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FRUTO

Betomenezes

Primaveramente vem a brisa regada por uma força que se aninha por trás das montanhas.
O sol, mero figurante para as pedras que assam, já existe desde que se pariu do nada, ou
do quase isto. Dele vem a luz que arremessa sobre as folhas. O vento é quem leva o sol —
alguns dizem o contrário. Chega o sol, no entanto, enquanto o dia é dia. Toca na pele
verde do mato e alimenta. O mato aceita e se entrega, ao sol e ao vento que o refresca.

A brisa, ou um lagarto, trouxe a semente, que calhou cair entre os galhos e espinhos, mas
como se dissesse: não esperam que nasça? eu nasço! Se aninhou, bebeu da lama e da pedra
extraiu substrato-proteína e de rancor deixou que seus ramos nascentes se embrenhacem
e encrustacem entre as pedras. E assim nasceu a raiz. Foi-se o dia. Foram-se os dias. E o
sol, corria em disparada, em perseguição a lua crescente que sempre ia na frente.

Deu lua nova e já tinha um arbusto ou um projeto do que seria. E custosamente subiu,
catando o sol, respirando o dia e a noite, uivando a noite. Por anos.

Fez sombra para os bichos morrerem, de lá comeu o adubo. E as pedras, aos olhos do sol,
não havia mais pedras; foram cobertas, ou o tronco as arrancou, assim: truculento dos
seus lugares. Em anos, depois de chuva, vento e verve, tornou gigante. Arbusto crescido,
árvore virgem, que nunca floresceu. Gigante, além de tudo gigante. Antes de tudo virgem.

Até que veio a época da florescência. E ela, vegetal, não sabia o que seria. Gigante, no
entanto virgem, derretidamente inocente de sua essência. De seus galhos, surgiram
brotoejas enverdecidas e arredondadas. A árvore de folhas novas rasga a pele da novidade
em forma de caroço — outros a chamam de botão —, e por ela saem pétalas. Hóstias de
cor de sangue se abrem circular sobre a sua sexualidade recém-descoberta. Está em toda...
por toda árvore. E o cheiro vai longe, noutra brisa que passou por aqui. As pétalas se
esgueiram pesando sobre polens. Estes meninos afoitos pegam a vaga no primeiro vagão
de vento e vão.

Polens são poeiras que não doem nos olhos dos bichos, são pequenas porções de gametas
a procura de outra florescência.

E doutras flores, a gamela da flor que soltou o pólen recebe também o pólen. As pétalas,
até antontem envaidecidas, se encolhem do seu rubror-rubor, e enviuvadas, suicidam a si
para abraçar a causa dos bichos mortos e das folhas secas na cobertura do chão — a
humildade sólida encobrindo as pedras.

O que resta de flor se encasula padecendo do mesmo mal de botão. De novo,


protuberâncias; mas estas não eclodem em flor. A dor não é exposta nesta hora. É
momento da árvore consigo mesma. Árvore cheia da vida dos pássaros, dos humores
vazios da briguinha de criança do sol contra a lua. Ela inibe a beleza enquanto a semente
ou várias delas surgem da seiva, da brisa, do sol, do húmus.

Verde como suas folhas. Ascensão de cor. De vez. Maduro. Simples, como não é a vida. O
fruto se valida desta fase para viver — preso à mãe. Será que ele será colhido pelos bichos:
pássaros, morcegos; levados a ninhos, por vezes, carregados nas fezes, e regadas as
sementes em solo fértil, ou perto das pedras feito sua mãe: grande arbusto, não mais
virgem? Mãe cheia de flor, de fruto maduro, que, quando não são saqueada pela fauna,
deixará os filhos abraçarem o ar em sua mais singela podridão, e se juntarem aos cadáveres
das pétalas viúvas, estimulando sua mãe a devorá-lo.

Vem a brisa, vem o sol, e o ciclo — a mãe devora o filho. As folhas caem, seguem em
caravana, com novos polens de novas flores enviuvadas. O fruto caem, as flores caem, e a
árvore vai alargando sua cintura, dando mais sombra ao húmus que ironicamente protege
do braseiro solar as pedras que a primordial semente quis devorar.

Baseado no poema USUFRUTO de Leo Barbosa

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