You are on page 1of 192

Justiça Restaurativa

e Comunitária em
São Caetano do Sul
Aprendendo com os conflitos a
respeitar direitos e promover cidadania

São Paulo, 2008

jr_sao-caetano_090204.indd 1 04/02/2009 14:25:09


Copyright © 2008 – Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República

Presidente da República Federativa do Brasil


Luiz Inácio Lula da Silva

Secretário Especial dos Direitos Humanos


Paulo de Tarso Vannuchi

Subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente


Carmen Silveira de Oliveira

AUTORES
Eduardo Rezende Melo
Juiz da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Caetano do Sul
Madza Ednir
Pedagoga, especialista em Mudanças Educacionais

Vania Curi Yazbek


Terapeuta e Mediadora, especializada em capacitação de práticas de resolução de conflito

ORGANIZAÇÃO, PRODUÇÃO EDITORIAL E GRÁFICA


CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular
Claudius Ceccon – Coordenação Geral e Direção de Arte
Dinah Protasio Frotté – Coordenação Editorial
Madza Ednir – Concepção da estrutura do material, sistematização e edição dos textos originais
Noni Ostrower – Revisão
Silvia Fittipaldi (Magic Art) – Design gráfico

REALIZAÇÃO PARCERIA

Lgo. de São Francisco de Paula 34, 4º and. EQSW 103/104, Bloco C, Lote 1, 2ºandar Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Anexo 2
Rio de Janeiro - RJ - 20051-070 Setor Sudoeste - Brasília - DF - 70670-350 do Ministério da Justiça - 4o andar, Sala 420
Telefax: 55 (21) 2509-3812 Tel.: 55 61 3038-9252 Brasília - DF - 70064-900
cecip@cecip.org.br unfpa@unfpa.org.br Tel.: 55 (61) 3429-3885
www.cecip.org.br www.unfpa.org.br spdca@sedh.gov.br
www.sedh.gov.br

jr_sao-caetano_miolo_090209.indd 2 09/02/2009 13:22:56


Sumário

5 Primeira Parte – Desenvolvimento, fundamentos,


procedimentos e possibilidades

6 Introdução

9 1. Desenvolvimento da Justiça Restaurativa e Comunitária (JRC) em


São Caetano do Sul – Resultados já alcançados e atores sociais
responsáveis

31 2. Marcos Teóricos
31 2.1. Fundamentos norteadores
39 2.2. Justificação teórica dos fundamentos norteadores
56 2.3. Deslocamentos conceituais: responsabilidade; modo de resolução do
conflito e atores envolvidos
68 2.4. Novos espaços comunitários e institucionais de resolução de conflitos

82 3. Dimensões Práticas I: procedimentos e fluxos


82 3.1. Procedimentos
88 3.2. Fluxos: o passo a passo de procedimentos restaurativos na comunidade,
na escola, na Vara de Infância e da Juventude, Delegacias e em ambiente
forense

99 4. Dimensões Práticas II: formação dos atores sociais


99 4.1 Formação de atores sociais para aplicar a Justiça Restaurativa

103 5. Avaliação do Processo


103 5.1. Avaliação do processo de aprendizagem
105 5.2. Reflexão sobre uma proposta para disseminação

109 6. Desafios de sustentabilidade e perspectivas futuras

jr_sao-caetano_090204.indd 3 04/02/2009 14:25:10


115 Segunda Parte – Estratégias de formação: a capacitação
dos atores sociais

116 Introdução

120 1. Capacitação político-institucional para o desenvolvimento comunitário


restaurativo
120 1.1. Capacitação
122 1.2. Reuniões da rede de atendimento
124 1.3. Capacitação dos agentes institucionais e comunitários
124 1.4. Capacitação de lideranças institucionais escolares

125 2. Capacitação para a derivação (encaminhamento) dos casos de conflito


125 2.1. Justificativa e público-alvo
126 2.2. Fundamentação teórico-metodológica da formação de derivadores
127 2.3. Objetivos da capacitação de derivadores
128 2.4. Conteúdo

131 3. Capacitação de Facilitadores de Práticas Restaurativas – Para operar


círculos restaurativos em espaços da comunidade, da escola e da
justiça
131 3.1. Justificativa e público-alvo
133 3.2. Capacitação dos facilitadores de práticas restaurativas
143 3.3. Capacitação dos facilitadores de práticas restaurativas
154 3.4. Aprendendo com a experiência
157 3.5. Aspectos organizativos

163 4. Capacitação de lideranças educacionais restaurativas


163 4.1. Justificativa e público-alvo
164 4.2. Fundamentos teórico-metodológicos da formação de lideranças
educacionais transformadoras e restaurativas
165 4.3. Visão, objetivos, conteúdos e práticas
167 4.4. Desenvolvimento das oficinas
172 4.5. Descrição de práticas e dinâmicas da formação de liderança
182 4.6. Aspectos organizacionais

183 5. Material de divultação e projetos de ampliação, remodelação e


disseminação

185 6. Conclusão

186 Bibliografia

jr_sao-caetano_090204.indd 4 04/02/2009 14:25:10


Primeira Parte
Desenvolvimento, fundamentos,
procedimentos e possibilidades

jr_sao-caetano_090204.indd 5 04/02/2009 14:25:10


Introdução

Estes materiais Esta publicação, o DVD e o CD que a acompanham fazem parte dos materiais que trazem
foram elaborados a público os fundamentos e o modo de estruturação teórico-prática de justiça restaurativa
no âmbito do e comunitária – Projeto Justiça, Educação, Comunidade: parcerias para a cidadania, imple-
Projeto BRA/02/ mentado em São Caetano do Sul, São Paulo, desde julho de 2005. Passados três anos de sua
P51 – SEDH/PR- implementação na cidade, o Projeto já conseguiu gerar práticas e conhecimentos inovadores,
FNUAP, “Segurança
consolidando-os em uma proposta de tecnologia social que está sendo aplicada e recriada
nas Escolas: Uma
em outros municípios do Estado de São Paulo.
Questão de Direitos
Humanos”, numa
parceria com a Essa tecnologia baseia-se na colaboração entre os sistemas Judiciário e Educacional, com ar-
Secretaria Especial ticulação/enredamento de todas as organizações da cidade e envolvimento comunitário. Seu
dos Direitos objetivo: possibilitar a pessoas, comunidades e organizações a tornarem-se protagonistas e
Humanos – SEDH, co-responsáveis pela construção de uma cidade justa, segura e educativa, na qual os direitos
em convênio individuais e sociais dos cidadãos e cidadãs sejam atendidos – em especial, os de crianças,
com o Fundo de adolescentes e jovens das camadas mais pobres.
População das
Nações Unidas – Sua principal ferramenta: a Justiça Restaurativa, uma nova forma de se fazer justiça, onde
UNFPA. os envolvidos em conflitos destrutivos chegam de forma autônoma a acordos, reparando
os danos que diferentes formas de violência causam a indivíduos e grupos, restaurando o
tecido social esgarçado ou rompido pelas situações de desrespeito, prevenindo a violência
pelo tratamento de suas causas, com atendimento aos direitos sociais até então negados e
promovendo uma inserção comunitária mais justa, solidária e cidadã.

Por meio do conjunto de materiais do qual esta publicação faz parte, onde a tecnologia social
desenvolvida em São Caetano do Sul é apresentada, buscamos informar e oferecer instru-
mentos de motivação e mobilização às lideranças interessadas na introdução, fortalecimento
e consolidação de processos de Justiça Restaurativa nos municípios brasileiros.

A proposta que abrimos à discussão e ao diálogo, como outras semelhantes já em curso,


pode ampliar o acesso à justiça pela via restaurativa, empoderar comunidades e transformar
escolas públicas e comunidades em espaços de diálogo e de resolução pacífica de conflitos.

Para facilitar a utilização deste material, descrevemos, em seguida, de forma sintética, os


objetivos e conteúdos de cada um deles.

6 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 6 04/02/2009 14:25:10


O mapa dos Conteúdo:
Capítulo I – Desenvolvimento da Justiça
materiais Restaurativa e Comunitária (JRC) em São
Caetano do Sul
Introdução ao conceito de Justiça Restau-
Público-alvo: rativa. Contexto internacional e nacional do
Atores sociais no sistema da justiça (juízes, nascimento do Projeto em São Caetano do
promotores, membros do Ministério Público, Sul. Desenvolvimento, resultados alcançados e
assistentes sociais, delegados), no Conselho pessoas responsáveis pelas ações realizadas.
Tutelar, no sistema educacional (dirigentes,
supervisores, técnicos, diretores, professores Capítulo II – Marcos Teóricos
e demais profissionais da Educação), nas Delineamento dos aspectos fundamentais da
instituições de segurança pública (policiais estruturação teórico-prática da tecnologia
civis, militares e guardas municipais), na social aplicada pelo Projeto Justiça, Educa-
comunidade (jovens, adultos e idosos) e ção, Comunidade, parceria pela cidadania,
em organizações governamentais e não- sobretudo naquilo que se distingue de outras
governamentais. referências nacionais e estrangeiras:

yy Apresentação dos fundamentos nortea-


Vídeo dores da proposta, de sua justificação
ético-filosófica e político-criminológica,
Objetivo: dos valores implícitos, dos deslocamentos
Sensibilizar e mobilizar os atores sociais, conceituais resultantes no entendimento de
preparando-os para o estudo da publicação. noções como responsabilidade e conflito.
Por meio dessa ressignificação de conceitos,
Conteúdo: faz-se a passagem entre a base teórica e a
Entrevistas com lideranças do sistema de jus- dimensão prática, de procedimentos, que
tiça e da educação, lideranças da comunidade, será detalhada a partir do Capítulo III.
educadores, estudantes que estão fazendo o
Projeto em São Caetano do Sul; depoimentos yy Justificação dos espaços políticos em que
de participantes de círculos e outras práticas a proposta se insere – comunidade, esco-
de Justiça Restaurativa. la, Fórum – e como eles se articulam de
forma sistêmica entre si.

Capítulo III – Dimensões Práticas (1)


Publicação Apresentação de como se dá a resolução de
Primeira Parte conflitos no âmbito da comunidade, da escola
e no ambiente forense.
Objetivo:
Descrever o Projeto, em sua origem, os Ilustração do modo como os diferentes
resultados e os atores sociais envolvidos espaços se articulam, através de fluxos de
no processo, desvendando os fundamentos procedimentos que permitirão visualizar o
teóricos (filosóficos, éticos e jurídicos) da passo-a-passo restaurativo tanto na comu-
tecnologia social desenvolvida e mostran- nidade, como na escola e no Fórum.
do como se expressam nos procedimentos
adotados.

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 7

jr_sao-caetano_090204.indd 7 04/02/2009 14:25:10


Capítulo IV – Dimensões Práticas (2) gados de polícia, agentes de saúde, diretores
Introdução ao processo de formação dos ato- de escola, assistentes sociais e outros) possam
res envolvidos, que será descrito em detalhe encaminhar pessoas envolvidas em conflitos
na Segunda Parte desta publicação. para círculos restaurativos.

Capítulo V – Avaliação do Processo Capítulo IV – Capacitação de


Visão crítica sobre as dificuldades iniciais Facilitadores de Justiça ou Facilitadores
de implementação do processo de mudança de Práticas Restaurativas
sistêmica pretendida. Perfil dos facilitadores de Justiça Restaura-
tiva e como identificá-los /mobilizá-los nas
Capítulo VI – Desafios de comunidades, escolas e espaços forenses;
Sustentabilidade e Perspectivas Futuras apresentação da formação de facilitadores
em diferentes técnicas de operação de círcu-
O que é preciso para que o processo se enraí- los restaurativos: modelo da Comunicação
ze e se amplie. Descrição dos horizontes de Não-Violenta; modelo Sul Africano - Zwe-
possibilidades que se vislumbram, a partir lethemba; reflexões e recomendações sobre
do patamar já alcançado. o processo de capacitação de facilitadores
de justiça.

Segunda Parte Capítulo V – Capacitação de Lideranças


Educacionais Restaurativas
Objetivo: Por que é essencial preparar as lideranças
Apresentar as estratégias de formação de educacionais para desenvolver um novo olhar
atores sociais para a compreensão e aplica- e uma nova atitude – proativa – em relação
ção de práticas de Justiça Restaurativa na ao conflito e a violência na escola. Metodolo-
comunidade, escola, Fórum e outros espaços gia e conteúdo das oficinas de Formação de
da cidade. Lideranças Educacionais Restaurativas: faci-
litando mudanças educacionais, rumo a uma
Conteúdo: escola segura e aprendente. Reflexões e reco-
Capítulo I – Visão Geral do Processo de mendações sobre o processo de capacitação
Capacitação de lideranças educacionais restaurativas.
Seus objetivos e concepções sustentadoras.
Capítulo VI – Sistematização e Produção
Capítulo II – Formação Político- de Materiais
Institucional Relação dos materiais já produzidos no
Como se realiza em São Caetano do Sul a decorrer do Projeto. Sugestões e recomenda-
capacitação dos operadores de direito e ções para a criação de materiais pelos atores
outros agentes institucionais na perspectiva sociais envolvidos.
de mudança macro-sistêmica impulsionada
pela Justiça Restaurativa. Encontros de redes
e workshops sobre Justiça Restaurativa.

Capítulo III – Capacitação de Derivadores


Procedimentos para que diferentes atores
sociais (juízes, promotores de justiça, advo-
gados, conselheiros tutelares, policiais, dele-

8 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 8 04/02/2009 14:25:11


Justiça Restaurativa
e Comunitária em
1
São Caetano do Sul

1.1. Introdução a depois de apresentadas as provas à sua apre-

uma forma diferente ciação, por se pronunciar quanto àquilo que


pode ou não pode ser feito. É ele quem diz o
de se pensar e fazer que é certo e o que é errado, quem é culpado
e quem é inocente, segundo sua valoração
justiça sobre o que ocorreu.

Justiça Restaurativa. Embora entre os


juristas o termo já venha se fazendo mais
conhecido, ele ainda causa estranhamento
à maioria das pessoas. Às vezes, há até uma
certa relutância em se tentar entender algo
que parece tão vago.

O que iremos fazer agora é detalhar e tra-


balhar, em termos teóricos e práticos, com
imagens muito próximas de nosso universo
cultural, algumas representações dos vá-
rios modos de se resolver conflitos e fazer
justiça. Mas várias outras imagens sobre modos
diferentes de resolver conflitos também nos
Hoje, se perguntamos a alguém sobre como acompanham porque, de fato, essa não é a
é um julgamento, a primeira imagem que única forma possível de se fazer justiça, nem
provavelmente irá ocorrer é a dos tradicionais necessariamente a melhor.
julgamentos americanos ou europeus. Temos
um juiz sisudo, normalmente homem, mais Rever um dos velhos filmes de faroeste sobre
idoso, sentado num patamar mais elevado tribos indígenas, suas lutas internas e das
do que todos os demais. Ele é o responsável, guerras contra os homens brancos, pode ser

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 9

jr_sao-caetano_090204.indd 9 04/02/2009 14:25:11


um primeiro passo para começarmos a ex- ra, extermínio. Na retribuição do mal, com o
plicar as correlações possíveis entre a Justiça mal; do prejuízo, com um prejuízo maior.
Restaurativa que propomos e a já consolidada
justiça retributiva. Vê-se, então, claramente, a diferença entre a
justiça que se faz entre iguais ou companhei-
Nestes filmes, dentro de uma mesma tribo, ros e a justiça que se faz contra o diferente.
se havia conflitos internos, podia até haver Uma, fundada na cooperação e na inclusão.
alguma disputa entre guerreiros para definir Outra na vingança, no domínio.
quem era o mais forte e mais valente. No
entanto, a luta tinha claramente um limite: se Note-se que a tribo indígena, quando tinha a
ela pudesse ameaçar a integridade do grupo, oportunidade de fazer alianças com quem se
a comunidade inteira se reunia, em círculo, e apresentava como inimigo, retornava à velha
todos tinham o direito e a oportunidade de roda e à passagem do cachimbo. Agora já não
falar e fazer suas considerações. Passava-se se relacionava mais com um outro comple-
o famoso cachimbo, até que o grupo como tamente distinto, mas um outro do qual era
um todo pudesse chegar a uma decisão possível se aproximar e se abrir à inclusão.
consensual que resolvesse o conflito. Essa é
a imagem que podemos preservar de uma O mesmo filme de faroeste mostra um outro
modalidade possível de Justiça Restaurativa. lado da história. Os brancos também tinham
Uma prática de muitas comunidades que, a seus modos de resolução de conflito. Contra
partir de um conflito interindividual ou co- os outros, os índios, havia a guerra e a von-
letivo, se reúnem e discutem seus problemas, tade de submetê-los. Com os seus pares, se
procurando chegar a uma decisão que atenda havia deserção, por exemplo, em caso even-
a todos e restaure a paz. tualmente de discordância de valores mais
que necessariamente de traição, havia um
julgamento e a punição, de um modo muito
assemelhado ao que vemos hoje, talvez com
menos pompa.

Interessante é vermos as lógicas por trás


desses modos de resolução de conflitos.

Contra o outro, sempre a guerra. Mas algu-


mas comunidades, quando tinham conflitos
internos, adotavam posturas distintas. Umas,
buscavam a cooperação, o diálogo, a inclu-
são – os “bárbaros” índios de então. Outras,
mesmo com os seus pares, tinham uma
No entanto, aquela mesma tribo do filme de lógica de “dentro ou fora”, avaliando quem
faroeste, quando entrava em conflito com compartilha os valores do grupo e excluindo
outra tribo – ou mesmo contra os homens quem os nega.
brancos - partia para uma guerra sangui-
nária. Não se tratava mais de um conflito O resgate, na década de 1970, de modos
interno entre iguais. Em se tratando de um antigos de resolução de conflito, que restau-
outro, um diferente, a forma de resolução de ram, por meio do diálogo, a harmonia e o
conflitos se expressava como vingança, guer- equilíbrio perdidos, traz a discussão sobre as

10 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 10 04/02/2009 14:25:12


diferentes lógicas em presença quando se age que o Estado tem dado? Não seriam possíveis
frente a condutas desviantes: ou buscando outros modos de resolver isto?
chegar a acordos incluam o outro, o diferente,
ou buscando punir e eliminar o outro. São estas algumas das questões que passaram
a mobilizar comunidades a partir da segun-
Essa segunda lógica se manifesta nas man- da metade do Século XX e vários autores
chetes estampadas nos jornais e em discursos começaram a debruçar-se sobre elas. Outros
de líderes governamentais e comunitários, modos possíveis de se resolver conflitos em
reprisando os lemas de “guerra contra o cri- vários campos e domínios começaram a ser
me” e “combate a criminosos”. Tal linguagem experimentados.
indica um modelo militar, guerreiro, no modo
de ver a conduta desviante. E mais: o que
adota a conduta desviante é visto como um
outro, diferente e oposto a quem fala, como
um índio e um branco no tempo da batalha
pelo oeste americano.
(Entra imagem da NZ no mapa e ou um
A mesma lógica está presente no discurso de maori)
educadores e chefes de família que acreditam
que a indisciplina e a violência na escola se
resolvem com punições mais duras aos alu-
nos transgressores e com seu afastamento
do ambiente escolar para “não contaminar
os demais”.

A quem interessa esse clima de guerra Alguns países foram longe e bem rápido.
constante, já que, afinal, não se vê diminuir, A Nova Zelândia, por exemplo, desde 1989
mas apenas aumentar a ‘criminalidade’ e, adota a Justiça Restaurativa (nos tribunais
na escola, o desrespeito e as infrações dis- e também nas escolas, substituindo as
ciplinares? punições disciplinares), adaptada a partir
de modos de resolução de conflitos de sua
Por que, ao ver alguém como o absolutamente comunidade aborígene, os maoris, tornan-
outro, partimos desde logo para uma lógica do-a modo oficial e geral de resposta a atos
de afastá-lo ainda mais, sem antes tentar infracionais cometidos por adolescentes.
entender melhor o que está em jogo e tentar Lá, como aqui, havia grupos étnicos que
aprender com a diferença? E, se o conflito se eram mais encarcerados que os demais. Os
deu entre particulares, por que um terceiro, maoris, minoria populacional, socialmente
o juiz, tem de necessariamente intervir? Por discriminada e privada de acesso eqüitativo
que, quando intervém, o juiz o faz de um a direitos, eram ‘outros’ em relação a um
modo para certos tipos de conflito, como os certo grupo dominante. Foi justamente
civis, familiares, e de outro, tão radicalmente visando criar modelos mais democráticos
diferente, para condutas que não neces- e justos, que se buscou superar um modelo
sariamente são tão distintas, mas que são tradicional de julgamento, à la inglesa, para
definidas como criminosas? Até que ponto implementar um modelo participativo,
as pessoas que foram afetadas por condutas atento às diversidades culturais e sociais e
desviantes estão satisfeitas com a resposta não excludente.

