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elaborada por
Luiz Henrique Coletto
COMISSÃO EXAMINADORA:
Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco.
Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas
de superioridade sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da
qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância.
José Saramago
[descumpro a recomendação, pois fugi à síntese]
Não agradeço aqui (somente) àqueles que especificamente ajudaram-me na escritura deste texto.
Quero agradecer a quem fez parte desta minha trajetória na Universidade Federal de Santa Maria.
Agradeço especialmente à Márcia Franz Amaral: como professora, como tutora e como orientadora;
mas essencialmente pela liberdade intelectual que sempre me concedeu e pela assimilação que fez
de meus interessantes de pesquisa – muitas vezes discordantes dos seus; e, claro, pelas
observações pontuais e claras diante de momentos de insegurança, da “megalomania acadêmica” e
das expectativas. Foram providenciais – pelos erros que impediram e pelas vitórias que
oportunizaram.
Aos colegas professores, mas principalmente aos alunos do Pré-Vestibular Popular Alternativa, um
forte agradecimento. Minha extensão, ali, foi realização pessoal. A exposição ao público, a
convivência com múltiplas realidades e a possibilidade de compartilhar dos anseios de tantos por
uma Universidade pública, gratuita e de qualidade (nosso já-dito) foram, enfim, experiências de vida
valiosíssimas. Muito obrigado.
Aos amigos do Ecolândia: nossa rotina semanal, quase diária, de produção de um radiojornalismo
comprometido com o singular, e não apenas com o massivo, foi enriquecedora. Por isso, agradeço
pela convivência e pelas discussões; pelas pautas feitas e pelas que (nos) furaram; por fim, pela
incerteza de estarmos sempre certos, pois é ela que nos move a perscrutar, sempre atentamente, o
que as pessoas que nos ouvem têm a dizer. Que assim siga nosso programa.
Aos colegas, professores e amigos com os quais convivi no Diretório Acadêmico da Comunicação
Social Mario Quintana, no Programa de Educação Tutorial e no Grupo de Pesquisa Estudos de
Jornalismo, agradeço pelos aprendizados. Entre ofícios e palestrantes, livros e assembleias, teorias e
artigos, sempre houve o imprescindível contato humano. É ele que significa o mundo e seus
conhecimentos.
Agradeço aos meus amigos – que significam suas amizades quando vivenciam comigo momentos de
alegria, depressão, tesão, entusiasmo, enfermidades e jogatinas divertidas. Amizade é convívio, e
não marcos.
Um beijo-abraço demorado à especialíssima amiga Luana Augusti: certa vez dissera-me ela que a
amizade era a consciência dos defeitos do outro (também das qualidades) e a capacidade de lidar
com a maioria deles. Foi num depoimento mal ajambrado (risos), porém sincero. Nunca esqueci – e
sigo concordando.
Aos amigos e colegas Cristiano, Michelle e Filipe, meu agradecimento: a este porque compreendeu
meu des-(t)alento para o desenho e, gentilmente, fez o diagrama que está neste trabalho. Àqueles,
agradeço pela amizade, pelas festas, pelas partidas de Uno... e, claro, por terem me auxiliado na
revisão da monografia.
Quero também agradecer-ao-anonimato (!). Aos homens com os quais tive algum tipo de contato
afetivo-sexual ao longo de minha vida: penso que a (minha) vivência sadia da sexualidade dê-se
acadêmica, psicológica, política e sexualmente. O que sou hoje é fruto do que vivi nos livros, nas
divagações, nas discussões e na cama.
Um clichê também pode se investir de sinceridade: agradeço muitíssimo à minha mãe e a meu pai
pelo irrestrito, permanente e profundo apoio a todas as minhas escolhas. A capacidade que tiveram,
desde cedo, de assimilar minha “precoce maturidade” para tantas questões e a decorrente autonomia
que me concederam por isso foram marcantes para meu desenvolvimento enquanto adulto. Agradeço
imensamente. Pelo carinho. Pelo amor.
Por fim, agradeço ao signo-deus: sua plácida ausência deixa-nos a peremptória necessidade de
conduzir a nós mesmos e ao mundo (e aos seres que aqui convivem conosco) de modo responsável
e consequente. Nosso paraíso está aqui – só é preciso melhorá-lo.
RESUMO
This work demands the articulation of the journalism, as a discursive process, with
the homosexuality as a thematic of interface. We have investigated which meanings
are built about homosexuality and gay people in the year 2010 on magazine Veja,
from a corpus consisting of 15 “materials”. Thinking since the Discourse Analysis
(French AD), we tried to join theoretically the notion of field from Bourdieu to help us
to understand the relation among the journalistic field and the political field –
represented by the LGBT movement – in its processes (internal, among its
“subjects”, and among each other) of disputing senses, by the power to nominate, by
the possibility to highlight or silence. From our findings, we have clear that without
the mediation of ideological (the culture, the imaginary), we wouldn’t apprehend, in
the interpretation motion we’ve made, the “slips” of senses which made itself to
signify the homosexuality as a particular thing, from the private, that don’t mobilize
(itself) the collective, the dimension of identity; also to mean it as “natural” and liable
to be lived, being discrimination because of it reprehensible, old fashioned.
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 87
ANEXOS .................................................................................................................. 92
11
CAPÍTULO 1
A HOMOSSEXUALIDADE COMO PARTE DO (DISCURSO) SOCIAL
1
Termo utilizado durante o período colonial para se referir à relação homossexual. “Os
conquistadores acostumaram-se a chamar os índios de “bugres” ou “gentios”. O primeiro termo (já na
Idade Média) e o segundo (a partir da Bíblia) aplicavam-se indistintamente tanto ao herege quanto ao
praticamente da sodomia; isso porque o “pecado nefando” era quase sempre associado com o
pecado maior da incredulidade ou heresia”. (TREVISAN, 2000, p.68, grifo nosso)
2
QUINTANA, Mario. Antologia Poética. Porto Alegre: L&PM, 1997, p.38.
12
3
A propósito, a advertência qualificada da professora Eni Orlandi (2007, p.9) é propícia: “como a
linguagem tem uma relação necessária com os sentidos e, pois, com a interpretação, ela é sempre
passível de equívoco. Dito de outro modo, os sentidos não se fecham, não são evidentes, embora
pareçam ser. Além disso, eles jogam com a ausência, com os sentidos do não dito”.
13
4
Uma breve consideração: embora haja um “ritual” do discurso científico – definitivamente, em sendo
articuladores do discurso como objeto, não nos furtamos de saber disso –, preferimos poder
entrecruzar aqui as questões teóricas e metodológicas; ou seja, há teoria intervindo no capítulo
metodológico, e há algumas pistas metodológicas intervindo aqui; de mesmo modo, ao constituirmos
a análise no capítulo 3, reinserimos e reabordamos (quando julgamos necessário) conceitos e
procedimentos. Ficamos bastante longe da fluidez de leitura que gostaríamos, mas esta foi, sem
dúvida, uma utopia perseguida na escritura deste trabalho.
14
5
Os jornais e as emissoras de televisão, grosso modo, também compõem o que se convencionou
chamar mídia de referência. Para o caso desta pesquisa, a referência é às revistas de informação.
6
Tomamos a questão nos termos postos pela professora Christa Berger (1996): “compreendê-lo [o
discurso jornalístico] enquanto discurso revelador/plasmador da sociedade contemporânea, produzido
no interior de uma determinada e específica instituição (a empresa jornalística), cuja função consiste
em textualizar a realidade” (p.188) e “[...] a matéria-prima do discurso jornalístico encontra-se em
algum lugar do social [...]” (p.189) (grifos nossos).
15
7
Uma metodologia centrada no processo etnográfico, como nos relata Traquina (2004, p.172),
“permite uma observação teoricamente mais informada sobre as ideologias e as práticas profissionais
dos produtores das notícias, porque pode tornar possível a observação de momentos de crise [...]”.
8
Há pesquisadores que preferem posicionar-se diante da temática a partir da ideia de
“homossexualidades” (no plural), como forma, justamente, de reconhecimento das manifestações
16
revista impressa Veja ao longo do ano de 2010. Esta questão, vista sob uma
angulação social, revela uma problemática teórica (e empírica) importante: a relação
entre dois campos, numa linha tênue entre a liberdade de informar do campo
jornalístico (e, portanto, de dispor da linguagem) e a possibilidade de
“monitoramento” e tentativa de ingerência (pelo embate público) do campo do
movimento social (militância)9.
Investigar como a publicação semanal de maior relevância no campo
jornalístico brasileiro retrata (discursivamente) os homossexuais e as
homossexualidades permite-nos analisar que sentidos estão ali construídos
(inscritos), que relações sócio-históricas estão presentes nestes dizeres jornalísticos
– e, então, cotejando as apreensões deste(s) discurso(s) com o mundo social
histórico, visualizar como se estabelece a relação entre os dois campos centrais em
nossa problemática. Nosso problema, por fim, centra-se nesta relação entre o
jornalismo, enquanto discurso10, com o mundo social presente (e histórico, pois
discursivo) a partir dum recorte teórico na homossexualidade.
A nosso ver, assim, pesquisar a homossexualidade a partir do tratamento
jornalístico-discursivo que recebe é uma problemática que tensiona várias áreas do
saber comunicacional – e dos anseios sociais11: reflete as demandas e as lutas do
movimento LGBT; reflete as rotinas, as narrações e as tensões pelas quais o campo
jornalístico é atravessado; clarifica (paradoxalmente, já que falamos de discurso) a
dimensão do poder de nomear, do capital simbólico do jornalista/veículo e daquele
do campo político/movimento social. Foucault (2007) traz a consideração precisa de
que “(...) o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo
que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo;”
(p.10, grifos nossos). Vai além ao colocar a disputa de poder que se opera no poder-
dizer: “(...) o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas
de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos
apoderar” (loc. cit.)
Por fim, gostaríamos de esclarecer algumas questões relativas à escolha do
objeto empírico e do recorte temporal feito, conforme adiantamos anteriormente. A
análise do discurso, como discutiremos mais detidamente no capítulo 2, é um campo
de pesquisa qualitativo cuja centralidade está na profundidade de sua análise e não
numa quantidade exaustiva de materiais. Assim, a AD não se constitui por meio de
uma exaustividade horizontal, mas sim vertical (ORLANDI, 2005, p.62-63).
