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revisão à Insulina
ABSTRACT
adiponectin, and is associated with improved A resistência à insulina tem componente gené-
insulin sensitivity and endothelial function. This tico ainda não completamente entendido, o qual é
review will focus on the evidence for regulation of freqüentemente transmitido ao longo de gerações. Por
endothelial function by insulin and the adypokines
outro lado, a obesidade que também tem importante
such as adyponectin, leptin, resistin, IL-6 and TNF-α.
Interaction between insulin signaling and adypo- componente genético, invariavelmente exacerba a
kines will be discussed, as well as the concept that resistência à insulina. Dessa forma, obesidade e resis-
aberrant adypokine secretion in IR and/or obesity tência à insulina estão geralmente presentes por muitos
impairs endothelial function and contributes further anos antes do aparecimento de outras alterações como
to reduce insulin sensitivity. (Arq Bras Endocrinol hipertensão arterial, dislipidemia, DM2 e doenças car-
Metab 2006;50/2:304-312) diovasculares (5). Entretanto, nem todos os indivíduos
com resistência à insulina apresentam cada um dos
Keywords: Insulin resistance; Endothelium; Cytokines;
componentes associados à síndrome da resistência à
Endothelial dysfunction
insulina ou síndrome X, a saber, DM2/intolerância à
glicose, hipertensão arterial, dislipidemia, microalbu-
minúria, obesidade, hiperuricemia, sensibilidade ao sal,
Resistência à insulina e disfunção endotelial entre outros. Portanto, é provável que haja predispo-
sição genética para desenvolvimento dessa síndrome.
Ressalta-se que a resistência à insulina pode
O TERMO “DISFUNÇÃO ENDOTELIAL” refere-se a um
desequilíbrio na produção endotelial de media-
dores que regulam o tônus vascular, agregação pla-
estar presente por vários anos antes do aparecimento
de alterações dos níveis plasmáticos de glicose. Dessa
quetária, coagulação e fibrinólise, sendo o tônus vas- forma, indivíduos que irão desenvolver DM2 apresen-
cular o aspecto mais estudado. A disfunção endotelial tam deterioração progressiva da tolerância à glicose.
também é freqüentemente referida como piora no Eles geralmente progridem de normoglicêmicos a
relaxamento dependente do endotélio, causado pela intolerantes à glicose e finalmente diabéticos.
perda da biodisponibilidade do óxido nítrico (NO), O papel exercido pela resistência à insulina, que
muito embora a produção de outras substâncias freqüentemente está associada ao hiperinsulinismo
vasoativas derivadas do endotélio, como a PGI2, EDHF, compensatório, não é ainda completamente compre-
ET-1, Ang II, TXA2, também possa estar alterada (1). endido. Uma possibilidade é que, na tentativa de
A disfunção endotelial está presente em diversas sobrepujar a inibição da via de sinalização insulínica, a
doenças metabólicas e/ou cardiovasculares, como na hiperinsulinemia possa continuar a estimular a via de
obesidade, intolerância à glicose, hiperglicemia (dia- sinalização mitogênica da insulina, exercendo seus
betes mellitus), hipertensão arterial e dislipidemia. Em efeitos indesejados (6). Deve-se ressaltar que a insulina
todas essas condições ocorre resistência insulínica, a apresenta ação vasodilatadora, a qual se deve à pro-
qual se apresenta como um distúrbio metabólico que dução endotelial de NO. Assim, a resistência à insulina
se manifesta por redução na utilização da glicose pelo pode contribuir para a disfunção endotelial. Vários
músculo esquelético periférico (2), e tem sido forte- estudos também demonstraram que a vasodilatação
mente associada à disfunção endotelial, que tem se mediada pelo óxido nítrico (NO) está diminuída em
mostrado ocorrer precocemente (3). pacientes com DM2. A resposta da artéria braquial está
É importante ressaltar que em indivíduos relati- alterada, seja a doadores endógenos ou exógenos de
vamente jovens e obesos, a disfunção endotelial na NO, sugerindo que há aumento da inativação do NO,
artéria coronária é detectável juntamente com a resis- possivelmente devido a aumento do seu metabolismo
tência à insulina, antes mesmo do desenvolvimento de ou a resposta alterada do músculo liso devido a alte-
manifestações clínicas da síndrome metabólica. De- rações da sinalização na via da guanilato ciclase.