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 11

jr_sao-caetano_090204.indd 11 04/02/2009 14:25:13


Essas experiências começaram a espraiar- do Judiciário e pelo Programa das Nações
se pelo mundo e levaram, em 2002, a fazer Unidas para o Desenvolvimento, em Brasília,
com que o Conselho Econômico e Social das DF; em Porto Alegre, RS; e São Caetano do
Nações Unidas recomendasse a aplicação da Sul,SP.
Justiça Restaurativa aos Estados-Parte das
Nações Unidas. Vejamos então a evolução da proposta em
São Caetano do Sul, onde está sendo desen-
volvida por iniciativa da Vara da Infância e
1.2. Desenvolvimento da Juventude, com liderança do Juiz Eduar-
do Rezende Melo e equipe, contando com
do projeto em apoio institucional do Tribunal de Justiça
do Estado.
São Caetano do Sul
Tratando-se de um Projeto-piloto, a imple-
de 2005 a 2008 mentação de um Projeto de Justiça Restau-
rativa representa um esforço na construção
No Brasil, os anos iniciais do Século XXI de um modelo socialmente democrático de
vêem surgir uma agenda política discutida resolução de conflitos, marcado por um forte
nacionalmente no âmbito da reforma do envolvimento comunitário. Pautado por uma
Judiciário e que inclui o debate sobre a sua busca de promoção de responsabilidade ativa
função social, com demandas por: e cidadã das comunidades e escolas em que
se insere, o Projeto baseou-se na parceria
yy uma justiça mais participativa; primeira entre justiça e educação para cons-
yy um mais amplo acesso ao direito e à cons- trução de espaços de resolução de conflito
trução das bases interpretativas do direito, e de sinergias de ação, em âmbito escolar,
1 Sobre a função social sobretudo os sociais da população1, mar- comunitário e forense.
do Judiciário e os con- cadas por visão pluralista do direito2 ;
flitos sociais, cf. FARIA,
José Eduardo. Direito e yy uma ampliação do acesso à justiça; Dentro desse marco, o Projeto, a partir do
justiça A função social yy um fortalecimento da dimensão de respei- momento de sua implementação, adquire
do Judiciário; idem.
Justiça e conflito. Os
to aos direitos humanos e de uma justiça um dinamismo próprio, ao dialogar com o
juízes em face dos novos garantidora de direitos sociais. contexto. Como veremos a seguir, ele está
movimentos sociais; em movimento, aperfeiçoando-se ao mesmo
idem. Direitos humanos,
direitos sociais e justiça;
E, justamente por essa referência funda- tempo em que busca aperfeiçoar a realidade
SANTOS, Boaventura mental aos direitos humanos das pessoas onde se insere.
de Sousa. Para uma envolvidas em conflitos, a agenda da reforma
revolução democrática
da justiça; ZAFFARONI, do Judiciário enfatiza o seu papel na demo-
Eugenio Raul. Poder cratização da sociedade3. Uma democratização 1.2.1. Primeiro
Judiciário. Crise, acertos que vai além da universalização dos direitos
e desacertos.
políticos, e exige a universalização dos direitos
Movimento – Foco nas
2 SANTOS, Boaventura econômicos, sociais, culturais e ambientais. escolas: apenas uma
de Sousa. O discurso e
o poder. Ensaio sobre a
técnica restaurativa
sociologia da retórica Foi a partir desse contexto que, em 2005, a
jurídica. Justiça Restaurativa começou a se fazer rea-
lidade no país. Naquele ano, três Projetos- Na primeira etapa, o foco eram as escolas e
3 BOBBIO, Norberto. A piloto nacionais foram implantados, com os adolescentes em conflito com a lei. Com
era dos direitos, p. 101.
financiamento pela Secretaria de Reforma o nome “Justiça e Educação: parceria para a

12 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 12 04/02/2009 14:25:13


cidadania”, o Projeto visava, em meados de p.26 e 27). E, logo, em seus espaços, bem
2005, três objetivos primordiais: como no Fórum e no Conselho Tutelar, con-
flitos envolvendo alunos e adolescentes em
yy A resolução de conflitos de modo preven- geral passariam a ser resolvidos de forma
tivo nas escolas, evitando seu encami- restaurativa.
nhamento à justiça – já que uma grande
parte dos Boletins de Ocorrência recebidos
pelo Fórum provinha de escolas – com a Aprendendo a primeira
conseqüente estigmatização que diversos técnica restaurativa
estudos apontam como decorrência do
envolvimento de adolescentes com o sis- Para facilitar esses encontros entre “ofendi-
tema de justiça; dos” e “ofensores”, educadores das escolas,
yy A resolução de conflitos caracterizados pais e mães, alunos, assistentes sociais e
como atos infracionais e não relacionados conselheiros tutelares foram capacitados
à vivência comunitária escolar, no Fórum, em técnica criada por Dominic Barter, pro-
em círculos restaurativos. fissional vinculado à Rede de Comunicação
yy O fortalecimento de redes comunitárias, Não-Violenta, com base em experiências
para que agentes governamentais e não- estrangeiras. (Ver Parte II, p. 133). Por meio
governamentais, de organizações voltadas de uma série de oficinas, essas pessoas
a assegurar os direitos da Infância e da desenvolveram ou aprimoraram compe-
Juventude, pudessem passar a atuar de tências e habilidades em comunicação,
forma articulada, no atendimento às acolhimento e não-julgamento para atuar
necessidades das crianças, adolescentes nos encontros, denominados Círculos Res-
e suas famílias, identificadas, principal- taurativos. Na publicação que sistematizou
mente, por meio das escolas. o início da implementação do Projeto, o
Círculo Restaurativo inspirado no modelo
Para atingir esses objetivos, o Juiz mobilizou da Comunicação Não-Violenta assim é
parceiros essenciais do Judiciário: a Secre- definido: “...um espaço onde as partes
taria de Estado da Educação, que autorizou envolvidas em um conflito, apoiadas por
a Diretoria de Ensino de São Bernardo do alguém com conhecimento das dinâmicas
Campo4 a abraçar o Projeto; o Conselho Mu- próprias ao processo (um Conciliador5), 4 Essa Diretoria de
Ensino é responsável,
nicipal de Direitos da Criança e Adolescente, se encontram com a intenção de se expres- também, pelas escolas de
o Conselho Tutelar, o Conselho Municipal de sarem e de se ouvirem uns aos outros, de São Caetano do Sul.
Segurança, o Cartório da Infância e da Juven- reconhecerem suas escolhas e responsabi-
tude, dentre outros. (Ver p. 24 a 29) lidades e chegarem a um acordo concreto 5 Como veremos em
seguida, a denominação
e relevante em relação ao ato transgressor, Conciliador seria, em
2007, substituída por
Procurou também a parceria do Centro de que possa cuidar de todos os envolvidos. Facilitador de Práticas
Criação de Imagem Popular – CECIP, para dar Restaurativas ou Facilita-
apoio às atividades de mobilização de profis- A dinâmica do círculo se desenvolve por dor de Justiça.

sionais no espaço escolar e capacitar lideran- meio de três etapas: compreensão mútua 6 O Cantano, Melo, Barter
ças educacionais para facilitar a realização de – as partes passam a se perceber como & Ednir, CECIP, 2005.
círculos restaurativos nas unidades. semelhantes; luto e transformação – as
escolhas e responsabilidades envolvidas
Três escolas voluntárias, que passaram a no ato da transgressão são reconhecidas;
ser chamadas de “pioneiras”, aderiram de acordo – participantes desenvolvem ações
primeira hora à proposta restaurativa (Ver que reparem, restaurem e reintegrem”.6

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 13

jr_sao-caetano_090204.indd 13 04/02/2009 14:25:14


Os facilitadores de práticas restaurativas, em comunicação e cooperação profissional,
então chamados conciliadores, passaram a para mobilizar e envolver a equipe docente
realizar os círculos nas escolas – com alunos, e discente em uma lógica restaurativa. Essa
professores e funcionários – e no fórum, em nova lógica seria demonstrada com a imple-
todos os casos em que houvesse vítima, os mentação de procedimentos restaurativos,
conflitos não fossem das escolas participan- como alternativa às punições previstas no
tes do Projeto ou em que as pessoas fossem sistema disciplinar aos que infringiam às
de comunidades diversas e sem relação normas (ou, nos casos considerados mais
contínua de convivência. Para tanto, houve graves, como alternativa ao seu encami-
a participação do Juiz da Vara da Infância e nhamento à polícia para lavrar Boletim de
da Juventude, do Promotor de Justiça e das Ocorrência).Um indicador do envolvimento
assistentes sociais que trabalham no fórum. das lideranças seria sua disponibilidade em
criar as condições organizacionais e admi-
Outro espaço de resolução dos conflitos, nistrativas para a realização dos círculos
desde o início do Projeto, foi o Conselho (como espaço, horários...), divulgar os cír-
Tutelar. Ali, os envolvidos em situações onde culos na comunidade escolar e encaminhar
crianças e adolescentes haviam sido expostos casos para atendimento restaurativo.Tam-
a riscos e vulnerabilidades, passaram, por bém esperava-se sensibilizar essas lideran-
meio de um processo restaurativo, a construir ças para que as escolas pudessem trabalhar
e implementar Planos de Ação de forma melhor em rede e em parceria com outras
participativa. Tais planos propõem ações organizações da cidade, no atendimento
institucionais, visando a garantia de direitos às necessidades básicas de alunos e suas
dos afetados, com o atendimento por diversos famílias, favorecendo sua permanência e o
serviços públicos. progresso escolar. (Ver Parte II, p. 163)

Sensibilização e formação de Articulação da rede de


lideranças educacionais atendimento aos direitos das
O processo formativo atingiu não apenas crianças e adolescentes
as pessoas que iriam operar os círculos nos
diferentes espaços, como também educa- Outro segmento envolvido na promoção do
dores escolares: profissionais da Diretoria Projeto foi o Conselho Municipal de Direitos
de Ensino (duas supervisoras) e gestores da Criança e do Adolescente, responsável pela
das três unidades envolvidas (diretor, vice- articulação de todo um Sistema de Garantia
diretor, professor coordenador e professores de Direitos a crianças e adolescentes (ECA,
interessados). Art. 86).

Por meio da abordagem de Facilitação de Dentre os atores que compõem este sistema,
Mudanças Educacionais desenvolvida pelas estão: os diretores de escolas, representantes
ONGs CECIP – Centro de Criação de Imagem do Fórum, do Conselho Tutelar, da Educação,
Popular, Brasil e APS International, Holan- da Assistência Social, da Saúde e da Seguran-
7 Visite: da7 , esses profissionais foram convidados a ça (Polícia Civil e Militar, e Guarda Civil). Em
www.cecip.org.br reuniões periódicas para reflexão coletiva
www.apsinternational.nl
repensar suas concepções a respeito do con-
flito e da violência na escola, e a desenvolver sobre o objetivo da rede, sobre a redefinição
ou aprimorar competências e habilidades de papel de cada agente, incorporou-se a

14 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 14 04/02/2009 14:25:14


Justiça Restaurativa no fluxo da rede de van Velzen, do APS International, da Holanda,
atendimento, fazendo parte da resolução do renomado especialista em Mudanças Edu-
Conselho sobre o atendimento a adolescente cacionais, participou, de forma voluntária,
em conflito com a lei. como conferencista nesse evento, que contou
com mais de 700 participantes.
A Justiça Restaurativa encontrou outro espaço
de formação com a criação de um curso sobre
o tema, na Escola Paulista da Magistratura, o
qual muitos dos participantes da rede passam Balanço de 2005
a freqüentar. (Ver Parte II, p. 124)
Em dezembro desse ano, existiam em São Caetano do Sul dez pes-
soas capacitadas para operar círculos restaurativos e dez lideranças
Parcerias internacionais e educacionais, das três escolas pioneiras e da Diretoria de Ensino,
comunicação informadas sobre a lógica restaurativa e em processo de aprendi-
zagem de suas conseqüências práticas, além de cinco assistentes
Enquanto a ação e a reflexão sobre a ação sociais e conselheiras tutelares capacitadas para realização de
se processavam, conseguiu-se promover círculos no fórum e no conselho. Dezenas de círculos haviam sido
também articulações e parcerias a nível realizados com bons resultados.
internacional.

Assim, em setembro de 2005, a Dra. Gabriel-


le Maxwell, da Universidade de Victoria, 1.2.2. Segundo
Wellington, uma das maiores autoridades
em Justiça Restaurativa na Nova Zelândia, Movimento – Ampliação
interessou-se em conhecer o Projeto in-loco e, para a comunidade;
voluntariamente, ministrou aos participantes diversificação de
um curso sobre técnicas e procedimentos
técnicas restaurativas
restaurativos. Em outubro do mesmo ano,
o Juiz Eduardo Rezende Melo e a pedagoga Em 2006, a reflexão sobre a prática já desen-
Madza Ednir, Formadora em Facilitação de volvida possibilitou que o Projeto se modifi-
Mudanças Educacionais, visitaram diversos casse e se aperfeiçoasse.
Projetos naquele país, trazendo experiências
que contribuíram para a continuidade de seu O sucesso da etapa inicial estimulara a Secreta-
aperfeiçoamento. ria da Educação e a Diretoria de Ensino de São
Bernardo do Campo a abrir, a outras escolas
Para comunicar e disseminar a abordagem interessadas, a possibilidade de participar do
de Justiça Restaurativa à comunidade mais Projeto. Com isso, todas as 12 escolas da rede
ampla, a equipe do Projeto organizou, em Ou- estadual de São Caetano do Sul inseriram-se
tubro de 2005, com a liderança da Professora nas atividades propostas. Cerca de cinqüenta
Rita Russo, presidente do Conselho Municipal pessoas começaram a ser capacitadas para
dos Direitos da Criança e do Adolescente, um operar círculos restaurativos utilizando pro-
Seminário Internacional, onde foram divul- cedimentos da Comunicação Não-Violenta.
gados os passos iniciais de implementação Outras dez lideranças educacionais das escolas
da proposta em São Caetano do Sul e seus somaram-se às já capacitadas entre Maio
protagonistas ofereceram depoimentos e os e Dezembro de 2005 para participarem de
debateram com o público. O Dr. Boudewijn Oficinas mensais de Facilitação de Mudanças

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 15

jr_sao-caetano_090204.indd 15 04/02/2009 14:25:14


Educacionais. Os encontros com a Rede de yy Os conflitos de base pelos quais passam
Atendimento continuaram. crianças e adolescentes têm forte vincula-
ção familiar e comunitária. A violência do-
méstica, o alcoolismo e outras drogadições,
A comunidade como por exemplo, estão por trás de grande parte
protagonista de comportamentos disruptivos. Não bas-
tava apenas fortalecer a rede secundária de
Nos meses iniciais de 2006, chegou-se à atendimento e proteção – agências de edu-
conclusão de que, além dos círculos sob cação, saúde, assistência social, segurança
responsabilidade das escolas e do Fórum, e outras, para que essa rede empoderasse
era importante promover também círculos a rede primária (famílias e comunidades
comunitários e ampliar o repertório de prá- a que pertencem crianças jovens). Era
ticas restaurativas para além dos círculos preciso, também, atuar diretamente junto
restaurativos no modelo da Comunicação à rede primária.
Não-Violenta. Isso por que a análise do pro-
cesso até o momento revelava o seguinte: yy Apenas uma técnica de facilitação de
encontros restaurativos – a dos Círculos
yy As escolas estavam se mostrando efeti- Restaurativos nos moldes da Comunica-
vamente adequadas para assumirem um ção Não-Violenta – estava sendo utilizada
cunho diversório em relação à justiça (ou para diferentes tipos de conflito, em dife-
seja, estavam encaminhando à Justiça me- rentes contextos – escolas e Fórum. Isso,
nos casos de conflito envolvendo alunos, algumas vezes, dificultava a abordagem,
em vez disso optando pela realização do que deveria adequar-se às características
círculo restaurativo.) Com isso, já esta- e a quantidade das pessoas envolvidas,
vam evitando que seus conflitos internos bem como às potencialidades do espaço
ganhassem a marca de infracionais, es- social onde o encontro ocorria.
tigmatizando seus alunos e dificultando
as relações internas de sua comunidade. Diante dessa análise, em meados de 2006, o
No entanto: Projeto passou a ter uma nova dimensão, com
o início de um segundo piloto na comarca,
yy Nesse estágio do processo de aprendiza- denominado “Restaurando justiça na família
gem institucional, as escolas conseguiam e na vizinhança: Justiça Restaurativa e comu-
dar conta, no máximo, de atender por via nitária no bairro Nova Gerty”.
restaurativa os seus conflitos internos.
Poucas sentiam-se em condições de
atender casos de conflitos envolvendo O modelo Zwelethemba
outros jovens da comunidade. Da mesma
forma, ainda havia certa dificuldade em se Pessoas voluntárias da comunidade foram
refletir sobre as causas dos conflitos que capacitadas para facilitar encontros restau-
envolviam o próprio contexto da escola e rativos no espaço de uma escola voluntária
que para serem equacionadas, requeriam do bairro, utilizando uma técnica diferente
mudanças organizacionais e pedagógicas. da empregada nos círculos restaurativos
As mudanças institucionais /educacionais inspirados na Comunicação Não-Violenta.
demandadas pela abordagem restaurativa
levam tempo. Tratava-se da técnica desenvolvida por Ideas
Works para justiça comunitária (modelo

16 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 16 04/02/2009 14:25:14


Zwelethemba), na África do Sul. Tais práticas seus familiares, ou entre jovens, ocorridos
haviam sido apresentadas por especialistas nas escolas municipais ou particulares do
daquele país – John Cartwright, Madeleine bairro, não participantes do Projeto Justiça
Genecker e Daniel Ganif8 – que realizaram e Educação: parceria pela cidadania, que 8 Os especialistas foram
trazidos ao Brasil por
capacitação de facilitadores e participaram como vimos, envolvia apenas as escolas da iniciativa do PNUD, em
do seminário de lançamento do projeto, no rede estadual de ensino. missão organizada por
primeiro semestre de 2006. Catherine Slakmon.

A iniciativa de Justiça Comunitária contou


As práticas foram aplicadas em São Caetano com o apoio da Prefeitura de São Caetano do
do Sul, tanto para dimensão comunitária Sul, que providenciou a confecção de folders
como restaurativa desse novo modelo de de divulgação dos círculos restaurativos
justiça. no bairro Nova Gerty e o fornecimento de
lanches aos facilitadores.
O modelo sul-africano, ao administrar situa-
ções de conflito e de violência, foca a cons-
trução de um plano de ação; as necessidades
individuais ficam menos presentes, pois o
centro do trabalho não é “o seu problema”,
ou “o meu problema”, mas:“temos uma
situação de violência como problema”. Este Balanço de 2006
modelo, ao enfatizar menos as necessidades
e responsabilidades individuais, privilegia a Em dezembro de 2006, São Caetano do Sul contava com:
mudança comunitária.
yy 50 pessoas capacitadas para operar círculos restaurativos esco-
Assim considerado, este modelo é uma lares nas 12 escolas estaduais de São Caetano do Sul, segundo
experiência de democracia deliberativa o modelo da Comunicação Não-Violenta – a maioria delas
em âmbito local, devendo operar dentro de professores voluntários.
certos limites, colocados por um código de yy 20 pessoas voluntárias capacitadas para operar círculos restau-
atuação – sua base ética e legal – que serve rativos comunitários no bairro de Nova Gerty (E. E. Padre Ale-
de parâmetro aos que operam o círculo xandre Grigoli) segundo o modelo sul-africano Zwelethemba.
(facilitadores de justiça) e aos participantes yy 6 profissionais capacitados para operar círculos restaurativos no
do círculo restaurativo comunitário. Fórum, segundo o modelo da Comunicação Não-Violenta.
yy 17 lideranças educacionais (entre diretores, vice-diretores, pro-
Os círculos comunitários de Nova Gerty – fessores coordenadores e 1 professora interessada) capacitadas
um dos bairros com maior concentração de para apoiar a implementação dos círculos restaurativos escolares
episódios de violência em São Caetano do e duas supervisoras, uma vice-diretora e uma professora capaci-
Sul –, realizados no espaço da Escola Esta- tadas para acompanhar e apoiar o processo nas escolas.
dual Padre Alexandre Grigoli, visavam, ini-
cialmente, atender a conflitos de vizinhança A partir de setembro de 2006, a Secretaria de Estado da Educação
e domésticos, numa parceria com a Guarda de São Paulo, com apoio do MEC, decidiu apoiar a ampliação do
Municipal, Polícia Militar e Programa de Projeto para mais duas Diretorias de Ensino em Heliópolis (São
Saúde da Família. Paulo) e Guarulhos.

Paulatinamente, foi se estendendo e passou


a atender também conflitos que se dão
nas ruas, ou entre adolescentes e jovens e

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 17

jr_sao-caetano_090204.indd 17 04/02/2009 14:25:15


1.2.3 Terceiro Movimento escolas, na comunidade e nas instâncias
– Integração e articulação judiciais;

de técnicas restaurativas yy maior complementaridade entre as diver-


e de espaços de sas instâncias de resolução de conflitos e
resolução de conflitos técnicas utilizadas, com fluxos de proce-
dimentos melhor definidos em cada ins-
tância (escolar, comunitária, judiciária)
Em 2007, durante a interrupção, entre bem como na articulação entre elas.
janeiro e outubro, do financiamento da ca-
pacitação e apoio técnico aos facilitadores Preparação para
de práticas restaurativas/de justiça e às encaminhamentos
lideranças educacionais, as ações do Projeto
restaurativos
seguiram em curso. Escolas, comunidade e
o Fórum continuaram, na medida de suas
Na direção desse segundo requisito, perce-
forças e possibilidades, a desenvolver as
beu-se que era necessária uma preparação
práticas restaurativas aprendidas.
mais sistemática de todos os envolvidos na
A formação dos operadores de direito e rede de atendimento e de proteção aos direi-
dos participantes da rede de atendimento tos das crianças e adolescentes – policiais,
continuou, e, com um Seminário promovido agentes de saúde, assistentes sociais, direto-
pela Prefeitura, fortalecia-se a parceria com res de escola e outros – para que pudessem
os órgãos municipais. encaminhar os casos de conflito de maneira
mais qualificada.
Nessa etapa, o Juiz coordenador refletiu com
a equipe do Projeto sobre as ações desenvol- Embora essa preparação já ocorresse, de
vidas até então, sobre a natureza do mesmo maneira diluída, nas Oficinas para Lideran-
e sobre sua dimensão formativa, visando ças Educacionais e nos encontros da rede, a
novos ajustes e aperfeiçoamentos. prática demonstrou que era necessária uma
capacitação específica para atuar no mo-
Mostrou-se, então, a necessidade de dois mento inaugural dos procedimentos restau-
grandes movimentos complementares para rativos. Afinal, o primeiro contato do agente
que o Projeto de São Caetano tivesse melho- social com o envolvido ou envolvidos no
res condições de contribuir no delineamento conflito é crucial, pois representa o início de
de uma política nacional de implementação um fluxo (Ver p. 88 a 97) que deve culminar
da Justiça Restaurativa no país: na superação do conflito e da violência por
ações que promovam aprendizagem pessoal
yy maior opção de técnicas restaurativas e desenvolvimento comunitário.
passíveis de serem utilizadas, levando-
se em consideração facilidade de apren- Já em dezembro de 2005, se observava “Uma
dizado e de disseminação, a melhor atuação violenta da polícia no atendimento
adequação a contextos institucionais inicial, segundo relato dos participantes, afeta
específicos, aos tipos de conflito e de todo o processo de atendimento e inclusão,
relação das pessoas neles envolvidas, porque dificulta sobremaneira o estabeleci-
9 O Caminho de S. Caeta- apontando para a necessidade de mento de vínculos” 9. Em intensidade menor,
no, op. cit, pg 46 diversificar as técnicas utilizadas em também há prejuízo quando em uma escola,

18 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 18 04/02/2009 14:25:15


por exemplo, a pessoa que primeiro contata A nova formulação do Projeto
o aluno que infringiu a norma disciplinar
assume uma atitude de julgamento e con- Assim, em Dezembro de 2007, quando a capa-
denação. citação de facilitadores de justiça/de práticas
restaurativas e de lideranças educacionais foi
Decidiu-se então criar uma denominação retomada, graças ao apoio financeiro da Se-
específica para o papel que todo ator social cretaria de Estado da Educação de São Paulo,
assume, qualquer que seja seu lugar na rede por meio da Fundação para o Desenvolvi-
secundária ou primária de atendimento aos mento da Educação - FDE, o Projeto assim
direitos das crianças e adolescentes, quando foi apresentado aos participantes.
se defronta com autores de atos ofensivos,
violentos e/ou receptores desses atos, e tem a
tarefa de acolhê-los e encaminhá-los. O nome Justiça Restaurativa e Comunitária
escolhido foi Derivador, pois o que se espera em São Caetano do Sul: parceria
dele é que possa encaminhar (derivar) os pela Cidadania
casos a diferentes alternativas de resolução de
conflito, restaurativas ou retributivas, infor- Objetivo geral
mando sobre as conseqüências de cada opção Construir e sedimentar em São Caetano
e respeitando a decisão dos envolvidos. do Sul um modelo de programa de Justiça
Restaurativa e Comunitária para lidar com
São considerados derivadores no Projeto: juiz, conflitos envolvendo crianças, adolescentes,
promotores de justiça, diretores de escola, as- suas famílias e comunidades em espaços
sistentes sociais do fórum, guardas e polícia, diversificados, institucionais ou não.
agentes comunitários de saúde, conselheiros
tutelares, advogados, grupos de suporte a Objetivos específicos
minorias e de atendimento a drogadição e yy Articular as várias esferas governamentais
alcoolismo. Os facilitadores de justiça/de para suporte do Projeto, estabelecendo-se
práticas restaurativas igualmente podem ser responsabilidades pela sua manutenção.
considerados como derivadores, quando não yy Moldar técnicas para resolução de confli-
atuam nos casos, mas quando encaminham tos adequadas para os tipos de conflitos,
situações de conflito para os círculos. Todos de relação e de contextos institucionais em
passam a receber uma capacitação específica que esses conflitos emerjam.
em Derivação. (Ver p. 125) yy Formatar modelos de capacitação sim-
plificados e dissemináveis para todos os
Todas essas mudanças e ajustes, ampliando o atores envolvidos no processo de imple-
modo de atuação da Justiça Juvenil e das esco- mentação, desenvolvimento e sustentação
las, com maior envolvimento e protagonismo de Projetos e Programas de Justiça Restau-
da comunidade não fogem dos princípios e rativa no país.
marcos teóricos do Projeto (Ver p. 31), mas os yy Estruturar a relação político-institucional
reafirmam. Eles se refletem na nova redação entre os diversos campos de resolução de
do seu título, objetivos e público-alvo. conflitos – comunidade, escolas, conselhos
tutelares, justiça e programas sócio-
educativos, criando-se instrumentos de
exigibilidade de seu funcionamento.
yy Criar condições de auto-sustentabilidade
do Projeto.