12
A publicação foi lançada no dia 28 de janeiro de 2010, no Brasil. Ela é fruto do trabalho
desenvolvido pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(ABGLT), entidade nacional que representa politicamente a população LGBT brasileira. O lançamento
ocorreu durante a V Conferência da ILGA-LAC (International Lesbian, Gays, Bisexual, Trans and
Intersex Association in Latin America and Caribbean), em Curitiba, Paraná. Em correspondência
eletrônica com o presidente da ABGLT, Toni Reis, no dia 22 de março de 2010, foi confirmado que o
Manual foi distribuído para todo o mailing da mídia nacional em formato digital (.PDF).
18
Onde quer que você esteja, na vastidão do território nacional, estará lendo
estas linhas pràticamente ao mesmo tempo que todos os demais leitores do País.
13
ABGLT, 2010, p.5, grifos nossos.
14
Link: http://veja.abril.com.br/acervodigital/
15
Apenas para exemplificar, os resultados foram os seguintes para a pesquisa feita em 05 de abril de
2010: homossexual (802 resultados); homossexualismo (340); GLBT (04); LGBT (01); GLS (140);
minoria(s) sexual(is) (10).
16
A homossexualidade e/ou os homossexuais (gays) foram capa da revista em apenas quatro vezes
ao longo da história de Veja: 1993, 2000, 2003 e 2010.
19
Pois VEJA quer ser a grande revista semanal de informação dos brasileiros.17 Estas
são as primeiras linhas da Carta do Editor, Victor Civita, a 11 de setembro de 1968.
A tentação de pôr aqui toda esta Carta foi grande, mas seria demasiado longa. É
com um texto que enfoca a unidade nacional que a revista lança seu primeiro
número. “O Brasil não pode ser mais o velho arquipélago separado pela distância, o
espaço geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regionalismos [...]” é o que
enfatiza o editor em outra parte da Carta. Segundo a pesquisadora Maria Celeste
Mira, “trata-se de um momento em que a preocupação com a questão da identidade
nacional ainda é muito forte. As revistas se baseiam em modelos estrangeiros, mas
procurando sempre abrasileirar suas fórmulas”.18
Mira estudou o mercado de revistas brasileiro em sua tese de doutorado em
Ciências Sociais pela Unicamp em 1997. Além de questões da sociologia do gosto
(Pierre Bourdieu) e de consumo e recepção (Jesus Martín-Barbero) associados ao
mercado de revistas em sua relação com o leitorado, há na pesquisa um resgate
histórico detalhado de diversas publicações – e Veja recebe atenção especial. Seu
idealizador é Robert(o) Civita, filho de Victor Civita, que retorna ao Brasil dos
estudos (em Jornalismo e Economia) nos Estados Unidos em 1958. A narrativa que
Mira constrói sobre os bastidores do nascimento e da história da revista são assaz
relevantes para compreender sob que circunstâncias econômico-políticas a
publicação é gestada e que mudanças vão ocorrendo ao longo de seus mais de 40
anos. A Veja que abordamos nesta pesquisa, definitivamente, não é a mesma que
nasce em 1968. As passagens seguintes ilustram bem algumas destas questões (e
transformações).
Não se pode esquecer que Veja nasce sob a inspiração da revista norte-
americana Time, na qual Roberto Civita estagiou. Consagra, portanto, os preceitos
do jornalismo norte-americano de vigilância do poder (watchdog role).19
17
Conservamos a grafia original do vocábulo praticamente.
18
MIRA, 2001, p.42.
19
Watchdog role: papel de fiscalizador, cão de guarda. Esta noção de jornalismo como fiscalizador do
poder estatal é tributária da vertente norte-americana de jornalismo. “Os pais fundadores da teoria
democrática têm insistido [...] na liberdade como sendo essencial pra a troca de ideias e opiniões, e
20
Veja tem sido, ao longo dos anos, a porta-voz da linha econômica e política
da Editora Abril, a única revista diretamente ligada ao seu presidente,
Roberto Civita. Por isso, seu papel ideológico nesses campos é crucial.
Através de suas matérias, procura-se “mudar a cabeça das pessoas”, como
disse Roberto Civita. (loc. cit.)
[...] oferecer aos leitores uma seleção ordenada e concisa dos fatos
essenciais da semana em todos os campos do conhecimento, explicando
seu significado, fornecendo seu pano de fundo e servindo como uma
espécie de rascunho semanal da história desse mundo efervescente e
aparentemente inexplicável. (PEREIRA, 1972 apud MIRA, p.89)
reservaram ao jornalismo não apenas o papel de informar os cidadãos, mas também [...] a
responsabilidade de ser o guardião (watchdog) do governo”. (TRAQUINA, 2004, p.22-23)
20
Se observarmos a 1ª edição de Veja, em 1968, constataremos a presença da Carta do Editor. Com
o tempo, esta seção passou a se chamar Carta ao Leitor, como é o caso de um dos textos de nosso
corpus. Todo modo, tal texto conserva aquelas propriedades que se associam ao texto editorial: a
impessoalidade, a ausência de assinatura, a interpretação global sobre um fato. O editorial, salienta
Marques de Melo, é o espaço de manifestação do veículo ou de seus donos. O autor relativiza um
pouco o endereçamento deste gênero textual na imprensa brasileira: Marques de Melo entende que,
aqui, o editorial é mais uma tentativa de interpor a opinião do veículo em relação ao governo e suas
políticas e menos uma comunicação com seu leitorado – o que seria sua característica presumível. O
autor vai analisar isso a partir da questão da democracia e da sociedade civil plenamente
estabelecida, o que, segundo ele, não seria o caso do Brasil [à época, pelo menos, meados da
década de 80]. Para mais detalhes, veja: MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro.
2 ed. rev. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985 (p.95 em diante).
21
Site: http://publicidade.abril.com.br/
21
tiragem superior a 1,2 milhão. Só em assinaturas são quase 930 mil. A circulação
média líquida da revista estaria entre 1,094 e 1,097 milhão dependendo da fonte.22
Sua penetração por classes sociais23, segundo a revista, seria de 28% na
classe A, 46% na classe B e 23% na C (a classe D representa 3% e a E, 0%). Esta
divisão é importante para compreendermos não só questões técnicas e de fatia do
leitorado, mas para nos auxiliar na compreensão do ideológico e do imaginário que
se fazem presentes, materializados, na discursividade da publicação. Benetti
(2007a, p.115) ressalta que, “no método de análise, fazemos o caminho inverso do
discurso: partimos do texto para o que lhe é anterior e exterior”. É aqui que se coloca
como central – e visível – a noção de formação imaginária, concebida por Michel
Pêcheux, em que as posições do enunciador24 (a revista) e do destinatário (leitor)
estão inscritas no discurso:
22
Fonte A: http://publicidade.abril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais; Fonte B:
http://www.agenciario.com/colunistas.asp?cod_col=22&pNota=2372. Acessos em 22 nov. 2010.
23
Ver aba “Classe social” em http://publicidade.abril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais.
Acesso em: 22 nov. 2010.
24
As questões associadas à conceituação de enunciador e locutor não são centrais em nosso
trabalho, pois são mais características do estudo de vozes em jornalismo, como ressalta Benetti
(2007a, p.117). Para nosso trabalho, partimos da ideia de que quem está enunciando é a revista,
independente de ser o jornalista, a instituição ou uma fonte, distinções estas importantes para a
discussão da pluralidade de vozes no jornalismo.
25
PÊCHEUX apud GADET; HAK, 1997, p.82, grifos do original.
22
26
Veja: PÊCHEUX in GADET; HAK, 1997, p.96.
27
Este e outros conceitos próprios à AD serão trabalhados no capítulo 2.
23
28
Há diversas formas de se referir ao movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais no Brasil. Adotamos a forma “movimento LGBT” porque é esta que o movimento adota,
de forma institucionalizada, desde 2008 no Brasil (também como forma de visibilizar mais as lésbicas
e uniformizar a sigla com a utilização internacional – LGBT). Alguns pesquisadores vão utilizar
também a expressão MHB (Movimento Homossexual Brasileiro), e outros “movimento gay”. Há, por
fim, outras variantes menos utilizadas como GLBTT e GLS. Uma discussão breve sobre isto está em
FACCHINI, 2005, p.20.
29
Ver capítulo 4, p.238-283 (O poder do amor: movimentos de liberação lesbiano e gay).
24
Esta discussão está presente também numa série de trabalhos30, dos quais
citamos os de Foucault (1988) e Trevisan (2000) pela profundidade dos aportes
histórico-conceitual e histórico respectivamente. Esses processos que Bozon
destaca são, naturalmente, assimétricos em termos políticos, geográficos e sociais,
ocorrendo em correlação com outras mudanças características de nossa sociedade
moderna. Entretanto, do ponto de vista de um movimento civil pela diversidade (e
liberdade) sexual, há relativo consenso (ao menos por razões sintetizadoras e
didáticas) de que sua prevalência enquanto fenômeno socialmente reconhecido, no
Ocidente, dê-se a partir dos anos 60 de modo contínuo. Claramente vinculado a
outros movimentos contestatórios como o feminista e o estudantil.
Na passagem das décadas de 1960 a 1980, dois grandes acontecimentos
sociais são relevantes para pensar a sexualidade: o desenvolvimento dos métodos
contraceptivos – na esteira do feminismo e da revolução sexual e de costumes – e o
surgimento do vírus HIV epidemicamente nos anos oitenta. Tais fatos “deram novo
impulso às investigações sobre os sistemas de práticas e representações sociais
ligados à sexualidade, constituindo-a como um campo de investigação em si, dotado
de certa legitimidade” (HEILBORN, 1999, p.7-8). A socióloga Míriam Adelman
entende que a as sexualidades passam a ser marcadores (juntamente com outros)
de um processo de produção de identidades sexuais de 1850 em diante: “[...] iniciou-
se um processo de intensa politização da sexualidade, que de fato levou à criação
30
Há um artigo particularmente rico em detalhes sobre todo esta discussão tendo como foco empírico
os Estados Unidos. Veja: RUBIN, Gayle. Reflexionando sobre el sexo: notas para una teoría radical
de la sexualidad. In: VANCE, Carole (Org.). Placer y peligro: explorando la sexualidad femenina.
Madrid: Revolución Madrid, 1989. p.113-190.
25
das identidades sexuais modernas [...]” (ADELMAN, 2000, p.166, grifos da autora).
