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REPORTAGEM

PERCORREMOS 7436 KM NA AMÉRICA DO SUL

CHEGÁMOS
PRIMEIRO! Voltámos a percorrer trilhos e caminhos na América do Sul,
visitando os cenários do Rali Dakar Argentina-Chile 2011 e,
uma vez mais, fomos a primeiros a chegar a Buenos Aires!
Por Alexandre Correia

E
Fotos Paulo Calisto

ra quase meia-noite quando partimos


de Buenos Aires, num voo de regresso à
Europa que bem se podia ter cruzado com
as renas do Pai Natal. Na capital argentina,
àquela hora, os termómetros ainda
marcavam 27 graus celsius. Mas previa-se
já que a cidade ia ficar ao rubro uns dias
depois, com o arranque oficial de mais uma
edição do ‘Dakar’, a terceira a realizar-se
nestas paragens sul-americanas. Aliás,
sentimos bem esse calor, de uma forma e de outra, ao longo de
cerca de três semanas em que percorremos 7436 km através dos
cenários que a caravana do rali irá visitar. Sinal claro do enorme
entusiasmo que a prova desperta foi o facto de todos os dias termos
sido abordados por alguém a fazer-nos perguntas sobre a prova.
Mas, convém explicar que nem os argentinos, nem tão pouco os
chilenos, têm dotes de adivinhos; abordavam-nos simplesmente
porque já estavam alertados para a passagem do rali, um destes
dias, e porque cruzavam essa informação com o nosso Kia Sorento,
que exibia uma decoração bem vistosa, onde não faltavam ícones
bem representativos do itinerário do ‘Dakar’.
O objetivo desta viagem, a sexta consecutiva que fazemos
antecipando-nos ao Rali Dakar, foi simplesmente ir ao encontro
dos lugares e cenários onde a prova se vai desenvolver até meados
deste mês, ganhando com isso, inevitavelmente, uma maior
compreensão de tudo o que sucede ao longo do rali, nomeadamente
quanto às dificuldades e desafios que os pilotos têm de enfrentar.

SUBIR ATÉ À BOLÍVIA


O maior sacrifício foi o primeiro dia da expedição: assim que
aterrámos em Buenos Aires, já nos esperavam no aeroporto para
irmos à sede da Kia pegar no Sorento e arrancar direitos a Córdoba.
Antes de partirmos, festejámos com um belo Bife de Chorizo e
depois foram quase 900 km de uma assentada, conduzindo até à
uma e meia da madrugada. Fomos dormir num turismo rural em
plenas Sierras Chicas, onde a organização do ‘Dakar’ desenhou o
início do segundo setor seletivo, que continuámos a percorrer no
dia seguinte, através de uma rota que depois seguiu pela história da
colonização espanhola, pois boa parte do nosso itinerário até San
Fernando Del Valle de Catamarca orientou-se pelo Camino Real,
por onde outrora circulavam as carruagens postais entre Buenos
Aires e o Alto Peru.
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REPORTAGEM
“CAMINETA LINDA”
FOI COMO descreveram o Kia Sorento em Villa Unión, próximo do
início do antepenúltimo setor seletivo do rali. Estávamos a meio
Para explorar os cenários do Rali Dakar, não chegaram
os 15 dias da prova. Esta expedição através da Argentina da tarde e o empregado da estação de serviço do Automovil Club
e Chile tardou 18 jornadas e estendeu-se também à
Bolívia. Com um Kia Sorento absolutamente de série,
Argentino — que ao invés de discutir o preço dos combustíveis
somente não enfrentámos as dunas de areia, mas ainda desenvolveu uma enorme rede própria, com preços favoráveis para
percorremos mais de quatro milhares de quilómetros por
pistas poeirentas, entre paisagens admiráveis os sócios, para além de deter uma cadeia de hotéis e mais alguns
serviços exemplares
que o nosso ACP
bem podia copiar…
— nem hesitou em
falar-nos do ‘Dakar’,
convicto de que
estávamos “por
dentro”. Na verdade,
não totalmente,
pois o percurso é
secreto e sentimos
que é mais vantajoso
adivinhar números,
como provou aquela
vidente espanhola que foi contratada para indicar o primeiro
prémio do El Gordo e acertou na lotaria. Seja como for, não
jogámos na lotaria, mas acertámos em muitos dos traçados que os
concorrentes do ‘Dakar’ terão de enfrentar.