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 19

jr_sao-caetano_090204.indd 19 04/02/2009 14:25:15


Público-alvo do Projeto yy Pessoas envolvidas em situação de conflito
yy Alunos, professores, lideranças educacio- de vizinhança e de violência doméstica,
nais e funcionários de escolas públicas independentemente de idade e sexo.
da rede estadual e municipal de Ensino yy Rede secundária de atendimento.
Fundamental e Médio. yy Instituições parceiras: educação, justiça,
yy Adolescentes e comunidades residentes rede de assistência social, rede de saúde,
em bairros em que o Projeto de justiça polícia civil e militar, guarda civil munici-
comunitária esteja sendo implementado. pal, conselho tutelar, Conselho Municipal
yy Adolescentes que cometem atos infracio- de Direitos da Criança e do Adolescente,
nais na cidade. Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
yy Famílias desses adolescentes e suas comu-
nidades de apoio.
yy Pessoas afetadas por situações de conflito 1.2.4. Resultados já
e suas comunidades de apoio.
alcançados: o que as
estatísticas mostram
Balanço de 2007 O sucesso do Projeto reflete-se na sua vita-
lidade – ele se move! – e na sua capacidade
Em dezembro de 2007, São Caetano do Sul contava com: de envolver os atores sociais do município,
em grau crescente, na proposta restaurativa.
yy 13, das 50 pessoas capacitadas para operar círculos restau- No final desta Primeira Parte da publicação,
rativos escolares nas 12 escolas estaduais de São Caetano do apresentaremos um balanço das mudanças
Sul, segundo o modelo da Comunicação Não-Violenta, ainda sistêmicas já alcançadas, bem como das difi-
disponíveis para o Projeto, sendo a maioria delas professores. culdades e perspectivas futuras do processo.
Parte da redução deste número está relacionada à remoção de Por enquanto, fiquemos com alguns resulta-
muitos professores para outros municípios. dos tangíveis em termos de quantidade de
yy 20 pessoas voluntárias capacitadas para operar círculos restau- atendimentos, potencial disseminador do
rativos comunitários no bairro de Nova Gerty (E. E. Padre Ale- Projeto original e comunicação do Projeto a
xandre Grigoli), segundo o modelo sul-africano Zwelethemba. nível nacional e internacional.
yy 6 profissionais capacitados para operar círculos restaurativos no
Fórum, segundo o modelo da Comunicação Não-Violenta.
yy 5 conselheiros tutelares capacitados em técnicas de Justiça Atendimento
Restaurativa.
yy 17 lideranças educacionais (entre diretores, vice-diretores, pro- O Projeto iniciou efetivamente a aplicação
fessores coordenadores e 1 professora interessada) capacitadas de círculos restaurativos para resolução de
para apoiar a implementação dos círculos restaurativos escolares conflitos em maio de 2005, inicialmente
e duas supervisoras, uma vice-diretora e uma professora capaci- em três escolas. Em 2006, todas as escolas
tadas para acompanhar e apoiar o processo nas escolas. da rede pública estadual formalmente
ingressaram no Projeto, embora nem to-
As lideranças escolares defrontavam-se com o desafio de mobilizar das efetivamente realizassem círculos. No
novamente suas equipes, estudantes e famílias, para identificar mais mesmo ano, implementou-se, a partir de
voluntários interessados em serem capacitados e atuarem como julho, o Projeto comunitário. Desde então,
facilitadores de práticas restaurativas nas escolas. nas escolas, justiça e comunidade, foram
realizados 260 círculos restaurativos até
dezembro de 2007.

20 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 20 04/02/2009 14:25:16


Quadro geral

Porcentagem de acordos Porcentagem de acordos


Nº de círculos Nº de Nº de acordos
em relação ao total de cumpridos dentre o total
realizados acordos cumpridos
círculos de acordos realizados

260 231 223 88,84% 96,54%

Qtde de pessoas envolvidas Qtde de pessoas da comunidade Total de participantes (sem


diretamente no conflito que as acompanhou contar os facilitadores)

510 512 1022

Quadro por espaço institucional de prática

Fórum (realizados no espaço institucional da justiça)

Nº de círculos realizados Nº de acordos Nº de acordos cumpridos

39 37 34

Qtde de pessoas envolvidas Qtde de pessoas da comunidade


Total de participantes
no conflito que as acompanhou

59 71 130

O perfil da demanda do Fórum é10:


10 Um mesmo círculo pode
Tipo de conflito Quantidade de casos Tipo de conflito Quantidade de casos envolver mais de um ato
infracional.
Ameaça 7
Furto 3
Agressão física/
15
lesões corporais
Roubo 4
Ofensa 6
Assédio sexual
Perturbação de –
1 por adulto
sossego
Importunação
Danos –
1 sexual
patrimoniais

Constrangimento 2 Estupro –

Rixa –
Racismo –
Porte de

entorpecentes Preconceito –

Tráfico de
– Discriminação –
entorpecentes

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 21

jr_sao-caetano_090204.indd 21 04/02/2009 14:25:16


Escola

Nº de círculos realizados Nº de acordos Nº de acordos cumpridos

160 153 153

Qtde de pessoas envolvidas Qtde de pessoas da comunidade


Total de participantes
no conflito que as acompanhou

317 330 647

O perfil das demandas nas escolas tem sido:

Tipo de conflito Quantidade de casos

Ameaça 24

Agressão física 53

Ofensa 46

Bullying 13

Perturbação de sossego 3

Danos patrimoniais –

Constrangimento 25

Rixa 1

Porte de entorpecentes –

Tráfico de entorpecentes –

Desentendimento 38

Furto 4

Roubo –

Assédio sexual por adulto –

Importunação sexual –

Estupro –

Racismo –

Preconceito –

Discriminação –

Embriaguez –

Outros 1

22 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 22 04/02/2009 14:25:16


Comunidade11, computando-se casos encaminhados pelo Fórum

Nº de círculos realizados Nº de acordos Nº de acordos cumpridos

61 41 36

Qtde de pessoas envolvidas Qtde de pessoas da comunidade


Total de participantes
no conflito que as acompanhou

134 111 245

Quadro comparativo entre número de processos e de círculos realizados

Nº de processos distribuídos na Nº de círculos realizados, Porcentagem de círculos


Vara da Infância desde o início registrados como processo ou realizados em relação ao
do Projeto não12 nº de processos

509 260 51,08%

Disseminação da proposta Comunicação dos conceitos 11 Inicialmente (até


no Estado da São Paulo e práticas de Justiça meados de 2007) os
círculos realizados na
Restaurativa comunidade, com encami-
O Projeto Justiça e Educação: parceria para a nhamento pelo Fórum
foram computados como
cidadania foi objeto de reconhecimento pelo O Projeto vem despertando interesse em procedentes do Fórum,
Ministério da Educação, que repassou verbas vários lugares do país. Palestras vêm sendo passando, então, a ser
desdobrados. A maioria
à Secretaria de Estado da Educação de São proferidas em diversas localidades sobre a ex- dos círculos, por encami-
Paulo, via Fundação para o Desenvolvimento periência de São Caetano do Sul, em especial nhamento do Fórum, foi
realizada na comunidade
da Educação / FDE, para a sua implementação pelo Juiz de Direito da Vara da Infância e da e não por técnicas do
em duas outras cidades no segundo semestre Juventude da Comarca de São Caetano do Sul, Judiciário.
de 2006. As contempladas foram a capital, no Dr. Eduardo Rezende Melo e pelo Promotor
bairro de Heliópolis, contíguo a São Caetano de Justiça Lélio Ferraz de Siqueira Neto, e 12 O número diz respeito
apenas aos casos em que
do Sul, e Guarulhos. também pela educadora Madza Ednir, pela o adolescente seria, em
psicóloga e mediadora Vania Curi Yazbek e tese, considerado como
Na primeira, o Projeto é coordenado pelo Dr. autor do ato infracional,
outros participantes. não nos demais casos,
Egberto de Almeida Penido, Juiz de Direito relacionando adultos.
designado especialmente para sua implemen- Assim, o Projeto já foi apresentado em: São
tação na capital, e na segunda, pelo Dr. Daniel Paulo (diversos locais e instituições), São
Issler, Juiz de Direito da Vara da Infância e da Bernardo do Campo/SP, Santos/SP, Araçatu-
Juventude da Comarca de Guarulhos. ba/SP, Porto Alegre/RS, Brasília/DF, Natal/RN,
Recife/PE, Boa Vista/RR, Chapecó/SC, Belo
A cidade de Campinas iniciou a implementa- Horizonte/MG.
ção do Projeto em 2008. Há perspectivas de sua
disseminação a outras cidades paulistas.

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 23

jr_sao-caetano_090204.indd 23 04/02/2009 14:25:17


Também no exterior a proposta vem sendo encarar a realidade rebelde, dialogar com
divulgada e debatida. Foi apresentada em: ela, serem transformados e eventualmente
transformá-la.
Wellington, Nova Zelândia (2005) – no
simpósio com título “Towards a restorative
society”, realizado na Victoria University of Equipe gestora
Wellington, em Wellington (palestra do Juiz
Eduardo Mello). É liderada pelo Juiz coordenador do Projeto,
titular da 1ª Vara Criminal, de Crimes contra
Casta Papiernika, Eslováquia (2007) – na a Criança e o Adolescente, e da Infância e
Conferência “Educação para o Desenvolvi- da Juventude da Comarca de São Caetano
mento e os Objetivos do Milênio” promo- do Sul, Eduardo Rezende Melo; e composta
vido por DEEEP- Development Education pelo Promotor de Justiça dos Crimes contra
Exchange in the European Project (painel no a Criança e o Adolescente e da Infância e da
Mercado Livre do evento, pela Prof. Madza Juventude, Lélio Ferraz de Siqueira Neto; pe-
Ednir, CECIP). las Promotoras Criminais, Elaine Caravellas
e Karla Régis Bugarib; e pela Promotora da
Utrecht, Holanda (2008) – no Colóquio Pessoa com Deficiência e do Idoso, Maria
“Justiça Restaurativa e Educação”, promovido Izabel de Castro Sampaio.
pelo APS- International da Holanda (partici-
pação do comunicador e educador Claudius
Ceccon, CECIP). Parceiros em São Caetano

Os resultados da iniciativa vêm sendo des- Psicóloga do Judiciário


tacados na imprensa nacional, tendo gerado Patrícia Vendramin.
diversas, notícias entre 2005 e 2007, o que
contribui para disseminar entre a população Assistentes sociais do Fórum
em geral uma nova forma de se pensar o re- responsáveis pelos estudos dos casos
estabelecimento da justiça. e realização de círculos restaurativos
Arlete Crivelenti Abraão, Iracema Leandro
Nunes Marques, Maria da Glória Cinacchi
1.2.5. O que faz o Projeto Molina, Maria Palmira Alfeld, Maria Rita Soa-
res de Araújo e Rosemeire Pintor Alvaredo.
acontecer
Embora a presença de recursos financeiros e Cartório da 1ª Vara Criminal, de Crimes
materiais seja essencial à implementação de contra Criança e o Adolescente e
qualquer Projeto, o que o mantém vivo e con- Cartório da Infância e da Juventude da
segue fazer com que ele se realize na prática Comarca de São Caetano do Sul
é, principalmente, a energia das pessoas nele Os profissionais que atuam nesses Cartórios
envolvidas e a forma como essas energias se dão suporte à equipe gestora. Seus integrantes
somam e se multiplicam. são: Maria Valéria Cipolotti, Alexandre Lubini,
Paulo Cesar de Araújo, Marcia Luiza Pitanguei-
O conceito e a intenção que movem o Proje- ras Lima, Ronald Oliveira Marinho, Silmara
to precisam estar presentes no coração, na Guilherme dos Santos Litz, Luciana Mastellini
mente e nos sonhos dos envolvidos – que, Fernandes, Ana Maria Ribeiro Randow, Edi-
assim, encontram forças e coragem para lene Maria Rocha Barbosa Ross, Mariangela

24 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 24 04/02/2009 14:25:17


Algumas das pessoas que estão construindo a Justiça
Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

Promotor
Lélio Ferraz de
Juiz Eduardo Rezende Melo. Mediadora Vania Curi Yazbek. Siqueira Neto.

Encontro de algumas das Facilitadoras de Práticas


Restaurativas e Lideranças Educacionais.

Profa. Madza Ednir, entre Boudewjin van


Velzen (APS) e Claudius Ceccon (CECIP).

Profas. Leda Demambro,


Vitória Tato e Suzana
Aparecida Dechechi de
Oliveira, Dirigente de
Ensino São Bernardo do
Campo.

Equipe de Mediadoras
Transformativas e
Facilitadoras de Práticas
Restaurativas.

Da esquerda p/ direita:
Arlete C. Abraão, uma das
Facilitadoras Restaurativas que
opera círculos no Fórum;
Dominic Barter e Monica Mumme;
Maria Inês Salgado.

Da esquerda p/ direita:
Profa. Elisa Amélia
de Godoy Bezulle;
Fátima Montenegro;
Julia Praeiro Theodoro
e Cida Demambro,
supervisora de ensino:
exemplos de Lideranças
Educacionais que
são imprescindíveis
para a disseminação
do projeto nas
comunidades escolares.

jr_sao-caetano_090204.indd 25 04/02/2009 14:25:38


Sabará, Rita de Cássia Bonucci, Raquel Helena formatação e gestão. Através das Professoras
Santana Tavares, Marcia Garcia Moreno, Ivone Suzana, Leda e Cidinha, o Projeto ganhou
Skala, Olga Dorigão Isaias, Claudia Maria dos destaque municipal e estadual. Foram
Santos Teixeira, além dos oficiais de justiça responsáveis pela mobilização das escolas
Aparecida de Fátima Ferreira de Souza Santos, da rede pública estadual, na realização das
Mari Lucia Sigueko Ogura, André Joaquim capacitações e das atividades abertas para
Massagli Lopes e dos estagiários Bruna Bezer- a comunidade. Sem seu apoio, este Projeto
ra Vieira, Suzana Fenandes Rodrigues e Diego não teria sido possível.
Henrique Ventura.
A equipe da Diretoria de Ensino é consti-
Conselho Municipal de Direitos da tuída pelos supervisores de ensino Victor
Criança e do Adolescente Gilberto Ferreira (Escolas Estaduais Prof.
Sua presidente até 2007, Rita Russo, foi res- Edgar Alves da Cunha/ Laura Lopes / Bo-
ponsável por toda a coordenação da articu- nifácio de Carvalho); Tania Murias (E.E.
lação da rede de atendimento. Coordenou a Maria Trujilo Torloni); Ruy Toledo de Arruda
realização do seminário de outubro de 2005 Neto (Escolas Estaduais Padre Alexandre
e esteve presente em todas as atividades Grigoli / Burkart / Anacleto Campanella);
do Projeto. Tem promovido a capacitação Aparecida Antonia Demambro (Escolas
da rede e apoiado as iniciativas de Justiça Estaduais Profa. Yolanda Ascêncio /Joana
Restaurativa. Motta); Leda Maria Demambro (Escolas
Estaduais D. Idalina Macedo Costa Sodré /
Conselho Tutelar Eda Mantoanelli /Moura Branco).
Representado por Sueli Catarina L. Catino,
Elisabeth Lutz, Ariane Fabíola Tomazelli e Escolas participantes
Nádia Ivanov (Gestão 2004/2007) e Diva Parceiras indispensáveis são as escolas da
Sueli B. Manzini e Sandra Regina Mira Feijão rede pública estadual de São Caetano do
(Gestão 2007/2010). O Conselho Tutelar não Sul. As escolas pioneiras, E.E. Eda Man-
apenas participou de todas as capacitações, toanelli, por sua diretora Julia Praeiro dos
mas reformulou seu modo de atendimento, Santos Theodoro, pela vice-diretora Maria
visando uma abordagem restaurativa, e Ignez Salgado e pela Professora Victória
realiza círculos, tornando-se um órgão de Blanco Tato, que se tornaram incansáveis
referência na cidade. multiplicadoras da abordagem restaurativa;
E.E. Prof. Edgar Alves da Cunha, por sua
Diretoria de Ensino de São Bernardo diretora Maria Paula Vugrinec Pedroso Hei-
do Campo, da Secretaria de Estado da nhe, pela vice-diretora Elisa de A.C. Correra
Educação de São Paulo e pela professora coordenadora Izildinha
Essa parceria fundamental no Projeto se dá Aparecida Bertoldo, e E.E. Laura Lopes,
com a Secretaria de Estado da Educação, por sua diretora Lais Teresa Netti e pela pro-
através da Diretoria Regional de Ensino fessora coordenadora Janice Naum. Outras
de São Bernardo do Campo, na pessoa parceiras fundamentais têm sido as escolas
da Dirigente Suzana Aparecida Dechechi que se uniram ao Projeto em 2006:
de Oliveira, e das supervisoras de ensino,
Leda e Aparecida Demambro, responsáveis yy E.E. Moura Branco
internas pelo Projeto na Diretoria de Ensino, Diretora Elisa Amélia de Godoy Bezulle
e que o acompanharam desde o início, con- yy E.E. Anacleto Campanella
tribuindo decisivamente para as decisões de Silvina Maria Corvelo Benarges

26 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 26 04/02/2009 14:25:39


yy E.E. Bonifácio de Carvalho 8. E.E. Bonifácio de Carvalho
Diretora Ilca Topis Marcelo Natal Arroio, Angélica A. L. de
yy E.E. Dona Idalina Macedo Costa Sodré Andrade e Vanda P. Medeiros.
Diretora Keiko Kishi Lazeri 9. E.E. Alfredo Burkart
yy E.E. Profa. Joana Motta Tatiana Kozamekinas, Marcos Antonio
yy Diretora Iraci Meneguini Nagoshi Gonçalves e Silvania Caram.
yy E.E. Maria Trujilo Torloni 10. E.E. Padre Alexandre Grigoli
Diretora Eleane Cristina Muniz Barbosa Fátima Martins, Magali Berlinga Nacrato,
yy E.E. Profa. Yolanda Ascêncio Elaine D. Montes e Eunice Silva.
Diretora Maria Cleusa Dias 11. E.E. Profa. Joana Motta
yy E.E. Padre Alexandre Grigoli Daisy Cristine Kulpin Rodrigues, Sandra,
Diretor José Degmar de Almeida Margarete Eloi da Silva e Mariagrazia G.
yy E.E. Alfredo Burkart Orle.
Diretora Paulina Janete Ber 12. E.E. Profa. Yolanda Ascêncio
Carina do E. Santo e Felipe Aguiar Martins
Facilitadores Escolares de Práticas
Restaurativas/ de Justiça (2006) Facilitadores Comunitários de Práticas
1. E.E. Anacleto Campanella Restaurativas/de Justiça do bairro
Izabel R.L.Graminez, Celi Alves dos Nova Gerty
Santos, Dorcilia da Silva, Eniale Lopes, Dilma Ferreira Correa, Eli Machado, Fátima
Maria Lúcia Cassimiro e Blanco Tato. Montenegro, Karina Mie Arita, Lívia Souza
2. E.E. Eda Mantoanelli Gonçales, Luís Carlos Wagner, Marco D.
Jorge Luiz H. da Silva Jr, Stéphanie Campos, Maria Aparecida Silvestre, Maria
Eymee V. Martins, Maria Ignez do Carmo Porto, Maria Augusta dos Reis,
C.R.M.Salgado e Araújo S.Pereira. Marlene de Lima Tomás, Regiane Blanco
3. E.E. Laura Lopes Souza, Regina Célia de F. Mendes, Roberto
Janice A.Naum. Carlos de Sousa, Tereza Mota, Sandra Luiza Snege, Shirley Rose
Rodrigue, Peter Farias, Isabel Cristina F. Buck, Sylvana Casarotti, Tânia do Nasci-
Mombelli e Ivonette B. S. Kosimenko. mento, Vanessa Gomes de Lima, Vera Gomes
4. E.E. Prof. Edgar Alves da Cunha de Lima.
Maria Aparecida Benta Apone, Elisa de
A.C. Correra, Izildinha Aparecida Bertol- Facilitadores de Práticas Restaurativas
do, Zuleica Nabiah D. de Freitas Sein, Mar- na Justiça (Fórum)
cia Antunes de Siqueira Souza de Lourdes Arlete Crivelenti Abraão, Iracema Leandro
Pires de Barros e Luzia O. Álvares. Nunes Marques, Maria da Glória Cinacchi
5. E.E. Maria Trujilo Torloni Molina, Maria Palmira Alfeld, Maria Rita
Loraine GomesTenôrio, Sônia Regi- Soares de Araújo, Patrícia Vendramin e Ro-
na Bosio Quinzani, Aline do Espírito semeire Pintor Alvaredo.
Santo, Maria José Ferreira Lobo e Maria
Manoela S. de Almeida. Ministério Público
6. E.E. Moura Branco Foi parceiro de primeira hora. O Dr. Lélio
Fatima A. C.Montenegro, Cassarotti e Ferraz de Siqueira Neto colaborou em todos
Ruiz Maldonado Barroso. os momentos na coordenação e gestão do
7. E.E. Dona Idalina Macedo Costa Sodré Projeto, no enfrentamento dos desafios de im-
Eliana Fredo da Costa, Regina Lucia da plementação e na reflexão de possibilidades de
Silva e Rosangela Falarara. sua superação. Posteriormente, as promotoras

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 27

jr_sao-caetano_090204.indd 27 04/02/2009 14:25:39


criminais Karla Regis Galvão de Oliveira Bu- va na comunidade e nas escolas de São Caetano
garib e Elaine Maria Clemente Tiritan Müller do Sul. Dentre eles, estão:
Caravellas, e a promotora do idoso e da pessoa yy Rede de Comunicação Não-Violenta,
com deficiência, Maria Izabel do Amaral Sam- por Dominic Barter (2005-2006);
paio Castro, engajaram-se no processo. yy Instituto Familiae , por Vania Curi
Yazbek e equipe. As mediadoras trans-
OAB e outros excelentes parceiros formativas Cristina Meirelles, Marta
locais Marioni, Maria Renata Bueno Azevedo
A OAB, por sua presidente Rosângela Negrão, e Violeta Daou participaram, em caráter
a Polícia Civil, especialmente pelos Delegados voluntário, das capacitações dos facili-
Adilson Aquino e Moisés Maximiano, e a tadores em 2006 e constituem a atual
Polícia Militar, pelo Tenente Coronel Que- “Justiça em Círculo”, especializada em
sada. A Casa da Amizade, responsável pelo capacitação para projetos de justiça
Projeto Integração, de execução de medidas restaurativa;
sócio-educativas, também foi parceiro nas yy CECIP – Centro de Criação de Imagem
capacitações e na reflexão dos processos de Popular, por seu Diretor e especialista
atendimento. em educomunicação Claudius Ceccon
e pelas especialistas em Facilitação de
Prefeitura do Município de São Caetano Mudanças Educacionais Madza Ednir e
do Sul Monica Mumme; em parceria com a APS
Por seu prefeito José Auricchio Júnior, que International, por meio de seu Diretor e
proveu a confecção de folders de divulgação especialista em Mudanças Educacionais
do Projeto comunitário no bairro Nova Gerty Boudewijn van Velzen. O CECIP foi
e tem estimulado pessoalmente o engajamen- responsável por desenhar, com o Juiz
to institucional da Prefeitura como um todo Eduardo Melo, a articulação do Projeto
com a Justiça Restaurativa. Neste sentido, Justiça e Educação: parceria para a
em 2007, convidou o Juiz Coordenador do cidadania com a Secretaria de Estado
Projeto a realizar um workshop com todos de Educação de São Paulo, destacando a
os secretários municipais e seus assessores, relevância desse Projeto como impulsio-
estendendo-o a toda a comunidade. O Projeto nador de mudanças educacionais, com o
conta com apoio da Diretoria Municipal de envolvimento de lideranças que podem
Ensino, por sua Secretária Magali Aparecida articular a justiça restaurativa ao Projeto
Selva Pinto, que autorizou recentemente o Político Pedagógico das escolas.
ingresso da Segunda Escola Municipal de
Ensino Fundamental (SEMEF). A diretoria
de saúde, por sua Secretária Regina Maura 1.2.6. Apoios
Zetone Grespan, através do Programa de
Saúde na Família, e a guarda municipal, por institucionais
seu comandante Balbo Santarelli, que têm Projetos, para acontecer, precisam de apoio
procedido encaminhamentos de casos a institucional, de recursos financeiros, hu-
círculos restaurativos e comunitários. manos e materiais. Se a energia e a paixão de
todos é o primeiro pilar, o apoio das institui-
Parceiros técnicos ções que listamos abaixo, e das pessoas que
Há que citar ainda Parceiros Técnicos que vêm as representam, tem sido o segundo pilar de
colocando seu conhecimento e experiência a sustentação da Justiça Restaurativa em São
serviço do fortalecimento da Justiça Restaurati- Caetano do Sul.