No empreendimento de uma história da sexualidade, Foucault (1988, p.18) entende
que a importância desta investigação teórica está em observar o discurso sobre o
sexo e a sexualidade: “(...) quem fala, os lugares e os pontos de vista de que se fala,
as instituições que incitam a fazê-lo, que armazenam e difundem o que dele se diz,
em suma, o ‘fato discursivo’ global, a ‘colocação do sexo em discurso’.”
Desta breve retomada que fizemos até aqui, pode-se já produzir uma primeira
conclusão dedutiva: a emergência da “figura do homossexual” na imprensa
(brasileira) inscreveu-se numa evolução histórica e social das sociedades ocidentais
quanto à própria ideia de sexualidade. Portanto, esta presença das
homossexualidades e dos homossexuais31 na mídia é, de um ponto de vista
histórico, recente: remete à década de 1970 (com algum destaque para o
surgimento do movimento LGBT em âmbito internacional) e tem seu boom com o
advento do vírus HIV/Aids na década seguinte. A este respeito escreveram
TREVISAN (2000), LIMA (2007), RODRIGUES (2007)32 e outros. Segundo Trevisan
(2000, p.294), “a partir de meados da década de 1970, o amor homossexual
começou a furar a barreira da censura ditatorial e dos setores mais reacionários,
para chegar até as capas de revistas de circulação nacional [...]”.
O ensaio de Marcus Antônio de Assis Lima33 é importante relato temporal dos
veículos de imprensa gay que surgem no Brasil no contexto de repressão política
das décadas de 60 e 70. O jornal Lampião da Esquina34 é lançado, em abril de 1978,
no Rio de Janeiro, e se configura como um jornal pioneiro sobre os homossexuais e
31
Para este trabalho, tomaremos homossexual como sinônimo de LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais). Esta escolha deve-se ao entendimento, de nossa parte, da força significativa
que a palavra homossexual tem em detrimento da sigla LGBT. Como SOARES (2006, p.23) destaca
em sua tese – quando justifica a preferência pela palavra homossexualidade ao invés de
homoerotismo –, “homossexualidade tem história, posição política e, dessa forma, seu sentido não
apenas marca outras formas de significar o homossexual, mas aponta para outros sentidos possíveis
nesse embate de forças entre dizeres e cristalização de conceitos” (grifos do original). Adotamos o
mesmo raciocínio ao pensar a relação homossexual – LGBT: aquele como representativo, na
linguagem, deste. A utilização mais específica de LGBT far-se-á quando da referência ao movimento
social em si.
32
RODRIGUES, Jorge P. Impressões de identidade: histórias e estórias da formação da imprensa
gay no Brasil. Niterói: Universidade Federal Fluminense/Programa de Pós-graduação em Letras,
2007. [Tese de Doutorado]
33
Sob o título de “Breve histórico da imprensa homossexual no Brasil”, o ensaio é parte da
Dissertação de Mestrado em Comunicação Social defendida pelo autor em 2000. Uma versão deste
ensaio foi apresentada pelo autor no V Congresso Nacional de História da Mídia, em São Paulo, no
ano de 2007.
34
O número zero do jornal chamava-se apenas “Lampião”. Como já havia um jornal no Rio Grande
do Sul registrado com esse nome, os números seguintes passam a se chamar “Lampião da Esquina”.
26
35
SOARES, 2006, p.7.
36
Loc. cit.
37
DARDE, 2006, p.6, grifos nossos.
28
Estas são apenas algumas das muitas pesquisas38 que enfocaram a relação
entre a Aids e o discurso (e a homossexualidade, por conseguinte) – com enfoque
no jornalismo ou não. Nosso propósito não é revistar esta literatura em específico,
apenas destacar o período histórico (como temos feito, cronologicamente, nesta
seção) na sua interface com a produção científica do período; a discursiva
especificamente.
Em artigo de 2008, Fernando Luis Alves Barroso pontua, a partir das
considerações do historiador James Green acerca da abordagem do movimento de
gays e lésbicas (como escreve o autor) pela imprensa do Brasil, que
38
Podemos citar: com enfoque geral: SOARES, Rosana Lima. Imagens veladas: Aids, imprensa e
linguagem. São Paulo: Anablume, 2001; tendo a mulher como foco central: GOLDSTEIN, Donna. O
lugar da mulher no discurso sobre Aids no Brasil. In: GALVÃO, Jane; PARKER, Richard (Org.).
Quebrando o silêncio: mulheres e Aids no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996;
39
BARROSO, 2008, p.4-5, grifo nosso.
40
Orlandi tem uma obra em que aborda a questão do silêncio (As formas do silêncio), mas para
nosso trabalho queremos apenas pontuar que “há sempre no dizer um não dizer necessário. Quando
se diz “x”, o não dito “y” permanece como uma relação de sentido que informa o sentido de “x”.”
(ORLANDI, 2005, p.82)
29
Nosso trabalho, naturamente, não tem este propósito muito menos envergadura
para tal. Nossas preocupações teóricas, inclusive, não são desta ordem. Por isso, no
que concerne às questões teóricas de base sobre movimentos sociais, utilizaremo-
nos de algumas reflexões de Maria da Glória Gohn (2003), de Regina Facchini
(2005) e de Castells (2006). Gohn é, sem dúvida, uma autora relevante dentro das
Ciências Sociais quanto a esta temática, e sua abordagem é condensadora,
principalmente àqueles que não são deste campo de pesquisa; Facchini estudou
especificamente o movimento homossexual do Brasil na década de 90, porquanto
seu trabalho é crucial para nós; por fim, Manuel Castells traz algumas questões
históricas importantes quanto ao surgimento do movimento LGBT moderno.
A concepção de movimento social que adotamos aqui constitui-se
essencialmente do que Gohn pontuou: são “ações sociais coletivas de caráter socio-
político e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e
expressar suas demandas”. (p.13). O enfoque que Castells (2006, p.20) dá à
questão é complementar e relevante: para ele, os movimentos sociais são “ações
coletivas com um determinado propósito cujo resultado, tanto em caso de sucesso
como de fracasso, transforma os valores e instituições da sociedade.” Posto isso, o
germe dos movimentos sociais não é novo, contemporâneo; ao contrário, é
antiquíssimo, pois seria “o pulsar da sociedade” (Alain Touraine) segundo Gohn. A
própria autora faz este resgate histórico das lutas sociais já a partir dos séculos XVI
e XVII no Brasil, com especial ênfase aos fatos e movimentos mais expressivos a
partir do século XIX.45 Nossa atenção aqui, entretanto, reside no século XX,
especialmente na década de 60 e em seus desdobramentos.
A história da emergência do que se chama modernamente movimento gay
está, de modo bastante consensual, associada ao levante (ou revolta) de Stonewall
em 1969 nos Estados Unidos46. Evidentemente, esse contexto refere-se ao
Ocidente, primordialmente nos países europeus e nos Estados Unidos. Por questões
de objetividade e foco, não entraremos em detalhes sobre a história do movimento
gay. Castells vai apontar que na década de 60 havia um ambiente propício para a
emergência dos movimentos de contestação lésbico e gay; esses fatores, dentre
vários outros, seriam o momento de intenso questionamento sobre a liberdade
45
Ver: GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania
dos brasileiros. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
46
Há vastíssima literatura histórica sobre este momento fundante do movimento gay moderno. Uma
narrativa concisa e detalhada está em Castells (2006, p.248-256).
31
sexual (no ambiente de maio de 1968 na França, por exemplo) e dos impactos do
feminismo sobre as noções de mulher e feminino – o que, evidentemente, impactava
nas noções de homem e masculino. Há um aspecto importante que Castells levanta
acerca da sociabilidade gay e sua relação com as grandes cidades (metrópoles) e
que vai aparecer de modo profundo no trabalho do filósofo francês Didier Eribon47.
Um ativista norte-americano, em entrevista a Castells (2006, p.248-249), esclarece a
questão: “quando os gays estão dispersos, não são gays porque são invisíveis”.
Reflete o autor:
47
Referimo-nos à obra Reflexões sobre a questão gay.
48
Loc. cit., grifos nossos. Esta passagem é esclarecedora e a selecionamos por duas razões: uma
acadêmica, outra pessoal. O que encontramos na análise de nosso corpus foi uma forte construção
de sentidos que se opõe à ideia de “identidade sexual coletiva” por meio de, entre outros recursos,
sua associação à ideia de gueto. Uma abordagem claramente preconceituosa e limitada. A segunda
razão, de ordem pessoal, decorre dessa primeira: boa parte das críticas atuais às Paradas do
Orgulho Gay e aos locais identificados como “boates gays” assentam-se nesta miopia histórica e
sociológica de que uma hostilidade culturamente construída ao longo de séculos em relação à
homossexualidade está na base desta necessidade (primária) de fortalecimento em “áreas liberadas”.
Nosso longo incômodo pessoal com estas abordagens fica menos latente diante da análise
apropriada que Castells fornece à questão.
32
É a partir do Somos, portanto, que surgem outros grupos pelo país, chegando
a um número que hoje é praticamente desconhecido.49 De um ponto de vista
sintetizador, diríamos que o trabalho que o movimento LGBT moderno procura
desenvolver está na contínua construção (negociada muitas vezes, como é o caso
da relação com o campo midiático) de “representações simbólicas afirmativas por
meio de discursos e práticas. [...] Ao realizarem estas ações, projetam em seus
participantes sentimentos de pertencimento social”. (GOHN, 2003, p.15). Neste
contexto, é relevante compreender como se opera a noção de campo num quadro
que se configura, por um lado, pela presença de uma série de atores (grupos,
militantes, associações, redes50) da sociedade civil em busca de negociação e
estabilização de sentidos e, por outro, pelos atores do campo jornalístico (jornalistas,
veículos, editores, empresários), que mediam e negociam estas estratégias
advocatícias.51
49
Um referencial interessante é o número de afiliadas à ABLGT: 237 organizações nacionais. Dados
consultados em: 22 nov. 2010
50
Como as questões são muitas, gostaríamos de indicar aqui a literatura que enfoca os movimentos
sociais a partir da estruturação em redes. Além de GOHN (2003), especificamente SCHERER-
WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1983. Como a atuação do
movimento LGBT hoje se dá cada vez mais por redes também internacionais (a própria ABGLT tem
status consultivo em organismos da ONU), há uma breve discussão sobre o movimento LGBT e as
relações internacionais em: PASSAMANI, Guilherme R. O arco-íris (des)coberto. Santa Maria: Ed. da
UFSM, 2009 (especificamente a seção 2.5 do capítulo II).
