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O CINEMA E A LITERATURA NA ESCOLA

Ms. Marciano Lopes e Silva (UEM; PG-UNESP/Assis)

I. A situação do cinema no ensino escolar

A velocidade do avanço tecnológico às vezes surpreende a nós que já


passamos da balzaquiana idade, mas o mesmo não acontece com as crianças e
os adolescentes. Para eles é tudo muito natural. Cinema, televisão, painéis e out-
doors eletrônicos, vídeo-game, vídeo-clip, vídeo-cassete, DVD, celular,
computador e internet são coisas acessíveis não somente aos jovens de classe
média e alta. Junto com o desenvolvimento tecnológico e industrial amplia-se
cada vez mais o número de códigos e linguagens em circulação juntamente com
as gírias, reflexo de uma aldeia global que, ironicamente, dia a dia mais se
tribaliza. Para eles, o que deve causar espanto – mesmo que de modo
inconsciente – é outra coisa: a imensa ausência de toda esta variedade de
canais, códigos e linguagens no espaço da escola.
Desde os anos 60 há um esforço sempre maior no sentido de democratizar
a escola e colocá-la em sintonia com a sociedade, o que transparece na
produção teórica de professores universitários e estudantes de pós-graduação,
nos inúmeros congressos na área educacional, nas pesquisas sobre leitura e
novas metodologias de ensino e na luta pela democratização da escola e por
melhores condições de trabalho. No entanto, a contínua pauperização e
massificação do ensino, decorrentes da política de privatização no Brasil, tem
dificultado em grande escala o sucesso de tantas tentativas de renovação. A má
formação dos professores, os baixos salários e as péssimas condições de
trabalho levam a uma desvalorização da profissão que gera um círculo vicioso.
Desvalorizadas, as licenciaturas não atraem os melhores alunos, mas aqueles
que não conseguiram passar nos cursos de primeira opção ou que não podem
estudar em tempo integral. Perante esta “clientela” intelectualmente deficitária, o
professor universitário nivela a sua aula pela média, que é baixa, e aquele que
não trabalha no ensino superior, por mais bem intencionado que seja, terá
inúmeras dificuldades de superação e crescimento. Com um salário miserável,
sem tempo para o estudo e preparação das aulas, sem uma política que lhe
permita aperfeiçoar-se em cursos de pós-graduação ou de especialização e sem
material atualizado nas escolas em que trabalha, como pode o professor lutar
com galhardia? Difícil, mas não impossível.
Entre os obstáculos apontados, a falta de recursos materiais talvez seja um
dos menos difíceis de ser transposto. Embora as bibliotecas continuem
deficitárias, normalmente encontram-se nas escolas alguns aparelhos resultantes
do avanço tecnológico que potencializam a prática educativa com outros textos
além de livros, jornais e revistas. O aparelho de som (normalmente de fita-
cassete), a televisão e o vídeo são exemplos mais comuns, posto que a presença
do computador é bem mais recente e bem menos disseminada, embora existam
esforços – mesmo que às cegas – em utilizá-lo com o intuito de modernizar as
aulas e conquistar a atenção dos alunos. Mesmo assim, espanta o quão pouco se
trabalha com o cinema e a pobreza na sua abordagem quando isto é feito.
É claro que poderia fazer a mesma observação acima com respeito ao uso
da música, do vídeo-clip, das histórias em quadrinhos e dos reclames que

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circulam em revistas ou mesmo em out-doors, embora a música e os reclames
sejam utilizados com certa freqüência (creio) em aulas de literatura e de língua
portuguesa. No entanto, o discurso cinematográfico tem o mérito de ser
constituído por inúmeros códigos e linguagens – o que o torna um excelente
material para o trabalho nas aulas de língua e literatura.

(...) o cinema é uma linguagem “compósita” desde o nível da matéria de


expressão. Não só tem possibilidade de comportar vários códigos, mas
várias linguagens (...) por isso, difere de outros meios de expressão que,
mesmo que codicamente heterogêneos, não são compósitos fisicamente:
como a música clássica, onde a matéria do significante consiste
uniformemente em “som musical”, a linguagem oral onde ela se reduz a
som fonético, a escrita onde ela se reduz a traços gráficos, etc. (METZ,
1980: 39-40).