28 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 28 04/02/2009 14:25:39


O Projeto foi implementado até 2007 com A Procuradoria Geral de Justiça, na pes-
financiamento pelo Programa das Nações soa do Procurador Geral, Rodrigo Pinho, o
Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, Centro de Apoio Operacional da Infância e da
sob coordenação da Unidade de Governança Juventude do Ministério Público do Estado
Democrática e Combate à Pobreza (Maristela de São Paulo, através de sua coordenadora
Marques Baione) e pela Secretaria de Refor- Laila Said Abdel Qader Shukair, apoiaram o
ma do Judiciário, do Ministério da Justiça, Projeto e deram suporte aos promotores locais.
então sob condução do Secretário Pierpaolo Recentemente, o Centro de Apoio Operacional
Boccini. Criminal demonstrou interesse pelo Projeto na
sua vertente com adultos e tem acompanhado
Conta com autorização e apoio do Tribunal e apoiado a disseminação local entre promoto-
de Justiça do Estado de São Paulo, através res de justiça e juízes do Estado, propiciando
de seu Conselho Superior da Magistratura, maior legitimação das iniciativas locais.
e foi acompanhado pela Presidência, na
pessoa do Des. Celso Limongi, e atualmente A ABMP - Associação Brasileira de Magis-
do Des. Roberto Antonio Vallim Belochi; trados, Promotores de Justiça e Defensores
pela Corregedoria Geral de Justiça, ante- Públicos da Infância e da Juventude, da
riormente na pessoa do Des. Gilberto Passos qual o Juiz Coordenador Eduardo Resende
de Freitas, com especial atenção por seu as- Mello é o atual presidente, sobretudo através
sessor, Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, da ação de sua então presidente, Laila Said
e atualmente pelo Des. Ruy Camilo; pela Abdel Qader Shukair, propiciou ampla disse-
Coordenadoria da Infância e da Juventude minação do Projeto e da Justiça Restaurativa
do Tribunal de Justiça do Estado de São entre seus associados, apoiando todas as suas
Paulo, pelo Des. Antonio Carlos Malheiros; iniciativas junto ao Tribunal de Justiça do
pela Escola Paulista da Magistratura, na Estado de São Paulo e à Procuradoria Geral
pessoa de seu Diretor, Des. Marcus Vini- de Justiça.
cius dos Santos Andrade (atualmente, Des.
Antonio Rulli). A Secretaria Especial dos Direitos Hu-
manos – SEDH, por meio do Projeto
O Ministério da Educação repassou recur- BRA/03/02/01/p51/33/99 – “Segurança nas
sos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolas: Uma Questão de Direitos Humanos”,
da Educação (FNDE) à Secretaria de Estado fruto do Acordo Básico de Assistência Técnica
da Educação de São Paulo, via Fundação para assinado entre o Governo Federal e o Fundo
o Desenvolvimento da Educação (FDE), para de População das Nações Unidas, espe-
a implementação em duas outras cidades no cialmente a Subsecretária de Promoção dos
segundo semestre de 2006. Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen
Silveira de Oliveira, e suas assessoras técni-
A Secretaria de Estado de Educação de São cas, Carolina de Oliveira Brandão e Susana
Paulo que está apoiando a continuidade do Cecília Lavarello Mintegui, que garantiram
Projeto em São Caetano do Sul entre o final a realização da sistematização de toda essa
de 2007 e o ano de 2008, por meio da FDE, trajetória, apoiando a disseminação das ações
representada por seu Presidente, Fábio Bonini desenvolvidas, inclusive esta publicação.
Simões de Lima, Gerente de Educação e Ci-
dadania, Nivaldo Santos e sua equipe técnica
Edson de Almeida, Jurema Reis Corrêa Panza
e Uyara Schimittd.

Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul 29

jr_sao-caetano_090204.indd 29 04/02/2009 14:25:39


CONVITE A UM MERGULHO RESTAURATIVO

Até aqui, oferecemos uma visão geral do Projeto de pelas punições previstas no Sistema Disciplinar e
Justiça Restaurativa em São Caetano do Sul: suas Regimentos Internos.
origens, desenvolvimento, realizações, as pessoas e
instituições que o fazem acontecer. É essencial, então, compreender a diferença filosófica
e ética entre as duas perspectivas, e suas implicações
Mostramos como o Projeto foi se remodelando e para o desenvolvimento da responsabilidade e da
se reestruturando no curso de sua implementação. autonomia dos envolvidos, bem como para a reali-
Não se pode dizer que esteja de todo finalizado por- zação dos direitos humanos e sociais.
que tem revisado seus procedimentos e pretende
ampliar a aplicação de práticas restaurativas em O Capítulo seguinte pretende contribuir nessa
outros contextos institucionais além de escolas direção, apresentando os fundamentos legais da
e Fórum, possibilitando, com isso, uma testagem Justiça Restaurativa, sua justificação filosófica e
mais abrangente das várias alternativas e quais político-criminológica.
implicariam um custo menor e maior eficiência
para sua ampla disseminação. Note-se que se a transgressão da lei é “crime” para a
Justiça, a transgressão da “lei escolar” (Sistema Dis-
Tanto o contexto político de introdução da Justiça ciplinar/Regimento Interno), é “infração disciplinar”
Restaurativa no país como o desenho concreto do para a Educação.A partir da década de 90, observa-se
Projeto em sua evolução histórica representa uma em escolas de grandes metrópoles, como São Paulo,
novidade não apenas na sociedade brasileira, mas na a tendência a criminalizar as infrações disciplinares
própria estruturação dos referenciais restaurativos cometidas por adolescentes e jovens, encaminhando
colocados na literatura internacional. alunos à Justiça por atos de vandalismo, ameaças ou
de agressão violenta. Essas ocorrências, que antes
Por isso, vemos a necessidade de esboçar algumas eram tratadas como eventos graves e recebiam san-
linhas sobre como vem sendo entendida a Justiça ções previstas dentro do Sistema Disciplinar, hoje
Restaurativa, indicando as referências normativas são vistas como “casos de polícia”. Em Campinas, por
que pautaram esta iniciativa para fundamentá-la e exemplo, 30% dos processos do Fórum são devidos
descrevê-la com maior profundidade. a Boletins de Ocorrência abertos por iniciativa de
pessoas da comunidade escolar.
Uma reflexão sobre os marcos teóricos e sobre as
dimensões práticas do Projeto interessa não apenas Esse é um indicador da importância de se promover,
aos juristas, mas a todos os que desejam aplicá-lo, uma ampla discussão, também entre educadores, so-
em especial as lideranças escolares. No espaço bre a contradição que se expressa no fato de a Justiça
escolar, como no espaço judicial, a abordagem estar repensando o conceito de crime, e descobrindo
restaurativa precisa conviver com a abordagem alternativas educativas e inclusivas para lidar com os
retributiva, materializada, na Justiça, pelas puni- autores de atos violentos, enquanto na Educação se
ções previstas pelo Sistema Penal, e na Educação, faz, em algumas escolas, movimento inverso.

30 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 30 04/02/2009 14:25:40


Marcos teóricos
Princípios utilizados pela Justiça Restaurativa.
2
Bases de reflexão do processo de implementação
do Projeto.

Como teoria e prática são inseparáveis, yy no fundamento do sistema criminal, a 13 Para um histórico
do movimento, cf. Zehr,
ilustraremos este Capítulo com alguns partir de uma revisão histórico-crítica Howard. Changing Lenses;
exemplos da aplicação da Justiça do modo como são compreendidos os Weitekampf, Elmar. The
Restaurativa em São Caetano do Sul, conflitos entre pessoas e grupos sociais e o history of restorative
justice, In: Bazemore, G.
em espaços escolares, comunitários e papel assumido pelo Estado diante deles; & Walgrave, Lode. Res-
forenses, tentando revelar o impacto yy no modo de resolução desses conflitos e torative juvenile justice:
repairing the harm of
simbólico na transformação dos de consideração aos direitos das diferen- youth crime, p. 75 e ss.
envolvidos em situação de conflito, para tes pessoas e instâncias envolvidas, tanto
seus apoios – familiares e amigos, para a direta como indiretamente, inclusive o 14 Bazemore, G. & Wal-
grave, Lode. Restorative
comunidade e para as instituições. próprio Estado; juvenile justice: in search
yy na compreensão dos objetivos pretendi- of fundamentals and
an outline for systemic
dos com essa resolução, considerando o reform. In: Bazemore, G.

2.1. Fundamentos
impacto produzido nos “ofensores”, “víti- & Walgrave, Lode. Res-
torative juvenile justice:
mas”, na comunidade em que se inserem e repairing the harm of
norteadores na sociedade como um todo, representada
pelo Estado13.
youth crime, p.46.

15 Johnstone, Gerry &


Van Ness, Daniel. The
2.1.1 Delineamentos Há uma grande controvérsia na literatura es- meaning of restorative
justice. In: Johnstone,
pecializada quanto aos fundamentos da Justi-
fundamentais da Justiça ça Restaurativa, embora haja uma tendência
Gerry & Van Ness, Daniel.
Handbook of restorative
Restaurativa forte a considerá-la em torno de seus valores, justice, p. 8

processos e/ou seus resultados/objetivos14, 16 Roche, Declan. Re-


A Justiça Restaurativa representa um tornando-a um conceito aberto15. tribution and restorative
justice. In: Johnstone,
conjunto de iniciativas que vão ganhando Gerry & Van Ness, Daniel.
fôlego a partir da década de 70 do século Sua elaboração iniciou-se por uma contra- Handbook of restorative
XX, procurando estabelecer uma mudança posição que, embora atualmente revista16, justice, p.75 e ss.

paradigmática no modo de lidar com atos pretendia distinguir a Justiça Restaurativa


caracterizados como crime em três grandes da tradicional, ainda corrente, baseada em
âmbitos: concepções retributivas ou reabilitadoras.

Marcos Teóricos 31

jr_sao-caetano_090204.indd 31 04/02/2009 14:25:40


As contraposições eram realizadas em A utilização de tabelas como as mostradas
três grandes campos: no modo de enten- abaixo, reconhece-se hoje, tinha um objetivo
dimento do crime, da responsabilidade e ilustrativo e didático. Era a introdução a um
da própria justiça. novo paradigma. Elas são reproduzidas aqui,
numa condensação de vários referenciais, com
essa mesma finalidade: introduzir a apresenta-
ção do que nos levou a estruturar o Projeto.

ENTENDIMENTOS DO CRIME

Justiça Tradicional Justiça Restaurativa

Crime definido como violação de regra Crime definido pelo dano às pessoas e às relações

Dano definido abstratamente Dano definido concretamente

Crime visto como categoricamente diferente de outros Crime reconhecido como relacionado a outros danos
danos e conflitos

Estado como vítima Pessoas e relações como vítimas

Estado e ofensor vistos como partes primárias Vítima e ofensor vistos como partes primárias

Necessidades e direitos das vítimas ignorados Necessidades e direitos das vítimas como centrais

Dimensões interpessoais irrelevantes Dimensões interpessoais como centrais

Natureza conflitual do crime obscurecida Reconhecida a natureza conflitual do crime

Feridas do ofensor periféricas Feridas do ofensor importantes

Ofensa entendida em seu amplo contexto: moral,


Ofensa definida em termos técnicos-jurídicos.
social, econômico e político.

ENTENDIMENTOS DA RESPONSABILIDADE

Justiça Tradicional Justiça Restaurativa

Erro cria culpa Erro cria dúvidas e obrigações

Culpa é absoluta (sim/não) Graus de responsabilidade diferenciados

Culpa é indelével Culpa é removível através de arrependimento e reparação

Dívida é abstrata Dívida é concreta

Débito pago pelo recebimento da punição Débito pago pela ação reparadora

Dívida devida à sociedade abstratamente Débito devido primeiramente à vítima

Responsabilidade como tomada de remédio Prestação de contas como responsabilidade

Assunção do comportamento escolhido Reconhece a diferença entre realização potencial e atual


livremente da liberdade humana

Reconhece o papel do contexto social como escolha, sem


Livre-arbítrio ou determinismo social
negar a responsabilidade pessoal.

32 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 32 04/02/2009 14:25:40


ENTENDIMENTOS DA JUSTIÇA

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa

Definir acusação é central Resolução do problema é central

Foco no passado Foco no futuro

Necessidades são secundárias Necessidades são primárias

Modelo da batalha Diálogo normativo

Enfatiza diferenças Procura pelo comum

Imposição de dor considerada normativa Restauração e reparação consideradas normativas

Uma ofensa social acrescida às outras Ênfase na reparação de ofensas sociais

Dano pelo ofensor é compensado pelo dano ao


Dano pelo ofensor é compensado pela reparação
ofensor

Foco no ofensor, vítima ignorada Necessidades da vítima são centrais

Estado e ofensor são elementos-chave Vítima e ofensor são elementos-chave

Falta de informação às vítimas Informação providenciada à vítima

Rara a restituição Restituição é normal

Verdade das vítimas é secundária Vítimas têm a chance de dizer sua verdade

Sofrimento da vítima é ignorado Sofrimento da vítima lamentado e reconhecido

Ação do Estado em relação ao ofensor;


É dado papel ao ofensor para a solução
ofensor é passivo

Reconhecidos os papéis da vítima, do ofensor e da


Monopólio do Estado na resposta ao malfeito.
comunidade.

Por essas caracterizações, têm-se colocado os atendimento das estratégias de promoção


seguintes requisitos fundamentais na carac- de maior participação e responsabilidade
terização da Justiça Restaurativa, conforme a compartilhada por todos os afetados.
visão de Van Ness & Strong17, complementa- yy Reintegração na comunidade daqueles 17 Van Ness, Daniel &
Strong, Karen H. Resto-
da, já a nosso ver, por uma visão dos direitos que criaram uma situação de ruptura e dos ring Justice.
sociais em jogo: outros que, afetados por um conflito, se
sentiram oprimidos na fluidez de suas re-
yy Encontro entre todos os afetados pela lações sociais, evitando-se revitimizações;
situação de conflito, tanto direta como mas também a reintegração preventiva,
indiretamente; mas, também, encontro de vale dizer, a prevenção contra processos de
instituições co-responsáveis pelo encami- exclusão e de marginalização, através de
nhamento das situações de conflito. políticas inclusivas, que evitem estigmati-
yy Participação de todos na resolução do zações e permitam a tomada das pessoas
conflito e na construção de condições de em sua inteireza, não pelos atos cometidos
convivência no porvir; mas também cons- ou por determinada característica de
trução coletiva pelas redes secundárias de comportamento, de raça, etc.

Marcos Teóricos 33

jr_sao-caetano_090204.indd 33 04/02/2009 14:25:41


yy Reparação dos danos e atendimento das 2.1.2 – Referenciais
necessidades de todos os afetados, numa normativos e amplitude
preocupação concomitante de restauração
da relação antes dos danos a serem cau- teórica da Justiça
sados, mas, também, de equacionamento Restaurativa
projetivo desta relação para evitar nova Estes conjuntos de referências e elementos
emergência do conflito. caracterizadores da Justiça Restaurativa
yy Transformação das pessoas envolvidas promoveram dois movimentos distintos,
na situação de conflito pelo confronto de com a criação de normas para aplicá-la ao
perspectivas e de referências culturais, sistema criminal e de procedimentos que,
como também das instituições que, entre baseando-se em uma visão ampliada da
si, participam da implementação de um Justiça Restaurativa, a levam a outros espaços,
novo paradigma de ação, articulado e além do sistema da justiça, como as escolas
comprometido com o envolvimento parti- e a comunidade.
cipativo de todos os usuários dos serviços
no apontamento das melhores soluções Justiça Restaurativa no
para os problemas por eles enfrentados; Sistema Criminal
e ainda, transformação cultural da co-
munidade, com reflexão e revisão de seus Um primeiro movimento, de relativa nor-
valores, e de papéis governamentais na sua matização em âmbito internacional, visando
relação com a comunidade. o estabelecimento de parâmetros do que
yy Inclusão e respeito à diversidade cultural se deva entender por Justiça Restaurativa
e de problemáticas afetando diferentes quando relacionada ao sistema criminal,
grupos populacionais, tomando-os não se expressa pela Resolução do Conselho
apenas pelas questões individuais suscita- Econômico e Social das Nações Unidades
das, mas também naquilo que apresentam (Resolução 12/2002). Em suas considera-
coletivamente. ções preambulares, enfatiza a vinculação
de práticas restaurativas com uma resposta
ao crime. Afirma que a Justiça Restaurativa
enseja uma variedade de medidas flexíveis e
que se adaptam aos sistemas de justiça crimi-
nal, complementando esses sistemas. Nesse
contexto, adota uma terminologia, segundo a
qual processo restaurativo significa qualquer
processo no qual a vítima e o ofensor, e, quan-
do apropriado, quaisquer outros indivíduos
ou membros da comunidade afetados por um
crime, participam ativamente na resolução
das questões oriundas do crime, geralmente
com a ajuda de um facilitador. Os processos
restaurativos podem incluir a mediação, a
conciliação, a reunião familiar ou comuni-
tária (conferencing) e círculos decisórios
(sentencing circles).

34 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 34 04/02/2009 14:25:41


A Resolução 12/2002 afirma ainda que o
resultado restaurativo significa um acordo
construído no processo restaurativo. Re-
sultados restaurativos incluem respostas e Valores fundamentais
programas tais como reparação, restituição
e serviço comunitário, objetivando atender as yy Primazia de vítimas, ofensores e co-
necessidades individuais e coletivas e respon- munidades
sabilidades das partes, bem como promover a yy Responsabilidade coletiva
reintegração da vítima e do ofensor18. yy Sensibilidade e respeito às diversidades 18 Tradução de Renato
Sócrates Gomes Pinto.
culturais
yy Restauração da balança de poderes
Justiça Restaurativa além
do Sistema Criminal -
perspectiva ampliada Processos fundamentais
Um segundo movimento, mais amplo, não yy Preparação efetiva de todos para a parti-
considera a Justiça Restaurativa meramen- cipação nos processos restaurativos
te limitada ao Sistema Criminal, já que é yy Suporte aos participantes
fundada em valores, processos e resultados yy Justiça, respeito, envolvimento e con-
desejáveis no equacionamento dos mais senso no processo de tomada de
diferentes tipos de conflitos. decisões
yy Prevenção à estigmatização
A Nova Zelândia, país no qual a Justiça
Restaurativa assume primeira e nacional-
mente um caráter institucional no âmbito Resultados fundamentais
da justiça juvenil, logo parte também para
uma discussão ampla da implementação yy Reconhecimento de responsabilidade
da Justiça Restaurativa em outras esferas yy Aumento do entendimento das razões e
de atuação, como a justiça civil, as escolas, conseqüências da ofensa
conflitos macrossociais e culturais19. Trata-se yy Aceitação dos resultados como apro- 19 Maxwell, Gabrielle.
Restorative justice and
de um fenômeno que vem marcando também priados
practices in New Zealand:
outros países, como se pode ver num manual yy Reparação dos danos e correção das towards a restorative
de Justiça Restaurativa, em que se fala de ações society.

práticas restaurativas na polícia, em prisões, yy Atenção e atendimento a dores e so-


20 Johnstone, Ferry
escolas e comissões de verdade, como a sul- frimentos & Van Ness, Daniel
africana20. yy Equacionar a recidiva e reintegração W.Handobook of restora-
tive justice, p. 265/394.
com suporte contínuo
Uma das características maiores da Justiça yy Reconciliação e reintegração 21 Maxwell, Gabrielle.
Restaurativa é a de um deslocamento de Restorative justice and
practices in New Zealand:
valores, processos e resultados marcados por towards a restorative
uma certa negatividade, relacionada ao erro, society, p. 6 e ss.
à falta e à exclusão, para um referencial de
potencialidades, de promoção de direitos e
de envolvimento participativo. Segundo Ga-
brielle Maxwell21, poder-se-ia entender esses
valores, processos e resultados como:

Marcos Teóricos 35

jr_sao-caetano_090204.indd 35 04/02/2009 14:25:41


2.1.3 – Estruturação por isso, não poderia levar à discriminação
do Projeto, segundo a de qualquer ordem (art. 2).

perspectiva ampliada
Regras de Beijing e Diretrizes
Foi já com esta segunda perspectiva, am- de Riad: Justiça Restaurativa
pliada, norteada inclusive pelos parâmetros não apenas restaura o dano
de reforma do Judiciário, que este Projeto mas previne que a violência
estruturou-se. Examinemos em seguida al-
ocorra
guns marcos legais que nos subsidiaram.

Outros documentos norteadores, as Regras de


A Justiça Restaurativa e Beijing (Regras Mínimas das Nações Unidas
a Convenção das Nações para a Administração da Justiça da Infância
Unidas sobre direitos das e da Juventude, doravante designadas apenas
crianças como Beijing) e as Diretrizes de Riad (Dire-
trizes das Nações Unidas para a prevenção da
delinqüência, doravante designadas apenas
A questão que nos mobilizou foi, portanto, a como Riad), trazem também referências
de como estruturar um projeto fundado no fundamentais que permitiram embasar
respeito aos direitos humanos dos envolvi- uma estruturação alargada de Justiça Res-
dos, notadamente de adolescentes, e que, ao taurativa.
mesmo tempo, permitisse um alargamento
dos espaços participativos e empoderadores As Regras de Beijing e de Riad apontam uma
na comunidade como um todo, incluindo as clara possibilidade de conciliação dos prin-
escolas, visando focar nas potencialidades cípios restaurativos com as ações voltadas à
dos envolvidos. prevenção, que, antes de tudo, se expressam
como ações garantidoras de direito pela
Percebemos o quanto esse deslocamento de ampla participação dos adolescentes, de suas
valores, isto é, esta mudança paradigmática famílias, escolas e comunidades. Essas Regras
da Justiça Restaurativa vinha muito ao en- estabelecem alguns pontos básicos:
contro de outra, promovida pela Convenção
das Nações Unidas sobre direitos das crian- ÃÃ Prevenir, não criminalizar
ças, pela qual passamos de um discurso em Ênfase à importância da aplicação de polí-
torno de necessidades, portanto das faltas ticas e medidas progressistas de prevenção
e carências, aos direitos e à subjetivação de da delinqüência que evitem criminalizar e
22 García-Mendez, direitos22, tendo como seus princípios maio- penalizar a criança (no sentido amplo da
Emilio. Das necessidades
aos direitos. res a participação (art. 12) para um pleno Convenção, de pessoa menor de 18 anos
desenvolvimento (art. 6 e 27). – art. 1º) por uma conduta que não cause
23 Cillero Bruñol, grandes prejuízos ao seu desenvolvimento
Miguel. El interés superior
del niño en el marco de la Além disso, a Convenção, em sintonia com e que nem prejudique os demais (art. 4º,
convención internacional os valores restaurativos, expressa uma visão Riad), vale dizer, nos apontando a necessi-
sobre los derechos del
niño. In: Garcia Méndez, holística – baseada no interesse superior da dade de criação de espaços de resolução de
Emilio & Belfo, Mary. criança e do adolescente (art. 3), assim enten- conflitos anteriores e que, por conseguinte,
Infancia, ley y democracia
en América Latina, dido como aquele concernente à garantia e evitem o encaminhamento ao sistema cri-
pp.77/78 satisfação de seus direitos23, e que, justamente minal/juvenil.

36 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 36 04/02/2009 14:25:42


Exemplo da Prática
A questão do estigma provocada pelo Sistema e a superação pela Justiça
Restaurativa

Conflito entre alunos de uma escola municipal não participante do Projeto, com acusações
mútuas de responsabilidade. Pelo fato de ter sido lavrado Boletim de Ocorrência, alunos passam
a ser chamados de acusados em ambiente escolar, com sensação de estigmatização e rejeição
por colegas e pais de colegas, como pessoas a serem evitadas. Reclamações de procedimentos
da escola na condução do caso. Encaminhamento para círculo comunitário, com presença de
professores de confiança de todos. Estabelecimento de plano de ação superador do conflito e de
intermediação na escola para se trabalhar a questão do estigma e de procedimentos internos
de condução dos casos. Solicitação pelos envolvidos de implementação do Projeto de Justiça
Restaurativa na escola.

