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Exmo.

Senhor
Director da Escola S/3 de S. Pedro,
Dr. Manuel Conceição Coutinho
VILA REAL

Vila Real, 07.FEV.2011


ASSUNTO: Pedido de escusa da minha participação,
enquanto relator, na avaliação do
desempenho docente.

Designado ao abrigo do n.º 1, do art.º 13.º, do Decreto-Regulamentar n.º 2/2010, de 23


de Junho, de acordo com os critérios estabelecidos nas alíneas a) e b), do n.º 3, do art.º
13.º, do Decreto-Regulamentar n.º 2/2010, de 23 de Junho, pelo docente Armindo
Correia Alves Dias, do grupo disciplinar de Educação Física, posicionado no escalão
nono, com o grau académico de Licenciatura em Educação Física, para o exercício das
funções de relator com as competências mencionadas nas alíneas a), b), c), d) e e) do n.º
2 do art.º 14.º do citado Decreto-Regulamentar, em 20 de Julho de 2010, considero ser
meu dever profissional passar a expor a V. Ex.a o seguinte:

1. Como V. Ex.a sabe, as competências avaliativas, assim como outras, não são
exclusivamente matéria do domínio da forma, são, antes de mais, matéria do
domínio da substância. Deste modo, como V. Ex.a igualmente sabe, não é
condição suficiente a lei determinar que alguém tem competência para realizar
uma determinada função para que esse alguém passe a ter, substantivamente,
essa competência. Neste domínio, como em vários outros, aquilo que é
determinado pela lei constitui uma condição necessária, mas não constitui, de
modo algum, uma condição suficiente.
2. As senhoras professoras e o senhor professor do meu Grupo Disciplinar que
solicitaram a observação de aulas têm, seguramente, – como todos nós temos - o
direito a uma avaliação «justa, séria e credível», como é referido na lei vigente.
Todavia, para que esse direito se possa concretizar, é necessário que estejam
reunidas as condições objectivas que possibilitem a realização efectiva de uma
avaliação justa, séria e credível. Nomeadamente:
a) que os professores relatores tenham tido uma formação que os capacite para
essa função. É sabido que avaliar alunos não é o mesmo que avaliar
professores, nem isso confere competência para tal. Toda a literatura
científica, nacional e internacional, sobre a matéria o confirma e o próprio
Conselho Científico para a Avaliação de Professores também já o fez,
quando explicitou que os professores avaliadores devem ser objecto de
«uma formação especializada de carácter científico, técnico e profissional
certificado, de média ou longa duração, realizada em parceria com
instituições de ensino superior» (Recomendações N.º 5/CCAP/2009);
b) que o professor relator, a quem lhe são delegadas competências, considere
possível e se sinta capacitado para realizar uma avaliação justa, séria e
credível, através da observação de duas (ou três) aulas, num reduzido espaço
de tempo, que será tida como avaliação de um biénio.
Estas são as condições substantivas que permitem cumprir o dever de avaliar e
satisfazer o direito de ser avaliado, com justiça, seriedade e credibilidade. Não são as
condições formais (ser professor posicionado num escalão superior e ter sido objecto de
delegação de competências) que, só por si, capacitam para avaliar com justiça, seriedade
e credibilidade.

3. Como é do conhecimento de V. Ex.a, o Ministério da Educação ainda não


implementou essa formação especializada para professores avaliadores. Por
consequência, e apesar de ter aguardado que isso acontecesse desde a data em
que fui designado, isto é, desde 20 de Julho de 2010, eu não reúno, assim como
a maioria dos professores não reúne, nenhuma das duas condições acima
enunciadas:
a) não me foi ministrada qualquer formação especializada no domínio da
avaliação de professores. Como V. Ex.a sabe, sou licenciado em Educação
Física, não sou licenciado nem mestre em avaliação de professores. Tenho
formação pedagógica para ensinar e avaliar alunos, não tenho formação para
avaliar professores. Ninguém se capacita para ser avaliador de professores,
de um instante para o outro;
b) não estão, assim, reunidas as condições que promovam implicações
positivas para a valorização do trabalho e da profissão docente decorrentes
desta avaliação de desempenho feita por pares em virtude de não estarem
garantidas a autoridade e a legitimidade reconhecidas por uma formação
superior e especializada de carácter científico, técnico e profissional.

