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Maceió – AL
2010
VICTOR DE ALMEIDA NOBRE PIRES
Maceió - AL
2010
VICTOR DE ALMEIDA NOBRE PIRES
______________________________________________________
Professor e orientador Jeder Silveira Janotti Junior, Doutor.
Universidade Federal de Alagoas
______________________________________________________
Prof. Ronaldo Bispo dos Santos, Doutor.
Universidade Federal de Alagoas
______________________________________________________
Prof. Bruno César Cavalcanti, Título.
Universidade Federal de Alagoas
À Amarílio Cândido de Almeida
(in memorian)
AGRADECIMENTOS
São muitas as pessoas que eu gostaria de agradecer porque sem elas, possivelmente,
este trabalho não passaria de uma idéia.
Primeiramente, agradeço a Deus, aos meus pais (Manoel e Eliana) e meus irmãos
(Arthur e Lucas) por terem me apoiado em todas as empreitadas que enfrentei na vida e
vibrarem a cada nova conquista.
Agradeço também a Vanessa Mota, por estar presente nos últimos quatro anos, e aos
amigos Alexandre Omena, Bruno Rodrigues, Amsterdam Cavalcanti, Igor Brayner e Tássio
Jorge. Também aos companheiros do grupo Mídia e Música: Suzana Gonçalves, Fernando
Coelho, José Luiz, Taynara Cunha, Morena Dias, Lívia Vasconcelos e Salomão Miranda.
Não poderia deixar de lembrar alguns nomes essenciais na pesquisa desenvolvida
neste trabalho. Meu muito obrigado ao amigo mineiro Daniel Nunes (Constantina, Festival
Pequenas Sessões e selo Le Petite Chambre), à produtora Inti Queiroz (Festival PIB), ao
incansável Elson Barbosa (Herod Lane e Sinewave), além de, Ângela Novaes (Submarine
Records), Erick Cruxen e Muriel Curi (Labirinto e Dissenso), a todos os músicos que
entraram em contato comigo e ajudaram na realização da pesquisa.
Gostaria de agradecer também a todas as bandas citadas, ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio concedido para realização
desta pesquisa, e ao meu orientador (e amigo) Jeder Janotti Jr, por ter me ensinado tanto em
tão pouco tempo e, principalmente, por acreditar mais do que eu, na realização deste trabalho.
“Hardcore Will Never Die, But You Will”
(Mogwai, 2010)
RESUMO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 09
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 76
Introdução
Para os fãs de Grunge, a cidade de Seattle é importante por ser o local em que boa
parte das bandas mais significativas do gênero surgiu, da mesma maneira que as cidades de
Manchester e Liverpool foram importantes para o surgimento do Britpop, e que Recife é
admirada por ter sido o berço do Manguebeat. Por isso, as cenas musicais trazem em seu
cerne uma relação afetiva entre os atores sociais envolvidos, a atividade cultural e o local
onde ela é desenvolvida.
O termo “cena” se popularizou e foi largamente utilizado por jornalistas, nas décadas
de 80 e 90, para conceituar as práticas musicais presentes em determinado espaço urbano e
suas relações e desdobramentos sociais, econômicos e culturais. Geralmente, quando existe
certa efervescência na produção musical em determinado local é atribuída, ou legitimada, pelo
discurso jornalístico a existência de uma cena em torno de determinado gênero musical. Em
1
Tradução do autor.
outras palavras, a cena é uma maneira dos gêneros musicais ocuparem o espaço urbano e
serem foco das práticas sociais dos atores envolvidos.
Exemplos não faltam na mídia nacional. Leonardo Lichote, em matéria para O Globo,
apresenta um documentário sobre novos artistas de vários estados brasileiros que atualmente
residem e lançam seus trabalhos em São Paulo, atraindo o olhar da mídia para o “fenômeno”.
O uso do termo cena no contexto da reportagem diz respeito aos músicos Romulo Fróes,
Curumin, Tulipa Ruiz, Fernando Catatau (e sua banda Cidadão Instigado), Anelis
Assumpção, Lulina, Guizado, Karina Buhr, Tatá Aeroplano, Rodrigo Campos, Leo
Cavalcanti, Kiko Dinucci, Mariana Aydar, Maurício Takara, Bruno Morais, Marcelo Jeneci,
Luísa Maita, entre outros.
2
Tradução do autor.
atividades sociais e culturais sem especificar a natureza dos limites os quais as delimitam
(2005, p. 412)3.
Com o passar do tempo e o desenvolvimento tecnológico da Internet e plataformas
sociais dedicadas à música, o conceito de cena passaria por mais mudanças adquirindo novas
possibilidades e mais importância dentro do estudo da Música, Comunicação e Estudos
Culturais.
Avançando sobre o conceito proposto por Will Straw, o professor de Sociologia da
Universidade de Survey, Andy Bennett, e o professor de Sociologia da Universidade de
Vanderbilt, Richard Peterson, propuseram uma classificação de cenas de acordo com seu tipo,
alcance e formação, levando em consideração o desenvolvimento das tecnologias de
comunicação, das redes sociais e o aumento da complexidade das relações entre elas. De
acordo com os autores, as cenas são três tipos de: local, translocal e virtual.
Segundo Bennett & Peterson, as cenas locais se caracterizam pela
[...] a maioria das cenas locais que focam em um particular gênero musical
estão em contato regular com outras cenas locais similares em lugares
distantes. Elas interagem entre si trocando gravações, bandas, fãs e
fanzines”. (BENNET & PETERSON, 2004, p. 09)5
3
Tradução do autor.
4
Tradução do autor.
5
Tradução do autor.
translocais, os participantes da cena virtual formam uma única cena através
da Internet. (BENNET & PETERSON, 2004, p. 10)6
Tendo como base essas definições para a compreensão da ideia de cena musical, é
possivel perceber como a organização de uma cadeia produtiva da música pode trazer
desenvolvimento e desdobramentos positivos na economia da cultura de uma determinada
região.
Por ser muito flexível e mutante, o conceito de cena permite uma abordagem mais
ampla dos contextos industrial, histórico, social e econômico que estão presentes no mercado
da música, como também das estratégias estéticas e ideológicas que sustentam a produção
musical urbana, escapando, assim, de análises meramente centradas na música como simples
produto midiático ou nas características estéticas do texto musical.
Mas, além disso, é possível pensar em gradações e novas abrangências para o
conceito. Se é possível pensar em uma cena Hardcore em Maceió, com suas bandas, público,
imprensa dedicada, circuito de casas de show próprio, é possível pensar em outras cenas
usando uma visão macro, como uma cena brasileira de Hardcore e uma cena mundial de
Hardcore, pois, as fronteiras da cena são reconfiguradas constantemente devido ao
desenvolvimento das tecnologias de comunicação e dos constantes fluxos de informação.
6
Tradução do autor.
capturar, mais integralmente, a gama de forças que afetam a prática musical
urbana. (2006, p. 33)
Tendo como base o que foi apresentado aqui sobre cena musical, parece claro que o
conceito abarca duas grandes redes do mercado musical: circuito cultural e cadeia produtiva.
A primeira diz respeito aos espaços urbanos territorializados geograficamente (casas de
shows, lojas de música, teatros, boates, etc.) ou simbolicamente (festivais e/ou eventos de
música itinerantes, sem locais de realização definidos ou variáveis), enquanto a segunda, aos
personagens e atores sociais envolvidos nas práticas do processo de criação, circulação e
consumo da música.
