente à suspensão do anticoagulante hemostáticos dos fatores dependentes da vitamina K.
oral. Por outro lado, se o INR estiver além de 3,5, deve- Nesse espaço de tempo, está, sem dúvida, aumentado
se considerar que foi administrada dose exagerada de o risco de o paciente ser submetido a intervenção ci-
cumarínicos, ou que se trata de hipovitaminose K ou rúrgica.
de disfunção hepática. Para o grupo de pacientes com valor de INR muito
A hipovitaminose K é um problema decorrente do alterado, associado ao uso simultâneo de antibióticos,
uso de antibióticos de secreção biliar e eliminação di- como, por exemplo, na endocardite bacteriana não-
gestiva, que esterilizam o intestino e promovem a eli- responsiva ao tratamento clínico ou naqueles com in-
minação dos microorganismos saprófitos formadores suficiência cardíaca congestiva ou congestão hepática
de vitamina K. Nesses casos, propomos suspender o crônica, nos quais prevemos espera muito prolonga-
anticoagulante oral e iniciar a heparina, quando o INR da, indicamos vitamina K para reversão do efeito do
estiver próximo de 2. A administração de lactobacilos anticoagulante oral. A mesma indicação é feita para o
pode ajudar a recuperação. grupo de pacientes que não podem esperar os cinco ou
sete dias da recuperação passiva.
DOSE DE HEPARINA
USO DA VITAMINA K OU REVERSÃO ATIVA
De acordo com a experiência do autor, devem-se
utilizar as heparinas de baixo peso molecular, porque O uso de vitamina K é sempre precedido pela ad-
causam menos efeitos hemorrágicos e têm cobertura ministração subcutânea de heparina não-fracionada ou
terapêutica mais eficiente que a heparina não- heparina de baixo peso molecular. A vitamina K deve
fracionada(3) . Entretanto, seu uso rotineiro, em todos ser usada com parcimônia, na dose adequada, para re-
os ambientes hospitalares, é impossível por razões versão parcial do INR (alvo INR +1,2). Como a indi-
econômicas. As doses utilizadas para tratamento pre- cação primária para anticoagulação oral é o risco
ventivo em pacientes de baixo risco são: nadroparina, tromboembólico, o uso excessivo de vitamina K pode
0,3 ml (2,850 UI antifator Xa), por via subcutânea, a causar recidiva do quadro por rebote dos fatores
cada 24 horas; enoxaparina, 20 mg, por via subcutâ- procoagulantes.
nea, a cada 24 horas; dalteparina, 2.500 UI antifator Outra complicação do excesso de vitamina K é a
Xa, por via subcutânea, a cada 24 horas; e heparina “resistência” ao reinício da anticoagulação oral devi-
não-fracionada, 5,000 UI, por via subcutânea, de 12 do ao aumento do depósito de vitamina K (no tecido
em12 horas. adiposo), retardando o efeito dos cumarínicos (4, 5) .
Em pacientes de alto risco, como os portadores de
trombo cavitário, em válvula ou tromboembolismo DOSE DE VITAMINA K
recente, recomendamos: nadroparina, 0,3 a 0,6 ml, por
via subcutânea, a cada 24 horas; ou enoxaparina, 40 Se o INR estiver na faixa terapêutica (entre 2 e
mg, por via subcutânea, a cada 24 horas; ou dalteparina, 3,5), iniciar com 3 a 5 mg de vitamina K por via veno-
5.000 UI antifator Xa, por via subcutânea, a cada 24 sa e repetir o tempo de protrombina oito horas após a
horas; ou, ainda, heparina não-fracionada, 5.000 UI, administração. Uma ampola de fitomenadiona
por via subcutânea, de 8 em 8 horas. (Kanakion®) tem 10 mg de vitamina K1 em 1 ml. Aci-
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Abordagem pré-operatória de pacientes em uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários
ma da faixa terapêutica (INR acima de 2), geralmente Em casos extremos, como o de um paciente que
são suficientes 2 mg de fitomenadiona como dose ini- não responde à vitamina K ou que não pode esperar as
cial. Finalmente, fora da faixa (INR além de 3,5), ini- seis horas necessárias para obter o efeito revertido do
ciar com 5 a 7 mg de vitamina K1. anticoagulante, e que apresenta valor de INR próximo
O tempo necessário para a síntese dos fatores de- de 2, espontâneo (não medicamentoso), secundário à
pendentes de vitamina K, contando com função hepá- insuficiência cardíaca congestiva refratária ou conges-
tica normal (fatores II, VII, IX e X), é de seis horas. tão hepática e com indicação cirúrgica, devem ser usa-
Por essa razão, o controle do tempo de protrombina dos fatores plasmáticos concentrados. Para o
não deve ser realizado antes desse período. Nos casos Prothromplex ou complexo de protrombina (fatores II,
em que o resultado indica insuficiente recuperação, IX e X), a dose depende da depressão pré-operatória
pode ser administrada uma dose de reforço, que, ge- dos fatores procoagulantes. O uso deve ser restrito ao
ralmente, é metade da inicial. período anterior à toracotomia no caso de intervenção
Para compreender o risco do uso exagerado da vi- cirúrgica cardíaca. Em média, para um adulto, são ne-
tamina K, deve-se lembrar que os fatores procoagu- cessários só dois a três concentrados de 600 UI. Essa
lantes dependentes da vitamina K são formados em quantidade, aparentemente pequena, é suficiente, pois,
duas etapas. Na primeira, o fígado sintetiza um pre- uma vez corrigida a alteração cardíaca, a normaliza-
cursor, uma proteína sem poder coagulante. Essa eta- ção dos parâmetros hemodinâmicos permite a rápida
pa não é influenciada pelo anticoagulante oral. A se- recuperação na síntese das proteínas procoagulantes.
gunda fase é a de vitamina K dependente, caracteri-
zando-se pela inserção de um aminoácido terminal que ANTIAGREGANTES PLAQUETÁRIOS NO
transforma o precursor em fator procoagulante passí- PRÉ- OPERATÓRIO
vel de ativação pelo cálcio (Fig. 1).
A literatura médica registra tra-
balhos que descrevem níveis ele-
vados de morbidade e de mortali-
dade em pacientes operados na vi-
gência do uso de ácido acetilsalicí-
lico ou ticlopidina, com problemas
hemostáticos graves no pós-opera-
tório, causando sangramento pro-
longado, hipovolemia e choque
com perda funcional orgânica múl-
tipla que pode levar a óbito(6-8) .
Nesses casos, a equipe cirúr-
gica muitas vezes procura em vão
obter o controle hemostático por
meios mecânicos de um quadro de
falência da hemostasia biológica.
Por outro lado, existem esco-
las que operam pacientes na vi-
Figura 1. Ciclo da vitamina K na síntese de fatores procoagulantes. gência do uso de antiplaquetári-
os. A justificativa apresentada é
que uma plaqueta com função
Quando se administra um anticoagulante oral, a controlada supera melhor o período de circulação ex-
primeira etapa da síntese não é suprimida, e a proteína tracorpórea, com hemostasia pós-operatória mais efi-
precursora continua sendo produzida e vai se acumu- ciente e com menor sangramento(9-12) .
lando, porque não é utilizada. Quando se administra Nossa experiência com estudos de função plaque-
excesso de vitamina K, a grande quantidade de pre- tária em controle de drogas antiagregantes indica que
cursor é transformada subitamente em fatores o grupo de pacientes em uso de antiplaquetários não é
procoagulantes, que desequilibram a homeostase na homogêneo e que entre eles há pacientes com hiper-
forma de uma hipercoagulação que clinicamente pode reatividade residual, normorreatividade e hiporreati-
se evidenciar como recidiva tromboembólica. vidade(12) (Fig. 2).
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Abordagem pré-operatória de pacientes em uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários
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Abordagem pré-operatória de pacientes em uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários
O paciente cujo índice mostra hiper-reatividade está benefícios com essa prática:
liberado para cirurgia e, no caso de índice maior de 1. Redução do sangramento pós-operatório. No grupo
160, até 240, indicamos 300 mg de pentoxifilina dilu- de pacientes com uso prévio de antiplaquetários
ída com 250 ml de soro glicosado, infundida na velo- em que foi determinado o índice de reatividade
cidade de 50 ml/hora desde a indução anestésica. O plaquetária no pré-operatório, aqueles com índice
princípio dessa terapia de emergência é que as na faixa da normalidade apresentaram média de
plaquetas hiper-reativas serão perdidas na circulação drenagem torácica em 48 horas estatisticamente
extracorpórea, seqüestradas pela adesão a superfícies semelhante à do grupo que não usa antiplaquetários
não endotelizadas e na formação de microtrombos (601,02 + 402,51 ml e 548,30 + 298,50 ml, respec-
plaquetários. Tanto a ativação das plaquetas com libe- tivamente) (Figs. 4 e 5).
ração de substâncias pró-agregantes como a 2. No grupo que apresentava índice acima de 160 e
plaquetopenia resultante do seqüestro e consumo de que foi tratado com pentoxifilina endovenosa, não
plaquetas podem causar o paradoxo de trombose e observamos quadros oclusivos no perioperatório.
sangramento. A maioria dos infartos perioperatórios 3. Para os pacientes que apresentam hiporreatividade
está relacionada a esse fenômeno. plaquetária, recomendamos adiar a operação. Nos
Se o índice for maior que 240, indicamos últimos dez anos, tomamos essa atitude em 264
pentoxifilina por via venosa, na dose de 700 mg dilu- casos, tendo sido observada apenas uma vez evo-
ída em 240 mg de soro glicosado e infundida na velo- lução indesejável, com crise anginosa grave e mor-
cidade de 10 ml/hora, iniciando-se 12 horas antes da te. Nesse caso, não foi utilizada terapia antiagre-
operação e continuando na UTI por 48 a 72 horas. Pos- gante complementar com drogas de segunda linha,
teriormente, o antiagregante oral pode ser utilizado de após a suspensão do ácido acetilsalicílico.
forma rotineira. É importante que a medicação seja Uma nova família de antiplaquetários, atualmente
infundida em veia periférica com auxílio de bomba de em uso, é a dos inibidores dos receptores plaquetários
infusão. IIb/IIIa, fundamentalmente utilizados para reduzir aci-
Nossa atual política em relação aos antiplaquetários dentes oclusivos agudos durante manobras hemodinâ-
é que essas drogas não contra-indicam cirurgia cardí- micas terapêuticas em pacientes de alto risco trombó-
aca com ou sem circulação extracorpórea. A contra- tico coronariano. Em casos de falência do procedimen-
indicação é decorrente de hipoagregação induzida pela to hemodinâmico e na indicação de revascularização
dose excessiva do antiplaquetário. Da análise dessa cirúrgica de emergência, devemos valorizar alguns ele-
hiporreatividade plaquetária chegamos à conclusão de mentos clínicos:
que ela pode ser produzida por qualquer dose de ácido a) A situação cardiológica é muito instável?
acetilsalicílico ou ticlopidina. Esse resultado indica que b) Existem outros fatores que indicam intervenção
existem variáveis farmacodinâmicas individuais que imediata?
precisam ser consideradas. Temos observado alguns c) O risco de adiar a cirurgia por doze horas é mui-
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Abordagem pré-operatória de pacientes em uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários
Figura 4. Drenagem em paciente em uso de ácido acetilsalicílico e com índice de reatividade plaquetária > 100.
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Abordagem pré-operatória de pacientes em uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários
Figura 5. Drenagem em paciente sem uso de ácido acetilsalicílico e com índice de reatividade plaquetária > 100.
RICARDO MANRIQUE
The use of anticoagulants and antiplatelets has increased very fast in the last 10 years. New and non invasive
diagnostic methods allow a diagnostic confirmation of venous thrombosis and ischemia. New drugs with less
side effects and better tolerability can be administered once a day explaining the increasing use of the
anticoagulants. Great availability and lower cost are the reasons for the popularity of aspirin. The benefits in
the prevention of arterial occlusions increased the use of aspirin by medical prescription and auto-medication.
The concept of atherothrombosis and new methods to treat vascular occlusions brought new drugs for the
prevention and treatment of platelets hyperactivity. These are more potent and its principal side effect is bleeding.
The benefits of the control of thrombosis risk factors are important but the hemorrhagic risk must be reevaluated
when the hemostatic functions are needed like in surgery procedures. This review outlines these problems,
preoperatory preparation of patients on anticoagulants or antiplatelets, submitted to emergency or elective
surgery. The first step is to check if the patient is using this medication. The second is to run laboratory tests to
disclose the intensity of the inhibition effect and perform pharmacological reversion. The goal of these measures
is to achieve a partial reversion, enough to assure an efficient hemostatic control and avoiding a hyperactivity
rebound of the pro-thrombotic factors.
Key words: anticoagulants, antiplatelets, pre-operative, preparation for cardiac surgery, preoperative of
non cardiac surgery.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:351-60)
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ABORDAGEM PRÉ -OPERATÓRIA DE GESTANTE CARDIOPATA
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AVILA WS e col.
Abordagem pré-operatória de gestante cardiopata
A avaliação pré-operatória desse grupo peculiar de hipotensão arterial decorrente da anestesia regional ou
gestantes impõe conhecimentos sobre: interação en- de sangramento pode causar hipervolemia, considera-
tre cardiopatia e gravidez; medidas de prevenção das da a causa mais freqüente de edema agudo dos pul-
principais complicações e seleção dos agentes e das mões em gestantes cardiopatas. Por outro lado,
técnicas anestésicas apropriadas; aspectos fetais e obs- hipotensão arterial não controlada pode causar baixo
tétricos; aspectos da cirurgia cardíaca e não-cardíaca; débito cardíaco em pacientes com cardiopatias graves
e, finalmente, preparo para o parto. do tipo obstrutivo ou doença vascular pulmonar.
Outro fato peculiar de cirurgia durante a gravidez
PLANEJAMENT O CIRÚRGICO E é a dificuldade na intubação endotraqueal (8) , que, as-
CARDIOPATIA M ATERNA sociada a alterações respiratórias fisiológicas da ges-
tação(3) , favorece a inadequada ventilação materna,
A presença de cardiopatia eleva a morbidade e a proporcionando hipoxia, hipercapnia e acidose mater-
mortalidade da cirurgia na gestação em decorrência na, que acarretam aumento da resistência vascular pul-
do aumento do débito cardíaco(5) , do consumo de oxi- monar e hipotensão arterial. Em contrapartida, a
gênio e das variações da pré- e pós-carga(6) . Por isso, a hiperventilação causa alcalose e redução do retorno
avaliação pré-operatória da gestante cardiopata deve venoso, do débito cardíaco e da pressão arterial.
incluir condutas para prevenir as complicações mais Em gestantes portadoras de cardiopatias congêni-
freqüentes no intra e no pós-operatório, como insufi- tas com comunicação intracavitária ou vascular, redu-
ciência cardíaca, tromboembolismo e endocardite in- ções bruscas da resistência vascular sistêmica ou ele-
fecciosa. vação da resistência vascular pulmonar podem exa-
A prevenção da insuficiência cardíaca, da conges- cerbar o fluxo sanguíneo direito-esquerdo e agravar a
tão pulmonar e da síndrome de baixo débito cardíaco cianose e a hipoxemia materna. Por outro lado, a ele-
inclui medidas descritas na Tabela 1, que devem ser vação da resistência vascular sistêmica resulta em au-
mantidas durante e após a cirurgia, com a finalidade mento do fluxo esquerdo-direito e do fluxo sanguíneo
de minimizar as variações hemodinâmicas decorren- pulmonar e agravamento da hipertensão arterial pul-
tes do procedimento e da anestesia. monar.