ÃÃ Entrar em conflito é parte do processo dicotômico da justiça, não pre-


processo de aprendizagem e cisassem intervir, mas, ao mesmo tempo,
crescimento garantindo condições de convivência em paz,
Reconhecimento do fato de que o compor- sem violência (art. 1,2, Beijing).
tamento dos jovens, que não se ajustam aos
valores e normas gerais da sociedade, é, com ÃÃ Abrir ao jovem a oportunidade de
freqüência, parte do processo de amadureci- participar
mento e que tendem a desaparecer, esponta- Participação da comunidade, sobretudo
neamente, na maioria das pessoas, quando juvenil, em toda uma série de serviços e pro-
chegam à maturidade (art. 4º, ‘e’, Riad). gramas (art. 8, ‘f ’, 31 a 38, Riad), colocando
Isto nos indica o quanto o conflito deve ser o desafio de sua participação também na
tomado como instrumento de aprendizagem administração da justiça, como facilitadores
e dentro de um processo educativo de cidada- de justiça.
nia, fazendo-o central a todo Projeto.
ÃÃ Garantir plenamente direitos
ÃÃ Rótulos eternizam uma situação individuais de adolescentes
transitória envolvidos em atos tidos como
Consciência de que, segundo a opinião infracionais e empoderar as vítimas
dominante dos especialistas, classificar Identidade de tratamento de ato que não
um jovem de ‘extraviado’, ‘delinqüente’ ou seja considerado um delito, nem seja pu-
‘pré-delinqüente’ geralmente favorece o nido quando cometido por um adulto,
desenvolvimento de pautas permanentes de também não deverá ser considerado um
comportamento indesejado (art. 4º,‘f’, Riad), delito, nem ser objeto de punição, quando
reforçando, portanto, uma preocupação com for cometido por um jovem (art. 54, Riad),
a criação de espaços resolutivos de conflito o que autorizou o reconhecimento do con-
em que essas categorizações, inerentes ao dicionamento à representação, na infância,

Marcos Teóricos 37

jr_sao-caetano_090204.indd 37 04/02/2009 14:25:42


de todo ato infracional assim descrito para ÃÃ Educação e Disciplina escolar
maiores, com a aplicação da regra do art. 75 fundadas no desenvolvimento da
da Lei nº 9.099/95, empoderando-se vítimas personalidade em todo seu potencial
e permitindo uma efetiva apropriação dos
conflitos pelos envolvidos e uma mais ampla A Educação, inclusive a Escolar, deve fundar-
participação na administração da justiça, por se no respeito aos direitos humanos e nas
ocasião de sua resolução. liberdades fundamentais; no respeito à iden-
tidade e diversidade cultural; na promoção
ÃÃ Mobilizar escola, família e de vida responsável na sociedade livre, com
comunidade em ações preventivas espírito de compreensão, paz, tolerância,
Atenção à adoção de medidas concretas que identidade de sexos e amizade entre todos os
permitam a mobilização de todos os recursos povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos,
disponíveis, com a inclusão da família, de e pessoas de origem indígena (art. 29 da
voluntários e outros grupos da comunidade, Convenção) e com uma disciplina escolar
bem como da escola e de demais instituições ministrada de maneira compatível com a
comunitárias, com o fim de promover o bem- dignidade humana e em conformidade com
estar da criança e do adolescente, reduzir a a Convenção (art. 28-2, Convenção), portanto
necessidade da intervenção legal e tratar de com seus princípios regentes de participação,
modo efetivo, eqüitativo e humano a situa- interesse superior, desenvolvimento holístico
ção de conflito com a lei (art. 1.3, Beijing), e não-discriminação.
legitimando, portanto, a criação de espaços
de resolução de conflitos nas escolas e na Neste quadro, foram consideradas, para a
comunidade; implementação do Projeto, as autorizações
legais de utilização de métodos de composi-
ÃÃ Novo papel do Judiciário, focado na ção de conflitos, tanto do Código de Processo
Justiça Social para todos os jovens Penal,como da Lei nº 9.099/95, que regu-
Consideração da justiça da infância e da ju- lamentou os Juizados Especiais Criminais.
ventude como parte integrante do processo Isso, devido à sua aplicabilidade na área da
de desenvolvimento nacional de cada país, infância (art. 152 do Estatuto da Criança e
devendo ser administrada no marco geral da do Adolescente), bem como ao instituto da
justiça social para todos os jovens, de maneira remissão como oportunidade para composi-
que contribua ao mesmo tempo para a sua ção de conflitos de forma participativa, atento
proteção e para a manutenção da paz e da ao regramento do Estatuto da Criança e do
ordem na sociedade (art. 1,4, Beijing), o que Adolescente (art. 126) e das Regras de Beijing
traz novos papéis político-institucionais à nessa matéria (art. 11).
justiça, como propugnado pela Justiça Res-
taurativa e defendido no processo de reforma No que concerne aos direitos processuais,
do judiciário. procurou-se ir além do estabelecimento de
caminhos paralelos entre o modelo vigente e
o restaurativo, mas, como defende Van Ness,
24 Van Ness, Daniel. buscamos incorporar referenciais restaura-
Legal issues of restorative tivos no sistema, demonstrando-se o quanto
justice. In: Bazemore, G.
& Walgrave, Lode. Res-
o fato de ser restaurativo não implica que o
torative juvenile justice: processo coloque em risco quaisquer dos
repairing the harm of direitos em questão24.
youth crime, p.263 e ss.

38 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 38 04/02/2009 14:25:42


2.1.4. Outros marcos O que pretendemos, na continuidade desta
primeira parte, é justificar os fundamentos
normativos e
norteadores dessa visão mais ampla de
interpretativos Justiça Restaurativa, indicando como ela se
estrutura teórica e praticamente no Projeto.
Outros marcos normativos – ou ao menos
interpretativos – são a já citada Resolução
do Conselho Econômico e Social das Nações

2.2. Justificação
Unidas de nº 12/2002, quando ela se refere
aos princípios básicos para utilização de
programas de Justiça Restaurativa em maté-
ria criminal. Ali se define o que se espera de
teórica dos
um procedimento restaurativo: “o resultado fundamentos
restaurativo significa um acordo construído
no processo restaurativo”. Isso indica os norteadores
requisitos de participação, empoderamento,
satisfação de danos e reintegração social. 2.2.1. Delineamentos do
25 Toma-se o
O reconhecimento e validação do princípio Projeto em torno de sua disposto no art. 75 da
Lei nº 9.099/95 como de-
participativo e de empoderamento para a fundamentação ético- terminante, vinculando-o

filosófica26
ao art. 152 do Estatuto da
autonomia, com a possibilidade legal de Criança e do Adolescente.
que os envolvidos no conflito se acertem/
componham sem a necessidade de um juiz A Justiça Restaurativa propõe-se como um 26 Para todo o
argumento, confronte:
que decida por eles (autocomposição) tem modelo alternativo de justiça, sobretudo ao Melo, Eduardo Rezende.
como conseqüência o caráter vinculante dos retributivo, como forma de se alcançar um Justiça restaurativa e seus
desafios histórico-cultu-
acordos ou planos de ação estabelecidos. Isso acertamento entre ofensor e vítima, supe- rais. Um ensaio crítico
significa que o acordo cria um vínculo legal rando a violência que marca o conflito27 e sobre os fundamentos
ético-filosóficos da
entre as pessoas, e,desde que os princípios aberto à consideração das responsabilidades Justiça Restaurativa em
restaurativos sejam respeitados, esses acor- e necessidades de cada parte envolvida. contraposição à justiça
dos ou planos de ação serão reconhecidos retributiva. In: Ministério
da Justiça, PNUD. Justiça
pelo juiz.25 Compreender os fundamentos éticos e filosó- restaurativa. Coletânea de
ficos dessa nova abordagem passa, portanto, artigos, p. 53 e ss.

Numa definição preliminar sucinta, pode- pela discussão da relação entre indivíduo e 27 Conflito e violência
mos então dizer que é essa a visão de Justiça sociedade: notadamente sobre a fundamen- não são sinônimos.
Restaurativa que embasa o Projeto de S. tação das ações individuais, dos seus limites e Conflitos cognitivos, por
exemplo, são essenciais à
Caetano do Sul: do poder da sociedade e do Estado em relação aprendizagem. Conflitos
Um processo de resolução de conflitos, onde a estas ações. têm um potencial que
pode ser construtivo ou
não cabe punição, com caráter dialógico e destrutivo, dependendo
inclusivo, fundado na autonomia da vontade Para isso vamos chamar em nosso auxílio da forma como são mane-
jados. É preciso evitar que
e na participação de todas as pessoas afetadas três grandes filósofos, dois alemães e um conflitos se transformem
direta ou indiretamente pelo litígio, voltado francês: Immanuel Kant, Friedrich Nietzsche em violência. E quando
isso ocorre, é preciso
ao estabelecimento de um plano de ação para e Michael Foucault. reparar os danos, analisar
o atendimento das necessidades de todos os as causas, e superá-las.
afetados e garantia ampla de seus direitos, (Cf. CECIP- APS Interna-
tional – Conflito, Modo de
com atribuição e reconhecimento voluntário Usar”, 2008, no prelo.
das respectivas responsabilidades.

Marcos Teóricos 39

jr_sao-caetano_090204.indd 39 04/02/2009 14:25:43


Kant e a Justiça Retributiva:
Justiça como um valor
abstrato e inegociável
28 Veja-se a respeito A doutrina penal28 do Direito reconhece em
Roxin, Claus. Sentido e
limites da pena estatal. In:
Kant o pensador que é a grande referência
Problemas fundamentais na discussão e fundamentação do modelo
de direito penal. p. 15 e retributivo de Justiça.
ss.; Hassemer, Winfried.
Fundamentos del derecho
penal, p. 348 e ss.; As discussões em torno deste modelo, no âm-
Cattaneo, Mario A. Pena,
diritto e dignità umana. bito do Direito, cingem-se, no mais das vezes,
Saggio sulla filosofia del às funções atribuídas à pena e à preocupação
diritto penale; Ferrajoli,
Luigi. Derecho y razón. candente por parte de Kant de que, ao ser
Teoria del garantismo punida, a pessoa não seja transformada em
penal, p. 254.
instrumento de outros fins que não a resposta
à sua conduta, preservando, deste modo, sua
dignidade humana. No entanto, deixa-se de
lado, comumente, a pergunta: qual o sentido
Immanuel Kant da pena?
(Königsberg, 22 de Abril de 1724 – 12 de Fevereiro de 1804)
Dois pontos capitais que entrarão no debate
entre o modelo de justiça retributivo e o res-
taurativo: a preocupação com a universalida-
de fundada numa regra formal de liberdade
e com esta distinção entre interioridade (a
pessoa decide por si própria fazer o bem) e
exterioridade (a pessoa faz o bem em obe-
diência a uma regra exterior), separando
rigidamente moral e direito. São, portanto,
questões que nos levam à reflexão sobre
a estruturação da relação entre indivíduo
e sociedade, sobre o que entendemos por
liberdade e sobre o eixo desta estruturação,
externo ou interno aos indivíduos.

40 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 40 04/02/2009 14:25:46


A questão da liberdade e o O contraste da Justiça
sentido da pena Restaurativa: Justiça como
um valor que emerge da
De fato, segundo Kant é essa regra universal relação
de liberdade que dá o sentido da pena. Se
tudo o que é contrário ao direito é, segundo
leis universais, um obstáculo à liberdade; se A Justiça Restaurativa nos abre de modos
um determinado uso da própria liberdade vários a um contraste radical com este
é um obstáculo à liberdade segundo leis modelo.
universais (isto é, contrário ao direito), então
a coação é justa. Portanto, a pena concorda yy Primeiramente, ela expressa uma outra
com a liberdade segundo leis universais, percepção da relação indivíduo-sociedade
sendo conforme ao direito. Por conseguinte, no que concerne ao poder: contra uma
ao direito está também associada a faculdade visão vertical na definição do que é justo,
de coagir quem o viola, em harmonia com o ela propõe um acertamento horizontal e
princípio lógico da contradição29. pluralista daquilo que pode ser considera- 29 Kant, Immanuel.
Metafísica dos costumes.
do justo, pelos envolvidos numa situação Princípios metafísicos da
O sentido da pena é, portanto, o de afirmação conflitiva. doutrina do direito, p. 38.
da liberdade segundo uma regra universal.
Por isso que, segundo Kant, a simples idéia yy Segundo, ela foca nas singularidades da-
de uma constituição civil entre os homens, queles que estão em relação e nos valores
implica já o conceito de uma justiça penal que que a presidem, abrindo-se, com isso,
incumbe ao poder supremo: radicada num àquilo que leva ao conflito. Neste duplo
princípio de igualdade cuja expressão maior contraste, a própria fundação da regra se
é a lei do talião, ela dá a proporcionalidade, apresenta de outro modo, permitindo o
com segurança, para a definição da qualidade rompimento desta cisão entre interioridade
e quantidade do castigo. e exterioridade que marca a concepção kan-
tiana e que nos remete à possibilidade de
Sua função, na relação com os demais inte- emancipação, com um comprometimento
grantes do corpo civil, não pode, contudo, pessoal nas ações e expressões individuais,
voltar-se para outra coisa senão a afirmação pela elaboração das questões que se apre-
desta liberdade universal. Daí que a pena sentam envolvidas no conflito.
nunca pode servir apenas de meio para
fomentar outro bem, quer para o próprio yy Terceiro, e principalmente, o foco volta-
delinqüente, quer para a sociedade civil, pois, se mais à relação entre os envolvidos
do contrário, o homem estaria sendo mane- no conflito, do que à resposta estatal à
jado como simples meio para os propósitos quebra de uma regra abstrata prescritora
de outrem e confundido entre os objetos do de uma conduta. Assim, o próprio conflito
direito real30. Para proteção de sua perso- e a tensão relacional ganham um outro 30 Idem, p. 146 e ss.
nalidade inata, em nome de sua dignidade estatuto: não mais como aquilo que há de
como pessoa humana, a função da pena há ser rechaçado, apagado, aniquilado, mas
de ser individual, de resposta à ação punível sim como aquilo que há de ser trabalhado,
desejada, para afirmação de uma regra uni- elaborado, potencializado naquilo que
versal que a razão prática do próprio infrator pode ter de positivo, para além de uma
deveria ter reconhecido e respeitado, ainda expressão inadequada, com contornos
que apenas exteriormente. destrutivos.

Marcos Teóricos 41

jr_sao-caetano_090204.indd 41 04/02/2009 14:25:47


y Quarto, ao trazer à tona estas singularida- Nietzsche e Foucault: a
des e suas condições de existência subja- Justiça surge do confronto e
centes à norma, este modelo aponta para da negociação
o rompimento dos limites colocados pelo
direito liberal, abrindo-nos, para além
do interpessoal, a uma percepção social Temos de pensar a justiça em termos outros,
dos problemas colocados nas situações como um valor que emerge da relação.
conflitivas.
Nietzsche, mas Foucault também, nos dão
Vamos então por partes. uma outra possibilidade de refletir sobre a
relação de poder no juízo sobre o justo.
O modelo kantiano, na medida em que se
pretende fundado numa regra racional,
expressa uma certa concepção de poder na
relação entre indivíduo e sociedade. Trata-se,
evidentemente, de um modelo hierárquico
e vertical, tanto assim que o direito público
kantiano é concebido pela unificação da
vontade – portanto da regra de razão práti-
ca – sob uma constituição, para compartir o
que é de direito.

Antes da instituição de um estado legal


público as pessoas, os povos e os Estados
isolados nunca podem estar seguros uns dos
outros em face da violência e fazer cada um Frederic Nietzsche
o que tem por justo e bom a partir de seu (Röcken, 15 de Outubro de 1844 –
próprio direito, sem para tal dependerem Weimar, 25 de Agosto de 1900)
da opinião do outro. Necessitam, para tanto,
sair do estado de natureza para associar-se
31 Kant, Immanuel. no estado civil31. A justiça liga-se, para Nietzsche, a uma re-
Metafísica dos costumes,
p.125 e ss.
lação de confronto33 entre pessoas, que lhes
É pela união dos homens sob leis jurídicas demanda a capacidade de avaliar e de medir.
32 Kant, Immanuel. estatais que a regra de razão impera e, Esta relação primeira aparece entre compra-
Metafísica dos costumes. portanto, é necessário sempre este terceiro, dor e vendedor, entre credor e devedor. Aí é
Princípios metafísicos da
doutrina do direito, p. 133. representado pelo Estado, para ditar qual a o primeiro momento em que uma pessoa
regra a ser aplicada e a resposta em caso de defronta-se com a outra, precisando medir,
33 Brussoti, Marco. Die violação. Por isso, para Kant, além da uni- estabelecer preços, medir valores, imaginar
Selbstverkleinerung des
Menschen in der Moder- versalidade do valor da liberdade enquanto equivalências e todo este procedimento cons-
ne. Studien zu Nietzsches regra formal da razão, existe um outro valor, tituiu o que hoje chamamos pensamento. Daí
“Zur Genealogie der
Moral”, p. 95 e 98). de ordem política, que é o de estruturação da porque, para Nietzsche, talvez a própria ex-
vida em sociedade sob um certo monismo pressão ‘HOMEM’ designasse o ser que mede
valorativo: existiria uma fonte única, abstrata, valores, o animal avaliador, expressando um
inquestionável, da qual o direito emanaria. sentimento de si do homem.
Seria impossível oposição, resistência ou
indagação de sua origem32.

42 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 42 04/02/2009 14:25:49


É esta forma mais rudimentar de direito De fato, a agressão sofrida pela vítima causa-
pessoal, da troca, que, transposta posterior- lhe não apenas dor, privação de direitos, como,
mente a complexos sociais, permite chegar sobretudo, ressentimento, que pode passar a se
à grande generalização de que cada coisa expressar como desejo de vingança. O causa-
tem seu preço, de que tudo deve ser pago, dor dessas sensações deixa de ser visto como
estabelecendo-se o mais velho cânone da sujeito e passa a ser encarado como alvo de
justiça como a boa vontade entre pessoas de ações, como objeto (uma coisa) sobre o qual há
poder aproximadamente igual, de entender- de recair sua represália. Da parte do agressor, a
se entre si mediante um compromisso (e, vítima é igualmente despersonalizada (coisi-
quanto aos de menor poder, forçá-los a um ficada, reificada). Ela é vista como repositório
compromisso entre si34). de valores materiais ou imateriais dos quais 34 Nietzsche, Friedrich.
Ob. Cit., II, 8.

Tira-se, portanto, a primazia do direito penal (e se vê privado e dos quais deseja se apossar.
por conseguinte da vingança) como fonte de jus- Ou então é encarada como alvo de descarga
tiça, para atribuí-la ao direito das obrigações35 de um ressentimento que igualmente marca 35 Brussoti, Marco. Die
o agressor, por que a relação interpessoal ou Selbstverkleinerung des
mútuas. Mais ainda, o objetivo da resolução do Menschen, p. 95.
confronto deixa de ser apenas o de reconduzir à social o está excluindo e, como tal, lhe reserva
paz, o de restabelecer uma situação original to- apenas um não-lugar37. 36 Para todo o argu-
mento, confira-se Melo,
mada sem crítica como de maior valor. Trata-se Eduardo R. Nietzsche e a
agora de abrir-se à construção de possibilidades Colocá-los um frente ao outro para avaliarem justiça, p. 133 e ss.
negociadas de existência36. o conflito faz com que tenham necessaria-
37 Sobre a contraposição
mente de atentar à perspectiva do outro e, entre atividade e reati-
Dá-se, com isto, a oportunidade à emergên- com isto, de reavaliar suas próprias condutas, vidade e a emergência
da má consciência e do
cia de um outro modo de entendimento da de reavaliar a si mesmos. ressentimento, vide Melo,
postura que se há de ter face ao conflito. E Eduardo R.. Nietzsche e a
justiça, p. 134 e ss.
mais: há uma diversa percepção do outro com Uma aprendizagem - viável apenas quando
quem se confrontou, e,sobretudo, da relação há negociação e estabelecimento do compro-
com a norma. misso - pode emergir.

Marcos Teóricos 43

jr_sao-caetano_090204.indd 43 04/02/2009 14:25:51


Exemplo da Prática
Membros da família e da escola avaliam e negociam um conflito

Conflito em escola. Menino hiperativo instigado pelos demais da classe a provocar situa-
ções de conflito. Pais separados. Mãe ausente às reuniões de classe e no acompanhamento
do filho. Pai sem contato com o filho há anos. Todos chamados à participação no círculo. A
confrontação de perspectivas entre os pais, que até então procuravam resolver os problemas
apenas através da diretoria, permitiu uma mobilização interna maior pela mãe, uma maior
presença do pai, que percebeu as implicações de sua ausência em relação ao filho, e uma
postura de maior solidariedade entre os demais pais, que até então apenas criticavam e
julgavam a mãe do garoto.

O poder de decidir o que é Então, permitir que as razões e contra-


justo está nas pessoas razões das partes envolvidas em um conflito
possam se expressar, sem que um apelo à
Isto nos mostra o quanto a Justiça Res- verdade, como regra superior aos envolvi-
taurativa nos oferece a oportunidade de dos, esteja em jogo, incita os litigantes ne-
reflexão sobre uma microfísica do poder: cessariamente a considerar-se mutuamente,
sobre como as relações de poder se esta- a colocar o peso sobre a decisão que motivou
belecem entre indivíduos, pautadas por sua ação e àquilo que motiva o outro em sua
essa coisificação (reificação) dos seus conduta. Acentua-se, portanto, a responsa-
atores no extravasamento de um ressenti- bilidade individual nesta tentativa de, a des-
mento mútuo, embora fundado em eixos peito da incerteza que marca toda decisão,
completamente distintos. Mais que isto, encontrar o fundamento de sua ação. Com
mostra-nos o quanto é, sobretudo na re- isto, os envolvidos no conflito deixam de ser
lação com a compreensão da norma, que meros destinatários de uma regra que lhes
esta reificação se dá. é estranha, e se tornam, pela consideração
mútua, autores da mesma.
De fato, o que nos ensina Foucault é justa-
mente que a instituição de um órgão que
decida sobre o que é o justo, posicionando-
se acima das partes litigantes e tornando-
se um terceiro em relação ao conflito,
subtrai dos envolvidos toda possibilidade
de efetiva autonomia e de solução dos
38 Foucault, Michel. conflitos-eles dependem de uma instância
Sobre a justiça popular.
In: Microfísica do poder, que liga justiça à verdade, e que se torna
p. 39 e ss. porta voz dessa única verdade38 .

44 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 44 04/02/2009 14:25:51


Ordem Fundada no Contrato
X Ordem Fundada no
Consenso

Como aponta ainda Ewald, politicamente isto


se expressa pela passagem de uma ordem
fundada no contrato, o contrato social funda-
do numa vontade única geral e originária na
passagem do estado de natureza para o civil,
que está presente igualmente no pensamento
kantiano39, para uma ordem do consenso, 39 Kant, Immanuel. A
paz perpétua e outros
diríamos da negociação. É a passagem para opúsculos; Kant, Imma-
uma sociedade que se concebe fundamen- nuel. Idéia de uma histó-
ria universal de um ponto
talmente dividida em interesses opostos, que de vista cosmopolita.
não vê outra realidade senão a do conflito de
interesses, mas que, contudo, se sabe ligada
por uma indiscutível solidariedade objetiva.

Numa ordem como esta, do consenso ou da


Michel Foucault negociação, o princípio de universalização
(Poitiers, 15 de outubro de 1926 – Paris, 26 de junho de 1984)
não está ao nível de um direito, mas numa
sociologia de interdependências objetivas. O
consenso, tal como em Nietzsche, exprime-se
então sob a forma de um compromisso, de
transação em termos fluidos. Assim, em vez
de o direito ser essa ordem exterior aos confli-
tos e que permite regulá-los, torna-se, numa
sociedade conflitual e dividida, a matéria, o
centro dos conflitos40, porque nos abrimos 40 Ewald. François. Ob.
a um pluralismo jurídico de base41. Ou seja, Cit., p. 178

o Direito não é único, mas plural. As regras 41 Santos, Boaventura


jurídicas são negociáveis. de Sousa. O discurso e
o poder.

