You are on page 1of 2

2 De Setembro de 1905

Querido Diário

Sinto-me exausta. Há varias noites que vejo o sol nascer. Tenho bebido e
comido palavras e tudo em prol da condição da mulher portuguesa na nossa
sociedade. Vivo há muito com o dom da palavra e da escrita sem que possa
fazer uso do mesmo. Sento-me completamente aprisionada. Sou prisioneira
dos meus pensamentos e dos meus desejos. Agora vive em mim um novo
alento. Há três dias que escrevo os meus mais profundos pensamentos e
desejos. Transcrevi-os para o papel com o nobre titulo “As mulheres
Portuguesas”. Não posso dizer que sou uma mulher feliz pois gostaria de ver
todos os meus pensamentos, por muitos apelidados de feministas sob a forma
de troça, colocados em prática. Mas não desistirei. A luta é a palavra de ordem.

Na minha escrivaninha está agora o meu maior tesouro, ou seja, uma


abordagem critica ao diminuto papel que a mulher portuguesa ocupa em
Portugal. É lamentável que o homem despreze o valor intelectual e o grande
potencial que a mulher portuguesa detém. É com um riso irónico que profere a
palavra feminismo e é com um orgulho desmedido e ridículo que proclama o
valor da mulher confinado ao papel de dona de casa e mãe. Que ridículo
pensamento. A mulher possui as mesmas potencialidades que o homem e hoje
em dia preocupa-se com a realidade que a envolve. Interessa-se pela
economia e pela política. É detentora de vastos conhecimentos. É letrada.
Sabe escutar e falar. Gere o seu lar de forma harmoniosa. Desde logo deveria
a classe masculina partilhar as suas ideias, assim como o governo do país com
a classe feminina. O país ficaria a ganhar. Tornar-se-ia mais evoluído. De tal
não tenho réstia de dúvidas. Não consigo viver com a ideia da mulher
subjugada aos desejos do homem. Como pode um pai e uma mãe dormir
sabendo que a sua filha vive oprimida e infeliz? As mulheres possuem os
mesmos direitos que os homens e não me venham dizer que feminismo é
defender apenas os direitos das mulheres ou torna-las assexuais. Nada disso,
é apenas lutar pela igualdade dos sexos.
Não se compreende que os homens possam sair, encontrarem-se numa
taberna e debaterem um dado tema da actualidade e que as mulheres não o
possam fazer. Se o fizerem arriscam-se a serem apelidadas de levianas e
estarem sujeitas às sanções que os maridos assim o desejarem e acharem
convenientes. Em que critério se basearão? Só pode ser no critério de uma
superioridade sem qualquer lógica.

Nós as mulheres não somos apenas donas de casa despidas de ideias. Não
somos apenas mães. Damos aos nossos filhos uma educação esmerada.
Sabemos que o melhor do nosso país ainda está para vir. Estamos aptas para
realizar os mesmos trabalhos que os homens, pois temos duas mão e um
cérebro que aos olhos de muitos é pequeno mas que funciona tão bem quanto
o cérebro masculino.

Não me conformo e nem baixo os braços. A minha luta jamais terá fim. Apenas
baixarei levemente os braços, quando ver que a classe feminina é respeitada
no seu todo.

Aquelas páginas que escrevi e que repousam na minha escrivaninha serão o


meu primeiro contributo para a ascensão da condição feminina na nossa
sociedade, mas assumo desde já o compromisso contigo, querido diário de não
desistir. Lutarei até que as forças me abandonem.

Estou cansada mas feliz. Esta noite dormirei um sono merecido e gratificante,
pois na certa sonharei com as minhas reivindicações, que considero justas,
face à mulher portuguesa.

Amanhã é um novo dia!

You might also like