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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

GAYS EM REVISTA: A HOMOSSEXUALIDADE NAS


PÁGINAS DA REVISTA VEJA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Luiz Henrique Coletto

Santa Maria, RS, Brasil


2010
GAYS EM REVISTA: A HOMOSSEXUALIDADE NAS
PÁGINAS DA REVISTA VEJA

Luiz Henrique Coletto

Monografia apresentada ao Curso de Jornalismo da Universidade


Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial para a
obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.

Orientadora: Prof. Dr.ª Márcia Franz Amaral

Santa Maria, RS, Brasil


2010
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Departamento de Ciências da Comunicação

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia de


Conclusão de Curso

GAYS EM REVISTA: A HOMOSSEXUALIDADE NAS PÁGINAS DA


REVISTA VEJA

elaborada por
Luiz Henrique Coletto

como requisito parcial para a obtenção do grau de


Bacharel em Jornalismo

COMISSÃO EXAMINADORA:

Márcia Franz Amaral, Dr.ª


(Presidente/Orientadora)

Caciane Medeiros, Dr.ª (UFSM)

Guilherme Rodrigues Passamani, Ms. (UFMS)

Santa Maria, 13 de dezembro de 2010.


Este trabalho é, como na conhecida fábula do pequeno pássaro e suas gotas num
incêndio na floresta, apenas uma gotícula no oceano inapreensível das nossas
civilizações do conhecimento. Entretanto, em intencionalidade, é mais uma força –
ainda que goticular – que se soma ao combate da discriminação que se erige
sobre o opróbrio que são a homofobia e as suas manifestações reais (e
simbólicas). Dedico minha pequena reflexão, portanto, a dois grandes grupos de
homossexuais. Àqueles que, caso viessem a desejar, já não podem mais
eventualmente agradecer-me pela dedicatória: os milhares de homossexuais
assassinados em nosso país e planeta, desde muitos séculos, em decorrência do
ódio à diferença; e àqueles que, vivamente, lutam diuturnamente pela utópica
erradicação desse ódio que torna o diferente em desigual. Sabemos bem quão
pesado é à qualidade psicológica e mental de nossas vidas um estado desde-
sempre de vigilância quanto à nossa vivência sexual e aos in-diferentes que nos
rodeiam. Uma dedicatória, enfim, à utopia que nem bem cabe em nossa
cognição...

Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco.
Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas
de superioridade sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da
qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância.
José Saramago
[descumpro a recomendação, pois fugi à síntese]

Não agradeço aqui (somente) àqueles que especificamente ajudaram-me na escritura deste texto.
Quero agradecer a quem fez parte desta minha trajetória na Universidade Federal de Santa Maria.

Agradeço especialmente à Márcia Franz Amaral: como professora, como tutora e como orientadora;
mas essencialmente pela liberdade intelectual que sempre me concedeu e pela assimilação que fez
de meus interessantes de pesquisa – muitas vezes discordantes dos seus; e, claro, pelas
observações pontuais e claras diante de momentos de insegurança, da “megalomania acadêmica” e
das expectativas. Foram providenciais – pelos erros que impediram e pelas vitórias que
oportunizaram.
Aos colegas professores, mas principalmente aos alunos do Pré-Vestibular Popular Alternativa, um
forte agradecimento. Minha extensão, ali, foi realização pessoal. A exposição ao público, a
convivência com múltiplas realidades e a possibilidade de compartilhar dos anseios de tantos por
uma Universidade pública, gratuita e de qualidade (nosso já-dito) foram, enfim, experiências de vida
valiosíssimas. Muito obrigado.
Aos amigos do Ecolândia: nossa rotina semanal, quase diária, de produção de um radiojornalismo
comprometido com o singular, e não apenas com o massivo, foi enriquecedora. Por isso, agradeço
pela convivência e pelas discussões; pelas pautas feitas e pelas que (nos) furaram; por fim, pela
incerteza de estarmos sempre certos, pois é ela que nos move a perscrutar, sempre atentamente, o
que as pessoas que nos ouvem têm a dizer. Que assim siga nosso programa.
Aos colegas, professores e amigos com os quais convivi no Diretório Acadêmico da Comunicação
Social Mario Quintana, no Programa de Educação Tutorial e no Grupo de Pesquisa Estudos de
Jornalismo, agradeço pelos aprendizados. Entre ofícios e palestrantes, livros e assembleias, teorias e
artigos, sempre houve o imprescindível contato humano. É ele que significa o mundo e seus
conhecimentos.

Agradeço aos meus amigos – que significam suas amizades quando vivenciam comigo momentos de
alegria, depressão, tesão, entusiasmo, enfermidades e jogatinas divertidas. Amizade é convívio, e
não marcos.
Um beijo-abraço demorado à especialíssima amiga Luana Augusti: certa vez dissera-me ela que a
amizade era a consciência dos defeitos do outro (também das qualidades) e a capacidade de lidar
com a maioria deles. Foi num depoimento mal ajambrado (risos), porém sincero. Nunca esqueci – e
sigo concordando.
Aos amigos e colegas Cristiano, Michelle e Filipe, meu agradecimento: a este porque compreendeu
meu des-(t)alento para o desenho e, gentilmente, fez o diagrama que está neste trabalho. Àqueles,
agradeço pela amizade, pelas festas, pelas partidas de Uno... e, claro, por terem me auxiliado na
revisão da monografia.

Quero também agradecer-ao-anonimato (!). Aos homens com os quais tive algum tipo de contato
afetivo-sexual ao longo de minha vida: penso que a (minha) vivência sadia da sexualidade dê-se
acadêmica, psicológica, política e sexualmente. O que sou hoje é fruto do que vivi nos livros, nas
divagações, nas discussões e na cama.

Um clichê também pode se investir de sinceridade: agradeço muitíssimo à minha mãe e a meu pai
pelo irrestrito, permanente e profundo apoio a todas as minhas escolhas. A capacidade que tiveram,
desde cedo, de assimilar minha “precoce maturidade” para tantas questões e a decorrente autonomia
que me concederam por isso foram marcantes para meu desenvolvimento enquanto adulto. Agradeço
imensamente. Pelo carinho. Pelo amor.

Por fim, agradeço ao signo-deus: sua plácida ausência deixa-nos a peremptória necessidade de
conduzir a nós mesmos e ao mundo (e aos seres que aqui convivem conosco) de modo responsável
e consequente. Nosso paraíso está aqui – só é preciso melhorá-lo.
RESUMO

Monografia de Conclusão de Curso


Departamento de Ciências da Comunicação
Universidade Federal de Santa Maria

GAYS EM REVISTA: A HOMOSSEXUALIDADE NAS


PÁGINAS DA REVISTA VEJA
AUTOR: LUIZ HENRIQUE COLETTO
ORIENTADORA: MÁRCIA FRANZ AMARAL
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 13 de dezembro de 2010.

Este trabalho inscreve-se na articulação do jornalismo, tomado como processo


discursivo, com a homossexualidade como temática de interface. Investigamos que
sentidos são construídos sobre a homossexualidade e os homossexuais no ano de
2010 na revista Veja, a partir de um corpus constituído por 15 materiais. Operando a
partir da Análise do Discurso (AD francesa), procuramos articular teoricamente a
noção de campo de Bourdieu para nos auxiliar a tematizar a relação entre o campo
jornalístico e o campo político – representado pelo movimento LGBT – nos seus
processos (internos, entre seus atores, e entre si) de disputa pelos sentidos, pelo
poder de nomear, pela possibilidade de realçar ou silenciar. De nossas conclusões,
temos claro que sem a mediação do ideológico (da cultura, do imaginário) não
poderíamos apreender, no gesto interpretativo que fizemos, os deslizamentos de
sentido que se constituíram para significar a homossexualidade como algo particular,
do âmbito do privado, que não (se) mobiliza o coletivo, a dimensão da identidade;
também para significá-la como “natural” e passível de ser vivida, sendo a
discriminação por este motivo condenável, antiquada.

Palavras-chave: Homossexualidade. Discurso. Campo.


ABSTRACT

GAYS IN REVIEW: HOMOSEXUALITY IN THE PAGES OF


MAGAZINE VEJA

This work demands the articulation of the journalism, as a discursive process, with
the homosexuality as a thematic of interface. We have investigated which meanings
are built about homosexuality and gay people in the year 2010 on magazine Veja,
from a corpus consisting of 15 “materials”. Thinking since the Discourse Analysis
(French AD), we tried to join theoretically the notion of field from Bourdieu to help us
to understand the relation among the journalistic field and the political field –
represented by the LGBT movement – in its processes (internal, among its
“subjects”, and among each other) of disputing senses, by the power to nominate, by
the possibility to highlight or silence. From our findings, we have clear that without
the mediation of ideological (the culture, the imaginary), we wouldn’t apprehend, in
the interpretation motion we’ve made, the “slips” of senses which made itself to
signify the homosexuality as a particular thing, from the private, that don’t mobilize
(itself) the collective, the dimension of identity; also to mean it as “natural” and liable
to be lived, being discrimination because of it reprehensible, old fashioned.

Key-words: Homosexuality. Discourse. Field.


LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – CORPUS DA PESQUISA ................................................................. 49


LISTA DE IMAGENS

ILUSTRAÇÃO 1 – Sem bandeiras nem passeatas .............................................. 54

ILUSTRAÇÃO 2 – Detalhe ...................................................................................... 54

ILUSTRAÇÃO 3 – Detalhe ...................................................................................... 54

ILUSTRAÇÃO 4 – Capa da edição 2.164 ............................................................... 78

ILUSTRAÇÃO 5 – Teia Semântica ......................................................................... 82


LISTA DE ANEXOS

ANEXO A – CORPUS .............................................................................................. 92


SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – A HOMOSSEXUALIDADE COMO PARTE DO (DISCURSO)


SOCIAL .................................................................................................................... 11
1.1 Uma Não Introdução ........................................................................................ 11
1.2 Considerações sobre jornalismo e discurso: qual o problema? ................ 13
1.2.1 Veja e leia: uma quadragenária nas bancas ................................................... 18
1.3 Homossexualidade: campo temático e interface de pesquisa discursiva .. 22
1.4 Não há motivo para viver em guetos .............................................................. 29
1.5 Campos em confronto? ................................................................................... 32

CAPÍTULO 2 – REVISITANDO A LINGUAGEM E SEUS AD-JUNTOS TEÓRICOS:


PENSANDO O DISCURSIVO .................................................................................. 37
2.1 Notas sobre discurso, sujeito e ideologia ..................................................... 38
2.1.1 É difícil de definir o que ela é .......................................................................... 40
2.2 Por uma análise sui generis do discurso ...................................................... 44
2.2.1 Formação Discursiva: de Foucault a Pêcheux ................................................ 44

CAPÍTULO 3 – REVISTANDO SENTIDOS SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE ... 47


3.1 Caracterização do corpus ................................................................................ 48
3.2 A questão gay em Veja .................................................................................... 50
3.2.1 Militante é coisa do passado ........................................................................... 53
3.2.2 Gay? Sim, mas sem rótulos ........................................................................... 62
3.2.3 Afetividade gay: real e verdadeira ................................................................... 67
3.2.4 Homofobia já era ............................................................................................. 73
3.2.5 A homossexualidade diagramada em Veja ..................................................... 81
3.2.5.1 Das inscrições ideológicas ........................................................................... 83

CAPÍTULO 4 – INTERRUPÇÃO MOMENTÂNEA DO PROCESSO DISCURSIVO –


OU É PRECISO ENCERRAR .................................................................................. 85

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 87

ANEXOS .................................................................................................................. 92
11

CAPÍTULO 1
A HOMOSSEXUALIDADE COMO PARTE DO (DISCURSO) SOCIAL

Quando o teórico elabora sua teoria, evidentemente não pensa estar


realizando essa transposição, mas julga estar produzindo ideias verdadeiras
que nada devem à existência histórica e social do pensador. Até pelo
contrário, o pensador julga que com essas ideias poderá explicar a própria
sociedade em que vive. Um dos traços fundamentais da ideologia consiste,
justamente, em tomar as ideias como independentes da realidade histórica
e social, de modo a fazer com que tais ideias expliquem aquela realidade,
quando na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as ideias
elaboradas. (Marilena Chauí – O que é Ideologia?)

1.1 Uma Não Introdução

Tentando desprover a palavra pesquisador de toda sua carga acadêmica e


hermética, creio que muitos de nós somo-lo desde a tenra idade. Lembro-me que
meu interesse pela homossexualidade enquanto “objeto” de reflexão remonta a
meus dezesseis anos. Fruto, em larga medida, de meu processo de reflexão acerca
de minha própria homossexualidade a partir dos quatorze anos. Passada a talvez
mais difícil fase da adolescência daqueles que cometiam o “pecado nefando”1,
imergi num sem-fim emaranhado de abordagens sobre a sexualidade: ciência
biológica e médica, psicologia, antropologia, teologia, direito constitucional e
“natural”, moral e filosofia... e mídia evidentemente. Estas centenas de leituras –
todas elas recortes de enfoques sobre a plurivalência da sexualidade humana, todas
interpretadas à luz do desejo de entendimento e da (i)maturidade de um
adolescente, enfim, todas com profundo peso acadêmico embora não lidas sob
orientação acadêmica – são, numa simplificação pretensiosa, o que sou hoje. Mario
Quintana disse, em alguma medida, que somos, discursivamente, produto daquilo
que lemos. Escreveu o poeta em Do Exercício da Filosofia2:

Como o burrico mourejando à nora,


A mente humana sempre as mesmas voltas dá...
Tolice alguma nos ocorrerá
Que não a tenha dito um sábio grego de outrora...

1
Termo utilizado durante o período colonial para se referir à relação homossexual. “Os
conquistadores acostumaram-se a chamar os índios de “bugres” ou “gentios”. O primeiro termo (já na
Idade Média) e o segundo (a partir da Bíblia) aplicavam-se indistintamente tanto ao herege quanto ao
praticamente da sodomia; isso porque o “pecado nefando” era quase sempre associado com o
pecado maior da incredulidade ou heresia”. (TREVISAN, 2000, p.68, grifo nosso)
2
QUINTANA, Mario. Antologia Poética. Porto Alegre: L&PM, 1997, p.38.
12

Assim, meu percurso dentro da graduação em Jornalismo (e não só nela, mas


em toda minha vivência acadêmica dentro da Universidade Federal de Santa Maria)
sempre pareceu sombreado pela clareza de que, fosse por que caminho, eu teria
que abordar a homossexualidade. Em certos momentos, tinha a sensação de ser
como um navio ancorado – mas sem mar: onde entra a comunicação neste meu
objeto? Onde entra o jornalismo? Foram o tempo, as leituras e a profícua
convivência com minha orientadora que me ajudaram a visualizar a interface
adequada. Mais que isso, uma interface estimulante cientifica e pessoalmente.
Por que investigar a (homo) sexualidade na mídia? Esta resposta, em parte,
inscreve-se na motivação do pesquisador: havia uma forte necessidade de aliar a
abordagem da homossexualidade à minha formação como jornalista e comunicador
social; havia um profundo desejo de poder investigar, nas limitações inerentes a uma
monografia, a homossexualidade a partir de um ponto de vista comunicacional
(sobretudo discursivo). Entretanto, essa pergunta também pode ser respondida por
meio da compreensão dos termos que se encerram no binômio mídia-
homossexualidade e, principalmente, daquilo que nos recobre social e culturalmente
hoje. Até este ponto, evitamos considerações eminentemente acadêmicas porque
tínhamos em mente apresentar o que está por trás da pesquisa – e que, certamente,
transparece(rá) nos sentidos deste próprio trabalho3. Portanto, não nos furtamos em
tentar clarear (porque, afinal, o discurso tem certa opacidade) o que motiva, embasa
e envolve este trabalho e nossa autoria.

Após esta breve (não) introdução, queremos apresentar uma sucinta


estruturação deste trabalho. Neste Capítulo 1 – A homossexualidade como parte
do (discurso) social, apresentamos nossa problemática de pesquisa e tecemos um
conjunto de conceitos que localizam nossas filiações teóricas dentro do jornalismo,
do discurso e da pesquisa sobre a homossexualidade. Também fazemos uma breve
retomada sobre a (homo) sexualidade como campo de pesquisa que adquire relativa
autonomia com o tempo, sobretudo nas últimas décadas. Por fim, breves

3
A propósito, a advertência qualificada da professora Eni Orlandi (2007, p.9) é propícia: “como a
linguagem tem uma relação necessária com os sentidos e, pois, com a interpretação, ela é sempre
passível de equívoco. Dito de outro modo, os sentidos não se fecham, não são evidentes, embora
pareçam ser. Além disso, eles jogam com a ausência, com os sentidos do não dito”.
13

considerações são feitas sobre movimentos sociais e a teoria dos campos


bourdieusiana.
Nosso Capítulo 2 – Revisitando a linguagem e seus ad-juntos teóricos:
pensando o discursivo traz toda a constituição metodológica central de nosso
trabalho, resgatando a constituição da Análise de Discurso como um dispositivo
teórico-metodológico e articulando uma série de conceitos centrais para esta
metodologia e importantes para compreender o processo analítico aqui
desenvolvido.
O Capítulo 3 – Revistando sentidos sobre a homossexualidade apresenta
a análise de nosso corpus. É o capítulo mais longo, e nele associamos os sentidos
encontrados com os conceitos apresentados no capítulo 2 tendo como pano de
fundo as questões teóricas apontadas neste capítulo 14. Ali também apresentamos
mais detalhadamente o corpus.
Por fim, o Capítulo 4 – Interrupção momentânea do processo discursivo –
ou é preciso encerrar traz nossas considerações finais, com as conclusões parciais
que tiramos de nossa análise e deste trabalho como um todo. Também
aproveitamos para discorrer um pouco sobre as questões que ficam em aberto e que
suscitam maior aprofundamento, apontando o que nos parece pertinente de ser
pensado sobre esta interface de pesquisa em ascensão: a homossexualidade e o
jornalismo enquanto discurso.

1.2 Considerações sobre jornalismo e discurso: qual o problema?

Nossa pesquisa passou por graduais modificações ao longo dos últimos 18


meses. Começou centrada, quanto ao objeto empírico, numa revista brasileira
segmentada no público gay masculino. Com a produção de artigos e as discussões
realizadas por nós, consideramos que seria mais profícuo pensar as significações
que se estavam construído sobre nosso tema (genericamente, a homossexualidade)

4
Uma breve consideração: embora haja um “ritual” do discurso científico – definitivamente, em sendo
articuladores do discurso como objeto, não nos furtamos de saber disso –, preferimos poder
entrecruzar aqui as questões teóricas e metodológicas; ou seja, há teoria intervindo no capítulo
metodológico, e há algumas pistas metodológicas intervindo aqui; de mesmo modo, ao constituirmos
a análise no capítulo 3, reinserimos e reabordamos (quando julgamos necessário) conceitos e
procedimentos. Ficamos bastante longe da fluidez de leitura que gostaríamos, mas esta foi, sem
dúvida, uma utopia perseguida na escritura deste trabalho.
14

na mídia de referência – ou seja, nas revistas jornalísticas5. Na reta final, optamos


(por três razões que detalharemos adiante) apenas pela revista Veja no período de
2010. Certos de que todo tipo de recorte teórico e metodológico que se faz acerca
de uma questão produz singularidades (aprofundamentos por um lado, abandonos
de perspectivas por outro), nosso objetivo de produzir uma reflexão qualitativa e
articulada teoricamente persiste. Este trabalho é a materialização dessa tentativa.
O jornalismo, como um campo, reúne uma série de características que são
tanto restritivas ao trabalho desenvolvido pelos jornalistas quanto constitutivas da
própria atividade jornalística na sociedade capitalista contemporânea. Como campo
entendemos “a constituição de uma instância abstrata, não referida a lugares
definidos, mas que expressa determinadas relações sociais.” (ENCICLOPEDIA...,
2010, p.151). Além disso, o campo é espaço formado por “tensões internas e
externas, [...] oscilando entre o acolhimento e a exclusão ou, valorizando-os,
premiando-os, distinguindo-os, como prefere Bourdieu.” (loc. cit.) É central, por fim, a
perspectiva de autonomia relativa do(s) campo(s), ideia que preconiza as
singularidades dos campos, mas sem perder de vista as interelações entre eles, de
maneiras variadas e buscando o fortalecimento de seus agentes e seu capital.
Assim, a singularidade ou especificidade de um campo “sofre intercorrências de
outros campos, com o que se abre, inclusive, a possibilidade de um jogo de forças
entre eles.” (loc. cit.)
Ou seja, a constituição do campo jornalístico diz respeito, também, à estrutura
econômica, política e jurídica de uma sociedade. Isso se reporta, claramente, à
dimensão ideológica que precede o campo (e o conforma/restringe): a conjuntura
oferecida pelo estágio de desenvolvimento social, econômico, político-jurídico e
“moral” de uma sociedade produz afetações na produção jornalística6. Como pontua
Berger (1998, p.20), especificamente sobre o discurso jornalístico, mas tendo em
vista a noção de campo,

[...] a interpretação do discurso jornalístico beneficia-se desta concepção,


pois, ao inscrever o modo de produção da linguagem na produção social
geral permite situar a notícia no interior de uma complexa rede produtiva. E,

5
Os jornais e as emissoras de televisão, grosso modo, também compõem o que se convencionou
chamar mídia de referência. Para o caso desta pesquisa, a referência é às revistas de informação.
6
Tomamos a questão nos termos postos pela professora Christa Berger (1996): “compreendê-lo [o
discurso jornalístico] enquanto discurso revelador/plasmador da sociedade contemporânea, produzido
no interior de uma determinada e específica instituição (a empresa jornalística), cuja função consiste
em textualizar a realidade” (p.188) e “[...] a matéria-prima do discurso jornalístico encontra-se em
algum lugar do social [...]” (p.189) (grifos nossos).
15

então, as notícias passam a ser produtos produzidos por jornalistas


assalariados, mais ou menos bem pagos, trabalhando num mercado mais
ou menos saturado e competitivo, em redações com determinadas
definições hierárquicas. Estas condições de produção do discurso
jornalístico marcam as relações entre os jornalistas e suas fontes, e o jornal
e seus leitores.