Neste trabalho entende-se por circuito cultural a variedade de locais que se podem
explorar enquanto processos culturais. Ou seja, locais onde seja possível a experiência do
consumo musical em seus mais variados tipos. Basicamente, seriam os locais onde se
materializam as práticas musicais no espaço urbano.
Os pontos acima foram citados por Fabrício Nobre, vocalista da banda MQN, diretor
da Monstro Discos e Produções e um dos fundadores da Associação Brasileira dos Festivais
Independentes (Abrafin) para descrever o atual cenário independente brasileiro. Essa
realidade se deve à reconfiguração das práticas produtivas do circuito cultural, à
profissionalização dos atores sociais envolvidos e à participação cada vez maior de artistas e
bandas em todas as etapas da cadeia produtiva.
O título deste capítulo – “Artista Igual Pedreiro” – não se dá por acaso. O mesmo
intitula o primeiro CD da banda cuiabana Macaco Bong. Apesar de parecer estranho, o termo
foi tomado como lema por boa parte dos atores sociais envolvidos no cenário independente
brasileiro. A idéia é que o artista deixe de ser visto como uma classe privilegiada e passe a
trabalhar para a manutenção do seu próprio trabalho e viabilidade da sua carreira.
Para reconhecer o espaço e analisar o surgimento da nova cena de música instrumental
brasileira é preciso, antes de qualquer coisa, ter uma visão mais geral da atual conjuntura do
mercado de música independente brasileiro. Foi nesse mercado que a cena começou a ser
formada e reconhecida pela mídia especializada, pelos músicos, pelos produtores e,
principalmente, pelo público nos últimos anos.
A situação atual do mercado de música independente no Brasil é de intensas
transformações e para analisar essa nova configuração do mercado, o presente trabalho irá
apresentar dois fenômenos que se desenvolveram interligadamente: o surgimento de selos
independentes e o crescimento do circuito de festivais independentes.
Essa tendência tem se confirmado em vários países do mundo. Basta observar a
influência que exercem os festivais independentes, como o South By Southwest (EUA) e o
All Tomorrow‟s Parties (ING), e selos independentes, como o Matador (USA) Domino
(ING), no mercado musical de suas regiões. Por exemplo, o South by Southwest reúne em
Austin, cidade em que é realizado, milhares de pessoas, dentre elas músicos, produtores
culturais, técnicos e, principalmente, turistas. No caso do selo Matador, responsável pelos
lançamentos de bandas como Pavement, Cat Power, Sonic Youth e Belle and Sebastian,
conseguiu criar uma rede de distribuição com forte penetração no mercado independente em
várias partes do mundo.
Muito se fala hoje sobre o crescimento e surgimento de novos selos e dos festivais
independentes de música e como essa nova realidade tem reconfigurado a cadeia produtiva da
música no Brasil, desenvolvido circuitos locais, regionais e nacionais, bem como,
profissionalizando atores sociais envolvidos nesses campos de articulação.
Essas práticas musicais organizadas são fundamentais para a consolidação do mercado
independente brasileiro. De certa maneira, o circuito de festivais e os mais diversos selos
independentes existentes no país são duas molas propulsoras para as bandas do cenário
independente por estarem ligados a dois eixos importantes da cultura: a circulação e o
consumo.
Enquanto surgem novos festivais e os mais antigos se consolidam, bandas começam a
visualizar a formação de um circuito que integra todas as regiões brasileiras com eventos que
acontecem em todas as épocas do ano, aglutinando públicos e promovendo a cadeia produtiva
local.
Assim, mais do que nunca a indústria cultural de uma determinada
localidade é crucial para o desenvolvimento de um território, não apenas
pelo que ela representa para o setor produtivo em si, mas também pelo que
está indústria pode agregar de valor ao restante da produção
regional/nacional. (HERSCHMANN, 2007, p. 20)
7
Dados divulgados em 2005, referentes às vendas de CDs, DVDs e vendas de arquivos digitais no ano de 2004.
GRÁFICO 01
Lançamentos de discos no Brasil no ano de 2004.
Ser independente atualmente tem um significado a mais do que apenas atuar por conta
própria ou ser autônomo em relação às grandes gravadoras. Existe, ainda, uma valoração
dentro das cenas musicais por parte dos fãs, produtores e jornalistas para aqueles artistas e
grupos que atuam fora dos moldes dos grandes conglomerados midiáticos ou não “venderam”
seu trabalho para as grandes corporações da música.
Nos debates sobre o mercado musical atual, é possível notar uma associação
recorrente entre tecnologia, independência e qualidade estética. Quase todos
os discursos apontam positivamente para o fato de que as facilidades
tecnológicas aumentaram as possibilidades de circulação da produção
“independente”, estabelecendo canais e nichos mercadológicos que
demandam músicas diferenciadas. Indiretamente, o “mercado de nichos” é
descrito como um ambiente onde a qualidade estética pode se desenvolver
com maior facilidade do que num mercado “de massa”, o que aciona uma
retórica de valoração estética baseada na oposição entre arte e mercado.
(TROTTA, 2010, p. 249)
Um dos debates sobre o que é ser independente nos dias de hoje passa pela posição
mercadológica assumida pelo artista inserido no mercado cultural. Nesse aspecto, a definição
de independente seria aquele grupo ou artista que tem uma produção autônoma, voltada para
um público de nicho, que está fora do fluxo principal de circulação da música – mainstream –
e não tem vínculos com os grandes conglomerados midiáticos.
Essa distinção tem a ver com a dicotomia criada na tradição da música alternativa
norte-americana que separa os independentes – indies – das grandes gravadoras – majors. De
início, essa definição tinha um forte viés ideológico e era compreendida como um foco de
resistência da classe artística contra o poderio das multinacionais do mercado musical.
Segundo Eduardo Vicente, as majors são
Portanto, de acordo com as definições, ser ou não independente está ligado à maneira
de como a empresa, ou artista, se coloca no mercado. Mas, também, pode ter relação com
valores exteriores ao significado puramente mercadológico, como por exemplo, valores
estéticos e artísticos.
Nesse contexto, aparece a separação entre artistas “de consumo” e “de prestígio”. Os
primeiros são artistas que mesmo sendo independentes, mercadologicamente falando, são
desvalorizados pelos músicos, produtores independentes e jornalistas culturais por terem uma
música cooptada – seja por donos de suas gravadoras, por produtores musicais de seus discos
ou até mesmo pelo público massivo – e moldada pelas estratégias de visibilidade tradicionais
para obter índices de vendagem cada vez maiores.
E os artistas “de prestígio” seriam aqueles que possuem autonomia criativa e são
responsáveis diretos pela sua produção, não abrindo mão da liberdade artística
independentemente se isso irá lhe projetar para um público de massa ou apenas para pequenos
nichos de mercado.
Então, percebe-se que, ser independente é algo mais do que bancar o disco do próprio
bolso, organizar os próprios shows e produzir as próprias turnês. É, principalmente, assumir
alguns posicionamentos ligados ao mercado frente aos outros atores sociais envolvidos na
cadeia produtiva e legitimar o seu trabalho artístico com base na sua autonomia criativa e de
produção.
A atitude de “ser independente” esteve ligada, no seu início, a um foco de resistência
de artistas e grupos musicais com pouca visibilidade contra o consolidado modo de atuação
das multinacionais. Mas, com o passar do tempo, essa atitude deixou de ser restrita aos
artistas marginais e se tornou uma prática produtiva de setores ligados ao modelo das grandes
gravadoras.
O cenário musical brasileiro já mudou faz tempo e só não vê quem não quer.