Pacientes com doença vascular pulmonar grave,
Tabela 1. Recomendações pré-operatórias para cirur- com baixa saturação de oxigênio arterial, habitualmen-
gia geral na gestante cardiopata. te apresentam alto risco de sangramento no parto e
puerpério, que pode ser minimizado com a adminis-
— Controlar a freqüência cardíaca (70 a 90 batimentos/ tração de soluções de Ringer lactato ou plasma fresco.
min) O uso de vasodilatadores, como diltiazem, prostaglan-
— Tratar as arritmias cardíacas dinas E1 e prostaciclinas, tem sido recomendado com
— Fazer o cálculo adequado da infusão de líquidos a finalidade de reduzir a resistência vascular pulmo-
— Controlar a pressão arterial nar e a pressão na artéria pulmonar e aumentar o débi-
— Evitar oscilações na resistência vascular sistêmica to cardíaco, porém a escassez de estudos não permite
e pulmonar concluir sobre os reais benefícios dessas medidas para
— Evitar o uso de drogas depressoras do miocárdio mãe e feto.
É importante enfatizar, nas emergências cirúrgicas
durante a gravidez, que a aspiração do conteúdo gás-
Sob esse aspecto, o aumento da freqüência cardía- trico é facilitada pelo retardo de seu esvaziamento(9) e
ca e a ocorrência de arritmias durante ou após a inter- pelos desvios da posição do estômago e do ângulo da
venção cirúrgica são causas comuns de congestão pul- junção gastroesofágica, decorrentes do aumento
monar em portadoras de estenose mitral ou de baixo uterino, sendo considerada, nessa situação, importan-
débito cardíaco nas pacientes com cardiomiopatia. te causa de óbito materno.
Recomenda-se manter a freqüência cardíaca entre 70 A terapêutica farmacológica previamente usada deve
e 90 batimentos/min e, na eventual ocorrência de ser mantida no pré-operatório, porém o uso de fármacos
taquicardia supraventricular ou fibrilação atrial agu- depressores do miocárdio devem ser evitados no intra-
da, aplicar cardioversão elétrica, considerada não no- operatório dos casos que apresentam rebaixamento da
civa ao concepto(7) , para a reversão imediata ao ritmo função ventricular, embora possam ser benéficos nas
sinusal. cardiomiopatias hipertróficas pelo efeito de relaxamen-
A infusão inadequada de líquidos para controle da to da via de saída do ventrículo esquerdo.
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Abordagem pré-operatória de gestante cardiopata
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Abordagem pré-operatória de gestante cardiopata
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Abordagem pré-operatória de gestante cardiopata
Tabela 5. Incidência do tipo de anestesia utilizado em 5.405 cirurgias não-obstétricas durante a gravidez. (Adap-
tado da referência 25.)
Geral 65 51 41 2.929/54
Raquidiana/peridural 3 5 6 255/5
Infiltrativa 4 2 3 278/5
Outras 27 38 47 1.932/35
Tabela 6. Resultados fetais (%) de 5.405 gestantes submetidas a cirurgia não-obstétrica durante a gravidez.
(Adaptado da referência 25.)
to teratogênico, causando anomalias dos tecidos placentária durante a anestesia (27) . A associação entre
esquelético e muscular, e perdas fetais(26) . Contudo, não prematuridade e anestesia ainda é desconhecida, con-
se verificou maior incidência de anomalias congêni- tudo deve-se ter extrema cautela no uso de norepine-
tas em fetos de pacientes que se submeteram a anestesia frina e de vasopressores que apresentam efeitos utero-
geral com óxido nitroso no primeiro trimestre da ges- tônicos.
tação(25) . Os dados sugerem que as cirurgias abdominais que
Da mesma forma, outros agentes inalatórios, requerem manipulação do útero podem desencadear
como halotano, ciclopropano, metoxiflurano, flu- trabalho de parto prematuro e que os anestésicos como
roxeno e tricloroetilieno, podem se associar a mal- o halotano, com ação depressora sobre o miométrio,
formações congênitas e morte intra-útero, depen- devem ser selecionados para esse tipo de intervenção.
dendo do tempo de exposição e da concentração. Sob esse aspecto, a anestesia regional, que não tem
Drogas pré-anestésicas, como barbitúricos, reser- efeito depressivo sobre o útero, pode ser uma desvan-
pina, ciclizina, imipramina, levopromazina, perfe- tagem para as cirurgias que envolvem manipulação
nazina e procloroperazina, embora sejam conside- uterina(1) .
radas teratogênicas, não tiveram esses efeitos com- E, finalmente, a asfixia intra-útero, conseqüente à
provados em humanos (25) . cirurgia materna, está relacionada a redução de
De modo geral, a administração apropriada de anes- perfusão uteroplacentária, vasoconstrição ou aumen-
tésicos locais, regionais ou inalatórios não causa com- to do tônus uterino, efeitos que podem ser prevenidos
prometimento no desenvolvimento do feto, que tem a com a manutenção da pressão arterial e a adequada
capacidade de se desintoxicar por meio da circulação saturação materna de oxigênio.
366 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
AVILA WS e col.
Abordagem pré-operatória de gestante cardiopata
Shnider e Webster (28) estudaram os resultados de ral e discutir as peculiaridades das intervenções com
147 cirurgias, 47 delas realizadas no primeiro trimes- maior incidência durante a gestação.
tre da gravidez e 60 sob anestesia geral. A mortalida-
de perinatal foi maior (7,5% e 2,1%, respectivamen- Apendicectomia
te), mas a incidência de malformação congênita não De igual freqüência na não-grávida, mas de diag-
foi diferente quando comparada com a população não nóstico mais difícil. Sharp (29) , em 363 casos de apen-
operada. dicite aguda durante a gravidez, não encontrou mortes
A monitorização dos batimentos fetais e da maternas no primeiro trimestre, mas registrou 3,9%
cardiotocografia durante a cirurgia e nas primeiras 48 no segundo e 10,9% no terceiro trimestres, elevando-
horas do pós-operatório é fundamental para preservar se para 16,7% no parto. O útero aumentado de volume
a vitalidade fetal. modifica a posição do apêndice e dificulta sua locali-
zação; a supuração e a rotura do apêndice são rápidas
CIRURGIA NÃO-CARDÍACA NA e a peritonite difusa é facilitada pela vascularização
GESTANTE CARDIOPATA aumentada e pela falta da proteção do epíplo. As con-
trações uterinas estimuladas por infecção peritoneal
Mazze e Kallen (25) estudaram 720.000 gestantes, são freqüentemente tetaniformes e predispõem a anoxia
das quais 5.405 foram submetidas a procedimentos e a morte fetal intra-útero.
cirúrgicos não-obstétricos (Tab. 7), e verificaram que
a cirurgia abdominal correspondeu a cerca de um quar- Abdome agudo por obstrução intestinal
to de todas as intervenções, sendo a apendicectomia a Suspeita-se em gestante com história de cirurgia
mais comum. A segunda maior incidência, 19%, abdominal prévia que apresenta náuseas, vômitos, dor
correspondeu a operações ginecológica e urológica. abdominal e parada do trânsito intestinal. A causa mais
O primeiro trimestre foi a idade gestacional em que habitual é a modificação do tamanho e da forma do
ocorreu maior número de procedimentos (41%), se- útero, que provoca tensão nas aderências peritoneais,
guido do segundo e do terceiro trimestres (35% e 24%, formando bridas com estenose do intestino. O diag-
respectivamente). nóstico diferencial deve ser com hiperemese ou com
Tabela 7. Incidência de cirurgias não-obstétricas durante a gravidez em análise de 5.405 mulheres. (Adaptado
da referência 25.)
A literatura carece de dados sobre cirurgias na ges- trabalho de parto. O desequilíbrio metabólico pode
tante cardiopata, mas é oportuno salientar os princípi- aparecer a partir das quatro horas do início da obstru-
os, descritos na Tabela 4, que devem ser considerados ção, com agravamento progressivo. Descompressão,
nas fases pré-, intra- e pós-operatórias da cirurgia ge- correção de volume e de eletrólitos, e administração
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 367
AVILA WS e col.
Abordagem pré-operatória de gestante cardiopata
de plasma são essenciais no pré-operatório. 16% das mulheres, a maioria no primeiro trimestre da
gestação. Barnard e colaboradores (30) , em estudo com
Hemorroidectomia ovelhas prenhes usando insuflação de 20 mmHg na
A pressão exercida pelo crescimento uterino pro- cavidade peritoneal, encontraram queda do fluxo
voca estreitamento e dilatação das veias placentário de 60 mmHg em relação ao nível de con-
hemorroidárias. O tratamento cirúrgico na gravidez trole, três quartos dos quais atribuíveis à queda na pres-
aplica-se aos casos de hemorróidas trombóticas muito são de perfusão e o restante, ao aumento da resistên-
dolorosas, que podem ser tratadas com anestesia lo- cia placentária. A despeito dessas mudanças, a pres-
cal, retirando-se o coágulo; a hemorroidectomia está são de perfusão do feto, o fluxo sanguíneo e o balanço
indicada quando há sangramento persistente e impor- ácido básico não foram comprometidos.
tante, apesar da terapêutica medicamentosa.
PLANEJAMENTO DO PARTO PARA A
Colecistectomia GESTANTE CARDIOPATA
O tempo de esvaziamento da vesícula fica retarda-
do nos dois últimos trimestres, favorecendo a forma- Exceto em casos de doenças da aorta, a via de par-
ção de cálculo. Os sintomas aparecem mais to é de indicação obstétrica. Na via vaginal, o uso de
freqüentemente após a segunda metade da gestação, prostaglandinas, de preferência E2, (31) beneficia a di-
período de maior estase biliar. No início da gravidez, nâmica do trabalho de parto e não eleva a resistência
a presença de icterícia e dor diferencia a colelitíase da vascular pulmonar, como ocorre com outros estimu-
hiperemese, enquanto ao término da gestação esses lantes uterinos. A ocitocina pode ser usada, por meio
sintomas devem ser diferenciados da pré-eclâmpsia de bomba de infusão, na indução e condução do traba-
grave — síndrome HELLP (“Hemolysis Liver Elevated lho de parto.
function Low Platetet count”). O tratamento clínico é Recomenda-se o fórceps de alívio, com a finalida-
a primeira alternativa, por meio de dieta e fármacos de de abreviar o esforço materno no período expulsivo,
antiespasmódicos, sendo a cirurgia indicada somente com a parturiente em decúbito lateral esquerdo, dorso
nos casos de refratariedade, colapso de colédoco ou elevado e oxigenação contínua. A profilaxia com anti-
empiema. bióticos deve ser instalada nos casos de risco alto e
moderado, com a administração de ampicilina (2,0 g
Herniorrafia intravenosa) e gentamicina (1,5 mg/kg intramuscular)
As hérnias podem aparecer ou aumentar de tama- 30 minutos antes do parto.
nho durante a gravidez, em decorrência da pressão in- No pós-parto, deve-se manter controle rigoroso do
tra-abdominal, pelo crescimento do útero, em estrutu- sangramento, com manutenção da ocitocina
ras aponeuróticas previamente frágeis. As hérnias in- intravenosa por seis a oito horas, sendo contra-indica-
guinais e femorais raramente provocam complicações, dos os derivados do “ergot”. Monitorização cardíaca e
ao contrário das umbilicais. A herniorrafia é indicada oxigenação contínua devem ser mantidas por 12 a 24
durante a gravidez, quando há estrangulamento. horas e a deambulação precoce ou movimentação pas-
siva deve ser estimada para reduzir o risco do
Procedimentos por laparoscopia tromboembolismo. Não há contra-indicação para a
São ainda de efeito desconhecido no feto. No estu- amamentação devido à cardiopatia materna ou ao uso
do de Mazze e Kallen (25) (Tab. 3), foram realizados em de fármacos em geral.
368 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
AVILA WS e col.
Abordagem pré-operatória de gestante cardiopata
Non obstetric surgery during pregnancy is generally considered in acute events or in clinically refractory
cases. The prior management of surgery in pregnant woman with cardiac disease requires knowledge about:
interaction between pregnancy and heart disease; management and prevention of complications, selection of
anesthetic agents; and fetal and obstetrical condition.
Pregnancy should be considered as a factor of maternal mortality and morbidity during surgery since the
modifications of gestation can alter signals and symptoms, impairing the diagnosis and delaying the treatment,
increasing the maternal risk.
The fetal prognosis of surgery during pregnancy is related to maternal disease and gestational age. The
second trimester of gestation presents lower teratogenic risk, spontaneous abortion rate and premature delivery
incidence. The fetal anoxia associated to maternal surgery is related to reduction of placental perfusion caused
by uterine arterial constriction or increase in uterine contractions. These complications can be partially prevented
by maternal arterial pressure control and measures to improve arterial oxygen saturation .
Key words: pregnancy, no obstetrical surgery, cardiac disease, maternal mortality, fetal mortality.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 369
AVILA WS e col.
Abordagem pré-operatória de gestante cardiopata
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370 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
ABORDAGEM PRÉ-OPERATÓRIA DE CRIANÇAS COM CARDIOPATIAS
CONGÊNITAS EM CIRURGIA NÃO-CARDÍACA
WILMA TOMIKO MAEDA , NANA MIURA IKARI , MUNIR EBAID
A abordagem pré-operatória de crianças com car- foram classificadas em dois grupos, acianogênicas e
diopatias congênitas em cirurgias não-cardíacas deve cianogênicas, sendo avaliados a história, o exame fí-
ser planejada cuidadosamente, evitando-se, assim, os sico, os exames complementares (radiografia de tó-
riscos no perioperatório. Na maioria das vezes, res- rax, eletrocardiograma, ecocardiograma) e os exames
tringe-se à profilaxia para endocardite infecciosa e laboratoriais. Os fatores de risco, como arritmias, in-
monitorização cardíaca no intra-operatório, pois atu- suficiência cardíaca congestiva, anticoagulação e en-
almente a indicação precoce de cirurgia cardíaca cor- docardite infecciosa, foram considerados em cada
retiva tem aumentado a população de pacientes com grupo.
hemodinâmica cardíaca normal ou próximo da nor- Descritores: cirurgia não-cardíaca, cardiopatias
malidade. As crianças com cardiopatias congênitas congênitas, crianças.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 371
Tabela 1. Fatores de risco pré-operatórios para cirur- Tabela 2. Planejamento pré-operatório de cirurgia não-
gia não-cardíaca. cardíaca.