Outro importante aspecto que favorece o uso do cinema no ensino é a


possibilidade do professor utilizá-lo com o objetivo de transpassar os filtros
afetivos dos alunos, vencendo a resistência para o trabalho e para a reflexão dos
conteúdos programáticos – especialmente tratando-se de literatura e história –
existente, segundo Kashen, em “fatores de personalidade e atitudes de
identificação ou rejeição da cultura” (apud ALMEIDA FILHO, 1987:28). A maior
materialidade da linguagem cinematográfica, devido ao som e à imagem, permite
uma mais fácil compreensão de conceitos, hábitos, costumes e fatos histórica e
culturalmente distantes no espaço e no tempo, driblando, deste modo, a natural
dificuldade de abstração.
Mas apesar dos esforços dos professores em acertar o passo com o mundo
moderno através do uso do cinema em sala de aula, a falta de preparo teórico e
prático para ta nto tem geralmente resultado em experiências frustradas ou em
resultados muito aquém daqueles possíveis – conforme revela a leitura da tese
de doutorado de Cristina Buzzo (1995). Em sua pesquisa, ela busca identificar as
metodologias empregadas no uso do filme em classe, pois considera “importante
examinar como o educador constitui sua atuação de pesquisador, quais os
indícios e dados sobre os quais baseia sua análise e funda suas tentativas e
inovações” (BUZZO, 1995: 124). Para encontrar respostas, ela entrevista cerca
de 50 professores de diversas áreas e aproveita a participação de mais de 1.161
outros em seminários de educação.
Após a análise dos dados coletados, Cristina Buzzo constata o mal uso do
cinema em sala de aula, o que se deve, principalmente, ao desconhecimento da
linguagem cinematográfica e à desconsideração de sua dimensão estética
quando obra ficcional. De modo geral, “o professor vê o cinema como material
didático em forma de imagens, confiando na realidade aparente dos
acontecimentos filmados; ou o filme ilustra aquilo que foi longamente falado em
sala de aula, ou permite ao professor suprimir sua fala” (BUZZO, 1995: 101).
Há uma grande ingenuidade na percepção que o professor tem do filme. Por
um lado, ele esquece que o cinema também é representação e que o “olhar” da
câmera não é neutro nem impessoal; esquece que as imagens não são
reproduções objetivas do mundo. Por outro, ele apresenta, com freqüência, um
envolvimento afetivo com o herói e a trama, o que resulta numa recepção
passional incapaz de sustentar uma análise objetiva. Por fim, constata-se que o
filme se transforma em pretexto para o trato de questões extrínsecas, atendendo

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a usos que variam desde finalidades moralizantes até ilustrativas e/ou
informativas.
Assim como é lícito ao crítico ou ao sociólogo privilegiar os aspectos sociais
da trama ou os problemas pertinentes à produção e à circulação do texto,
também é lícito ao professor privilegiar o aspecto que mais lhe interesse (o social,
o histórico, o geográfico, o biológico etc.); no entanto, é importante que não
esqueça de considerar as dimensões estética e narrativa da obra, sob pena de
fazer uma leitura ingênua dela – quando não equivocada. Não há porque
condenar um professor de história – ou mesmo de literatura – que utilize filmes
ficcionais como subsídio para a sua aula. Utilizar Danton, o processo da
revolução para estudar a Revolução Francesa ou A missão para estudar a
catequização e o extermínio indígena no período colonial é um procedimento
válido, desde que o professor não esqueça de que está utilizando como fonte de
conhecimento uma obra que é ficcional e artística. Olvidar as particularidades da
linguagem cinematográfica leva ao equívoco de tomar as imagens como idênticas
ao “real” e, por conseguinte, tomar as narrativas como objetivas e “verdadeiras”.
É lícito que o professor privilegie na sua análise os personagens e os aspectos
históricos da trama, mas deve lembrar os alunos de que os personagens são
ficcionais e que tanto eles quanto os fatos que compõem a narrativa são vistos e
tramados por um ponto de vista que nunca é imparcial e objetivo! Além do mais,
seria muito empobrecedor e medíocre projetar um filme de ficção para depois
tratá-lo como um documentário jornalístico ou, ainda pior, como um baú de
variedades onde se pode pinçar qualquer objeto e tomá-lo isoladamente em
prejuízo dos restantes. A mesma crítica é válida para o seu uso como recurso
ilustrativo na disciplina de literatura e isto é, para a nossa tristeza, o que
provavelmente tem acontecido, pois “há indicações de uso de adaptações
cinematográficas de obras literárias, escolhidas para o vestibular, como forma de
ampliar a discussão dos livros, mas também como substituto deles, na forma de
resumo audio-visual (BUZZO, 1995:142).
É necessário mudar esta realidade e fazer da escola um espaço de
formação de um leitor crítico e competente não apenas do texto verbal, mas de
todas as modalidades circulantes na sociedade. Nesta luta pela sintonização do
ensino escolar com o tempo e o espaço exteriores à escola, o uso do cinema tem
muito para contribuir. Pensando nisto, a proposta que segue visa conciliar
diferentes e geralmente contraditórias aspirações: o ensino da literatura e/ou da
história literária, por um lado; a leitura e o estudo das obras exigidas pelo
vestibular, por outro. Como se vê, ela é voltada para os professores de literatura,
mas não será em vão a sua leitura por professores de outras áreas (como
sociologia, educação artística e história), visto que o bom uso do cinema em
classe requer conhecimentos básicos das teorias da narrativa e do cinema.