4. Se o acima exposto se refere e aplica, em geral, à avaliação dos professores, com


maior relevância se refere e aplica a uma avaliação que visa,
predominantemente, apurar níveis de excelência na prática docente, como é o
caso da avaliação solicitada pelas duas senhoras professoras e pelo senhor
professor.

5. A avaliação do desempenho empreendida entre colegas, que se relacionam na


base de vários anos de convivência diária, de amizades/conflitos relacionais, de
contiguidade de anos de serviço/experiências/habilitações será sempre geradora
de suspeições e desconfianças que serão complementadas pelo recurso, mais que
provável, ao preceituado na alínea d), do artigo 48.º do Código do Procedimento
Administrativo.

6. Aplica-se, na minha designação de relator, o estipulado na alínea d), do artigo


48.º do Código do Procedimento Administrativo face ao percurso académico e
profissional de vários dos colegas por mim a serem avaliados.

7. A referência das quotas atribuídas por escola desencadeará um conflito de


interesses quando elementos da Comissão de Avaliação e relatores concorrem à
mesma quota dos professores a quem atribuem Excelente ou Muito Bom.

8. O desconhecimento dessas mesmas quotas, numa eventual concordância com as


mesmas, implicará, no futuro próximo, reajustes avaliativos nada condizentes
com a preocupação cimeira de credibilidade, justiça, seriedade e equidade em
todo o processo avaliativo.

9. Essas mesmas quotas condicionarão, e não promoverão, o mérito de quem é


avaliado assim como levantarão questões de ordem ética e deontológica no
escalonamento, à posteriori, que vai que ter que ser feito aquando da sua
aplicação.
Por estas razões, declaro, com clareza, o que considero ser uma objectiva
impossibilidade de exercer formalmente as funções que me são atribuídas: realizar —
sem uma formação especializada e apenas em duas (ou três) aulas — «uma avaliação
da qual possam resultar elementos fiáveis que sustentem a atribuição dos mais elevados
níveis de proficiência no desempenho da actividade lectiva», que são os níveis para os
quais as senhoras professoras e o senhor professor do meu Grupo Disciplinar se
candidatam.
Estando, como não poderia deixar de ser, em absoluta concordância com o facto
de que deve ser assegurado aos avaliados a possibilidade de aceder aos mais elevados
níveis de classificação que a lei prevê neste modelo de avaliação, essa minha
concordância não invalida que é necessário que existam as condições suficientes para
que tal aconteça o que, objectivamente, não existe no momento actual.
Consequentemente, a garantia que deve ser facultada aos avaliados não pode ser por
mim assegurada, por maior que seja a minha vontade de a assegurar. Como V. Ex.a
sabe, sou um escrupuloso defensor dos direitos profissionais e um escrupuloso
cumpridor dos mesmos deveres, mas não posso fazer de conta que tenho uma formação
que não tenho, nem fazer de conta que considero possível aquilo que se me afigura
impossível.

10. Reconhecerá V. Ex.a que ter-me-ia sido cómodo e fácil não me dar ao trabalho
de expor e fundamentar o problema existente e, como acima referi, fazer de
conta que tudo estava ou está bem. Teria sido cómodo e fácil, mas não seria
ética e deontologicamente aceitável.

Procedo assim, como também V. Ex.a sabe, porque tenho em alta conta os
deveres profissionais, e exactamente porque os tenho em alta conta é que não os
adultero por mais cómodo e fácil que isso possa ser.
Deste modo, com fundamento no acima exposto, solicito a V. Ex.a se digne
aceitar este meu pedido de escusa das funções de relator para que fui designado.

Respeitosos cumprimentos.

José Aníbal Félix de Carvalho

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