372 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 373
sões obstrutivas de câmara cardíaca direita acom- terações no situs cardiovisceral e posição cardíaca.
panhadas de comunicação intercavitária: tetralogia Eletrocardiograma
de Fallot, atresia pulmonar, atresia tricúspide, ano- A documentação do ritmo de base da cardiopatia é
malia de Ebstein; muito importante, pois, nesse grupo, são freqüentes as
2) insaturação do fluxo sanguíneo sistêmico por mis- alterações do ritmo cardíaco antes e após a correção
tura da circulação sistêmica com a circulação pul- da lesão cardíaca. Nos portadores de tetralogia de Fallot
monar ou por discordância da conexão e transposição das grandes artérias, a sobrecarga
ventriculoarterial; drenagem anômala total de vei- ventricular direita é observada no eletrocardiograma e
as pulmonares, ventrículo único, tronco arterial a sobrecarga ventricular esquerda é vista nos casos com
comum, transposição das grandes artérias. atresia tricúspide, ventrículo único. O bloqueio de ramo
direito está presente na maioria dos casos após a cor-
História e exame físico reção da tetralogia de Fallot; esses pacientes, em de-
Nesse grupo, tanto a história clínica como a cirúr- corrência da ventriculotomia, podem apresentar
gica devem ser bem detalhadas, pois essas crianças taquiarritmias ventriculares na evolução a longo pra-
são portadoras de lesões residuais ou de comprometi- zo. Nas correções atriais da transposição das grandes
mento da função ventricular mesmo após a correção artérias, são freqüentes os distúrbios do ritmo, com
da cardiopatia. As cirurgias corretivas ou paliativas são taquiarritmias ou bradiarritmias; esses pacientes ne-
realizadas precocemente; o cardiopediatra tem que cessitam da complementação com Holter para estudar
avaliar o estado da criança e descrever a fisiologia da e tratar as arritmias de maneira adequada no pós-ope-
técnica cirúrgica empregada para o planejamento cui- ratório.
dadoso do perioperatório. A escolha dos fármacos para Ecocardiograma
anestesia, a hidratação e a ventilação são influencia- O estudo ecocardiográfico é solicitado para defi-
das pelo tipo de cardiopatia e pela técnica cirúrgica nir as lesões cardíacas e avaliar a função ventricular e
empregada na correção da cardiopatia. Como regra a correção cirúrgica cardíaca. Nas cirurgias paliativas,
geral, as crianças desse grupo são cianóticas quando o pode ser observada a efetividade dos “shunts”
fluxo pulmonar é diminuído (grupo IIA) ou podem ser sistêmico-pulmonares, como Blalock-Taussig ou
cianóticas com insuficiência cardíaca congestiva quan- cavopulmonar, e também o gradiente da bandagem de
do o fluxo pulmonar está aumentado (grupo IIB). Nas tronco pulmonar.
crianças do grupo IIA, os sinais e sintomas mais fre- Exames laboratoriais
qüentes são: cianose, crise de hipoxia com algum grau Nos pacientes cianogênicos, as alterações do
de hipodesenvolvimento ponderal-estatural, coagulograma e hematócrito são freqüentes. O
baqueteamento digital e alterações neurológicas. Nas hematócrito deve estar ao redor de 55% para evitar as
do grupo IIB, os sinais e sintomas mais freqüentes são crises de hipoxia e tromboembolismo arterial no
de insuficiência cardíaca congestiva, com cianose dis- perioperatório; nos casos de hematócrito acima de
creta, taquidispnéia, déficit ponderal-estatural, infec- 65%, deve ser realizada hemodiluição, a fim de redu-
ção pulmonar de repetição e hepatomegalia. zir a viscosidade sanguínea. O coagulograma e a fun-
Ao exame físico, observa-se criança em geral des- ção plaquetária estão alterados nos pacientes com
nutrida, grau de cianose, baqueteamento digital, unhas poliglobulia, devido à coagulopatia de consumo.
em vidro de relógio; na ausculta cardíaca, presença de
sopro sistólico ou diastólico; hepatomegalia é mais Fatores de risco perioperatório
freqüente nas crianças do grupo IIB. Exame neuroló- Arritmias
gico deve ser realizado nas crianças com poliglobulia As arritmias são mais freqüentes e de maior gravi-
acentuada, propensas a ter quadro de tromboembolia dade, em decorrência das técnicas cirúrgicas empre-
cerebral. gadas na correção das cardiopatias. As bradi e as
taquiarritmias observadas nos pacientes submetidos a
Exames complementares cirurgia de Senning ou Mustard necessitam de estudo
Radiografia de tórax prévio para tratamento adequado, quer seja com im-
A avaliação da radiografia torácica é rotina para plante de marcapasso definitivo, ablação por
determinar a posição, o tamanho e a forma da área radiofreqüência ou medicamentoso.
cardíaca; a trama vasopulmonar está diminuída no gru- As taquiarritmias ventriculares aumentam muito o
po IIA e aumentada no grupo IIB. As cardiopatias desse risco cirúrgico, geralmente acompanham pacientes que
grupo são mais complexas, sendo mais freqüentes al- foram submetidos a correção de tetralogia de Fallot
374 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
com ventriculotomia e devem ser tratadas com medi- aumentando a viscosidade sanguínea e o hematócrito.
camentos antiarrítmicos ou implante de desfibriladores As crises de hipoxia podem surgir em qualquer fase
no pré-operatório de cirurgia não-cardíaca. do ato anestésico, principalmente na indução, e de-
Insuficiência cardíaca congestiva vem ser tratadas rapidamente, pois podem evoluir com
O grupo IIB, que evolui com hiperfluxo pulmonar hipoxemia grave, causando seqüelas neurológicas e
e cianose geralmente discreta, tem como principal mesmo óbito no intra-operatório.
manifestação a insuficiência cardíaca congestiva, que, Anticoagulação
quando descompensada, aumenta os riscos cirúrgicos As crianças com cirurgias paliativas tipo Blalock-
com maior freqüência de arritmias, de tempo de venti- Taussig, cavopulmonar bidirecional e total podem es-
lação mecânica, complicações infecciosas e tar fazendo uso de antiagregantes plaquetários, como
hemorrágicas. ácido acetilsalicílico, ou mesmo anticoagulantes, como
Cianose o warfarin. No caso do ácido acetilsalicílico, a medi-
O grau de cianose importante aponta para quadro cação deve ser suspensa cinco dias antes do procedi-
de hipoxemia grave, com aumento do hematócrito, mento cirúrgico. Assim, com relação ao warfarin, nes-
maior risco de fenômenos tromboembólicos e hemor- se grupo, deve-se seguir a mesma orientação descrita
ragias. Essas crianças, no pré- e no pós-operatório, anteriormente.
devem ser adequadamente hidratadas, por via oral ou Endocardite infecciosa
endovenosa, tomando cuidado com ar nos cateteres A profilaxia da endocardite infecciosa está indicada
venosos para evitar embolia gasosa. O jejum prolon- em todos os pacientes, da mesma forma que o grupo
gado deve ser evitado, por depletar o intravascular, das cardiopatias acianogênicas.
Preoperative assessment for noncardiac surgery in children with congenital heart disease must be planned
carefully, avoiding risks in post operative period. The majority of cases recommends for bacterial endocarditis
prophylaxis and cardiac monitoring. The current cardiac surgery practice of early repair of congenital heart
disease has resulted in a population of patients with normal or near normal cardiac hemodynamics. Children
with congenital heart disease were classified in two groups: acyanotic and cyanotic. Preoperative assessment
should include medical history, physical examination, chest x-ray, electrocardiogram, echocardiography and
laboratory blood exams.
The perioperative risk factors such as arrhythmias, congestive heart failure, anticoagulation, endocarditis
were considered in both groups.
Key words: noncardiac surgery, congenital heart disease, children.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 375
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 377
SARAIVA JFK
Abordagem pré-operatória de pacientes com insuficiência cardíaca
no pós-operatório, e puderam verificar que a insufici- lação entre manifestações clínicas de insuficiência
ência cardíaca é o fator preditivo de maior risco de cardíaca congestiva e complicações pós-operatórias,
complicações severas ou aumento de mortalidade (6) . já não é possível estabelecer a mesma correlação em
Em recente revisão, Prause e colaboradores (7) pacientes assintomáticos com disfunção ventricular,
correlacionaram os índices de mortalidade onde a escassez de informações limita a conduta des-
perioperatória em 16.227 pacientes submetidos a ci- ses pacientes.
rurgia geral por meio de análise comparativa das tabe-
las de classificação de Goldman e da American Society AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
of Anesthesiologists. Os autores concluíram que ambas
as classificações foram preditivas de mortalidade Pacientes portadores de disfunção ventricular es-
perioperatória, ratificando a análise clássica de querda têm risco elevado de complicações
Goldman(7) . As mesmas conclusões foram obtidas por perioperatórias; portanto, é vital a detalhada avaliação
Detsky e colaboradores (8) em estudo no qual foi utili- clínica por meio de minuciosa história e exame.
zado o índice de Goldman modificado (8) . Cooperman A dispnéia aos esforços tem sido proposta como
e colaboradores (9) , avaliando os pacientes submetidos marcador de risco prognóstico independente(11) . Morris
a cirurgia vascular periférica, também verificaram ser e colaboradores (12) , em elegante revisão, demonstra-
a presença de insuficiência cardíaca congestiva impor- ram que capacidade física abaixo de 6 METs indicou
tante marcador de risco pós-operatório (9) . Em resumo, elevado risco de mortalidade independentemente da
é consenso que a presença de insuficiência cardíaca função ventricular esquerda (12) . A simples presença de
congestiva clinicamente manifesta é o mais importan- estase jugular ou 3a bulha ao exame são, conforme
te marcador de complicações cardiovasculares na ci- comentado anteriormente, fatores marcadores prognós-
rurgia geral. Na maioria dos casos, o edema pulmonar ticos no intra- e no pós-operatório. Em pacientes com
pós-operatório ocorre entre 30 e 60 minutos após o história ou exame clínico sugestivos de insuficiência
término da anestesia. Vários mecanismos têm sido pro- cardíaca congestiva, é recomendada a avaliação da
postos para tais complicações, como: sobrecarga de função ventricular no pré-operatório, com o objetivo
volume no intra-operatório, cessação da ventilação de se quantificar a severidade da disfunção ventricular
mecânica sob pressão positiva, depressão miocárdica sistólica bem como da diastólica. Essa informação é
induzida por agentes anestésicos, hipertensão pós-ope- de valia para o tratamento no intra- e no pós-operató-
ratória, aumento da atividade adrenérgica pós-opera- rio. Cabe, no entanto, lembrar que os dados clínicos
tória e conseqüente aumento do trabalho cardíaco(10) . acima descritos têm sido considerados os mais impor-
Quando a insuficiência cardíaca congestiva se mani- tantes determinantes prognósticos independentemen-
festa no intra- e no pós-operatório em pacientes sem te dos métodos de avaliação da função do ventrículo
história pregressa, com freqüência, trata-se de pacien- esquerdo.
tes idosos que muitas vezes possuem alterações Dos métodos disponíveis, o ecocardiograma é o
eletrocardiográficas prévias ou outras evidências de mais freqüentemente utilizado para tal finalidade, mas
afecção cardiovascular e que foram submetidos a ci- têm sido propostas a ventriculografia radioisotópica
rurgias torácica ou abdominal de grande porte(5) . To- ou mesmo a ventriculografia por contraste(13-15) . Estu-
dos os esforços devem ser feitos no sentido de detec- dos da função do ventrículo esquerdo podem ser de
tar insuficiência cardíaca congestiva por meio de cui- grande valor na estratificação de risco em pacientes
dadosa história e exame físico. A identificação da que serão operados. Em 100 pacientes referidos para
etiologia, quando possível, constitui importante infor- cirurgia vascular eletiva, a fração de ejeção obtida pela
mação, considerando as implicações prognósticas das ventriculografia radioisotópica correlacionou-se inver-
mesmas no intra- e no pós-operatório. Por exemplo, a samente com a incidência de infarto e morte pós-ope-
insuficiência cardíaca congestiva decorrente de doen- ratória(16) . O estudo CASS (“Coronary Artery Surgery
ça cardíaca hipertensiva tem prognóstico diferente Study”) analisou a fração de ejeção de 1.600 pacien-
quando comparada a insuficiência cardíaca congestiva tes, que, posteriormente, foram submetidos a cirurgia
de etiologia isquêmica. Considerando que a condição não-cardíaca de grande porte. Esse estudo demonstrou
clínica pré-operatória é o maior marcador de risco que o grau de disfunção ventricular foi intimamente
perioperatório, fica claramente estabelecida a neces- relacionado a complicações perioperatórias, sendo
sidade de se obter a melhor condição bem como levar mais preditivo que a avaliação clínica pré-operatória(15) .
o paciente à sala de operações no estado mais estável Na análise de sete estudos que demonstraram cor-
possível. Se, por um lado, fica bem estabelecida a re- relação positiva entre fração de ejeção ventricular di-
378 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
SARAIVA JFK
Abordagem pré-operatória de pacientes com insuficiência cardíaca
minuída no pré-operatório e eventos pós-operatórios, hemodinâmica dentro dos melhores limites possíveis.
quatro foram prospectivos (13, 17-19) e três, retrospecti- Vários agentes anestésicos podem causar depressão
vos(15, 20, 21) . A maior incidência de complicações foi miocárdica, o que poderá vir a dificultar a manipula-
observada nos grupos de pacientes que tinham fração ção de volume infundido no intra- e no pós-operató-
de ejeção inferior a 35%. Esses dados foram também rio, e aumentar a morbidade (6,8) . Tanto a anestesia ge-
encontrados por Kazmers e colaboradores (22) em paci- ral como os bloqueios espinhais comumente causam
entes com fração de ejeção abaixo de 29%, onde a importante vasodilatação periférica, que pode resultar
mortalidade perioperatória e tardia foi de 59%, com- em hipotensão severa intra-operatória, em particular
parativamente a 18% no grupo com fração de ejeção no paciente hipovolêmico. Mais recentemente, a utili-
superior a 29% (22) . Na análise conjunta de tais resulta- zação de drogas betabloqueadoras em pacientes por-
dos, ficou claramente estabelecida a relação inversa tadores de insuficiência cardíaca congestiva veio mais
entre fração de ejeção e complicações transoperatórias, uma vez chamar a atenção para possíveis distúrbios
entre elas descompensação da insuficiência cardíaca hemodinâmicos decorrentes da utilização desses
congestiva, má evolução e morte. fármacos no pré-operatório. Infelizmente, faltam da-
Otimizar o tratamento farmacológico da insufici- dos consistentes na literatura quanto aos benefícios da
ência cardíaca congestiva antes de procedimento ci- interrupção desses fármacos ou mesmo das conseqüên-
rúrgico eletivo é um ponto extremamente crítico. cias perioperatórias de sua manutenção. Outra dificul-
Freqüentemente, tais pacientes já vêm medicados com dade é a abordagem de pacientes assintomáticos que
o tratamento clássico da insuficiência cardíaca se apresentam com disfunção ventricular e
congestiva: diuréticos, inibidores da enzima de con- cardiomegalia no pré-operatório, sem nunca terem sido
versão da angiotensina e digitálicos. Essas medicações tratados. É provável que em tais pacientes o início de
podem alterar parâmetros hemodinâmicos e metabó- tratamento com inibidores da enzima de conversão seja
licos, levando, muitas vezes, ao aumento do risco de benéfico; no entanto, nesses casos deve-se evitar a uti-
morbidade e de mortalidade no perioperatório. É im- lização rotineira de digitálicos e diuréticos.
portante lembrar que pacientes portadores de insufici-
ência cardíaca congestiva são, muitas vezes, portado- INSUFICIÊNCIA
CARDÍACA ASSOCIADA
res de co-morbidades associadas, como diabete melito À DOENÇA CORONARIANA
e hipertensão arterial, e que, freqüentemente, são sub-
metidos a cirurgia de grande porte. Tais regimes A insuficiência coronariana constitui freqüente
terapêuticos têm claras implicações no intra- e no pós- causa de insuficiência cardíaca congestiva. Vários são
operatório. A utilização de diuréticos pode levar o pa- os mecanismos que levam a ela: ocorrência de múlti-
ciente a estados relativos de hipovolemia, plos infartos, aneurisma ventricular pós-infarto agudo
hipopotassemia e hipomagnesemia, que são estados do miocárdio, remodelamento pós-infarto, e isquemia
de potencial complicação em pacientes de alto risco. crônica (cardiomiopatia isquêmica). Com freqüência,
Não se deve encaminhar pacientes hipovolêmicos ao a insuficiência cardíaca congestiva é descompensada
centro cirúrgico sob o risco de virem a desenvolver por indução e agravo da isquemia decorrentes dos pro-
estados hipotensivos severos. A correta avaliação de cedimentos anestésicos, cirúrgicos ou mesmo pós-ope-
alterações no equilíbrio hidroeletrolítico e suas corre- ratórios, levando os mesmos à piora ou à
ções poderão evitar arritmias, bem como predisposi- descompensação da insuficiência cardíaca congestiva.