II. Propostas metodológicas

Em um primeiro momento talvez assuste a idéia de estudar a literatura e o


cinema comparativamente, visto que os professores, com raras exceções, não
possuem formação teórica sobre o segundo. No entanto, a dificuldade é muito
mais aparente do que real. Aquele professor de literatura que tiver um bom
domínio sobre a teoria da narrativa provavelmente não terá muitas dificuldades

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em realizar a proposta. E para compreendê-la, é necessário inicialmente
considerarmos as diferentes significações dos termos literatura e cinema.
Tanto um como o outro podem designar, num sentido amplo, não apenas as
obras cinematográficas e literárias como também o seu sistema de produção,
circulação e recepção. A segunda concepção é compartilhada por Antonio
Candido (1981: 23), que considera a literatura como “um sistema de obras
ligadas por denominadores comuns” em que se distinguem elementos intrínsecos
(língua, temas, imagens) e elementos extrínsecos de natureza social e psíquica.
O mesmo acontece com o cinema, pois o filme se inscreve em um sistema no
qual há inúmeros outros elementos que interferem na sua elaboração e na sua
recepção pelo público. Muito mais do que acontece com a obra literária, o
sucesso ou o fracasso do projeto artístico do cineasta depende de uma equipe de
profissionais, das condições financeiras e técnicas da produção e das condições
e expectativas do mercado.
As considerações de Antonio Candido – importantes principalmente para
uma compreensão sociológica dos fenômenos artísticos – não devem ser
esquecidas pelo professor, mas dizem respeito a uma esfera de significação dos
termos que não pretendo privilegiar. Na proposta que apresento, os termos são
utilizados na primeira significação apontada, pois o enfoque se encontra no
estudo comparado das narrativas literária (o romance, a novela, o conto etc.) e
cinematográfica (o filme, curta ou longa-metragem), de tal modo que o destaque
é dado à linguagem e não aos demais aspectos pertinentes à produção – o que
tornaria a abordagem muito mais complicada, visto a importância das dimensões
tecnológica, econômica e mercadológica na confecção de um filme. Por tal
motivo, não é uma tarefa tão difícil para o professor de literatura colocá-la em
prática, posto que o código narrativo é translingüístico.

O código que um romance e sua tradução fílmica mais compartilham é o


código narrativo. (...) O código narrativo, ou discurso narrativo, é uma
camada autônoma de significação com uma estrutura que pode ser isolada
da linguagem específica que o transmite. A mesma narrativa, ou história,
pode ser transmitida num livro, num filme, em quadrinhos ou até por gestos
sem modificar sua estrutura (JOHNSON, 1982: 22-3).