Desde que a as grandes gravadoras decidiram parar de apostar em artistas
inovativos (sic) que não geram lucros imediatos, a sua fatia de mercado vem
cada vez mais diminuindo por falta de novidades. E assim a cobra vai
comendo o próprio rabo: o mercado diminui, menos lucro, menos dinheiro
para investir, necessidade de lucro imediato, aposta em um artista da moda,
gasto de milhões para garantir algumas vendas, retorno fraco, menos lucro,
etc. [...]
Se as grandes gravadoras não conseguem mais se sustentar e, mesmo assim,
fecham os olhos para novos artistas, então é a vez do cenário independente
absorvê-los e ganhar o seu destaque, afinal de contas, a arte não pode parar.
E engana-se quem acha que o cenário independente brasileiro ainda está
engatinhando. Fazendo uma conta não muito minuciosa, percebemos que o
país já possui mais de (acreditem!) 300 selos independentes especializados
em vários estilos diferentes e com uma rede de distribuição já bem
interessante capitaneada pela Distribuidora Independente (uma iniciativa da
gravadora Trama) e pela Tratore. (SOUZA, 2008)
[...] a cena do final dos anos 70, marcada pela atuação do músico e produtor
Antonio Afonso e pela produção desenvolvida em torno do Teatro Lira
Paulistana (São Paulo), a cena dos anos 90, impulsionada pelo
desenvolvimento das tecnologias digitais de produção e pelas estratégias de
terceirização das grandes gravadoras e o momento atual, de inédita
articulação da cena independente bem como de sua atuação autônoma em
diversos segmentos musicais. (2006, p. 01)
No final dos anos 70, o país vivia uma época áurea para a produção de discos.
Segundo dados da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), a produção quase
decuplicou entre os anos de 1966 e 1979. Nesse mesmo período, as empresas multinacionais
começavam a instalar no Brasil suas primeiras filiais.
Na época, um programa do governo fomentou fortemente o crescimento da indústria
fonográfica. O projeto Disco é Cultura era uma política de incentivos fiscais para empresas
que trabalhassem nesse ramo e foi responsável por tornar o negócio muito mais rentável e dar
fôlego para as gravadoras investirem em artistas nacionais e apostarem em artistas
desconhecidos do grande público.
Com a crise econômica causada pelo petróleo nos anos 70, as gravadoras perderam o
fôlego que tinham para investir em novos artistas e a produção de novos discos ficou ainda
mais seletiva. Era muito mais difícil que uma gravadora apostasse em um artista que não
projetasse um retorno rápido do dinheiro investido. Com isso, uma lacuna estava aberta na
produção fonográfica nacional e precisava ser preenchida.
Então, se as gravadoras não investiriam em novos artistas, era hora dos artistas
começarem a investir em si próprios.
Desde o início da produção independente de discos era normal que esse tipo de prática
produtiva fosse utilizada por músicos inseridos em mercados regionais e com circulação
restrita. Nessa época, artistas que atuavam nos nichos da música sertaneja, erudita,
instrumental e outros segmentos ignorados pelas grandes gravadoras eram adeptos desse
modo de produção.
Entre algumas bandas e artistas que passaram pelo Lira, destacam-se: Antonio Adolfo,
Chico Mário, Boca Livre, Céu da Boca, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Língua de Trapo
e até mesmo os Titãs.
Na década de 80, o nível organizacional da cadeia produtiva tinha tudo para chegar
num alto nível com o surgimento de um departamento dedicado à produção de discos
independentes dentro da Cooperativa dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro (Coomusa),
que divulgaria e distribuiria os trabalhos, mas que pela falta de recursos não desempenhou tais
funções, e a criação da Associação dos Produtores Independentes de Discos (APID), que
também encerrou as atividades na segunda metade da década.
Pelo lado do Lira Paulistana, foi planejado um projeto que o associava à gravadora
Continental. O projeto previa uma divisão igualitária dos lucros, apoio para shows, obtenção
de patrocínios, mapeamento de espaço para shows em todo Brasil e a criação de núcleos
baseados no Lira em outros lugares do país. De início, as cidades de Porto Alegre, Belo
Horizonte e Recife seriam as escolhidas. A iniciativa não saiu do papel e o projeto foi
paralisado, assim como as atividades do teatro, ainda em 1985.
Para Vicente, o principal motivo que causou o desencaminhamento das atividades e
dos projetos foi o precário estado do capitalismo nacional. Segundo ele,
Seria fácil atribuir esse aparente fracasso à falta de uma visão mais
comercial por parte dos artistas envolvidos no setor, às dificuldades de
distribuição e divulgação enfrentadas pelos independentes, ao boicote das
grandes companhias, etc. Em alguma medida, todos esses fatores
provavelmente estiveram presentes. No entanto, eu entendo essa viabilidade
de um projeto independente em maior escala muito mais como índice da
precariedade do capitalismo nacional como um todo do que enquanto
resultado de fatores locais. A espiral inflacionária, o atraso tecnológico da
indústria, as constantes mudanças nas regras econômicas e os problemas de
fornecimento de matéria-prima, entre outros fatores, tornariam o cenário da
segunda metade da década problemático até mesmo para o planejamento das
grandes companhias do setor. (2006, p. 08)
Mas, mais uma crise abalou a indústria fonográfica brasileira, causada principalmente
pelo crescimento da pirataria e da popularização da Internet com os downloads não pagos.
Assim, boa parte dos selos, como os próprios Banguela, Chaos e Plug não resistiram à má
fase do mercado fonográfico nacional e, consequentemente, foram extintos.
Com a virada do século, a nova configuração da indústria fonográfica brasileira se
deve, basicamente, à Internet. Se por um lado ela foi vilã para as grandes gravadoras que
ainda não conseguiram ter controle da rede sobre a circulação de seus fonogramas, por outro,
serviu para que os selos independentes começassem a vislumbrar possibilidades de
escoamento de sua produção, sem depender das majors.
Com isso, a indústria fonográfica independente nacional chegou a níveis de
organização e articulação nunca vistos antes
Outro fator seria o diálogo estabelecido com outros selos independentes internacionais
por boa parte dessas gravadoras. Algumas delas como a Deck Disc, Trama, Indie Records,
entre outras, lançam, no Brasil, edições de discos de bandas independentes de outros países.
Além disso, foi perceptível a migração de alguns artistas bem sucedidos para gravadoras
independentes, sejam por motivos ideológicos ou apenas melhorias contratuais, como é o caso
de Chico Buarque e Maria Bethania (Biscoito Fino), além de Ed Motta e Gal Costa (Trama).
Ou seja, o modelo de produção independente não é mais usado só para lançamentos locais ou
com pouca projeção mercadológica, mas passa por um processo de profissionalização e
criação de novas frentes de atuação.
É nesse contexto de crises e retomadas que a indústria fonográfica independente
brasileira constitui redes de distribuição de novas bandas, novas músicas e fortalece mercados
de nicho ao redor do país. Os selos são componentes fundamentais para a consolidação de
uma cena no circuito independente. Mas também é preciso atentar para a principal ferramenta
de divulgação de bandas na atual configuração do mercado musical: a Internet.
Mesmo a indústria da música sendo responsável por uma importante movimentação
financeira em relação a outros segmentos culturais, como o cinema e o teatro, o faturamento
anual das grandes gravadoras vem declinando nos últimos tempos. O principal ponto que tem
colaborado para isso é o número cada vez maior de trocas de arquivos musicais gratuitamente
na Internet, seja por redes Peer-to-Peer (P2P)8, downloads via sites que armazenam discos ou,
ainda, por compartilhamento de arquivos Torrent. Estima-se que a rede P2P – apontada como
a principal fonte de downloads não remunerados de música – movimente cerca de 885
milhões de downloads, enquanto apenas 6 milhões de faixas sejam baixadas por meio de sites
pagos.
Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e dos meios para circulação
de música na web, algumas barreiras para a inclusão de novos atores sociais no mercado
musical foram quebradas. Agora, tornou-se muito mais fácil e rápido publicar músicas em
formato digital em sites como MySpace, Pure Volume e Sound Cloud, entre outros. Isso
porque as novas tecnologias têm transformado significativamente as formas de interatividade
e sociabilidade vinculadas à música. Segundo George Yúdice (2007), o número de músicos
cujas obras e seguidores aparecem nesses sites é enorme. Grande parte dessa atividade não
está vinculada a selos discográficos, nem aos independentes.
A partir desse contexto, pode-se perceber duas fortes características dessa nova
configuração da música na Internet: 1) a mudança ou transformações dos mediadores
musicais responsáveis pela distribuição da música gravada; 2) com isso, a consequente
mudança de mão dos lucros gerados pela música.
Se antes, os principais mediadores de lançamento de música eram as grandes
gravadoras que detinham grande força econômica para lançar bandas e artistas, hoje esse
papel é assumido pelas redes sociais ligadas à música, ou seja, sites como MySpace e os
outros citados acima, aparecem com importância. É só tomar como exemplo o caso de Mallu
Magalhães, que antes mesmo de ter um disco gravado, tinha um dos perfis mais acessados do
MySpace, despertando a atenção do público e das mídias especializadas.
Com isso, o lucro do aparecimento de artistas como Mallu no ambiente virtual vai para
os administradores do site, que consegue faturar alto vendendo espaços publicitários e
inserções de banners nos perfis dos usuários.
8
Peer-to-Peer é o nome dado aos diversos serviços de compartilhamento de arquivos pela internet. Em vez de
serem armazenados em um computador central, os arquivos distribuídos ficam disponíveis diretamente do PC de
quem utiliza o serviço. Softwares como Napster e Kazaa são exemplos de programas que fazem uso da rede P2P.
que está presente nos 2.400 milhões de vídeos transmitidos por mês, que
alcançarão 15.000 milhões em um ano. (YÚDICE, 2007, p. 53)9
9
Tradução do autor.
pagamento das bandas pela disponibilização de suas músicas no site. Ao final de cada mês, é
contabilizado o total de downloads de músicas do site e rateado o dinheiro para cada
download, assim quanto mais downloads cada banda tiver, mais dinheiro recebe. A medida
incentivou bandas independentes a liberarem a discografia completa no portal para, assim,
obter um número maior de downloads.
Com o sucesso da rede da Trama Virtual, outras empresas começaram a investir na
criação de plataformas sociais para veiculação de música. A Oi criou a Oi Novo Som,
definida no site oficial como uma “Central de Música Independente. Muito mais que uma
simples comunidade, o Oi Novo Som é uma revolução na maneira de se relacionar com a
música. Isso porque é um projeto multiplataformas que oferece oportunidades e vantagens
únicas”. Assim, a Oi além de um construir um banco de dados e mapear parte da produção
independente nacional pode conseguir músicas para seus programas de rádio da Oi FM e
vídeos para a Oi TV.
Outra empresa de telefonia que investiu na área foi a Vivo, que através do Conexão
Vivo criou uma rede social na qual, além de bandas, artistas e compositores, fazem parte
festivais independentes e eventos culturais. Para participar dos editais e das curadorias dos
eventos do Conexão Vivo é necessário cadastrar a própria banda ou festival na rede do site.
Frente a essa realidade, até a escolha de que plataformas usar é um fator de vital
importância para a difusão e divulgação de bandas independentes na web. Pensando sobre
isso, o blogueiro Marcelo Santiago (Meio Desligado), escreveu:
Então, o que temos agora é uma valorização cada vez maior da experiência musical ao
vivo. Mesmo com a queda do número de vendagens de discos e dos fonogramas em formato
físico, esse déficit não se aplica ao mercado da música ao vivo. E, agora, os shows
10
O termo “coletivo” ganhou novas conotações a partir da criação do Circuito Fora do Eixo, que segundo o site
oficial é “uma rede de trabalhos concebida por produtores culturais das regiões centro-oeste, norte e sul no final
de 2005. Começou com uma parceria entre produtores que queriam estimular a circulação de bandas, o
intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de produtos nesta rota. A rede cresceu e as relações de
mercado se tornaram ainda mais favoráveis às pequenas iniciativas do setor da música, já Fora do Eixo no
âmbito local, atualmente, existem mais de 40, espalhados por diversas regiões brasileiras.
começaram a ser o diferencial na conta bancária dos artistas que, para faturar, precisam
circular cada vez mais. Principalmente os independentes.
Por exemplo, para se ter uma idéia do crescimento orçamentário dos festivais, alguns
passam da cifra dos R$ 100 mil, como o Bananada, enquanto, outros poucos dos R$ 500 mil,
como o Goiânia Noise e Coquetel Molotov. Em reportagem intitulada “(in)dependente? –
Discussão sobre patrocínio estatal a eventos independentes de música move de Petrobras a
festivais tradicionais” para o caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, Thiago Ney escreveu:
Um dos eventos que fazem parte da Abrafin, o Goiânia Noise é dos mais
conhecidos festivais indies do país. Em novembro de 2009, fez sua 15ª
edição, com cerca de 60 bandas e público de 12 mil pessoas. Segundo
Leonardo Razuk, um dos organizadores do Goiânia Noise, o evento teve
custo de R$ 700 mil em 2009. Eles captaram R$ 200 mil com a Petrobras via
Lei Rouanet; R$ 200 mil com uma empresa de eletrodomésticos via lei de
incentivo estadual; R$ 20 mil por meio de patrocínio municipal; R$ 8 mil de
uma empresa de calçados; e R$ 6 mil do Sebrae. “O resto veio com dinheiro
de bilheteria e com os bares”, afirma Razuk. “Nos nossos festivais, ainda
dependemos de bilheteria para pagar custos.” Razuk ajuda a organizar,
também em Goiânia, o Bananada, cuja 12ª edição acontece de hoje a
domingo, com 45 bandas e custo de R$ 120 mil. Segundo Razuk, foram
captados R$ 70 mil via lei estadual e mais R$ 4 mil de apoio do Sebrae.
(NEY, 2010)
Ainda na mesma entrevista, do Vale fala sobre a importância dos festivais para a
legitimação de cenas, como um espaço de materialização das práticas musicais e de
experiências por parte, principalmente, das bandas e do público.
[...] acho que a principal distinção entre um Planeta Terra, um Skol Beats,
um Tim Festival, um Festival de Salvador ou um Planeta Atlântida e outros
festivais independentes, tais como Abril Pro Rock, MADA, Humaitá pra
Peixe, Goiânia Noise e Calango está explicitada no próprio nome dos
eventos. Skol, Tim, Terra, Rede Globo, RBS não têm nenhum
comprometimento com o desenvolvimento da cena musical de uma cidade
ou região: são eventos baseados em marketing da empresa que os banca ou
apoia. [...] Os novos festivais têm alguns papéis na organização do mercado
independente. Eles ajudam a revelar novos artistas, a profissionalizar pessoas
deste mercado (roadies, técnicos de som, empresários, assessores de
imprensa, músicos, etc.), colocam em evidência algumas regiões que antes
não tinham tradição de produção musical. As majors não se importam mais
com os artistas destes festivais e todos estão cientes disso.
