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Sonhos e Outras Verdades

Ficção

Poncio Arrupe

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Jack 003

Em meados de Agosto um grupo de parceiros habituais de poker está reunido ao


final da tarde no terraço de Várzea de Meruge. Acomodaram-se à sombra da parede
exterior, do piso superior da casa, que limita uma das arestas do terraço virado para
nascente, de planta rectangular. Os outros três lados são limitados por uma amurada que
dá mais ou menos pela cintura de um adulto e que é formada por uma sucessão de
pequenas colunas de meio palmo da largura, separadas por espaços vazios de largura
igual. Isto torna possível a um observador sentado entrever a paisagem poucos metros à
frente da casa também ao nível do solo. A sucessão de colunas é encimada por um
corrimão plano, que por sua vez só é interrompido por algumas poucas e pequenas
elevações mais largas, quadrangulares, com uma depressão em círculo para colocação
de vasos de pequenas dimensões. Encontram-se, no entanto, todas desocupadas. A
temperatura ali está muito amena, quase não há vento, o sol começa a pôr-se no lado
oposto da Serra, colorindo-a de um manto laranja diáfano. Teresa comenta: “Olha pai!
Que linda a luz na Serra!”. Dentro de aproximadamente uma hora a Lua irá despontar
algures na crista da gigantesca montanha, ao mesmo tempo que o Sol se esconderá nas
árvores da floresta lá atrás, do outro lado da ribeira, para as bandas do mar que está lá
longe a muitos quilómetros. João está sentado numa das cabeceiras da pequena mesa
baixa rectangular, feita em ferro forjado torneado em enfeites tipo art nouveau, e em
madeira. As cadeiras formam conjunto com a mesa. Rita está sentada na cabeceira
oposta à de João. Zezé está à esquerda deste, num banco de três lugares, de costas para a
Serra, tal como Miguel ao seu lado esquerdo no mesmo banco, e à direita de Rita. À
esquerda desta senta-se Jack 003 - Jack para abreviar -, também num banco igual de três
lugares. Entre Jack e João encontra-se Margarida, inteiramente focada no jogo, como
lhe é apanágio. Teresa está ao colo de Rita, encarregando-se de distribuir as fichas para
o início do jogo. Será ela também a responsável por proceder a trocas das mesmas
sempre que for necessário. O vencedor será aquele que maior valor em fichas tiver
assim que a Lua estiver visível na sua totalidade. Teresa dará o sinal quando assim for.
Zezé está, como sempre, de sorriso posto em permanência, aberto e franco, matizado
apenas por ligeiras, quase imperceptíveis, variações no olhar. Só quem já está
habituado, quem teve tempo para aprender, é que consegue ler-lhe as expressões dos
olhos.