Esta consideração da professora Christa Berger é interessante porque nos


coloca diante dos limites e das possibilidades da pesquisa frente a tais
complexidades: ao analisar o discurso, as marcas textuais que ele nos oferece nos
ajudam a vislumbrar um pouco das condições de produção daqueles atores ali
envolvidos (jornalistas, editores, diagramadores, etc.), mas não com tal clareza que
um estudo etnográfico7 das rotinas de produção de um jornal, por exemplo, poderia
oferecer. Então, é preciso ter consciência de que nosso objeto constitui-se,
primeiramente, da materialidade discursiva.
Acerca de nossa problemática, o ponto de inquietação reside – antes da
interação entre os campos (um externo, e outro o próprio campo jornalístico) –, na
constatação de que as homossexualidades e os homossexuais foram e são,
presumivelmente, um “tema” (a ser) retratado pela imprensa do país no decorrer de
sua história. Pelas nossas considerações acima, acreditamos que esta
representação também acompanhou e acompanha as profundas mudanças nas
diversas instâncias (imaginárias e ideológicas) da sociedade que afetam o campo
jornalístico. Entretanto, a representação per se não nos indica a qualidade desta,
muito menos deixa claras as possíveis tensões e disputas ideológicas e por
representação que se articulam entre o campo político, com a militância organizada
como ator central, e o campo jornalístico, com empresas e jornalistas como atores
principais. A partir da teoria dos campos formulada por Pierre Bourdieu, visualizamos
também a necessidade, para nossa problemática, de ver que relações estabelecem-
se entre os campos em questão. Segundo Berger (1998, p.20-21), “a noção de
Campo, emprestada de Bourdieu [...], vem ao encontro da necessidade de relacionar
o lugar da produção social com o lugar da produção simbólica”.
Assim, nossa problemática central constitui-se em analisar como se dá
discursivamente a constituição da homossexualidade8 e dos homossexuais na

7
Uma metodologia centrada no processo etnográfico, como nos relata Traquina (2004, p.172),
“permite uma observação teoricamente mais informada sobre as ideologias e as práticas profissionais
dos produtores das notícias, porque pode tornar possível a observação de momentos de crise [...]”.
8
Há pesquisadores que preferem posicionar-se diante da temática a partir da ideia de
“homossexualidades” (no plural), como forma, justamente, de reconhecimento das manifestações
16

revista impressa Veja ao longo do ano de 2010. Esta questão, vista sob uma
angulação social, revela uma problemática teórica (e empírica) importante: a relação
entre dois campos, numa linha tênue entre a liberdade de informar do campo
jornalístico (e, portanto, de dispor da linguagem) e a possibilidade de
“monitoramento” e tentativa de ingerência (pelo embate público) do campo do
movimento social (militância)9.
Investigar como a publicação semanal de maior relevância no campo
jornalístico brasileiro retrata (discursivamente) os homossexuais e as
homossexualidades permite-nos analisar que sentidos estão ali construídos
(inscritos), que relações sócio-históricas estão presentes nestes dizeres jornalísticos
– e, então, cotejando as apreensões deste(s) discurso(s) com o mundo social
histórico, visualizar como se estabelece a relação entre os dois campos centrais em
nossa problemática. Nosso problema, por fim, centra-se nesta relação entre o
jornalismo, enquanto discurso10, com o mundo social presente (e histórico, pois
discursivo) a partir dum recorte teórico na homossexualidade.
A nosso ver, assim, pesquisar a homossexualidade a partir do tratamento
jornalístico-discursivo que recebe é uma problemática que tensiona várias áreas do
saber comunicacional – e dos anseios sociais11: reflete as demandas e as lutas do
movimento LGBT; reflete as rotinas, as narrações e as tensões pelas quais o campo
jornalístico é atravessado; clarifica (paradoxalmente, já que falamos de discurso) a
dimensão do poder de nomear, do capital simbólico do jornalista/veículo e daquele
do campo político/movimento social. Foucault (2007) traz a consideração precisa de

várias da sexualidade, o que também nos permitiria conceber heterossexualidades. Para os


propósitos desta pesquisa, ater-nos-emos à noção de homossexualidade como o desejo e as práticas
entre pessoas de mesmo sexo biológico. Apesar de termos consciência desta simplificação, a
inscrição desta pesquisa nos termos postos nos coloca a obrigação de deixar de lado uma série de
questões outras mais apropriadas para a pesquisa sociológica, antropológica ou que esteja detida
sobre a questão da(s) identidade(s) sexual(is) em específico.
9
Tomamos aqui a noção de militância num sentido mais usual, de “participação e atuação em prol de
uma causa ou organização política” (Caudas Aulete) associada, genericamente, aos movimentos
sociais – em nosso caso, ao movimento LGBT. A distinção entre militância e ativismo, por exemplo,
está presente na abordagem das Ciências Sociais, mas não se constitui numa discussão relevante
para nossa pesquisa em si.
10
Filiamos-nos à abordagem da professora Marcia Benetti ao pensar o jornalismo como um gênero
discursivo. Ver: BENETTI, 2007b.
11
“Promover a cidadania e defender os direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais,
contribuindo para a construção de uma democracia sem quaisquer formas de discriminação,
afirmando a livre orientação sexual e identidades de gênero” é a missão da ABGLT (Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), a maior rede LGBT da América
Latina. Utilizamos esta frase como forma de exemplificar, genericamente, a ideia de anseios sociais
associada aos LGBTs. Tais anseios materializam-se nas disputas e nas conquistas por
reconhecimentos reais como leis, projetos e discursos pró-LGBTs.
17

que “(...) o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo
que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo;”
(p.10, grifos nossos). Vai além ao colocar a disputa de poder que se opera no poder-
dizer: “(...) o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas
de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos
apoderar” (loc. cit.)
Por fim, gostaríamos de esclarecer algumas questões relativas à escolha do
objeto empírico e do recorte temporal feito, conforme adiantamos anteriormente. A
análise do discurso, como discutiremos mais detidamente no capítulo 2, é um campo
de pesquisa qualitativo cuja centralidade está na profundidade de sua análise e não
numa quantidade exaustiva de materiais. Assim, a AD não se constitui por meio de
uma exaustividade horizontal, mas sim vertical (ORLANDI, 2005, p.62-63).

Todo discurso se estabelece sobre um discurso anterior, apontando para


outro. O que existe não é um discurso fechado em si mesmo, mas um
processo discursivo, do qual se podem recortar e analisar estados
diferentes. (SERRANI, 1988, p.60 apud SOARES, 2006, p.21)

Esta compreensão é importante tanto para questões operacionais quanto


teóricas. A relação entre discursos (interdiscursividade) é constitutiva da AD,
portanto a presença deste fundamento é crucial à feitura de uma análise adequada.
Operacionalmente, portanto, optamos apenas pelo ano de 2010 porque um de
nossos objetivos específicos ancora-se no lançamento do Manual de Comunicação
LGBT, em janeiro deste ano12, cujo objetivo é normatizar (a partir da visão da
militância LGBT) as formas de tratar e abordar temas relativos à sexualidade e à
diversidade sexual por parte da mídia. É um primeiro gesto oficial de interação mais
efetiva de um campo em relação ao outro, o que certamente abre espaço aos
tensionamentos. Já colocamos anteriormente a questão do discurso como objeto de
disputa, espaço de inscrição das tensões que se processam na sociedade. O próprio
Manual reflete isso nos sentidos que produz.

É um dos objetivos da atual diretoria da [...] ABGLT, e de ativistas ligados


ao segmento LGBT no Brasil, reduzir o uso inadequado e preconceituoso de

12
A publicação foi lançada no dia 28 de janeiro de 2010, no Brasil. Ela é fruto do trabalho
desenvolvido pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(ABGLT), entidade nacional que representa politicamente a população LGBT brasileira. O lançamento
ocorreu durante a V Conferência da ILGA-LAC (International Lesbian, Gays, Bisexual, Trans and
Intersex Association in Latin America and Caribbean), em Curitiba, Paraná. Em correspondência
eletrônica com o presidente da ABGLT, Toni Reis, no dia 22 de março de 2010, foi confirmado que o
Manual foi distribuído para todo o mailing da mídia nacional em formato digital (.PDF).
18

terminologias que afetam a cidadania e a dignidade de 20 milhões de


LGBT no país, seus familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho. [...]
Ao mesmo tempo, pautar esta questão exige fontes confiáveis, espírito
democrático e, principalmente, despojamento de preconceitos. Debater
novos conceitos com a comunidade LGBT, assim como com a mídia, é
fundamental para a renovação de conceitos e formação constante dos
autores da democracia brasileira.13

Fica nítido que há um processo de negociação dos dizeres, na tentativa de


estabilizar sentidos socialmente, ou seja, produzir uma significação positiva da
homossexualidade e dos homossexuais no imaginário social. O jornalismo, então, é
o campo privilegiado para esta disputa pelos sentidos, pois se constitui “como um
espaço e um instrumento dos enfrentamentos políticos na disputa pela visibilidade e
pela conquista do poder” (MOTTA, 2005, p.11).
Além disso, nosso recorte temporal tem também fundamentação na
percepção da temática na revista: em pesquisa informal feita por nós há alguns
meses no acervo digital da revista Veja14, encontramos um registro muito expressivo
de certas palavras-chave (algumas delas foram utilizadas para compor a fase inicial
de nossa pesquisa; retornaremos a isso no capítulo 3). Em algumas, houve
centenas de registros15. Estabelecer um recorte temporal, como em boa parte das
pesquisas, tem seu caráter arbitrário. Como destacaremos mais adiante, há uma
vasta produção, no campo da comunicação, de pesquisas que abordaram a relação
Aids-homossexualidade, por exemplo, o que configurou recortes temporais
específicos: meados da década de 80 até meados da de 90 na maioria dos casos.
Nosso objetivo não era lançar luz sobre a questão do HIV/Aids, mesmo porque essa
questão já foi exaustivamente pesquisada, portanto nossa opção pelo ano de 2010
privilegiou esses aspectos já elencados; por fim, o fato de o tema ter sido capa da
revista16 neste ano foi outra razão que nos motivou a constituir este recorte temporal.

1.2.1 Veja e leia: uma quadragenária nas bancas

Onde quer que você esteja, na vastidão do território nacional, estará lendo
estas linhas pràticamente ao mesmo tempo que todos os demais leitores do País.
13
ABGLT, 2010, p.5, grifos nossos.
14
Link: http://veja.abril.com.br/acervodigital/
15
Apenas para exemplificar, os resultados foram os seguintes para a pesquisa feita em 05 de abril de
2010: homossexual (802 resultados); homossexualismo (340); GLBT (04); LGBT (01); GLS (140);
minoria(s) sexual(is) (10).
16
A homossexualidade e/ou os homossexuais (gays) foram capa da revista em apenas quatro vezes
ao longo da história de Veja: 1993, 2000, 2003 e 2010.
19

Pois VEJA quer ser a grande revista semanal de informação dos brasileiros.17 Estas
são as primeiras linhas da Carta do Editor, Victor Civita, a 11 de setembro de 1968.
A tentação de pôr aqui toda esta Carta foi grande, mas seria demasiado longa. É
com um texto que enfoca a unidade nacional que a revista lança seu primeiro
número. “O Brasil não pode ser mais o velho arquipélago separado pela distância, o
espaço geográfico, a ignorância, os preconceitos e os regionalismos [...]” é o que
enfatiza o editor em outra parte da Carta. Segundo a pesquisadora Maria Celeste
Mira, “trata-se de um momento em que a preocupação com a questão da identidade
nacional ainda é muito forte. As revistas se baseiam em modelos estrangeiros, mas
procurando sempre abrasileirar suas fórmulas”.18
Mira estudou o mercado de revistas brasileiro em sua tese de doutorado em
Ciências Sociais pela Unicamp em 1997. Além de questões da sociologia do gosto
(Pierre Bourdieu) e de consumo e recepção (Jesus Martín-Barbero) associados ao
mercado de revistas em sua relação com o leitorado, há na pesquisa um resgate
histórico detalhado de diversas publicações – e Veja recebe atenção especial. Seu
idealizador é Robert(o) Civita, filho de Victor Civita, que retorna ao Brasil dos
estudos (em Jornalismo e Economia) nos Estados Unidos em 1958. A narrativa que
Mira constrói sobre os bastidores do nascimento e da história da revista são assaz
relevantes para compreender sob que circunstâncias econômico-políticas a
publicação é gestada e que mudanças vão ocorrendo ao longo de seus mais de 40
anos. A Veja que abordamos nesta pesquisa, definitivamente, não é a mesma que
nasce em 1968. As passagens seguintes ilustram bem algumas destas questões (e
transformações).

Era o momento da chamada linha-dura no poder, e Veja se posicionava


contra as arbitrariedades do regime, em especial contra o AI-5, o
fechamento do Congresso, a suspensão dos direitos civis, a censura e,
obviamente, a tortura. Por sua linha liberal, não podia mesmo concordar
com essas medidas. (p.79)

Não se pode esquecer que Veja nasce sob a inspiração da revista norte-
americana Time, na qual Roberto Civita estagiou. Consagra, portanto, os preceitos
do jornalismo norte-americano de vigilância do poder (watchdog role).19

17
Conservamos a grafia original do vocábulo praticamente.
18
MIRA, 2001, p.42.
19
Watchdog role: papel de fiscalizador, cão de guarda. Esta noção de jornalismo como fiscalizador do
poder estatal é tributária da vertente norte-americana de jornalismo. “Os pais fundadores da teoria
democrática têm insistido [...] na liberdade como sendo essencial pra a troca de ideias e opiniões, e
20

Veja tem sido, ao longo dos anos, a porta-voz da linha econômica e política
da Editora Abril, a única revista diretamente ligada ao seu presidente,
Roberto Civita. Por isso, seu papel ideológico nesses campos é crucial.
Através de suas matérias, procura-se “mudar a cabeça das pessoas”, como
disse Roberto Civita. (loc. cit.)

[...] oferecer aos leitores uma seleção ordenada e concisa dos fatos
essenciais da semana em todos os campos do conhecimento, explicando
seu significado, fornecendo seu pano de fundo e servindo como uma
espécie de rascunho semanal da história desse mundo efervescente e
aparentemente inexplicável. (PEREIRA, 1972 apud MIRA, p.89)

A consideração de que Veja tem um papel crucial dentro do campo em que


atua (jornalístico em geral, de revistas de informação em específico) nos permite
compreender, portanto, a importância que suas abordagens, suas opiniões e suas
capas adquirem semana após semana. Mencionamos a capa porque uma das
reportagens que compõe nosso corpus é justamente a matéria de capa da edição de
12 de maio deste ano. Tal detalhe é, justamente, o oposto: o fato do assunto ter sido
capa da publicação o investe, ideológica e discursivamente, de muito maior
importância – inclusive ao analista. É relevante já mencionar que a capa e sua
reportagem especial (de oito páginas no miolo da revista) vêm acompanhadas de
uma Carta ao Leitor, ocupando, portanto, um dos espaços editoriais20 de Veja.
Com sucessivas mudanças editoriais e gráficas (principalmente para atrair o
público universitário, no qual estava seu leitor potencial), e um fortalecimento
gigantesco de suas políticas de marketing e publicidade, Veja torna-se líder no
mercado brasileiro e a 4ª maior revista semanal do mundo em circulação na década
de 90. Segundo a seção de publicidade da Editora Abril21, Veja tem hoje uma

reservaram ao jornalismo não apenas o papel de informar os cidadãos, mas também [...] a
responsabilidade de ser o guardião (watchdog) do governo”. (TRAQUINA, 2004, p.22-23)
20
Se observarmos a 1ª edição de Veja, em 1968, constataremos a presença da Carta do Editor. Com
o tempo, esta seção passou a se chamar Carta ao Leitor, como é o caso de um dos textos de nosso
corpus. Todo modo, tal texto conserva aquelas propriedades que se associam ao texto editorial: a
impessoalidade, a ausência de assinatura, a interpretação global sobre um fato. O editorial, salienta
Marques de Melo, é o espaço de manifestação do veículo ou de seus donos. O autor relativiza um
pouco o endereçamento deste gênero textual na imprensa brasileira: Marques de Melo entende que,
aqui, o editorial é mais uma tentativa de interpor a opinião do veículo em relação ao governo e suas
políticas e menos uma comunicação com seu leitorado – o que seria sua característica presumível. O
autor vai analisar isso a partir da questão da democracia e da sociedade civil plenamente
estabelecida, o que, segundo ele, não seria o caso do Brasil [à época, pelo menos, meados da
década de 80]. Para mais detalhes, veja: MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro.
2 ed. rev. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985 (p.95 em diante).
21
Site: http://publicidade.abril.com.br/
21

tiragem superior a 1,2 milhão. Só em assinaturas são quase 930 mil. A circulação
média líquida da revista estaria entre 1,094 e 1,097 milhão dependendo da fonte.22
Sua penetração por classes sociais23, segundo a revista, seria de 28% na
classe A, 46% na classe B e 23% na C (a classe D representa 3% e a E, 0%). Esta
divisão é importante para compreendermos não só questões técnicas e de fatia do
leitorado, mas para nos auxiliar na compreensão do ideológico e do imaginário que
se fazem presentes, materializados, na discursividade da publicação. Benetti
(2007a, p.115) ressalta que, “no método de análise, fazemos o caminho inverso do
discurso: partimos do texto para o que lhe é anterior e exterior”. É aqui que se coloca
como central – e visível – a noção de formação imaginária, concebida por Michel
Pêcheux, em que as posições do enunciador24 (a revista) e do destinatário (leitor)
estão inscritas no discurso:

[...] os elementos A e B designam algo diferente da presença física de


organismos humanos individuais. [...] A e B designam lugares determinados
na estrutura de uma formação social, lugares dos quais a sociologia pode
descrever o feixe de traços objetivos característicos: assim, por exemplo, no
interior da esfera da produção econômica, os lugares do “patrão” (diretor,
chefe de empresa, etc.), do funcionário de repartição, do contramestre, do
operário, são marcados por propriedades diferenciais determináveis. Nossa
hipótese é de que esses lugares estão representados nos processos
discursivos em que são colocados em jogo. Entretanto, seria ingênuo supor
que o lugar como feixe de traços objetivos funciona como tal no interior do
processo discursivo; ele se encontra aí representado, isto é, presente, mas
transformado; em outros termos, o que funciona nos processos discursivos
25
é uma série de formações imaginárias [...].

Retornaremos a esta questão mais detidamente no capítulo 2, mas o que é


central desse conceito é a percepção de que o discurso constitui-se tendo esta
questão como horizonte: “o jornalista fala tendo como horizonte um leitor de sua fala.
[...] São as formações imaginárias que possibilitam a diferenciação de linguagens e
estilos entre os veículos”. (BENETTI; JACKS, 2001, p.284)
Queremos finalizar esta seção ressaltando como foram concebidos nossos
objetivos para este trabalho: por sua inscrição na Análise de Discurso de linha

22
Fonte A: http://publicidade.abril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais; Fonte B:
http://www.agenciario.com/colunistas.asp?cod_col=22&pNota=2372. Acessos em 22 nov. 2010.
23
Ver aba “Classe social” em http://publicidade.abril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais.
Acesso em: 22 nov. 2010.
24
As questões associadas à conceituação de enunciador e locutor não são centrais em nosso
trabalho, pois são mais características do estudo de vozes em jornalismo, como ressalta Benetti
(2007a, p.117). Para nosso trabalho, partimos da ideia de que quem está enunciando é a revista,
independente de ser o jornalista, a instituição ou uma fonte, distinções estas importantes para a
discussão da pluralidade de vozes no jornalismo.
25
PÊCHEUX apud GADET; HAK, 1997, p.82, grifos do original.
22

francesa, nossos passos iniciais constituem-se, justamente, da identificação de


sentidos nucleares que formam regiões de sentido (Benetti, 2007a) para nossa
pesquisa; a partir disso, constituímos as famílias parafrásticas, aglutinando sentidos
que se processam pela reiteração – em que ocorre o efeito metafórico (Pêcheux) no
qual os sentidos deslizam produzindo um mesmo efeito de sentido.26 É nesta etapa
que começamos a articular as famílias parafrásticas (FP) nas Formações
Discursivas (FD).27 Deste ponto, parte-se para a segunda etapa fundamental da AD,
em que vamos à exterioridade (ao histórico, ao ideológico, ao cultural) “encontrar” a
que filiações ideológicas estas FDs remetem, articulando aqui as marcas discursivas
ao contextual, pois “a relação entre linguagem e exterioridade é constitutiva do
discurso. O dizer do homem é afetado pelo sistema de significação em que o
indivíduo se inscreve”. (BENETTI, 2007a, p.3).
De modo mais pontual, também queremos compreender como a interação
entre os campos jornalístico e político (militância LGBT) ocorre nesta disputa pelo
dizer. Por fim, teceremos algumas considerações sobre o Manual de Comunicação
LGBT e sua relação com o discurso jornalístico dentro da teoria dos campos.

1.3 Homossexualidade: campo temático e interface de pesquisa discursiva

Queremos, nesta seção, fazer breve apanhado teórico acerca da


homossexualidade e de sua inserção e interseção na comunicação e na abordagem
discursiva em jornalismo. É preciso pontuar, inicialmente, em que estágio encontra-
se a sexualidade enquanto objeto teórico (notadamente nas Ciências Sociais) e, na
sequência, qual a importância desse objeto dentro dos estudos de comunicação, do
jornalismo e do discurso mais especificamente.
Nossa primeira questão foi exaustivamente posta por diversos pesquisadores
das Ciências Humanas e Sociais. A “categoria” homossexual surge (em termos de
registro) na segunda metade do século XIX na literatura médica (TREVISAN, 2000),
o que indica, genericamente, o processo de nascimento da homossexualidade do
ponto de vista teórico para nossas sociedades ocidentais. No princípio do século XX,
com a constituição mais efetiva de vários campos das ciências humanas e sociais,
as discussões sobre sexualidade e suas “manifestações desviantes” expandem-se

26
Veja: PÊCHEUX in GADET; HAK, 1997, p.96.
27
Este e outros conceitos próprios à AD serão trabalhados no capítulo 2.
23

para uma série de outros campos como a antropologia, a psiquiatra e a psicologia.


Como processo inserto em dado momento da evolução econômica e política de
nossa sociedade, o sexo e a sexualidade (e, por conseguinte, as “confissões” de
suas práticas e de seus “desvios”) passam a ser objeto de manuseio dos Estados.
Conforme Foucault (1988, p.29) “surge a análise das condutas sexuais, de suas
determinações e efeitos, nos limites entre o biológico e o econômico”. É preciso
notar, entretanto, a estreita vinculação da sexualidade às questões reprodutivas,
médicas, psicanalíticas e religiosas, o que não permitia identificá-la como um campo
de estudo relativamente autônomo como seria hoje, segundo Heilborn (1999). Esta
autora coloca uma questão fundamental ao referir-se ao sociólogo Anthony Giddens
e à sua abordagem da intimidade na era moderna: para ela, a sociedade ocidental,
no final do século passado, “elegeu as questões afetas à intimidade, à vida privada e
à sexualidade como centro da reflexão sobre a construção da pessoa moderna”
(p.8). Percebe-se, então, o fio histórico que delineia o surgimento e crescimento da
sexualidade enquanto objeto de estudo das ciências humanas e sociais: neste último
século, as questões de gênero e de liberação homossexual (como o sociólogo
Manuel Castells caracteriza o movimento LGBT28) foram centrais como processos
de emergência de rupturas nas noções de família, gênero e sexo, intimidade,
sexualidade e do próprio modelo patriarcal, conforme Castells (2006)29. O sociólogo
francês Michel Bozon, em Sociologia da Sexualidade, perfaz uma reflexão histórica
(tanto cronológica quanto significativamente) acerca do tema “sexualidade”. Com o
objetivo de sintetizar e clarear mais detidamente o que temos dito até aqui, fazemos
uso de suas reflexões, de modo cronológico do ponto de vista desta evolução
quanto a uma “ciência da sexualidade” (sexologia). Diz-nos Bozon (2004, grifos
nossos):

A emergência de uma subjetividade e de um sujeito modernos foi


acompanhada pela autonomização de um domínio da sexualidade distinto
da ordem tradicional da procriação. O recalcamento progressivo das
funções corporais e das emoções no decorrer do processo civilizatório, o
aumento da reserva e da distância entre os corpos e o aparecimento de

28
Há diversas formas de se referir ao movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais no Brasil. Adotamos a forma “movimento LGBT” porque é esta que o movimento adota,
de forma institucionalizada, desde 2008 no Brasil (também como forma de visibilizar mais as lésbicas
e uniformizar a sigla com a utilização internacional – LGBT). Alguns pesquisadores vão utilizar
também a expressão MHB (Movimento Homossexual Brasileiro), e outros “movimento gay”. Há, por
fim, outras variantes menos utilizadas como GLBTT e GLS. Uma discussão breve sobre isto está em
FACCHINI, 2005, p.20.
29
Ver capítulo 4, p.238-283 (O poder do amor: movimentos de liberação lesbiano e gay).
24

uma esfera íntima protegida e apoiada em fortes relações interpessoais


juntaram-se a uma vontade de saber e a um desejo de interpretar os
movimentos secretos do corpo, de que é testemunha o surgimento, no
século XIX, do próprio termo sexualidade e das primeiras disciplinas que a
tiveram como objeto, rompendo com a antiga retórica religiosa da carne.
Assim, as trajetórias e as experiências sexuais, amplamente
diversificadas nos dias de hoje, tornaram-se um dos principais
fundamentos da construção dos sujeitos e da individualização. (p.17)

No campo da primeira sexologia, os termos homossexualidade e


sexualidade surgiram quase ao mesmo tempo. Na ciência classificatória da
sexualidade recém-estabelecida, a homossexualidade faz parte das
perversões, mas, ao contrário de outras “espécies” do século XIX que
permaneceram como extravagâncias sexuais (necrofilia, gerontofilia), essa
categoria vai se implantar de maneira durável e, como forma canônica da
transgressão, contribuir para reforçar as fronteiras da normalidade
sexual. (p.53)

Esta discussão está presente também numa série de trabalhos30, dos quais
citamos os de Foucault (1988) e Trevisan (2000) pela profundidade dos aportes
histórico-conceitual e histórico respectivamente. Esses processos que Bozon
destaca são, naturalmente, assimétricos em termos políticos, geográficos e sociais,
ocorrendo em correlação com outras mudanças características de nossa sociedade
moderna. Entretanto, do ponto de vista de um movimento civil pela diversidade (e
liberdade) sexual, há relativo consenso (ao menos por razões sintetizadoras e
didáticas) de que sua prevalência enquanto fenômeno socialmente reconhecido, no
Ocidente, dê-se a partir dos anos 60 de modo contínuo. Claramente vinculado a
outros movimentos contestatórios como o feminista e o estudantil.
Na passagem das décadas de 1960 a 1980, dois grandes acontecimentos
sociais são relevantes para pensar a sexualidade: o desenvolvimento dos métodos
contraceptivos – na esteira do feminismo e da revolução sexual e de costumes – e o
surgimento do vírus HIV epidemicamente nos anos oitenta. Tais fatos “deram novo
impulso às investigações sobre os sistemas de práticas e representações sociais
ligados à sexualidade, constituindo-a como um campo de investigação em si, dotado
de certa legitimidade” (HEILBORN, 1999, p.7-8). A socióloga Míriam Adelman
entende que a as sexualidades passam a ser marcadores (juntamente com outros)
de um processo de produção de identidades sexuais de 1850 em diante: “[...] iniciou-
se um processo de intensa politização da sexualidade, que de fato levou à criação

