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NO ESCURINHO

DOS MUSEUS
Ter uma obra de arte no acervo não significa que ela
estará exposta ao público. Veja onde você terá que apurar
bem o olhar para encontrá-la

Por Ana Paula de Deus

S
omando apenas o acervo dos quatro maiores museus de São Paulo –
Masp, MAC, MAM e Pinacoteca –, a cidade abriga mais de 30 mil
obras artísticas, incluindo pinturas, esculturas, gravuras, mobiliário,
louça, prataria e tapeçaria. O número, que pode encher de orgulho
qualquer paulistano, não significa que haja necessariamente 30 mil
obras expostas ao olhar de visitantes e apreciadores de arte. Isso porque ter
uma peça no acervo não significa que ela está exposta: há muitas obras que
passam anos na reserva técnica, o relicário dos museus. “Algumas pessoas
dizem que a reserva é o porão, mas ela é o cofre do museu porque é o lugar
mais valioso”, conta Eunice Sophia, coordenadora do Acervo e Desenvolvi-
mento Cultural do Museu de Arte de São Paulo (MASP).
“Ele é o cofre do Tio Patinhas”, brinca o chefe da Divisão Técnico-Cien-
tífica do Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São
Paulo (MAC-USP), Paulo Roberto Amaral Barbosa, ao se referir à sala da
reserva técnica, cuja porta de aço com meio metro de largura é encontrada
depois de transpormos um portão e dois seguranças e passarmos por um labi-
rinto de corredores estreitos. Aliás, não chegamos à porta da reserva, mas sim
Unidade Tripartida, de Max Bill: à ante-sala do relicário. “Tudo isso não se dá por segurança necessariamente,
500 quilos de aço exige logística para ser transportada mas por conservação”, explica Barbosa.

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Se estão nos museus, mas o pú- portantes no acervo que poderiam no 3° subsolo do prédio: uma longa exposição compro- obras estarão à mostra, a não ser no caso de museus tradi-
blico não as pode ver, essas obras estar em exposição permanente, meteria o jérsei de seda do vestido. cionais como o do Vaticano e o Louvre”, explica.
poderiam ser encaradas como es- mas não há espaço para mostrar”, No MAC há o caso similar e curioso de uma doação
condidas? “Escondida não”, res- conta Felipe Chaimovich, cura- que chegou fechada numa caixa, estado em que ficou O lado B dos museus
ponde Eunice. “Às vezes a gente dor do museu. por algum tempo. Era uma peça, sem título, do paulista Na contramão dos grandes museus da cidade, fi-
tem uma obra que, até por suas No MAM são realizadas de Nuno Ramos, formada por um tipo de resina que se cam os acervos que, apesar de pequenos, são gigan-
características, é difícil ser inseri- sete a oito exposições por ano. “derrete”, solta pedaços da tinta e precisa passar, quase tes pelas obras que abrigam. Um exemplo é o acervo
da em algum contexto”. Destas, três são feitas com a co- que freqüentemente, por um trabalho de recuperação. do palácio do governo de São Paulo, formado pelas
Um exemplo do que explica leção própria, o que equivale a O número de obras expostas nas
Eunice é uma escultura atribuída
a Aleijadinho, São Francisco de
mostrar cerca de 200 obras do
acervo por ano. Se levarmos em
exemplares de um
mesmo artista tam- O número de exemplares de um paredes do Palácio
dos Bandeirantes
Paula, datada de 1760-80. Atual- conta o número de doações que bém pode compro- mesmo artista pode comprometer e do Horto Flores-
mente, o MASP tem salas de ex- o museu recebeu em 2007, algo meter a exposição tal, na capital, e
posição de obras brasileiras, sob o como 500 peças, e a quantida- de suas obras, como a exposição de suas obras, como do Palácio da Boa
nome de Brasil Moderno, ao que
Eunice questiona: “Como é que
de média de peças exibidas por
mostra (200/ano), haveria um
os 573 trabalhos de
Emiliano Di Caval-
ocorre com os 573 trabalhos de Vista, em Campos
do Jordão. A cole-
eu posso colocar um Aleijadinho crédito só este ano de 300 obras canti da coleção do Di Cavalcanti da coleção do MAC ção é formada por
dentro desse contexto?” que chegaram e ainda não foram MAC. Dificilmente 3.500 peças adqui-
Outro caso curioso da coleção expostas. Essa matemática artís- todas as peças serão mostradas em uma mesma exposi- ridas no início da década de 1970, quando o então
do MASP são as dezoito cadeiras tica, no entanto, só vale para as ção. Uma saída elaborada pelo museu foi a montagem secretário da Fazenda, Luís Arrobas Martins, realizou
venezianas do século XVIII. Para exposições realizadas no espaço de exposições itinerantes pelo Brasil. um garimpo das obras dos períodos barroco e moder-
serem mostradas ao público, Meninos e Piões, de Portinari: atração no Oscar Americano físico do próprio museu. Segun- Aliás, o empréstimo de obras para outros locais é um no brasileiros disponíveis no mercado. “O acervo foi
considera Eunice, teria de haver do Chaimovich, em 2006 16% do dos motivos que levam as peças para longe das paredes constituído com a intenção de montar um patrimônio
ou uma exposição de mobiliário e arte veneziana, e aí acervo foi mostrado em uma única exposição na OCA. dos museus. Eunice Sophia, do MASP, conta que algu- público, aberto à visitação, para que essas obras pu-
entrariam apenas esses dois ou três exemplares da co- “Foi a maior quantidade de obras já colocadas em ex- mas pessoas vêm do exterior para ver determinadas obras dessem ser apreciadas, não foi apenas a preocupação
leção, ou uma mostra com todas as cadeiras, o que não posição”, diz o curador. que às vezes não estão expostas. “Elas sabem que em todo de decorar os palácios”, explica a diretora do acervo,
é possível devido ao tamanho das peças: cada cadeira O MAC, devido à falta de espaço, ganhou o famoso museu do mundo não é sempre que você chegará lá e as Ana Cristina Carvalho.
tem 2 metros de altura. “O museu é pequeno para o “prédio de Detran”, local onde funcionou o Departa-
Obras de arte expostas nos corredores do Palácio dos Bandeirantes
tamanho e a importância da coleção”, reflete a guardiã mento de Trânsito do Estado de São Paulo, no Ibirapue-
do acervo. ra, do outro lado do prédio da Bienal. O local está sendo
readequado para receber parte do acervo do museu, que
Um lugar ao sol manterá as atividades na Cidade Universitária da USP. A
Assim como as cadeiras do MASP, algumas obras do abertura do novo espaço acontecerá em 2009.
MAC passam pelo
mesmo contratem- A insustentável
po: a relação do ta- O “prédio de Detran”, no Ibirapuera, beleza da arte
manho da obra com está sendo readequado para Os materiais usa-
o espaço do museu dos nas obras às ve-
por vezes dificulta a receber parte do acervo do MAM. zes tornam a peça
exposição de peças.
A Unidade Triparti-
A abertura do novo espaço frágil: papel que se
desbota e precisa fi-
da, do artista plásti- acontecerá apenas em 2009. car ao abrigo da luz,
co Max Bill, é uma tinta que se derrete
delas: “Ela pesa 500 quilos, é necessária uma operação ou craqueja (solta lascas de resina), tecidos finos e ou-
e estratégia para transportá-la”, diz Barbosa. tras delicadezas que exigem a permanência da obra na
No Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) reserva técnica. É a situação do vestido desenhado por
não é diferente: apenas 1.300 metros quadrados para Salvador Dalí entre 1949 e 1950. Costume do Ano 2045
uma coleção de 5 mil obras – composta em sua maioria não pode ficar muito tempo longe do ar climatizado e
por exemplares de arte contemporânea. “Tem coisas im- da umidade controlada do “cofre” do MASP, localizado