51
Remissiva ao conceito de advocacy. Abordá-lo-emos na seção seguinte.
52
Tomamos emprestado o título da tese da professora Christa Berger (Campos em confronto: a terra
e o texto).
33
A prática [do agente social] pode, assim, ser definida como “produto da
relação dialética entre uma situação e um habitus”, isto é, o habitus
enquanto sistema de disposições duráveis é matriz de percepção, de
apreciação e de ação, que se realiza em determinadas condições sociais.
[...] A adequação entre o habitus e essa situação permite, desta maneira,
fundar uma teoria da prática que leve em consideração tanto as
necessidades dos agentes quanto a objetividade da sociedade. Bourdieu
denomina “campo” esse espaço onde as posições dos agentes se
encontram a priori fixadas. O campo se define como o locus onde se trava
uma luta concorrencial entre os atores em torno de interesses específicos
que caracterizam a área em questão. (ORTIZ, 1983, p.19)
53
Para a compreensão histórica e teórica do pensamento do filósofo, sugerimos a leitura da
Introdução de: ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu: sociologia. [org. da coletânea: Renato Ortiz]. São
Paulo: Ática, 1983.
34
57
“Construção ideológica constituída para a promoção de uma forma de sexualidade (hétero) em
detrimento de outra (homo), a homofobia organiza uma hierarquização das sexualidades e extrai dela
[da hierarquia] consequências políticas”. (BORRILLO, 2001, p.36, tradução nossa, grifo nosso)
37
CAPÍTULO 2
REVISITANDO A LINGUAGEM E SEUS AD-JUNTOS TEÓRICOS:
PENSANDO O DISCURSIVO58
Tanto aquele que escreve estas linhas como o leitor que as lê, são sujeitos
e, portanto, sujeitos ideológicos (formulação tautológica), ou seja, o autor e
o leitor destas linhas vivem “espontaneamente” ou “naturalmente” na
ideologia, no sentido em que dissemos que “o homem é por natureza um
animal ideológico”. (Louis Althusser)
58
Adjunto: que está junto, perto ou ao lado; contíguo.
59
Do ponto de vista conjuntural, há a AD francesa e a denominada Análise de Discurso Crítica (ADC),
de inspiração sociolinguística. Uma discussão sobre interfaces e diferenciações entre as duas
correntes pode ser lida em: Uma proposta de interface entre dois domínios da análise de discurso: a
linha francesa e a sua relação com a teoria crítica do discurso (Luiz Felipe Rosado Murillo).
Disponível na seção “Artigos” em: <http://www.discurso.ufrgs.br/>. Acesso em: 23 nov. 2010.
38
mobilizamos para realizar este trabalho, tanto a partir daquilo que é essencial à
constituição teórico-metodológica da AD quanto daquilo que nossa análise foi
demonstrando ser relevante conceituar. Com isto estamos querendo salientar que
não trabalharemos aqui, em absoluto, todos os conceitos que se associam a esta
metodologia, afinal, ela tem sido objeto de análises, reformulações e avanços há
muitos anos no âmbito dos Programas de Pós-Graduação em Letras/Linguística e,
com a adequada interface, nos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
também. Portanto, a tarefa nesta pesquisa é a da construção de um dispositivo de
interpretação: assim, constituiremos nosso dispositivo analítico com base nas
especificidades do objeto e “a partir da questão que ele [o analista] coloca face aos
materiais de análise que constituem seu corpus e que ele visa compreender, em
função do domínio científico a que ele vincula seu trabalho”. (ORLANDI, 2005, p.62)
62
MARIANI, 1999, p.106 apud BENETTI, 2007a, p.109 (grifos nossos).
63
“Todos os produtos da criação ideológica são objetos dotados de materialidade, isto é, são parte
concreta e totalmente objetiva da realidade prática dos seres humanos (não se podendo estudá-los,
portanto, desconectados dessa realidade)”. (FARACO, 2009, p.48)
64
Bakhtin e outros autores russos (o denominado Círculo de Bakhtin) produziram, em meados da
década de 20, uma série de discussões e conceitos que são apontados como basilares na AD
francesa de hoje. Dada a quantidade de autores e reflexões sobre nosso campo metodológico, não
nos deteremos às abordagens específicas deste autor, valendo-nos, quando for o caso, dos que
40
sobre ele escreveram. Sua abordagem da linguagem é também de orientação marxista, sendo sua
obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929) uma das mais conhecidas.
65
Esta ideia refere-se à noção de posição de sujeito que se articula, então, com a noção de
Formação Discursiva. Voltaremos a isto.
66
Paráfrase que fazemos aqui de uma das sequências discursivas que analisamos no capítulo 3:
“Ícone desses meninos e meninas, a cantora americana Lady Gaga os fascina justamente por ser
‘difícil de definir o que ela é’.”
41
67
Para uma breve discussão sobre a noção de ideologia althusseriana em relação a Pêcheux, vide
este artigo: <http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao05/artigoic_ed05_bombon.php>. Acesso
em: 23 nov. 2010
68
Como Orlandi esclarece, por muito tempo e em certas searas científicas viu-se a ideologia como
ocultamento, a verdade omitida, o verdadeiro sentido escondido. Segundo a autora, “o processo
ideológico não se liga à falta, mas ao excesso. A ideologia representa a saturação, o efeito de
completude que, por sua vez, produz o efeito de “evidência”, sustentando-se sobre o já dito, os
sentidos institucionalizados, admitidos por todos como “naturais”. Pela ideologia há transposição de
certas formas materiais em outras, isto é, há simulação. Assim, na ideologia não há ocultação de
sentidos (conteúdos), mas apagamento de seu processo de constituição” (ORLANDI, 2007, p.66).
69
Toda esta discussão vai avançar enormemente com uma série de autores que, embora não
especificamente em relação a Althusser, contribuíram para esta abordagem: Foucault quando pensa
os espaços do hospital (clínica), do hospício e da escola, tematizando a doença, a loucura, a infância,
a sexualidade, etc. Bourdieu traz uma contribuição fundamental quando reflete sobre a violência
simbólica, pois consegue colocar a relação entre submissão (poder simbólico) e coerção.
Evidentemente, aprofundamentos que expandem a abordagem para além do escopo marxista da luta
de classes ocorreram, como se pode ver na abordagem sobre as identidades feita por Stuart Hall e
mesmo nos estudos culturais (latino-americanos) que vão relativizar a ideia de que (sentidos
produzidos por) uma ideologia dominante simplesmente age(m) sobre os “consumidores”
(especificamente sobre a comunicação neste caso).
42
É desta maneira, então, que não podemos apartar nossa análise do mundo
social, daquilo que é a exterioridade textual, concebendo que esta exteroridade (a
cultura, o social, o ideológico, o imaginário) é parte constituinte dos sentidos que se
materializam no discurso que analisamos. Ao pensar, portanto, a homossexualidade
e os homossexuais no processo discursivo de Veja, temos que ter em mente todas
aquelas considerações teóricas que fizemos no capítulo 1. Noutro sentido, temos
que entender que importância há em pensar o sexual em relação à identificação
social coletiva, ao político, à discrição social – porque temos consciência teórica de
que a sexualidade é parte da narrativa do indivíduo moderno (como dissemos na
Introdução, a sociedade ocidental “elegeu as questões afetas à intimidade, à vida
privada e à sexualidade como centro da reflexão sobre a construção da pessoa
moderna.”72) e, mais que isso, de que a sexualidade (a homossexualidades em
particular) está revestida de um “tabu do objeto” como interdição no plano
discursivo.73
Assim que vamos chegar a formulação de Althusser (1985, p.86, grifo do
autor) sobre a relação ideologia-sujeito: “toda ideologia interpela os indivíduos
concretos enquanto sujeitos concretos”. O autor ainda vai pontuar que os sujeitos,
70
ORLANDI, 2005.
71
FARACO, 2009, p.46, grifos do original.
72
HEILBORN, 1999, p.8.
73
Segundo a colocação de Foucault (2007, p.9-10): “notaria apenas que, em nossos dias, as regiões
onde a grade é mais cerrada, onde os buracos negros se multiplicam, são as regiões da sexualidade
e as da política: como se o discurso, longe de ser esse elemento transparente ou neutro no qual a
sexualidade se desarma e a política se pacifica, fosse um dos lugares onde elas exercem, de modo
privilegiado, alguns de seus mais temíveis poderes.
43
então, existem desde sempre, mesmo antes do nascimento. É neste ponto que a
articulação de Benetti e Jacks (2001, p.282, grifos do original) nos parecem claras:
Uma pergunta que nos parece latente, então, diante do que falam as autoras,
é se Veja poderia falar sobre a homossexualidade de outro modo para seus leitores
ocupando o papel que ocupa e estando dentro de determinado campo ideológico?
Cremos que não, e é sobre isso que tentamos produzir um “gesto interpretativo”
(ORLANDI, 2007, p.84) em nossa análise.
Outra questão que tem se colocado até aqui é a noção de sujeito operada
dentro da AD. Seu estatuto enquanto categoria importante da análise discursiva é
tributário dos trabalhos de Foucault, notadamente da obra A Arqueologia do Saber.
Numa entrevista que está na obra Microfísica do Poder, Foucault já se posiciona
bem claramente sobre a questão do sujeito em seus trabalhos. Questionado sobre
sua abordagem genealógica, o autor responde que “é preciso se livrar do sujeito
constituinte, livrar−se do próprio sujeito, isto é, chegar a uma análise que possa dar
conta da constituição do sujeito na trama histórica.”74 Nas palavras de Revel (2005,
p.84), “trata-se, portanto, de pensar o sujeito como um objeto historicamente
constituído sobre a base de determinações que lhe são exteriores”. Para a AD,
então, ancorando-se na noção foucaultiana de dispersão do sujeito75, o indivíduo
ocupa posições de sujeito quando fala.
Esse sujeito disperso fala por meio do que Foucault circunscreveu como
formações discursivas. Uma formação discursiva é comumente definida
como aquilo que pode e deve ser dito, em oposição ao que não pode e não
deve ser dito. [...] Para “agarrar” uma formação discursiva, tarefa sempre
74
FOUCAULT, 1979, p.7.