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A espaços vão passando os usuais pequenos grupos negros de aves grasnantes, a
vinte ou trinta metros de altura no céu, em direcção a poente, vindos do lado da Serra,
aparentemente do ponto de onde a Lua emergirá. Enquanto o jogo não se inicia,
mexendo mecânica e displicentemente nas suas fixas, João localiza mentalmente no céu
diferentes objectos: O centro da Via Láctea quase à sua frente junto ao horizonte, na
direcção das onze e trinta horas, tendo o seu relógio de pulso como referência; Um
pouquinho à direita, mesmo à sua frente, na horizontal, rasando as copas das árvores da
colina em frente, surgirá a constelação de Escorpião, o seu signo, o que representa para
si apenas uma curiosidade; A Estrela Polar lá atrás, ligeiramente sobre a sua direita,
pelas cinco horas, mais ou menos a sessenta e cinco graus na vertical; A Ursa Maior,
que naquela noite surgirá deitada na horizontal, com a ponta da “cauda” pelas três e
trinta, mesmo por cima do telhado da casa, a quarenta graus; A trajectória que Júpiter
irá iniciar, bem antes do nascer da Lua, mais ou menos pelas onze; O ponto da crista da
Serra onde a Lua despontará, pelas oito; A trajectória da galáxia da Andrómeda, atrás
sobre a sua esquerda, pelas sete, que surgirá invisível para o olho nu ao início da noite, a
trinta graus; As três estrelas que formam o chamado Triângulo de Verão, em cima,
quase na vertical, a oitenta e cinco graus, pelas nove horas; As constelações de
Cassiopeia, do Cisne, de Orionte, as estrelas Deneb, Vega, Altair, Betelgeuse, Rigel, ... ;
A constelação do Delfim, pequenina e sozinha ... parece que foi desenhada no
firmamento a despropósito, por uma criança ... Quando dela chega uma ligeira aragem,
o cheiro intenso, espesso e doce da figueira mesmo em frente a João, que se eleva do
solo até pouco menos da altura da amurada, e que está já carregada de pequenos frutos
ainda amarelos, sobressai em relação ao fundo formado pela enorme mistura de odores
que se podem sentir cada um à sua vez. Quando João gasta alguns segundos a dirigir e a
afinar devidamente a sua sensibilidade olfactiva consegue diferenciar a leve doçura das
rosas do canteiro, a aspereza do milho ainda verde, a acidez aveludada das oliveiras, a
velhice da madeira de cerejeira, o carquilhar doce rarefeito na boca da palha seca
rasteira, a lã suja das ovelhas em rebanho, as cabras, a terra vermelha que se esfarela, o
granito humedecido ...
Jack é o prirmeiro dealer. Distribui as cartas pelos jogadores e dispõe as restantes na
mesa a uma velocidade estonteante e com uma precisão isenta de qualquer
probabilidade de erro. Teresa observa espantada e enlevada. Jack tem sido naqueles dias
de férias o seu companheiro de brincadeiras, principalmente quando os outros se fartam
e resolvem dedicar-se a sós às suas actividades dilectas. Entre outras ocupações, têm

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jogado os dois sessões intermináveis de Bisca, jogo que Teresa aprendeu recentemente.
Jack nunca se enfada ou cansa, mantendo sempre o mesmo nível de concentração. No
entanto, não consegue evitar ganhar sempre. Teresa já se conformou e aceita isso em
troca da sua pronta, total e incondicional disponibilidade. No entanto, sempre que o
ensejo surge, opta por ocupar o seu tempo com qualquer um dos outros hóspedes da
casa.
Margarida faz a aposta mínima obrigatória. Toda a mesa a secunda, incluindo Jack
que logo vira em gestos rápidos as primeiras três cartas da mesa. No écran electrónico
pendurado ao pescoço e que descai ao nível do seu peito, ligado por bluetooth a um
implante cerebral escondido pelo cabelo e que entra na zona da nuca, todos os jogadores
podem ver escritas as opções de João de cada momento. Sempre que pretende revelar as
suas decisões, por ordem directa da sua mente, naquele écran aparecem expressões
como “passo”, “desisto”, “aposto mais cinco”, “tenho um trio de ...”. Foi necessário a
João muito tempo de treino, e passar por muitos momentos embaraçosos ..., para que
aquele painel agora mostre apenas aquilo que pretende, e não quaisquer outras
expressões parasitas, pensamentos, raciocínios, informações, ou até simplesmente as
cartas da sua mão no momento em que as visualiza ou nelas pensa ... Mesmo assim, por
precaução, João mantém o écran virado para si, voltando-o para os outros apenas
quando pretende comunicar uma decisão sua, ou dar uma informação necessária para o
decurso do jogo. Faz o mesmo em todas as outras ocasiões em que esteja na presença de
alguém que saiba ler. Teresa até aprendeu a ler muito cedo em grande parte porque se
habituou a reconhecer naquele écran algumas palavras mais frequentes.
À medida que o jogo e o final de dia vão avançando começam a surgir, esvoaçando
em movimentos aparentemente erráticos e com mudanças bruscas de trajectória, cada
vez mais morcegos. Alguns cães vão também emitindo os primeiros latires de
continuação dos seus diálogos nocturnos interrompidos pela última alvorada. As
miríades de grilos ainda não iniciaram a sua habitual cacofonia repetitiva e ritmada. As
cigarras já quase não se ouvem. João, enquanto muito lentamente Zezé distribui jogo e
coloca as cinco cartas mais o baralho na mesa, levanta-se, aproxima-se da amurada do
terraço e procura no céu a International Space Station. Para isso calcula e percorre a
olho toda a perpendicular da linha do plano da eclíptica, por onde todo o Universo se
espraia, em busca de um ponto luminoso em movimento. Esta é a melhor altura do dia
para a encontrar porque recebe de chapa a luz do sol vinda de trás da terra, reflectindo-a
quase por inteiro para nós. Tal como irá acontecer dentro em breve com a Lua. Zezé tem