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Dependendo da época do ano – porque as obras cir- exposições temáticas realizadas no ano passado: “Hoje a
culam pelos três palácios –, nos corredores do Palácio dos função museológica das obras é bastante mais reforçada”.
Bandeirantes, por exemplo, podem ser encontradas peças Em frente ao Palácio dos Bandeirantes, em um parque
como Maternidade, de Vicente Rego Monteiro, Operários, de 75 mil metros quadrados, no bairro do Morumbi, zona
de Tarsila do Amaral, um São José de Botas, do Aleijadi- sul de São Paulo, fica a Fundação Maria Luisa e Oscar
nho, e a Bailarina, de Victor Brecheret. O peculiar desse Americano, que possui em torno de 1.600 obras de arte.
acervo é que a reserva técnica não é um salinha escondida Segundo Claudia Vada Souza Ferreira, coordenadora do
na casamata de um prédio. Elas estão ali, entre os passan- acervo, 98% da coleção está em exposição permanente.
tes, para contemplação de quem apenas tem tempo para O conjunto foi montado inicialmente com peças
olhá-las. “Os palácios, que tem as funções residenciais e da família Americano, em 1974, e mais tarde ganhou
administrativas, têm obras compradas
essa característica
diferente do tradi-
Por suas funções residenciais em dois leilões de
arte ocorridos na
cional museu de e administrativas, os espaços dos Suíça. Foi nessa
arte. Aqui os espaços
não são neutros”, diz palácios não são neutros, o que os leva que chegou
a coleção de oito
Ana Cristina. diferencia dos museus tradicionais, pinturas do ho-
Outra relíquia landês Frans Post,
desse acervo é um diz Ana Cristina Carvalho que esteve em Per-
conjunto de 64 nambuco durante
pinturas cusquenhas do século XVIII, a segunda maior a ocupação de Maurício de Nassau no século XVII.
coleção fora do Peru. “Entre os anos 1960 e 1980 houve Além dessas telas, pode-se ver ali Meninos e Piões, de
um resgate e um mergulho no nosso passado colonial, as Portinari, e obras de Lasar Segall, Di Cavalcanti e a
famílias ricas consumiam tanto o mobiliário artístico brasi- Pietá e Crucifixo, de Brecheret.
leiro quanto pinturas cusquenhas, já que naquele período Seja nos grandes museus ou garimpando preciosidades
[século XVIII] não nos destacamos na pintura e, sim, na em acervos fora do circuito, o encontro com a arte é saudá-
escultura”, explica a diretora. A coleção já foi exposta no vel, como afirma Ana Cristina Carvalho: “As obras de arte
país de origem e é reconhecida pelo governo peruano. são como um bálsamo nessa vida agitada de São Paulo”.
No ano passado o número de visitantes quase dobrou Eunice Sophia acrescenta: “Algumas obras podem ficar
em relação a 2006, chegando a 14.500 passantes por mês. guardadas, mas pode ter certeza de que eu gostaria de pôr
De acordo com Ana Cristina, o aumento é resultado das tudo em exposição”. Tudo bem, o que vale é a intenção.

Os escondidinhos: São Francisco de Paula, Aleijadinho, no MASP; Bailarina, Victor Brecheret, no Palácio; Costume do ano 2045, de Salvador Dalí, no MASP

São João de Botas, do Aleijadinho,


vale uma visita ao acervo do
Palácio dos Bandeirantes

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