75
Nos dizeres de Benetti e Jacks (ibid., p.281): “indivíduo e sujeito não são a mesma coisa. Um
indivíduo se fragmenta em muitos sujeitos, e é o sujeito que fala e fala de um lugar determinado. O
mesmo indivíduo é cindido em diversos sujeitos, que se formam no interior do processo discursivo e
que podem se movimentar de acordo com a maré. [...] Não temos consciência, pelo menos não na
maioria das vezes, de que nos colocamos como sujeitos diferentes em nossos discursos. Essa
mobilidade constante, própria do discurso, é caracterizada por Foucault como dispersão.”
44
76
Id., p.282
77
Abordaremos os dos níveis de esquecimento formulados por Pêcheux acerca da ilusão discursiva
adiante. Por ora, enfatizamos o que nos diz Orlandi (2005, p.35): “quando nascemos os discursos já
estão em processo e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não
significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam. Mas não
somos o início delas”.
45
78
Baronas (2004) vai pôr em questão a tese de que a noção de formação discursiva tem
“paternidade” compartilhada, já que teria aparecido, não de modo definitivo, tanto em Pêcheux quanto
em Foucault em períodos quase idênticos e com formulações que engendram questões não
idênticas, mas complementares no que viria a ser a reformulação e o aprofundamento de Pêcheux.
Além disso, o autor coloca outras problemáticas associadas à FD nas pesquisas atuais, avançando
sua definição a partir de uma retomada à noção de dialogia bakhtiniana. Nossa intenção não é a de
produzir uma discussão teórica de tal monta aqui.
79
PÊCHEUX, 1995, p.160-161.
80
Para Pêcheux (loc. cit.), processo discurso é “o sistema de relações de substituição, paráfrases,
sinonímias, etc., que funcionam entre elementos linguísticos – “significantes” – em uma formação
discursiva dada”.
46
Assim, temos aqui uma articulação conceitual que está montada como um
organograma, em que um princípio é caro ao outro, em que o sujeito é interpelado
pela ideologia, e esta (e ele) acontecem na linguagem; e que ela, pela sua
materialidade, nos permite ter acesso aos sentidos, ao processo discurso, que, por
sua vez, nos possibilidade encontrar as regularidades, as dispersões, as posições
de sujeito, a metáfora, a paráfrase, enfim, constituir o gesto interpretativo.
81
Segundo Orlandi (2005, p.31), memória discursiva é “o saber discursivo que torna possível todo
dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando
cada tomada de palavra”.
82
Entenda-se autoria aqui em sentido leigo: aquele que escreve, fala ou produz o texto. Não
entraremos nas discussões sobre autoria, enunciador e locutor neste trabalho.
47
CAPÍTULO 3
REVISTANDO SENTIDOS SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE
Todo mundo tem uma vida sexual e, como se sabe, ela pertence à esfera
privada de cada um. Mas, a rigor, é discutível se os homossexuais podem
exercer esse direito. A discriminação que sofrem torna sua vida sexual um
tema político, pois envolve seus direitos no convívio com a maioria dos
cidadãos, heterossexuais, que, como lembra o Ibope, nem sempre ficam à
vontade com seu comportamento e mesmo sua simples presença. (Veja,
12 de maio de 1993)
83
Como já referimos, a literalidade do sentido de uma palavra é ilusória. Só há sentido na relação
com o histórico, com o ideológico, com o sujeito interpelado.
84
Ao pensar a tensão entre os campos político e jornalístico, a disputa por mudanças na
representação de uma minoria no campo jornalístico obviamente transcende o uso das terminologias.
Foi isto que conseguimos constatar na análise de duas reportagens de Veja, distantes 17 anos, que
fizemos neste artigo ainda não publicado. Como se vê, constata-se o mesmo aqui: a palavra, per se,
não constitui sentido.
48
85
Referiremo-nos às sequências discursivas sempre pela sigla SD a partir de agora.
86
Para Pêcheux, segundo Orlandi (2007, p.95), o arquivo é “o campo de documentos pertinentes e
disponíveis sobre uma questão”. A autora complementa afirmando que “há gestos de leitura que
constroem o arquivo, que dão acesso aos documentos e que dão o modo de apreendê-los nas
práticas silenciosas da leitura “espontânea””.
49
87
Suelto é um “breve texto jornalístico, composto por uma nota (informação rápida) seguida de
comentários e juízos de valor, de modo a se obter uma glosa do fato” (RABAÇA; BARBOSA, 1978,
p.440, grifo do original).
88
Trecho do título da obra do pesquisador francês Didier Eribon, Reflexões sobre a questão gay,
2008.
51
Tendo essas (e tantas outras) questões postas como pano de fundo para
nossa reflexão é que constituímos a análise a seguir. Buscando uma formulação
sintética do que se empreendeu nesta análise discursiva, podemos afirmar que Veja
constrói uma discursividade que toma a homossexualidade como algo natural e
positivo (bom), sendo sua aceitação [da homossexualidade] e plena vivência um
indicador de felicidade; ao mesmo tempo, toma a homossexualidade como um
atributo exclusivamente particular, negando e combatendo sua dimensão coletiva e
política, a sua produção de uma identidade sexual politizada.
52
(SD 33) Isso leva a questão [a homossexualidade] para longe das piadas, das bandeiras,
das passeatas, das religiões, dos julgamentos morais e até das legislações, devolvendo-a
ao arbítrio de cada um na confecção da imensa teia de afeição e rejeição que define a
condição humana.
89
Não encontramos referências expressivas para esta ideia. Aparentemente, parece refletir
exatamente a noção que estamos querendo expressar: um emaranhando, uma trama de
significações, sentidos.
90
Resumidamente, um arranjo de palavras em que cada uma delas (os termos da oração)
desempenha uma função (sintática). Aqui não se fala de sentido (semântica), mas sim de
organização estrutural da frase. Voltaremos a isso mais adiante.
53
haveria uma SD idêntica –, fato que nos fez optar por referenciá-la sob o mesmo
código (mesmo número), mas com realces diferentes dentro de cada FP. Isto ficará
evidente no decorrer da análise.
Passaremos, então, a referir as famílias parafrásticas que construímos
analisando o processo discursivo na revista. Ao todo, são 4 FPs e, como se verá,
profundamente complementares em vários aspectos, embora claramente inscritas
em FD diferentes – as quais, por sua vez, complementam-se, não mascarando,
entretanto, a FD dominante.
91
Esta FP foi responsável por, aproximadamente, 19% das SDs.
54
92
Sintaticamente, as palavras desempenham funções dentro de orações (frase verbal). Observe-se,
por exemplo, esta oração: “(...) a declaração foi tachada de preconceituosa”. Esta construção está na
forma passiva analítica, em que temos uma locução verbal (ser + verbo principal no particípio); logo
após a locução verbal, é comum termos o agente da passiva, que é o sujeito da oração quando ela
está na voz ativa. Suponhamos que o agente da passiva fosse “pelos intelectuais”. Teríamos a
oração, na voz ativa, deste modo: “Os intelectuais tacharam a declaração de preconceituosa”. As
construções, comparativamente, da voz ativa (VA) e da passiva analítica (VPA) são as seguintes: o
sujeito da VA torna-se agente da passiva na VPA; o verbo da VA passa a constituir a locução verbal
na VPA; o objeto direto (complemento do verbo) na VA torna-se o sujeito da VPA. Com base nestas
considerações, ao omitir o agente da passiva de uma construção, estamos omitindo aquele que “fez a
ação verbal”. Discursivamente, quando identificada uma reiteração deste recurso, temos o
silenciamento dos atores que estão por trás dos acontecimentos (indicados pelos verbos). Este efeito
também pode ser obtido de outros modos, por exemplo, por meio da omissão de objeto indireto: “(...)
o assunto logo suscita indignação”. O verbo suscitar pode ser transitivo direto ou transitivo direto e
indireto, o que significa que necessita de complementos verbais: o assunto (sujeito) suscita algo –
neste caso, indignação. Entretanto, não sabemos em quem o assunto causa indignação. Tanto este
exemplo como o anterior são trechos de sequências discursivas de nosso arquivo. A ocorrência
expressiva desta estratégia foi percebida por nós como paráfrase dos sentidos que estamos
explicitando nesta FP 1.
55
(SD 33) Isso leva a questão [a homossexualidade] para longe das piadas, das bandeiras,
das passeatas, das religiões, dos julgamentos morais e até das legislações, devolvendo-a
ao arbítrio de cada um na confecção da imensa teia de afeição e rejeição que define a
condição humana.
(SD 100) Onde trocam ideias [hoje] redes sociais que reúnem jovens (gays ou não) [antes]
organizações gays.
(SD 101) Ser homossexual é... [hoje] uma característica como qualquer outra; [antes] uma
causa pela qual lutar.
93
Adotamos aqui a definição de Soares (2006, p.64): “equação linguística, locução cunhada por
Mariani [..], para designar a equivalência de sentidos (no caso da homossexualidade, negativos) entre
duas ou mais expressões produzidas e recorrentes no interior de uma determinada formação
discursiva a partir de certas condições de produção de sentido”, só que de modo mais aberto:
trataremos por equação a ideia de equivalência de sentidos, não necessariamente dentro do conjunto
de uma formação discursiva.
56
(SD 30) Encarar a homossexualidade com naturalidade é uma bela lição que os jovens
brasileiros estão ministrando aos adultos.
(SD 151) Meu namorado tem 35 anos. Exatamente como a reportagem expôs, a geração
dele sente que deve lutar por seus direitos e refugiar-se junto de seus semelhantes.
Eu, no entanto, não vejo motivo para "lutar" por algo tão natural e aceito, e muito
menos para viver em guetos.
(SD 55) A questão central é que eles simplesmente deixaram de se entender como um
grupo.
(SD 56) São, sim, gays, mas essa é apenas uma de suas inúmeras singularidades – e
não aquela que os define no mundo, como antes.
94
A homossexualidade é uma questão social profundamente marcada, portanto as tentativas de
remover dela esta peculiaridade histórica e sociológica são notadamente orientadas com propósito de
ignorar tal real histórico. Veja: Eribon, 2008; Rubin, 1989; também: SILVA, Tomaz Tadeu da.
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
57
(SD 183) Na semana passada, tropeçou numa das minorias mais influentes de Nova
York: os gays.