monstrou-se, também, reatividade anormal em irmãos Alteração da função endotelial também foi
e filhos não-diabéticos de pacientes com diabetes demonstrada em pacientes obesos sem DM2. Muitos
mellitus tipo 2 (DM2). Aqueles que eram resistentes à desses pacientes apresentam tolerância diminuída à
insulina apresentaram alteração da resposta vascular. glicose e muitas das características da síndrome meta-
Essa observação tem muitas implicações que relacio- bólica. Essas duas alterações de tolerância a carboidra-
nam a sinalização insulínica na vasculatura à disfunção tos estão associadas a aumento da taxa de mortalidade
endotelial como causa da resistência à insulina e a por doença arterial coronariana, da ordem de 3 a 4
própria insulina contribuindo para acelerar o dano vezes no DM2, e de 2 a 3 vezes na tolerância dimi-
vascular (4). nuída à glicose.
Defeitos na vasodilatação mediada pelo NO Dados de vários estudos demonstram que a resistência
também podem contribuir para a resistência à insulina. insulínica e os defeitos associados com a síndrome
Demonstrou-se que a infusão de inibidor do óxido metabólica são dependentes de defeito específico da
nítrico sintase (NOS) não apenas diminui a vasodila- via de sinalização da insulina, a via do fosfatidilinositol
tação dependente do endotélio, como também dimi- 3-quinase, enquanto as funções mediadas pela via da
nui a captação de glicose mediada pela insulina. MAPK operam normalmente. De fato, há dados mos-
Entretanto, há dados mostrando que a diminuição não trando que diminuição da via do fosfatidilnositol 3-
ocorre em todos os órgãos e sistemas do organismo, quinase pela insulina está associada a aumento da via
apesar de ter ocorrido, com inibição da NOS, redução da MAPK em células vasculares. Assim, na presença de
do fluxo do antebraço e aumento da pressão arterial. insulina, é possível que a hiperinsulinemia possa ser
Apesar disso, a idéia de que a função endotelial pode aterogênica (4).
regular a captação de glicose pela insulina é inte-
ressante e pode contribuir para explicar achado de dois Papel dos ácidos graxos livres na disfunção
ensaios clínicos em que a melhora da disfunção endo- endotelial
telial com agentes como os inibidores da enzima A obesidade central ou abdominal leva à resistência à
conversora da angiotensina e uma estatina não apenas insulina e à disfunção endotelial devido à formação de
retardaram a progressão da doença arterial coronariana produtos metabólicos derivados de lipídeos, hormô-
e a morte, mas também preveniram o desenvolvimento nios e citocinas. Por outro lado, a resistência à insulina
do DM2 em pacientes de alto risco. Portanto, essas pode levar à disfunção endotelial e alterações da via de
observações sugerem que a atenuação da doença car- sinalização da insulina, específicas ou compartilhadas,
diovascular é acompanhada de retardo na progressão no músculo, tecido adiposo e células endoteliais, bem
do DM (4). como novos fatores genéticos e não-tradicionais
Nos tecidos-alvo, a insulina também estimula podem estar envolvidos. Estudos clínicos recentes
duas vias: a via do fosfatidilinositol 3-quinase e a via da demonstram que estratégias farmacológicas ou não-
proteína quinase ativada por mitógenos (MAPK). A farmacológicas no combate à obesidade e/ou resis-
ativação da fosfatidilinositol 3-quinase, que ocorre tência à insulina podem melhorar a disfunção endo-
após a ligação da insulina com seu receptor, é crítica telial e a inflamação de baixa intensidade presentes
para a captação de glicose nos tecidos-alvo depen- nesses estados. Todos esses achados acrescentaram
dentes de insulina, como o músculo esquelético, nova dimensão à associação obesidade, resistência à
coração e tecido adiposo. Demonstrou-se, também, insulina e disfunção endotelial, o que pode se tornar
que essa via regula a produção endotelial de NO alvo-chave na prevenção do DM2 e doenças cardio-
mediada por insulina. Quando a via da fosfatidi- vasculares (5).