30
Há um artigo particularmente rico em detalhes sobre todo esta discussão tendo como foco empírico
os Estados Unidos. Veja: RUBIN, Gayle. Reflexionando sobre el sexo: notas para una teoría radical
de la sexualidad. In: VANCE, Carole (Org.). Placer y peligro: explorando la sexualidad femenina.
Madrid: Revolución Madrid, 1989. p.113-190.
25

das identidades sexuais modernas [...]” (ADELMAN, 2000, p.166, grifos da autora).
No empreendimento de uma história da sexualidade, Foucault (1988, p.18) entende
que a importância desta investigação teórica está em observar o discurso sobre o
sexo e a sexualidade: “(...) quem fala, os lugares e os pontos de vista de que se fala,
as instituições que incitam a fazê-lo, que armazenam e difundem o que dele se diz,
em suma, o ‘fato discursivo’ global, a ‘colocação do sexo em discurso’.”
Desta breve retomada que fizemos até aqui, pode-se já produzir uma primeira
conclusão dedutiva: a emergência da “figura do homossexual” na imprensa
(brasileira) inscreveu-se numa evolução histórica e social das sociedades ocidentais
quanto à própria ideia de sexualidade. Portanto, esta presença das
homossexualidades e dos homossexuais31 na mídia é, de um ponto de vista
histórico, recente: remete à década de 1970 (com algum destaque para o
surgimento do movimento LGBT em âmbito internacional) e tem seu boom com o
advento do vírus HIV/Aids na década seguinte. A este respeito escreveram
TREVISAN (2000), LIMA (2007), RODRIGUES (2007)32 e outros. Segundo Trevisan
(2000, p.294), “a partir de meados da década de 1970, o amor homossexual
começou a furar a barreira da censura ditatorial e dos setores mais reacionários,
para chegar até as capas de revistas de circulação nacional [...]”.
O ensaio de Marcus Antônio de Assis Lima33 é importante relato temporal dos
veículos de imprensa gay que surgem no Brasil no contexto de repressão política
das décadas de 60 e 70. O jornal Lampião da Esquina34 é lançado, em abril de 1978,
no Rio de Janeiro, e se configura como um jornal pioneiro sobre os homossexuais e

31
Para este trabalho, tomaremos homossexual como sinônimo de LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais). Esta escolha deve-se ao entendimento, de nossa parte, da força significativa
que a palavra homossexual tem em detrimento da sigla LGBT. Como SOARES (2006, p.23) destaca
em sua tese – quando justifica a preferência pela palavra homossexualidade ao invés de
homoerotismo –, “homossexualidade tem história, posição política e, dessa forma, seu sentido não
apenas marca outras formas de significar o homossexual, mas aponta para outros sentidos possíveis
nesse embate de forças entre dizeres e cristalização de conceitos” (grifos do original). Adotamos o
mesmo raciocínio ao pensar a relação homossexual – LGBT: aquele como representativo, na
linguagem, deste. A utilização mais específica de LGBT far-se-á quando da referência ao movimento
social em si.
32
RODRIGUES, Jorge P. Impressões de identidade: histórias e estórias da formação da imprensa
gay no Brasil. Niterói: Universidade Federal Fluminense/Programa de Pós-graduação em Letras,
2007. [Tese de Doutorado]
33
Sob o título de “Breve histórico da imprensa homossexual no Brasil”, o ensaio é parte da
Dissertação de Mestrado em Comunicação Social defendida pelo autor em 2000. Uma versão deste
ensaio foi apresentada pelo autor no V Congresso Nacional de História da Mídia, em São Paulo, no
ano de 2007.
34
O número zero do jornal chamava-se apenas “Lampião”. Como já havia um jornal no Rio Grande
do Sul registrado com esse nome, os números seguintes passam a se chamar “Lampião da Esquina”.
26

a homossexualidade. Lido por alguns intelectuais da época, combatido entre


diversos setores da sociedade, processado, tanto no Rio de Janeiro quanto em São
Paulo, por atentado à moral e aos bons costumes por iniciativa do Ministério da
Justiça (TREVISAN, 2000, p.346), o jornal causou bastante impacto no período e
inaugurou de forma efetiva uma imprensa gay ou focada nas homossexualidades.
Com a abertura política e certa liberalização sexual que se reflete na
pornografia (ou mais sutilmente, no nu masculino), o jornal não consegue mais se
manter, em parte por que o seu leitor mudou, mas o veículo não. Comprovamos tal
cenário ao observar o que Mira (2001, p.99) retrata do período: “com o
abrandamento da censura a partir de meados dos anos 70, as polêmicas revistas
eróticas viveram um momento de grande expansão, com infinidade de produções
nacionais [...]”.
Com a eclosão do vírus HIV de modo epidêmico, o quadro configura-se de
modo diverso na imprensa. Inicialmente tematizada como peste gay ou câncer gay,
a vinculação entre o vírus e a homossexualidade se torna inquestionável por muitos
anos. Esse impacto fez-se visível na própria militância e também na imprensa (gay
inclusive). Foi uma década marcada por uma espécie de ostracismo na imprensa
voltada ao público gay brasileiro, a não ser por aqueles periódicos voltados à
pornografia (RODRIGUES, 2007; LIMA, 2007).
Na abordagem da homossexualidade e da Aids por meio da análise de
discurso, temos pesquisas significativas. O trabalho do professor Antonio Fausto
Neto (1999) sobre o sentido da Aids nos principais jornais do Brasil entre 1983 e
1995 é relevante pelas questões teóricas que coloca, para além das analíticas.
Segundo Fausto Neto (p.145)

Em sintonia e/ou em tensão com outros campos, as mídias realizam,


segundo “constrangimento” de outras culturas, mas por causa de sua
própria maneira de operar, o processo de nomeação da Aids, dando-lhe
existência e instituindo as pistas e/ou senhas, através das quais possamos
apreender a complexidade desse fenômeno.

Assim, haveria uma tarefa pedagógica neste processo, de atuação e


construção de sentidos sobre a Aids no espaço público. Essa pedagogia realizaria,
então, operações diversas:

Cria a “geografia” da Aids, curiosamente referida a outros “menores”, como


o Terceiro Mundo e pessoas como homossexuais e drogados, etc.; nomeia
imediatamente a Aids segundo um conjunto de metáforas, evitando que a
doença vague sem sentido; aprofunda a compreensão que se deva dar à
27

natureza da patologia e que,neste caso, é uma doença misteriosa, mas que


acontece somente com aqueles que transgridem, como os homossexuais;
[...] permite que as fontes técnicas façam a notícia, mas a inteligibilidade
última, quem a faz, é a própria cultura jornalística. (p.47-48, grifos nossos)

Essas observações das conclusões do trabalho da equipe do professor


Fausto Neto são, visivelmente, pertinentes tanto pelo que falam do discursivo quanto
pelo que revelam das relações de poder do campo jornalístico com outros campos
(culturas).
Soares (2006) trabalhou em sua tese o funcionamento do discurso jornalístico
acerca da homossexualidade em relação à Aids no período de 1985 a 1990 nas
revistas Veja, Istoé e Superinteressante. O autor destaca os sítios de significância
que atravessam o discurso jornalístico para significar a homossexualidade neste
contexto: “os discursos médico, religioso e jurídico foram se sobrepondo em uma
mesma direção a tal ponto que mesmo para os sujeitos homossexuais essa
memória do dizer ecoava no mesmo sentido”. Mais que isso: “pecado e doença
significando o homossexual e aproximando de forma causal o homossexual da
Aids”.35 Uma das conclusões do autor é que o papel do jornalismo, neste processo
discursivo, é central, “pois difunde, sob uma pretensa ilusão de neutralidade e
veracidade etc., os discursos que sustentaram como sendo própria do homossexual
e de seu estilo de vida a responsabilidade pela doença e por sua propagação”.36
Já Darde (2006) aborda a problemática da Aids realizando um estudo das
vozes presentes nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo durante o ano de 2004. A
preocupação, aqui, é com a pluralidade e a diversidade de abordagens, fontes,
enfim, vozes que constroem sentidos no discurso jornalístico. O quadro conclusivo
(sintético) que o autor apresenta dá conta de que a temática foi abordada, “na
maioria das vezes, como uma questão grave de saúde pública que deve ser
combatida pelos países desenvolvidos”. Prossegue o autor:

Mesmo com o domínio de fontes oficiais, através do conceito de enunciador


identificamos que as vozes dominantes foram as que cobraram ações dos
governos na luta contra a Aids. Registramos o cruzamento de enunciadores
nos textos, o que caracterizou a pluralidade de vozes; contudo, a fala das
pessoas vivendo com HIV/Aids praticamente não esteve presente nos
37
jornais pesquisados.

35
SOARES, 2006, p.7.
36
Loc. cit.
37
DARDE, 2006, p.6, grifos nossos.
28

Estas são apenas algumas das muitas pesquisas38 que enfocaram a relação
entre a Aids e o discurso (e a homossexualidade, por conseguinte) – com enfoque
no jornalismo ou não. Nosso propósito não é revistar esta literatura em específico,
apenas destacar o período histórico (como temos feito, cronologicamente, nesta
seção) na sua interface com a produção científica do período; a discursiva
especificamente.
Em artigo de 2008, Fernando Luis Alves Barroso pontua, a partir das
considerações do historiador James Green acerca da abordagem do movimento de
gays e lésbicas (como escreve o autor) pela imprensa do Brasil, que

A representação dos homossexuais pela mídia tem uma história (isto é,


apresenta mudanças de enfoque no decorrer do tempo) e vem seguindo
múltiplas direções. Do ponto de vista histórico, Green e Polito chamam a
atenção para a existência de um enfoque tradicional [...] para a emergência
de iniciativas renovadoras, com enfoques alternativos, nas décadas
subsequentes. [...] A população homossexual tem recebido um tratamento
midiático que varia entre os discursos abertamente negativos e os
discursos que privilegiam a informação comprometida com os valores
da democracia, da cidadania, dos direitos humanos, do dinamismo e da
pluralidade política e cultural próprios à vida urbana das modernas
sociedades ocidentais.39

Tal consideração é fulcral porque o discurso de Veja, em nossa pesquisa, não


é homofóbico, não dá guarida à discriminação e constitui sentidos positivos quanto à
homossexualidade e à vivência homossexual (dos jovens principalmente), como
veremos no capítulo 3 e nas considerações finais deste trabalho. Entretanto, esta
filiação não explica, no todo, a composição ideológica em que se ancora a revista
nos seus discursos aqui analisados. O silêncio (constitutivo do discurso40, mas
também marcação discursiva do não dito), os enfoques privilegiados, os
deslizamentos de sentidos, as reiterações de certas significações vão demonstrar
“menos opacamente” o lugar de enunciação de Veja dentro do campo jornalístico de
uma sociedade democrática, liberal e capitalista. Tais considerações serão
retomadas e aprofundadas em nosso percurso analítico.

38
Podemos citar: com enfoque geral: SOARES, Rosana Lima. Imagens veladas: Aids, imprensa e
linguagem. São Paulo: Anablume, 2001; tendo a mulher como foco central: GOLDSTEIN, Donna. O
lugar da mulher no discurso sobre Aids no Brasil. In: GALVÃO, Jane; PARKER, Richard (Org.).
Quebrando o silêncio: mulheres e Aids no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996;
39
BARROSO, 2008, p.4-5, grifo nosso.
40
Orlandi tem uma obra em que aborda a questão do silêncio (As formas do silêncio), mas para
nosso trabalho queremos apenas pontuar que “há sempre no dizer um não dizer necessário. Quando
se diz “x”, o não dito “y” permanece como uma relação de sentido que informa o sentido de “x”.”
(ORLANDI, 2005, p.82)
29

Ancorando-se em Trevisan, Barroso vai assinalar que a relação entre a mídia


e os homossexuais deve ser vista à luz da atuação que o movimento LGBT vem
produzindo para pensar o movimento enquanto “massivo” e passível de ser
repassado às “massas”. Especificamente sobre as revistas semanais brasileiras,
Barroso destaca que “a revista Veja, por exemplo, trouxe o tema como matéria de
capa em edições de maio de 1993, fevereiro de 2000 e junho de 2003. Também a
Época trouxe o tema na capa de sua edição de setembro de 1999”.41 Também o fez
a revista Superinteressante (mensal) em julho de 2004, com uma das matérias mais
comentadas, até hoje, sobre os direitos dos homossexuais no país – a capa trazia
um casal de mulheres vestidas de noivas e o título casamento gay. Não poderíamos
deixar de destacar também a capa da edição de 12 de maio de 2010 de Veja (Ser
jovem e gay: a vida sem dramas), cuja matéria especial faz parte de nosso corpus. É
com estas questões em mente que gostaríamos de tecer algumas considerações
sobre o movimento LGBT como parte integrante desta pesquisa (ainda que
silenciada discursivamente, como ver-se-á).

1.4 Não há motivo para viver em guetos.42

Como as palavras, também o silêncio não é transparente.43 Começamos esta


seção com a colocação feita pela professora Eni Orlandi a propósito do silêncio. A
escolha é claramente intencionada: aos recortes que temos feito até aqui, o leitor
certamente interpôs outras tantas questões silenciadas ou por nossa escolha
consciente ou por nossa falta de propriedade intelectual para discorrer sobre tais
“ausências”. Tais interposições, por seu turno, estão intimamente conectadas com o
repertório intelectivo-cultural daquele que lê, e isso é enriquecedor para um debate
acerca de um trabalho acadêmico.44 Todo modo, começamos esta seção com essa
ideia em mente para falar do que não falaremos em profundidade, numa tentativa de
tornar o silêncio mais transparente, menos opaco: a abordagem, a conceituação e a
própria literatura sobre movimentos sociais é vastíssima. Há, inclusive, muitas
discussões sobre concepções de movimentos sociais, suas definições e taxonomias.
41
Ibid., p.5
42
Paráfrase de uma das sequências discursivas que analisaremos no capítulo 3.
43
ORLANDI, 1987, p.263.
44
A propósito, uma das epígrafes que a professora Christa Berger traz em sua tese de doutorado é
uma oportuna reflexão de Bourdieu. “Quanto mais a gente se expõe, mais possibilidade existe de tirar
proveito da discussão” (O poder simbólico, 1998, p.18).
30

Nosso trabalho, naturamente, não tem este propósito muito menos envergadura
para tal. Nossas preocupações teóricas, inclusive, não são desta ordem. Por isso, no
que concerne às questões teóricas de base sobre movimentos sociais, utilizaremo-
nos de algumas reflexões de Maria da Glória Gohn (2003), de Regina Facchini
(2005) e de Castells (2006). Gohn é, sem dúvida, uma autora relevante dentro das
Ciências Sociais quanto a esta temática, e sua abordagem é condensadora,
principalmente àqueles que não são deste campo de pesquisa; Facchini estudou
especificamente o movimento homossexual do Brasil na década de 90, porquanto
seu trabalho é crucial para nós; por fim, Manuel Castells traz algumas questões
históricas importantes quanto ao surgimento do movimento LGBT moderno.
A concepção de movimento social que adotamos aqui constitui-se
essencialmente do que Gohn pontuou: são “ações sociais coletivas de caráter socio-
político e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e
expressar suas demandas”. (p.13). O enfoque que Castells (2006, p.20) dá à
questão é complementar e relevante: para ele, os movimentos sociais são “ações
coletivas com um determinado propósito cujo resultado, tanto em caso de sucesso
como de fracasso, transforma os valores e instituições da sociedade.” Posto isso, o
germe dos movimentos sociais não é novo, contemporâneo; ao contrário, é
antiquíssimo, pois seria “o pulsar da sociedade” (Alain Touraine) segundo Gohn. A
própria autora faz este resgate histórico das lutas sociais já a partir dos séculos XVI
e XVII no Brasil, com especial ênfase aos fatos e movimentos mais expressivos a
partir do século XIX.45 Nossa atenção aqui, entretanto, reside no século XX,
especialmente na década de 60 e em seus desdobramentos.
A história da emergência do que se chama modernamente movimento gay
está, de modo bastante consensual, associada ao levante (ou revolta) de Stonewall
em 1969 nos Estados Unidos46. Evidentemente, esse contexto refere-se ao
Ocidente, primordialmente nos países europeus e nos Estados Unidos. Por questões
de objetividade e foco, não entraremos em detalhes sobre a história do movimento
gay. Castells vai apontar que na década de 60 havia um ambiente propício para a
emergência dos movimentos de contestação lésbico e gay; esses fatores, dentre
vários outros, seriam o momento de intenso questionamento sobre a liberdade

45
Ver: GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania
dos brasileiros. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
46
Há vastíssima literatura histórica sobre este momento fundante do movimento gay moderno. Uma
narrativa concisa e detalhada está em Castells (2006, p.248-256).
31

sexual (no ambiente de maio de 1968 na França, por exemplo) e dos impactos do
feminismo sobre as noções de mulher e feminino – o que, evidentemente, impactava
nas noções de homem e masculino. Há um aspecto importante que Castells levanta
acerca da sociabilidade gay e sua relação com as grandes cidades (metrópoles) e
que vai aparecer de modo profundo no trabalho do filósofo francês Didier Eribon47.
Um ativista norte-americano, em entrevista a Castells (2006, p.248-249), esclarece a
questão: “quando os gays estão dispersos, não são gays porque são invisíveis”.
Reflete o autor:

São dois os motivos para essa concentração geográfica no estágio inicial da


cultura gay: conseguir visibilidade e proteção. [...] O ato fundamental de
liberação para os gays foi, e é, “aparecer”, expressar publicamente sua
identidade e sexualidade para em seguida ressocializarem-se. Mas, como é
possível alguém ser abertamente gay no meio de uma sociedade hostil e
violenta, cada vez mais insegura a respeito dos valores fundamentais da
virilidade e do patriarcalismo? [...] Para poderem se expressar, os gays
sempre se juntaram – nos tempos modernos em bares e lugares social e
culturamente marcados. Quando se conscientizaram e sentiram-se
suficientemente fortes para “assumirem” coletivamente, passaram a
escolher lugares onde se sentiam seguros e podiam inventar novas vidas
48
para si próprios.

Didier Eribon (2008) dedica um capítulo especificamente a esta questão em


sua obra: o capítulo A fuga para a cidade traz uma série de reflexões sobre esta
relação quase intrínseca entre “os modos de vida gay” e a cidade (o urbano). Como
coloca o autor, “a cidade é um mundo de estranhos. O que permite preservar o
anonimato e, portanto, a liberdade, no lugar das pressões sufocantes das redes de
entreconhecimento que caracterizam a vida nas cidades pequenas [...]”. (p.34)
Talvez isto explique por que, sob a influência do movimento gay norte-americano,
surja na megalópole São Paulo, em 1978, aquele que é considerado o primeiro
grupo gay do país, o Somos.

47
Referimo-nos à obra Reflexões sobre a questão gay.
48
Loc. cit., grifos nossos. Esta passagem é esclarecedora e a selecionamos por duas razões: uma
acadêmica, outra pessoal. O que encontramos na análise de nosso corpus foi uma forte construção
de sentidos que se opõe à ideia de “identidade sexual coletiva” por meio de, entre outros recursos,
sua associação à ideia de gueto. Uma abordagem claramente preconceituosa e limitada. A segunda
razão, de ordem pessoal, decorre dessa primeira: boa parte das críticas atuais às Paradas do
Orgulho Gay e aos locais identificados como “boates gays” assentam-se nesta miopia histórica e
sociológica de que uma hostilidade culturamente construída ao longo de séculos em relação à
homossexualidade está na base desta necessidade (primária) de fortalecimento em “áreas liberadas”.
Nosso longo incômodo pessoal com estas abordagens fica menos latente diante da análise
apropriada que Castells fornece à questão.
32

É a partir do Somos, portanto, que surgem outros grupos pelo país, chegando
a um número que hoje é praticamente desconhecido.49 De um ponto de vista
sintetizador, diríamos que o trabalho que o movimento LGBT moderno procura
desenvolver está na contínua construção (negociada muitas vezes, como é o caso
da relação com o campo midiático) de “representações simbólicas afirmativas por
meio de discursos e práticas. [...] Ao realizarem estas ações, projetam em seus
participantes sentimentos de pertencimento social”. (GOHN, 2003, p.15). Neste
contexto, é relevante compreender como se opera a noção de campo num quadro
que se configura, por um lado, pela presença de uma série de atores (grupos,
militantes, associações, redes50) da sociedade civil em busca de negociação e
estabilização de sentidos e, por outro, pelos atores do campo jornalístico (jornalistas,
veículos, editores, empresários), que mediam e negociam estas estratégias
advocatícias.51

1.5 Campos em confronto?52

Proceder a uma tentativa de extrair e sintetizar, para este trabalho, a noção


de campo, tal como formulada por Bourdieu, é uma tarefa complexa.
Essencialmente porque mobiliza uma série de outros conceitos e de um plano
contextual bastante complexo. Tentaremos, portanto, simplificar na medida do
possível àquilo que nos é mais pertinente. O contexto em que se desenvolve
fertilmente a sociologia de Bourdieu também tem a ver com as críticas ao
estruturalismo que estão na base da Análise de Discurso (falaremos disso no
capítulo 2), mas há uma série de questões próprias do campo sociológico nas quais

49
Um referencial interessante é o número de afiliadas à ABLGT: 237 organizações nacionais. Dados
consultados em: 22 nov. 2010
50
Como as questões são muitas, gostaríamos de indicar aqui a literatura que enfoca os movimentos
sociais a partir da estruturação em redes. Além de GOHN (2003), especificamente SCHERER-
WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1983. Como a atuação do
movimento LGBT hoje se dá cada vez mais por redes também internacionais (a própria ABGLT tem
status consultivo em organismos da ONU), há uma breve discussão sobre o movimento LGBT e as
relações internacionais em: PASSAMANI, Guilherme R. O arco-íris (des)coberto. Santa Maria: Ed. da
UFSM, 2009 (especificamente a seção 2.5 do capítulo II).
51
Remissiva ao conceito de advocacy. Abordá-lo-emos na seção seguinte.
52
Tomamos emprestado o título da tese da professora Christa Berger (Campos em confronto: a terra
e o texto).
33

o filósofo vai se deter53. Aqui cumpre destacar que é do trabalho reflexivo de


Bourdieu acerca da mediação entre o agente social e sociedade que vão frutificar as
ideias de habitus e campo. É particularmente esta segunda que nos interessa, já
com sua inscrição do habitus.