ção à intoxicação digitálica. Apesar de os digitálicos A abordagem básica desses pacientes não difere, fun-
contraporem os efeitos depressivos miocárdicos de damentalmente, das outras formas de insuficiência
alguns agentes anestésicos, sua utilização deve per- cardíaca congestiva; no entanto, uma vez diagnosticada
manecer restrita aos grupos de pacientes de estabele- doença coronária associada, toda a rotina pré-opera-
cido benefício, pois os mesmos são causa comum de tória estabelecida para esse grupo de pacientes deve
complicações iatrogênicas em pacientes cirúrgicos, ser instituída juntamente com o tratamento clássico
além de estarem associados a bradiarritmias intra-ope- da insuficiência cardíaca congestiva. No intra- e no
ratórias (5) . Portanto, a digitalização pré-operatória não pós-operatório, é proposta a utilização de nitrogliceri-
deve ser rotina estabelecida, reservando-se seu uso aos na com o objetivo de redução da pré- e da pós-carga,
grupos de maior dificuldade no controle da insufici- tensão de parede diminuindo, conseqüentemente, o
ência cardíaca congestiva. Preferencialmente, a medi- consumo de oxigênio do miocárdio. Conforme comen-
cação do pré-operatório deve ser mantida no pós-ope- tado no início deste artigo, o prognóstico perioperatório
ratório, a fim de se tentar manter a estabilidade na insuficiência cardíaca congestiva pode diferir con-
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SARAIVA JFK
Abordagem pré-operatória de pacientes com insuficiência cardíaca
forme sua etiologia, sendo os estados isquêmicos os tórios tem sido reservada, basicamente, a pacientes
de pior prognóstico (15, 23) . portadores de insuficiência cardíaca congestiva grave,
não compensados e que necessitem de acompanhamen-
MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA to sob contínua supervisão.
380 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
SARAIVA JFK
Abordagem pré-operatória de pacientes com insuficiência cardíaca
For a long time heart failure has been a major problem in our society. A higher prevalence of heart diseases
arises as the population is aging, at the same time that surgical interventions carry on a higher risk.
Surgical interventions in heart failure patients are followed by high indexes of morbimortality during and
after the surgical procedure, and a stable cardiac function is considered the main marker concerning the risk of
unexpected events. Frequently the surgeries are major operative procedures, other times they demand urgent
solutions. Both situations have a higher probability of serious undesirable outcomes.
A detailed evaluation of the clinical condition and optimization of cardiac monitorization resources and
therapy are decisive to bring down the perioperative risks.
The objectives of this paper is to evaluate the risks involved in major surgeries in patients with heart failure,
and also to discuss medical therapy and invasive hemodynamic interventions.
Key words: congestive heart failure, mortality, surgical risk, hemodynamic monitorization, cardiovascular
disease.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 381
SARAIVA JFK
Abordagem pré-operatória de pacientes com insuficiência cardíaca
382 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
ABORDAGEM PRÉ -OPERATÓRIA DE PACIENTES COM
MIOCARDIOPATIA HIPERTRÓFICA
DIRCEU RODRIGUES ALMEIDA , CLEÓPATRA MEDINA AREOSA , ROSIANE Z. DINIZ, ADAUTO CA RVALHO, RUY
FELIPE M. VIÉGAS, ANTONIO C. CARVALHO, ANGELO A. V. DE PAOLA
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 383
ALMEIDA DR e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com miocardiopatia hipertrófica
que codificam as proteínas do sarcômero cardíaco (do- miocardiopatia hipertrófica apresentam gradiente
ença do sarcômero): a betamiosina de cadeia pesada, pressórico, em repouso, na via de saída do ventrículo
a troponina T, a alfatropomiosina e a proteína C, que esquerdo(1, 8, 9) . Esse gradiente pressórico é gerado por
liga a miosina. Mutações em genes que codificam a obstrução dinâmica da via de saída, com grande vari-
miosina de cadeia leve também estão descritas, e pro- abilidade espontânea (10) , podendo ser reduzido ou abo-
vavelmente outras serão descritas futuramente. Os es- lido por intervenções que reduzam a contratilidade
tudos genéticos têm permitido a caracterização de al- miocárdica (como, por exemplo, betabloqueadores) ou
gumas mutações, com maior risco para morte súbita e por aumento do volume ventricular ou da resistência
conseqüente pior prognóstico(7) . periférica (como, por exemplo, exercício isométrico,
drogas vasoconstritoras). De maneira inversa, o gradi-
PATOLOGIA ente pode ser elevado por fatores que aumentam a
contratilidade miocárdica (como, por exemplo,
A miocardiopatia hipertrófica é definida como uma inotrópicos positivos) e fatores que reduzem o volume
hipertrofia do ventrículo esquerdo e/ou direito, sem ventricular ou a pressão arterial (como, por exemplo,
causa conhecida, usualmente, porém nem sempre, manobra de Valsalva, nitrato de amilo); portando, esse
assimétrica e associada com evidência microscópica gradiente dinâmico pode ser gerado e aumentado por
de desarranjo das fibras (8) . A localização e a extensão estímulos farmacológicos (Tab. 1). Acredita-se que esse
da hipertrofia permitem a caracterização de diferentes gradiente subaórtico seja decorrente da aposição do
formas anatômicas: hipertrofia septal assimétrica, 90%; septo hipertrofiado na via de saída, associado ao mo-
hipertrofia simétrica “concêntrica”, 5%; hipertrofia vimento sistólico anterior da válvula mitral que se apro-
apical, 2%; hipertrofia ventricular direita, 2%; e xima do septo no início da sístole atraído por um efei-
hipertrofia medioventricular, 1%. O sítio e o grau de to Venturi(1, 8, 9) . Ainda existem controvérsias sobre o
hipertrofia são variáveis nas diferentes séries, sendo significado desse gradiente, estando o mesmo envol-
importante também nas manifestações da doença(9) . Na vido no aumento do estresse parietal e excessivo con-
microscopia, observa-se, caracteristicamente, sumo de oxigênio. Aproximadamente 20% dos paci-
hipertrofia e desarranjo das bandas musculares e de- entes com gradiente na via de saída apresentam insu-
sorganização da arquitetura miofibrilar. Fibrose é usu- ficiência valvar mitral de variável intensidade, poden-
almente encontrada entre áreas de hipertrofia. Anor- do esta resultar não só do movimento sistólico anteri-
malidades na microcirculação coronariana (arteríolas or da mitral, como de anomalia de músculo papilar,
intramurais) são caracterizadas por espessamento prolapso valvar mitral, fibrose do folheto anterior e
parietal e redução da luz vascular. Esses achados pró- calcificação do anel mitral; o grau do refluxo mitral
ximo a áreas de fibrose favorecem a hipótese de que pode ser magnificado quando se aumenta o gradiente
essas lesões são responsáveis pelo desenvolvimento subaórtico(8, 9) . A presença do refluxo mitral agrava a
de isquemia miocárdica(8, 9) . As áreas de fibrose e o hipertensão venocapilar pulmonar e a dispnéia, con-
substrato isquêmico estão envolvidos na gênese de tribui para o crescimento do átrio esquerdo e facilita o
arritmia ventricular grave. aparecimento de arritmias supraventriculares.
A presença da obstrução dinâmica na via de saída
FISIOPATOLOGIA com fluxo turbulento determina lesão do endocárdio
septal, lesão de jato na válvula aórtica e lesão do fo-
O conhecimento dos diferentes aspectos lheto mitral, criando, assim, condições para aderência
fisiopatológicos presentes na miocardiopatia de microrganismos e conseqüente endocardite infec-
hipertrófica é fundamental para a compreensão do es- ciosa, justificando a profilaxia antimicrobiana para
pectro sintomatológico, fornece bases para as diferen- endocardite na ocasião de intervenções com potencial
tes formas de terapêutica e possibilita maior entendi- para bacteremia.
mento dos efeitos adversos de estímulos adrenérgicos,
de variações significativas de pré- e pós-carga e de efei- DISFUNÇÃO DIASTÓLICA DO VENTRÍCULO
tos adversos de vários agentes farmacológicos. ESQUERDO
OBSTRUÇÃO DA VIA DE SAÍDA DO VENTRÍCULO A maioria dos pacientes com miocardiopatia hi-
ESQUERDO ( OBSTRUÇÃO SUBAÓRTICA ) pertrófica demonstra anormalidades da função diastó-
lica, independentemente da presença ou não do gra-
Aproximadamente 30% dos portadores de diente e de sintomas (1,9) . Essa disfunção resulta, prin-
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ALMEIDA DR e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com miocardiopatia hipertrófica
Tabela 1. Efeitos de vários tipos de intervenção sobre o gradiente intraventricular na miocardiopatia hipertrófica.
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ALMEIDA DR e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com miocardiopatia hipertrófica
5% a 10% dos pacientes podem desenvolver disfunção hemodinâmicas e elétricas já descritas, esses pacien-
sistólica por fibrose miocárdica decorrente de isquemia tes são propensos a apresentar eventos cardíacos ad-
e microenfartos ou, raramente, pela presença de versos, como insuficiência cardíaca, edema pulmonar,
coronariopatia aterosclerótica associada (1,9) . Chama a hipotensão, isquemia miocárdica e arritmias
atenção, nesses casos, a pequena dilatação da cavida- ventriculares ou supraventriculares, podendo essas
de ventricular, predominando nessa fase, os sintomas complicações surgir na indução anestésica, no intra-
de insuficiência cardíaca congestiva. operatório ou no pós-operatório. Essas complicações
podem ser causadas ou agravadas por anestésicos, ti-
QUADRO CLÍNICO pos de anestesia, oscilações hemodinâmicas, aumento
do consumo de oxigênio, hipoxia, e efeitos de drogas
Os sintomas clássicos referidos pelos portadores adrenérgicas e de vasodilatadores.
de miocardiopatia hipertrófica são: dispnéia de esfor- Em uma revisão sistemática da literatura, encon-
ço, fadiga, dor precordial, palpitações, tontura e sín- tramos apenas duas séries de pacientes portadores de
cope. Esses sintomas são muito variáveis em intensi- miocardiopatia hipertrófica que se submeteram a ci-
dade e não guardam correlação direta com a magnitu- rurgia não-cardíaca, ambas análises retrospectivas.
de ou a presença do gradiente intraventricular (1, 9) . Si- Thompson e colaboradores (16) revisaram os dados de
nais de insuficiência cardíaca congestiva podem ser 35 pacientes submetidos a 56 procedimentos cirúrgi-
encontrados nos pacientes com severa obstrução em cos (24 cirurgias de grande porte), todos com anestesia
repouso e/ou insuficiência mitral importante, disfunção geral. Nessa série, não ocorreram óbitos; entretanto,
diastólica e/ou sistólica importantes e na presença de 15 pacientes (60%) apresentaram complicações. Um
fibrilação atrial. A dor precordial, em geral, é atípica, paciente infartou e um apresentou angina no pós-ope-
e na maioria dos casos não se associa a obstrução ratório. Arritmias supraventriculares estiveram presen-
aterosclerótica coronariana (9) . Na evolução, os pacien- tes em 5 pacientes (bradicardia sinusal severa em 3 e
tes, sem sua maioria, apresentam-se pouco sintomáti- fibrilações atriais em 2). Três pacientes apresentaram
cos e são manuseados satisfatoriamente com tratamen- extra-sístoles ventriculares complexas, e taquicardia
to clínico(13) . Um percentual pequeno de pacientes (5% ou fibrilação ventricular não foram observadas. Cinco
a 10%) mostra-se refratário ao tratamento pacientes desenvolveram hipotensão severa, requeren-
farmacológico, e esses pacientes são candidatos a tra- do o uso de vasoconstritores. Em uma série mais re-
tamento invasivo com marcapasso dupla câmara, cente, Haering e colaboradores (17) revisaram os dados
alcoolização da artéria septal ou miomectomia cirúr- de 77 pacientes com miocardiopatia hipertrófica que
gica(14, 15) . A morte súbita é a mais imprevisível e de- foram submetidos a cirurgia não-cardíaca. Nessa sé-
vastadora complicação da miocardiopatia hipertrófica, rie, 35 (45%) pacientes foram submetidos a cirurgia
ocorrendo mais freqüentemente em pacientes jovens de grande porte e 42 (55%) sofreram intervenções
(dos 10 a 30 anos). São preditores de morte súbita a menores, 62 pacientes (81%) foram operados com
história pregressa da mesma na família, os episódios anestesia geral, 10 (13%) com bloqueios
sincopais e a presença de arritmia ventricular comple- raquimedulares e 2 com bloqueios tronculares. Nessa
xa(2) . A presença de outros sintomas, mesmo que in- série, não se verificaram óbitos, porém 31 pacientes
tensos, e a presença de gradiente intraventricular não (40%) apresentaram eventos cardíacos adversos.
são preditores de morte súbita. Doze tiveram isquemia miocárdica (um com infarto
transmural), 20 apresentaram insuficiência cardía-
COMPLICAÇÕES PEROPERATÓRIAS ca, 14 com hipotensão arterial severa e 25 apresen-
EM PORTADORES DE MIOCARDIOPATIA taram arritmia cardíaca estável. Nessas séries, a
HIPERTRÓFICA presença de gradiente intraventricular e sintomas
prévios à intervenção não se correlacionaram com
Devido à pouca freqüência da doença e pelo predomí- maior risco de eventos adversos. Encontramos mais
nio da mesma em pacientes mais jovens, são poucas as in- seis relatos de casos isolados, todos com algum
formações disponíveis sobre os riscos de intervenções cirúr- evento cardíaco adverso e um óbito decorrente de
gicas não-cardíacas em portadores de miocardiopatia hiper- infarto intra-operatório. Acompanhamos três casos
trófica. Não existem dados de avaliação prospectiva, nessa de portadores de miocardiopatia hipertrófica, todos
população, com relação a risco cirúrgico, complicações e com gradiente em repouso, que foram submetidos
manejo anestésico. a cirurgia não-cardíaca, e não observamos compli-
Pelas características anatômicas, funcionais, cações (não publicado).