linositol 3-quinase está disfuncional, ocorre piora da Nesse contexto, o aumento da massa gordurosa
vasodilatação dependente do endotélio estimulada provoca aumento da lipólise e aumento das concen-
pela insulina. Dessa forma, disfunção sistêmica na via trações circulantes de ácidos graxos livres não esteri-
da fosfatidilinositol 3-quinase, que define resistência ficados, como observado em pacientes e cães obesos e
insulínica, provoca também defeito tanto na captação hipertensos. Ativação simpática pode, por sua vez,
de glicose quanto na vasodilatação dependente do reforçar esse aumento de ácidos graxos livres promo-
endotélio mediada por insulina. vendo lipólise ou diminuindo a sua utilização ou re-
A via da MAPK é importante para as ações pro- esterificação. Estudos in vitro e in vivo demonstraram
liferativas da insulina. Entretanto, na vasculatura, essa que os ácidos graxos livres podem alterar a função
via medeia não somente o crescimento celular mas endotelial. A aplicação de ácidos graxos como o ácido
também a capacidade migratória das células endote- oléico em cultura de células endoteliais inibiu a eNOS,
liais, do músculo liso vascular e dos monócitos. Além bem como diminuiu a resposta vasodilatadora indu-
disso, ela parece mediar a expressão de um fator pró- zida por agonistas colinérgicos em artérias femorais
trombótico, pró-fibrótico, o inibidor do ativador do isoladas de coelhos (acetilcolina) e na vasculatura da
plasminogênio 1 (PAI-1), em resposta a diversos estí- perna em humanos (metacolina). Além de inibir a
mulos. Dessa forma, por estimular o crescimento e a eNOS, os ácidos graxos estimulam a geração de ânion
migração celular e as respostas pró-inflamatórias e pró- superóxido por células endoteliais e vasculares via
trombóticas, a via da MAPK pode ser aterogênica. ativação da NADPH oxidase, o que contribui para a
Uma questão importante é saber se essa via também diminuição da biodisponibilidade do NO e dessa
está atenuada em estados de resistência insulínica. forma para disfunção endotelial.
Os ácidos graxos também levam à resistência O fato de a obesidade, o principal fator de risco
insulínica. O mecanismo pelo qual o aumento de para o DM2, e o próprio DM serem condições infla-
ácidos graxos livres leva à diminuição da captação de matórias levou investigadores a pesquisar se os media-
glicose parece envolver o aumento da NADH e acetil dores inflamatórios poderiam prever o desenvolvi-
CoA intramitocondriais. Como resultado, ocorre mento de DM2. Vários estudos confirmaram a pre-
inibição da fosfofrutoquinase e hexoquinase II, sença de inflamação como preditores de desenvolvi-
levando ao aumento da concentração intracelular de mento de DM2 (7).
glicose, bem como de sua captação. Entretanto, outros
autores têm proposta diferente e sugerem que a inibi- Resistência à insulina e citocinas
ção do transporte de glicose ou atividade de fosfori- Citocinas são proteínas de baixo peso molecular com
lação precede a redução da síntese de glicogênio e diversas funções metabólicas e endócrinas que partici-
oxidação de glicose induzida por ácidos graxos livres. pam da inflamação e resposta do sistema imune. Várias
Deve-se ressaltar que, aumentando-se os metabólitos dessas citocinas são fatores de risco independentes para
intracelulares de ácidos graxos, pode haver ativação da doenças da artéria coronária e cerebrovascular. As
cascata da quinase da serina/treonina, possivelmente principais fontes de citocinas (adipocinas/adipocito-
via proteína quinase C delta, levando à fosforilação da cinas) são os tecidos adiposos subcutâneo e visceral.