(HERSCHMANN, 2010, p. 290)
O presente trabalho irá focar as atenções nos estudos de casos de festivais que
contribuíram de maneira decisiva para a formação da cena de música instrumental brasileira,
bem como suas contribuições para a visualização de um circuito próprio, são eles: Festival
Produto Instrumental Bruto (SP) e Festival Pequenas Sessões (MG).
Mas, antes, será analisada a trajetória de três bandas fundamentais para a formação da
cena de nova música instrumental brasileira. Hurtmold (SP), Constantina (MG) e Macaco
Bong (MT) foram importantes para a criação e consolidação de um público que passaria a
consumir essas e outras bandas do circuito.
Capítulo 03
No início dos anos 2000, começaram a surgir no Brasil algumas bandas influenciadas
por grupos estrangeiros, que mesclavam elementos de Rock, Krautrock, Shoegaze, música
ambiente e eletrônica, podendo ter uma aproximação com o Jazz e outros gêneros musicais.
Bandas instrumentais como Tortoise (EUA), Mogwaii (ESC), Godspeed You! Black
Emperor (CAN), Explosions In The Sky (EUA) e Toe (JAP) eram referências para boa parte
dos grupos que nasciam no começo do novo século em solo brasileiro. Os acordes e riffs
poderosos do Rock não eram mais tão importantes para essas bandas, de certa maneira. Eles
perderam importância em detrimento das ambiências que eram criadas a partir da
experimentação de timbragem dos instrumentos. Os temas, em geral, tinham um caráter
minimalista com muitas repetições e variações sutis, mas com uma grande quantidade de
dinâmicas.
Em grande parte, o acesso à Internet, a troca de arquivos digitais em MP3 e a
popularização da banda larga foram fatores essenciais para que músicos brasileiros
mantivessem contato com o que de novo acontecia nos maiores centros culturais do mundo.
Foi através da rede que a maior parte dos músicos conheceu as bandas do que viria a ser
chamado posteriormente de Post-Rock.
E essas influências se refletiram no surgimento das primeiras bandas instrumentais no
Brasil. À medida que novos grupos apareciam o campo de influência se alargava trazendo
novas tendências para a produção local. Mas a história do surgimento da nova cena de música
instrumental brasileira remonta a São Paulo pouco antes da virada do século XXI.
Nessa época, punk e hardcore estavam entre os sons mais escutados por eles.
Fugazi é uma banda que sempre foi referência para os caras. E isso fica mais
evidente nos primeiros álbuns. Em 3 am: A Fonte Secou..., lançado em 1999
apenas em fita K7, e E.T. Cetera, que saiu um ano depois em CD, essas
influências ficam mais explícitas. Nessa segunda obra, no entanto, o baixo e
a bateria já se destacavam mais, sinalizando de certa forma o que viria pela
frente. (DACAX, S/D)
Acho que hoje existe uma abertura maior em vários sentidos. Não só pelo
estilo musical, mas por toda uma aceitação estética em si. Algo que já existe
há muito (tempo) na música, mas ainda era um pouco remoto por aqui. Acho
também que o Hurtmold já abriu algumas portas que o MDM (projeto solo
do instrumentista) não terá que abrir, saca? (Mário Cappi, guitarrista do
Hurtmold, em entrevista ao autor)
Além de Mestro, banda já lançou outros quatro discos: Et Cetera (Submarine Records,
2000), Cozido (Submarine Records, 2002), Hurtmold/The Eternals – Split (Submarine
Records, 2003) e Hurtmold (Submarine Records, 2007). Ainda segundo a reportagem de
Diego Dacax:
Para quem escuta um desses álbuns e pula direto para o Mestro (2004) ou
para o disco homônimo lançado em 2007 [...] pode ficar a impressão de que
houve uma mudança radical. Uma audição mais atenta, porém, revela um
caminho evolutivo constante e coerente. Não há uma mudança tão brusca
quanto pode parecer num primeiro momento. É como se cada disco fosse
prenunciado pelo seu antecessor. (DACAX, S/D)
Para alguns jornalistas musicais, o marco zero da formação da nova cena de música
instrumental brasileira é o lançamento de Et Cetera. Mesmo que outras bandas já existissem
nessa época, o primeiro disco a ter certa relevância no cenário independente e apontar para
essa nova tendência foi o debut do Hurtmold.
Mas a banda conseguiu fugir dos nichos e dos rótulos de música difícil ou inacessível
e conseguiu ser bem aceita por um público que acompanhava o cenário independente nacional
e estava ávido por novidades. Após figurar em vários festivais no Brasil, passando pelo
circuito do Jazz, da música contemporânea e do Indie Rock, o Hurtmold aparecia não só como
o maior expoente do Post-Rock e da música instrumental brasileira, mas também, como uma
das bandas mais respeitadas no cenário independente.
Em 2008, já com dez anos de carreira, o grupo foi convidado por Marcelo Camelo,
vocalista do Los Hermanos, para a gravação do primeiro disco solo do cantor. A parceria seria
responsável por levar a banda para outro nível de visibilidade, atingindo novos públicos e
circulando em novos palcos, como é possível perceber no texto publicado no blog Town Art:
Com os anúncios do hiato do Los Hermanos, uma das bandas que obteve maior
sucesso entre o público jovem na primeira década dos anos 2000, e do primeiro disco solo de
Marcelo Camelo, a carreira do cantor foi visada por fãs de toda a parte do Brasil. Para o
Hurtmold, foi essa visibilidade que possibilitou chamar a atenção de um público novo para a
música do grupo, já que, ao lado de Camelo, a banda tocava para públicos bem maiores.
No segundo álbum, Jaburu (Open Field, 2006), os músicos partem para outra
empreitada, mais enigmática e minimalista do que antes. Jaburu é inteiro composto por sobras
das sessões de gravação do primeiro disco, com takes de momentos em que os instrumentos
estavam sendo timbrados, os volumes acertados, momentos que, segundo a banda eram de
“(in)consciência coletiva”. O disco foi bem resenhado pelo jornal online português
BodySpace, onde apareceu como uma referência da nova musica instrumental independente
brasileira. Segundo André Gomes:
Inclusive, o caráter “livre” dos shows da banda seria uma constante. Após o show com
o Colorir, o Constantina fez outras apresentações com participações especiais trabalhando o
intercâmbio entre músicos de diferentes estilos musicais. Ronaldo Gino (MG), Meninas de
Sinhá (MG), Ruído/mm (PR) e M Takara 3 (SP) já dividiram o palco com os mineiros.
No início do ano seguinte, após o show em Mariana, a banda lança o seu terceiro disco
Hola, Amigos! (La Petite Chambre, 2008). O álbum tem quatro músicas que comprovavam o
amadurecimento do grupo com uma linguagem um pouco mais pop e trabalhando com um
processo de pós-produção mais profissional.
Segundo Valdir Antoneli, do site Drop Music:
Em 2010, após um hiato de cerca de dois anos, o Constantina volta à ativa, agora
como um septeto, e começa a preparar o sucessor de Hola, Amigos!. Haveno deverá ser
lançado em 2011, mas suas músicas já estão sendo disponibilizadas digitalmente pela banda
assim que são finalizadas em estúdio.