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ALMEIDA DR e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com miocardiopatia hipertrófica
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ALMEIDA DR e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com miocardiopatia hipertrófica
predomínio dos sintomas anginosos, pode ser associ- essa técnica anestésica(29,30). Na literatura, observa-se
ado verapamil. clara preferência pela anestesia geral, com o argumento
A amiodarona deve ser administrada para pacien- de menor possibilidade de quedas bruscas na pré- e na
tes com fibrilação atrial paroxística e para aqueles com pós-carga e variação do gradiente. Os anestésicos ina-
arritmia ventricular documentada (TVNS ou TV). Para latórios halotano e fluroxene parecem melhorar a he-
os pacientes recuperados de morte súbita, além da modinâmica cardiovascular desses pacientes. Para boa
amiodarona, parece ser obrigatória a utilização de des- condução anestésica, é necessária a ação conjunta do
fibrilador implantável(27) . cardiologista e do anestesista, valorizando os sinto-
mas e os dados anatômicos e hemodinâmicos obtidos
MONITORIZAÇÃO INTRA- OPERATÓRIA pelo ecocardiograma bidimensional. Para os pacien-
E PÓS -OPERATÓRIA tes mais graves ou nas cirurgias de grande porte, pare-
ce bastante razoável a recomendação de monitoração
Para os pacientes mais graves, para os severamen- invasiva com cateter de Swan-Ganz e até mesmo a uti-
te sintomáticos ou para aqueles que vão ser submeti- lização do ecocardiograma no intra-operatório. É fun-
dos a cirurgia de grande porte, parece bastante razoá- damental o controle da freqüência cardíaca e a manu-
vel a utilização de monitoração hemodinâmica invasi- tenção do ritmo sinusal com o uso sistemático de be-
va com cateter de Swan-Ganz para aferição contínua tabloqueador. Na vigência de instabilidade hemodinâ-
das pressões de enchimento ventriculares, débito car- mica, deve-se reduzir a contratilidade (betabloquea-
díaco e resistência vascular sistêmica. A monitoração dor) e evitar drogas inotrópicas positivas, como digi-
de isquemia miocárdica com eletrocardiograma, tálicos, dopamina e dobutamina, sendo preferíveis para
CKMB ou troponina deve ser considerada em situa- tratamento da hipotensão as drogas alfa-1 agonistas,
ções de instabilidade elétrica ou hemodinâmica. como fenilefrina ou metaraminol(31, 32) . Na ocorrência
de instabilidade elétrica atrial ou ventricular, deve-se
MANEJO ANESTÉSICO NA CARDIOMIOPATIA empregar a amiodarona.
HIPERTRÓFICA No pós-operatório, devemos evitar a dor e ansie-
dade que estimulam a atividade adrenérgica e podem
Existem controvérsias em relação ao melhor tipo provocar arritmias, aumento do gradiente e isquemia
de anestesia para os portadores de miocardiopatia hi- miocárdica.
pertrófica(28) . Nessa doença, são fundamentais a ma- As medidas listadas na Tabela 2 são preconizadas
nutenção da pré-carga, do ritmo sinusal e da freqüên- para o melhor manejo intra- e pós-operatório desses
cia cardíaca para otimizar o enchimento do ventrículo pacientes.
hipertrófico e rígido. Bom enchimento ventricular, re-
dução do inotropismo e manutenção ou elevação da CONCLUSÃO
resistência periférica são responsáveis pela redução do
gradiente intraventricular. Portanto, o manejo anesté- A heterogenicidade da doença, a variabilidade e a
sico dessa condição deve estar voltado para a manu- labilidade das alterações hemodinâmicas, e a susceti-
tenção dessas variáveis, procurando-se evitar drogas bilidade das complicações hemodinâmicas e elétricas
ou medidas que provoquem aumento do gradiente su- dificultam o manejo dos pacientes com miocardiopa-
baórtico e redução excessiva da pré-carga, fatores es- tia hipertrófica. A pouca experiência com essa doença
ses associados a queda do débito cardíaco, aumento e a falta de dados prospectivos seguros sobre os riscos
do consumo de oxigênio e redução da perfusão coro- cirúrgicos desses pacientes dificultam a interpretação
nariana. dos dados da literatura sobre o melhor manejo anesté-
A anestesia peridural ou raquianestesia determi- sico. Esses pacientes são mais propensos a apresentar
nam bloqueio simpático, com vasodilatação arterial e complicações como instabilidade hemodinâmica, in-
venosa e redução considerável da pré- e da pós-carga, suficiência cardíaca, edema pulmonar, isquemia mio-
com conseqüente aumento do gradiente intraventricu- cárdica e arritmias. A ação conjunta de especialistas, a
lar. Esses efeitos são argumentos para vários autores, monitoração adequada e a adoção sistemática de me-
que desaconselham esse tipo de anestesia para os por- didas para evitar ou tratar as complicações têm possi-
tadores de miocardiopatia hipertrófica(23-25) , embora bilitado boa evolução da maioria dos pacientes sub-
existam vários relatos de casos bem-sucedidos com metidos a intervenções cirúrgicas.
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ALMEIDA DR e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com miocardiopatia hipertrófica
Tabela 2. Medidas preconizadas para o manuseio cirúrgico dos pacientes com miocardiopatia hipertrófica.
DIRCEU RODRIGUES ALMEIDA , C LEÓPATRA MEDINA AREOSA, ROSIANE Z. DINIZ, ADAUTO CARVALHO, R UY
FELIPE M. VIÉGAS, ANTONIO C. C ARVALHO, ANGELO A. V. DE PAOLA
Patients with hypertrophic cardiomyopathy are prone to develop some complications because there are
many troubles in cardiovascular physiology during the anesthesia, the surgery and the postoperative periods.
The problems in the preload, afterload, myocardial contractility and heart rate can worse the ventricular outflow
obstruction, so patients can develop severe hypotension, heart failure, pulmonary edema, ischemic
cardiomyopathy and cardiac arrhythmias. A clinical evaluation in order to assess the anatomic and hemodynamic
status in the preoperative period joined with an anesthesia and monitorial programs can be used together to
diagnose early complications and with these steps we can predict a better evaluation to the majority of patients
submitted to a non cardiac surgery.
Key words: hypertrophic cardiomyopathy, anesthesia, operative complications.
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ALMEIDA DR e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com miocardiopatia hipertrófica
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 391
ABORDAGEM PRÉ-OPERATÓRIA DE PACIENTES
COM DISTÚRBIOS DA CONDUÇÃO E DO RITMO CARDÍACO
Os autores abordam, de maneira prática, o manu- pré-operatória mais utilizados na prática diária. Abor-
seio de pacientes com arritmias cardíacas ou com dam, com destaque, o assunto da fibrilação atrial, além
transtornos da condução constatados no período pré- de discutir as bradiarritmias e a necessidade do uso de
operatório. Discutem a importância da arritmia como marcapasso profilático para cirurgias não-cardíacas.
preditor de risco de eventos cardiovasculares adver- Descritores: arritmia cardíaca, cuidados pré-ope-
sos, com uma visão crítica dos escores de avaliação ratórios, cirurgia não-cardíaca.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:392-6)
RSCESP (72594)-993
392 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
FIGUEIREDO MJO e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com distúrbios da condução e do ritmo cardíaco
estudos multifatoriais de risco, evoluindo para estu- arritmias durante monitorização eletrocardiográfica de
dos específicos para o tema. longa duração em 44% dos pacientes. Os achados de-
Goldman e colaboradores (1) , no estudo considera- monstraram não haver correlação entre a presença de
do pioneiro e até hoje muito utilizado como referên- arritmias no pré-operatório e eventos adversos (morte
cia, observaram que vários distúrbios do ritmo esta- cardíaca ou infarto do miocárdio não-fatal).
vam relacionados com complicações fatais e não-fa- Em conclusão, não há consenso, atualmente, so-
tais no pós-operatório de 1.001 pacientes. Nesse tra- bre o papel deletério de arritmias detectadas no pré-
balho, o escore contempla a presença de arritmias com operatório. Existem poucos estudos específicos sobre
peso desfavorável, contando muitos pontos negativos. o tema disponíveis na literatura e muitas variações
Ainda que muito importante, se observarmos o artigo metodológicas (uso de drogas, função miocárdica) e
sob o ponto de vista da arritmia, observamos alguns conceituais (tratar ou não a arritmia), que impedem a
problemas. Primeiro, 157 pacientes estavam em uso comparação adequada dos trabalhos publicados até o
de digital, droga sabidamente pró-arrítmica, o que pode momento sobre o assunto. No entanto, o bom senso,
indicar a presença de cardiopatias graves nos pacien- com base nos conhecimentos disponíveis, sugere que:
tes estudados. Vale lembrar que 48 dos 1.001 pacien- 1) Na presença de arritmias ventriculares, devem ser
tes estavam em fibrilação atrial no pré-operatório. Es- adotadas estratégias para a detecção e a
ses autores também relatam que 44 pacientes apresen- quantificação de doença cardíaca subjacente, o que
tavam história de mais que 5 extra-sístoles ventriculares pode, em última análise, determinar o prognósti-
por minuto, dos quais 43 também apresentavam evi- co, principalmente se coexistirem com isquemia e
dências de doença cardíaca com importante compro- má função do ventrículo esquerdo. Existem várias
metimento da função contrátil. Isso demonstra que a estratégias que podem ser utilizadas (8) .
arritmia não foi procurada de maneira sistemática, 2) Na presença de arritmias supraventriculares, devem
podendo haver um viés com tendência a observar ser investigadas, também, a presença e a gravida-
arritmias nos pacientes mais graves e com maior risco de de doenças pulmonares subjacentes, como su-
de complicações. Comentam, ainda, que a presença blinhado por Goldman e colaboradores (1) .
de arritmia ventricular pode ser um indicador da gra- 3) Em qualquer dessas situações, deve-se buscar e, se
vidade da cardiopatia subjacente(2) . for o caso, procurar corrigir distúrbios metabóli-
Em outro estudo, Cooperman e colaboradores (6) cos ou toxicidade medicamentosa.
avaliaram complicações no pós-operatório de cirurgia 4) O estresse a que o paciente é submetido no pré-
vascular periférica em 627 pacientes. Esses autores operatório imediato pode provocar o aparecimen-
encontraram aumento nas complicações em pacientes to de arritmias, como extra-sístoles ventriculares
com arritmias (atriais ou ventriculares) em compara- isoladas. Muitas vezes, essa ocorrência depende da
ção com pacientes em ritmo sinusal (33% “versus” 9%, ação do sistema nervoso simpático e, na maioria
p < 0,001). Em uma análise multivariada, o impacto dos casos, não tem gravidade suficiente para con-
negativo da presença de arritmia foi maior que o da tra-indicar a realização do ato cirúrgico. Casos ex-
angina e semelhante ao da presença de infarto do cepcionais devem ser avaliados isoladamente, le-
miocárdio pregresso. No entanto, notamos que o raci- vando-se em conta o quadro clínico e a opinião da
ocínio clínico na época levava em conta que toda equipe médica envolvida.
arritmia deveria ser tratada, e que o índice clínico não 5) Finalmente, é preciso ter cuidados especiais ao se
levava em conta dados de função miocárdica, como indicar terapia medicamentosa para as arritmias no
fração de ejeção do ventrículo esquerdo ou presença período pré-operatório. Os casos devem ser anali-
de cardiomegalia à radiografia, nem a relação com o sados cautelosamente. Pacientes sem cardiopatia
uso de drogas (digitálicos, antiarrítmicos) potencial- estrutural, assim como alguns pacientes com do-
mente pró-arrítmicas, além de considerar arritmias enças cardíacas, podem não necessitar de tratamen-
cardíacas complicações pós-operatórias, sem especi- to específico.
ficar que tipo de arritmia (extra-sístoles, fibrilação Deve-se esclarecer que as considerações acima são
atrial, episódios de taquicardia ventricular). pertinentes em casos de arritmias ventriculares ou
Mais recentemente, O’Kelly e colaboradores (7) es- supraventriculares não-sustentadas. Os pacientes com
tudaram 230 pacientes do sexo masculino, sabidamente episódios sustentados de arritmias em muitos casos já
coronariopatas ou com elevado risco para recebem algum tipo de tratamento, medicamentoso ou
coronariopatia, que foram submetidos a cirurgia não- não. As equipes cirúrgica e de anestesia devem ser in-
cardíaca. Nessa população, os autores encontraram formadas da natureza da arritmia e de seu tratamento,
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 393
FIGUEIREDO MJO e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com distúrbios da condução e do ritmo cardíaco
seja ele paliativo (drogas ou dispositivos como o ou menos graves do sistema de condução do coração.
desfibrilador automático implantável) ou definitivo Kunstadt e colaboradores (10) relataram os achados
(como a ablação com radiofreqüência). clínicos e eletrofisiológicos em 39 pacientes com blo-
Pacientes com intervalo PR curto e onda delta no queio bifascicular. Vinte e quatro desses pacientes fo-
eletrocardiograma basal também costumam chamar a ram submetidos a 38 cirurgias, das quais 13 foram re-
atenção em avaliações pré-operatórias. Normalmente, alizadas após a inserção de marcapasso temporário
em pacientes assintomáticos, não recomendamos ava- profilático. Nenhum paciente desenvolveu bloqueio
liação mais detalhada, mas orientamos a equipe cirúr- atrioventricular total transitório ou permanente durante
gica e anestésica para a possível ocorrência de arritmias o ato cirúrgico ou na primeira semana de pós-operató-
supraventriculares que podem requerer terapia duran- rio. Os autores concluíram que não há necessidade de
te o ato cirúrgico. Os pacientes sintomáticos podem uso de marcapasso profilático nesses pacientes.
ser candidatos a tratamento definitivo da arritmia, que Rooney e colaboradores(11), em estudo publicado em
hoje é feito por meio de ablação com radiofreqüência 1976, relataram 27 pacientes com bloqueio completo do
em ocasião oportuna. ramo direito e desvio do eixo do vetor do QRS para a
esquerda que foram submetidos a 44 procedimentos ci-
FIBRILAÇÃO ATRIAL rúrgicos. Os autores observaram bradicardia no intra-
operatório em 4 pacientes, e todos os casos responde-
A fibrilação atrial tem sua importância no contex- ram à administração de atropina intravenosa. Com esses
to da cirurgia não-cardíaca, dada sua elevada achados, os autores não recomendam o uso de
prevalência e correlação freqüente com a presença de marcapasso provisório profilático nesses pacientes.
cardiopatias ou de alterações senis. No entanto, há Venkataraman e colaboradores (12) estudaram o as-
poucos dados na literatura sobre o impacto dessa sunto, de maneira retrospectiva, em 38 pacientes com
arritmia na cirurgia não-cardíaca. variados distúrbios de condução, submetidos a diver-
No estudo de Goldman e colaboradores (1) , 48 paci- sos tipos de cirurgia. Alguns pacientes haviam recebi-
entes apresentavam fibrilação atrial. Essa população, do marcapasso provisório profilático. Em apenas um
como detalhado em outro trabalho (2) , não apresentou deles (uma paciente de 93 anos com bloqueio
risco maior de complicações cardiovasculares. atrioventricular de segundo grau tipo 2:1) foi necessá-
Mesmo assim, achamos conveniente salientar al- rio o uso de marcapasso no pós-operatório imediato.
guns pontos: Os autores concluíram que, com exceção de bloque-
1) Na presença de fibrilação atrial, deve-se, insisten- ios desse grau, aparentemente não haveria necessida-
temente, buscar e quantificar cardiopatia de de marcapasso profilático em casos de bloqueios
subjacente. no eletrocardiograma.