A prática [do agente social] pode, assim, ser definida como “produto da
relação dialética entre uma situação e um habitus”, isto é, o habitus
enquanto sistema de disposições duráveis é matriz de percepção, de
apreciação e de ação, que se realiza em determinadas condições sociais.
[...] A adequação entre o habitus e essa situação permite, desta maneira,
fundar uma teoria da prática que leve em consideração tanto as
necessidades dos agentes quanto a objetividade da sociedade. Bourdieu
denomina “campo” esse espaço onde as posições dos agentes se
encontram a priori fixadas. O campo se define como o locus onde se trava
uma luta concorrencial entre os atores em torno de interesses específicos
que caracterizam a área em questão. (ORTIZ, 1983, p.19)

Já havíamos realizado uma primeira conceituação de campo na introdução


deste capítulo, realçando seu caráter de relativa autonomia e a inscrição de um
capital que mobiliza os atores daquele campo. Assim, retomamos Berger (1998,
p.22), para quem “o território de um Campo constitui-se a partir da existência de um
capital e se organiza na medida em que seus componentes têm um interesse
irredutível e lutam por ele”. Traquina (2004, p.24) vai colocar isto em termos de um
enjeu (disputa, aquilo que está em jogo) pela notícia, “de uma luta na definição e
construção das notícias, em que um grupo profissional (os jornalistas) reivindica um
monopólio de saber, precisamente a definição e construção da notícia”. Berger
(p.22) exemplifica a noção de capital no campo: “o Capital do Campo Acadêmico,
por exemplo, é a titulação, e a luta que se trava na academia gira em torno do título,
que elevado a valor máximo confere autoridade a quem o possui”.
E como se pode pensar o capital do campo jornalístico? De que ordem é?
Como Berger ressalta, Bourdieu não empreendeu estudos específicos sobre o
campo jornalístico, mas a autora, nas pistas teóricas do sociólogo, propõe que ao
jornalismo compete o capital simbólico, “pois é da natureza do Jornalismo fazer crer.
O Capital do Campo do Jornalismo é, justamente, a credibilidade” (p.22).
Complementa afirmando que a “credibilidade tem a ver com persuasão, pois, no
diálogo com o leitor, valem os “efeitos de verdade”, que são cuidadosamente
construídos para servirem de comprovação [...]” (p.23). Precisamente neste ponto

53
Para a compreensão histórica e teórica do pensamento do filósofo, sugerimos a leitura da
Introdução de: ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu: sociologia. [org. da coletânea: Renato Ortiz]. São
Paulo: Ática, 1983.
34

queremos operar uma interveniência ao retomar o que indiciamos no começo deste


capítulo, ao falar do Manual de Comunicação LGBT, um texto de caráter normativo,
mas que se insere num “processo discursivo de intervenção” do campo
político/movimento LGBT em relação ao campo jornalístico. Logo na introdução do
Manual, podemos ler que “[...] nem sempre as abordagens da mídia são
politicamente corretas. É comum deparar-se com a utilização de termos, formas
de tratamento e expressões que reforçam preconceitos, estigma e discriminação”
(ABGLT, p.6, grifos nossos). Fica claro que o discurso é peça central da relação
entre a mídia, os movimentos sociais e as minorias em geral. Notadamente, as
formas de dizer, os sentidos expressos, a disputa entre o politicamente correto e
incorreto. Ou, como formulado por Berger (p.23): “a luta que é travada no interior do
Campo do Jornalismo gira em torno do ato de nomear, pois, nele, se encontra o
poder de incluir ou de excluir, de qualificar ou desqualificar, de legitimar ou não, de
dar voz, publicizar e tornar público”.
Gostaríamos de apor aqui uma consideração operativa importante: as
formulações até aqui feitas cotejando campo, capital, discurso, jornalismo e poder de
operar o simbólico devem ser tomadas como parte deste arcabouço teórico de
nosso trabalho, e não mormente como um gesto metodológico. A relação entre os
campos, naturalmente constituída ao pensarmos a homossexualidade (uma
“identidade” mobilizada politicamente no seio dos movimentos sociais) e o
jornalismo, é pensado por nós, para os limites deste trabalho, como um elemento
teórico constitutivo. Com isso, estamos enfatizando que uma série de questões que
aparecerão em nossa análise vão remeter a esta articulação (e.g.: o poder de
nomear ou não nomear, de visibilizar/legitimar ou silenciar, etc.), sem que a
estejamos propondo metodologicamente.
É tendo isto em mente que gostaríamos de pensar outras questões
importantes a partir disto. Ao inserirmos nosso problemática na seara discursiva,
estamos acenando para a o histórico, o ideológico, o imaginário que atravessam e
constituem o (campo do) jornalismo. Portanto, a disputa pelos sentidos a serem
“construídos” que se opera entre os atores do campo e destes em relação aos
atores de outros campos (aqui: os militantes gays, os acadêmicos, os políticos
alinhados com esta temática, etc.) deve ser pensada pelo social. Mais claramente,
essa disputa por sentidos simboliza a necessidade de abordar a mídia numa
perspectiva sociocêntrica (MOTTA, 2005, p.2), uma abordagem contra-hegemônica
35

que entende o jornalismo como “permeável às contradições sociais e às pressões da


sociedade civil, sujeito às inúmeras negociações”.
É produtivo analisar como um segmento ou grupo social utiliza
estrategicamente a mídia e identificar os confrontos de classe e frações de classe
para observar os avanços e recuos de cada grupo, as negociações, as alianças e as
concessões. Ao reformular a teoria do agenda-setting54 a partir da inclusão de uma
perspectiva de contra-agendamento (em que a sociedade também intenciona pautar
a mídia), Luiz Martins da Silva (2007) afirma que o advocacy (como agendamento
midiático) é conceito central dessa interveniência sobre a abordagem do agenda-
setting. Para o autor, advocacy deve ser compreendido como “um elemento
qualificador da ação do agendamento institucional (ou contra-agendamento), ou
seja, é a ação de lobby, sim, mas em favor de um tema institucionalizado ou em vias
de institucionalização” (p.88, grifos do original).
Estratégias de agendamento midiático de um tema ou causa social já foram
abordados por diversos pesquisadores brasileiros (mesmo que não como objetos
específicos de pesquisa), como no caso da relação do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra (MST) e o jornal Zero Hora por Berger (1998); e no caso
da relação do movimento ambientalista Greenpeace com a mídia por Crispim
(2003)55. O que importa ressaltar aqui é: o Manual de Comunicação LGBT também
denuncia esta intencionalidade de intervir no campo jornalístico, pois a sociedade
“também tem [...] as suas pautas e as deseja ver atendidas pela mídia”56; a
publicação demonstra isso ao trazer a definição de advocacy, aplicada ao
movimento LGBT, definida como “‘argumentar em defesa de uma causa ou alguém’.
No movimento LGBT, consiste em uma estratégia de ação para a conquista de
direitos e desenvolvimento de políticas públicas em diversas áreas relacionadas às
temáticas LGBT [...]” (ABGLT, 2010, p.5, grifo nosso).
Para agir sobre a realidade (discursiva, acrescemos), é preciso compreendê-
la a partir de suas formas de operar os significados, de produzir sentidos. O jurista
Daniel Borrilo, ao definir homofobia, afirma que esta é uma “construcción
ideológica consistente en la promoción de una forma de sexualidad (hetero) en
54
Simplificadamente, a teoria do agenda-setting refere-se à “capacidade dos veículos de
comunicação de massa em pautar para a sociedade os temas de debate e de boa parte das
interações do cotidiano (comentários, discussões).” (SILVA, 2007, p.86)
55
CRISPIM, Renata Borges. Greenpeace: a guerrilha midiática como estratégia. Universidade de
Brasília, 2003. [Dissertação de mestrado]
56
SILVA, 2007, p.85.
36

detrimento de otra (homo), la homofobia organiza una jerarquización de las


sexualidades y extrae de ella consecuencias políticas”.57 É precisamente a presença
do ideológico – mas como índice do extradiscursivo como um todo – que nos
possibilita pensar o discurso e suas filiações com o mundo social. Diz-nos Orlandi
(1987, p.26, grifo nosso) que “quando se diz algo, alguém o diz de algum lugar da
sociedade para outro alguém também de algum lugar da sociedade e isso faz parte
da significação”.
É precisamente sobre um modo (método) de entrar no discurso, sobre um
gesto interpretativo que trataremos a seguir.

57
“Construção ideológica constituída para a promoção de uma forma de sexualidade (hétero) em
detrimento de outra (homo), a homofobia organiza uma hierarquização das sexualidades e extrai dela
[da hierarquia] consequências políticas”. (BORRILLO, 2001, p.36, tradução nossa, grifo nosso)
37

CAPÍTULO 2
REVISITANDO A LINGUAGEM E SEUS AD-JUNTOS TEÓRICOS:
PENSANDO O DISCURSIVO58

Tanto aquele que escreve estas linhas como o leitor que as lê, são sujeitos
e, portanto, sujeitos ideológicos (formulação tautológica), ou seja, o autor e
o leitor destas linhas vivem “espontaneamente” ou “naturalmente” na
ideologia, no sentido em que dissemos que “o homem é por natureza um
animal ideológico”. (Louis Althusser)

O jornalismo é a realidade. Este é, sem dúvida, um dos cânones de nossa


profissão. Quanto mais próximos da linguagem, mais interposições vamos fazendo a
esta máxima: o jornalismo é uma construção da realidade. De toda sorte que,
quando estamos absortos pelas teorias do discurso, temos em mente que o
jornalismo é uma construção discursiva da realidade; é também uma interpretação
desta; e que o jornalismo é, enfim, uma prática discursiva que procura significar o
mundo, aos humanos, por meio da linguagem. A intenção de encerrar uma definição
do que seja jornalismo e, mais que isso, na sua relação com o discurso, é
pretensiosa. O que se pode fazer aqui é refletir sobre o discurso e sua envergadura
enquanto processo analítico – no que se chama de Análise de Discurso (AD) de
linha francesa59 – na relação que se estabelece com o jornalismo. Tal gesto assume
seus recortes e suas limitações, na tentativa de engendrar uma combinação de
conceitos e procedimentos que seja útil a este trabalho – tão somente, no limite do
razoável, a este, sem pretensões totalizantes.
A brincadeira que fazemos no título deste capítulo (AD-junto) antecipa
justamente a formulação (digamos “conjuntural”) da análise de discurso a partir de
uma série de questionamentos e abordagens sobre a linguagem. A análise de
discurso tem uma história que, por seu próprio corpo teórico, não pode jamais ser
ignorada, afinal, a discursividade é marcada pela historicidade. Portanto, este será
nosso passo inicial neste capítulo: articular algumas questões teóricas basilares da
AD francesa e, segundamente, explicitar (numa definição simples) os conceitos que

58
Adjunto: que está junto, perto ou ao lado; contíguo.
59
Do ponto de vista conjuntural, há a AD francesa e a denominada Análise de Discurso Crítica (ADC),
de inspiração sociolinguística. Uma discussão sobre interfaces e diferenciações entre as duas
correntes pode ser lida em: Uma proposta de interface entre dois domínios da análise de discurso: a
linha francesa e a sua relação com a teoria crítica do discurso (Luiz Felipe Rosado Murillo).
Disponível na seção “Artigos” em: <http://www.discurso.ufrgs.br/>. Acesso em: 23 nov. 2010.
38

mobilizamos para realizar este trabalho, tanto a partir daquilo que é essencial à
constituição teórico-metodológica da AD quanto daquilo que nossa análise foi
demonstrando ser relevante conceituar. Com isto estamos querendo salientar que
não trabalharemos aqui, em absoluto, todos os conceitos que se associam a esta
metodologia, afinal, ela tem sido objeto de análises, reformulações e avanços há
muitos anos no âmbito dos Programas de Pós-Graduação em Letras/Linguística e,
com a adequada interface, nos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
também. Portanto, a tarefa nesta pesquisa é a da construção de um dispositivo de
interpretação: assim, constituiremos nosso dispositivo analítico com base nas
especificidades do objeto e “a partir da questão que ele [o analista] coloca face aos
materiais de análise que constituem seu corpus e que ele visa compreender, em
função do domínio científico a que ele vincula seu trabalho”. (ORLANDI, 2005, p.62)

2.1 Notas sobre discurso, sujeito e ideologia

É preciso lembrar (e demarcar), de antemão, que a AD constitui-se como um


dispositivo teórico-metodológico, como Orlandi (2005, p.27) vai enfatizar diversas
vezes ao apontar para a permanente necessidade de observar a teoria e a ela
retornar durante o processo analítico. Isso tem, portanto, impacto na própria
construção do dispositivo analítico a despeito dos elementos-chave do percurso
metodológico da AD. As próprias contribuições de Michel Foucault, por exemplo, ao
estudo do discurso são muito mais teóricas do que metodológicas (no estrito sentido
de que não foram colocadas, pelo autor, num modelo de dispositivo analítico).
A Análise de Discurso tem como pano de fundo histórico a crítica ao
estruturalismo como modo de compreensão (e estruturação a partir da Linguística
como ciência-piloto60) de todas as ciências humanas. Confluem aqui uma série de
questões históricas e teóricas61 (a Guerra Fria, as greves de maio de 68, as críticas
ao estruturalismo saussuriano e a “reinserção” do marxismo e da ideologia para
pensar o linguístico) que vão servir de espaço profícuo à formulação da AD a partir
60
“O estruturalismo francês fez da linguística a ciência-piloto; os estruturalistas tentaram definir seus
métodos tendo como referência a linguística, tendo também transferido todo um conjunto de
conceitos linguísticos para quase todos os domínios das ciências humanas e ‘sociais’.” (GADET;
HAK, 1997, p.27)
61
Naturalmente, para os propósitos deste trabalho, estamos fazendo generalizações bastante
simples. Uma narrativa interessante sobre o entorno histórico e político do nascimento da AD
francesa pode ser lido aqui: <http://www.duplipensar.net/artigos/2007s1/notas-introdutorias-analise-
do-discurso-conjuntura-historica.html>. Acesso em: 23 nov. 2010.
39

da (re)articulação de três grandes “disciplinas”: a Linguística, o Marxismo e a


Psicanálise. De acordo com Orlandi (2005, p.19-20):

Para a Análise de Discurso: a. a língua tem sua ordem própria, mas só é


relativamente autônoma (distinguindo-se da Linguística, ela reintroduz a
noção de sujeito e de situação na análise da linguagem); b. a história tem
seu real afetado pelo simbólico (os fatos reclamam sentidos); c. o sujeito de
linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e também pelo
real da história, não tendo controle sobre o modo como elas o afetam. Isso
redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela
ideologia.

Vamos encontrar essa articulação formulada por Orlandi, já pensada em


relação ao jornalismo, também na reflexão que Mariani62 faz:

Na leitura crítica, não se considera a linguagem como um código


transparente e neutro, cujos sentidos estariam sendo continuamente
manipulados e transmitidos conforme os interesses de cada um. Se as
notícias publicadas trazem na sua constituição textual traços histórico-
sociais e isso faz parte dos processos de significação, é porque linguagem e
história se constituem mutuamente e os sentidos precisam ser pensados na
sua historicidade.

Portanto, a análise do discurso, em oposição ao estudo do texto como


material que transparece os sentidos, que revela uma verdade após ser analisado,
vai articular de modo muito particular a presença (materialidade discursiva63) do
histórico e do ideológico, das condições de produção de um dado discurso, das
posições “imaginadas” (cf. formações imaginárias que apresentamos na página 21)
que os interlocutores têm sobre si e sobre o que escrevem; também da relação
(constitutiva do discurso) de dado discurso com discursos outros que atravessam o
que é dito (interdiscursividade) e da relação, também necessária, entre os sujeitos,
afinal, esta é a própria concepção de discurso para Pêcheux de acordo com Orlandi
(ibid., p.21, grifo nosso): “as relações de linguagem são relações de sujeitos e de
sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Daí a definição de discurso: o
discurso é efeito de sentidos entre locutores”. Tal compreensão das relações
múltiplas que constituem o discurso pode ser expressa, grosso modo, pela noção de
dialogismo, formulada por Mikhail Bakhtin 64: “a alteridade define o ser humano, pois

62
MARIANI, 1999, p.106 apud BENETTI, 2007a, p.109 (grifos nossos).
63
“Todos os produtos da criação ideológica são objetos dotados de materialidade, isto é, são parte
concreta e totalmente objetiva da realidade prática dos seres humanos (não se podendo estudá-los,
portanto, desconectados dessa realidade)”. (FARACO, 2009, p.48)
64
Bakhtin e outros autores russos (o denominado Círculo de Bakhtin) produziram, em meados da
década de 20, uma série de discussões e conceitos que são apontados como basilares na AD
francesa de hoje. Dada a quantidade de autores e reflexões sobre nosso campo metodológico, não
nos deteremos às abordagens específicas deste autor, valendo-nos, quando for o caso, dos que
40

o outro é imprescindível para sua concepção: é impossível pensar no homem fora


das relações que o ligam ao outro [...]. Em síntese, diz o autor, ‘a vida é dialógica por
natureza’.” (BRAIT, 2005, p.28).
Assim, a análise discursiva nos permite vislumbrar que conflitos estão
permeando e atravessando as esferas sociais por meio da análise do texto (que
materializa essa relação com o histórico). Pensar discursivamente é perceber – e
assumir – que o (não) dito é um espaço de inscrição do sujeito e das ideologias, ou
seja, que as escolhas das palavras, o emprego delas de determinada forma e
mesmo a disposição delas (diagramação, portanto) são resultado, consciente e
inconsciente, da ação de sujeitos “encharcados” de ideologias, fruto das interações
entre as esferas sociais (os campos) e das idiossincrasias do lugar de fala65 dos
indivíduos dentro de uma determinada conjuntura. Sinteticamente, estas articulações
podem ser expressas nestes termos: “não há discurso sem sujeito e não há sujeito
sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a
língua faz sentido”; (ORLANDI, 2005, p.17). Todo esse processo se dá a partir da
materialidade discursiva – o texto objeto do analista.
A respeito da relação texto-discurso e, principalmente, do trabalho do analista,
Orlandi (2007, p.60-61) esclarece:

A AD está assim interessada no texto não como objeto final de sua


explicação, mas como unidade que lhe permite ter acesso ao discurso. O
trabalho do analista é percorrer a via pela qual a ordem do discurso se
materializa na estruturação do texto. O texto, dissemos inúmeras vezes, é a
unidade de análise afetada pelas condições de produção. O texto é, para o
analista de discurso, o lugar da relação com a representação física da
linguagem: onde ela é som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho.
É o material bruto. Mas é também espaço significante.

2.1.1 É difícil de definir o que ela é66

Temos trabalhado aqui com a noção de ideologia, então cabem algumas


considerações sobre este conceito que é caríssimo à AD. A pequena reflexão de

sobre ele escreveram. Sua abordagem da linguagem é também de orientação marxista, sendo sua
obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929) uma das mais conhecidas.
65
Esta ideia refere-se à noção de posição de sujeito que se articula, então, com a noção de
Formação Discursiva. Voltaremos a isto.
66
Paráfrase que fazemos aqui de uma das sequências discursivas que analisamos no capítulo 3:
“Ícone desses meninos e meninas, a cantora americana Lady Gaga os fascina justamente por ser
‘difícil de definir o que ela é’.”
41

Althusser que trazemos na abertura do capítulo é significativa: este autor


influenciou67 profundamente a concepção de discurso de Michel Pêcheux, já que
este a colocou na sua relação com o sujeito e o sentido, conforme destacamos mais
acima com Orlandi. Não obstante, a palavra ideologia carrega hoje um peso
negativo68, muito por reflexo do nosso tempo, como nos esclarecem Benetti e Jacks
(2001, p.282): “sabemos que o refluxo do marxismo marginalizou o conceito de
ideologia. Faz parte da estética pós-moderna configurar um mundo sem ideologias,
“naturalizando” os fenômenos, as visões sobre as coisas e as atitudes do homem”.
Para tentar abordá-la então, vamos observar como é assimilado pelos diversos
autores que temos trabalhado até aqui. Cremos que, desta maneira, daremos conta
parcialmente da tarefa.
Althusser inscreve sua definição de ideologia dentro de um trabalho maior:
avançar a teoria marxista em relação aos Aparelhos de Estado (AE) concebendo
uma série de Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). Nesta abordagem, o autor
discorre sobre a relação entre repressão e ideologia, tentando depurar a
especificadade do ideológico frente à repressão per se (física em geral).69 Assim,
temos que a ideologia como uma “‘representação’ da relação imaginária dos
indivíduos com suas condições reais de existência” (ALTHUSSER, 1985, p.85). Sua
inscrição na AD torna-a mais clara: “o fato de que não há sentido sem interpretação,
atesta a presença da ideologia” (p.45); além disso, “as palavras não estão ligadas às
coisas diretamente, nem são o reflexo de uma evidência. É a ideologia que torna

67
Para uma breve discussão sobre a noção de ideologia althusseriana em relação a Pêcheux, vide
este artigo: <http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao05/artigoic_ed05_bombon.php>. Acesso
em: 23 nov. 2010
68
Como Orlandi esclarece, por muito tempo e em certas searas científicas viu-se a ideologia como
ocultamento, a verdade omitida, o verdadeiro sentido escondido. Segundo a autora, “o processo
ideológico não se liga à falta, mas ao excesso. A ideologia representa a saturação, o efeito de
completude que, por sua vez, produz o efeito de “evidência”, sustentando-se sobre o já dito, os
sentidos institucionalizados, admitidos por todos como “naturais”. Pela ideologia há transposição de
certas formas materiais em outras, isto é, há simulação. Assim, na ideologia não há ocultação de
sentidos (conteúdos), mas apagamento de seu processo de constituição” (ORLANDI, 2007, p.66).
69
Toda esta discussão vai avançar enormemente com uma série de autores que, embora não
especificamente em relação a Althusser, contribuíram para esta abordagem: Foucault quando pensa
os espaços do hospital (clínica), do hospício e da escola, tematizando a doença, a loucura, a infância,
a sexualidade, etc. Bourdieu traz uma contribuição fundamental quando reflete sobre a violência
simbólica, pois consegue colocar a relação entre submissão (poder simbólico) e coerção.
Evidentemente, aprofundamentos que expandem a abordagem para além do escopo marxista da luta
de classes ocorreram, como se pode ver na abordagem sobre as identidades feita por Stuart Hall e
mesmo nos estudos culturais (latino-americanos) que vão relativizar a ideia de que (sentidos
produzidos por) uma ideologia dominante simplesmente age(m) sobre os “consumidores”
(especificamente sobre a comunicação neste caso).
42

possível a relação palavra/coisa” (p.95)70. Parece-nos apropriado aqui, para clarificar


um pouco mais a discussão, observar como este conceito era entendido pelo Círculo
de Bakhtin: “a palavra ideologia é usada, em geral, para designar o universo dos
produtos do ‘espírito’ humano, aquilo que algumas vezes é chamado por outros
autores de cultura imaterial ou produção espiritual [...]”.71
Quando Orlandi atesta que a o sentido não está dado, de que o sentido não
ocorre sem interpretação, marca o caráter axiológico (valorativo) do discurso. Ainda
segundo Faraco (p.47, grifos do original):

A significação dos enunciados tem sempre uma dimensão avaliativa,


expressa sempre um posicionamento social valorativo. Desse modo,
qualquer enunciado é, na concepção do Círculo, sempre ideológico – para
eles, não existe enunciado não ideológico.

É desta maneira, então, que não podemos apartar nossa análise do mundo
social, daquilo que é a exterioridade textual, concebendo que esta exteroridade (a
cultura, o social, o ideológico, o imaginário) é parte constituinte dos sentidos que se
materializam no discurso que analisamos. Ao pensar, portanto, a homossexualidade
e os homossexuais no processo discursivo de Veja, temos que ter em mente todas
aquelas considerações teóricas que fizemos no capítulo 1. Noutro sentido, temos
que entender que importância há em pensar o sexual em relação à identificação
social coletiva, ao político, à discrição social – porque temos consciência teórica de
que a sexualidade é parte da narrativa do indivíduo moderno (como dissemos na
Introdução, a sociedade ocidental “elegeu as questões afetas à intimidade, à vida
privada e à sexualidade como centro da reflexão sobre a construção da pessoa
moderna.”72) e, mais que isso, de que a sexualidade (a homossexualidades em
particular) está revestida de um “tabu do objeto” como interdição no plano
discursivo.73
Assim que vamos chegar a formulação de Althusser (1985, p.86, grifo do
autor) sobre a relação ideologia-sujeito: “toda ideologia interpela os indivíduos
concretos enquanto sujeitos concretos”. O autor ainda vai pontuar que os sujeitos,

70
ORLANDI, 2005.
71
FARACO, 2009, p.46, grifos do original.
72
HEILBORN, 1999, p.8.
73
Segundo a colocação de Foucault (2007, p.9-10): “notaria apenas que, em nossos dias, as regiões
onde a grade é mais cerrada, onde os buracos negros se multiplicam, são as regiões da sexualidade
e as da política: como se o discurso, longe de ser esse elemento transparente ou neutro no qual a
sexualidade se desarma e a política se pacifica, fosse um dos lugares onde elas exercem, de modo
privilegiado, alguns de seus mais temíveis poderes.
43

então, existem desde sempre, mesmo antes do nascimento. É neste ponto que a
articulação de Benetti e Jacks (2001, p.282, grifos do original) nos parecem claras:

Tornamo-nos sujeitos no processo em que somos praticamente obrigados a


nos posicionar desta ou daquela maneira, escolhendo estas e não aquelas
palavras, usando este tom em vez daquele. O sujeito vai então se
posicionar ocupando um lugar determinado, o lugar de onde fala. Essa
interpelação [de que fala Althusser] é marcada, como lembra Mikhail
Bakhtin, pelo horizonte social de uma época e de um grupo. Por isso às
vezes podemos dizer uma coisa em um lugar, para uma pessoa, e não
podemos dizer a mesma coisa em outro lugar, para outra. Porque sob uma
determinada configuração ideológica, que diz respeito ao lugar que
ocupamos e ao papel que representamos, nos é permitido dizer isto, mas
não aquilo.

Uma pergunta que nos parece latente, então, diante do que falam as autoras,
é se Veja poderia falar sobre a homossexualidade de outro modo para seus leitores
ocupando o papel que ocupa e estando dentro de determinado campo ideológico?
Cremos que não, e é sobre isso que tentamos produzir um “gesto interpretativo”
(ORLANDI, 2007, p.84) em nossa análise.
Outra questão que tem se colocado até aqui é a noção de sujeito operada
dentro da AD. Seu estatuto enquanto categoria importante da análise discursiva é
tributário dos trabalhos de Foucault, notadamente da obra A Arqueologia do Saber.
Numa entrevista que está na obra Microfísica do Poder, Foucault já se posiciona
bem claramente sobre a questão do sujeito em seus trabalhos. Questionado sobre
sua abordagem genealógica, o autor responde que “é preciso se livrar do sujeito
constituinte, livrar−se do próprio sujeito, isto é, chegar a uma análise que possa dar
conta da constituição do sujeito na trama histórica.”74 Nas palavras de Revel (2005,
p.84), “trata-se, portanto, de pensar o sujeito como um objeto historicamente
constituído sobre a base de determinações que lhe são exteriores”. Para a AD,
então, ancorando-se na noção foucaultiana de dispersão do sujeito75, o indivíduo
ocupa posições de sujeito quando fala.