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vindo a jogar como habitualmente. Em cada jogada imita sem pestanejar, do princípio
até ao momento em que as mãos são expostas, as apostas de um dos jogadores.
Começou por João, à sua direita, seguindo-se Jack, e por aí fora mantendo sempre a
mesma ordem. Poderia até não olhar a sua mão porque as apostas que faz, ou
desistências, ou passagens, são totalmente independentes das suas duas cartas e das que
vão sendo viradas na mesa.
Aliás, todos os jogadores têm vindo também a comportar-se fielmente ao seu estilo
habitual de jogo. João e Miguel arriscando, fazendo bluff com frequência, sempre no fio
da navalha, ganham e perdem grandes maquias de uma só vez, sem terem que muitas
vezes mostrar as respectivas mãos por desistência de todos os outros. Normalmente têm
que as revelar somente quando ficam um contra o outro. João está a ser bafejado pela
sorte e, por isso, já está a ganhar muito. O contrário está a acontecer a Miguel. Pelo
estilo de jogo que exibem, uma viragem radical na classificação de cada um dos dois
pode dar-se a qualquer momento, ou não... Jack e Margarida apostam ou desistem na
estrita medida dos cálculos de probabilidades que efectuam, nunca fazendo bluff, nunca
correndo riscos. Mas Jack é incomparavelmente mais rápido e preciso nesses cálculos.
Só uma longa sucessão de más mãos o pode fazer perder muito dinheiro. Está a ganhar,
longe de tanto como João. Margarida, também com menos sorte do que Jack nas cartas
que lhe têm calhado, está a perder pouco. Zezé, imperturbável, exibindo sempre o seu
sorriso emblemático, porque vai imitando sempre em sucessão todos os jogadores da
mesa está mais ou menos “em casa”. Rita, que só vai até ao fim de cada jogada pela
certa, acaba por estar em igual situação. Nunca perde muito porque desiste quase
sempre, e cedo, embora tenha já deixado de ganhar boas maquias por esse facto. Por
outro lado, quando aposta até ao final, a maioria dos jogadores desiste antes, e quase
sempre nas primeiras apostas, nunca conseguindo por isso arrecadar uma grande
quantidade de fichas com as suas vitórias. Isto em grande parte porque ninguém a vê
como jogadora que faça bluff, assumindo todos que quando Rita se mantém em jogo é
porque terá uma mão quase imbatível. Está, no entanto, triste e apreensiva por Miguel.
Sabe que este não lida bem com as derrotas ...
João aproveita uma das raras desistências suas logo numa primeira ronda de apostas
para, por extraordinária coincidência, observar uma enorme ave de rapina que surgiu de
trás do monte ao fundo do outro lado da ribeira, das bandas do Sol poente, e que vai
evoluindo no ar - desliza num vento ascendente, desenhando círculos excêntricos - na
direcção do ponto da Serra onde surgirá a Lua. Plana mesmo por cima das cabeças do