95
Veja, por exemplo: A fé dos homofóbicos (http://veja.abril.com.br/020708/andre_petry.shtml) e Eis
uma conspiração (http://veja.abril.com.br/031104/andre_petry.html). Acessos em: 23 nov. 2010.
58
(SD2) Como a legislação da Argentina não permite a união de pessoas do mesmo sexo, o
casal teve de conseguir uma autorização especial da governadora da província da Terra do
Fogo, Fabiana Ríos.
(SD 68) Nas Forças Armadas, onde a aversão a gays sempre se pronunciou em grau
máximo (apesar de o regimento interno repudiar a perseguição aos homossexuais), a
diferença é que, agora, quando surge um caso desses entre os muros do Exército, o
assunto logo suscita indignação. Ocorreu com um general que, neste ano, veio a público
posicionar-se contra a presença de gays nas Forças Armadas. Sob pressão, precisou
retratar-se.
96
A este respeito, ver o estudo da Darde (2006), já mencionado no capítulo 1.
59
(SD 165) Os senadores da Argentina aprovam o casamento entre pessoas do mesmo sexo
– depois de uma briga, bem ao estilo kirchnerista, do governo com a Igreja.
(SD 169) Os homossexuais argentinos não podiam se casar em cartório, mas na prática
contavam com a aquiescência do estado para viver juntos e desfrutar, por meio de uma
escritura de união estável, a maior parte dos direitos de uma família tradicional, exceto
adotar filhos.
(SD 185) Acusado de homofóbico, colheu uma torrente de críticas, inclusive de aliados.
“Isso é altamente ofensivo”, disse Rudolph Giuliani, ex-prefeito republicano de Nova York.
(SD 186) Paladino reafirmou tudo numa entrevista à televisão e resistiu quase dois dias
antes de ceder ao peso das críticas.
(SD 174) Durante as últimas semanas, os dois lados trocaram insultos e mediram forças.
(SD 176) Os parlamentares argentinos já haviam tentado aprovar o casamento gay, mas
esta foi a primeira vez que receberam o apoio do governo. “Em toda a história argentina, a
Casa Rosada nunca tinha enfrentado a Igreja em uma questão tão controversa”, diz o
sociólogo Ernesto Meccia, da Universidade de Buenos Aires.
Nestas duas SDs, do T12, os dois lados presentes na matéria são o governo
e a Igreja – somente. Não há qualquer menção a militantes: a legenda da fotografia
desta reportagem (um casal lésbico beijando-se) faz referência a elas como um
“casal de lésbicas”. A edição é do dia 21 de julho, mas faz referência ao dia da
aprovação do casamento gay no Parlamento argentino, em 15 de julho (quinta-feira).
Do mesmo dia é a reportagem do jornalista Gustavo Hennemann, correspondente
do jornal Folha de S. Paulo em Buenos Aires. Consta na matéria (e no áudio do
podcast) que:
97
Matéria disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/767308-militantes-
argentinos-comemoram-autorizacao-para-casamento-gay-ouca.shtml. Acesso em: 19 de nov. 2010.
61
(SD 31) De modo geral, quando escapa da galhofa pura e simples, a homossexualidade é
tratada com hipocrisia ou usada como bandeira por grupos militantes que vitimizam sua
condição e são paparicados por políticos em busca de votos.
(SD 53) Os jovens que aparecem nas páginas desta reportagem, que em nenhum instante
cogitaram esconder o nome ou o rosto, são o retrato de uma geração para a qual não faz
mais sentido enfurnar-se em boates GLS (sigla para gays, lésbicas e simpatizantes) –
muito menos juntar-se a organizações de defesa de uma causa que, na realidade, não
veem mais como sua.
(SD 77) Nesse contexto, não há mais lugar para algo como o grupo em que apenas
ingressam os gays ou os negros, algo que as escolas brasileiras já ecoam.
98
Recapitulemos aqui para facilitar a compreensão: (1) a afirmação da homossexualidade como
atributo particular e desprovido de conexões com o coletivo – cujas tônicas são a política e os
movimentos sociais; (2) o silenciamento completo dos movimentos sociais (da militância LGBT) em
todo o arquivo, com a peculiaridade de isto ser passível de análise por meio de uma observação
acurada da sintaxe; (3) por fim, a menção aos movimentos sociais de forma explicitamente negativa,
retratando militantes como massa de manobra de políticos.
99
É o que Orlandi (2005, p.35) vai trabalhar a partir da noção de ilusão referencial (está no plano do
esquecimento nº 2 de Pêcheux), que “nos faz acreditar que há uma relação direta entre o
62
pensamento, a linguagem e o mundo, de tal modo que pensamos que o que dizemos só pode ser dito
com aquelas palavras e não outras, que só pode ser assim”.
100
Esta FP foi responsável por, aproximadamente, 14% das SDs.
101
Segundo Garcia e Coutinho (2004), o antropólogo Louis Dumont entende “a instauração da cultura
individualista no Ocidente como uma manifestação da ideologia moderna, em seus aspectos
econômicos, políticos e religiosos, que teve como marco inaugural a Revolução Francesa. Dessa
forma, Dumont articula a consolidação da concepção de indivíduo como um ser uno, livre e
responsável por seus próprios atos, ao surgimento do cidadão moderno, célula mínima do Estado
democrático, que lhe garante contratualmente direitos e deveres”.
102
A este respeito, vale a pena ler o prefácio de Eribon (op. cit.) acerca de um texto de Proust. A
questão da homossexualidade e de seus gestos contidos ali é abordada.
63
(SD 28) O fato de alguém ser gay não traz mais aquela marca dominante em torno da
qual orbitavam todas as demais qualidades e defeitos do garoto ou da garota.
(SD 29) Perante os colegas e amigos, a orientação sexual de um adolescente, que até há
bem pouco tempo era a característica primordial de sua essência, passa a contar apenas
como uma das muitas facetas da personalidade.
(SD 56) São, sim, gays, mas essa é apenas uma de suas inúmeras singularidades – e
não aquela que os define no mundo, como antes.
(SD 128) Também não tenho necessidade de ficar me reafirmando gay na frente dos outros.
Isso é bobo demais. Para mim, é só mais uma de minhas características.
103
Diz a autora: “a sexualidade é tão produto da atividade humana como o são as dietas, os meios de
transporte, os sistemas de etiqueta, formas de trabalho, tipos de entretenimento, processos de
produção e modos de opressão. Uma vez que o sexo for entendido nos termos da análise social e
entendimento histórico, uma política do sexo mais realista se torna possível”. (1989, p.15)
104
Não é preciso, posto tudo que já colocamos até aqui, referir-nos às abordagens seminais de
Foucault acerca da sexualidade, sua positividade (porque produtora de saber-poder) e sua inscrição
dentro da ordem do discurso, de modo complexo; igualmente, Castells inscreve a importância dos
64
(SD 55) A questão central é que eles simplesmente deixaram de se entender como um
grupo.
(SD 58) Ícone desses meninos e meninas, a cantora americana Lady Gaga os fascina
justamente por ser "difícil de definir o que ela é".
(SD 76) Um ponto básico se deve à sua aceitação por outros adolescentes. Para esses
jovens, o conceito de tribo perdeu o valor, como chamou atenção o antropólogo
americano Ted Polhemus, por meio de suas pesquisas. Ele apelidou essa geração de
"supermercado de estilos" – ou só "sem rótulos".
108
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi; trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 4. ed.
Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
66
(SD 122) Às vezes, andamos de mãos dadas, mas não trocamos beijos em público.
Não preciso ficar expondo minha sexualidade.
109
Note-se que uma série de SDs referidas em outras seções deste capítulo dão conta do drama que
a homossexualidade dos filhos produz nos seios familiares, havendo consciência desta peculiaridade
da vivência homossexual tanto da parte dos homossexuais quanto da dos familiares – afinal, os
sentidos que socialmente circulam sobre a homossexualidade são anteriores a estes jovens, já estão
inscritos no imaginário, na cultura e nos valores morais. A publicação, evidentemente, não ignora tal
dimensão, mas a interpreta como um drama familiar sem dar maior espaço às conexões da (homo)
sexualidade com o social.
110
Gostaria de tomar de empréstimo aqui o conceito de homossexualidades reservadas formulado
por Passamani (2009, p.106) em sua dissertação. O conceito ressignifica as dimensões “rua” e “casa”
do antropólogo Roberto DaMatta, mas aqui com a especificidade da homossexualidade: “[há] uma
rejeição de meus informantes não militantes à vivência de uma sexualidade no plano público. Eles se
esforçam para estabelecer uma sexualidade no plano privado”. Uma advertência importante, contudo,
e que também se aplica à nossa análise: “não se trata de negar a homossexualidade. [...] Nem
tampouco de fingir não serem gays ou de sentirem tais desejos [...]. Diz respeito, sim, a viver este
“outro mundo” em outros espaços, geralmente em casa, ou, mais raramente, nos ditos guetos [...].”
(p.108).
67
(SD 141) Victor Guedes, 19 anos, produtor de moda, sobre o namoro com Luiz Leandro
Caiafa, 20 anos, estudante: “Às vezes, andamos de mãos dadas, mas não trocamos
beijos em público. Não preciso expor minha sexualidade”.
(SD 60) Diz, com a firmeza típica de seus pares, a estudante paulista Harumi Nakasone, 20
anos: "Nunca fiz o tipo masculino nem quis chocar ninguém com cenas de
homossexualidade. Basta que esteja em paz e feliz com a minha opção".
A SD 119 parece ser a síntese semântica das demais, pois opõe as ideias de
assunção da homossexualidade e discrição em relação a ela (por meio do conetivo
adversativo mas). Ou seja, assumir é igual a aceitar-se, mas não tornar isso uma
bandeira, algo a se expor indiscretamente. Note-se que as SDs 122 e 141 são
praticamente “idênticas”: fizemos questão de colocá-las ambas porque refletem uma
escolha de Veja pela repetição específica deste sentido-demarcado. A SD 122
aparece na reportagem especial (T8), já a SD 141 é utilizada como comentário
central na seção de cartas dos leitores (com direito à foto, o que não ocorre com as
demais cartas) da edição seguinte (T9) da revista. A SD 60, por sua vez, reflete a
internalização da ideia de discrição na vivência homossexual por parte dos próprios
homossexuais – e Veja reitera este valor.111
111
Queremos sugerir a leitura do artigo Epistemologia do Armário, que coloca esta questão dentro de
uma perspectiva sociológica interessante. Está disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cpa/n28/03.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2010.