Descemos a Cuesta de la
Chicla, um troço com uma
média de 39 curvas/km...

Da capital da província de Catamarca avançámos para Cafayate, rolámos quase sempre acima dos 4000 metros, atingindo o ponto
na região de Salta, que é famosa pelas vinhas plantadas encostadas mais alto na passagem do Abra Al Acay, a 4981 metros, mesmo
à cordilheira andina, a altitudes pouco usuais para esta cultura antes de alcançarmos San António de Los Cobres, na província de
— entre os 1500 e quase os 3000 metros acima do nível do mar Salta. Daí, fomos até esta cidade, admirável, e prosseguimos até
—, mas que permitem produzir excelentes vinhos, que são um San Salvador de Jujuy, onde escapámos por um triz a um bloqueio
prazer degustar. Nem que seja acompanhados apenas por umas de estrada dos Okupas do movimento Tupac Amaru, que cortaram
empanadas, como nós fizemos para não perder demasiado tempo a autoestrada e acamparam no centro da cidade, em frente ao
sentados à mesa, com um prato à frente, quando tínhamos dois
dos mais incríveis troços de terra para percorrer: primeiro, a
palácio do Governo local. Estava na hora de cruzar a fronteira para
o Chile, atravessando o Paso Jama, a 4938 metros de altitude, para
AVENTURA POR CONTA PRÓPRIA
Cuesta De La Chilca, uma impressionante descida de algumas ir re-encontrar cenários já bem nossos conhecidos, ainda que QUISEMOS, mais uma vez, demonstrar que da mesma forma que “Natal é quando um homem quiser”,
dezenas de quilómetros onde contámos uma média de 39 curvas alguns sejam inéditos no rali. Um desses casos, bem curioso, é também cada um pode viver o seu próprio ‘Dakar’ quando quiser. E para vincá-lo bem, nada como enfrentar
por quilómetros, sete delas ganchos fechados; depois, um troço Calama, cidade que nasceu no meio do deserto do Atacama graças esta aventura por conta própria, sem as costas quentes — entenda-se o suporte de uma pesada estrutura
da famosa Ruta 40, a estrada argentina da não menos célebre à mina de Chuquicamata, a maior exploração de cobre do mundo, logística — e com um veículo absolutamente de série. Por momentos, lamentámos não dispor de uns
Panamericana, que liga o Alasca à Terra do Fogo. que fez a fortuna dos famosos irmãos Guggenheim. O nascimento pneus mais apropriados, mas isso desvirtuava o espírito do desafio e o certo é que mesmo com pneus
Sempre pela Ruta 40 praticamente até à principal fronteira entre de Calama levou ao abandono da enorme cidade construída dentro estradistas, o Kia Sorento cumpriu mais de quatro milhares de quilómetros em pistas de terra sem nos
a Argentina e a Bolívia, nos dois dias seguintes desviámo-nos do complexo mineiro, onde não falta um grande hospital e um deixar envergonhados. Andámos mesmo pouco, mas andámos, em areia. Mas este foi o único terreno que
ligeiramente da rota do rali, optando por pistas impraticáveis em estádio de futebol, que hoje constituem duas atrações das visitas procurámos habilmente contornar, ainda que tenhamos ido ao coração de duas das etapas de areia mais
competição, devido à elevada altitude, pois em ambas jornadas guiadas à mina e a esta cidade fantasma. temidas do rali: em Copiapó, no Chile, e em Fiambalá, na Argentina.

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