Considerando as exigências impostas pelo conteúdo programático da


disciplina de literatura no ensino médio, o professor não poderá estudar o cinema
tomando-o como um conteúdo isolado em classe, motivo pelo qual deverá
amarrar o seu estudo ao estudo da obra, da teoria ou da história literárias. No
entanto, tal subordinação não implica necessariamente no deslocamento do filme
para um segundo plano de interesse, prática que o transformaria em pretexto
para o estudo de elementos extrínsecos sem a consideração do que é específico
da sua ling uagem. Para evitar tal equívoco, não é solução o professor recusar
qualquer abordagem que não seja estética ou estilística, o que também seria
empobrecedor. Conforme defende Antonio Candido com relação ao estudo da
obra literária, qualquer abordagem – seja sociológica, psicanalítica, histórica etc.
– é lícita na medida em que os elementos analisados sejam intrínsecos à obra e
assim sejam considerados, ou seja, na medida em que o elemento externo
“desempenha um certo papel na constituição da estrutura, torna ndo-se, portanto,
interno” (CANDIDO, 1985: 4).

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Conforme foi dito, o professor de literatura poderá trabalhar com o cinema
privilegiando algum dos três grandes objetivos gerais relacionados ao conteúdo
programático (teoria literária, leitura crítica e história da literatura). Para isso, ele
poderá seguir um dos três procedimentos abaixo:

1) utilizar um filme ou fragmentos com o intuito de estudar a estrutura narrativa;


2) utilizar um filme para realizar o estudo comparado da tradução fílmica de uma
narrativa literária;
3) utilizar um filme como apoio ao estudo da história da literatura e das relações
entre literatura e história.

No primeiro procedimento, o objetivo é fazer com que o aluno


compreenda, através da análise de um filme completo ou de fragmentos fílmicos,
os diversos elementos estruturais da narrativa. Para tanto, o professor deve
trabalhar valendo-se da teoria literária. Com tal procedimento, é bem possível que
a concretude do texto fílmico torne mais fácil a tarefa de abstração dos conceitos
teóricos e da sua aplicação prática no trabalho de análise. No entanto, deve-se
ter o cuidado de considerar a significação e a funcionalidade dos elementos
analisados sem descontextualizá-los. Para evitar este problema e melhor
satisfazer os alunos, é recomendáve l inicialmente a projeção do filme para uma
leitura prazerosa e lúdica. Depois de realizada a projeção e um debate livre
sobre a obra, o professor poderá realizar ou coordenar as seguinte tarefas:

• análise da estrutura narrativa do filme (com o objetivo de introduzir o estudo


teórico da narrativa literária);
• analise somente de algum determinado elemento da estrutura narrativa com o
objetivo de aprofundar o estudo teórico sobre este elemento.

No segundo procedimento, em que o filme é comparado à obra lite rária, o


professor passa a estudar dois diferentes modos de realização da estrutura
narrativa. Desta forma, ele pode desenvolver em classe a consciência da
linguagem, ou seja, demonstrar aos alunos que cada arte possui uma linguagem
própria e que uma tradução ou recriação fílmica jamais será “idêntica” ao original
literário. Para tanto, após a projeção lúdica e o debate livre, o professor poderá
realizar o estudo comparado com a obra literária conforme as possíveis
abordagens apresentadas abaixo:

• análise do grau de equivalência entre as histórias/fábulas/diegeses;


• análise do grau de equivalência entre as estruturas narrativas;
• análise dos elementos (temáticos e formais) característicos do estilo de época
em estudo;
• analise dos temas dominantes em cada obra;
• análise do grau de fidelidade ideológica na tradução da obra literária para o
cinema.

Embora estejam interligadas, o desenvolvimento de cada uma dos quatro


primeiros pontos pode ser feito de forma autônoma, mas o mesmo não vale para
o último. Para que se obtenha sucesso na discussão sobre o grau de fidelidade
ideológica da tradução cinematográfica é necessário a realização das análises e

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discussões previstas nas propostas anteriores, pois necessárias para que o
professor alcance uma compreensão holística de cada obra.
Baseando-se na teoria da narrativa – que não lhe é estranha – o professor
de literatura tem um caminho que lhe é familiar e que, portanto, pode lhe dar a
segurança necessária para enfrentar o desafio de navegar por outras artes e
linguagens. Para tanto, proponho o roteiro de análise tradicionalmente utilizado
no estudo de obras literárias (cf GANCHO, 1983) e que consiste em analisar
separadamente cada nível de composição para depois retomá-los em conjunto,
buscando compreender as inter-relações existentes e necessárias à manutenção
da arquitetura da obra literária, ou seja, do sistema narrativo por eles formado. No
transcorrer do trabalho, o professor pode analisar cada nível de composição na
seguinte seqüência: história (fábula ou diegese), personagens, tempo, espaço,
narração e enredo segundo um recorte determinado pelo objetivo proposto e
sempre procurando identificar os motivos que dão sustentação ao(s) tema(s)
central(ais) da obra em estudo e a maneira como os diversos níveis narrativos
são organizados na elaboração do enredo .