112
Esta FP foi responsável por, aproximadamente, 21% das SDs.
113
Esta expressão designa, genericamente, o preconceito e a discriminação contra orientações
sexuais e identidades de gênero minoritárias, notadamente: a homossexualidade, a bissexualidade, a
travestilidade e a transexualidade. Uma definição sucinta sobre este termo está no Manual de
Comunicação LGBT, no qual consta que a homofobia seja “o medo, a aversão, ou o ódio irracional
aos homossexuais, e, por extensão, a todos os que manifestem orientação sexual ou identidade de
gênero diferente dos padrões heteronormativos” (ABGLT, 2010, p.21). Nós preferimos a definição
68
(SD 11) Em novembro de 1962, oito meses após perder em um acidente Jim, o homem
com quem vivia feliz havia dezesseis anos, o professor de literatura George Falconer
pensa em suicídio.
(SD 32) Os jovens estão demonstrando que ser homossexual não necessariamente
implica que um indivíduo seja pior ou melhor, mais forte ou mais fraco do que o outro – mas
apenas diferente.
(SD 38) Agora, com documentos novos, não poderia estar mais feliz, diz sua assessoria.
Tem até namorada, Jennifer Elia.
(SD 88) O rol de celebridades que se assumem gays também cumpre, em certo grau, esse
papel. O último a deixar o armário foi o cantor porto-riquenho Ricky Martin, autor do
sucesso Livin’ la Vida Loca, que, aos 38 anos, declarou ser gay em tom profético: "Hoje
aceito minha homossexualidade como um presente que a vida me deu".
(SD 134) Sempre que arranja um namorado, ele frequenta a minha casa e saímos juntos.
Meu filho está feliz. Não é isso que todos nós buscamos?
mais aprofundada de Borrillo (2001, p.36, tradução nossa), para quem a homofobia é “a hostilidade
geral, psicológica e social àqueles e àquelas de que se supõe desejarem a indivíduos do mesmo
sexo ou terem práticas sexuais com eles. Forma específica de sexismo, a homofobia rechaça
também a todos os que não se conformam com o papel predeterminado pelo seu sexo biológico.
Construção ideológica constituída para a promoção de uma forma de sexualidade (hétero) em
detrimento de outra (homo), a homofobia organiza uma hierarquização das sexualidades e extrai dela
[da hierarquia] consequências políticas”.
69
Estas SDs representam uma série de outras que constroem estes sentidos de
qualidade positiva da vida homossexual e da homossexualidade per se. É visível
que a faz (esta construção) por sentidos muito diversos, desde a naturalização dos
casais homossexuais (caso da SD 168) até a relação entre estar feliz e ser
homossexual (caso das SDs 11, 21, 38, 88 e 134). Além disso, os sentidos delizam
por outras construções, como a de reconhecer a homossexualidade como diferença,
mas sem que isto implique em juízos morais positivos ou negativos – é o caso da SD
32, que está no T6 (Editorial).
Mesmo nestas SDs há outros sentidos que se associam à ideia de felicidade
a partir da aceitação da homossexualidade. Essa correlação é intensa numa série de
outras SDs que destacamos abaixo.
(SD 115) Aos 14, até tentei namorar um menino. Não funcionou. Um ano depois, quando
me apaixonei de verdade por uma garota, resolvi contar a meus pais.
(SD 117) Sei que contrariei o sonho da minha família, de me ver de grinalda e com filhos,
mas a melhor coisa que fiz para mim mesma foi ser verdadeira.
(SD 125) Cheguei a beijar garotas, mas foi só quando troquei o primeiro beijo com um
menino, aos 14 anos, que senti uma emoção real.
(SD 95) Resume o estudante mineiro Hector Gutierrez, 17 anos – típico da geração
tolerância: "O dia em que eu contei a verdade a todos foi o primeiro em que me senti
realmente livre e feliz".
(SD 147) Hoje namoro uma mulher maravilhosa. Não me arrependo de nada.
(SD 33) Isso leva a questão [a homossexualidade] para longe das piadas, das bandeiras,
das passeatas, das religiões, dos julgamentos morais e até das legislações, devolvendo-
a ao arbítrio de cada um na confecção da imensa teia de afeição e rejeição que define a
condição humana.
(SD 47) A rapaziada está imprimindo um alto grau de tolerância a suas relações, a um
ponto em que nada é mais feio do que demonstrar preconceito contra pessoas de
raças, religiões ou orientações sexuais diferentes das da maioria.
(SD 86) Nas novelas brasileiras, os homossexuais já não são mais tratados de maneira
tão caricatural. "É possível exibir na TV a vida comum de casais gays sem que isso
provoque a rejeição do público, como no passado. Hoje, esses personagens fazem o maior
sucesso", analisa Manoel Carlos, autor da atual novela das 8, Viver a Vida.
(SD 133) Não escondo mais de ninguém que meu filho é homossexual. Sinto que o fato de
uma mãe tomar essa iniciativa ajuda a espantar o preconceito.
(SD 161) Pelo lado positivo, ninguém mais está fazendo, pelo menos abertamente, a
pergunta mais frequente que rolou logo depois de sua indicação – se ela é ou não
homossexual.
(SD 163) Para blindá-la, o governo Obama chegou a passar pelo constrangimento de
plantar que ela não é lésbica.
(SD 118) Por que me sentir uma criminosa por algo que, afinal, diz respeito ao amor?
(SD 144) Aceitar-me assim foi a melhor coisa que aconteceu na vida. Hoje vivo mais feliz.
(SD 148) Fingir não ser gay para se enquadrar no que é "certo" não é vida.
Aqui temos uma equação linguística que se traduz por armário = infelicidade
ou homossexualidade plena = felicidade. Neste sentido, a publicação utiliza-se
majoritariamente das falas das fontes homossexuais ou que são pais destes. É uma
estratégia para dar legitimidade, veracidade e credibilidade aos sentidos postos. Diz-
nos Traquina (2004, p.140): “os jornalistas veem as citações de opiniões de outras
pessoas como uma forma de prova suplementar. Ao inserir a opinião de alguém, os
jornalistas acham que deixam de participar da notícia e deixam os “fatos” falar”.
Queremos fazer algumas considerações sobre a SD 190, que apresentamos
a seguir:
72
(SD 191) “No Ocidente, ser gay é uma identidade. No mundo árabe, desde que se case
e tenha filhos, o homem pode eventualmente se satisfazer com outros homens sem
estigma”, diz o cientista Shadi Hamid, do Catar.
(SD 193) A tolerância, porém, se desfaz como uma bolha de sabão nos casos de
escândalo. Pela lei islâmica, a sodomia é punida com a morte. Daí a célebre frase de Al-
Saud: “Matei, sim, mas que meu país fique tranquilo: não sou gay”.
114
Conforme um enquadramento histórico feito pelos pesquisadores Siebert, Peterson e Schramn
(Four Theories of the Press), haveria quatro teorias da imprensa: “a libertária, que é a americana, a
socialista, que é a soviética, a da responsabilidade social, que é a da Europa Ocidental, e a
autoritária, que é a de muitos países do Terceiro Mundo” (SILVA, Carlos Eduardo Lins da. O
adiantado da hora: a influência americana sobre o jornalismo brasileiro. São Paulo: Summus, 1991,
p.36). Naturalmente, tal concepção encontra-se defasada, mas para nossos propósitos importa
compreender que: o jornalismo brasileiro foi influenciado notavelmente pela tradição norte-americana;
e que ele se inscreve dentro de uma sociedade capitalista. A este respeito, ver também TRAQUINA
(2004).
73
115
Esta FP foi responsável por, aproximadamente, 46% das SDs.
74
(SD 14) Sua melhor amiga (Julianne Moore) postula que um amor homossexual não pode
ser verdadeiro; é um mero substituto de um amor real.
(SD 182) Carl Paladino, o milionário que concorre ao governo de Nova York, tem um
discurso tão grosseiro que assusta até seus aliados republicanos. Com olheiras de
Drácula e cara de senador do Piauí, o empresário Carl Paladino, 64 anos, podre de rico,
virou o candidato mais assustador que o radicalismo de direita produziu nesta
temporada eleitoral. Paladino é candidato do Partido Republicano ao governo do estado de
Nova York, onde reside o eleitorado mais liberal e democrata dos Estados Unidos.
(SD 193) A tolerância, porém, se desfaz como uma bolha de sabão nos casos de escândalo.
Pela lei islâmica, a sodomia é punida com a morte. Daí a célebre frase de Al-Saud: “Matei,
sim, mas que meu país fique tranquilo: não sou gay”.
(SD 104) Foi na internet que consegui arranjar a primeira namorada. Quando a coisa ficou
séria e eu quis levá-la a minha casa, contei a meus pais, que, como era esperado,
sofreram.
(SD 105) Meus amigos também já sabem que sou homossexual. No começo, estranharam.
(SD 108) Aos 16 anos, quando contei à minha mãe que preferia os homens às mulheres, ela
ficou possuída de raiva.
(SD 131) No dia em que meu filho finalmente se abriu comigo, aos 17 anos, fiquei sem
chão.
(SD 136) Ela chorou, disse que logo essa fase passaria, e o pior: contou para todo mundo.
(SD 103) Sempre tive atração por meninas, só que morria de vergonha de me aproximar
delas e revelar o que sentia. Precisei de alguns anos para aceitar, eu mesma, a ideia.
76
(SD 26) A reportagem mostra que se revelar homossexual para os pais ainda é algo tenso,
complexo e sofrido para um jovem.
(SD 110) O dia em que contei tudo, no entanto, foi um divisor de águas para nós dois. A
relação ficou muito tensa.
(SD 117) Sei que contrariei o sonho da minha família, de me ver de grinalda e com filhos,
mas a melhor coisa que fiz para mim mesma foi ser verdadeira.
(SD 130) Acho que toda mãe percebe, a contragosto e com dor, quando seu filho é
gay. Sempre tive certeza disso em relação ao Igor, mas alimentava esperanças de que ele
mudasse. Cheguei a rezar anos a fio por um milagre.