Condições básicas para


que o modelo restaurativo
de justiça represente uma
ruptura com o modelo
retributivo

O encontro propiciado por um modelo de


Justiça Restaurativa para acertamento entre
vítima e agressor há de ter, por conseguinte,
dois vieses, para que possa representar um
rompimento efetivo com aquele a que se

Marcos Teóricos 45

jr_sao-caetano_090204.indd 45 04/02/2009 14:25:53


contrapõe, o retributivo: primeiro, o caráter Segundo viés: envolvimento
interpessoal; segundo, o envolvimento co- comunitário
munitário. A partir daí, veremos que a Justiça
Restaurativa é inseparável da justiça social. O encontro restaurativo é ainda a possibilidade
de cada parte compreender a sociedade em que
vivemos. Esse viés comunitário deve necessa-
Primeiro viés: caráter riamente estar ligado ao primeiro, o caráter
interpessoal interpessoal. Como diz Antonio Cândido, a
grande lacuna das correntes de pensamento
Um primeiro é seu caráter interpessoal, oitocentistas que procuravam criticar as con-
centrado no círculo restaurativo. Este en- dições de existência sociais e levar a transfor-
contro é a oportunidade de realmente nos mações, foi o de não se voltarem ao núcleo da
conhecermos, porque é sempre no opositor, personalidade. É isto que pensamentos como
no outro e no diferente que se nos revela a o invocado, de Nietzsche e toda uma corrente
42 Cândido, Antonio. O nós mesmos aquilo que somos. Ao mesmo que lhe segue, procura atingir42.
portador. In: Nietzsche
(posfácio). Col. Os pensa-
tempo, nos incita a querer nos conhecermos
dores, p. 411 e ss.. melhor, a superarmos aquilo que nos limita Um modelo restaurativo não pode prescindir de
e sermos capazes de afirmarmos com maior um envolvimento comunitário para a resolução
plenitude aquilo que pretendemos ser. O justo do conflito, com intervenção efetiva de uma
que quero para mim envolve outros aspectos rede de atendimento fundada em políticas pú-
além da mera expressão de minha existência blicas voltadas a todos, que possa dar amparo
individual, pois tenho de me deparar e de dia- às necessidades e potencialidades outras que
logar com o justo que o outro quer para si. É emerjam no primeiro momento, de encontro
a oportunidade de elaboração do conflito, de interpessoal. São questões que, para além de
avaliação das condutas praticadas, de exame uma mera divergência interpessoal, podem
atento do que nelas está implicado e, só então, envolver aspectos sociais que demandarão não
da celebração de compromissos. apenas a compreensão por parte da vítima, mas
também interferência da comunidade sobre o
entorno em que se dá o conflito.
Exemplo da Prática
O envolvimento destes terceiros, ligados
A vítima procurando se reconectar com o autor da ofensa àqueles diretamente envolvidos no conflito,
bem como de serviços públicos sociais que
Caso de furto. Autor trabalhava para a vítima. Acordo de reparação dêem conta de necessidades não atendidas,
dos danos causados. Vítima oferece-se em apoio para conseguir potencialidades não exploradas e direitos
novo trabalho para o autor, colocando como condição do plano este sociais não garantidos de alguma das partes
esforço pessoal por parte do adolescente. Envolvimento do genitor, - e que são as causas subjacentes a conflitos
envergonhado pelo fato. Abalo emocional por parte do adolescente individuais - é fundamental para que o equi-
ao ter de se confrontar com sua ação em relação à vítima, com a líbrio de forças possa se estabelecer.
postura dela e do impacto ocasionado por sua conduta em seus
familiares. Assim, haverá efetivamente condições de
diálogo, de encontro, de possibilidade de
transformação, sob pena de cairmos em um
jogo ingênuo, ainda mais aniquilador daque-
les que se apresentam como infratores e que
podem se ver como revoltados.

46 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 46 04/02/2009 14:25:53


Exemplo da Prática
Envolvimento da rede de atendimento e recorrência espontânea ao Projeto para
solução de pendências do plano de ação antes alcançado

Caso de violência doméstica com fatores múltiplos, um dos quais o alcoolismo do genitor.
Estabelecem planos de ação para a convivência respeitosa, superando os pontos de conflito,
com o compromisso adicional de participação do genitor em programa de atendimento a al-
coolistas. Não houve a adequação ao tratamento e novo círculo é solicitado espontaneamente
pelos envolvidos, com o convite a outro programa de atendimento para participar do círculo.
Novo plano de ação é estabelecido, com participação efetiva no programa de atendimento e
cumprimento dos demais pontos acordados no plano.

Modelo Restaurativo e elementos subjacentes ao conflito, que em


Justiça Social geral não têm espaço de expressão, a não ser
em canções de protesto como as de rap, por
O que está em questão no modelo restaura- exemplo.
tivo é um outro modo de reflexão da justiça,
onde, em vez da coerção, temos as próprias
pessoas envolvidas no conflito julgando o que Solidariedade e conflito
fizeram. Na medida em que deixa de ser a
afirmação de um tipo determinado de valores É isto que dita a emergência da solidariedade
supostamente transcendente à sociedade, a em sintonia com o conflito como rosto e verso
noção de justiça social não pode deixar de de uma mesma folha, nas palavras de Ewald.
estar presente a um modelo alternativo ao É isto que faz com que o problema se desloque
retributivo. do princípio do acordo para os seus termos.
À construção da regra de justiça interpessoal
Em vez de se basear a resolução do conflito num contexto restaurativo, deve se agregar a
em uma moral e valores universais, ou na valoração da justiça do lugar relativo que cada
forma da lógica ou da razão, como na solução indivíduo ocupa no jogo das solidariedades
jurídica clássica, o novo Direito restaurativo sociais. É por isso que o apoio da rede de
reclama a articulação entre o universal e o atendimento de serviços públicos mostra-se
particular. Em toda pretensão ao universal como condição de atendimento de necessi-
existe a recusa a certas particularidades. dades e direitos outros que possam emergir
Quando se coloca no centro não uma regra em um conflito específico, se tratado com a
universal, mas as ações das pessoas, é possí- profundidade de seus termos.
vel pensar aquilo que essas práticas podem
estar excluindo sem sequer o quererem43. Mas como pensar esta solidariedade? Em 43 Ewald, François. Ob.
Cit., p. 180 e ss.
contraposição a um sistema formal de ética e
O encontro restaurativo só pode se pretender de direito, não deveríamos mais voltar nosso
justo na medida em que deixe emergir os olhar à ação como se ela estivesse isolada

Marcos Teóricos 47

jr_sao-caetano_090204.indd 47 04/02/2009 14:25:53


– a máxima kantiana que a faz pensar por Mais que obrigações
si e, assim, estruturar todo o sistema. Toda negativas, obrigações
ação - inclusive a transgressora- deve ser positivas
pensada como voltando-se ao atendimento
44 Ewald, François. Ob. de necessidades44. Com isso, ela fica marcada Decorrência disto é que, para além de obriga-
cit., p. 104
pelos interesses e pelos conflitos de interesse, ções negativas, de não causar prejuízo a outrem
45 Idem, ibidem, p. 130 por sua singularidade, em diálogo e oposição ou satisfazer o prejuízo causado, o que entra
ao outro. O problema desloca-se, assim, da em questão é a consagração de obrigações
46 Ewald, François. Ob. definição do que é o justo, para a relação e positivas, pensadas na interdependência que
cit., p. 195
a prática da avaliação45, ou seja, justamente marca a relação das pessoas em conflito e que
a questão do valor dos valores e da inter- são chamadas ao estabelecimento de com-
pretação e, com eles, as várias dimensões promissos. É aí que se rompe o limite liberal
de interpretação e de demanda por direitos, a que se vincula o sistema kantiano, fundador
inclusive outros, sociais, por exemplo. do modelo retributivo46.

Exemplo da Prática
Aprendizado para a autonomia na resolução de conflitos e assunção de
obrigações positivas

Conflito ocorrido em escola, entre alunos, com xingamentos e agressão. Participação em círculo
e celebração de acordo. Envolvimento posterior dos alunos em desentendimento, sem violência,
em que o lanche de um dos alunos, um iogurte, estourou, sujando roupa. Os alunos procuraram
espontaneamente a conciliadora, informando o ocorrido e já apresentando, desde logo, um
acordo por eles mesmos celebrado: um levaria a roupa do outro para lavar, um terceiro traria
um novo iogurte, e todos se entenderam quanto às condutas pelas quais deveriam se pautar
para que novos desentendimentos não surgissem.

48 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 48 04/02/2009 14:25:54


Poder de interpretar e de 2.2.2. Delineamentos do
mudar: a conquista de uma Projeto em torno de sua
paz dinâmica
fundamentação político-
Mais ainda, abre-se, com a reconquista do criminológica
poder de interpretação, a possibilidade de
transfiguração das relações e de sua mani- Ao contrário do que poderia parecer, essa
festação em sentidos outros, inusitados e que, fundamentação interessa não apenas a aos
conquanto tensos e reveladores do conflito, operadores do direito, mas também aos edu-
possam indicar um outro modo de expressão cadores e a todos os envolvidos em processos
da vida em sociedade. restaurativos de justiça.

Vê-se, portanto, que está em jogo não uma A maioria das pessoas tem consciência de
busca por paz a qualquer preço, notadamente que as infrações à lei são tratadas e julgadas
uma paz homogeneizadora, que enrijeça e de forma diferente conforme à área em que
cristalize a vida, voltando-se meramente à ocorrem.
obediência e à sujeição. O que se almeja é
uma paz que não se feche às diferenças, ao Não é o mesmo o tratamento que a Justiça
dinamismo da vida, às mudanças e às tensões dá a conflitos na área do direito civil (um
envolvidas em toda mudança. contrato que não foi cumprido, um negócio
em que uma pessoa possa ter se sentido
Sobretudo, precisamos de uma paz que não prejudicada, um dano causado num aci-
feche os olhos às questões sociais de um país dente qualquer, discussões em torno de
como este: uma paz que repudie a violência, direitos e responsabilidades no âmbito
mas não as oposições e os conflitos de in- familiar), na área do direito administrativo
terpretações, não as demandas outras por (os limites do que podemos fazer em espa-
justiça, social inclusive para além da justiça ço público, como uma praça, a rua...) e na
interpessoal, se for o caso. área do direito criminal (uma pessoa inju-
riou a outra; alguém danificou de propósito
a propriedade de outro ou do Estado; uma
Tensão entre permanência e pessoa se apropria de um objeto qualquer
mudança de outra- furto; duas pessoas se agrediram
e se feriram; uma pessoa usou de violência
Esta tensão entre conflito e solidariedade ou de ameaça para levar os bens de outra
revela-se ainda, neste binômio maior que é -roubo; uma pessoa ameaçou ou coagiu a
a tensão entre o universal e o singular, entre outra....).
a demanda por adaptação, que tende a con-
servar a vida tal como vem sendo vivida, com Há três pesos e três medidas distintas para
ênfase na tradição e nos valores consagrados, se lidar com esses três tipos de situações
e a demanda por resistência, que indica o conflitivas. Como sabemos, no sistema
desejo por expressão da singularidade, mas criminal os conflitos não são chamados
também da novidade, da criação, do sonho. conflitos, mas crimes. E, em razão dessa
Se não podemos prescindir da tradição, definição, eles são mais duramente punidos, 47 Nietzsche, Friedrich.
tampouco o podemos quanto à atualização e o desejo de vingança por parte daqueles Sobre a utilidade e
desvantagem da história
e renovação da cultura, pelo diálogo com os que agora passam a ser vistos como vítimas, para a vida (Consideração
problemas do presente47. é, em geral, maior. Extemporânea II).

Marcos Teóricos 49

jr_sao-caetano_090204.indd 49 04/02/2009 14:25:54


O desafio filosófico e ético da Justiça
Restaurativa

O modelo hoje dominante de aplicação do O modelo de Justiça retributiva que parte de


direito é fundado na lógica dedutiva. De uma cima, da regra, para o mundo da conduta e
premissa maior fundada na descrição da con- dos sentimentos e sensações pode ser subs-
duta típica, passamos à menor: a prática de tituído por outro, restaurativo, que vem de
uma conduta que infringe aquela prescrição. baixo, justamente destas pulsões, paixões,
Daí segue, inexoravelmente, a punição. ressentimentos, sensações, sentimentos que
ditam as interpretações do mundo e nos
levam a agir e a interagir.
A regra é Y. (descreve-se a conduta típica)
João fez o contrário do que manda Y. Neste espaço de vinculação com o vivido, mais
Logo, João será punido. do que a regra, o que importa é o processo de
interpretação e de construção e de expressão
desta regra: nele é que transparecem as con-
Essa é a lógica prevalecente no Sistema de dições de vida, os desejos, as paixões; as faltas
Justiça e também no Sistema Educacional, de sentido e os sentidos equívocos, a falta de
sempre que as regras disciplinares ou as percepção do outro e dos limites da ação; a
contidas no Regimento Escolar são tratadas inadequação das respostas e a possibilidade
como equivalentes às regras jurídicas do Di- de encontro de uma expressão mais adequada
reito Penal, como abstratas, inquestionáveis daquilo que se pretende viver.
e inegociáveis.
É neste espaço que poderemos chegar a uma
Nosso desafio é superar essa situação em elaboração do que se viveu e do que se vive,
que a regra se mostra alheia e impessoal, a uma composição equilibrada sobre os
em que as pessoas, na comunidade ou nas termos em que podemos viver, a uma efetiva
escolas, são destituídas do poder de julgar construção do que é a justiça, fazendo com
o justo de sua ação, cumprindo-lhe apenas que responsabilidades sejam assumidas e
obedecer, sujeitar-se à lei ou à regra disci- novas possibilidades sejam entrevistas.
plinar.
Por isso a insistência de que o pluralismo
Precisam internalizar normas cuja sintonia que um modelo restaurativo de justiça nos
com suas condições de vida lhe escapam permite entrever é este, de que as avaliações
e que apenas lhe provocam um ressenti- que realizamos não se remetem logicamente
mento generalizado que se expressa na a valores dos quais deduzimos as condutas
manifestação de violência, mas, sobretudo, que haveremos de adotar, mas se referem,
por um niilismo existencial (nada faz sen- pelo contrário, a maneiras de ser, de viver,
48 Sobre uma visão mais tido na vida) aniquilador. Se o sentido da de sentir que haveremos, em nossa singu-
detalhada do processo
de impessoalização da
vida nos foge é porque o direito deixou de laridade existencial, de procurar estruturar
regra, da emergência do ser meio para afirmação da vida - como se e justificar, com tudo aquilo de que somos
ressentimento e do niilis- daria nesta negociação implicada do justo providos – sentimentos, paixões, razões –,
mo, vide Melo, Eduardo
R. Nietzsche e a justiça, p. de um com o outro - para se tornar regente para nos afirmarmos no mundo. E esta
133 e ss. da própria vida48 . afirmação há de ser feita perante um Outro

50 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 50 04/02/2009 14:25:55


concreto com o qual nos relacionamos, com decisão terminativa, acabada, que pretenda
seu modo de existência todo diverso, inca- ditar o justo e o injusto e dê por fechada a
paz ele também de, por si, nos entender. questão. A justiça, se pretende ser restau-
rativa, há de encarar-se coerentemente em
Uma tal perspectiva faz com que o balanço seu esforço construtivo e negocial, e, por
do juízo de justiça, interpessoal e social, isso, compreender sempre que está por se
tenha de conduzir a uma consideração fazer e se refazer e que, por isso, eventual
outra de sua própria decisão instituidora. descumprimento pode fazer parte de seu
Não se pode pretender mais que seja uma próprio processo de construção.

O que poucos se perguntam é: qual é a origem termos apontados acima, e a penal, de cunho
histórica essa diferenciação? A que razões e retributivo.
necessidades político-sociais elas respon-
diam? Elas ainda se sustentam hoje? É o que É interessante notar que o Sistema Discipli-
passaremos a discutir em seguida. nar ou Regimento da maioria das escolas
adotou historicamente o modelo penal, de
Por que os conflitos na área criminal são re- cunho retributivo, e não o civil. Em geral, a
solvidos de forma diferente do que nas áreas cada infração disciplinar corresponde um
civil e administrativa? castigo (pena) – advertência, suspensão,
encaminhamento ao Conselho da Escola.
A reflexão sobre os fundamentos ético- Como no sistema penal, as punições na
filosóficos da Justiça Restaurativa, na pers- escola existem porque houve a transgressão
pectiva de radicá-la num contexto mais plural e porque se quer dissuadir novas trans-
e participativo, fundada na negociação e, gressões. À medida em que as punições
portanto, em muito, no direito das obrigações, previstas no Sistema Disciplinar deixaram
necessita, para ganhar corpo, ser conectada à de ter qualquer efeito coercitivo sobre os
uma reflexão histórico-política sobre o pró- alunos, que não encaram como castigo as
prio sistema criminal para se poder pensar advertências e suspensões, algumas escolas
esta reabertura da justiça como instituição e passaram a recorrer ao Sistema de Justiça
seu diálogo com outros espaços de resolução para garantir a ordem - daí os Boletins
de conflitos. de Ocorrência. Ou seja, o fato de que as
punições disciplinares não mudavam o
Numa análise sobre os aspectos, traços e comportamento dos alunos, foi interpretado
percursos da racionalidade penal moderna, não como um sinal de que punições não
Álvaro Pires questiona se realmente existe levam à aprendizagem e não mudam com-
uma diferença essencial no modo de ser das portamento, mas como um indício de que
infrações civis, administrativas e penais. Ele as punições não estavam funcionando por
se indaga, então sobre o sentido de manter- serem leves demais. Portanto, era preciso
se a fragmentação institucional entre as recorrer a métodos mais drásticos, como
distintas formas de resolução de conflitos, encaminhar alunos adolescentes transgres-
vale dizer, a civil, que reconhece a natureza sores às Delegacias de Polícia. Enquanto
negocial e participativa dos conflitos, nos isso, outras instituições de ensino investem

Marcos Teóricos 51

jr_sao-caetano_090204.indd 51 04/02/2009 14:25:55


cada vez mais na disciplina enquanto auto- de punir, faz com que ele se caracterize como
disciplina, no desenvolvimento de habilida- um sistema fechado de regulação social.
des de convivência e em práticas de Justiça
Restaurativa no espaço escolar. Por isso, ele faz, fundado muito também
em Foucault, uma retomada histórica dessa
Álvaro Pires aponta justamente o quanto separação entre o direito civil e penal, com o
o direito civil toma uma forma maleável administrativo como intermediário, e ado-
e criativa, permitindo a negociação, a tando três pesos, três procedimentos e três
mediação entre as partes e a equidade, filosofias distintas.
buscando apartar as demandas despro-
porcionais, ao passo que o direito penal Fazendo a genealogia desse sistema penal
parece esterilizado e caracterizado pela fechado, ele mostra que a divisão apontada
não-inventividade. acima surge, sobretudo, como decorrência
de uma luta, que remonta à Idade Média,
O direito penal está mal equipado para entre senhores, igreja e o rei pelo controle do
construir a paz durável entre as partes. A ele Judiciário. O motivo da disputa resumia-se a
é reservada a função de absolver ou condenar uma questão ao mesmo tempo econômica,
e, em tal caso, de punir. A própria concepção como também política e simbólica, já que
de sanção jurídica se torna centrada no riquezas eram acumuladas pela guerra ou
exemplo do castigo e da expiação do mal pelo pelos assuntos judiciários (transmissão here-
mal, sobre a estigmatização ou, num modelo ditária, confiscos), tornando a administração
médico, sobre alguma espécie de readaptação da justiça central na forma de estruturação
dos transgressores. do poder50.

A visão penal, retributiva, enquanto Foco nas pessoas atingidas ou na


“garrafa armadilha de moscas” norma rompida?
Neste quadro, Pires considera o quanto a Como aponta Foucault, a introdução do pro-
racionalidade penal moderna equipara- curador do rei, hoje a figura do Ministério
se a uma “garrafa-armadilha de moscas”. Público, aponta essa apropriação do conflito
Imagine-se uma garrafa na qual uma mosca pelo Estado como uma forma de garantir a
conseguiu entrar. Em tese, conseguiria consolidação de um poder diante de outros,
também sair pela mesma estreita passagem. com os quais o rei, em plena Idade Média,
No entanto, uma vez no interior da garrafa, competia.
o fundo (aqui representando o sistema pe-
nal), embora não propicie qualquer saída, É isto que faz com que a vítima deixe de ser o
49 Pires, Álvaro. Aspects, mostra-se mais sedutor como possibilidade ator central do conflito, como era na antigui-
traces et parcours de de garantir a vida do que a estreita passagem dade. O central no conflito passa a ser a Lei.
la rationalité pénale
moderne. In Debuyst, C. que, vista do interior, parece impossível de Assim, se João furtou a propriedade de José,
et al. Histoire des savoirs ser atravessada. A mosca, então, debate-se no não se vê mais o conflito entre João e José, e
sur le crime et la peine.
Tome II: La rationalité
fundo até morrer, em vez de voltar ao ponto sim o conflito entre João e a Lei.
pénale et la naissance de de origem e tentar outros caminhos49.
la criminilogie.

50 Pires, Álvaro. Histoire Para o autor, essa forma adotada pelo sistema
des savoirs sur le crime & penal moderno, de tornar necessária a relação
la peine, p. 19 entre crime e pena, assim como a obrigação

52 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 52 04/02/2009 14:25:55


Visão Pré-Clássica Visão Clássica
(até o século XII) (Idade Média, que persiste até hoje)

Crime visto como erro contra uma pessoa Crime visto como infração da lei

O dano substantivo a uma pessoa legitimava a Com a desvalorização progressiva da reparação à


composição entre ofendido e ofensor e a negociação vítima, o conflito passa a ser visto como uma infração
entre eles também fazia com que a imagem do à lei, sendo esta identificada com o rei (o Estado, a
transgressor e de crime fosse mais correlacionada à Sociedade em Geral) e o crime considerado como um
vítima e ao erro causado a ela. ataque ao rei (ao Estado, à Sociedade em Geral).

Tratava-se de um conflito horizontal e não da Com o crime não sendo mais considerado erro, e sim
desobediência de uma ordem política. infração, a partir do século XII, ele se constituí cada
vez mais como um caso particular de desobediência
O foco era a reparação à vítima. à autoridade que não autoriza o fim de hostilidades
pela reparação positiva51.
A verdadeira vítima é a do ato. Não havia uma
autoridade afrontada. Cria-se uma divisão em torno de crenças fundamentais
de que o direito de punir é uma obrigação ou uma
necessidade imperiosa e que, sem punição, não há
justiça judiciária52 .

Temos assim uma correlação que se mostra Uma justiça para os iguais e uma 51 Pires, Álvaro. Histoire
des savoirs sur le crime & la
fundamental para nossa discussão em torno justiça para “os Outros”: Direito peine, p. 20/23
da Justiça Restaurativa. Se a justiça judiciária penal e a noção de Guerra
é apropriada para fins de estruturação do Es- Um segundo grupo de transformações ocorre 52 Pires, Álvaro. Histoire
des savoirs sur le crime & la
tado em favor do príncipe, isto é, todo aquele para levar a uma nova lógica de diferen- peine, p. 19
que pretende deter o poder de domínio, ciação funcional interna no Direito. Essas
percebe-se a íntima correlação entre o modo mudanças resultarão, segundo Pires, numa 53 Pires, Álvaro. Histoire
des savoirs sur le crime & la
de estruturação da administração da justiça autonomização - diferenciação do direito peine, p. 43
– e, portanto, a necessidade e discussão de penal, como subsistema de pensamento e de
seus termos – com relação aos direitos que práticas jurídicas.
estão em jogo.
Na época pré-clássica as noções de vingança
Por isso, para Álvaro Pires, de um ponto de e de guerra eram referenciais na considera-
vista prático, não há nada que nos impeça ção do crime. Em termos legais, a primeira
de transformar nosso direito no futuro, no paulatinamente foi deixada para trás, mas,
sentido de dar mais importância novamente quanto à segunda, houve uma metamorfose
à pacificação do litígio, à reparação positiva ambivalente.
e às soluções menos hostis53.