serina/treonina do substrato para o receptor de Assim, aumentada massa de tecido adiposo está
insulina 1 (IRS-1). O IRS-1 fosforilado em serina não associada com alterações na produção de adipocina,
se liga nem ativa a PI-3 quinase, resultando em trans- como superexpressão de TNF-α, IL-6, PAI-1, e sub-
porte diminuído de glicose e nas outras manifestações expressão de adiponectina em tecido adiposo. A
da resistência insulínica. Os ácidos graxos livres podem condição pró-inflamatória associada com essas
também interferir diretamente com a expressão, trans- alterações sugere ligação entre resistência à insulina e
crição ou no recrutamento para a superfície celular do disfunção endotelial no estágio inicial do processo de
transportador GLUT-4. Além disso, os ácidos graxos aterosclerose, em indivíduos obesos e em pacientes
livres reduzem o clearance hepático de insulina e com DM2.
aumentam a produção hepática de glicose, ambos Existem evidências para a regulação da função
potencializam os efeitos da resistência insulínica. endotelial pela insulina e adipocinas como adipo-
nectina, leptina, resistina, IL-6 e TNF-α, visto que,
Inflamação e resistência insulínica por exemplo, a redução da massa de tecido adiposo,
O desenvolvimento do conceito de que o DM2 é uma através de redução de peso em associação com exer-
condição inflamatória é novo, interessante para a cício, reduz TNF-α, IL-6 e PAI-1, aumenta adipo-
compreensão dessa condição, e tem implicações em nectina, e está associada com melhora na sensibilidade
termos de patogenia e complicações da doença. O à insulina e função endotelial (8).
conceito de inflamação em relação às condições
metabólicas como obesidade e resistência insulínica TNF-α (figura 1)
remontam a 1993, quando se demonstrou que os Entre os mediadores inflamatórios, o TNF-α é um
adipócitos expressavam uma citocina pró-inflamatória, possível candidato a induzir resistência insulínica. Ele
o TNF-α, que a expressão deste nos adipócitos de é produzido por adipócitos e está aumentado no
animais obesos estava aumentada, e que a neu- tecido adiposo de roedores obesos, bem como em
tralização do TNF-α levava à diminuição da resistência humanos. Demonstrou-se que o tratamento com
insulínica nesses animais. Estabeleceu-se, assim, a TNF-α leva à redução da autofosforilação do
primeira conexão entre aumento da expressão e da receptor da insulina estimulada pela própria insulina
concentração plasmática de citocina pró-inflamatória e e inibição subseqüente da fosforilação de IRS-1.
resistência insulínica. Uma série de trabalhos Além disso, o TNF-α induz modificação do IRS-1
posteriores na área de obesidade tem confirmado que por fosforilação em serina, o que torna essa molécula
a obesidade é um estado de inflamação crônica, pois há inibitória para a sinalização do receptor de insulina.
aumento da CRP, interleucina 6 (IL-6) e do inibidor Demonstrou-se também que a neutralização dos
do ativador do plasminogênio 1 (PAI-1). Alguns efeitos do TNF-α, em ratos obesos, provocou
estudos também têm demonstrado que o DM2 é uma aumento da sensibilidade insulínica. Ressalta-se que
condição inflamatória caracterizada por concentrações camundongos deficientes em TNF-α permaneceram
elevadas de reagentes de fase aguda no plasma como o sensíveis à insulina quando colocados em dieta rica
ácido siálico e IL-6. em gordura (9).
Leptina (figura 1)
A leptina (do grego leptos, que significa magro) é uma
proteína de 167 aa secretada pelo tecido adiposo. Ela
foi identificada em 1994 como uma molécula-chave na
regulação do peso corpóreo e balanço de energia, visto
que ela regula o apetite e o gasto de energia via sistema
nervoso central (SNC).