Esse sujeito disperso fala por meio do que Foucault circunscreveu como
formações discursivas. Uma formação discursiva é comumente definida
como aquilo que pode e deve ser dito, em oposição ao que não pode e não
deve ser dito. [...] Para “agarrar” uma formação discursiva, tarefa sempre

74
FOUCAULT, 1979, p.7.
75
Nos dizeres de Benetti e Jacks (ibid., p.281): “indivíduo e sujeito não são a mesma coisa. Um
indivíduo se fragmenta em muitos sujeitos, e é o sujeito que fala  e fala de um lugar determinado. O
mesmo indivíduo é cindido em diversos sujeitos, que se formam no interior do processo discursivo e
que podem se movimentar de acordo com a maré. [...] Não temos consciência, pelo menos não na
maioria das vezes, de que nos colocamos como sujeitos diferentes em nossos discursos. Essa
mobilidade constante, própria do discurso, é caracterizada por Foucault como dispersão.”
44

difícil, o analista de discurso precisa trabalhar com certas regras de


formação, ou seja, com aquelas regras que definem como um mesmo
76
sentido é construído ao longo de enunciados distintos.

É, enfim, nessa intrincada miríade de conceitos, que se associam, derivam-se


uns de outros e que se complementam para dar corpo à AD que se inscreve nosso
trabalho. Naturalmente, reiteramos, aqui se apresentou uma extração limitada de
todo o escopo teórico-metodológico da AD. Cremos que no processo analítico, a
remissão a estes conceitos, a clarificação de outros e as relações que estabelecem
com o real da história é que tornarão mais claro o percurso que engendramos.
Assim, passamos agora, na seção que segue, a pontuar alguns conceitos de modo
mais operacional, para que se torne mais clara a aplicação pragmática desta
metodologia.

2.2 Por uma análise sui generis do discurso

Este nosso título é, ao mesmo tempo, uma provocação e um entendimento.


Antes de tudo, parafraseia a obra seminal de Pêcheux (Por uma análise automática
do discurso, 1969). É uma provocação porque o escopo teórico da AD trabalha em
cima da noção dos esquecimentos (Pêcheux) que se operam no processo
discursivo: assim, ao afirmar que a análise que fazemos aqui é a “única do gênero”,
estamos operando na língua por meio da ilusão discursiva77. Ao mesmo tempo, é um
entendimento porque a mobilização conceitual que fazemos, assim como o arranjo
metodológico que operamos aqui, tem sua especificidade, já que um objeto de
pesquisa outro, por mais próximo que fosse, mobilizaria outras questões e,
possivelmente, um arranjo diferente. Todo modo, nosso objetivo aqui é passar em
revista, de modo bastante sintético, alguns conceitos de AD que são necessários à
montagem de nosso dispositivo de análise e à realização de seus procedimentos.

2.2.1 Formação Discursiva: de Foucault a Pêcheux

76
Id., p.282
77
Abordaremos os dos níveis de esquecimento formulados por Pêcheux acerca da ilusão discursiva
adiante. Por ora, enfatizamos o que nos diz Orlandi (2005, p.35): “quando nascemos os discursos já
estão em processo e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não
significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam. Mas não
somos o início delas”.
45

Já apresentamos mais acima a definição de Formação Discursiva (FD) tal


como ela foi concebida por Foucault. Entretanto, é na reconfiguração que Pêcheux
dá a ela que se estabelece o uso corrente78 do conceito em AD. As seguintes
passagens são esclarecedoras da formulação que Pêcheux dá à questão, além de
abordar também a Formação Ideológica (FI), sem a qual a noção de FD fica
incompleta.

As palavras, expressões, proposições, etc. Mudam de sentido segundo as


posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que
elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em
referência às formações ideológicas [...] nas quais essas posições se
inscrevem.

Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa formação


ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada,
determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode e deve
ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um
panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.).

Se uma mesma palavra, uma mesma expressão e uma mesma proposição


podem receber sentidos diferentes – todos igualmente “evidentes” –
conforme se refiram a esta ou aquela formação discursiva, é porque –
vamos repetir – uma palavra, uma expressão ou uma proposição não tem
um sentido que lhe seria “próprio”, vinculado a sua literalidade. Ao contrário,
seu sentido se constitui em cada formação discursiva, nas relações que tais
79
palavras [...] mantêm com outras [...] da mesma formação discursiva.

Assim, parece-nos bastante claro como se processa toda esta articulação na


passagem do textual para o discursivo (processo discursivo80) e, então, deste para a
perscrutação da exterioridade – do ideológico. Aspectos operacionais importantes
da análise discursiva nos são fornecidos por Benetti (2007a, p.112). Assim,
“começamos sempre a análise a partir do próprio texto, no movimento de
identificação das formações discursivas (FDs)” que são os sentidos nucleares
identificados no texto a partir da composição teórica que se fez na fase inicial da
pesquisa. Com base nisso, nos voltamos à camada menos tangível, que é a das
formações ideológicas que estão “atravessadas” (anterior e exteriormente) no

78
Baronas (2004) vai pôr em questão a tese de que a noção de formação discursiva tem
“paternidade” compartilhada, já que teria aparecido, não de modo definitivo, tanto em Pêcheux quanto
em Foucault em períodos quase idênticos e com formulações que engendram questões não
idênticas, mas complementares no que viria a ser a reformulação e o aprofundamento de Pêcheux.
Além disso, o autor coloca outras problemáticas associadas à FD nas pesquisas atuais, avançando
sua definição a partir de uma retomada à noção de dialogia bakhtiniana. Nossa intenção não é a de
produzir uma discussão teórica de tal monta aqui.
79
PÊCHEUX, 1995, p.160-161.
80
Para Pêcheux (loc. cit.), processo discurso é “o sistema de relações de substituição, paráfrases,
sinonímias, etc., que funcionam entre elementos linguísticos – “significantes” – em uma formação
discursiva dada”.
46

discurso. O procedimento suscita, então, a busca pelo interdiscursivo, pelo


intersubjetivo, ou seja, pelos outros discursos que permeiam (pelas formas do dizer,
pelo não dito, etc.) e ajudam a conformar aquele discurso que se analisa. “Importa
compreender que existe uma exterioridade que não apenas repercute no texto, mas
que de fato o constitui e não pode ser dele apartada.” (p.111) e “o discurso é fruto do
trabalho de interação entre sujeitos.” (p.116) Para nosso trabalho, a noção de
intersubjetividade é menos central, ainda que constitutiva do discurso, pois nossa
problemática está centrada nos sentidos construídos sobre a homossexualidade,
que vão nos direcionar a pensar mais detidamente sobre que outros discursos e
saberes estão presentificados/evocados naquele discurso (ou seja, a memória
discursiva81), constituindo-o mesmo que sem a consciência expressa do autor82.
O refinamento que Pêcheux opera na noção de FD traz também outras
contribuições, como a dos esquecimentos que se operam no discurso por meio da
ilusão discursiva. Benetti e Jacks (2001, p.283) colocam estes avanços teórico-
metodológicos realizados por Pêcheux de modo claro:

A ilusão discursiva [...] abrange dois tipos de esquecimento [...]. No primeiro


tipo de esquecimento, o sujeito apaga a noção de não ser a fonte única e
original de seu pensamento. Cria a ilusão de que é o senhor de seu
discurso e de suas falas. [...] No segundo tipo de esquecimento, o sujeito
apaga a noção de que seu discurso nada mais é do que a escolha de
determinadas estratégias de expressão. É o chamado processo de
denegação. Escolho uma forma, em detrimento de outra. Dou lugar a um
dito, recusando um não dito. [...] O sujeito esquece que fez uma escolha,
mas poderia ter feito outra.

Assim, temos aqui uma articulação conceitual que está montada como um
organograma, em que um princípio é caro ao outro, em que o sujeito é interpelado
pela ideologia, e esta (e ele) acontecem na linguagem; e que ela, pela sua
materialidade, nos permite ter acesso aos sentidos, ao processo discurso, que, por
sua vez, nos possibilidade encontrar as regularidades, as dispersões, as posições
de sujeito, a metáfora, a paráfrase, enfim, constituir o gesto interpretativo.

81
Segundo Orlandi (2005, p.31), memória discursiva é “o saber discursivo que torna possível todo
dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando
cada tomada de palavra”.
82
Entenda-se autoria aqui em sentido leigo: aquele que escreve, fala ou produz o texto. Não
entraremos nas discussões sobre autoria, enunciador e locutor neste trabalho.
47

CAPÍTULO 3
REVISTANDO SENTIDOS SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE

Todo mundo tem uma vida sexual e, como se sabe, ela pertence à esfera
privada de cada um. Mas, a rigor, é discutível se os homossexuais podem
exercer esse direito. A discriminação que sofrem torna sua vida sexual um
tema político, pois envolve seus direitos no convívio com a maioria dos
cidadãos, heterossexuais, que, como lembra o Ibope, nem sempre ficam à
vontade com seu comportamento e mesmo sua simples presença. (Veja,
12 de maio de 1993)

Exatos 17 anos separam o trecho acima de uma reportagem de Veja que


compõe nosso corpus de pesquisa. Esta reportagem, inclusive, é responsável por
mais de 50% de nosso arquivo. Sua singularidade a esta pesquisa será
oportunamente destacada, mas a coincidência da data e o achado deste trecho
destacado são simbolicamente importantes para nós. Isto ficará claro no decorrer da
análise.
Neste capítulo vamos analisar os 15 textos que coletamos para esta
pesquisa. Todos eles, como nosso recorte explicitou no capítulo 1, são do ano de
2010. Como primeiro mecanismo, utilizamos o sistema de pesquisa do Acervo Digital
da publicação. Foram feitas pesquisas com as seguintes palavras-chave: gay,
homossexual, homossexualidade, homossexualismo, LGBT e GLS. Nem todas
retornaram resultados dentro de nosso recorte temporal. Do conjunto de resultados,
descartamos 17 materiais após a leitura destes. Nenhum tinha a homossexualidade
como temática expressiva, já que a mera referência vocabular83 não nos garantia um
texto relevante à temática de pesquisa. Estes materiais descartados eram (a) notas
que remetiam a conteúdos no site da revista; (b) frases soltas da seção Veja Essa;
(c) palavras isoladas num texto sem constituição de sentidos relevantes à pesquisa;
(d) e, por fim, o caso de uma pergunta isolada numa entrevista, sem que a temática
fosse pertinente à nossa problemática. Tais questões, inclusive, foram levantadas
por nós em artigo ainda não publicado84.

83
Como já referimos, a literalidade do sentido de uma palavra é ilusória. Só há sentido na relação
com o histórico, com o ideológico, com o sujeito interpelado.
84
Ao pensar a tensão entre os campos político e jornalístico, a disputa por mudanças na
representação de uma minoria no campo jornalístico obviamente transcende o uso das terminologias.
Foi isto que conseguimos constatar na análise de duas reportagens de Veja, distantes 17 anos, que
fizemos neste artigo ainda não publicado. Como se vê, constata-se o mesmo aqui: a palavra, per se,
não constitui sentido.
48

Nosso corpus, então, constituiu-se de outros 15 materiais que tinham a


homossexualidade e/ou os homossexuais como tema central ou como tema
periférico, mas relevante para a constituição semântica do texto – ou seja, sua
abordagem dava sentido ao texto/enfoque, caso contrário, ficaria incompleto. Nossa
problemática de pesquisa é analisar como se dá discursivamente a constituição dos
sentidos sobre as homossexualidades e os homossexuais em Veja. Partindo disto,
fizemos as primeiras leituras destes materiais no mapeamento de sentidos que
dissessem respeito a nosso problema de pesquisa. O resultado foram 193
sequências discursivas85 selecionadas. Passaremos a nos referir a elas como
arquivo86. O conceito de arquivo é o que faz com que “as coisas ditas [...] se
agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras segundo relações
múltiplas, se mantenham ou se esfumem segundo regularidades específicas [...]”
(FOUCAULT, 1997, p.149). Esta conceito é importante para nosso trabalho porque
vai refletir, em boa medida, o esquema de produção de sentidos que encontramos
em nosso arquivo: uma composição de sentidos que se entrecruzam, embora não se
oponham evidentemente, mesmo estando em formações discursivas diferentes.

3.1 Caracterização do corpus

Antes de procedermos à análise em si, faremos uma breve caracterização


dos 15 materiais selecionados com os respectivos detalhamentos de suas
localizações e classificações adotadas. Como houve dificuldade de localizá-las todas
por meio de link na internet, optamos por incluir todo o corpus como anexo do
trabalho.

85
Referiremo-nos às sequências discursivas sempre pela sigla SD a partir de agora.
86
Para Pêcheux, segundo Orlandi (2007, p.95), o arquivo é “o campo de documentos pertinentes e
disponíveis sobre uma questão”. A autora complementa afirmando que “há gestos de leitura que
constroem o arquivo, que dão acesso aos documentos e que dão o modo de apreendê-los nas
práticas silenciosas da leitura “espontânea””.
49

QUADRO 1 – CORPUS DA PESQUISA


Texto Nº Página Data Classificação Detalhamento
Seção Panorama (Datas):
06 de informa sobre a realização do 1º
T1 30 Nota casamento gay da América
janeiro
Latina, na Argentina.
Seção Artes e Espetáculos
06 de (Livros): informa sobre o
T2 96-97 Reportagem lançamento de dois livros inéditos
janeiro
do escritor francês André Gide.
Seção Panorama (SobeDesce):
informa sobre decisão da Justiça
17 de
T3 34 Nota a favor de pensão para o
fevereiro companheiro de um homossexual
falecido.
Seção Artes e Espetáculos
(Cinema): informa sobre o filme
10 de Direito de Amar, que conta a
T4 143 Reportagem história de um professor
março
homossexual que perde seu
amor na década de 60.
Seção Leitor: traz cartas dos
14 de leitores comentando o fato do
T5 42 Carta cantor Ricky Martin ter assumido-
abril
se homossexual.
Seção Carta ao Leitor: traz a
12 de opinião do veículo sobre matéria
T6 16 Editorial especial (capa) sobre ser jovem e
maio
gay no Brasil hoje.
Seção Panorama (Datas):
informa sobre o reconhecimento,
12 de pela Justiça americana, da
T7 64 Nota identidade feminina de Chaz
maio
Salvatore, nascido filho da
cantora Cher.
Seção Especial: matéria de capa
12 de
T8 106-114 Reportagem sobre ser jovem e gay no Brasil
maio de hoje.
Seção Leitor: traz cartas dos
19 de leitores comentando a
T9 40 Carta reportagem de capa sobre ser
maio
jovem e gay no Brasil de hoje.
Seção Panorama (Imagem da
Semana): informa sobre a
07 de
T10 49 Nota Longa possível homossexualidade da
julho futura juíza da Suprema Corte
dos EUA.
Seção Panorama (Datas):
07 de informa sobre o casamento da
T11 50 Nota primeira-ministra da Islândia com
julho
uma mulher.
Seção Internacional: informa
21 de
T12 80 Reportagem sobre a aprovação do casamento
julho gay na Argentina.
Seção Panorama (Datas):
09 de informa sobre a acusação a um
T13 49 Nota príncipe saudita por assassinato
outubro
de um possível amante.
50

Seção Internacional: informa


sobre a candidatura do
20 de conservador Carl Paladino ao
T14 128-129 Reportagem governo do estado de Nova
outubro
Iorque e seu discurso
homofóbico.
Seção Internacional: informa
sobre a condenação à prisão
27 de
T15 90 Reportagem perpétua de um príncipe saudita
outubro por assassinato do empregado e
suposto amante.

Adotamos a definição de nota e nota longa com base na seguinte questão: as


seções que Veja possui atualmente são muito diversificadas e, a nosso ver, boa
parte delas remetem aos sueltos87, expressão já em desuso no Brasil. Como aqui
não é nosso objetivo discutir esses gêneros, enquadramos as informações curtas e
breves, com tom satírico ou não, em notas ou notas longas (caso do T10, que tem
quase a extensão de uma reportagem). Já o enquadramento em Editorial diz
respeito ao que já esclarecemos na página 20 (nota de rodapé 20): a revista utiliza
hoje a expressão Carta ao Leitor para designar a seção opinitativa do veículo:
segundo Rabaça e Barbosa (ibid., p.175, grifos do original), o editorial é um “texto
jornalístico opinativo, escrito de maneira impessoal e publicada sem assinatura,
sobre os assuntos ou acontecimentos locais, nacionais ou internacionais de maior
relevância”. Além disso, “define e expressa o ponto de vista do veículo ou da
empresa responsável pela publicação (do jornal, revista, etc.) [...].” Por fim,
enquadramos como Carta(s) a seção em que os comentários dos leitores são
publicados.

3.2 A questão gay88 em Veja

Pensar a inscrição da homossexualidade e dos homossexuais em Veja,


evidentemente, já pressupõe todos os recortes que temos feito até aqui. Portanto, é
com este contexto já dado que trabalhamos o processo de interpretação dos
sentidos (do processo discursivo) que encontramos em nosso arquivo. Gostaríamos,
então, de adiantar uma conclusão que iremos reiterar diversas vezes ao longo deste

87
Suelto é um “breve texto jornalístico, composto por uma nota (informação rápida) seguida de
comentários e juízos de valor, de modo a se obter uma glosa do fato” (RABAÇA; BARBOSA, 1978,
p.440, grifo do original).
88
Trecho do título da obra do pesquisador francês Didier Eribon, Reflexões sobre a questão gay,
2008.
51

capítulo: a discursividade acerca dos gays em Veja é complexa, é múltipla de


sentidos, é entrecruzamento de significações. A construção de nossas Famílias
Parafrásticas e de nossas Formações Discursivas foi bastante trabalhosa, pois nos
vimos diante de um emaranhando – uma teia – de sentidos que retomam sentidos
outros já presentificados no texto, mas que deslizavam para outros, num processo
bem descrito por Orlandi (2005, p.53): “se o sentido e o sujeito poderiam ser os
mesmos, no entanto escorregam, derivam para outros sentidos, para outras
posições. A deriva, o deslize é o efeito metafórico, a transferência, a palavra que fala
com outras”.
É importante considerar, novamente, o jornalismo neste processo. Benetti
(2006, p.5) afirma que “o jornalismo lança mão de mapas culturais de significado que
existem na sociedade e ajuda a reforçá-los ou apagá-los, contribuindo para o
estabelecimento de “consensos” a respeito de valores e atitudes.” É na interseção
entre o que existe e o que pode ser apagado ou reforçado que se instauram as
disputas pelo sentido, essencialmente nesta relação que temos aqui entre uma
minoria e o campo jornalístico. O que move uma minoria é “o impulso da
transformação” (SODRÉ, 2005, p.1). Sodré explica que minoria é uma voz
qualitativa. Embora a palavra tenha um sentido de inferioridade quantitativa, a
democracia, por exemplo, refere-se ao governo das minorias porque somente num
processo democrático as minorias podem se fazer ouvir.

Minoria não é, portanto, uma fusão gregária mobilizadora, como a massa ou


a multidão ou ainda um grupo, mas principalmente um dispositivo simbólico
com uma intencionalidade ético-política dentro da luta contra-
hegemônica. Um partido político, um sindicato não se entendem como
minorias, ainda que sejam de oposição ao regime dominante, porque
ocupam um lugar na ordem jurídico-social instituída. (loc. cit.)

Tendo essas (e tantas outras) questões postas como pano de fundo para
nossa reflexão é que constituímos a análise a seguir. Buscando uma formulação
sintética do que se empreendeu nesta análise discursiva, podemos afirmar que Veja
constrói uma discursividade que toma a homossexualidade como algo natural e
positivo (bom), sendo sua aceitação [da homossexualidade] e plena vivência um
indicador de felicidade; ao mesmo tempo, toma a homossexualidade como um
atributo exclusivamente particular, negando e combatendo sua dimensão coletiva e
política, a sua produção de uma identidade sexual politizada.
52

O âmbito da sexualidade [...] tem sua própria política interna, iniqüidades e


modos de opressão. Como acontece com outros aspectos do
comportamento humano, as formas institucionais concretas da sexualidade
humana, num espaço e tempo determinados, são produto da atividade
humana. Elas estão repletas de conflitos de interesse e manobra política,
tanto de natureza proposital quanto circunstancial. Nesse sentido, o sexo é
sempre politizado. Há, porém, períodos históricos nos quais a sexualidade é
mais contestada e abertamente politizada. Nesses períodos, o domínio da
vida erótica é efetivamente re-negociado. (RUBIN, 1998, p.100 apud
ADELMAN, 2000, p.164)

Diante da complexidade de sentidos que encontramos em nossa pesquisa,


fomos rearticulando-os de tal maneira que chegamos àquilo que vamos denominar
teia semântica89. Esta expressão parece-nos apropriada para designar um
processo tal que entrecruza sentidos de paráfrases (nas famílias parafrásticas – FP)
diferentes na constituição das formações discursivas (FD) e mesmo de outra(s)
paráfrase(s). É o caso exemplar, por exemplo, da SD abaixo:

(SD 33) Isso leva a questão [a homossexualidade] para longe das piadas, das bandeiras,
das passeatas, das religiões, dos julgamentos morais e até das legislações, devolvendo-a
ao arbítrio de cada um na confecção da imensa teia de afeição e rejeição que define a
condição humana.

Intencionalmente, não destacamos nenhuma marca discursiva nesta SD 33


para podermos evidenciar a multiplicidade de sentidos que há nela: esta SD
aparecerá em mais de uma de nossas FPs porque reitera sentidos nucleares
presentes em outras SDs. Ao negritar o trecho “devolvendo-a ao arbítrio de cada
um” estamos indicando sua inscrição na FP 2, que trata do sentido da
homossexualidade como sendo de âmbito privado, individual; já ao destacar o
segmento “[a homossexualidade] para longe das piadas, das religiões e dos
julgamentos morais” estamos enfatizando a FP 3 que trata da homossexualidade
como algo bom, que deve ser respeitado e cuja oposição preconceituosa (a
homofobia) é condenável. Assim, nosso objetivo é destacar que um mesmo
substrato sintático90 pode ser constituído como SD diversa dentro de uma mesma
pesquisa – no caso de outra, com objeto de pesquisa diferente, possivelmente não

89
Não encontramos referências expressivas para esta ideia. Aparentemente, parece refletir
exatamente a noção que estamos querendo expressar: um emaranhando, uma trama de
significações, sentidos.
90
Resumidamente, um arranjo de palavras em que cada uma delas (os termos da oração)
desempenha uma função (sintática). Aqui não se fala de sentido (semântica), mas sim de
organização estrutural da frase. Voltaremos a isso mais adiante.
53

haveria uma SD idêntica –, fato que nos fez optar por referenciá-la sob o mesmo
código (mesmo número), mas com realces diferentes dentro de cada FP. Isto ficará
evidente no decorrer da análise.
Passaremos, então, a referir as famílias parafrásticas que construímos
analisando o processo discursivo na revista. Ao todo, são 4 FPs e, como se verá,
profundamente complementares em vários aspectos, embora claramente inscritas
em FD diferentes – as quais, por sua vez, complementam-se, não mascarando,
entretanto, a FD dominante.