Mas o Constantina é importante para sua região não só por causa da sua música. A
movimentação cultural feita pelos seus integrantes colocou Belo Horizonte no circuito e já é
possível visualizar outras iniciativas importantes, além do selo e do Festival Pequenas
Sessões, ambos geridos pela banda. Por isso, é possível ver um cenário fértil para o
surgimento de novas bandas instrumentais em Minas Gerais, como os novos Dibigode,
4instrumental e Iconili.
Cuiabá, 2004.
O Macaco Bong é um trio instrumental formado pelo tripé básico do Rock: guitarra,
baixo e bateria. Pode parecer pouco em relação às bandas Hurtmold e Constantina. Mas o
grupo de Cuiabá seria responsável por dar continuidade ao trabalho iniciado pelos paulistas de
popularizar o Rock instrumental brasileiro, sendo que de outra maneira. Enquanto o
Hurtmold, em São Paulo, conseguiu ter relevância na mídia especializada e destaque em
grandes festivais de música, o Macaco Bong fez o caminho inverso, circulou pelas cinco
regiões do Brasil fazendo pequenos shows para formação de platéia.
O trio formado por Bruno Kayapy, Ynaiã Benthroldo e Ney Hugo circulou por
circuitos diferenciados, tanto nas casas de shows e festivais dedicados ao Indie Rock, como
em eventos do circuito da música instrumental brasileira. O som baseia-se na desconstrução
dos arranjos da música popular em seus formatos convencionais, aliada à linguagem das
harmonias tradicionais da música brasileira com Rock, Jazz, Fusion e Pop.
No ano de 2004, o Brasil se preparava para ver a formação de duas instituições
importantes para o cenário independente nacional. No ano seguinte, o Circuito Fora do Eixo e
a Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) seriam fundados e uma das
bandas que mais soube tirar proveito do circuito cultural que se organizaria a partir desse
momento, foi o Macaco Bong.
Antes de gravar o primeiro disco, a banda lançou dois EPs, o primeiro com três
músicas e o segundo com cinco, disponibilizados gratuitamente pela plataforma do Trama
Virtual e foi destaque em vários festivais pelo Brasil, principalmente os ligados ao circuito
Fora do Eixo: Grito Rock (MT), Festival Calango (MT), Goiânia Noise Festival (GO),
MADA Festival (RN), PMW Festival (TO), Festival Varadouro (AC), Festival Jambolada
(MG), Festival Demosul (PR), Festival Beradeiros (RO), Vaca Amarela Festival (GO),
Laboratório Pop Festival (RJ), entre outros.
Diante disso, já dá para perceber que a banda circulou bastante antes de gravar o
primeiro disco. Essa circulação é a responsável da construção do nome que o Macaco Bong
tem hoje, devido a isso, o trio conseguiu formar um público, mesmo que pequeno em quase
todos os estados do país. Apenas o Maranhão e o Piauí ainda não receberam shows do trio
cuiabano.
O lançamento pelo Álbum Virtual, da Trama Virtual, também foi fundamental para a
formação do público do Macaco Bong. Ao ser lançado pela plataforma, Artista Igual Pedreiro
teve um alcance muito maior e, além disso, teve, principalmente, divulgação. Não é só o fato
de estar disponível na Internet que garante que o disco tenha boa repercussão ou sucesso em
número de downloads. O investimento da Trama para a divulgação da plataforma e,
consequentemente, dos lançamentos fizeram que o primeiro álbum do Macaco Bong atingisse
um público maior e diversificado.
Além disso, no ano de 2008, a banda foi a que mais circulou dentro dos festivais
independentes. Analisando as programações dos festivais de música vinculados à Abrafin
naquele ano, é possível localizar a participação do trio em cinco deles. Aliando uma boa
divulgação na Internet com uma estratégia de circulação descentralizada, o Macaco Bong fez
de Artista Igual Pedreiro um dos discos mais comentados do ano.
Tanto que no final do ano de lançamento, a banda teve o seu disco de estréia escolhido
pela revista Rolling Stone como o melhor disco nacional do ano, um feito inédito para uma
banda instrumental, a frente de artistas mais populares como Mallu Magalhães, Lenine e Ney
Matogrosso.
Essa premiação é considerada por muitos como um dos grandes acontecimentos para o
Rock instrumental no Brasil. Sinal de que, além de bons shows, as bandas fazem bons discos
e de qualidade reconhecida pela mídia especializada. O “movimento sem vocal” começava a
ganhar corpo e disputar espaço, tanto nas publicações dedicadas à cobertura cultural, como
nos festivais independentes que aconteciam nos quatro cantos do país.
Segundo a revista Rolling Stone:
Assim, também como o Hurtmold, o Macaco Bong foi banda base para um
compositor. O espetáculo “Futurível” promoveu o encontro entre o trio de Cuiabá e Gilberto
Gil para apresentar releituras das músicas do baiano escolhidas pela banda.
Realizado no encerramento do Fórum Internacional Geopolítica da Cultura e da
Tecnologia, o show pode ser entendido da mesma maneira que a parceria de Marcelo Camelo
com o Hurtmold, mas com o diferencial da figura de Gilberto Gil. Assim, nota-se um
processo de reconhecimento do trabalho desenvolvido pela banda. A parceria com Gil expõe
o trio a outro público. Segundo a reportagem de Leonardo Dias Pereira para a Rolling Stone:
Mas a parte em que (Gilberto Gil) dividia o palco com o trio de rock
instrumental era a mais aguardada: pela curiosidade sobre a desconstrução
musical promovida por Bruno Kayapy (guitarra), Ney Hugo (baixo) e Ynaiã
Benthroldo (bateria) nos clássicos de Gil e também pela rara oportunidade de
se ver um dos representantes da Tropicália liderar, ainda que por um breve
tempo, uma banda de rock. (PEREIRA, 2010)
A repercussão foi tamanha que o show foi indicado ao Prêmio Bravo de 2010,
concorrendo com as apresentações de Maria Bethânia, Orquestra Imperial com Caetano
Veloso, entre outros.
O Macaco Bong, então, ajudou no alargamento do público das bandas instrumentais
que passavam a circular mais pelo Brasil. A partir de 2007, o que se viu foi um crescimento
do número de bandas instrumentais, do espaço na mídia, de eventos que incluíam grupos
desse tipo e eventos dedicados exclusivamente à nova música instrumental brasileira. Era o
nascimento de uma cena que agregava bandas com sonoridades bastante diversificadas e de
diferentes regiões do Brasil em torno do diferencial de produção de Rock instrumental.
FORMAÇÃO DA CENA
Como pode ser percebido nos trechos das reportagens, é reclamada a existência de
uma tendência dentro da música brasileira para a disseminação de bandas instrumentais e uma
abertura do público para esses grupos. Assim como aconteceu na criação do termo “cena
musical” nos anos 1940 em torno do meio do Jazz, dá para se perceber que as cenas nascem
no discurso jornalístico.
Geralmente, os jornalistas são os primeiros a reclamar a formação de uma cena, para
justificar o aumento do número de bandas, eventos voltados para o gênero, crescente interesse
do público, etc. Inclusive o rótulo de “música instrumental” foi criado da mesma maneira,
talvez devido à dificuldade da mídia especializada rotular tantas bandas de sonoridades tão
diferentes.
Percebe-se, portanto, que o surgimento de cenas é um fenômeno midiático que nasce
no discurso jornalístico e se materializa por meio das práticas musicais de ocupação do espaço
urbano. A formação dessas cenas poderia ser entendida como uma forma de materialização do
gênero musical e de suas práticas produtivas e de consumo. Pois, dizer que existe uma cena
Manguebeat em Recife, por exemplo, significa dizer que existe uma produção significativa
local e que é possível ir até a capital de Pernambuco e consumir o gênero musical de diversas
maneiras, seja na compra de produtos culturais e midiáticos vinculados ao gênero ou,
principalmente, no consumo de música ao vivo em shows, festivais e eventos culturais.