Marcos Teóricos 53

jr_sao-caetano_090204.indd 53 04/02/2009 14:25:56


A noção de guerra continua a ser uma refe-
rência na consideração do crime. Embora
afastada da definição filosófica de pena,
ela paira sobre o direito penal, no quadro
das representações sociais do crime e do
criminoso, que passa a ser considerado
como pertencendo a uma classe específica,
distinta daquela à que pertencem os demais
indivíduos. Isso leva à representação de que o
crime é uma ofensa contra toda a sociedade,
sendo, por conseguinte, o criminoso inimigo
de todos. Passa-se de um direito penal focado
na vingança do soberano, para a defesa da Jean Jacques Rousseau
sociedade, autorizando-se, pelo contrato (Genebra, 28 de Junho de 1712 – Ermenonville,
2 de Julho de 1778)
social, (Ver box) o direito de ser punido pela
54 Pires, Álvaro. Histoire violação de suas regras54.
des savoirs sur le crime &
la peine, p. 25 e ss.
O Contrato social é uma forma de expli-
Essa visão contratualista (em que uma “So- car ou postular a origem legítima dos
ciedade” considerada de forma abstrata toma governos e, portanto, das obrigações
o lugar do rei, do Soberano) contribui para políticas dos governados ou dos súditos.
consolidar dois procedimentos frente aos Pressupõe uma sociedade onde todos
litígios inspirados em filosofias e princípios têm os mesmos interesses, e,unindo-se
distintos: o penal e o civil, com dois, talvez em torno deles, reconhecem a autori-
três, subsistemas de pensamento, de raciona- dade, igual para todos, de um conjunto
lidade: a civil, a administrativa e a penal. de regras. Rousseau diz que as pessoas,
unindo-se às outras, ao obedecer às re-
Por que essa diferenciação? Porque a sociedade gras obedecem a si mesmas, conservando
unificada do Contrato Social é uma abstração. a sua liberdade. O pacto social pode ser
Vivemos em uma sociedade dividida entre os definido quando “cada um de nós coloca
que têm e os que não têm, experimentando sua pessoa e sua potência sob a direção
diferentes condições de existência de acordo suprema da vontade geral”.
com um contexto sociológico e político. A
separação das infrações à lei em três gran-
55 Pires, Álvaro. Histoire des blocos – tratados pelas justiças civil (em das esferas marginais dos grupos de poder55.
des savoirs sur le crime &
la peine, p. 11
sentido estrito), administrativa e penal – de- É, aliás, o que a criminologia crítica há muito
manda a presença de grupos de pressão fortes vem apontando.56
56 Castro, Lola Aniyar o suficiente para negociar com o príncipe (o
de. Criminologia da
reação social; Taylor. Ian;
Estado) três pesos, três procedimentos e três A lógica do direito penal moderno, tendo
Walton, Paul & Young, medidas, até mesmo três filosofias. substituído o Soberano por todo o corpo
Jock. Criminologia crítica;
Fórum internacional
social, legitimou essa forma de distribuição
de criminologia crítica. O resultado dessa negociação é que há dois de poder, e instituiu a justiça como vertical.
Criminologia crítica. grupos de filosofias e procedimentos, basea- Sua autonomia em relação ao direito civil
dos na negociação, para tratar dos conflitos consiste na curiosa diferenciação que a
da parte superior da sociedade, e outro, muito impede de utilizar suas regras de procedi-
distinto, a pena, para lidar com os conflitos mento e de sanção mais suaves, inclusive as
(chamados “crime”) das classes inferiores, de reparação positiva.

54 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 54 04/02/2009 14:25:56


A justificação da manutenção da diferencia- A resposta da Justiça
ção entre o direito penal e civil é marcada Restaurativa
pela imagem da guerra. Esta não existe no
âmbito civil, onde se mantém uma relação
horizontal entre as partes. Já no âmbito A Justiça Restaurativa possui pressupostos
criminal surge um poder superior que toma que respondem ao desequilíbrio de poder
a criminalidade como a ameaça à segurança apontado acima e buscam corrigi-lo:
interna – numa dimensão política – à qual
se precisa combater57. Essa diferenciação, ►►pela igualdade e pela recomposição de 57 Pires, Álvaro. Histoire
des savoirs sur le crime &
portanto, é um modo, de se legitimar a desníveis de poder, tanto a nível individual la peine, p. 39 e ss
estratificação social. como coletivo;
►►pelo empoderamento participativo;
Embora o dano civil possa ser tão inten- ►►pela prevalência do caráter obrigacional
cional quanto o criminal, não se fala, no de todo plano de ação ou acordo resultante
âmbito do direito civil nem de guerra ou de do encontro entre as partes (ou seja, o
vingança entre os indivíduos e a intervenção encontro restaurativo gera obrigações que
do Estado, pela Justiça, é toda diferenciada, irão reparar os danos),em vez do caráter
voltada a resolver ou forçar a resolver o caso retributivo das punições/penas.
em disputa.
Ao mesmo tempo, a Justiça Restaurativa
Assim, é preciso questionar três eixos cen- é pautada por um foco de respeito aos di-
trais de equacionamento da estruturação do reitos fundamentais individuais e sociais
poder por meio da divisão entre Direito Civil, para a construção de uma sociedade mais
Administrativo e Criminal: restaurativa, na medida em que realmente
se abra ao diálogo sobre os termos, sentidos
a) os valores que regem o modo de estrutura- e razões de seus conflitos, e por isso mesmo
ção da administração da justiça, na sua dife- mais justa.
renciação interna e no público atendido;
Precisamos, para tanto, repensar alguns
b) a correlação de forças sociais e de sua importantes deslocamentos no uso e na
utilização ideológica para manutenção de significação de conceitos como responsabi-
diferenciações entre modalidades de direito, lidade, resolução do conflito e participação
fundadas mais em interesses setoriais e numa comunitária que a Justiça Restaurativa nos
visão estratificada da sociedade, do que, traz, além de justificar a importância da
efetivamente, em distinções fundamentais diversificação nos espaços de resolução de
sobre os tipos de conflito em jogo; conflito. É o que faremos no item seguinte,
que construirá a ponte entre a dimensão dos
c)a seletividade no modo de classificação dos fundamentos e valores do Projeto aos seus
conflitos, para além de qualquer consideração processos e resultados.
substancial, sobre sua natureza, como apon-
tam os estudos de criminologia crítica.

Marcos Teóricos 55

jr_sao-caetano_090204.indd 55 04/02/2009 14:25:57


2.3. Deslocamentos
conceituais:
responsabilidade,
modo de
resolução do
conflito e atores
envolvidos
Um primeiro deslocamento conceitual foi
o que fizemos nos parágrafos anteriores,
no entendimento de crime. Ele deixa de ser
visto como uma ofensa à uma lei abstrata,
O desafi o político–social a um Poder superior inquestionável, funda-
da Justiça Restaurativa mentado no chamado Direito Natural, que
emanaria da vontade de Deus ou da racio-
Diante das possibilidades abertas pela Justiça Restaurativa de nalidade dos seres humanos, exigindo uma
diálogo e da apropriação do conflito, de um modo pluralista, punição. O crime passa a ser visto da mesma
participativo e respeitador da dignidade da pessoa humana forma como são percebidas as infrações
(art. 1º da Constituição Federal), temos de nos perguntar: cometidas no âmbito civil e administrativo
– como um conflito, que, ao ser solucionado,
y Queremos continuar recorrendo à metáfora da guerra, da gera obrigações.
defesa da sociedade sem a efetiva participação da socie-
dade e sem o reconhecimento da diversidade inerente a Essa “desnaturalização” do crime, tomando-
essa sociedade? o num sentido mais amplo, como conflito,
civil e obrigacional, foi realizada com base
y Como podemos sair da garrafa-armadilha de moscas, en- na lei, invocando as regras de Beijing e das
contrando outros caminhos mais profícuos para podermos diretrizes de Riad, focadas na prevenção e na
também alcançar os objetivos fundamentais deste país, de promoção de direitos.
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir desigual-
dades pela promoção do bem de todos, sem discriminação A partir daí, procuramos estruturar o Pro-
e, portanto, sem violência? jeto de Justiça Restaurativa e Comunitária,
legitimando a estruturação de espaços de
É para essa saída que a Justiça Restaurativa parece nos en- resolução de conflitos na comunidade e na es-
caminhar, rumo a uma maior aproximação e deslocamento cola, num processo de maior democratização
da justiça criminal à civil, pelo modo de equacionamento de e participação da justiça, portanto de maior
conflitos via negociação, porque funda-se numa perspectiva cidadania, sem que, com isso, estivéssemos a
de cidadania, em que cidadãos, em seu sentido pleno e eqüi- desconsiderar responsabilidades e garantias
tativo, podem confrontar suas perspectivas e interpretações de respeito a direito, inclusive de optar por
e refundar a civilidade. recorrer a procedimentos retributivos. Nes-
sa medida, o foco foi a predominância dos
seguintes conceitos:

56 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 56 04/02/2009 14:25:58


yy conflito sobre infração; 2.3.1. Deslocamentos
yy caráter obrigacional sobre caráter cri- conceituais da noção
minal;
yy autocomposição (pessoas resolvem de responsabilidade
forma autônoma o conflito) sobre hete-
rocomposição (um terceiro - o Juiz, uma Quando pensamos no deslocamento de uma
autoridade da escola - resolve o conflito). justiça que, de fora e do alto, reprime, estig-
matiza e exclui a uma outra que, de dentro,
Mas há ainda outros deslocamentos por promove autonomia para a emancipação, a
fazer. primeira dimensão a se considerar é a da
responsabilidade.
►►Primeiro, nos termos em que se coloca a
questão da cidadania e da dignidade da Responsabilidade: da passividade, culpa-
pessoa humana na resolução dos conflitos, bilização, submissão, para a atividade, ha-
portanto o que se espera das pessoas em bilidade de dar uma resposta, liberdade.
termos de responsabilidade cidadã.
►►Segundo, na forma como se estrutura e se
processa o modo de resolução de conflitos, No modelo retributivo...
pensando na participação e no empode-
ramento, mas igualmente no respeito aos Hoje, ao se aplicar a Justiça Retributiva a
direitos fundamentais. atenção está sempre voltada para um ato
►►Terceiro, no sentido e na função de um ocorrido no passado. Reconhecida a autoria
redimensionamento do conflito, que deixa da infração e o tipo de conduta que ocorreu
de ser visto apenas como algo que envolve a responsabilização expressa-se na forma de
indivíduos isolados, para incluir a parti- uma punição do autor, que o marginaliza,
cipação comunitária e uma preocupação estigmatiza e descura das conseqüências da
com justiça social. conduta para o momento presente e futuro
da vida dos afetados.
A partir desse terceiro deslocamento, há
ainda que justificar a utilização de espaços O modelo retributivo em curso é considerado
comunitários ou comunitário-institucionais hierárquico, de baixo conteúdo educativo, não
(como os das escolas) de resolução de confli- promotor de crítica e autocrítica, e muito
tos como uma estratégia de desenvolvimento menos de autonomia.
comunitário e institucional que previne os
conflitos violentos e promove justiça social. Trata-se de uma responsabilidade passiva:
Além disso, é preciso definir qual o papel do um terceiro afirma a responsabilidade alheia
sistema de justiça neste contexto. e dita o caminho a ser seguido e, portanto, nos
situa no campo da heteronomia, do julgamen-
Pretendemos finalizar esta primeira parte to fundado na regra e na autoridade da regra,
com a apresentação de um fluxo sistêmico na verdade de sua justiça58. 58 Melo, Eduardo. Justiça
Restaurativa e seus desa-
e procedimental da Justiça Restaurativa tal fios históricos-culturais.
como o operacionalizamos. Focado numa violação da norma e não no In: SLAKMON, Catherine
indivíduo, não em relações sociais, ele en- e outros (org.). Justiça
Restaurativa, p. 53 e ss
rijece posições das pessoas na comunidade
através da culpabilização. Cria polarizações,
por conseqüência, entre os membros da

Marcos Teóricos 57

jr_sao-caetano_090204.indd 57 04/02/2009 14:25:58


comunidade e rebaixa sua auto-estima, Como diz Zehr61, relatando o modelo neoze-
dificultando a superação de um modo de landês, a introdução de modelos diversórios
relação social excludente e o próprio desen- no sistema de justiça (ou seja, de encaminha-
volvimento pessoal. Pautando sua resposta mento a outras formas de resolução de confli-
social à violência pelo medo, não pela cons- tos) visa justamente manter jovens distantes
trução de condições de respeito mútuo e de das Cortes e prevenir estigmatizações.
colaboração, o modelo retributivo não per-
mite tampouco o avanço para a construção
59 Zehr, Howard. Chan- de condições de convivência em paz59. No modelo restaurativo...
ging lenses.

Sua marca se cola nas pessoas envolvidas A Justiça Restaurativa, mais do preocupada
com o Sistema de Justiça. O estigma de- com a infração à regra, volta-se, sobretudo,
corrente do mero envolvimento com um às conseqüências da situação de conflito,
processo de apuração de ato infracional ou aos danos e, por conseguinte, à relação entre
criminal é manifesto, dificultando as rela- as pessoas envolvidas, tanto as afetadas
ções interpessoais, profissionais de todos diretamente (vítima e ofensor), como indire-
60 Goffman, Erving. os envolvidos60. tamente (família, suportes - amigos, colegas
Manicômios, prisões
e conventos; Becker,
- e comunidade), tendo, portanto, o encontro
Howard. Outsiders. Pesquisas e levantamentos estatísticos indi- e confronto destas pessoas e grupos como
cam que o contato com o Sistema de Justiça condição para atingir seus resultados.
61 Zehr, Howard. Family aumenta o número de ofensas, justamente
group conference. New
Zealand Style. porque aprisionam aqueles taxados de infra- Nisto ela opera uma grande transformação
tores em categorias rígidas e fixas, impedin- de paradigma. A primeira grande trans-
do-lhes transições e deslocamentos internos, formação operada diz respeito ao tipo de
patologizando-os, enfim. No entanto, ofensas, resposta e ação esperada daquele a quem
se consideradas como tais, podem estar mais é imputada a prática de um ato infracio-
relacionadas com o próprio processo de seu nal - na comunidade ou na escola - ou de
desenvolvimento. indisciplina - na escola.

Exemplo da Prática
O caráter diversório da Justiça Restaurativa e plano de ação conjunto entre
vítima e ofensor

Caso de ameaça em escola por parte de aluno contra professora. Intimidada e atemo-
rizada, lavra Boletim de Ocorrência na delegacia. Estimulada a participar do Projeto
de justiça unidade escolar. Chegam a um plano de ação pelo qual comprometem-se a
cumprimentar-se publicamente, de modo a demonstrar que o conflito foi superado,
bem como a elaborar conjuntamente cartazes a serem espalhados na escola sobre
relações respeitosas e cidadania. Apresentados em juízo por força do Boletim de
Ocorrência anteriormente lavrado, comunicam já terem chegado ao acordo, que é
considerado válido e suficiente, sendo extinto o processo.

58 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 58 04/02/2009 14:25:58


Hoje, quem pratica a ofensa tem uma O que se pretende é algo muito maior.
responsabilidade passiva, ao receber o Pretende-se uma responsabilidade que se
julgamento da incorreção de sua ação, e funda na liberdade - e não na submissão, na
depois então uma punição, que, espera- mera obediência cega e acrítica às normas
se, irá desestimular a repetição da ação abstratas.
indesejada. A Justiça Restaurativa volta-se
à busca de uma responsabilidade ativa, Foucault descrevia essa relação corrente com
fundada na autonomia da pessoa ao per- a norma como “estado de dominação”, em
ceber a violação praticada, considerar as que os conjuntos de regras de produção da
conseqüências de sua conduta e assumir verdade são dissimétricas, fixas, com pouca
seriamente obrigações. margem de liberdade e conduzindo a taxa-
ções e classificações (como o louco, o doente
Só uma pessoa ativamente responsável po- mental, o delinqüente, o aluno-problema,
derá efetivamente colocar-se com inteireza a maçã podre no cesto), tornando o sujeito
diante do outro em um encontro, participar sempre passivo diante de um sistema de
de um plano de reparação de danos, que coerção63.
seja também voltado à construção de um
porvir em comunidade, marcado menos
pela destruição e pela violência e mais Possibilitar que as pessoas se
pela promoção de direitos e atendimento relacionem entre si em vez de
das necessidades que a levaram à situação relacionar-se apenas com regras
conflitiva. abstratas de conduta
Nos sistemas escolar, de justiça, de saúde
e outros onde há, necessariamente, uma
Responsabilidade fundada na relação de poder entre “autoridades” e “não-
liberdade e não na submissão autoridades no assunto”, ocorre sempre
Esta passagem não é, contudo, sem conse- um processo pedagógico baseado em um
qüências. A responsabilidade passiva parte conjunto de regras de produção de verdade,
do pressuposto de que um terceiro afirma de transmissão de saber e de comunicação de
a responsabilidade alheia e dita o caminho técnicas. O grande desafio é evitar que essas
por se seguir, portanto nos situa no campo práticas de afirmação de normas, procedi-
da heteronomia, do julgamento fundado na mentos e saberes convertam-se em domina-
regra e na autoridade da regra, na verdade ção, suprimindo os espaços de liberdade.
de sua justiça62. 62 Melo, Eduardo. Justiça
Restaurativa e seus desa-
Isto só é possível, segundo Foucault, se fios históricos-culturais.
Não se trata, contudo, apenas da mudança de houver a tentativa e a possibilidade de que In: SLAKMON, Catherine
quem faz o juízo de valor, com o próprio autor as pessoas, nas escolas, e demais organiza- e outros (org.). Justiça
Restaurativa, p. 53 e ss
da ofensa dizendo à vítima: ‘eu estava errado’, ções, bem como na comunidade, vejam-se
em vez de o juiz ou uma autoridade escolar envolvidas em processos participativos que 63 FOUCAULT, Michel.
Dits et écrits, L´éthique
dizer ao autor: “você estava errado”. Não se as reconduzam, de uma relação de si para du souci de soi comme
trata de uma mudança de estratégia para consigo mesmas, à relação com o outro. É o pratique de la liberte, p.
infligir um sentimento maior de culpa ou de que Jacques Delors propõe quando afirma, 708 e ss.

vergonha – da espécie que seja – à pessoa que dentre os quatro pilares para a educação no
praticou o ato danoso, nem de uma maior século XXI, o Aprender a Ser e o Aprender a
submissão de sua parte à lei, à sua autoridade, Conviver. (Educação, um tesouro a descobrir,
por ter infligido dor à vítima. Ed. Cortez, 1999)

Marcos Teóricos 59

jr_sao-caetano_090204.indd 59 04/02/2009 14:25:59


A justiça precisa aderir a esta dimensão de as estruturas e as ações de instituições sociais,
convivência, passando a concernir direta- definidas por uma visão individualista que
mente aos indivíduos e aos grupos envolvidos fomenta a competição individual. Consideram
na situação de conflito, na relação insubsti- a interconexão humana, têm como proposta
tuível entre um eu e um outro, situados num promover a melhoria na qualidade das relações
mundo material e temporalmente preciso. e o desenvolvimento de um sujeito-cidadão em
Só assim é que será possível a apropriação, uma sociedade democrática.
pelos envolvidos no conflito, da regra em jogo.
E, dessa forma, a regra também poderá se São práticas cuja ferramenta principal é o
64 DERRIDA,Force de expressar de maneira concreta, singular64. diálogo transformador, definido por Gergen
loi, p. 38/39
(1999) como “...toda forma de intercâmbio
E isto somente ocorre quando o processo capaz de transformar a relação entre pessoas
participativo de apropriação da regra e de comprometidas com realidades separadas
construção da justiça e justeza dos compor- e antagônicas, em uma relação capaz de
tamentos passa pela possibilidade do debate, construir realidades comuns e duradouras.”
do diálogo coletivo. Por meio desse debate, Impulsionam processos com a intenciona-
as pessoas poderão abrir e compartilhar seu lidade de modificar posições defensivas ou
entendimento de toda uma rede de conceitos agressivas em cooperativas, re-definindo
conexos - propriedade, intencionalidade, o outro na relação, identificando objetivos
vontade, liberdade, consciência, consciência comuns, re-dimensionando o “nós” e cons-
de si, sujeito, eu, pessoa, comunidade, decisão, truindo futuros possíveis de convivência.
disciplina, etc. Só o fato de poderem entrar em São formas conversacionais que dão ênfase
questão, serem desconstruídos, esses concei- à responsabilidade relacional.
tos garantem um lugar para a reconstrução Estabelecendo-se um paralelo entre ambas
65 DERRIDA, Force de da justiça e da educação65. as práticas, poderemos identificar outros
loi, p. 45 e 35.
propósitos comuns:
yy questionam tradições modernistas centra-
2.3.2 Deslocamentos das na certeza e na objetividade; operam
da verdade única para a contingência
conceituais quanto ao dos fatos, da culpa individual para a res-
modo de resolução de ponsabilidade relacional, do julgamento
conflito para o atendimento de necessidades e
Da desconsideração da comunicação interesses.
entre as partes, para práticas yy focam a transformação e a restauração
conversacionais fundadas numa visão da de vínculos interpessoais ameaçados
66 Neste tópico sociedade como rede de relações.66 por desentendimentos, com ou sem a
trataremos dos valores
que fundamentam este presença explícita de violência, e conotam
paradigma. A técnica será
melhor explicitada na Justiça Restaurativa e positivamente a expressão do conflito.
parte a ela dedicada nesta Mediação Transformativa: Desta forma, não pretendem eliminá-lo,
publicação. mas oferecer alternativas mais eficazes e
pontos comuns
construtivas para manejá-lo.
Dentre as inúmeras formas culturais de yy privilegiam a preservação e a restaura-
resolução de conflitos de que dispomos ção das relações, em vez da punição e da
atualmente, podemos destacar a Mediação retaliação, e procuram construir acordos
Transformativa e a Justiça Restaurativa como relacionais para o presente, que possibili-
práticas conversacionais. Ambas questionam tem a convivência no futuro.

60 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 60 04/02/2009 14:25:59


yy constroem contextos de conversação A comunidade é estimulada a participar,
orientados pelo respeito mútuo e pelo seja como parte afetada pelo dano, como
respeito à voluntariedade e autonomia dos colaboradora que oferecerá apoio, ou como
participantes; garantem os direitos huma- “o outro” na relação social frente a quem se
nos e o direito à dignidade de todos. responsabilizam e com quem se comprome-
yy acreditam na competência e recursos tem com os acordos construídos. Buscam
pessoais dos participantes; o terceiro o compartilhar de experiências, obrigações
facilitador apenas conduz o processo para e responsabilidades de todos os envolvidos
ajudá-los a ponderar e decidir o que de- numa situação de violência.
sejam fazer sobre a questão ou problema
que estão enfrentando. Comunicação em espiral
É aí que se opera a grande transformação tra-
Diferenças zida pela Justiça Restaurativa. Trata-se de um
E ainda, Mediação Transformativa e Justiça modelo fundado no encontro não apenas en-
Restaurativa desenvolvem ações que as tre dois indivíduos em campos opostos, mas
distinguem como práticas de resolução de entre vários envolvidos na situação de confli-
conflitos com competência e implicações to. O encontro, como espaço de resolução de
extremamente diferentes. conflitos é antes de tudo circular. Ele parte da
situação de conflito para, numa lógica espiral,
A Mediação Transformativa opera em encon- aprofundar-se nas razões e justificativas que
tros onde as partes envolvidas no conflito são o discurso dos envolvidos procura propiciar
auxiliadas pelo mediador a expor seu ponto às ações, desconstruindo-as.
de vista sobre a questão, ouvir e entender os
pontos de vista do outro, encontrar pontos O processo de comunicação que ocorre no
de interesse comum e negociar acordos para encontro restaurativo desvela, através da
obter resultados mutuamente aceitáveis. emoção do confronto de perspectivas, os
interesses e necessidades ocultas, bem como
O mediador explora os benefícios da escuta as bases em que se enraízam os problemas
entre os mediados, exercitando a sua própria vividos. É nessa lógica espiral de aprofun-
escuta para identificar e ampliar pontos do damento que se mostra potente o esforço
diálogo onde hajam sinais de fortalecimen- de ressignificação dos conflitos, através da
to individual úteis para esclarecer e tomar conexão e engajamento de terceiros – os
decisões. E concentra também sua atenção suportes dos envolvidos na situação de con-
nos momentos em que houver sinais de flito: familiares, colegas, amigos, indivíduos
reconhecimento de um para com o outro, da comunidade – rede primária de apoio –,
amplificando-os, para que as decisões sejam bem como membros da comunidade e de
tomadas a partir de si, levando em conside- organizações/instituições da comunidade –
ração o outro. rede secundária de apoio.