3.2.1 Militante é coisa do passado91

A descrição desta primeira Família Parafrástica (FP 1 – Militante é coisa do


passado) parece-nos ter sido fornecida pela própria revista em sua reportagem de
capa no mês de maio (T8) num pequeno quadro que sintetiza o sentido geral da
reportagem e, a nosso ver, simboliza cristalinamente o posicionamento ideológico do
veículo. Há, evidentemente, certo risco de generalização nesta asserção que
fazemos, mas ainda assim consideramos o risco menor do que as evidências
materiais (discursivas): a despeito das possibilidades polissêmicas, das ressalvas
linguísticas com partitivos (a maioria de, boa parte de) e das – muito poucas –
relativizações que a revista faz em suas ilações, há uma reiteração exaustiva dos
sentidos que caracterizam esta FP 1.
O quadro Sem bandeiras nem passeatas, que aparece nas páginas 110-111
do T8 traz comparações que polarizam os jovens – a geração tolerância – e os
adultos – a geração militante – gays. Nos detalhes (Imagens 2 e 3) está uma das
sínteses mais expressivas deste quadro.
A homossexualidade, então, passa de uma causa que motivava uma luta, no
passado, para uma característica qualquer no presente. Esta síntese vai ancorar-se
discursivamente em várias sequências de nosso arquivo, produzindo uma paráfrase
de sentidos que temos compreendido como: a homossexualidade é uma
característica individual, cuja dimensão coletiva – e principalmente política – inexiste
e, portanto, sua associação a movimentos sociais é antiquada. A construção deste
sentido faz-se por três estratégias discursivas diferentes, mas complementares:

91
Esta FP foi responsável por, aproximadamente, 19% das SDs.
54

Imagem 1 – Sem bandeiras nem passeatas

Imagem 2 – Detalhe Imagem 3 – Detalhe

(1) a afirmação da homossexualidade como atributo particular e desprovido de


conexões com o coletivo – cujas tônicas são a política e os movimentos sociais; (2)
o silenciamento completo dos movimentos sociais (da militância LGBT) em todo o
arquivo, com a peculiaridade de isto ser passível de análise por meio de uma
observação acurada da sintaxe92 (retornaremos a isso); (3) por fim, a menção aos

92
Sintaticamente, as palavras desempenham funções dentro de orações (frase verbal). Observe-se,
por exemplo, esta oração: “(...) a declaração foi tachada de preconceituosa”. Esta construção está na
forma passiva analítica, em que temos uma locução verbal (ser + verbo principal no particípio); logo
após a locução verbal, é comum termos o agente da passiva, que é o sujeito da oração quando ela
está na voz ativa. Suponhamos que o agente da passiva fosse “pelos intelectuais”. Teríamos a
oração, na voz ativa, deste modo: “Os intelectuais tacharam a declaração de preconceituosa”. As
construções, comparativamente, da voz ativa (VA) e da passiva analítica (VPA) são as seguintes: o
sujeito da VA torna-se agente da passiva na VPA; o verbo da VA passa a constituir a locução verbal
na VPA; o objeto direto (complemento do verbo) na VA torna-se o sujeito da VPA. Com base nestas
considerações, ao omitir o agente da passiva de uma construção, estamos omitindo aquele que “fez a
ação verbal”. Discursivamente, quando identificada uma reiteração deste recurso, temos o
silenciamento dos atores que estão por trás dos acontecimentos (indicados pelos verbos). Este efeito
também pode ser obtido de outros modos, por exemplo, por meio da omissão de objeto indireto: “(...)
o assunto logo suscita indignação”. O verbo suscitar pode ser transitivo direto ou transitivo direto e
indireto, o que significa que necessita de complementos verbais: o assunto (sujeito) suscita algo –
neste caso, indignação. Entretanto, não sabemos em quem o assunto causa indignação. Tanto este
exemplo como o anterior são trechos de sequências discursivas de nosso arquivo. A ocorrência
expressiva desta estratégia foi percebida por nós como paráfrase dos sentidos que estamos
explicitando nesta FP 1.
55

movimentos sociais de forma explicitamente negativa, retratando militantes como


massa de manobra de políticos.
Como já mencionamos, os sentidos construídos de maneiras diversas nestas
sequências discursivas remetem a uma mesma filiação de sentidos, confluem,
portanto, a nosso ver, para uma mesma paráfrase semântica. Por clareza e didática,
começaremos a analisar as SDs que, na produção destes sentidos de afirmação da
homossexualidade como caractere comum e dissociado do coletivo, assentam-se
sobre aquela que apontamos como a primeira estratégia: a afirmação da orientação
sexual homossexual como mais um elemento da constituição apenas particular do
indivíduo.

(SD 33) Isso leva a questão [a homossexualidade] para longe das piadas, das bandeiras,
das passeatas, das religiões, dos julgamentos morais e até das legislações, devolvendo-a
ao arbítrio de cada um na confecção da imensa teia de afeição e rejeição que define a
condição humana.

Esta SD é emblemática porque é parte da Carta ao Leitor (T6), não tem


assinatura individual, portanto, e reflete o posicionamento (ideológico) da publicação.
Assim, há uma equação linguística93: homossexualidade = atributo que pertence ao
arbítrio de cada um. Há, mais que isso, outra equação constituída pelos opostos do
sentido atribuído: homossexualidade = não bandeira, não passeatas, não
legislações. Os sentidos se reiteram em outras SDs, como se pode ver abaixo:

(SD 97) Sem bandeiras nem passeatas.

(SD 100) Onde trocam ideias [hoje] redes sociais que reúnem jovens (gays ou não) [antes]
organizações gays.

(SD 101) Ser homossexual é... [hoje] uma característica como qualquer outra; [antes] uma
causa pela qual lutar.

93
Adotamos aqui a definição de Soares (2006, p.64): “equação linguística, locução cunhada por
Mariani [..], para designar a equivalência de sentidos (no caso da homossexualidade, negativos) entre
duas ou mais expressões produzidas e recorrentes no interior de uma determinada formação
discursiva a partir de certas condições de produção de sentido”, só que de modo mais aberto:
trataremos por equação a ideia de equivalência de sentidos, não necessariamente dentro do conjunto
de uma formação discursiva.
56

Estas 3 SDs foram retiradas do quadro que apresentamos na abertura desta


seção: traduzem o descolamento da homossexualidade das bandeiras e das
passeatas, ou seja, sua dimensão coletiva e identitária é nula, é desnecessária e
antiquada. Antiquada porque é característica das gerações anteriores (dos adultos
que estão recebendo uma lição dos jovens (gays) tolerantes da atualidade):

(SD 23) Uma lição dos jovens.

(SD 30) Encarar a homossexualidade com naturalidade é uma bela lição que os jovens
brasileiros estão ministrando aos adultos.

(SD 151) Meu namorado tem 35 anos. Exatamente como a reportagem expôs, a geração
dele sente que deve lutar por seus direitos e refugiar-se junto de seus semelhantes.
Eu, no entanto, não vejo motivo para "lutar" por algo tão natural e aceito, e muito
menos para viver em guetos.

Analisando-se a SD 151 em particular, temos uma construção de sentidos por


oposições equivalentes bastante simétricas: geração anterior sente que deve lutar
por seus direitos opõe-se a não vejo motivo para “lutar” por algo tão natural e aceito;
geração anterior sente que deve refugiar-se junto de seus semelhantes opõe-se a
não vejo motivo para viver em guetos. Há nesta construção um esvaziamento do
sentido de luta social por direitos civis (insígnia genérica da razão de ser do
movimento LGBT) e a qualificação de organizações LGBT e mesmo boates e bares
voltados a este público como guetos. Esta SD, parte da carta de um leitor, reitera os
sentidos de homossexualidade como atributo particular e despossuído de
singularidade histórico-sociológica94.

(SD 55) A questão central é que eles simplesmente deixaram de se entender como um
grupo.

(SD 56) São, sim, gays, mas essa é apenas uma de suas inúmeras singularidades – e
não aquela que os define no mundo, como antes.

94
A homossexualidade é uma questão social profundamente marcada, portanto as tentativas de
remover dela esta peculiaridade histórica e sociológica são notadamente orientadas com propósito de
ignorar tal real histórico. Veja: Eribon, 2008; Rubin, 1989; também: SILVA, Tomaz Tadeu da.
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
57

Cumpre ressaltar, bastante en passant, já que nosso foco não é analisar as


questões de autoria e polifonia, que a ocorrência de referências ao movimento LGBT
se dá em SDs presentes em textos de jornalistas que têm histórico de envolvimento
com a temática ou, ao menos, de abordagem dela no veículo. É o caso, por
exemplo, do ex-articulista e hoje correspondente em Nova Iorque da revista, André
Petry, que diversas vezes, em suas colunas, abordou a homossexualidade e a
homofobia95, por exemplo, de modo positivo no que diz respeito à inserção desta
minoria nas páginas da publicação. A SD abaixo, em específico, reflete um pouco
isso, embora de maneira bastante tímida pela generalidade da carcaterização:

(SD 183) Na semana passada, tropeçou numa das minorias mais influentes de Nova
York: os gays.

A matéria retrata o candidato do Partido Republicano ao governo de Nova


Iorque, enfocando a origem desconhecida dele e o discurso radical que propala
contra vários segmentos sociais, inclusive os gays. Casos similares vão ocorrer em
outras SDs deste texto (T14), as quais serão abordadas em outras famílias
parafrásticas.
É interessante notar – e também reportar isto analiticamente – que a
constituição destes sentidos por meio desta estratégia é bastante característica
desta matéria especial (T8), que foi capa da revista, e dos demais textos que se
associam a ela: a carta ao leitor (T6) e a seção de comentários (T9) da edição
posterior. Mais diretamente: a publicação apaga a dimensão coletiva e os
movimentos sociais também em outras matérias (como veremos a seguir), mas os
recursos são mais opacos, pois a percepção deste sentido construído se dá pela
visualização da reiterada omissão dos agentes de diversas ações – ou seja, os
atores sociais como militantes e organizações LGBT são silenciados na própria
estrutura morfossintática das orações; tal constatação também reflete, como
consequência, a ausência de voz destes atores na publicação, o que aponta

95
Veja, por exemplo: A fé dos homofóbicos (http://veja.abril.com.br/020708/andre_petry.shtml) e Eis
uma conspiração (http://veja.abril.com.br/031104/andre_petry.html). Acessos em: 23 nov. 2010.
58

aspectos interessantes para o estudo de vozes e das questões que pertinem à


pluralidade destas no jornalismo.96
Passaremos agora a caracterizar uma segunda construção de sentidos por
meio do silenciamento do movimento LGBT e de atores deste campo (militantes
basicamente) que estão dentro desta FP 1. Duas considerações prévias são
pertinentes: este processo se dá de modo muito sutil, justamente porque sua
materialidade discursiva está na ausência dos atores dentro das marcas textuais, o
que nos sugere que a “marca deste silenciamento” pode ser adequadamente
percebida na construção verbal das orações. Ainda sobre este aspecto, a
característica da exaustividade vertical (como já a caracterizamos no capítulo 2) nos
auxilia no entendimento de que tal construção de sentidos de fato se processa. Não
poderíamos deixar de mencionar que o histórico de conflitos entre a revista Veja e
os movimentos sociais, em geral, é vasto, o que indicia uma Formação Ideológica de
clara oposição a estes. Nossa segunda consideração diz respeito ao que alertamos
anteriormente: em nossas análises, observamos a presença de uma mesma SD em
mais de uma família parafrástica, bastando para isso enfatizar (negritar) outra marca
desta mesma SD (da mesma estrutura sintática, portanto). Isto ficará mais evidente
a partir da visualização das SDs.
Propomos, então, a visualização das SDs abaixo com as seguintes questões
em mente: quem pressionou, quem lutou por, quem se pronunciou, quem tachou de,
quem acusou, quem criticou, etc.?

(SD2) Como a legislação da Argentina não permite a união de pessoas do mesmo sexo, o
casal teve de conseguir uma autorização especial da governadora da província da Terra do
Fogo, Fabiana Ríos.

(SD 68) Nas Forças Armadas, onde a aversão a gays sempre se pronunciou em grau
máximo (apesar de o regimento interno repudiar a perseguição aos homossexuais), a
diferença é que, agora, quando surge um caso desses entre os muros do Exército, o
assunto logo suscita indignação. Ocorreu com um general que, neste ano, veio a público
posicionar-se contra a presença de gays nas Forças Armadas. Sob pressão, precisou
retratar-se.

96
A este respeito, ver o estudo da Darde (2006), já mencionado no capítulo 1.
59

(SD 69) Recentemente, o lutador de vale-tudo Marcelo Dourado, 38 anos, surgiu no


programa Big Brother Brasil, da Rede Globo, dizendo que "homem hétero não pega aids".
Além de uma bobagem, a declaração foi tachada de preconceituosa – e a Globo
precisou ocupar seu horário nobre com as explicações do Ministério da Saúde sobre o tema.

(SD 165) Os senadores da Argentina aprovam o casamento entre pessoas do mesmo sexo
– depois de uma briga, bem ao estilo kirchnerista, do governo com a Igreja.

(SD 169) Os homossexuais argentinos não podiam se casar em cartório, mas na prática
contavam com a aquiescência do estado para viver juntos e desfrutar, por meio de uma
escritura de união estável, a maior parte dos direitos de uma família tradicional, exceto
adotar filhos.

(SD 185) Acusado de homofóbico, colheu uma torrente de críticas, inclusive de aliados.
“Isso é altamente ofensivo”, disse Rudolph Giuliani, ex-prefeito republicano de Nova York.

(SD 186) Paladino reafirmou tudo numa entrevista à televisão e resistiu quase dois dias
antes de ceder ao peso das críticas.

As SDs 68 e 69 parecem-nos emblemáticas: não se sabe quem pressionou o


general a retratar-se, muito menos quem considerou a declaração de Marcelo
Dourado preconceituosa. As ações residem numa suposta presença (ampla e vaga)
de a sociedade, pessoas em geral, silenciando os atores que especifica e
diretamente atuam em torno destas questões – militantes, políticos, intelectuais,
promotores públicos, etc.
Percebe-se nas SDs, de um modo geral, a dependência dos homossexuais e
da conquista de seus direitos a atores externos que lhes concedem tais direitos sem
que, discursivamente, tenhamos clareza acerca de por que ou sob que
circunstâncias tais mudanças ocorrem – pressão política, lobby, protestos, decisões
judiciais, manifestações, por exemplo –, afinal, a construção das sentenças deixa
explícita (pelo implícito) a ausência de complementos (sintaticamente, são ausências
ora de objeto indireto, ora de complemento nominal, ora de agente da passiva). Para
efeito de exemplificação: não se sabe em quem o assunto suscita indignação; não
se sabe quem pressionou o general; não se sabe por quem a declaração foi tachada
de preconceituosa; etc.
60

A omissão deliberada dos atores sociais que, historicamente, vinculam-se às


pautas do movimento LGBT desnuda a inclinação ideológica da revista em
desconsiderar a importância (e a presença) do campo político/movimento LGBT:

(SD 174) Durante as últimas semanas, os dois lados trocaram insultos e mediram forças.

(SD 176) Os parlamentares argentinos já haviam tentado aprovar o casamento gay, mas
esta foi a primeira vez que receberam o apoio do governo. “Em toda a história argentina, a
Casa Rosada nunca tinha enfrentado a Igreja em uma questão tão controversa”, diz o
sociólogo Ernesto Meccia, da Universidade de Buenos Aires.

Nestas duas SDs, do T12, os dois lados presentes na matéria são o governo
e a Igreja – somente. Não há qualquer menção a militantes: a legenda da fotografia
desta reportagem (um casal lésbico beijando-se) faz referência a elas como um
“casal de lésbicas”. A edição é do dia 21 de julho, mas faz referência ao dia da
aprovação do casamento gay no Parlamento argentino, em 15 de julho (quinta-feira).
Do mesmo dia é a reportagem do jornalista Gustavo Hennemann, correspondente
do jornal Folha de S. Paulo em Buenos Aires. Consta na matéria (e no áudio do
podcast) que:

Milhares de militantes levaram bandeiras e cartazes até a praça do


Congresso para pressionar os parlamentares a aprovarem o texto. Nem o
frio desanimou o grupo. Até o debate encerrar, por volta das quatro horas
da madrugada, eles mantinham vigília em frente ao Congresso apesar da
temperatura próxima de zero, relata o jornalista neste podcast. (grifos
97
nossos)

Estas constatações podem parecer periféricas, mas é mister lembrar que a


mídia constrói discursivamente “a realidade” ao longo do tempo, sedimentando
sentidos e valores. Diz-nos Benetti (2006, p.5, grifo do original): “o processo de
significação – dando significados sociais aos acontecimentos – tanto assume como
ajuda a construir a sociedade como um ‘consenso’”.
Uma terceira estratégia de construção de sentidos sobre a homossexualidade
e os homossexuais nesta FP 1 se dá por meio da depreciação direta do movimento
LGBT, denotando uma ancoragem ideológica de clara contrariedade à ideia de
militância gay:

97
Matéria disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/767308-militantes-
argentinos-comemoram-autorizacao-para-casamento-gay-ouca.shtml. Acesso em: 19 de nov. 2010.
61

(SD 31) De modo geral, quando escapa da galhofa pura e simples, a homossexualidade é
tratada com hipocrisia ou usada como bandeira por grupos militantes que vitimizam sua
condição e são paparicados por políticos em busca de votos.

(SD 53) Os jovens que aparecem nas páginas desta reportagem, que em nenhum instante
cogitaram esconder o nome ou o rosto, são o retrato de uma geração para a qual não faz
mais sentido enfurnar-se em boates GLS (sigla para gays, lésbicas e simpatizantes) –
muito menos juntar-se a organizações de defesa de uma causa que, na realidade, não
veem mais como sua.

(SD 77) Nesse contexto, não há mais lugar para algo como o grupo em que apenas
ingressam os gays ou os negros, algo que as escolas brasileiras já ecoam.

O deslizamento de sentidos possibilita-nos pensar na paráfrase de sentidos


por meio desta equação exemplificativa: grupos em que apenas ingressam gays =
organizações de defesa de uma causa. Ou seja, há uma teia que se constituiu
amarrando sentidos de organizações gays (movimento LGBT) como = gueto, causa
antiquada, mobilização de gerações anteriores. Quantitativamente, esta
depreciação direta aparece menos vezes no arquivo – e de forma bem localizada,
nos textos T6 e T8. Entretanto, cremos que estas três formas que expusemos98 de
constituir sentidos sobre a homossexualidade como atributo pessoal dissociada de
caracteres coletivos são complementares, sendo que o emprego de significados
negativos de forma explícita é menos vantajoso à publicação, o que se explica com
base na formulação teórica de Pêcheux acerca do apagamento ideológico que se
tenta imprimir aos discursos, razão que está, inclusive, na base de formulação da
AD. Ou seja, pretende-se apagar (tornar ainda mais opaco) a presença do histórico
e do ideológico no discurso, como se seu significado estive ali-dado, sem qualquer
memória ou interdiscursividade99. Além disso, do ponto de vista dos valores que

98
Recapitulemos aqui para facilitar a compreensão: (1) a afirmação da homossexualidade como
atributo particular e desprovido de conexões com o coletivo – cujas tônicas são a política e os
movimentos sociais; (2) o silenciamento completo dos movimentos sociais (da militância LGBT) em
todo o arquivo, com a peculiaridade de isto ser passível de análise por meio de uma observação
acurada da sintaxe; (3) por fim, a menção aos movimentos sociais de forma explicitamente negativa,
retratando militantes como massa de manobra de políticos.
99
É o que Orlandi (2005, p.35) vai trabalhar a partir da noção de ilusão referencial (está no plano do
esquecimento nº 2 de Pêcheux), que “nos faz acreditar que há uma relação direta entre o
62

sustentam o campo jornalístico, a presença explícita de adjetivações e juízos de


valores afasta o veículo, no imaginário do leitorado, dos cânones da imparcialidade e
da objetividade (Traquina, 2004, p.135).

3.2.2 Gay? Sim, mas sem rótulos100

A segunda FP (denominada FP 2 – Gay? Sim, mas sem rótulos) é, a nosso


ver, um desdobramento conceitual da FP 1. Podemos exprimir esta relação por meio
de um questionamento e duma resposta apropriada, com base no que temos
discorrido até aqui: porque a homossexualidade não demanda vínculos com o
político, configurando-se, assim, como atributo apenas particular? Respondemos:
essencialmente porque a (homo) sexualidade, como atributo particular que é, não
configura uma identidade coletiva, portanto, é característica individual – numa
extensão semântica, ancorando-nos nas SDs que analisaremos, diríamos que sua
dimensão social é a do individualismo101. Portanto, esta FP 2 trará marcas de
sentidos que revelam a homossexualidade como uma característica de caráter
individual, cuja articulação com o coletivo é desnecessária. Isto tem implicações na
noção de identidade, as quais discutiremos, brevemente, mais adiante. Também
veremos que uma concepção tal tem desdobramentos importantes quando
pensamos a homossexualidade na sua dimensão pública, ou seja, nas suas
(possíveis – mais: desejáveis?) manifestações de afeto ou “explicitação” enquanto
desejo homossexual.102
Antes de iniciarmos a análise das SDs desta FP 2, gostaríamos de observar
um ponto relevante já abordado preliminarmente: esta paráfrase referida acima
também é característica do T8 (reportagem especial sobre jovens gays) e, em menor
escala, dos dois textos que se associam a ele (T6 e T9). Já referimos que nossas
análises nos permitiram identificar algo que podemos chamar de complexidade do

pensamento, a linguagem e o mundo, de tal modo que pensamos que o que dizemos só pode ser dito
com aquelas palavras e não outras, que só pode ser assim”.
100
Esta FP foi responsável por, aproximadamente, 14% das SDs.
101
Segundo Garcia e Coutinho (2004), o antropólogo Louis Dumont entende “a instauração da cultura
individualista no Ocidente como uma manifestação da ideologia moderna, em seus aspectos
econômicos, políticos e religiosos, que teve como marco inaugural a Revolução Francesa. Dessa
forma, Dumont articula a consolidação da concepção de indivíduo como um ser uno, livre e
responsável por seus próprios atos, ao surgimento do cidadão moderno, célula mínima do Estado
democrático, que lhe garante contratualmente direitos e deveres”.
102
A este respeito, vale a pena ler o prefácio de Eribon (op. cit.) acerca de um texto de Proust. A
questão da homossexualidade e de seus gestos contidos ali é abordada.
63

objeto, neste caso, a homossexualidade. Evidentemente, este é um traço comum em


outras pesquisas porque a discursividade jornalística é atravessada por sentidos
complementares e, por vezes, discordantes. Como Benetti (2007) pontua, o
jornalismo é um discurso (idealmente) polifônico, dialógico e opaco. Daí a
complexidade inerente à sua conformação, já que é atravessado por outros
discursos (interdiscursividade) e procura refletir as vozes presentes na sociedade,
portanto, conflitantes e representativas de pontos de vista diversos, conforme já
discutimos no capítulo 1. Enfim, consideramos relevante retomar estas
considerações teóricas porque, novamente, as SDs estarão atravessas por estes
múltiplos sentidos (alguns dos quais já analisados por nós em outras seções).

(SD 28) O fato de alguém ser gay não traz mais aquela marca dominante em torno da
qual orbitavam todas as demais qualidades e defeitos do garoto ou da garota.

(SD 29) Perante os colegas e amigos, a orientação sexual de um adolescente, que até há
bem pouco tempo era a característica primordial de sua essência, passa a contar apenas
como uma das muitas facetas da personalidade.

(SD 56) São, sim, gays, mas essa é apenas uma de suas inúmeras singularidades – e
não aquela que os define no mundo, como antes.

(SD 128) Também não tenho necessidade de ficar me reafirmando gay na frente dos outros.
Isso é bobo demais. Para mim, é só mais uma de minhas características.

O que temos nestas quatro SDs é uma equação bastante clara:


homossexualidade = característica vazia de significados. A proposição tem um peso
considerável, mas parece-nos adequada na medida em que a homossexualidade é
posta como um marcador identitário (Adelman, Foucault, Rubin103, obras já citadas)
pouco expressivo (quase inexpressivo), contrariando não só todo um vultoso corpo
de reflexões sobre a questão104 mas também a própria “realidade fática” em que as

103
Diz a autora: “a sexualidade é tão produto da atividade humana como o são as dietas, os meios de
transporte, os sistemas de etiqueta, formas de trabalho, tipos de entretenimento, processos de
produção e modos de opressão. Uma vez que o sexo for entendido nos termos da análise social e
entendimento histórico, uma política do sexo mais realista se torna possível”. (1989, p.15)
104
Não é preciso, posto tudo que já colocamos até aqui, referir-nos às abordagens seminais de
Foucault acerca da sexualidade, sua positividade (porque produtora de saber-poder) e sua inscrição
dentro da ordem do discurso, de modo complexo; igualmente, Castells inscreve a importância dos
64

sexualidades discordantes do padrão – heteronormativo105 – são objeto de olhares,


de saberes e de discursos (Foucault, 1988, p.17-18) bastante específicos106. Talvez
a SD a seguir exprima com clareza qual o sentido que a revista dá à questão:

(SD 52) À frente do levantamento, o psicólogo americano Ritch Savin-Williams, autor do


livro The New Gay Teenager (O Novo Adolescente Gay), resumiu a VEJA: "O peso de sair
do armário já não existe para os jovens gays do Ocidente: tornou-se natural".