Dentro da nova cena de música instrumental, um caso que merece destaque é o caso de
Sabará, cidade do interior de Minas Gerais. Sabará acompanhou de perto o desenvolvimento
das novas bandas mineiras vinculadas à cena e inclusive recebeu eventos regulares dedicados
à música instrumental. Bandas como Constantina (MG), Dibigodi (MG), Iconili (MG), M
Takara 3 (SP), Caldo de Piaba (AC), entre outras, além da sabarense 4instrumental (MG), já
passaram pelos palcos da cidade que tem um festival chamado Real Instrumental, promovido
pelo coletivo local Forceps, e já recebeu shows do Festival Pequenas Sessões.
Então, nas cenas, como na nova cena de música instrumental que é objeto de estudo
deste trabalho, os gêneros musicais assumem vieses mercadológicos e se materializam,
configurados sob a forma de circuitos culturais e cadeias produtivas constituídas a partir do
compartilhamento de gostos e dos afetos musicais.
Ou seja, os espaços urbanos passam a ser experienciados e ocupados afetivamente
pelos fãs da nova música instrumental, bem como por bandas, grupos e artistas da cena, além
de passar a ser fonte de geração de renda e novos mercados para profissionais autônomos que
atuam em empreendimentos ligados à música, sejam eles técnicos, produtores culturais, enfim
profissionais que fazem parte da cadeia produtiva da música.
O termo “Post-Rock” foi usado a primeira vez pelo crítico musical Simon Reynolds na
resenha do álbum Hex, da banda Bark Psychosis, publicada em março de 1994 na revista
Mojo. O uso se deu para descrever uma música que se valia de uma instrumentação de Rock
(guitarra, baixo, bateria) para criação de um som que não fosse Rock. Os riffs e acordes se
aproximam mais de texturas musicais do que do tradicional formato canção. Durante uma
década esse termo virou rótulo para uma série de bandas que se encaixavam na descrição,
como era o caso das pioneiras do estilo.
A crítica musical brasileira importou o rótulo e começou a enquadrar trabalhos de
novos grupos instrumentais que apareciam com essa alcunha, como foi o caso do Hurtmold
no início. Mas boa parte das bandas nacionais assume o Rock como parte integrante, e
fundamental, de seus trabalhos. Não seria correto analisar o som das bandas brasileiras
instrumentais sem remeter ao Rock. Nesse ponto, a proposta de classificação de gênero a
partir do Post-Rock cairia por terra. Mas existem, claro, bandas que se encaixam no rótulo e
assumem esse gênero como principal influência de seu trabalho.
Uma consequência do aparecimento de um número cada vez maior de bandas é a
diversidade musical e da variação das práticas musicais. Se bandas seminais no Brasil como
Hurtmold e Constantina tinham uma ligação com o Post-Rock, essa relação já não se dá com
outros grupos, como Macaco Bong e Retrofoguetes, por exemplo.
Mesmo sendo possível agrupar todos esses grupos sob a alcunha de cena de música
instrumental ou cena de Rock instrumental, não parece ser possível agrupar todos eles sob
apenas um gênero musical. A cena brasileira é eclética e não se limita a bandas rotuladas
como Post-Rock.
Segundo Tatiana Lima,
Então, é possível ver a nova cena de música instrumental como uma instância
aglutinadora das práticas musicais apresentadas até aqui. O que de fato aparece é um cenário
que não se limita a um único gênero musical específico e, sim, a pluralidade de sons e
influências, agregadas sob um rótulo. Assim, a afirmação de determinada banda em um
gênero musical particular subentende uma série de estratégias de circulação e endereçamento
do conteúdo para determinados públicos, ao mesmo tempo, que a marcação de tal banda como
“música instrumental” endereça o conteúdo para outros.
Por exemplo, se algum jornalista diz que o Hurtmold tem um som predominantemente
calcado no Post-Rock, possivelmente um público mais jovem e antenado se interessará em ir
atrás da música, somente aqueles que sabem o que é o gênero podem decodificar a
informação. Mas, se o mesmo jornalista fala que a banda tem um som marcado pela influência
de ritmos africanos e música brasileira, possivelmente um público mais estabelecido se
interessará pela banda.
Em nenhuma das duas situações o jornalista estaria cometendo nenhum erro ou gafe,
mas o público-alvo da publicação para onde ele escreve é que mostrará qual das duas
colocações seria mais efetiva. Por exemplo, o fato desta resenha ser publicada num veículo
com a visão da Bravo subentenda uma estratégia de rotulação diferente do que se for num
blog de cultura independente.
Portanto, é possível perceber que a formação da cena se dá pelo rótulo de “música
instrumental”, não por algum gênero musical em particular. A partir dessa formação da cena
dentro do circuito da música independente brasileira, será possível visualizar o nascimento de
um circuito dedicado exclusivamente à nova música instrumental brasileira. É possível
acompanhar a consolidação de festivais e selos independentes dedicados à nova música
instrumental, investimento cada vez maior das esferas pública e privada por meio de editais,
formação de plateias, reconhecimento do público, além de prêmios dedicados à nova cena.
Capítulo 04
11
Com o crescimento da oferta de música e a troca de arquivos digitais em larga escala na Internet, o consumo
de música está cada vez mais fragmentado e as vendas de música em suportes físicos não atingem mais os
números das décadas passadas. Portanto, os números de vendagens de CDs e DVDs, hoje, não refletem mais
necessariamente maiores ou menores índices de popularidade e, sim, as visualizações de músicas e vídeos em
sites e downloads dos discos na rede. Por exemplo, mesmo que novos ícones como Lady Gaga não chegue perto
de superar as 29 milhões de cópias vendidas do álbum Thriller de Michael Jackson, a artista foi a primeira a
receber um bilhão de visualizações em seus vídeos no Youtube.
rotuladas como “instrumentais” e até, mesmo, para a consolidação do público que começou a
frequentar os festivais dedicados exclusivamente ao estilo.
12
Na ocasião de lançamento do álbum mais vendido da banda Legião Urbana, As Quatro Estações, lançado em
1989, foram vendidas cerca de 1,6 milhão de cópias, enquanto o RPM vendeu 2,2 milhões de cópias do seu
álbum Rádio Pirata Ao Vivo, de 1986.
em 2005, que teve, até o momento, quatro mil cópias prensadas, sendo duas mil pela
Submarine Records, mil pelo selo francês Nacopajaz e outras mil pelo selo japonês Catune.
Segundo informações do próprio selo, todos os discos do Hurtmold tiveram prensagem
inicial de 1000 cópias13. De acordo com a procura do público e o estoque disponível são feitas
novas prensagens. Como foi o caso dos álbuns Cozido e Mestro, que após o esgotamento do
estoque foram reprensados com a mesma quantidade.
Outro exemplo é o selo Dissenso de São Paulo. Administrado por integrantes da banda
Labirinto, a Dissenso foi responsável pelos lançamentos da banda: Etéreo (Dissenso, 2009),
Dis #1 (Dissenso, 2008) e Anátema (Dissenso, 2010). Destes, exceto Etéreo que é produzido
manualmente pelos próprios integrantes de acordo com a demanda, todos tiveram prensagem
inicial de 1000 cópias.