A matéria narrada é disposta horizontalmente em unidades sintagmáticas,


mais ou menos autônomas de sentido, a que podemos chamar seqüências
(S). À reunião de várias seqüências designa-se Macrosseqüência (MS).
Cada seqüência pode ainda ser “pulverizada” em microsseqüências (mS).
Tais unidades se compõem de episódios, situações, incidentes, que,
trabalhados pelo discurso do narrador, constituem o enredo. Se se
examinar o enredo no plano paradigmático, depreender-se-á o seu tema,
tecido pelo conjunto dos motivos, que são as unidades menores nesse
plano (amor à primeira vista, viagem, rivalidade entre irmãos são exemplos
de motivos). (MESQUITA, 1987: 26-7)

Os conceitos e o procedimento de análise do enredo apresentados acima


também servem para a análise do filme de ficção, pois toda narrativa se
segmenta em seqüências autônomas e a análise por seqüências é o melhor
caminho para o desmembramento da estrutura arquitetônica da obra nas
menores unidades que contenham todos os níveis de composição.
Com relação ao terceiro procedimento , em que o filme é utilizado em
apoio ao estudo da história da literatura, ou das relações entre literatura e
história, o professor poderá projetar uma obra biográfica sobre os autores em
pauta ou um filme baseado em uma obra literária com o objetivo de estudar as
características do estilo de época ou de familiarizar os alunos com os hábitos,
costumes, moda, arquitetura, fatos e personagens históricos retratados pela obra.
Para isto, ele poderá:

• analisar a representação do espaço/tempo históricos do filme em comparação


com os equivalentes na obra literária traduzida/recriada;
• analisar as características do estilo de época da obra literária que foram
traduzidos/recriados pelo filme;
• analisar a representação dos personagens biografados (se for o caso),
observando, em especial, a sua concepção de arte com o objetivo de discuti-
la à luz da concepção estética do autor biografado e do estilo de época em
questão.

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III. Considerações finais

Ao realizar a análise comparativa, é importante que o professor não limite a


análise do narrador à identificação do foco narrativo, simplesmente classificando-
o em primeira ou terceira pessoa e nas suas demais categorias. Tal prática não
somente é desinteressante como empobrecedora, privilegiando um tecnicismo
vazio e acrítico. Diversamente, o professor deve levar seus alunos a
reconhecerem os seguintes aspectos relacionados à narração:

• o discurso do narrador nunca é realmente neutro – e muito menos o da


câmera;
• o discurso do narrador assenta -se sobre diferentes códigos dependendo da
natureza da narrativa – se ela é literária ou fílmica;
• a transposição do discurso do narrador literário para o cinema leva
necessariamente a mudanças não somente no código predominante como na
composição do enredo.

As observações acima são importantes porque muitos espectadores ainda


consideram o olhar da câmera como neutro. Esquecem que há uma seleção não
somente no enquadramento dos objetos e na composição dos planos como
também na montagem dos mesmos durante a elaboração final do filme. Mas há
muitos outros cuidados a serem tomados no trabalho proposto e, infelizmente,
não há espaço para uma apresentação detalhada de como o professor deve
proceder e como ele deve adaptar a teoria literária ao estudo da narrativa fílmica
– o que será feito posteriormente em outros artigos. Mesmo assim, espero que a
presente proposta e o minicurso apresentado (onde pude exemplificar a teoria
com a prática) sejam profícuos, possibilitando aos professores a abertura de
caminhos para o estudo da literatura comparada ao cinema tanto nas escolas
como nas instituições de ensino superior.

Referências bibliográficas

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MESQUITA, S. N. O enredo. 2. ed. São Pauulo: Ática, 1987. 77 p. (Série


Princípios)

METZ, C. Linguagem e cinema. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 39-40.

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