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Jantares-Tertúlias de Inverno
Livraria Ler Devagar, 6 de Janeiro de 2011, 20h00
É hoje bem reconhecido – não por todos, realce-se – que parte muito significativa das manifestas
dificuldades em enfrentar estes paradoxos da condição urbana – entre anseios, problemas e
potencialidades – se centra nas estruturas e nos modelos de governação e de cidadania urbana
existentes – e possíveis. Na verdade, Portugal só será mais democrático, mais eficiente, mais
sustentável, e mais feliz, se as suas cidades o forem.
Para além das questões mais evidentes, nomeadamente os contextos históricos português e Europeu
(como o desenvolvimento do poder local após 1974 e as políticas regionais após 1986), e o franco
acentuar das tendências de urbanização, de motorização e de virtualização dos modos de vida meta-
urbanos, alterando decisivamente as formas de organização, de vivência e de investimento nos
territórios, na apresentação será discutida a paisagem de cidadania e de governação das nossas cidades
– e nomeadamente, da região de Lisboa – bem como os seus elementos de crise e de oportunidade,
estando estas dimensões intrinsecamente ligadas, sendo mesmo consequência, das alterações
estruturais que se têm operado durante o último século na forma como vivemos e nos deslocamos nos
territórios.
Como exemplo serão explorados dois factores que de forma directa e indirecta têm tido impactos
profundos nos modelos e estruturas de governação das cidades – mobilidade vs. acessibilidade;
dispersão vs. densidade.
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O encontro fortuito com o "outro" é a pedra de toque da cidade democrática. Ao colocarmos durante as
últimas décadas a mobilidade como a prioridade a assegurar a todo o custo, fomos gradualmente
perdendo a qualidade dos espaços de encontro. A opção pela velocidade cada vez mais alta, leva
necessariamente à progressiva fragmentação do espaço público pelas infra-estruturas rodoviárias e à
dispersão urbana em mancha de óleo. Por outro lado o urbanismo com zonamentos mono-funcionais,
exacerba também as necessidades de mobilidade em detrimento da acessibilidade. No entanto, a
acessibilidade, no seu sentido mais lato (qualidade do acesso), é um melhor indicador de equidade e
bem-estar do que a quantidade de movimento (mobilidade). Mas, mais crucial para a tese que
pretendemos debater, só a qualidade dos espaços de encontro em sítio público e compacto, permite o
verdadeiro acesso e interacção entre comunidades (gerações, classes sociais...). Sem elevados graus de
acessibilidade, o cidadão isola-se, deixa de se sentir parte da “coisa pública” e deixa de participar em
“causas comuns” – uma das formas mais simples de medir a saúde de uma democracia é através da
dimensão e respeito dos passeios. A dispersão e a fala de diversidade, que caracterizam as expansões
urbanas das últimas décadas, reduzem a acessibilidade de uma forma generalizada. A hiper-mobilidade
que assistimos hoje nas áreas metropolitanas pode ser a génese da hipo-acessibilidade que todos
também sentimos e sofremos e parte da explicação para a crise de governança que se instalou. Por
outro lado, a velocidade que partes significativas da população conseguiu comprar durante o último
século, fruto do aumento dos rendimentos disponíveis e da redução do preço real da energia, resultou
que a expansão da cidade se fizesse de forma dispersa e com baixa densidade. No entanto, a densidade
é uma das características fundamentais para a democracia e governação da cidade. Densidade está
intrinsecamente associada à diversidade e complexidade: possibilita a existência de espaços públicos
seguros e interessantes, de comércio de rua com vitalidade e próspero, de uma forte acessibilidade e a
oferta de melhores transportes públicos. Permite também que as distancias sejam percorridas à pé ou
em transportes públicos o que poderá ser directamente proporcional à redução do número de carros e
ao consumo energético dos seus habitantes.
O debate incluirá, enfim, as consequências desta crise de governança com o caso de estudo da nossa
capital: o panorama das estruturas de atenção e de governação de Lisboa (da ‘Grande Lisboa’ à mais
pequena Lisboa) manifesta, de forma muito clara, uma desorientação e uma incapacidade de actuação
estrutural, sedimentada ao longo de muitos anos. Uma desorientação que surge reflectida de muitas
formas, entre as quais se poderão destacar: A considerável desconexão e distância – e concomitante
dificuldade de aproximação – das estruturas institucionais e administrativas, com os ritmos e com as
necessidades da cidade, bem como com os anseios, necessidades e direitos de acção, expressão e
participação dos seus cidadãos e agentes económicos, sociais e culturais; A incapacidade de construção
de uma plataforma estratégica e integradas para a cidade – e para a metrópole – vinculadora e
condutora da acção pública, motivadora para projectos colectivamente mais apropriáveis; A
desmotivação organizacional instalada em diversos órgãos municipais, acentuada pela dificuldade de
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maturação de uma cultura e dinâmica de acção e de planeamento mais próxima e mais activa,
sustentada na qualidade de serviço público, na eficiência e no mérito; O estado de desenquadramento
existente nas estruturas de receitas e de despesas urbanas, face às responsabilidades e desafios
colocados à sua governação e qualificação da cidade.
Propõe-se assim para debate, diferentes formas de entendimento da cidade e da própria condição
urbana, dos campos da sociedade e da economia aos da própria política e cidadania. Procurando
contribuir para uma maior compreensão, e abrindo reais possibilidades em diferentes frentes: a) o
lugar da cidade; b) o conhecimento da cidade; c) a política na cidade.
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Mário J. Alves é Engenheiro Civil pelo Instituto Superior Técnico, especialista em transportes e
mobilidade com o grau de mestre pelo Imperial College London. Trabalhou no Centro de Sistemas
Urbanos e Regionais da Universidade Técnica de Lisboa e no Centre for Transport Studies of the
University of London como Investigador Associado. Os seus temas de investigação versaram a Modelação
e Análise de Cadeias de Actividades, experiências em Preferência Declarada e métodos de inquérito
para diários de viagem. Como consultor de transportes foi Coordenador Operacional do Plano de
Mobilidade de Almada. Trabalha nos projectos europeus, LifeCycle e Active Access e é membro do
painel de especialistas da Direcção-Geral de Energia e Transportes da Comissão Europeia. Em 2008 foi
convidado pela Ecole Polytechnique Federale de Lausanne, para colaborar com um corpo permanente
de consultores conselheiros das autoridades Suíças sobre Ordenamento do Território e Mobilidade
(Spacewatch). Recentemente fez parte do Comité Internacional de Programação da conferência Walk21
em Toronto e foi Coordenador Nacional do Projecto COST: Pedestrian Quality Needs. Em 2010 publicou
como coeditor o livro "The Walker and the City". Escreveu artigos e fez numerosas comunicações e
seminários em vários países europeus sobre diversas temáticas relacionadas com transportes e
mobilidade sustentável.