A Dis #1 é um lançamento a parte. O disco é uma coletânea que reúne quatro bandas
da nova safra instrumental, com duas músicas cada. Fazem parte: Constantina (MG),
Ruído/mm (PR), Fóssil (CE), além da Labirinto (SP). O detalhe da coletânea é que além das
bandas, também foram selecionados artistas visuais que “ilustrariam as músicas”, agregando
valor ao produto final.
O Open Field, selo independente fundado por Guilherme Barrela, também aponta para
práticas produtivas sustentáveis dentro do mercado independente. A idéia do selo nasceu
durante as atividades da distribuidora de Barrela, a Peligro. Em entrevista à Trama Virtual,
Barrela comentou: “[...] no começo da Peligro era difícil conseguir bandas legais toda semana.
E essa ideia de fazer um selo com tiragens pequenas sempre foi recorrente para mim”.
As tiragens são feitas de 100 em 100 cópias de acordo com a vendagem e estoque do
produto. Não são industriais – são todas gravadas em CD-R e confeccionadas com envelopes
de papel reciclado. Na mesma entrevista, Barrela declarou: “Existem muitos artistas que não
necessitam das grandes tiragens industriais (onde a quantidade mínima são 1000 discos, ou
500 dando um jeitinho). A gente faz tiragens de 100 cópias. Se faltar, a gente refaz”.
Outro selo que pode ser citado como exemplo é o Le Petite Chambre, de Belo
Horizonte. Administrado por Daniel Nunes, o selo lançou dois discos do Constantina:
Constantina e Hola, Amigos! O primeiro, lançado em 2005, teve uma prensagem de também
1000 cópias, enquanto o segundo apenas de 500, feitas em tiragens de 100 unidades cada.
O que se percebe ao analisar as práticas produtivas de selos independentes que são
dedicados à nova música instrumental é que as lógicas que norteiam as estratégias de
13
Dados informados pela Submarine Records por e-mail.
lançamento são voltadas para mercados pequenos e consolidados, além de assumir a venda de
CDs como algo vintage, ou seja, como um produto diferenciado que assume um valor afetivo,
principalmente quando atrelado à experiência de algum show, pois, mesmo com a crise das
grandes gravadoras e a queda das vendas de CDs, é possível pensar numa venda em menor
escala dos produtos atrelados à banda e à experiência musical. Tal afirmação se confirma
quando se percebe que mesmo que todos esses selos independentes comercializem via
Internet, a maior parte da distribuição dos discos acontecem em shows, onde bandas e
coletivos vendem CDs, camisas, bottons e outros artigos.
Segundo Micael Herschmann,
GRÁFICO 02
Evolução do número de downloads realizados no site da site da Sinewave entre agosto de 2009 e novembro de
2010.
GRÁFICO 03
Evolução da receita para realização do Festival PIB.
GRÁFICO 04
Evolução da receita para realização do Festival Pequenas Sessões.
O cenário não tem ficado melhor apenas para produtores de festivais independentes.
Especialmente, nos últimos quatro anos, muitos editais e prêmios voltados exclusivamente
para artistas autônomos começaram a aparecer com mais frequência. Editais para circulação
regional e nacional de bandas e artistas, para pagamento de passagens e estadias, para
gravação de CDs e financiamento de shows.
Programas como o da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e do Ministério da
Cultura (MinC) são importantes para acabar com as disparidades e centralização dos
investimentos. Por exemplo, o edital de Intercâmbio e Difusão Cultural do MinC seleciona,
mensalmente, bandas e artistas individuais para custeio de passagens e hospedagens em
viagens nacionais e internacionais.
Duas importantes bandas instrumentais, Macaco Bong e A Banda de Joseph Tourton
(PE), foram selecionadas pelo edital de Intercâmbio e Difusão Cultural. O programa custeou
passagens para a primeira turnê europeia do Macaco Bong, que contava com participação no
festival espanhol Primavera Sound e as passagens para a primeira turnê do grupo
pernambucano na região Sudeste.
A banda pernambucana seria contemplada em outro edital, dessa vez dentro do
Programa Petrobrás Cultural para a gravação de um CD e sua distribuição na Internet. Na
última edição do edital, a empresa investiu cerca de R$ 400 mil somente nessa modalidade,
que compreende a gravação de música brasileira (popular ou erudita), para disponibilização
gratuita pela Internet, abrangendo novos compositores-intérpretes que demonstrem potencial
artístico e representatividade cultural, e que não se caracterizem como já inseridos numa
dinâmica produtiva regular, com acesso consolidado a canais de difusão existentes. Cada
proposta poderia requerer até R$ 50 mil para o financiamento da ação.
O disco foi gravado em Pernambuco e mixado e masterizado em São Paulo. Após o
termino do processo, o álbum foi disponibilizado para download gratuito no site da banda
(www.josephtourton.com.br) e até o dia 11 de dezembro já tinha sido baixado, apenas pelo
link oficial, 2.024 vezes.
Mas um programa que parece ter um modelo interessante para superação das
desigualdades regionais é o Projeto Pixinguinha, que em 2008 deixou de selecionar artistas
para uma caravana cultural que percorria as principais capitais do Brasil e passou a selecionar
artistas para a gravação de discos e turnês regionais.
O projeto contemplava artistas com R$ 90 mil. O recurso deveria ser investido na
gravação de um álbum e circulação com três shows gratuitos na própria região do artista. Ou
seja, os R$ 90 mil seriam investidos na cadeia produtiva da música local, movimentando a
economia de vários setores da música, desde os profissionais envolvidos na área de gravação,
passando por técnicos de sonorização ao vivo e outros profissionais secundários da cadeia da
música como assessores de comunicação e contadores.
A banda instrumental Burro Morto (PB) foi uma das contempladas nesse edital e
recebeu o prêmio da Funarte para gravação de Baptista Virou Máquina, disco de estreia do
quinteto paraibano. O disco foi totalmente gravado na Paraíba e deve ser lançado oficialmente
no final de 2010.
Com isso, o investimento está deixando de ser apenas no artista, mas na cadeia
produtiva local da música e no circuito cultural regional para a formação de plateia no seu
próprio estado de origem. O modelo de investimento do Projeto Pixinguinha tem relação com
as práticas produtivas dos festivais independentes, pois o modelo de investimento de ambos,
tanto do Petrobrás Cultura como do Projeto Pixinguinha, tem repercussões diretas nos
circuitos culturais e cadeias produtivas locais.
Como se percebe, o investimento público e privado serviu para a formação e
consolidação do cenário independente nacional. No caso da nova música instrumental,
permitiu o surgimento de festivais com infra-estruturas mais complexas e iniciativas que
ajudaram na formação de público em vários pontos do Brasil, como turnês individuais e
coletivas de bandas instrumentais, gravações de CDs e realização de shows movimentando os
circuitos culturais e cadeias produtivas locais.
Portanto, o processo de fortalecimento das cadeias produtivas e dos circuitos culturais
locais é fruto do desenvolvimento das relações sociais dentro das cenas. Ou seja, a partir do
momento em que as práticas de produção e consumo musicais tornam-se mais rentáveis, essas
transformações refletem nos espaços urbanos e na economia da região. Seja um festival que
mobiliza o setor hoteleiro e faz parte do calendário turístico da cidade ou uma gravação de
disco de uma banda local que movimenta recursos financeiros juntos a estúdios, tudo reflete
na organização econômica do cenário independente tanto local quanto nacional, além de
aproximar, ainda mais, o resultado final das práticas produtivas locais da tão desejada
sustentabilidade mercadológica.
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