As pesquisas do psicólogo Ritch Savin-Williams (professor de


Desenvolvimento Humano na Cornell University) há vários anos enfatizam os jovens
homossexuais dos Estados Unidos. A afirmação, entretanto, encerra uma
generalização que coloca em pé de igualdade – é natural assumir-se gay – jovens
do Brasil, dos Estados Unidos, do Chile, de Cuba, da Nicarágua... Uma explicação
plausível reside no contrato de leitura107 de Veja, que imagina seu leitor e projeta
nele certas características: o fato desta reportagem especial ter apenas jovens de
classe média alta e alta, todos brancos, nenhuma travesti ou transexual, nenhuma
fonte de movimentos sociais (militância LGBT) são elementos que nos permitem
compreender que a revista dirige-se a um leitorado específico, e que ela imagina
que a autoridade (imagem de si mesma) que ela tem lhe permite falar daquela
maneira e que seu leitor é tal (imagem do leitor) que ela (a revista) pode falar

movimentos gay e lesbiano no processo de erupção/questionamento do patriarcado; por fim, a leitura


de Giddens é profícua para articular as questões afetas à sexualidade dentro do enquadramento
moderno. Ver: GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas
sociedades modernas. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,
1993.
105
Retomaremos este conceito adiante. Por ora, seu “efeito de literalidade” é suficiente: o hétero
como norma.
106
Exemplo sintomático é o que cita Junqueira (2007, p.6): “não creio que se deva questionar a
legitimidade de cientistas se interrogarem acerca dos fenômenos e procurarem oferecer respostas,
novos modelos explicativos. Lembro, no entanto, que, no caso em questão, essa busca produziu, até
o momento, mais de setenta diferentes teorias sobre as causas da homossexualidade, sem
apresentar iguais esforços para se descobrir as da heterossexualidade”.
107
Podemos pensar esta questão a partir da noção de contrato de comunicação, que Benetti (2007b,
p.7) refere a partir de Charaudeau: para que aconteça o discurso, “os interlocutores devem
reconhecer as permissões e restrições dos sistemas de formação do jornalismo, sendo capazes de
reconhecer os elementos que definem o gênero. “O necessário reconhecimento recíproco das
restrições da situação pelos parceiros da troca linguageira nos leva a dizer que eles estão ligados por
uma espécie de acordo prévio sobre os dados desse quadro de referência (CHARAUDEAU, 2006, p.
68)”. Há uma série de outras questões a serem pensadas, como a questão do veículo, e não do
gênero em específico – como a definição de contrato de comunicação enfatiza –, no seu processo de
estabelecer um “acordo tácito” com seu leitor de tal maneira que ele “sabe” o que esperar daquele
veículo e este, por seu turno, “sabe” o que seu leitor (potencialmente) quer. É uma questão já
colocada pelas Formações Imaginárias, como dissemos mais acima.
65

daquele modo. Estas questões estão expressas na formulação de Pêcheux sobre


Formações Imaginárias: “o que funciona nos processos discursivos é uma série de
formações imaginárias que designam o lugar que A [Veja] e B [leitor] se atribuem
cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar
do outro”. (GADET; HAK, 1997, p.83)
Ainda retomando a questão da identidade posta mais cima, com o que
dissemos não estamos, naturalmente, ignorando que a forma como os jovens
homossexuais lidam com a (própria) homossexualidade hoje não tenha mudado e
esteja, possivelmente, menos “pesada” do que em outros tempos. Entretanto, tais
mudanças recentes não são capazes de modificar o imaginário sociocultural
brasileiro de maneira tal que simplesmente a homossexualidade seja uma
característica que demanda e mesma atenção que a cor dos olhos, por exemplo.
Mais importante que isso é que, discursivamente, os sentidos expressos pelas SDs
anteriores vão deslizando para outros e construindo uma teia de significações que
dão corpo a esta FP:

(SD 55) A questão central é que eles simplesmente deixaram de se entender como um
grupo.

(SD 58) Ícone desses meninos e meninas, a cantora americana Lady Gaga os fascina
justamente por ser "difícil de definir o que ela é".

(SD 76) Um ponto básico se deve à sua aceitação por outros adolescentes. Para esses
jovens, o conceito de tribo perdeu o valor, como chamou atenção o antropólogo
americano Ted Polhemus, por meio de suas pesquisas. Ele apelidou essa geração de
"supermercado de estilos" – ou só "sem rótulos".

Aqui o sentido nuclear intenciona colocar em evidência a “crise identitária”


característica de nosso tempo, segundo Bauman (2005), Hall (2000)108 e outros. A
volatilidade com que os jovens transitam por e associam-se a grupos e constroem
“identidades” é colocada por Veja, a nosso ver, dentro de uma equação linguística
mais complexa: a ausência de “rótulo” ou de identificação per se = desnecessária

108
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi; trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 4. ed.
Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
66

politização das identidades sexuais. Ou seja, Veja utiliza-se desta característica


de identidades fragmentadas, abertas, para formulá-la em termos fortemente
ideológicos, já que seu posicionamento e seu lugar de fala é o de desvalorização
dos movimento sociais – especificamente da militância LGBT em nosso caso. A SD
97, que já analisamos dentro da FP 1, está plena de sentidos aqui também:

(SD 97) Sem bandeiras nem passeatas.

O homossexual de hoje, para Veja, tem sua homossexualidade apenas como


mais uma característica dentre a miríade de outras que o constitui, portanto, ela não
demanda qualquer atenção especificamente109; logo, não há porque “tingi-la” com
cores (bandeiras) ou ações (passeatas) de caráter político.
Há, por fim, algumas SDs desta FP 2 que se traduzem pela ideia de discrição,
inscrevendo a homossexualidade numa moral sexual pouco condizente com a
sociedade “hipersexualizada” em que vivemos110. Estas SDs constroem sentidos
que colocam a homossexualidade novamente no âmbito do privado, como se
houvesse uma síntese tal: é possível ser gay, mas não é preciso publicizar.
Vejamos:

(SD 119) Assumidos, mas discretos.

(SD 122) Às vezes, andamos de mãos dadas, mas não trocamos beijos em público.
Não preciso ficar expondo minha sexualidade.

109
Note-se que uma série de SDs referidas em outras seções deste capítulo dão conta do drama que
a homossexualidade dos filhos produz nos seios familiares, havendo consciência desta peculiaridade
da vivência homossexual tanto da parte dos homossexuais quanto da dos familiares – afinal, os
sentidos que socialmente circulam sobre a homossexualidade são anteriores a estes jovens, já estão
inscritos no imaginário, na cultura e nos valores morais. A publicação, evidentemente, não ignora tal
dimensão, mas a interpreta como um drama familiar sem dar maior espaço às conexões da (homo)
sexualidade com o social.
110
Gostaria de tomar de empréstimo aqui o conceito de homossexualidades reservadas formulado
por Passamani (2009, p.106) em sua dissertação. O conceito ressignifica as dimensões “rua” e “casa”
do antropólogo Roberto DaMatta, mas aqui com a especificidade da homossexualidade: “[há] uma
rejeição de meus informantes não militantes à vivência de uma sexualidade no plano público. Eles se
esforçam para estabelecer uma sexualidade no plano privado”. Uma advertência importante, contudo,
e que também se aplica à nossa análise: “não se trata de negar a homossexualidade. [...] Nem
tampouco de fingir não serem gays ou de sentirem tais desejos [...]. Diz respeito, sim, a viver este
“outro mundo” em outros espaços, geralmente em casa, ou, mais raramente, nos ditos guetos [...].”
(p.108).
67

(SD 140) Relação discreta.

(SD 141) Victor Guedes, 19 anos, produtor de moda, sobre o namoro com Luiz Leandro
Caiafa, 20 anos, estudante: “Às vezes, andamos de mãos dadas, mas não trocamos
beijos em público. Não preciso expor minha sexualidade”.

(SD 60) Diz, com a firmeza típica de seus pares, a estudante paulista Harumi Nakasone, 20
anos: "Nunca fiz o tipo masculino nem quis chocar ninguém com cenas de
homossexualidade. Basta que esteja em paz e feliz com a minha opção".

A SD 119 parece ser a síntese semântica das demais, pois opõe as ideias de
assunção da homossexualidade e discrição em relação a ela (por meio do conetivo
adversativo mas). Ou seja, assumir é igual a aceitar-se, mas não tornar isso uma
bandeira, algo a se expor indiscretamente. Note-se que as SDs 122 e 141 são
praticamente “idênticas”: fizemos questão de colocá-las ambas porque refletem uma
escolha de Veja pela repetição específica deste sentido-demarcado. A SD 122
aparece na reportagem especial (T8), já a SD 141 é utilizada como comentário
central na seção de cartas dos leitores (com direito à foto, o que não ocorre com as
demais cartas) da edição seguinte (T9) da revista. A SD 60, por sua vez, reflete a
internalização da ideia de discrição na vivência homossexual por parte dos próprios
homossexuais – e Veja reitera este valor.111

3.2.3 Afetividade gay: real e verdadeira112

A terceira família parafrástica constituída a partir de nosso arquivo será


denominada FP 3 – Afetividade gay: real e verdadeira. Os sentidos que
constituem esta FP revelam que o discurso de Veja está alinhado com o tempo
histórico atual, ou seja, a publicação condena a homofobia113, tida aqui como a

111
Queremos sugerir a leitura do artigo Epistemologia do Armário, que coloca esta questão dentro de
uma perspectiva sociológica interessante. Está disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cpa/n28/03.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2010.
112
Esta FP foi responsável por, aproximadamente, 21% das SDs.
113
Esta expressão designa, genericamente, o preconceito e a discriminação contra orientações
sexuais e identidades de gênero minoritárias, notadamente: a homossexualidade, a bissexualidade, a
travestilidade e a transexualidade. Uma definição sucinta sobre este termo está no Manual de
Comunicação LGBT, no qual consta que a homofobia seja “o medo, a aversão, ou o ódio irracional
aos homossexuais, e, por extensão, a todos os que manifestem orientação sexual ou identidade de
gênero diferente dos padrões heteronormativos” (ABGLT, 2010, p.21). Nós preferimos a definição
68

discriminação a LGBTs, e entende a homossexualidade como uma manifestação


natural (diríamos possível) da sexualidade humana.
Veja retrata a (vivência da) homossexualidade como prática que traz
felicidade, que é gratificante e que deve ser vista positivamente.

(SD 09) Sobe: direitos dos gays.

(SD 11) Em novembro de 1962, oito meses após perder em um acidente Jim, o homem
com quem vivia feliz havia dezesseis anos, o professor de literatura George Falconer
pensa em suicídio.

(SD 21) Ser homossexual nunca me atrapalhou em nada.

(SD 32) Os jovens estão demonstrando que ser homossexual não necessariamente
implica que um indivíduo seja pior ou melhor, mais forte ou mais fraco do que o outro – mas
apenas diferente.

(SD 38) Agora, com documentos novos, não poderia estar mais feliz, diz sua assessoria.
Tem até namorada, Jennifer Elia.

(SD 88) O rol de celebridades que se assumem gays também cumpre, em certo grau, esse
papel. O último a deixar o armário foi o cantor porto-riquenho Ricky Martin, autor do
sucesso Livin’ la Vida Loca, que, aos 38 anos, declarou ser gay em tom profético: "Hoje
aceito minha homossexualidade como um presente que a vida me deu".

(SD 134) Sempre que arranja um namorado, ele frequenta a minha casa e saímos juntos.
Meu filho está feliz. Não é isso que todos nós buscamos?

(SD 168) Essa alteração simples regularizou um fenômeno já consolidado pela


realidade.

mais aprofundada de Borrillo (2001, p.36, tradução nossa), para quem a homofobia é “a hostilidade
geral, psicológica e social àqueles e àquelas de que se supõe desejarem a indivíduos do mesmo
sexo ou terem práticas sexuais com eles. Forma específica de sexismo, a homofobia rechaça
também a todos os que não se conformam com o papel predeterminado pelo seu sexo biológico.
Construção ideológica constituída para a promoção de uma forma de sexualidade (hétero) em
detrimento de outra (homo), a homofobia organiza uma hierarquização das sexualidades e extrai dela
[da hierarquia] consequências políticas”.
69

Estas SDs representam uma série de outras que constroem estes sentidos de
qualidade positiva da vida homossexual e da homossexualidade per se. É visível
que a faz (esta construção) por sentidos muito diversos, desde a naturalização dos
casais homossexuais (caso da SD 168) até a relação entre estar feliz e ser
homossexual (caso das SDs 11, 21, 38, 88 e 134). Além disso, os sentidos delizam
por outras construções, como a de reconhecer a homossexualidade como diferença,
mas sem que isto implique em juízos morais positivos ou negativos – é o caso da SD
32, que está no T6 (Editorial).
Mesmo nestas SDs há outros sentidos que se associam à ideia de felicidade
a partir da aceitação da homossexualidade. Essa correlação é intensa numa série de
outras SDs que destacamos abaixo.

(SD 115) Aos 14, até tentei namorar um menino. Não funcionou. Um ano depois, quando
me apaixonei de verdade por uma garota, resolvi contar a meus pais.

(SD 117) Sei que contrariei o sonho da minha família, de me ver de grinalda e com filhos,
mas a melhor coisa que fiz para mim mesma foi ser verdadeira.

(SD 125) Cheguei a beijar garotas, mas foi só quando troquei o primeiro beijo com um
menino, aos 14 anos, que senti uma emoção real.

(SD 95) Resume o estudante mineiro Hector Gutierrez, 17 anos – típico da geração
tolerância: "O dia em que eu contei a verdade a todos foi o primeiro em que me senti
realmente livre e feliz".

(SD 147) Hoje namoro uma mulher maravilhosa. Não me arrependo de nada.

Há uma equação muito forte nesta FP 3 que propõe a homossexualidade


associada às ideias de “verdade”, “real” e “certeza” numa oposição às tentativas de
viver de modo “irreal” e “inverdadeiro”. Este sentido nuclear vai deslizar para uma
série exaustiva de SDs que vão constituir sentidos negativos à discriminação e à
vivência “camuflada” da homossexualidade, como veremos adiante. As supracitadas
SDs 115 e 125, por exemplo, refletem a seguinte equação ao opor dois momentos:
um em que se tenta agir de modo “falso” (até tentei namorar um menino e cheguei a
beijar garotas) e outro em que se vive a homossexualidade verdadeiramente (me
70

apaixonei de verdade e senti uma emoção real). Assim, a vivência da


homossexualidade é entendida como ser verdadeiro, ser realmente livre e feliz.
Complementarmente a este sentido, temos um que reflete o preconceito
homofóbico como antiquado e errado.

(SD 33) Isso leva a questão [a homossexualidade] para longe das piadas, das bandeiras,
das passeatas, das religiões, dos julgamentos morais e até das legislações, devolvendo-
a ao arbítrio de cada um na confecção da imensa teia de afeição e rejeição que define a
condição humana.

(SD 47) A rapaziada está imprimindo um alto grau de tolerância a suas relações, a um
ponto em que nada é mais feio do que demonstrar preconceito contra pessoas de
raças, religiões ou orientações sexuais diferentes das da maioria.

(SD 80) Os próprios colégios reconhecem que, no passado, conduziam a questão à


sombra de certo preconceito.

(SD 86) Nas novelas brasileiras, os homossexuais já não são mais tratados de maneira
tão caricatural. "É possível exibir na TV a vida comum de casais gays sem que isso
provoque a rejeição do público, como no passado. Hoje, esses personagens fazem o maior
sucesso", analisa Manoel Carlos, autor da atual novela das 8, Viver a Vida.

(SD 133) Não escondo mais de ninguém que meu filho é homossexual. Sinto que o fato de
uma mãe tomar essa iniciativa ajuda a espantar o preconceito.

(SD 161) Pelo lado positivo, ninguém mais está fazendo, pelo menos abertamente, a
pergunta mais frequente que rolou logo depois de sua indicação – se ela é ou não
homossexual.

(SD 163) Para blindá-la, o governo Obama chegou a passar pelo constrangimento de
plantar que ela não é lésbica.

Assim, tratar a homossexualidade de modo negativo é preconceituoso e


constrangedor: ela não deve ser vista (ou retratada) de modo caricatural, ofensivo ou
por meio de “julgamentos morais”. Lidar com a homossexualidade de modo natural é
uma atitude condizente com a atualidade. Sobre este sentido em específico, cabe
71

uma consideração importante: um dos textos de nosso corpus é responsável por


mais de 52% do arquivo, o que lhe confere grande representatividade nas FP que
constituímos. Nosso entendimento é de que este texto deve ser visto de modo
bastante particular por algumas razões (já expostas de modo breve noutras seções):
é uma matéria especial que foi capa da revista; seu tema foi responsável pela Carta
ao Leitor da mesma edição, logo, um texto de caráter editorial; sua extensão reflete,
justamente, o tema central da publicação naquela semana; por fim, como em parte
já abordamos na FP 1, a reportagem pretende traduzir a juventude do Brasil na
atualidade em relação à (aceitação da) homossexualidade, lançando mão, para isto,
de significados que opõem gerações, que opõem valores de engajamento político
com o de “despolitização natural(izada)”. Estes aspectos são importantes porque
também respingam seus sentidos em outras FPs, como ocorre na SDs 47, 80 e 86.
Ao passo que a homossexualidade deve ser vivida natural e honestamente, e
o preconceito é condenável, Veja também reflete o sentido complementar desta
ideia pelo seu oposto: não aceitar a (própria) homossexualidade é ruim.

(SD 22) O armário oferece apenas medo e opressão.

(SD 118) Por que me sentir uma criminosa por algo que, afinal, diz respeito ao amor?

(SD 144) Aceitar-me assim foi a melhor coisa que aconteceu na vida. Hoje vivo mais feliz.

(SD 148) Fingir não ser gay para se enquadrar no que é "certo" não é vida.

Aqui temos uma equação linguística que se traduz por armário = infelicidade
ou homossexualidade plena = felicidade. Neste sentido, a publicação utiliza-se
majoritariamente das falas das fontes homossexuais ou que são pais destes. É uma
estratégia para dar legitimidade, veracidade e credibilidade aos sentidos postos. Diz-
nos Traquina (2004, p.140): “os jornalistas veem as citações de opiniões de outras
pessoas como uma forma de prova suplementar. Ao inserir a opinião de alguém, os
jornalistas acham que deixam de participar da notícia e deixam os “fatos” falar”.
Queremos fazer algumas considerações sobre a SD 190, que apresentamos
a seguir:
72

(SD 190) Entre outras manifestações de hipocrisia do mundo islâmico, o


homossexualismo é a mais enigmática aos olhos ocidentais.

Esta SD insere-se nesta FP 3 pela condenação à homofobia de modo


implícito. Entretanto, ela é plena de outros sentidos e, mais do que isso, insere-se
fortemente na filiação ideológica de Veja. Tradicionalmente, a história das
civilizações tem uma visão eurocêntrica muito clara, o que traduz a narrativa
Ocidental de oposição ao Oriente – especificamente ao Oriente Médio. Há uma
miríade de questões históricas, políticas, econômicas e morais nesta relação, como
descreve Jurandir Soares em Oriente Médio: de Maomé à Guerra do Golfo.
Paralelamente a isso, o jornalismo constitui-se como uma prática do mundo
capitalista e democrático, e em nosso caso particular (Ocidental), de democracias
liberais114. Veja, em particular, está alinhada com a visão de democracia liberal e,
como temos refletido, de oposição a um campo tradicionalmente associado à
esquerda política, o dos movimentos sociais. Portanto, esta SD 190 em particular
nos parece indiciar o deslizamento para este sentido de oposição cultural: o Oriente
é um espaço de homofobia e isto é condenável. Isto ocorre também em outras SDs
deste mesmo texto (T15):

(SD 191) “No Ocidente, ser gay é uma identidade. No mundo árabe, desde que se case
e tenha filhos, o homem pode eventualmente se satisfazer com outros homens sem
estigma”, diz o cientista Shadi Hamid, do Catar.

(SD 193) A tolerância, porém, se desfaz como uma bolha de sabão nos casos de
escândalo. Pela lei islâmica, a sodomia é punida com a morte. Daí a célebre frase de Al-
Saud: “Matei, sim, mas que meu país fique tranquilo: não sou gay”.

A reportagem narra a condenação à prisão perpétua de um príncipe saudita,


na Inglaterra, pelo assassinato de seu empregado e, nos dizeres da revista, amante.

114
Conforme um enquadramento histórico feito pelos pesquisadores Siebert, Peterson e Schramn
(Four Theories of the Press), haveria quatro teorias da imprensa: “a libertária, que é a americana, a
socialista, que é a soviética, a da responsabilidade social, que é a da Europa Ocidental, e a
autoritária, que é a de muitos países do Terceiro Mundo” (SILVA, Carlos Eduardo Lins da. O
adiantado da hora: a influência americana sobre o jornalismo brasileiro. São Paulo: Summus, 1991,
p.36). Naturalmente, tal concepção encontra-se defasada, mas para nossos propósitos importa
compreender que: o jornalismo brasileiro foi influenciado notavelmente pela tradição norte-americana;
e que ele se inscreve dentro de uma sociedade capitalista. A este respeito, ver também TRAQUINA
(2004).
73

Perifericamente, a reportagem dá espaço à abordagem da narrativa histórica de


polarização entre Ocidente e Oriente, como se pode observar nas SDs 191 e 193: a
homossexualidade, lá, seria interpretada como pecado à religião islâmica; aqui, ela
seria vivida como uma identidade, enquanto lá seria apenas uma prática tolerada
contanto que fosse secreta. A nosso ver, estes sentidos constituem-se como
expressivos muito mais pela reiteração do campo ideológico (e econômico) da
revista em relação ao Oriente do que em relação à homossexualidade, sendo esta
apenas o “gancho” para os sentidos desta oposição ao Oriente. Isto se traduz pela
concepção de que o discurso é constituído pela história, pela memória, enfim, pelo
que lhe é exterior: “essa é uma relação orgânica e não meramente adjetiva. Não se
dirá, assim, que se acrescentam dados históricos para melhor delimitar a
significação: dir-se-á que o processo de significação é histórico” (ORLANDI, 1993,
p.18 apud BENETTI, 2006, p.3-4).

3.2.4 Homofobia já era115

Uma última família parafrástica de nossa pesquisa diz respeito à


homossexualidade e aos homossexuais a partir do processo de aceitação, de
vivência do preconceito e do rechaço a ele. Esta FD 4 – Homofobia já era é
profundamente complementar a FD 3, pois se constitui como um sentido derivado
daqueles que ali se apresentaram: a homossexualidade é natural, deve ser vivida
honestamente e o preconceito é condenável; portanto, existem situações
discriminatórias que se associam à aceitação da própria homossexualidade (ou seja,
uma autofobia) e ao convívio com os homossexuais. Decidimos pela alocação
destes sentidos numa outra FP porque eles apresentaram uma reiteração muito
expressiva: em aproximadamente 46% (90 SDs) do arquivo. Entretanto, como são
reiterações de sentidos nucleares extremamente similares, focaremo-nos nos
exemplos mais significativos à análise.
Dentro desta FD 4, existem dois grandes grupos semânticos que poderíamos
resumir da seguinte maneira: (a) sentidos, visões e situações negativas sobre a
homossexualidade e sua vivência; e (b) sentidos, visões e situações de superação
do preconceito e aceitação da homossexualidade. Portanto, duas regiões de sentido

115
Esta FP foi responsável por, aproximadamente, 46% das SDs.
74

que se filiam à noção de que a homossexualidade produz momentos de dificuldade,


mas que sua aceitação é sinônimo de felicidade.
Das 90 SDs que constituem sentidos desta FD 4, quase metade
(aproximadamente 49%) constrói significações sobre o preconceito e as situações
ou valorações negativas associadas aos homossexuais e sua orientação sexual.

(SD 12) Opressiva também, claro, é a situação de George, refém de uma


homossexualidade inconfessável e de um luto que não pode ser demonstrado.

(SD 14) Sua melhor amiga (Julianne Moore) postula que um amor homossexual não pode
ser verdadeiro; é um mero substituto de um amor real.

(SD 91) Durante as trevas da Inquisição, arremessavam-se os gays à fogueira.

(SD 182) Carl Paladino, o milionário que concorre ao governo de Nova York, tem um
discurso tão grosseiro que assusta até seus aliados republicanos. Com olheiras de
Drácula e cara de senador do Piauí, o empresário Carl Paladino, 64 anos, podre de rico,
virou o candidato mais assustador que o radicalismo de direita produziu nesta
temporada eleitoral. Paladino é candidato do Partido Republicano ao governo do estado de
Nova York, onde reside o eleitorado mais liberal e democrata dos Estados Unidos.

(SD 193) A tolerância, porém, se desfaz como uma bolha de sabão nos casos de escândalo.
Pela lei islâmica, a sodomia é punida com a morte. Daí a célebre frase de Al-Saud: “Matei,
sim, mas que meu país fique tranquilo: não sou gay”.

É interessante observar como a SD 182 constrói sentidos pela polarização


entre homofobia e ideologia política conservadora. Assim, a matéria do jornalista
André Petry coloca, de um lado, pelo explícito: “grosseiro”, “assustador” e
“radicalismo”; e de outro, pelo implícito: “liberal” e “democrata” como sinonímia de
não homofóbicos. Como destacamos anteriormente, na FP 1, este texto (T14) vai
abordar, num ponto específico, o enfrentamento entre o candidato republicano e a
“minoria gay” de Nova Iorque. Portanto, há um deslizamento de sentidos muito claro
ao analisarmos as palavras empregadas no texto – os adjetivos principalmente –,
que vão associar a homofobia com um discurso conversador, radical e grosseiro.
75

Significativas são as SDs que dão conta do processo (doloroso) de


publicização da homossexualidade, principalmente no seio familiar. Aqui são
expressivas as ações verbais, como se pode notar nas diversas SDs abaixo:

(SD 104) Foi na internet que consegui arranjar a primeira namorada. Quando a coisa ficou
séria e eu quis levá-la a minha casa, contei a meus pais, que, como era esperado,
sofreram.

(SD 105) Meus amigos também já sabem que sou homossexual. No começo, estranharam.

(SD 108) Aos 16 anos, quando contei à minha mãe que preferia os homens às mulheres, ela
ficou possuída de raiva.

(SD 131) No dia em que meu filho finalmente se abriu comigo, aos 17 anos, fiquei sem
chão.