2) A reversão para o ritmo sinusal antes da cirurgia ou Pastore e colaboradores (13) estudaram, prospecti-
o uso de drogas para o controle da freqüência vamente, 44 pacientes com bloqueio completo do ramo
ventricular são questões que quase sempre se fa- direito e desvio do eixo do QRS para a esquerda, que
rão presentes nessa situação, e não há resposta pa- foram submetidos a 52 cirurgias. Em apenas um caso
drão. A conduta deve ser escolhida após criteriosa houve necessidade do uso de marcapasso profilático,
avaliação de cada caso. que foi indicado no pré-operatório em 6 pacientes.
3) Dado que muitos pacientes com fibrilação atrial, Os autores concluem que o marcapasso temporário
com ou sem valvulopatia, são tratados com profilático é raramente requerido por esse tipo de pa-
anticoagulantes, devem-se seguir normas específi- cientes.
cas para o ajuste de doses no pré-operatório (9) . Assim, parece que existe, hoje, segurança para indi-
car um marcapasso profilático em poucos casos. Enten-
BRADIARRITMIAS de-se que o paciente que necessita de marcapasso provi-
sório durante uma cirurgia é aquele que se enquadra nas
Outro assunto freqüente no capítulo de arritmias indicações de marcapasso definitivo (14,15). Nessa situa-
no paciente cirúrgico é o da necessidade de marcapasso ção, então, poder-se-ia indicar o implante definitivo an-
“profilático”. tes da cirurgia eletiva, com antecedência de um mês, se
Esse dilema seguramente não é novo. Anestesistas, possível. Nos casos duvidosos, pode-se lançar mão do
cirurgiões e cardiologistas, há vários anos, vêm estu- marcapasso temporário transvenoso (cuja inserção é re-
dando a necessidade do implante de marcapasso, mes- lativamente fácil, porém não isenta de complicações) ou,
mo que provisório, em pacientes com distúrbios mais se disponível, de marcapasso transcutâneo.
394 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
FIGUEIREDO MJO e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com distúrbios da condução e do ritmo cardíaco
The authors review, in a practical manner, the approaches in preoperative care of patients with cardiac
arrhythmias or conduction disturbances. They discuss the importance of cardiac arrhythmias as a predictor of
adverse cardiovascular events, with a critical analysis of the scores most commonly used in clinical practice.
Atrial fibrillation has a special attention, and the need of a prophylactic pacemaker before noncardiac surgery
is discussed.
Key words: cardiac arrhythmias, preoperative care, noncardiac surgery.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 395
FIGUEIREDO MJO e cols.
Abordagem pré-operatória de pacientes com distúrbios da condução e do ritmo cardíaco
Guidelines (Committee on Pacemaker 15. Andrade JCS, Avila Neto V, Braile DM, et al. Di-
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396 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
PROCEDIMENT OS CIRÚRGICOS EM PACIENTES PORTADORES
DE DISPOSITIVOS CARDÍACOS IMPLANTÁVEIS
EDUARDO J. V. SANCHO
Novos dispositivos cardíacos implantáveis têm volvimento de estratégias que permitam prevenir e
sido desenvolvidos com o avanço da tecnologia mé- minimizar essa interação são fundamentais para a
dica. Paradoxalmente, esses dispositivos têm intera- criação de ambientes e dispositivos compatíveis e para
gido de maneira crescente com as interferências ele- o aprimoramento da segurança dos pacientes.
tromagnéticas presentes em diferentes ambientes e Descritores: cirurgia não-cardíaca, cuidados
apresentado respostas erráticas e imprevisíveis. A pré-operatórios, dispositivos cardíacos implantá-
identificação das fontes de interferência e o desen- veis.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:397-405)
RSCESP (72594)-994
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 397
SANCHO EJV
Procedimentos cirúrgicos em pacientes portadores de dispositivos cardíacos implantáveis
marcapassos modernos tornaram-se dispositivos ex- Quando apenas uma câmara (átrio ou ventrículo) é
tremamente complexos, ao incorporar progressivamen- estimulada, é denominado monocameral. Já quando
te, com o desenvolvimento da tecnologia, os eletrodos as duas câmaras cardíacas são estimuladas (átrio e
transvenosos, a estimulação atrioventricular ventrículo), é denominado bicameral ou dupla câma-
seqüencial, as baterias de lítio de maior durabilidade, ra(8, 9) .
a miniaturização dos componentes, as múltiplas fun- Alguns marcapassos possuem biossensores capa-
ções de programabilidade e os biossensores, entre ou- zes de detectar a atividade física do paciente e deter-
tros. Mais recentemente, a capacidade de minar, como conseqüência, o aumento da freqüência
autoprogramação também se tornou disponível, per- de estimulação, de forma a fazer face às necessidades
mitindo ajustes automáticos na estimulação, de acor- metabólicas. Diversos tipos de sensores estão dispo-
do com as necessidades fisiológicas do paciente(9-11) . níveis, entre os quais sensores de vibração,
O sistema de marcapasso compreende, basicamen- acelerômetros, pH, temperatura, volume sistólico e
te, dois componentes: o gerador de pulso e o(s) respiração, entre outros. Esses marcapassos,
eletrodo(s). Dentro da caixa de titânio hermeticamen- freqüentemente, são denominados responsivos (8,11) .
te fechada, que compõe o gerador de pulso, localizam- Quanto ao modo de estimulação, os marcapassos
se a bateria e os diferentes circuitos eletrônicos de podem ser classificados em função da câmara estimu-
estimulação, sensibilidade e tempo. As baterias atuais lada, câmara detectada, resposta à detecção,
de lítio têm como característica a diminuição gradual programabilidade, modulação de freqüência e função
de energia, permitindo a detecção precoce da depleção antitaquicardia (8) .
e a troca eletiva do marcapasso(10) . As Associações Norte-Americana e Britânica de
Uma das maneiras de se classificar os marcapassos Eletrofisiologia e Marcapasso (North American Soci-
é quanto ao tipo de circuito eletrônico. Quando os ety of Pacing and Electrophysiology/British Pacing and
marcapassos oferecem apenas uma freqüência fixa, Electrophysiology Group — Generic Pacemaker Code)
sem função de sensibilidade, são denominados propuseram um sistema de classificação, o código
assincrônicos. Por outro lado, quando possuem um NBG. As três primeiras letras desse sistema indi-
circuito de sensibilidade capaz de detectar a atividade cam as funções básicas antibradicardia e as duas
elétrica intrínseca do coração, são denominados últimas, a programabilidade e as funções antitaqui-
sincrônicos(9) . cardia(12) (Tab. 1).
Os marcapassos sincrônicos possuem um disposi- Embora grande número de modos de estimulação
tivo interno ou relê (“reed switch”), que, quando ex- seja possível com a tecnologia atual, podemos conside-
posto ao campo magnético gerado por um ímã, é ca- rar que os mais freqüentes, para fins práticos, são VVI e
paz de desligar temporariamente o circuito de sensibi- VVIR (monocameral), e DDD e DDDR (bicameral).
lidade, adotando o modo de estimulação assincrônico, As indicações de implante de marcapasso permanente
com freqüência de estimulação fixa. Ao se retirar o também têm sido objeto de grande evolução, com a pu-
ímã, a função do circuito de sensibilidade é reabilita- blicação de diretrizes e consensos por parte de diferen-
da(11) . tes organizações e sociedades de especialidade. Basica-
Outra forma de se classificar os marcapassos é mente, essas indicações podem ser categorizadas em sete
quanto ao número de câmaras cardíacas estimuladas. grandes grupos(1,7) , apresentados na Tabela 2.
I II III IV V
I = câmara estimulada; II = câmara sentida ou detectada; III = resposta do marcapasso à detecção; IV = programabilidade e
modulação de freqüência; V: funções antitaquicardia.
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SANCHO EJV
Procedimentos cirúrgicos em pacientes portadores de dispositivos cardíacos implantáveis
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Procedimentos cirúrgicos em pacientes portadores de dispositivos cardíacos implantáveis
400 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
SANCHO EJV
Procedimentos cirúrgicos em pacientes portadores de dispositivos cardíacos implantáveis
meros fatores (15, 20, 21) . Os principais estão apresenta- — sinal interpretado como taquiarritmia, desencade-
dos na Tabela 5. ando estimulação antitaquicardia ou choque de
Níveis mais elevados de sensibilidade programa- desfibrilação pelo cardioversor desfibrilador
da, eletrodos unipolares e pequenas distâncias das fon- implantável;
tes emissoras, entre outros, elevam a suscetibilidade — sinal interpretado como interferência, com suspen-
do paciente às interferências eletromagnéticas. Da são dos protocolos de detecção de taquiarritmias
mesma forma, sistemas que utilizam mais que um ele- pelo cardioversor desfibrilador implantável, dei-
trodo são mais suscetíveis, visto que os eletrodos fun- xando o paciente desprotegido.
cionam como antenas receptoras de interferências ele- Todas essas respostas são conseqüências diretas da
tromagnéticas(8, 15) . ação da interferência eletromagnética sobre diferen-
As respostas mais freqüentes apresentadas pelos tes componentes do dispositivo cardíaco implantável
dispositivos cardíacos implantáveis aos sinais prove- e podem ser potencialmente catastróficas para a paci-
nientes das interferências eletromagnéticas são (5,12) : ente. Por exemplo, a inibição sustentada da estimulação
— sinal interpretado como intrínseco ao coração, ini- em pacientes dependentes do marcapasso pode deter-
bindo ou deflagrando indevidamente o estímulo do minar, na dependência da duração da inibição,
marcapasso; hipotensão, síncope ou mesmo morte.
— sinal interpretado como interferência, revertendo o
marcapasso ao modo assíncrono de estimulação, ABORDAGEM DO PACIENTE
podendo originar taquiarritmias graves devido ao
fenômeno R sobre T; A conduta a ser tomada depende sempre do tipo e
— sinal interpretado como sinal de programação, ori- da fase do procedimento a ser realizado (5, 12, 15, 16) . Con-
ginando reprogramação inadequada do marcapasso sideraremos, essencialmente, os pacientes que serão
ou cardioversor desfibrilador implantável; submetidos a quatro grupos de procedimentos: cirur-
— condução de uma série de sinais, por acoplamento gias; cardioversão ou desfibrilação; radioterapia; ou-
indutivo, diretamente ao coração, originando tros procedimentos.
fibrilação atrial ou ventricular;
— altos níveis de energia conduzidos de forma con- Cirurgias
centrada à ponta dos eletrodos, levando a lesões Os pacientes portadores de marcapasso ou cardio-
térmicas e danos permanentes da interface tecido- versor desfibrilador implantável, que necessitam de
dispositivo, com conseqüente aumento dos limia- procedimentos cirúrgicos, devem ser preparados de
res, perda de comando ou perfurações do coração; forma a evitar a ação das interferências eletromagné-
— altos níveis de energia conduzidos ao gerador, levan- ticas e prevenir a disfunção temporária ou permanente
do a danos permanentes dos circuitos eletrônicos; dos dispositivos cardíacos (22,23).
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Procedimentos cirúrgicos em pacientes portadores de dispositivos cardíacos implantáveis
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Procedimentos cirúrgicos em pacientes portadores de dispositivos cardíacos implantáveis
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 403
SANCHO EJV
Procedimentos cirúrgicos em pacientes portadores de dispositivos cardíacos implantáveis
EDUARDO J. V. SANCHO
Medical technology evolution has been responsible for the continuous flow of new implantable cardiac
devices. Paradoxically, an increasing interaction between these devices and the environmental electromagnetic
interference have produced unpredictable and dangerous situations. The precise identification of the sources of
electromagnetic interference and the development of strategies to minimize and prevent these interactions are
essential for an electromagnetic compatible and safe environment for the patient.
Key words: non-cardiac surgical procedures, preoperative care, cardiac devices.
404 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
SANCHO EJV
Procedimentos cirúrgicos em pacientes portadores de dispositivos cardíacos implantáveis
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 405
AVALIAÇÃO DE RISCO CARDIOVASCULAR PARA
PROCEDIMENTOS ODONT OLÓGICOS
ROBERTO A. FRANKEN, MARCELO FRANKEN
O tratamento dentário em pacientes cardiopatas é onadas aos cuidados com hipertensos, coronarianos
motivo de preocupação da equipe de profissionais e pacientes com arritmias. Como e quando usar anti-
envolvida no processo. Dividimos os riscos em infec- bióticos, como manipular vasoconstritores e anticoa-
ciosos, hemodinâmicos, arrítmicos e aqueles relacio- gulantes, anestesiar ou não, e quando internar são
nados ao uso de medicamentos usados pelos pacien- questões habituais discutidas e respondidas no texto.
tes ou pelo dentista, assim como interferência em Descritores: doença dentária e cardiopatia, cirur-
marcapassos. São descritas as recomendações clássi- gia dentária e cardiopatia, cirurgia oral e cardiopa-
cas para prevenir endocardite infecciosa, e as relaci- tia, cirurgia odontológica e cardiopatia.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:406-13)
RSCESP (72594)-995
406 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
FRANKEN RA e col.