A leptina é codificada pelo gene ob, o qual é
predominantemente expresso pelos adipócitos, e seus
níveis plasmáticos se correlacionam bem com a massa
Figura 1. Adipocinas no controle da função da célula
endotelial. A leptina possui propriedades pró-trombótica, de gordura corporal. A expressão de leptina nos
pró-inflamatória, oxidativa e proliferativa. Ela também adipócitos é regulada transcripcionalmente, com a
eleva a pressão arterial sistêmica, embora induza vasodila- condição do armazenamento de energia no tecido
tação dependente de óxido nítrico. A adiponectina regula
a função de monócitos, inibe a up-regulation do NF-κB adiposo branco e o tamanho do adipócito como prin-
induzida pelo TNF-α e exerce down-regulation da expres- cipais determinantes. Além disso, a expressão de lep-
são de moléculas de aderência VCAM-1 e ICAM-1. Resis- tina e seus níveis séricos aumentam após a ingestão de
tina parece promover a liberação de ET-1 e favorece a
expressão de moléculas de aderência VCAM-1, ICAM-1, comida. Em contraste, a expressão de leptina é rapi-
MCP-1, TRAF-3 e pentraxina-3. (Modificada da ref. 35) damente suprimida com a restrição de comida (11).
NF-κB: fator nuclear kappa B; VCAM-1: molécula de adesão A leptina atua no seu receptor, denominado
de célula vascular; ICAM-1: molécula de adesão interce-
lular; ET-1: endotelina; MCP-1: monocyte chemoattractant receptor para a leptina (LR). O LR é codificado pelo
chemokine 1; TRAF-3: fator-3 associado ao receptor de TNF. gene db. Das 5 isoformas do receptor, a forma longa é
expressa por todo o corpo e tem sido localizada no negativamente com a porcentagem de gordura corpó-
hipotálamo, monócitos, células “natural killer”, rea, distribuição de gordura central, insulina plasmá-
linfócitos CD4 e CD8, células β do pâncreas, ente- tica em jejum, tolerância oral de glicose, e com fatores
rócitos e células endoteliais (11). de risco cardiovascular associados à obesidade, incluin-
Assim, alguns estudos têm demonstrado que a do pressão arterial sistólica e diastólica, colesterol total,
leptina não é restrita ao apetite e ingestão de comida, triglicérides, LDL-colesterol e ácido úrico. Entretanto,
mas que é uma molécula pleiotrópica com uma ampla foi encontrada correlação positiva com a utilização de
variedade de ações biológicas como função reprodu- glicose durante clamp euglicêmico e com níveis HDL-
tora, regulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal colesterol (18).
(eixo HPA), metabolismo da insulina e glicose, lipó- Os níveis circulantes de adiponectina não
lise, atividade do sistema nervoso simpático, resposta variam substancialmente no período pós-prandial,
imune, hematopoiese e angiogênese. Nesse contexto, entretanto durante o período noturno ocorre variação
o papel da leptina na vasculatura é embasado em nos níveis plasmáticos com declínio à noite, atingindo
resultados experimentais mostrando que a reposição nível mínimo no início da manhã (19).
da leptina em camundongos obesos, deficientes em Mulheres possuem nível de adiponectina apro-
leptina ob/ob, reverte a disfunção endotelial. ximadamente duas vezes maior do que homens, o que
Ressalta-se que a insulina pode interagir com a reflete um efeito androgênico. Linsay e cols. (20) des-
leptina para modular a função vascular. O mecanismo creveram, na população indígena Pima, altas concen-
pelo qual a leptina induz a produção de óxido nítrico trações de adiponectina e detectaram menor proba-
em alguns leitos vasculares é, em parte, relacionado à bilidade (37%) de essa população desenvolver DM2,
ativação da via de fosforilação AKt-eNOS. Assim, a in- refletindo uma associação de adiponectina com sensi-
sulina aumenta a vasodilatação dependente da leptina bilidade à insulina. Pacientes com doença arterial coro-
por aumentar a liberação da eNOS e por potencializar nariana apresentam níveis de adiponectina menor do
a AKt e a fosforilação da eNOS (12). Concomitan- que indivíduos controles, ajustados tanto para idade
temente, a leptina aumenta a sensibilidade da insulina quanto para o índice de massa corpórea. No estudo
em ratos e pode melhorar a resposta vascular à insulina Health Professionals Follow-Up Study, com 18.225
em estados de resistência à insulina. Assim, o cross-talk pacientes, o nível plasmático de adiponectina foi forte-
entre leptina e insulina poderia ter importantes mente correlacionado com risco diminuído de infarto
implicações na fisiopatologia da disfunção vascular da do miocárdio (21).