(SD 136) Ela chorou, disse que logo essa fase passaria, e o pior: contou para todo mundo.

Ficam marcados os sentidos de dor, estranhamento e dificuldade no processo


de assunção da homossexualidade. Esses sentimentos processam-se tanto por
parte do homossexual quanto por parte dos que convivem com ele – especialmente
os familiares. Aqui é central a noção de heteronormatividade (heterossexismo para
certos autores) que mencionamos anteriormente, pois tal conceito exprimiria “a
reprodução de práticas e códigos heterossexuais, sustentada pelo casamento
monogâmico, amor romântico, fidelidade conjugal, constituição de família (esquema
pai-mãe-filho (a) (s))”. (CALEGARI, 2006). Ou seja, as expectativas sobre a vida
futura de uma criança já se processam desde sua concepção, em que conjuntos de
sentidos já-dados socialmente são projetados sobre o menino ou a menina. A
frustração de tais expectativas depositadas significam um desmoronamento – e
requerem uma reconstrução:

(SD 129) Meus sonhos precisaram ser reconstruídos.

(SD 103) Sempre tive atração por meninas, só que morria de vergonha de me aproximar
delas e revelar o que sentia. Precisei de alguns anos para aceitar, eu mesma, a ideia.
76

Nesta FD 4, em particular, os relatos são significativos, afinal, como já


apontamos em outras seções, a fala oriunda daquele que tem a “propriedade” para
este dizer investem a publicação de maior credibilidade e, de mesmo modo, o
enfoque dado pelos depoimentos que o confirmam.

(SD 26) A reportagem mostra que se revelar homossexual para os pais ainda é algo tenso,
complexo e sofrido para um jovem.

(SD 110) O dia em que contei tudo, no entanto, foi um divisor de águas para nós dois. A
relação ficou muito tensa.

(SD 117) Sei que contrariei o sonho da minha família, de me ver de grinalda e com filhos,
mas a melhor coisa que fiz para mim mesma foi ser verdadeira.

(SD 130) Acho que toda mãe percebe, a contragosto e com dor, quando seu filho é
gay. Sempre tive certeza disso em relação ao Igor, mas alimentava esperanças de que ele
mudasse. Cheguei a rezar anos a fio por um milagre.

(SD 137) Minha família chegou a me encaminhar ao psicólogo. Depois, à igreja. Não foi
fácil, mas o alívio de compartilhar a situação me transformou em outra pessoa.

Outro grande conjunto de SDs desta FP (aproximadamente 45%) vai refletir a


ideia de superação do preconceito, de avanço da sociedade quanto à aceitação da
homossexualidade e dos homossexuais. Antes de as analisarmos, queremos
retomar um ponto já mencionado anteriormente: o entrecruzamento de sentidos e a
dificuldade de dissociá-los analiticamente. Primeiramente, cumpre destacar que
todas as SDs que constroem este sentido de “avanço e aceitação” da
homossexualidade estão nos textos T6 T8 ou T9: deste modo, associam-se bastante
com a FP 1, que procura polarizar os jovens e os adultos gays por meio de um
conflito geracional expresso em termos de “novo” e “antiquado”.
Esta consideração é relevante porque temos, neste caso, os sentidos que
enquadramos em duas FP diferentes combinados: nas SDs que vão refletir o avanço
da sociedade na aceitação da homossexualidade (FP 3) também teremos, e talvez
justamente por isso, o sentido de que tal avanço associa-se às novas gerações, as
77

quais não veem mais razão, nos dizeres da revista, para “juntar-se a organizações
de defesa de uma causa que, na realidade, não veem mais como sua” (SD 53). Ou
seja, há um reforço – uma reiteração – do sentido nuclear da FP 1 (descrito na
seção 3.2.1). A compreensão deste fenômeno não é periférica, pois denota tanto a
complexidade do processo discursivo jornalístico quanto a constituição efetiva do
discurso que apontaremos melhor nas Formações Discursivas que reúnem tais FPs.
Tendo sempre em vista, então, este processo de entrecruzamento de
sentidos, as SDs abaixo refletem a aceitação da homossexualidade como um
avanço notável de nossa sociedade – e também das famílias em particular. Há uma
reiteração intensa deste sentido, então optamos por destacar as mais significativas:

(SD 48) Esses meninos e meninas estão desfrutando uma convivência mais leve justamente
em uma fase da vida de muitas incertezas, quando a aceitação pelos pares é decisiva
para a saúde emocional e mental. Isso é um avanço notável.

(SD 61) A tolerância às diferenças, antes verificada apenas no ambiente de vanguardas e


nas rodas intelectuais e artísticas, está se tornando uma regra – especialmente entre os
escolarizados das grandes cidades brasileiras.

(SD 62) Uma comparação entre duas pesquisas nacionais, distantes quase duas décadas
no tempo, dá uma ideia do avanço quanto à aceitação dos homossexuais no país.

(SD 72) É com o tempo que a vida vai sendo reconstruída sob novas expectativas. Dois
anos depois da revelação, o namorado de Victor, filho de Suerda, frequenta sua casa sem
que isso seja motivo de constrangimento.

(SD 78) Antes fonte de tormento para alunos homossexuais, alvo de piadas, quando não de
surras e linchamentos, o colégio se tornou um desses lugares onde, de modo geral,
impera a boa convivência com os gays.

(SD 156) Quando meu filho assumiu ser gay, aos 16 anos – dez anos atrás –, fui criticada
por aceitar de maneira pacífica a "opção sexual" dele. Alguns disseram que eu deveria
lutar. Mas lutar com quem, e para quê?
78

Como se pode observar, a reportagem e as declarações que estão nas cartas


dos leitores (T8 e T9 respectivamente) compõem um cenário de aceitação da
homossexualidade na sociedade brasileira. Se uma série de considerações
poderiam ser feitas, de nossa parte, acerca desta “realidade”, parece-nos que a
revista, sintomaticamente, refletiu isto: de todo nosso arquivo, há uma única em que
se observa dissenso – de uma leitora.

(SD 167) Sou mãe de uma garota de 23 anos lésbica. Oxalá um dia as cores tão suaves e
plácidas da reportagem de VEJA se tornem reais, pois se, por um lado, hoje os jovens
têm maior liberdade para revelar sua homossexualidade, por outro, o mundo cor-de-rosa
apresentado está bem distante da sociedade brasileira.

O que esta SD vem a simbolizar é o que expressiva parcela da militância


LGBT afirmou116 acerca desta reportagem especial de Veja: a discursividade de um
mundo cor-de-rosa em que ser jovem e gay não era mais um drama estava longe da
realidade e o implícito ataque ao movimento LGBT era visível.117

Imagem 4 – Capa da edição 2.164

116
A quantidade é exaustiva. Selecionamos alguns apenas: Veja além das aparências
(http://homofobiajaera.wordpress.com/2010/05/11/veja-alm-das-aparncias/); Matéria da Veja: Ser
jovem e gay – a vida sem dramas! (http://fabricioviana.com/materia-da-veja-ser-jovem-e-gay-a-vida-
sem-dramas/); Ser jovem e gay: a vida sem dramas. Veja, mas não acredite.
(http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?cod=1592&idi=1&moe=84&id=15873). Acessos
em: 24 nov. 2010.
117
Há um fato político que também foi percebido pelos militantes: exatamente uma semana depois
ocorreria em Brasília a 1ª Marcha Nacional LGBT, que marcava a passagem do Dia Mundial de
Combate à Homofobia (17 de maio). O evento teve caráter eminentemente político e diferenciava-se
das Paradas festivas.
79

Apenas como exemplificação, podemos apor dois pontos em relação às SDs


62 e 78. A primeira SD faz referência a duas pesquisas sobre a homossexualidade e
sua aceitação. A mera leitura do trecho118 da matéria deixa, a um leitor atento, a
impressão de que há inconsistência da comparação. Veja-se:

Uma comparação entre duas pesquisas nacionais, distantes quase duas


décadas no tempo, dá uma ideia do avanço quanto à aceitação dos
homossexuais no país. Em 1993, uma aferição do Ibope cravou um número
assustador: quase 60% dos brasileiros assumiam, sem rodeios, rejeitar os
gays. Hoje, o mesmo porcentual declara achar a homossexualidade
"natural", segundo um novo levantamento com 1.500 adolescentes de onze
regiões metropolitanas, encabeçado pelo instituto TNS Research
119
International.

A publicação compara uma pesquisa nacional do Ibope com outra feita com
adolescentes de onze regiões metropolitanas. Coincidentemente, esta pesquisa de
1993 a que a revista se refere foi retratada por ela própria naquela que foi sua
primeira capa sobre os gays: a edição 1.287, de 12 de maio de 1993. Naquela
reportagem, consta que “a pesquisa [...] ouviu 2.000 pessoas no país inteiro. [...]
Por sua metodologia, os números do Ibope funcionam como um termômetro dos
humores das grandes camadas da população.” (grifos nossos).120 Já a outra
pesquisa, realizada por uma empresa121 (e não um instituto) que faz pesquisa de
mercado, entrevistou menos pessoas, apenas jovens, e somente de regiões
metropolitanas. A comparação é, a nosso ver, flagrantemente desonesta, mas serve,
justamente, à construção discursiva de que a homossexualidade é mais aceita pela
sociedade – o que nos parece natural considerando-se a passagem do tempo e a
evolução do Brasil quanto aos costumes – e, por isso, não há porque engajar-se
politicamente. É a conclusão decorrente do fenômeno que produz um discurso
condizente com a Formação Ideológica da revista.
Quanto à SD 78, a afirmação do veículo acerca da convivência com gays nas
escolas ser boa é, acreditamos que intencionalmente, vaga. Toda a reportagem, em
suas ressalvas, caracteriza bem que o quadro geral que ali se apresenta refere-se,
eminentemente, às camadas mais altas da sociedade. Portanto, é de se presumir

118
Em nosso arquivo, o trecho inteiro corresponde às SDs 62, 63 e 64.
119
A GERAÇÃO tolerância. Veja, edição 2.164, p.109-110, 12 de maio de 210.
120
O MUNDO gay rasga as fantasias. Veja, edição 1.287, p.52, 12 de maio de 2010.
121
Do site da empresa: “A TNS é a maior empresa de pesquisa de mercado customizada do mundo.
Especializada em prover insights e orientações para auxiliar seus clientes na tomada de decisões, a
empresa detém amplo conhecimento sobre diferentes segmentos de negócios: Consumo, Telecom &
TI, Financeiro, Varejo, Healthcare e Automotivo”. Disponível em:
<http://www.interscience.com.br/empresa.asp>. Acesso em: 21 de nov. 2010.
80

que a afirmação sobre a convivência com a diversidade nas escolas ter mudado
(antes fonte de tormento para alunos homossexuais, alvo de piadas, quando não de
surras e linchamentos, o colégio se tornou) refira-se às escolas particulares.
“Estranhamente”, a reportagem não cita qualquer dado ou pesquisa sobre a
questão, embora traga uma declaração da orientadora do Colégio Bandeirantes
(escola particular tradicional da cidade de São Paulo) para dar suporte à sua tese.
Entretanto, as pesquisas nacionais sobre bullying e discriminação aos LGBTs na
escola demonstram que a realidade, no país como um todo – tanto em escolas
particulares quanto públicas –, é bem diferente.122
Por fim, outras SDs desta FP 3 vão reforçar o sentido de avanço na aceitação
da homossexualidade e dos homossexuais associado às novas gerações – questão
esta que abordamos mais detidamente na seção 3.2.1.

(SD 39) A geração tolerância.

(SD 41) É uma conquista da juventude que deveria servir de lição para muitos adultos.

(SD 59) São marcas de uma geração que, não há dúvida, é bem menos dada a
estereótipos do que aquela que a precedeu.

(SD 75) Um conjunto de fatores ajuda a explicar o fato de a atual geração gay ser mais
livre de amarras – alguns de ordem sociológica, outros culturais.

(SD 98) Contar para a família ainda é tenso e complexo, mas os gays convivem hoje com
uma geração que encara as orientações sexuais com crescente naturalidade.

(SD 150) É maravilhoso perceber que a sociedade mudou suas linhas de pensamento.

(SD 157) Se ele se assumiu gay em um país machista e preconceituoso, como era o Brasil
daqueles dias, tratava-se de algo sério e bem mais forte do que ele.

122
Vide ABRAMOVAY, 2004; JUNQUEIRA, 2009; FIPE, 2009. Disponíveis em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001339/133977por.pdf,
http://www.reprolatina.org.br/site/pdfs/diversidade_sexual_na_educacao.pdf e
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13917:pesquisa-diversidade-
na-escola&catid=194:secad-educacao-continuada&Itemid=871 (respectivamente)
81

(SD 159) Fico orgulhosa e aliviada por essa nova geração no Brasil poder usufruir o
respeito que merece.

Deste modo, o sentido de que o preconceito foi superado, nuclear nesta FP 4,


também desliza, de modo implícito e não diretamente, para reiterar os sentidos a
que nos referimos na FP 1, ou seja, de que a homossexualidade é uma
característica individual cuja dimensão coletiva/política não existe; logo, sua
associação a movimentos sociais é antiquada. É justamente a polarização entre
gerações (velha/militante e jovem/despolitizada) que reforça o sentido de
associativismo político ser antiquado (velho).

3.2.5 A homossexualidade diagramada em Veja123

Diante do quadro analítico que aqui referimos, fica evidente que há: (1º) um
processo discursivo que coloca a homossexualidade e os homossexuais em cena
(em discurso) por meio de seu sofrimento com a autoaceitação e a homofobia; mas
que também o faz, como que pelo oposto, por meio da (re)inscrição da
homossexualidade na esfera privada, uma espécie de pré-Stonewall; (2º) este
processo complexo descrito no 1º item ancora-se numa filiação de sentidos que
focaliza o político; dizemos isso porque a homossexualidade e os homossexuais
também são discursivisados em Veja por meio da oposição à noção de identidade
coletiva (identidade sexual politizada), o que vai derivando, por efeitos metafóricos,
para um sentido-histórico muito forte: o associativismo político é desnecessário; é
antiquado; não se configura mais como relevante dado o estado de aceitação quase-
plena da homossexualidade.
Queremos frisar, neste gesto interpretativo que fazemos, que tais sentidos
instauram-se “solidariamente”: não é exagero dizer que os deslizes, as sinonímias, a
rede de não ditos vão se articular de modo tal que os sentidos “parecem” todos
juntos, uno. O que fizemos, portanto, foi apartá-los analiticamente para, então,
visualizar seus procedimentos de ocorrência, o modo como significam a ideologia.

123
Aqui estamos querendo referir à palavra diagrama: representação gráfica de um fenômeno por
meio de linhas, pontos, etc. (Caudas Aulete)
82

Enfim, é com base nestas breves considerações que propomos nossa teia
semântica referida à página 52. A partir dela que iremos abordar as Formações
Discursivas e Ideológicas.

Imagem 5 – Teia Semântica

Todas as FP ajudam a constituir, por deslizamentos de sentido e


silenciamentos, como já referimos, a FD 1 – Gays modernos: afeto em casa e
identidade no armário. Assim, a homossexualidade é significada como atributo
individual, moralmente neutro, sem vínculos sociais e políticos (com o coletivo), não
produtora de identidade sexual coletiva. Ideologicamente, há o combate à ideia de
movimento social e político associado à homossexualidade, colocando-a no âmbito
da esfera privada. Por seu turno, a FD 2 – Ser gay é legal: sim ao afeto, não à
homofobia é a que afirma que a homossexualidade é natural, é uma manifestação
humana, é condenável que se discriminem homossexuais, viver a
homossexualidade de forma plena é saudável e o preconceito é inadmissível.
83

Tentamos exprimir visualmente o que concebemos: assim, temos a FD 1


como hegemônica, porque a ela se reportam (e a conformam) “todos os sentidos”
(adequadamente, todas as FPs em alguma medida), sendo que as noções de
movimento LGBT ultrapassado (FP 1) e homossexualidade sem identidade/rótulo
(FP 2) são-lhe basilares, construindo suas regras em termos do que pode e deve ser
dito, ou seja, Veja não poderia falar de outra maneira dada sua localização
(hegemônica) no campo jornalístico, dado seu imaginário em relação a seu leitor
(veja-se a questão socioeconômica na seção 1.2.1), dada sua inscrição histórica (e
constitutiva de si) num espaço ideológico de centro-direita, comprometida com os
valores do modelo capitalista (neo)liberal e (re)produtora histórica de sentidos que
opõem a organização social (em movimentos, sindicatos, grupos) à “normalidade
social”; também temos a FD 2 como complementar à FD 1, porque, se de um lado
constitui seu sentidos autonomamente – centralizando os sentidos de
homossexualidade como natural (FP 3) e homofobia como condenável (FP 4) –, nos
deslizamos destas duas FPs também consitui a FD 1 dominante, reforçando a
oposição “novo” e “velho”, reiterando (sinonimicamente) a inscrição da
homossexualidade na esfera privada, da casa, do privativo, em oposição a uma sua
vivência no espaço público.
Os tamanhos das FP na teia dão esta ideia: a FP 1 e a FP 2 constituem
nuclearmente a FD 1; a FP 3 e a FP 4 constituem nuclearmente a FD 2, mas
também constituem, por procedimentos menos claros (mais opacos) a FD 1.
Que diríamos então deste quadro? Veja não é homofóbica e não apoia a
homofobia. Parece-nos ela mesma ter dado a resposta a esta sua filiação a uma
tolerância (geração tolerância, era de tolerância...) neutra da homossexualidade.124
O leitor de Veja, majoritariamente dos substratos ricos da sociedade, não se alinha
com um discurso violento, discriminatório, que coloque em risco o Estado
Democrático de Direito (eminentemente no que diz respeito à segurança jurídica).
Entretanto, quando o assunto entra nas questões de matiz política por
natureza, Veja tem um discurso conservador e liberal.

3.2.5.1 Das inscrições ideológicas


124
Eis, na SD 177: O que mudou? O calendário. O marido de Cristina, Néstor Kirchner, que deve
concorrer à eleição presidencial de 2011, quer recuperar o apoio da classe média portenha, em
geral favorável à nova lei, depois que seu partido perdeu a maioria no Congresso, no ano passado.
84

Cremos já ter posto em questão nossa interpretação acerca do ideológico em


que se inscreve Veja. Naturalmente, isso não é fácil em termos de uma identificação
“da ideologia aquela”, porque, afinal, o discurso jornalístico, por excelência, é dotado
de uma série de atores que constituem tal campo, significando e disputando os
sentidos. Todo modo, compreendemos que Veja não poderia dizer outra coisa
porque seu contrato de leitura é com uma faixa leitora de classe média alta e classe
alta para a qual a discriminação, genericamente, é execrável, pelo menos de forma
pública. Assim, é preciso significar isto, mesmo que por meio de outros sentidos
(metafóricos) que vão respaldar a filiação ideológica do veículo. Além disso, seu
papel dentro do campo é de hegemonia: a publicação representa o jornalismo
informativo nacional das revistas semanais; o que publica tem impacto nos debates
políticos e sociais da sociedade; seu discurso precisa estar sintonizado, em certa
medida, com o que a retórica Ocidental reserva à diferença modernamente: ela deve
ser respeitada, inclusive por meio de legislações. Veja não poderia dizer outra coisa,
pois, seu papel dentro do campo é o de defesa de um Estado democrático liberal,
em que o Estado tenha uma presença menor possível, de modo a cultivar os valores
de livre mercado e da individualidade.
A noção de identidade aqui se dá, exclusivamente, pelo respeito à filiação
“natural” dos indivíduos a uma característica: negros são negros, gays são gays,
mulheres são mulheres, etc. A passagem desta identidade a uma identidade
politizada (cf. Adelman) é combatida pela publicação, ao menos especificamente no
caso da identidade (homo)sexual politizada. Assim, militar por uma causa, defender
uma bandeira, elevar a homossexualidade a um status de característica constitutiva
do ser e mobilizadora de sua atuação política na sociedade é antiquado, bobo,
desnecessário. Há um cultivo ao valor da individualidade, pendendo a um
individualismo. Por procedimentos vários, os sentidos vão desembocar numa
condenação à organização coletiva em movimentos sociais cuja atuação seja
política, ou seja, o movimento LGBT é significado como algo do passado, já que hoje
os homossexuais são aceitos e uma série de conquistas foram dadas/concedidas –
não conquistadas – pelo poder público (o Estado) e pela própria evolução da
sociedade.
85

CAPÍTULO 4
INTERRUPÇÃO MOMENTÂNEA DO PROCESSO DISCURSIVO – OU
É PRECISO ENCERRAR

A problemática da identidade sexual ganha sentido e relevância em um


contexto histórica e culturalmente delimitado. Ela se ancora e se impregna
do lugar que a sexualidade desfruta/ocupa na cultura ocidental como locus
privilegiado da verdade do sujeito. (Maria Luiza Heilborn)

A tudo que expusemos aqui, já temos dúvidas, questionamentos,


interposições teóricas a fazer. É evidência do processo discursivo que não se
encerra jamais, e também do interdiscursivo. Temos consciência de que várias
outras análises poderiam ser feitas sobre este mesmo material. Debruçando-se
sobre outras nuances da homossexualidade, como por exemplo, da bissexualidade
ou da presença inexpressiva de abordagens sobre travestis e transexuais na
publicação; ou ainda sobre a construção semântica que coloca a homossexualidade
como característica a ser assumida, contada, revelada, declarada, enfim, enunciada,
em oposição a uma compulsória e já-dada heterossexualidade, que se manifestaria
de forma natural (naturalizada, na verdade) nas relações sociais e familiares – o que
tem se chamado de heterossexualidade compulsória.
Com o diagrama (teia semântica) que propusemos, procuramos articular o
todo discursivo e a complexidade dos sentidos que não se constituem (a linguagem
não é transparente) no nosso gesto interpretativo de modo fácil. Na persistência, na
retomada e na reavaliação do que analisamos, certamente teríamos encontrado
outras metáforas, mais e outros deslizamentos, e, portanto, mais discursos, mais
história, mais ideologia.
De mesmo modo, deixamos suspensas uma série de questões teóricas sobre
o jornalismo na sua especificidade: seja como forma de conhecimento, seja como
gênero discurso, seja ainda por meio de seus processos de relação com o leitor
(imaginado, virtual) por meio do contrato de leitura.
Gostaríamos, apenas, de referir a uma questão que tocamos brevemente ao
falar do Manual de Comunicação LGBT e de seu caráter propositivo-normativo em
relação à abordagem (discursiva) da mídia. Como dissemos, em artigo ainda não
publicado, construímos uma grade analítica que cotejava os elementos presentes no
Manual com as possibilidades de enquadramento (não estamos falando aqui do
86

enquadramento como conceito dos estudos de jornalismo) da temática da


homossexualidade e/ou da diversidade sexual na mídia. Uma primeira discussão
sobre este procedimento foi feita por nós em artigo apresentado no Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação neste ano.125 De lá para cá, vimos que tal
procedimento não nos seria frutífero dentro do escopo da AD – seria mais adequado
a uma análise de conteúdos. O exemplo que trazemos é deste próprio trabalho: em
todo nosso corpus, tivemos as seguintes ocorrências linguístico-sintáticas:
homossexualismo (2 vezes); homossexual(is) (14 vezes); homossexualidade (16
vezes); gay(s) (56 vezes); lésbica(s) (05 vezes); orientação sexual (03 vezes); e, por
fim, algo interessante: homofobia (nenhuma ocorrência) – apenas uma ocorrência da
palavra homofóbico. Como já está claro, as palavras, per se, não constituem
sentidos, elas precisam do sujeito e da ideologia. Com tal tipo de análise da
ocorrência linguística de tais e tais palavras, das quais “x por cento” são
consideradas inadequadas pelo movimento LGBT e “y por cento” são consideradas
positivas, não teríamos nada de concreto para avançar e interpretar. Portanto, a
colocação da língua em (dis)curso mostra-se fundamental cada vez mais para
pensarmos os sentidos, as disputas, as rupturas e as inscrições/filiações no
complexo quadro social e ideológica das sociedades.
Enfim, somos profundamente cônscios das múltiplas possibilidades de se
aprofundar ou expandir a análise dos sentidos que aqui estudamos a partir do
mesmo corpus. É, aliás, a própria clareza de que os sentidos expandem-se na
leitura – o jornalismo é um discurso que se dá como produção e efeito de sentidos
entre sujeitos – que nos permitem afirmar que um conjunto de sentidos outros estão
inscritos nesta materialidade discursiva, e que outros olhares (intersubjetividades) e
outros aportes (interdiscursos) possivelmente produziriam outros gestos
interpretativos. Diferentes e válidos igualmente. Complementares sem dúvida.

125
COLETTO, L. H. ; AMARAL, M. F. Manual de Comunicação LGBT: exercício metodológico para
pesquisar a homossexualidade na mídia brasileira. In: XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da
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92

ANEXO A – CORPUS (em ordem cronológica)


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