Avaliação de risco cardiovascular para procedimentos odontológicos
para mortalidade e doença coronária, especialmente 3) O terceiro mito é o de que as normas da Associação
em jovens com menos de 50 anos de idade. Em paci- Norte-Americana de Cardiologia protegem contra
entes com infecção dentária, foi descrito aumento do todas as formas de endarterite infecciosa. Essa
fator de von Willebrand(6) , aumento do número de acertiva não é verdadeira. São descritos casos de
leucócitos e fibrinogênio(1) , e aumento da atividade germes resistentes, assim como o uso prévio de
plaquetária. Esses fenômenos foram induzidos por antibióticos pode tornar germes banais resistentes
bactérias envolvidas no processo inflamatório a antibióticos usados habitualmente ou privilegiar
periodental(7) . Produtos microbianos são descritos ain- o desenvolvimento de cepas resistentes.
da como indutores da disfunção endotelial (8, 9) , adesão 4) Outro mito afirma que os antibióticos devem ser
de monócitos, atividade dos macrófagos (10) , coagula- prescritos em qualquer procedimento dentário
ção sanguínea (11) e metabolismo lipídico(12) . Todos es- acompanhado de sangramento. Não há unanimi-
ses fatores citados estão, por outro lado, envolvidos dade em relação ao assunto, não estando, por exem-
no processo ateroesclerótico e de trombose arterial. plo, indicado na simples infiltração anestésica,
Outro risco infeccioso relacionando doença exceto se interligamentar.
cardiovascular e manipulação e/ou doença dentária é 5) Se o paciente estiver em uso de antibiótico, não é
a endocardite ou endarterite infecciosa, classicamente necessário mudar a dose ou o antibiótico antes do
descrita por Osler. A relação fisiopatológica clássica é procedimento dentário. Essa afirmativa também é
a bacteremia induzida pela manipulação dentária e a incorreta. Os guias indicam que as doses pré-pro-
proliferação bacteriana sobre o endotélio doente. A cedimento devem ser mais altas que as doses habi-
Associação Norte-Americana de Cardiologia, basea- tuais, e, ainda, pelo risco de resistência, que anti-
da nesse fato, recomenda a profilaxia da endocardite bióticos alternativos devem ser usados em associ-
em pacientes submetidos a determinados procedimen- ação na prevenção da endarterite infecciosa.
tos dentários e sofredores de algumas formas de 6) Discute-se o risco do antibiótico contra o risco da
cardiopatia. Observa-se, porém, que as bases dessa endarterite infecciosa. Os problemas induzidos pelo
profilaxia são conceitos fisiopatológicos e não estu- uso de antibióticos não podem ser ignorados, como
dos controlados, devido a problemas éticos evidentes. episódios alérgicos, superinfecção e outros efeitos
Saliente-se, no entanto, que publicações têm discuti- colaterais.
do o uso indiscriminado de profilaxia nesses pacien- 7) O uso de antibiótico parenteral é preferível ao uso
tes sem evidências clínicas concretas, considerando o oral em algumas situações de alto risco. Na reali-
risco e o custo do uso dos antibióticos. (13,14) dade, os fatos indicam que o uso oral é adequado
Apesar de simples, os guias da Associação Norte- na prevenção da endarterite infecciosa.
Americana de Cardiologia são de baixa adesão entre 8) Todos os pacientes com prolapso da válvula mitral
clínicos e dentistas (15) . devem receber profilaxia com antibiótico. O cor-
A seguir estão apresentados os mitos que cercam a reto é que a indicação de profilaxia se restringe a
profilaxia da endocardite infecciosa, conforme descri- pacientes com prolapso e regurgitação mitral.
tos por Wahl (16) : 9) O uso de antibiótico pode, em caso de complica-
1) A suposição de que médicos e dentistas estejam bem ção, levar a processos judiciários. A discussão do
orientados é desmentida por vários trabalhos. Os risco-benefício de qualquer procedimento deve ser
médicos, em geral, orientam mal seus pacientes em levantada. O uso de antibiótico em procedimento
relação a sua doença e desconhecem as normas de baixo risco é inadequado; por outro lado, a com-
publicadas, aplicando antibióticos inadequados em plicação advinda do procedimento adequado é o
doses impróprias. A adesão dos dentistas também risco do uso de qualquer medicamento. É recomen-
é baixa. dado ater-se às normas clássicas indicadas pelas
2) Pensa-se que a maioria dos casos de endarterite in- associações médicas credenciadas, evitando-se,
fecciosa seja relacionada a procedimentos orais. desse modo, questionamentos judiciais.
Na realidade, a maioria deve-se às más condições A profilaxia para endarterite infecciosa está indi-
de higiene oral. São baixos os índices de endarte- cada na vigência de determinadas cardiopatias. Segun-
rite infecciosa que se seguem a procedimento den- do a Associação Norte-Americana de Cardiologia (19) ,
tário(17, 18) . A profilaxia, portanto, deve ser orienta- estas podem ser classificadas em doenças cardíacas
da no sentido de se fazer higiene oral adequada no com alto risco, moderado risco ou baixo risco para
dia-a-dia, especialmente em valvulopatas e porta- endarterite infecciosa, como mostra a Tabela 1. Os
dores de próteses valvares cardíacas. pacientes com cardiopatias de alto risco e de modera-
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FRANKEN RA e col.
Avaliação de risco cardiovascular para procedimentos odontológicos
408 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
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Avaliação de risco cardiovascular para procedimentos odontológicos
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Avaliação de risco cardiovascular para procedimentos odontológicos
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FRANKEN RA e col.
Avaliação de risco cardiovascular para procedimentos odontológicos
tragam evidências da melhor conduta a ser tomada. cedimentos odontológicos (0,04 mg).
No que diz respeito a demandas judiciais após com-
plicações hemorrágicas em pacientes que tiveram sua Antidepressivos
terapia mantida, Wahl(44) considera que na literatura O efeito pressor da epinefrina aumenta cerca de
existem evidências de que o risco de sangramento nes- duas vezes quando associada a antidepressivos tricí-
ses pacientes é mínimo, enquanto não existe isenção clicos e inibidores da monoaminoxidase (IMAO). (45)
de riscos de tromboembolismo após suspensão do tra-
tamento. Fenotiazidas
Esse grupo farmacológico age como alfabloquea-
Antiagregantes plaquetários dores, podendo causar hipotensão postural, o que teo-
Embora, na literatura, alguns autores ainda defen- ricamente pode se acentuar com o uso da epinefrina,
dam a suspensão da terapia com antiagregantes por meio de sua ação beta-estimulante.
plaquetários (aspirina, dipiridamol ou ticlopidina) uma
semana antes de procedimentos dentários(42) , no nosso Cocaína
entender a manutenção da terapêutica não apresenta A injeção intravascular inadvertida de epinefrina
riscos aumentados de sangramento durante e após tais em pacientes que fizeram uso de cocaína nas 24 horas
procedimentos. que precederam tal procedimento acentua o efeito
hipertensivo e cronotrópico da droga. (46)
Betabloqueadores Acreditamos que, de modo geral, os procedimentos
Os efeitos pressóricos da epinefrina podem ser odontológicos sejam seguros, mesmo em pacientes car-
aumentados por drogas que bloqueiam os efeitos va- diopatas gravemente enfermos, desde que as recomen-
sodilatadores dos receptores ß2, como propranolol (45) . dações de cuidados pré-, intra- e pós-operatórias sejam
Esse efeito é descrito quando a dose utilizada de epi- seguidas. Não se deve excluir a necessidade de o ato
nefrina é muitas vezes maior que as utilizadas em pro- cirúrgico ser realizado com o paciente internado.
Dental treatment in cardiac patients is a cause of apprehension of the professional team. The risks are:
infectious, hemodynamics, arrhythmics and those related to the use of drugs by the patients or drug used during
the dentistry treatment as well as interference with artificial cardiac pacemaker. The classic recommendations
to prevent bacterial endocarditis and precaution with hypertensive, arrhythmic, and coronary patients are
discussed. When to treat, how to treat, when to use antibiotics, how to use vasoconstrictors and anticoagulants,
to anesthetize or not, when to hospitalize are usual questions answered in this review.
Key words: dental disease and coronary heart disease, dental surgery and coronary heart disease, oral
surgery and coronary heart disease, odontological surgery and coronary heart disease.
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Avaliação de risco cardiovascular para procedimentos odontológicos
412 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
FRANKEN RA e col.
Avaliação de risco cardiovascular para procedimentos odontológicos
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 413
PARADA CARDÍACA NO CENTRO CIRÚRGICO
A parada cardíaca em qualquer cenário repre- rência, estando alguns fatores, como superdosagem
senta um evento grave e potencialmente fatal, com anestésica, hipotensão arterial, depressão e isque-
riscos de seqüelas futuras, principalmente neuro- mia miocárdica, intimamente relacionados com a
lógicas. mesma.
Durante as intervenções cirúrgicas, geralmen- A parada cardíaca exige abordagem rápida, co-
te, encontra-se relacionada com as condições clí- ordenada e eficaz, fatores de fundamental impor-
nicas do paciente e com a complexidade do proce- tância para obtenção de sucesso em sua reversão e
dimento. para minimizar a ocorrência de seqüelas.
A anestesia geral assim como o bloqueio espi- Descritores: parada cardíaca, sala de cirurgia,
nhal poderão ser responsáveis diretos por sua ocor- anestesia.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:414-22)
RSCESP (72594)-996
414 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
BIANCO ACM e col.
Parada cardíaca no centro cirúrgico
— Paciente hígido, sem qualquer afecção orgânica ou psíquica, com as funções preservadas
— Paciente com afecção leve ou moderada, sem maiores disfunções orgânicas (por exemplo, hipertensão arte-
rial sistêmica leve)
— Paciente com enfermidade sistêmica declarada, com disfunção clara e evidenciada (por exemplo, cardiopatia
isquêmica sintomática)
— Paciente com doença grave, com descompensação funcional grave, que coloca em risco a vida (por exemplo,
insuficiência cardíaca congestiva não-compensada)
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 415
BIANCO ACM e col.
Parada cardíaca no centro cirúrgico
tésico (medicamento) ou secundária a tampo- entes submetidos a cirurgia; se não forem abordados e
namento cardíaco, pneumotórax hipertensivo, corrigidos de maneira rápida e eficaz, esses efeitos
obstrução de cavas, anafilaxia e septicemia; (2) poderão trazer sérias conseqüências, inclusive com o
— depressão miocárdica secundária a doses tóxicas estabelecimento de parada cardíaca. Dentre esses efei-
de anestésicos inalatórios, antiarrítmicos, medica- tos, salientam-se:
mento inotrópico negativo (betabloqueadores e Hipotensão: secundária ao seqüestro de sangue na pe-
bloqueadores de canais de cálcio) e distúrbios riferia, com diminuição do retorno venoso para o co-
eletrolíticos. (2) ração, associada a decréscimo na resistência vascular
As condições clínicas do paciente, a urgência, o sistêmica. Os fatores que predispõem à queda na pres-
porte do procedimento cirúrgico e o próprio procedi- são arterial são alto nível de bloqueio simpático e ida-
mento anestésico estão relacionados à morbidade e à de. (6-12) Quando o nível de bloqueio simpático é abaixo
mortalidade cirúrgicas. de T4, ocorre vasoconstrição compensatória nas ex-
Durante o procedimento anestésico, a hipotensão, tremidades superiores, que contrabalança a queda da
a bradicardia e a hipoxemia são os fatores prognósti- resistência vascular sistêmica nas extremidades infe-
cos mais significativos da parada cardíaca. (2) riores. Em níveis mais altos de bloqueio, esse meca-
nismo compensatório está ausente. (6-12) O mecanismo
Procedimentos anestésicos pelo qual a idade aumenta o risco da ocorrência de
Anestesia geral hipotensão não está totalmente definido, mas decrés-
A parada cardíaca, durante anestesia geral, é cimo na reserva cardíaca e disfunção autonômica po-
freqüentemente precedida por bradicardia, que pode deriam estar implicados. (7-12)
ocorrer em conseqüência de superdosagem de anesté- Bradicardia: acredita-se que a bradicardia seja devida
sico ou de ventilação pulmonar inadequada. (2-5) a duas causas principais, bloqueio das fibras simpáti-
Superdosagem anestésica: divide-se em: cas cardioaceleradoras e decréscimo do retorno veno-
— Superdosagem relativa: corresponde a aproxima- so. Nível de bloqueio sensitivo alto durante a aneste-
damente 40% dos casos. Ocorre durante a indução sia espinhal, acima de T5, interferiria na inervação
de pacientes que se encontram hemodinamicamen- cardíaca, por meio do bloqueio das fibras cardioacele-
te instáveis, nos quais a administração de doses radoras. O principal mecanismo implicado na ocor-
usuais de anestésicos culmina com o estabeleci- rência da bradicardia, entretanto, seria o reflexo de
mento da parada cardíaca. Como exemplo, citam- Bezold-Jarish paradoxal. O reflexo de Bezold-Jarish é
se os pacientes com insuficiência ventricular es- a estimulação, por estiramento ou por substâncias quí-
querda e aqueles com sepse por Gram-negativos. micas, de mecanorreceptores e quimiorreceptores, lo-
Esse tipo de complicação ocorre, principalmente, calizados na porção ínfero-posterior do ventrículo es-
com o uso de anestésicos por via endovenosa. (2-5) querdo, levando ao aumento da atividade parassimpá-
— Superdosagem absoluta: ocorre em aproximada- tica. Normalmente, há decréscimo na atividade desses
mente 60% dos casos, sendo secundária a dose receptores em resposta à diminuição do volume ven-
inalatória elevada do agente anestésico. Deve-se à tricular esquerdo. Entretanto, nessa circunstância, em
má utilização do ventilador, gerando altas concen- decorrência da rápida diminuição do volume ventri-
trações de gases anestésicos. As crianças menores cular, secundária a hipovolemia, ocorreria vigorosa
(com menos de 12 anos de idade) são particular- contração ventricular contra a câmara ventricular es-
mente propensas a esse tipo de complicação. Ocor- querda vazia. Isso produziria um reflexo de Bezold-
re, principalmente, com o uso de anestésicos Jarish paradoxal, resultando em bradicardia e até as-
inalatórios. (2-5) sistolia. (6-13) A presença de disfunção autonômica pré-
Ventilação pulmonar inadequada: ocorre, geralmente, via (como em idosos, diabéticos ou atletas) e o uso de
de modo acidental, em circunstâncias como incapaci- medicações bradicardizantes (como betabloqueadores)
dade em intubar ou ventilar o paciente, má aumentam a intensidade e a ocorrência de bradicar-
posicionamento da cânula endotraqueal (intubação dia. (14-16)
esofágica ou seletiva), desconexão acidental do venti- Isquemia miocárdica: o mecanismo potencial para
lador, broncoespasmo grave e pneumotórax explicar a isquemia coronariana inclui doença arterial
hipertensivo. (2-5) coronariana subclínica, redistribuição e fluxo
Anestesia espinhal coronariano, aumento de catecolaminas secundário ao
A anestesia espinhal tem alguns efeitos colaterais procedimento anestésico, e desequilíbrio entre as for-
que interferem intimamente na homeostase dos paci- ças vasoconstritoras e vasodilatadoras. (17,18) O espas-
416 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
BIANCO ACM e col.