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grupo, quase sem mexer as asas, em absoluto silêncio, ganhando muito paulatinamente
altitude e distância, até se reduzir a um quase ponto escuro e se perder de vista bem alto
e longe. Durante os poucos minutos de duração do mágico evento João manteve sempre
a secreta esperança de que a majestosa ave decidisse mergulhar repentinamente e
descesse a pique sobre uma qualquer presa ... Com o crepúsculo já muito avançado é
necessário ligar a luz do pequeno candeeiro que está sobre a porta de entrada no terraço.
As velhas oliveiras lá em baixo, sobre a esquerda de João, a trinta metros, ganham então
sombras que ampliam no solo a crispação dos seus ramos retorcidos, disformes, quase
desprovidos de folhas ... Numa ronda de apostas altas e imenso bluff todos acabam por
desistir, excepto Miguel e João. Na última aposta, após a viragem da quinta carta da
mesa, João avança com metade das suas fichas e Miguel corresponde pedindo a Teresa
as fichas que lhe faltam para perfazer a mesma quantia. Acaba Miguel por ganhar, por
uma unha negra, com o mesmo par de três de João mas com uma segunda carta de mão
mais alta. De uma assentada Miguel passa para primeiro e João para último. O
semblante de Rita desanuvia perante a expressão de felicidade triunfante de Miguel.
João desconfia que na mesa haveria melhor jogo do que o seu e o de Miguel ... talvez o
de Margarida, ou mesmo o de Jack ... e muito provavelmente também o de Rita.
“Olha a Lua!”, diz Teresa. Uma ténue linha amarela alaranjada surge na crista da
Serra. Margarida apressa-se a dar as cartas. “Ainda vamos jogar esta ronda e outra”, diz,
na esperança de ainda conseguir passar para primeiro lugar ou, ao menos, de ficar em
casa e, talvez, passar Jack. Irrita-se visceralmente sempre que fica atrás deste. Em cada
aposta Miguel toma tranquilamente o seu tempo antes de decidir o que fazer. Olha a Lua
de quando em vez. O tempo está a seu favor. Margarida impacienta-se, Jack mantém-se
imperturbável no seu comportamento, assim como Zezé. João e Rita desistem,
levantam-se e aproximam-se da amurada para observar o satélite natural a subir
lentamente, assumindo uma cor cada vez mais alaranjada à medida que o sol se esconde
no horizonte do lado oposto. Teresa pede colo a João e fica a contemplar a Lua, pronta
para fazer uso do poder que lhe foi conferido e dar o jogo como encerrado assim que
disco lunar for totalmente visível. Nem antes, nem depois ... Passaram mais ou menos
dois minutos desde o aparecimento do primeiro bocadinho de Lua. As apostas
continuam entre os não desistentes. Teresa aguarda que o círculo luminoso, agora mais
francamente amarelo, se acabe de completar no topo da Serra. Parece
extraordinariamente maior do que o habitual. O Sol já desapareceu por completo,
restando somente um ténue crepúsculo laranja avermelhado, por vezes parece turquesa,