síndrome metabólica, particularmente na obesidade Os efeitos metabólicos da adiponectina incluem
relacionada à hipertensão arterial. Ressalta-se que, aumento na sensibilidade à insulina no fígado, mús-
apesar de o TNF-α e da leptina estarem implicados na culo e tecido adiposo, mediado por aumentada oxida-
resistência insulínica associada ao DM2 e obesidade, ção de gordura nos tecidos. Existe forte evidência de
existem outros fatores conectando o aumento da que a sinalização para adiponectina nesses tecidos seja
adiposidade e a resistência insulínica. através da via MAP quinase, a qual representa um sis-
tema regulador metabólico que funciona em paralelo à
Adiponectina (figura 1) sinalização para insulina (22). O acúmulo de lipídeos
A adiponectina é uma proteína plasmática de visceral e intravascular é uma marca da obesidade e da
aproximadamente 30 KDa, relativamente abundante, síndrome metabólica, e pode ser melhorado pela ativa-
que é secretada especificamente pelo tecido adiposo. ção da cascata da MAP quinase, a qual tem sido tam-
Sua concentração plasmática em indivíduos sadios bém demonstrada como um potencial mecanismo de
varia de 1,9 a 17 µg/mL (13) e sua meia-vida é de 2,5 ação das drogas antidiabetes como a metformina (23).
h na corrente sanguínea (14). O gene da adiponectina Na vasculatura, os níveis de adiponectina estão
humana localiza-se no cromossoma 3q27, um sítio fortemente ligados à função endotelial (24). Adipo-
associado com suscetibilidade a DM2 (15). Descreveu- nectina altera os efeitos vasculares adversos das cito-
se polimorfismo de um único nucleotídeo no gene da cinas, tais como TNF-α, suprime a geração de ânion
adiponectina e variações estruturais nas raças, o que superóxido na célula endotelial eliciado por agentes
contribui para o desenvolvimento de síndrome meta- como a LDL oxidada, e aumenta a geração de óxido
bólica e diabetes mellitus tipo 2 (16,17). nítrico endotelial. Estudos em roedores, empregando
Os níveis plasmáticos de RNA mensageiro de lesão direta em vasos sanguíneos, mostram que a adi-
adiponectina estão reduzidos na obesidade e em esta- ponectina pode atenuar a proliferação de músculo liso
dos de resistência à insulina. Eles se correlacionam vascular e proteger contra estenose vascular. Interes-
santemente, Okamoto e cols. (25), utilizando a técnica cujos efeitos no metabolismo da glicose são antagô-
de imuno-histoquímica, não conseguiram detectar nicos àqueles da insulina. A resistina regula, ainda, a
adiponectina na parede de vaso sanguíneo de coelhos diferenciação do adipócito por meio de mecanismo de
sadios, mas a detectaram em parede de vaso sanguíneo retroalimentação negativa que limita a formação do
submetido à injúria por balão, sugerindo que o tecido adiposo em resposta a aumento do consumo de
aumento dessa citocina na parede vascular lesada faz energia (32).
parte de uma resposta protetora contra processo celu- Ao contrário da adiponectina, a resistina au-
lar inflamatório (25). menta a expressão de moléculas de aderência VCAM-
Embora não tenha sido demonstrado em todos 1 e ICAM-1, faz up-regulation da proteína quimio-
os estudos, os níveis de adiponectina tendem a aumen- táxica para monócitos (MCP-1) e promove ativação da
tar após perda de peso em indivíduos obesos (26,27). célula endotelial via liberação de endotelina 1 (ET-1).