Parada cardíaca no centro cirúrgico
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 417
BIANCO ACM e col.
Parada cardíaca no centro cirúrgico
os braços, mantendo os cotovelos rígidos. No adulto, compressão abdominal é realizada na segunda metade
a compressão do esterno deve deprimi-lo 3 cm a 5 cm, da fase de relaxamento da compressão torácica, após
sendo mantida por um período correspondente a 50% a ventilação. Justifica-se por dois efeitos: de modo si-
do ciclo compressão-relaxamento. milar ao do balão intra-aórtico, a compressão da aorta
Ressuscitação com um socorrista: deve-se comprimir abdominal, durante sua realização, aumenta a pressão
o precórdio com freqüência de 80 a 100 vezes por diastólica aórtica e a pressão de perfusão coronariana;
minuto, alternando a cada 15 compressões duas seu segundo efeito seria o aumento do retorno venoso,
insuflações pulmonares. com aumento na velocidade do fluxo anterógrado na
Ressuscitação com dois socorristas: comprimir o veia cava inferior. Na parada durante a anestesia, onde
esterno com freqüência de 80 a 100 vezes por minuto, a hipovolemia tem importante implicação, a realiza-
alternando, a cada cinco compressões torácicas, uma ção das compressões abdominais teria justificativas
insuflação pulmonar. fisiológicas inequívocas, merecendo investigações clí-
Uma técnica alternativa é a realização de compres- nicas em decorrência de seu efeitos benéficos. (20-22)
sões abdominais interpostas a compressão torácica ex- Nos pacientes que apresentam parada cardíaca na
terna (caso o procedimento cirúrgico o permita). A vigência de toracotomia ou nos pacientes politrauma-
tizados e com pneumotórax hipertensivo, nos quais a
drenagem não surtiu efeitos
imediatos, deverá ser realizada
Assistolia compressão cardíaca interna,
havendo necessidade de o paci-
Manter manobras de ressuscitação cardiopulmonar ente estar intubado. (20,21)
Intubação + acesso venoso (se não presentes) Fibrilação ventricular
Confirmar assistolia em mais de uma derivação Nos casos de fibrilação ven-
tricular ou na ausência do des-
↓ fibrilador, deverá ser realizada
Considerar a causa: desfibrilação imediata. Quando
Hipoxia a fibrilação ocorre na vigência
de toracotomia, a desfibrilação
Hipercalemia
elétrica direta deve ser realiza-
Hipocalemia da, com as pás-eletrodo aplica-
Acidose preexistente das sobre o coração. (20,21)
Intoxicação por drogas
Socorro especializado na
Hipotermia
parada cardiorrespiratória
↓ O socorro especializado na
Considerar marcapasso transcutâneo de imediato parada cardiorrespiratória está
explicado nos três algoritmos
(medida aceitável e possivelmente útil) apresentados a seguir (Figs. 1 a
↓ 3).
Epinefrina — 1 mg, EV, em bolus
Medicamentos
(repetir a cada 3 a 5 minutos) Oxigênio
↓ Deve ser administrado o
mais rapidamente possível, de
Atropina — 1 mg, EV, a cada 3 a 5 minutos preferência a 100%, para au-
(dose total = 3 mg) mentar a tensão arterial de
oxigênio, a saturação da he-
↓ moglobina e a oxigenação tis-
Considerar término dos esforços sular. (20, 21)
Fluidos endovenosos
A hiperglicemia gera pior
Figura 1. Algoritmo para tratamento da assistolia. (20,21) prognóstico neurológico nos
418 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
BIANCO ACM e col.
Parada cardíaca no centro cirúrgico
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 419
BIANCO ACM e col.
Parada cardíaca no centro cirúrgico
Inclui:
Dissociação eletromecânica
Pseudodissociação eletromecânica
Ritmo idioventricular
Ritmo ventricular de escape
Ritmos bradissistólicos
Ritmos idioventriculares pós-desfibrilação
⇓
Continuar manobras de ressuscitação cardiopulmonar
Intubar imediatamente + acesso venoso (se não presentes)
↓
Considerar causas possíveis:
Hipovolemia (infusão de volume)
Hipoxia (ventilação)
Tamponamento cardíaco (pericardiocentese)
Pneumotórax hipertensivo (descompressão com agulha)
Hipotermia (manobras específicas de reaquecimento)
Embolia pulmonar maciça (cirurgia)
Intoxicação por drogas como tricíclicos, digital, betabloqueadores,
bloqueadores de canais de cálcio
Hipercalemia
Acidose
Infarto agudo do miocárdio extenso
↓
Epinefrina — 1 mg, EV, em bolus
(repetir a cada 3 a 5 minutos)
↓
Se bradicardia absoluta (< 60 bpm) ou relativa
Atropina — 1 mg, EV
(repetir a cada 3 a 5 minutos)
(dose total = 3 mg)
↓
Considerar cessação de esforços ressuscitatório
Figura 3. Algoritmo para tratamento da atividade elétrica sem pulso. (20, 21)
420 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
BIANCO ACM e col.
Parada cardíaca no centro cirúrgico
Cardiac arrest is, in any scenario, a serious, potentially fatal event, with a risk of future sequelae, especially
neurological.
The occurrence of cardiac arrest during surgical interventions is usually related to the patient’s clinical
conditions and to the complexity of procedure.
Both general anesthesia and spinal block may directly account for the occurrence of cardiac arrest. Some
other factors, such as anesthesia overdose, arterial hypotension, myocardial depression and ischemia, are also
closely related to it.
Cardiac arrest requires a rapid, coordinated and effective approach; these factors are of utmost importance
for its successful reversion and for minimizing the occurrence of sequelae.
Key words: cardiac arrest, surgery room, anesthesia.
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 421
BIANCO ACM e col.
Parada cardíaca no centro cirúrgico
422 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
ANÁLISE CRÍTICA DAS AVALIAÇÕES PERIOPERATÓRIAS EXISTENTES
E PROPOSTA PARA MODELO PADRONIZADO PARA A SOCESP
Os autores analisam os diversos algoritmos áveis não presentes em outros algoritmos e do-
de avaliação perioperatória disponíveis e apon- enças com maior prevalência em nosso país.
tam suas falhas. Paralelamente, propõem um es- Descritores: avaliação perioperatória, cirur-
quema de avaliação alternativo, incluindo vari- gia.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2000;3:423-30)
RSCESP (72594)-997
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CARAMELLI B e col.
Análise crítica das avaliações perioperatórias existentes e proposta para modelo padronizado para a SOCESP
da prática clínica, tendo por base sólidas evidências comenta um estudo sobre avaliação perioperatória em
científicas; isso quer dizer que, de maneira geral, a operações de catarata nos Estados Unidos(24) . Naquele
intervenção cirúrgica proposta não modifica o trata- país, há alguns anos, estabeleceu-se o agendamento
mento que está sendo realizado para aquele paciente. automático de exames laboratoriais perioperatórios
Como exemplo, se, para determinado indivíduo, uma como rotina. Esses exames são responsáveis por um
operação para correção de estenose de uma válvula ou custo anual de 30 bilhões de dólares americanos em
uma angioplastia estão propostas e o paciente neces- todos os tipos de intervenção cirúrgica. Segundo esse
sita também de intervenção como gastrectomia, a in- sistema, na operação de catarata, somente os pacien-
dicação da intervenção cardíaca continua valendo. O tes com exames alterados são encaminhados para ava-
que cabe à equipe que assiste ao doente (cirurgião, liação clínica sob forma de consulta médica. No estu-
cardiologista, anestesista e clínico) é decidir qual a do de Schein e colaboradores (25) , comentado por Roi-
intervenção que deve acontecer primeiro, qual o inter- zen, concluiu-se que é preciso interromper a solicita-
valo a ser observado entre os dois procedimentos e ção de exames laboratoriais de rotina e incrementar a
colocar o paciente nas melhores condições clínicas avaliação clínica por médicos antes da operação, uma
possíveis. vez que não há vantagem em prescrever exames peri-
operatórios como rotina (25) .
DEFINIÇÃO DA POPULAÇÃO Além disso, o editorial lembra que a avaliação ade-
A SER AVALIADA quada, em uma ou mais consultas médicas, não deve
se limitar ao período estrito da intervenção cirúrgica,
A maioria dos algoritmos refere-se a estudos pu- mas incluir estratégias de prevenção primária e secun-
blicados há muitos anos, nos quais foram analisadas dária, que devem ser seguidas a longo termo. A avali-
séries de casos. Essas séries correspondem a grupos ação, muitas vezes a primeira consulta médica cardio-
populacionais selecionados e não comparáveis entre lógica realizada pelo paciente, representa uma opor-
si, pois os pacientes analisados não têm característi- tunidade única para um diagnóstico cardiológico an-
cas clínicas semelhantes, não foram submetidos aos tes desconhecido.
mesmos procedimentos cirúrgicos, pelas mesmas téc-
nicas e nem pelos mesmos operadores. É importante AVANÇOS NO TRATAMENTO DAS DOENÇAS
estabelecer que o algoritmo pode não ter o mesmo valor CARDIOVASCULARES
para uma população diferente, como a dos diabéticos,
a dos idosos ou mesmo de um outro país. Em qualquer A constante evolução das técnicas cirúrgicas e do
uma dessas situações, trata-se de populações com ca- tratamento das doenças cardiovasculares impõe a ne-
racterísticas próprias, para os quais os marcadores de cessidade de atualização freqüente dos algoritmos de
risco podem ser diferentes. avaliação perioperatória. A introdução de novos me-
dicamentos melhorou a sobrevida de pacientes, mas
DEFINIÇÃO DO PROFISSIONAL QUE introduziu, no contexto perioperatório, outras variá-
DEVE AVALIAR veis: efeitos colaterais, complicações da terapêutica,
mudança de conceitos e de marcadores, e melhora de
Cardiologistas, pneumologistas, clínicos gerais, prognóstico de determinadas doenças.
cirurgiões e anestesistas já elaboraram propostas de Todos os algoritmos de avaliação perioperatória não
avaliação perioperatória(5-23) . Em cada uma delas, nota- consideram o fato de que os estudos nos quais estão
se o peso maior para as variáveis relacionadas a cada baseados incluíram pacientes que foram submetidos a
especialidade. Assim, para um mesmo doente, podem tratamentos clínicos e cirúrgicos diferentes, em outra
haver diferentes conclusões e níveis de risco periope- época. Como exemplo, o infarto do miocárdio como
ratório, dependendo de quem realiza a avaliação. fator de risco para complicações perioperatórias é
Em nossa opinião, não importa quem fará a avali- maior quando o mesmo tiver ocorrido nos seis meses
ação nem qual algoritmo utilizará. O importante é que que antecedem a operação. Contudo, esses dados re-
a avaliação seja bem feita, contendo anamnese exten- ferem-se a séries de casos anteriores ao advento do
sa, exame físico completo e relatório claro e legível, tratamento trombolítico, que reduziu a mortalidade e
que compreenda o nome do algoritmo utilizado, para a morbidade dos pacientes com infarto. Provavelmen-
que a linguagem seja familiar a toda a equipe médica te, na era da trombólise, o risco de complicação cardi-
multidisciplinar. ovascular em paciente submetido a cirurgia não-car-
Em um editorial recentemente publicado, Roizen(24) díaca continuará sendo maior, mas, seguramente, por
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CARAMELLI B e col.
Análise crítica das avaliações perioperatórias existentes e proposta para modelo padronizado para a SOCESP
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 425
CARAMELLI B e col.
Análise crítica das avaliações perioperatórias existentes e proposta para modelo padronizado para a SOCESP
Que será submetido a procedimento cirúrgico, após avaliação clínica foi constatado que o mesmo:
( ) não apresenta cardiopatia clinicamente detectável.
( ) apresenta as seguintes doenças cardiovasculares: ______________________________
______________________________
______________________________
( ) apresenta outras doenças, a seguir relacionadas: ______________________________
______________________________
______________________________
Resultados dos exames previamente realizados:
ECG: _________________________________________________________________________
Ecocardiograma: __________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Holter: _________________________________________________________________________
Estudo hemodinâmico: ___________________________________________________________
Outros exames cardiovasculares: ____________________________________________________
________________________________________________________________________________
Outros exames: Hb:___ Ht: ___ Glicemia: ___ Uréia: ___ Creatinina: ___ K: ___
TGO: ___ Gasometria arterial: pO2: ___ pCO2: ___
Radiografia do tórax: __________________________________________________________
Outras informações relevantes: ___________________________________________________
426 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
CARAMELLI B e col.
Análise crítica das avaliações perioperatórias existentes e proposta para modelo padronizado para a SOCESP
Moderados:
( ) IAM há menos de 6 meses e fora da fase aguda 10 pontos
( ) Angina do peito estável na atualidade 10 pontos
( ) Episódio de angina do peito instável há menos de 3 meses, atualmente ausente 10 pontos
( ) EAP secundário a ICC há menos de 1 semana 10 pontos
( ) Taquiarritmias supraventriculares sustentadas com resposta ventricular elevada.
Arritmia ventricular repetitiva sustentada documentada/passado de FV/
episódio de morte súbita abortada há mais de 3 meses/portador de DAI 10 pontos
( ) Canadian Cardiovasc. Society Angina classification — classe III 10 pontos
( ) Cirurgia de emergência 10 pontos
( ) Cirurgia de transplante. Receptor de órgãos vitais: fígado e rim 10 pontos
( ) Estenose mitral grave 10 pontos
Maiores:
( ) Canadian Cardiovasc. Society Angina classification — classe IV 20 pontos
( ) Estenose aórtica grave 20 pontos
( ) ICC classe IV 20 pontos
( ) Fase aguda de IAM 20 pontos
( ) Episódio recente de FV ou MS abortada em não portador de DAI 20 pontos
( ) Cirurgia de transplante. Receptor de órgãos vitais: coração e pulmão 20 pontos
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000 427
CARAMELLI B e col.
Análise crítica das avaliações perioperatórias existentes e proposta para modelo padronizado para a SOCESP
ANEXO
Nome: ____________________________ Idade: _____ anos Sexo: ( ) M ( )F
Volume estimado de perda sanguínea: ( ) < 200 ml ( ) > 200 /< 1.000 ml ( ) > 1.000 ml
COMPLICAÇÕES: ( ) ausentes
( ) presentes ( ) indução anestésica
( ) no ato cirúrgico
( ) pós-operatório imediato
( ) pós-operatório tardio
428 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 10 N o 3 Mai/Jun 2000
CARAMELLI B e col.
Análise crítica das avaliações perioperatórias existentes e proposta para modelo padronizado para a SOCESP
The authors analyze the available schemes for perioperative evaluation. An alternative scheme, including
data non obtained by other schemes and diseases more prevalent in Brazil is proposed.
Key words: perioperative evaluation, surgery.
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CARAMELLI B e col.
Análise crítica das avaliações perioperatórias existentes e proposta para modelo padronizado para a SOCESP
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