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às vezes lilás, que se estende apenas pela abóbada celeste, e que ilumina quase
imperceptivelmente por reflexo o terraço. A Serra já não recebe directamente nenhum
raio solar e transformou-se numa parede escura recortada irregularmente no topo contra
o firmamento iluminado pelo agora semicírculo lunar. Júpiter já é perfeitamente visível.
... Passa um minuto e, não fosse a pequena lâmpada acesa necessária para que se
possam ver as cartas, a Lua seria agora a única fonte de luz a iluminá-los. João repara
em dois pontos brilhantes em movimento na zona mais escura do terraço. Sorri.
Detectou-os no interior da ramagem da velha cerejeira que, do lado oposto da aromática
figueira, se eleva três metros acima do nível a que estão e da qual alguns ramos
transpõem a amurada para o interior do recinto. Logo de seguida Raposinho surge desse
lado, sobre o corrimão, em silêncio, no preciso momento em que Teresa diz “Está
quase!”, a que Margarida responde “Ok, falta só virar uma carta e a última ronda de
apostas”. Raposinho, sorrateiro, salta para o chão do terraço, passa por baixo da mesa de
jogo, e dirige-se em passo acelerado na direcção de João e Teresa. Desliza lenta e
suavemente o seu pelo nas calças do primeiro, e olha para cima, para Teresa. Nesse
momento esta dá pela sua presença e diz: “Olá, Raposinho!”. Desprende-se num ápice
do colo de João e desce para o chão. Põe-se de cócoras e com as duas mãos, uma de
cada lado, acaricia o pescoço de Raposinho, olhando-o nos olhos de frente. Margarida e
Miguel, encantados, matando saudades, dizem ao mesmo tempo: “Olha o Raposinho!”.
Rita sorri com candura e carinho na direcção daquele quadro invulgar e admirável.
(Raposinho tem chegado nos últimos dias com a Lua cheia, e nunca antes do Sol se por
por completo. Apesar de usufruir do convívio com aqueles humanos há já algum tempo,
continua incapaz de contrariar o instinto milenar da sua espécie – só depois do Sol se
esconder é que abandona o seu covil e arredores – ninguém sabe onde! - e comparece
àquelas reuniões. Procura sempre em primeiro lugar os afagos de Teresa.) Jack mantém-
se alheio a tudo excepto ao decorrer do jogo. Zezé olha para trás, para Teresa e
Raposinho, e contempla-os por uns segundos enlevado e extasiado, percebe-se nos seus
olhos. Margarida, apressada, lembra-lhe que é a sua vez de apostar. Zezé verifica então
qual foi a última aposta daquela e põe à sua frente a mesma quantidade de fichas.
De súbito uma muito pequena nuvem encobre parcialmente a Lua, ao ponto de
Teresa, e todos, perderem a noção de se aquela já se posiciona totalmente acima da
Serra, ou não. Terminada aquela ronda de apostas sem alterações de monta na
classificação, Margarida sugere que se jogue mais uma para terminar uma vez que não é
certo que o termo oficial do jogo tenha chegado. João, Rita e Miguel concordam e

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sentam-se de novo nos seus lugares. Raposinho sofre umas ligeiras transformações
anatómicas. Adquire mãos capazes de segurar as duas cartas e de manusear as fichas, e
membros traseiros mais compridos de modo a sentar-se no banco, ao lado esquerdo de
Margarida e à direita de João. Uns óculos surgem poisados a meio do seu longo nariz.
Teresa apressa-se a fornecer-lhe uma módica quantia de fichas e João passa-lhe o
baralho. A Raposinho é dada a honra de ser o dealer. Jack, impassível, está pronto para
continuar a jogar. Zezé, mantendo o seu sorriso, contempla extasiado a destreza
adquirida instantaneamente por Raposinho no baralhar das cartas.
A Lua fica de novo descoberta, já perfeitamente amarela e francamente descolada da
crista da Serra. Aquela última jogada de poker não trouxe, de novo, alterações
importantes nos pecúlios ganhos ou perdidos por cada um dos jogadores. Por insistência
de Rita, e sobretudo de Teresa, resolvem terminar para irem ainda a tempo a um
espectáculo numa terra perto, onde um cantor de cantigas de amor e de sonhos irá
actuar. Raposinho readquire as suas formas anatómicas mais típicas, sobe com um ágil
impulso para o corrimão da amurada, e com um longo salto desaparece no interior da
ramagem da cerejeira. Provavelmente, pensa João, irá lá ter tomando um caminho a
coberto dos muitos humanos que saíram de suas casas naquela noite de festa. Pergunta-
se João sob que aparência irá reaparecer desta vez ... Será Teresa de novo a primeira a
identificá-lo no meio de todos os outros desconhecidos? Contempla o céu e, depois de
se assegurar de que não irá chover, resolve deixar tudo como está, sem arrumar. Dirige-
se para a porta de saída do terraço, que dá acesso ao interior da casa, no encalço do
grupo que já o aguarda lá em baixo em frente à porta principal da rua quando houve
Miguel gritando: “Pai!, não te esqueças de por o Jack a carregar”. Retrocede, dá umas
palmadinhas de carinho no ombro esquerdo do andróide, não sabe bem porquê ...,
desliga-o, pendura-lhe ao pescoço o seu pequeno écran de comunicação para ficar ali
arrumado, desenrola o cabo de alimentação, liga-o à ficha mais próxima e parte, não
sem antes atentar de novo no céu, deixando Jack ali sentado a passar a noite, repondo
energias.

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