(SD 137) Minha família chegou a me encaminhar ao psicólogo. Depois, à igreja. Não foi
fácil, mas o alívio de compartilhar a situação me transformou em outra pessoa.
quais não veem mais razão, nos dizeres da revista, para “juntar-se a organizações
de defesa de uma causa que, na realidade, não veem mais como sua” (SD 53). Ou
seja, há um reforço – uma reiteração – do sentido nuclear da FP 1 (descrito na
seção 3.2.1). A compreensão deste fenômeno não é periférica, pois denota tanto a
complexidade do processo discursivo jornalístico quanto a constituição efetiva do
discurso que apontaremos melhor nas Formações Discursivas que reúnem tais FPs.
Tendo sempre em vista, então, este processo de entrecruzamento de
sentidos, as SDs abaixo refletem a aceitação da homossexualidade como um
avanço notável de nossa sociedade – e também das famílias em particular. Há uma
reiteração intensa deste sentido, então optamos por destacar as mais significativas:
(SD 48) Esses meninos e meninas estão desfrutando uma convivência mais leve justamente
em uma fase da vida de muitas incertezas, quando a aceitação pelos pares é decisiva
para a saúde emocional e mental. Isso é um avanço notável.
(SD 62) Uma comparação entre duas pesquisas nacionais, distantes quase duas décadas
no tempo, dá uma ideia do avanço quanto à aceitação dos homossexuais no país.
(SD 72) É com o tempo que a vida vai sendo reconstruída sob novas expectativas. Dois
anos depois da revelação, o namorado de Victor, filho de Suerda, frequenta sua casa sem
que isso seja motivo de constrangimento.
(SD 78) Antes fonte de tormento para alunos homossexuais, alvo de piadas, quando não de
surras e linchamentos, o colégio se tornou um desses lugares onde, de modo geral,
impera a boa convivência com os gays.
(SD 156) Quando meu filho assumiu ser gay, aos 16 anos – dez anos atrás –, fui criticada
por aceitar de maneira pacífica a "opção sexual" dele. Alguns disseram que eu deveria
lutar. Mas lutar com quem, e para quê?
78
(SD 167) Sou mãe de uma garota de 23 anos lésbica. Oxalá um dia as cores tão suaves e
plácidas da reportagem de VEJA se tornem reais, pois se, por um lado, hoje os jovens
têm maior liberdade para revelar sua homossexualidade, por outro, o mundo cor-de-rosa
apresentado está bem distante da sociedade brasileira.
116
A quantidade é exaustiva. Selecionamos alguns apenas: Veja além das aparências
(http://homofobiajaera.wordpress.com/2010/05/11/veja-alm-das-aparncias/); Matéria da Veja: Ser
jovem e gay – a vida sem dramas! (http://fabricioviana.com/materia-da-veja-ser-jovem-e-gay-a-vida-
sem-dramas/); Ser jovem e gay: a vida sem dramas. Veja, mas não acredite.
(http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?cod=1592&idi=1&moe=84&id=15873). Acessos
em: 24 nov. 2010.
117
Há um fato político que também foi percebido pelos militantes: exatamente uma semana depois
ocorreria em Brasília a 1ª Marcha Nacional LGBT, que marcava a passagem do Dia Mundial de
Combate à Homofobia (17 de maio). O evento teve caráter eminentemente político e diferenciava-se
das Paradas festivas.
79
A publicação compara uma pesquisa nacional do Ibope com outra feita com
adolescentes de onze regiões metropolitanas. Coincidentemente, esta pesquisa de
1993 a que a revista se refere foi retratada por ela própria naquela que foi sua
primeira capa sobre os gays: a edição 1.287, de 12 de maio de 1993. Naquela
reportagem, consta que “a pesquisa [...] ouviu 2.000 pessoas no país inteiro. [...]
Por sua metodologia, os números do Ibope funcionam como um termômetro dos
humores das grandes camadas da população.” (grifos nossos).120 Já a outra
pesquisa, realizada por uma empresa121 (e não um instituto) que faz pesquisa de
mercado, entrevistou menos pessoas, apenas jovens, e somente de regiões
metropolitanas. A comparação é, a nosso ver, flagrantemente desonesta, mas serve,
justamente, à construção discursiva de que a homossexualidade é mais aceita pela
sociedade – o que nos parece natural considerando-se a passagem do tempo e a
evolução do Brasil quanto aos costumes – e, por isso, não há porque engajar-se
politicamente. É a conclusão decorrente do fenômeno que produz um discurso
condizente com a Formação Ideológica da revista.
Quanto à SD 78, a afirmação do veículo acerca da convivência com gays nas
escolas ser boa é, acreditamos que intencionalmente, vaga. Toda a reportagem, em
suas ressalvas, caracteriza bem que o quadro geral que ali se apresenta refere-se,
eminentemente, às camadas mais altas da sociedade. Portanto, é de se presumir
118
Em nosso arquivo, o trecho inteiro corresponde às SDs 62, 63 e 64.
119
A GERAÇÃO tolerância. Veja, edição 2.164, p.109-110, 12 de maio de 210.
120
O MUNDO gay rasga as fantasias. Veja, edição 1.287, p.52, 12 de maio de 2010.
121
Do site da empresa: “A TNS é a maior empresa de pesquisa de mercado customizada do mundo.
Especializada em prover insights e orientações para auxiliar seus clientes na tomada de decisões, a
empresa detém amplo conhecimento sobre diferentes segmentos de negócios: Consumo, Telecom &
TI, Financeiro, Varejo, Healthcare e Automotivo”. Disponível em:
<http://www.interscience.com.br/empresa.asp>. Acesso em: 21 de nov. 2010.
80
que a afirmação sobre a convivência com a diversidade nas escolas ter mudado
(antes fonte de tormento para alunos homossexuais, alvo de piadas, quando não de
surras e linchamentos, o colégio se tornou) refira-se às escolas particulares.
“Estranhamente”, a reportagem não cita qualquer dado ou pesquisa sobre a
questão, embora traga uma declaração da orientadora do Colégio Bandeirantes
(escola particular tradicional da cidade de São Paulo) para dar suporte à sua tese.
Entretanto, as pesquisas nacionais sobre bullying e discriminação aos LGBTs na
escola demonstram que a realidade, no país como um todo – tanto em escolas
particulares quanto públicas –, é bem diferente.122
Por fim, outras SDs desta FP 3 vão reforçar o sentido de avanço na aceitação
da homossexualidade e dos homossexuais associado às novas gerações – questão
esta que abordamos mais detidamente na seção 3.2.1.
(SD 41) É uma conquista da juventude que deveria servir de lição para muitos adultos.
(SD 59) São marcas de uma geração que, não há dúvida, é bem menos dada a
estereótipos do que aquela que a precedeu.
(SD 75) Um conjunto de fatores ajuda a explicar o fato de a atual geração gay ser mais
livre de amarras – alguns de ordem sociológica, outros culturais.
(SD 98) Contar para a família ainda é tenso e complexo, mas os gays convivem hoje com
uma geração que encara as orientações sexuais com crescente naturalidade.
(SD 150) É maravilhoso perceber que a sociedade mudou suas linhas de pensamento.
(SD 157) Se ele se assumiu gay em um país machista e preconceituoso, como era o Brasil
daqueles dias, tratava-se de algo sério e bem mais forte do que ele.
122
Vide ABRAMOVAY, 2004; JUNQUEIRA, 2009; FIPE, 2009. Disponíveis em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001339/133977por.pdf,
http://www.reprolatina.org.br/site/pdfs/diversidade_sexual_na_educacao.pdf e
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13917:pesquisa-diversidade-
na-escola&catid=194:secad-educacao-continuada&Itemid=871 (respectivamente)
81
(SD 159) Fico orgulhosa e aliviada por essa nova geração no Brasil poder usufruir o
respeito que merece.
Diante do quadro analítico que aqui referimos, fica evidente que há: (1º) um
processo discursivo que coloca a homossexualidade e os homossexuais em cena
(em discurso) por meio de seu sofrimento com a autoaceitação e a homofobia; mas
que também o faz, como que pelo oposto, por meio da (re)inscrição da
homossexualidade na esfera privada, uma espécie de pré-Stonewall; (2º) este
processo complexo descrito no 1º item ancora-se numa filiação de sentidos que
focaliza o político; dizemos isso porque a homossexualidade e os homossexuais
também são discursivisados em Veja por meio da oposição à noção de identidade
coletiva (identidade sexual politizada), o que vai derivando, por efeitos metafóricos,
para um sentido-histórico muito forte: o associativismo político é desnecessário; é
antiquado; não se configura mais como relevante dado o estado de aceitação quase-
plena da homossexualidade.
Queremos frisar, neste gesto interpretativo que fazemos, que tais sentidos
instauram-se “solidariamente”: não é exagero dizer que os deslizes, as sinonímias, a
rede de não ditos vão se articular de modo tal que os sentidos “parecem” todos
juntos, uno. O que fizemos, portanto, foi apartá-los analiticamente para, então,
visualizar seus procedimentos de ocorrência, o modo como significam a ideologia.
123
Aqui estamos querendo referir à palavra diagrama: representação gráfica de um fenômeno por
meio de linhas, pontos, etc. (Caudas Aulete)
82
Enfim, é com base nestas breves considerações que propomos nossa teia
semântica referida à página 52. A partir dela que iremos abordar as Formações
Discursivas e Ideológicas.
CAPÍTULO 4
INTERRUPÇÃO MOMENTÂNEA DO PROCESSO DISCURSIVO – OU
É PRECISO ENCERRAR
125
COLETTO, L. H. ; AMARAL, M. F. Manual de Comunicação LGBT: exercício metodológico para
pesquisar a homossexualidade na mídia brasileira. In: XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, 2010, Caxias do Sul. Anais do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação. São Paulo : Intercom, 2010.
87
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Companhia de Freud, 2008.
GADET, Françoise; HAK, Tony. Por uma análise automática do discurso: uma
introdução à obra de Michel Pêcheux; tradução de Bethania S. Mariani [et al.]. 3. ed.
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1997.
HEILBORN, Maria Luiza (Org.). Sexualidade: o olhar das ciências sociais. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu: sociologia. [org. da coletânea: Renato Ortiz]. São
Paulo: Ática, 1983.
REVEL, Judith. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
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sexualidad. In: VANCE, Carole (Org.). Placer y peligro: explorando la sexualidad
femenina. Madrid: Revolución Madrid, 1989. p. 113-190.
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Márcia; LAGO, Cláudia. (Org.). Metodologia de pesquisa em jornalismo. 1 ed.
Petrópolis: Vozes, 2007, v. 1, p. 1-288.
91