As alterações no hormônio da tireóide não afetam os Assim, embora muitos aspectos de sua função ainda
níveis de adiponectina, mas uma variedade de outras devam ser elucidados, parece que a resistina irá adi-
condições têm sido identificadas e estão associadas cionar conhecimento sobre a fisiopatologia da doença
com alterações nos níveis de adiponectina. Como era vascular e da síndrome metabólica.
de se esperar, muitos desses efeitos estão também
associados com alterações no risco cardiovascular. Resistência à insulina e hipertensão arterial
Interessante ressaltar que as tiazolidinodionas A hipertensão arterial está associada a hiperinsulinismo
usadas para o tratamento de DM2, aumentam os níveis em pacientes diabéticos obesos, indivíduos obesos
circulantes de adiponectina, que poderiam aumentar a não-diabéticos e em pacientes com hipertensão arterial
sensibilidade à insulina e a proteção vascular (28-30). essencial. Parentes de primeiro grau normotensos
Interessantemente, as mudanças iniciais nos níveis desses pacientes apresentam resistência à insulina e
circulantes de adiponectina em resposta ao tratamento dislipidemia. Ambas foram também encontradas em
com tiazolidinodiona aumenta a proporção de com- animais com hipertensão genética. Esses achados
plexos de alto peso molecular, sugerindo que eles sugerem predisposição genética comum para a
possam ter influência na sensibilidade à insulina (31). hipertensão essencial e resistência à insulina. Por outro
lado, hiperinsulinismo sem resistência à insulina e
Resistina (figura 1) concentrações aumentadas de insulina dentro da faixa
A resistina é uma proteína pertencente à família de normal não predispõem à hipertensão arterial (33).
proteínas secretórias ricas em cisteína, denominadas A patogenia da hipertensão arterial associada à
“moléculas semelhantes à resistina” (RELM – resistin- obesidade é complexa e certamente não deve estar
like molecules) ou “encontradas em locais de relacionada a um único gene. Muitos fatores atuam em
inflamação” (FIZZ – found in the inflammatory zone), conjunto para promover vasoconstrição e retenção de
foi descoberta em 2001 e representa a mais nova das sódio. A principal hipótese sugere que a leptina, os
adipocinas. Ela foi assim denominada pela sua ácidos graxos livres e a insulina, cujas concentrações
capacidade de promover resistência à insulina. Outros estão aumentadas na obesidade, atuem sinergistica-
membros dessa família, que são semelhantes à resis- mente estimulando a atividade simpática e a vasocons-
tina, foram detectados no trato gastrintestinal, origi- trição. Além disso, a resistência à insulina e a disfunção
nalmente nas células das criptas intestinais e induzida endotelial atuam como amplificadores da resposta
em células epiteliais brônquicas em resposta a estímulo vasoconstritora. Finalmente, o aumento da reabsorção
inflamatório. renal de sódio pode também ocorrer, causado por
Os resultados dos estudos até agora existentes aumento da atividade simpática renal, por efeito direto
descrevem a resistina como um hormônio secretado da insulina, hiperatividade do sistema renina angio-
pelo tecido adiposo branco, que ocorre no soro, e é tensina e possivelmente por alteração de forças físicas
induzido durante a adipogênese. Importante ressaltar intrarrenais (9).
que, em humanos, a fonte de resistina surpreen- Assim, a resistência à insulina e/ou hiperinsu-
dentemente não é o adipócito, mas os macrófagos, o linemia tem sido sugerida como responsável pelo au-
que sugere um importante papel inflamatório (32). mento da pressão arterial em alguns pacientes com
Os níveis de resistina aumentam na obesidade hipertensão arterial. Esta característica é agora ampla-
genética ou induzida por dieta e, portanto, estão mente reconhecida como parte da síndrome X, ou sín-
ligadas à resistência insulínica associada à obesidade. drome metabólica marcada também por obesidade
Descreveu-se a resistina como hormônio singular, central, dislipidemia (especialmente triglicérides au-
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