As práticas de Justiça Restaurativa acontecem Empoderamento da vítima; da


em encontros entre quem causou um dano e pessoa que cometeu o ato danoso;
quem o sofreu, com a participação consen- da comunidade
tida e voluntária de pessoas que lhes darão Este modelo parte, portanto, do encontro,
suporte, tais como, familiares, autoridades, para o empoderamento dos envolvidos. Se
advogados, assistentes sociais, entre outros houve violação de um direito, deu-se um
profissionais . desequilíbrio na relação entre as pessoas

Marcos Teóricos 61

jr_sao-caetano_090204.indd 61 04/02/2009 14:25:59


afetadas pelo conflito e que precisa ser resta- dade e a reflexão sobre as causas subjacentes
belecido. É isso que o encontro, marcado por ao conflito, sobre as raízes do problema
um ritmo e uma ordenação de fala e escuta, havido, é o que permite a emergência de
propicia: que aquela pessoa que se sente uma solução ao mesmo tempo reparadora e
vitimada, possa expor-se e fazer-se ouvida, reintegradora.
mas também fazer falar, ter explicações sobre
o que lhe aconteceu e poder recolocar-se no Este modelo é, portanto, necessariamente
mundo, reestruturando um lugar abalado dialógico e consensual, daí a fundação na
pelo conflito. liberdade e na abertura à discussão das
regras de produção de verdade a que alude
Quem foi vitimado pela ofensa, pode colocar Foucault.
o que necessita para si, como pessoa, para
se reequilibrar internamente e para ter seus É um diálogo, contudo, demarcado por
danos reparados, sejam eles da espécie que direitos e pelo resguardo e garantia desses
for. Ela não é desapropriada do conflito, mas direitos. O respeito à dignidade e à liberda-
lhe é permitido colaborar com a sua supera- de, a proibição de tratamento desumano e
ção, a partir de sua visão de mundo, numa degradante, o direito à livre expressão e ao
interação com outros. É esta interação que aconselhamento jurídico; o direito à revisão
lhe permite relativizar sua visão de mundo judicial de acordos; à presunção de inocência,
particular e suas intenções, compondo-as mas também à oportunidade de resolução
com a de outros. Permite também superar de seus conflitos de forma não violenta, são
o ressentimento, a necessidade de vingança, todos assegurados e garantidos. O resguardo
dura e implacável, que poderia levar à pola- de todos esses direitos ficará mais claro ao se
rização, à exclusão mútua e ao incremento da observar o modo como são respeitados pelo
insegurança e da violência. fluxo operacional de procedimentos. (Ver p.
89 a 97).
Da parte daquele acusado de ofensor, o empo-
deramento implica a possibilidade de situar As práticas restaurativas operam em en-
sua ação num contexto mais amplo de vida, contros entre quem causou um dano, quem
enraizando-a e dando-lhe nova dimensão. Ele o sofreu, com a participação consentida
consegue não apenas se expor e se justificar e voluntária de pessoas que lhes darão
para terceiros, mas também pode, numa re- suporte, tais como, familiares, autoridades,
visão crítica de seu lugar no mundo, procurar advogados, assistentes sociais, entre outros
restabelecer conexões em termos outros. profissionais.

A reparação, pelo ofensor, dos danos a tercei- A comunidade é estimulada a participar


ros, uma vez reconhecida a impropriedade como parte afetada pelo dano, e/ou como
ou inadequação do modo de ação anterior, colaboradora que oferecerá apoio, e/ou como
é decorrência de um movimento autônomo “o outro” na relação social frente a quem se
e espontâneo para além de si, num reequilí- responsabilizam e com quem se comprome-
brio de relações que permite não apenas a tem com os acordos construídos. Buscam
satisfação dos interesses e necessidades dos o compartilhar de experiências, obrigações
outros, mas também as suas. Isso porque, é e responsabilidades de todos os envolvidos
pelo plano de ação construído coletivamente, numa situação de violência.
que novas possibilidades de vida também lhe
surgem. De fato, o envolvimento da comuni-

62 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 62 04/02/2009 14:25:59


Exemplo da Prática
Evitando a revitimização secundária nos casos de relação contínua: um caso de
bullying

Conflito ocorrido em escola. Menina foi apelidada de ‘testuda’, assim sendo chamada por meses.
Em determinado dia, ela agride violentamente quem a tratava por esse apelido. Em círculo,
aponta o quanto o apelido a incomodava, fazendo-a sofrer. Quem lhe alcunhou e que foi agredida,
disse não saber do impacto daquele apelido na garota. Chegaram a um acordo.

O caso revela o quanto a menina, que se sentia vítima de uma conduta opressora e indese-
jada, por mais que tenha reagido em excesso, sentir-se-ia revitimizada secundariamente se
processada. Sua situação dificilmente permitiria a caracterização de legítima defesa, por ser
questionável o quanto o apelido, que poderia ser tomado como descritivo, pudesse ser consi-
derado como uma injusta agressão e, mais, que sua ação tivesse sido moderada e necessária.
Provavelmente, se processada, poderia ser condenada. O círculo equacionou o problema com
maior profundidade e satisfação a todos.

2.3.3 – Deslocamentos individual de superar as situações que leva-


conceituais quanto ram à prática de infração ou o envolvimento
em conflito.
ao papel dos atores
envolvidos na resolução Espera-se da pessoa que causou ofensa que
do conflito repare os danos causados, não se levando
Da vontade individual, foco no caso isolado em conta a necessidade de fortalecer o diá-
e reparação de danos à vontade coletiva, logo comunitário, e a construção de redes de
foco nas dinâmicas, com reparação de competência e de apoio, que possam prevenir
danos e prevenção da violência a ocorrência de outros conflitos destrutivos,
violentos.
No modelo da mediação
tradicional
No modelo restaurativo
Na mediação tradicional os atores são pes-
soas que se apresentam em campos opostos, O deslocamento conceitual no modo de
cujo papel é, com ajuda do mediador, resolver resolução de conflitos, no qual eles deixam
um conflito com acordos que atendam aos de ser vistos apenas como problemas (inter)
interesses individuais. A situação é vista individuais, mas também no que têm a ver
como um caso isolado, sem considerar as com o tecido relacional, com o ambiente
dinâmicas sociais das quais ele emerge. em que todos vivem e se desenvolvem, leva
a mudanças no papel dos atores envolvidos
A filosofia que embasa esse modelo é fundada no conflito. No modelo restaurativo eles não
na autonomia da vontade e na capacidade são mais apenas indivíduos isolados, mas

Marcos Teóricos 63

jr_sao-caetano_090204.indd 63 04/02/2009 14:26:00


indivíduos ligados às suas redes primárias e são decorrentes de múltiplos fatores. Por
secundárias de apoio (indivíduos enredados), isso, a resolução dos conflitos envolve várias
redes essas que tem um papel essencial na re- dinâmicas correlatas. A responsabilização
solução do conflito destrutivo e na prevenção por determinada situação deve ser assumi-
de novas violências. da, também, por atores da rede primária e
secundária. Dessa forma, novas situações de
Responsabilização: de individual a conflito, quando emergirem, poderão ter uma
coletiva outra dinâmica, sem recurso à violência, e, se
Neste contexto mais amplo, a responsabi- houver violência, uma forma de resolução
lização também se desloca de um enfoque não pautada pela vingança ou pela punição
meramente individual para ver-se em reali- poderá ser mobilizada.
zação e em processo através das conexões em
que os indivíduos isoladamente se inserem. É justamente a proposta de considerar o
Como Braithwaite e Parker apontam, a Justiça crime, ou, no ambiente escolar, a infração
Restaurativa, como justiça republicana, há disciplinar, como conflitos, que permite um
de conectar as dificuldades privadas com processo restaurativo mais amplo, onde esco-
67 Braithwaite, John & movimentos sociais republicanos67. É isto las, igrejas, negócios e toda espécie de espaços
Parker, Christine. Restora-
tive justice is republican
que justifica o envolvimento da rede dos não-judiciários possam ser envolvidos.
justice. In: Bazemore, G. envolvidos na resolução dos conflitos.
& Walgrave, Lode. Res- O que se pretende com isso é, justamente,
torative juvenile justice:
repairing the harm of De fato, tanto a resolução de conflitos, pela favorecer o reconhecimento de vulnerabi-
youth crime, p. 111/118 reparação de danos, como o atendimento lidades coletivas, expressas num problema
das necessidades dos afetados mudam de compartilhado. Esse reconhecimento
lógica. motiva a transformação das relações hu-
manas e, com a passagem de uma emoção
Primeiro, há todo um deslocamento na negativa para outra positiva, transita-se
concepção de segurança pública, com um do conflito para a cooperação, onde todos
foco operacional em âmbito local, voltado podem descobrir, juntos, meios de resolver
ao empoderamento de cidadãos comuns, o problema.
dependente de formas de controle social mais
‘paroquiais’ e fundada, acima de tudo, sobre No centro do círculo está um problema
68 Crawford, Adam; um viés de resolução de questões sociais68. que é de todos; não dois indivíduos em
Clear, Todd. Community
justice: transforming conflito
communities through
restorative justice? In: Ba-
Segundo e mais importante: uma resolução Nesta toada, a tônica restaurativa fundada
zemore, Gordon & Schiff, restaurativa de conflitos, ao procurar envol- no conflito – que se contrapõe ao modelo
Mara. Restorative com- ver, de maneira ativa, pessoas relacionadas tradicional judiciário criminal ou esco-
munity justice. Repairing
harm and transforming indiretamente ao conflito como parte de uma lar disciplinar – é justamente a de pôr o
communities, p. 127 e ss. rede de relações maior, deve pautar-se por problema, e não as pessoas, no centro do
uma outra filosofia da ação diferente da tradi- círculo69.
69 Braithwaite, John cional, fundada na capacidade individual de
& Strang, Heather.
Introduction: restorative
superar as situações que levaram à prática de Alguns pressupostos norteiam este novo
justice and civil society. infração ou o envolvimento em conflito. paradigma de responsabilidade ativa e
In: Strang, Heather & autônoma e de resolução de conflitos, fun-
Braithwaite, John, Res-
torative justice and civil Numa perspectiva de rede, leva-se em consi- dado no encontro empoderador, dialógico,
society, p. 10/11 deração que as pessoas devem ser tomadas inclusivo e participativo, marcado mais
em suas relações recíprocas e que conflitos pelo problema do que por indivíduos, a

64 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 64 04/02/2009 14:26:00


legitimar esta abertura de novos espaços Neste sentido, os próprios sujeitos devem
de resolução de conflitos em âmbito co- produzir as mudanças que desemboquem
munitário e escolar: em relações significativas, expressas por atos
que ativem os recursos materiais e humanos
yy relações sociais formam-se por vínculos das redes, permitindo uma auto-regulação
de reciprocidade, constituindo sistema de adequada para fazer frente aos problemas.
valores, objetivos, recursos;
yy o risco é fator permanente da vida social O poder das redes primárias e a
contemporânea; mudança das relações sociais
yy os sujeitos em jogo na situação de conflito O papel dos atores envolvidos na resolução
representam um capital humano pelo destes conflitos, portanto, vai além da neces-
conjunto de elementos que podem aportar, sária consideração dos meios de reparação
como educação, saúde, habitat, família e dos danos. É o de fomentar a construção
redes sociais informais; de redes de competência e de suporte; é o
yy as redes sociais informais (vizinhança, de estimular novidades que diversifiquem
relações de amizade, de coleguismo profis- a participação dos atores da rede primária,
sional...) movimentam os indivíduos para produzindo estilos de convivência ainda não
relações coletivas e possibilitam um avan- experimentados.
ço em direção à autonomia de sua relação
de dependência estabelecida em contextos Estes encontros se dão sob técnicas e com a
vários, seja com pessoas individuais, seja facilitação – não intervenção – de terceiros.
com o poder público. Cabe a estes atores, os facilitadores do pro-
yy as redes não são necessariamente um cesso, adotar um papel de mobilização das
grupo e é sua dimensão espaço-temporal energias latentes da rede para que assumam
que lhe dá valências e funções distintas, um papel de cuidado e atenção entre os seus
estando a estrutura das relações ligada às membros, propiciando um suporte e acom-
ações das próprias pessoas.70 panhamento recíprocos. 70 Sanicola, Lia. Metodo-
logia di rete nella giustizia
minorile; Sanicola, Lia.
Enredamento: em vez de falta e Esta perspectiva agrega à dimensão estru- L´intervention de réseaux.
necessidade, o poder de ativar tural dos problemas, enfrentada por políti-
recursos humanos e materiais cas públicas universais de atendimento, a
Neste contexto, em vários casos, sobretudo possibilidade de autonomia e de liberdade
aqueles de relação contínua, mas não apenas dos sujeitos, que podem assumir um papel
nestes, a demanda que emerge com o conflito proativo na resolução do evento de crise e
não significa apenas que há uma necessidade de conflito.
a ser satisfeita ou uma falta a se suprir. Além
disso, ela expressa um desejo de ação da parte É aqui que se expressa o empoderamento e
de um membro da rede em dificuldade, mas a autonomia e é nesta perspectiva, de auto-
igualmente a existência de uma contradição afirmação e auto-resolução, que as necessi-
no interior dessa rede de relações. Assim, em dades emergentes do conflito poderão ser
vez de ser um lugar onde se resolve um pro- efetivamente satisfeitas71. 71 Sanicola, Lia. Metodo-
logia di rete nella giustizia
blema emergente, a rede deve ser o lugar onde minorile
se redefine a demanda e dá uma resposta em As comunidades de cuidado ou de suporte
seu seio, com os outros membros da rede: – ou redes primárias - são redes de obriga-
assim, cada um tem a oportunidade de tecer ção e respeito mútuos entre os indivíduos e
a própria história de sua vida relacional. qualquer pessoa que se preocupe com eles,

Marcos Teóricos 65

jr_sao-caetano_090204.indd 65 04/02/2009 14:26:00


num sentido subjetivo e pessoal, mais que A estratégia prevalecente, neste novo mo-
72 Crawford, Adam; territorial72. delo, é, portanto, de partir da contingência
Clear, Todd. Community
justice: transforming
de uma demanda de ajuda ou de um evento
communities through A comunidade de suporte a cada envolvido crítico – como um ato infracional, ou, na
restorative justice? In: Ba- na situação de conflito é verificada a partir escola, de indisciplina- dentre outros que
zemore, Gordon & Schiff,
Mara. Restorative com- da indicação das pessoas, dentre familiares, possam afetar crianças, adolescentes ou
munity justice. Repairing seja do grupo nuclear ou estendido, amigos, adultos – para pôr, no centro das atenções, a
harm and transforming
communities, p. 135 colegas de trabalho, vizinhança, de passeios mudança na qualidade das relações sociais.
e de tempos de recreação. Esses apoiadores Para tanto, toma-se por foco a consistência
podem contribuir em aspectos como: ajuda e intensidade do vínculo social, a ponto de
cotidiana material/doméstica (ajuda no for- criar uma dinâmica social distinta, marca-
necimento de coisas, dinheiro, serviços...), da pela assunção de responsabilidade dos
ajuda em situações emergenciais ou de crise, envolvidos na situação de crise, como a de
suporte emocional ou afetivo; conselhos ou um conflito.
informação; hospitalidade, socialização e
73 Sanicola, Lia. Metodo- diversão. 73
logia di rete nella giustizia
minorile

Exemplo da Prática
Os facilitadores em processo restaurativo

Facilitador de justiça do Projeto comunitário tem o filho envolvido em conflito recorrente com
outro garoto mais velho. Não sabem como resolver o caso; querem a separação dos meninos,
que estudam na mesma escola. Ambos com processos no Fórum pelo mesmo conflito, um na
Vara da Infância, outro no Juizado Especial Criminal. O facilitador tinha receio de participar do
círculo e do modo como seria visto pelos demais. Apesar do medo, os dois aceitam a experiência
e chegam a um plano de ação, valorizando, na pele, o processo, com agradecimento pela opor-
tunidade de ter podido redescobrir pessoalmente o Projeto. Impacto em todos os facilitadores,
que ressignificam o processo como efetivamente algo que lhes pertence, como comunidade, em
seu próprio benefício, não se tratando apenas de uma ação que fazem para os outros.

66 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 66 04/02/2009 14:26:01


Redes secundárias: da reabilitação às suas vulnerabilidades, mas não às suas
de indivíduos à resposta a fortalezas, reforçando o processo de exclusão
demandas coletivas a que estão submetidas.
Quando as forças das redes primárias dos
envolvidos em situação de conflito são
despertadas, pode-se colocar em questão
a instauração de um movimento, de cada
grupo por si, ou dos dois entre si, que tende
do individual ao coletivo. Parte-se do encon-
tro e do reconhecimento recíproco entre os
indivíduos, para se atingir o sentimento de
pertença a uma comunidade, e, sobretudo, a
disposição de assumir a co-responsabilidade
por uma determinada necessidade, consoli-
dando os vínculos.

De modo correlato, este trabalho propicia a


instauração de um segundo movimento, que
passa da relação de dependência e subalterni-
dade dos indivíduos e grupos perante a rede
secundária (órgãos e instituições de aten- Uma nova abordagem precisa, portanto,
dimento, equipamentos sociais), para uma colocar a questão como uma demanda co-
postura que tende à autonomia e à liberdade, letiva à qual os serviços procurarão atender,
permitindo que, diante de novas situações de fortalecendo os liames entre os integrantes da
conflito, haja preparação das pessoas e das rede primária. É nesta ótica de enredamento
comunidades para encontrar soluções não que se dá o chamamento participativo à
excludentes e reintegradoras74. resolução dos conflitos. Eles são vistos como 74 Sanicola, Lia. Metodo-
logia di rete nella giustizia
problemas que têm a ver com o ambiente em minorile
A visão reabilitadora que marca o sistema que todos vivem e se desenvolvem e do qual
criminal, e especialmente juvenil, toma a depende o bem-estar social das pessoas - em 75 Crawford, Adam;
reintegração do infrator como inserção em comunidades e escolas. Sabe-se que esse bem Clear, Todd. Community
justice: transforming
serviços (escola, cursos, atendimentos) e estar está ligado à qualidade da consciência, communities through
seu não-envolvimento em outras infrações. do ambiente humano e aos estilos de intera- restorative justice? In: Ba-
zemore, Gordon & Schiff,
Numa perspectiva restaurativa e de enreda- ções que vivenciam, a ponto de se ver uma Mara. Restorative com-
mento, percebe-se a limitação dessa aborda- correlação entre saúde mental e amplitude e munity justice. Repairing
harm and transforming
gem. Com efeito, como aponta Lia Sanicola, os intensidade das relações. communities, p.140
serviços são normalmente oferecidos levando
em consideração apenas as demandas indi- Ao mesmo tempo, essa nova abordagem
viduais, mas não as coletivas. Com isso, eles coloca a Justiça Restaurativa como um
rompem com as solidariedades existentes e movimento mais amplo, preocupado com a
impedem o fortalecimento dos vínculos que construção de condições sob as quais pode-se
permitiriam uma ação autônoma. Geram alimentar civilidade e mutualidade, precisan-
apenas, via de regra, conformação, pelo temor, do estar conectada com um programa mais
a uma ação externa, subjugadora e repressiva. amplo e proativo de prevenção e segurança
Por conseguinte, o olhar que se passa a ter comunitária do que ações meramente reati-
sobre as famílias atendidas volta-se apenas vas a conflitos75.

Marcos Teóricos 67

jr_sao-caetano_miolo_090209.indd 67 09/02/2009 13:22:57


2.4. Novos A comunidade é estimulada à participação,
em suas várias possibilidades de organização,
espaços formais e informais. É chamada a discutir
seus valores e a se apropriar coletivamente de
comunitários seus problemas, a refletir e a debruçar-se so-
e institucionais bre si, no mesmo processo de autocrítica que
se espera daqueles envolvidos em situação de
de resolução conflito e das instituições que se articulam
para o empoderamento e enredamento res-
de conflitos ponsabilizadores.

Não basta criar condições para evitar a es-


tigmatização de infratores do sistema penal Comunidade vai além do
judiciário ou do sistema disciplinar educa- território, empodera o bairro
cional, para criar condições de reintegração e e educa a cidade
de aprendizagem para a resolução autônoma
de conflitos. Uma perspectiva restaurativa e A comunidade é pensada, neste Projeto, para
comunitária envolve uma dimensão de trans- além de um referencial territorial, ligada à re-
formação do ambiente comunitário e escolar, gião de moradia. Ela envolve uma multiplici-
ganhando, portanto, um cunho preventivo, dade de grupos e redes às quais os envolvidos
culturalmente inclusivo e aberto. se crêem pertencer e que extrapolam o bairro
onde habitam. Nestes termos, consideram-se
também as comunidades de interesse (asso-
2.4.1 – O contexto ciações profissionais, religiosas, de estudo, de
esporte...) como ainda comunidades de per-
comunitário e a tencimento (escolas, clubes, times esportivos,
resolução de conflitos núcleo familiar estendido, grupos definidos
por relações de gênero, idade, raça, orientação
Numa perspectiva restaurativa, concebe-se sexual, interesses artísticos e culturais...). A
de fato que os espaços comunitários para família é vista também numa dimensão es-
resolução de conflitos relacionais contínuos, tendida, fundada em alianças de afetividade
podem prover condições mais adequadas de e solidariedade, levando em consideração a
promoção de condições de segurança coletiva sua própria mobilidade interna, sua recom-
sem criar exclusão social. Eles contribuem posição e os novos arranjos estabelecidos
para o envolvimento e empoderamento entre seus membros.
de cidadãos comuns no enfrentamento de
problemas comunitários; baseiam-se em A perspectiva de base é um convite à reflexão
manifestações informais de controle e su- sobre as condições de desenvolvimento social
porte social e atuam com uma abordagem de local do bairro e a sobre a importância de
resolução dos conflitos e problemas enfren- outro modelo de atuação da comunidade na
tando sua dimensão social. Eles propiciam resolução de seus problemas, em parceria
76 Crawford, Adam & ademais um incremento do sentimento de com o poder público.
Clear, Todd. Community
Justice: transforming
pertencimento, a emergência de sentido
communities through no compartilhamento de responsabilidade, Parte-se do pressuposto que um bairro capaz
restorative justice? In:
Restorative community criando uma maior sensação de segurança ou viável é aquele em que seus habitantes co-
justice, p. 127 e ss. e de bem-estar76. laboram para influenciar os diferentes aspec-

68 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 68 04/02/2009 14:26:01


tos da vida social local ou, juntos, colocam-se Com a percepção da repercussão dos conflitos
objetivos e se reúnem para levar a cabo ações na própria comunidade, como um todo e por
para realizar estes objetivos. seus membros individuais, mas também na
cidade em geral, a tentativa de construção de
O objetivo de empoderamento da comunida- alternativas e de compreensão das dinâmicas
de para promoção de condições para o desen- internas destes conflitos, inclusive dos valores
volvimento social local do bairro requer: culturais a eles subjacentes, aparece como
decorrência a ser estimulada e promovida
yy estabelecimento de mecanismos para pelo poder público.
definir e reforçar os acordos sobre papéis e
responsabilidades no que tange, por exem- Ganha-se, assim, uma dimensão de gover-
plo, à segurança das pessoas e condições nança pela própria comunidade, vale dizer,
de convivência comum; de gestão do rumo dos eventos de um sistema
yy mobilização de organizações locais social, envolvendo as tradições e instituições
formais e informais que assegurem a pelas quais a autoridade é exercida, fazendo
comunicação, identificação de líderes, o com que a justiça e segurança possam ser ob-
aprendizado do saber-fazer, o desenvolvi- jeto de deliberações locais, através da coope-
mento social local a partir dos problemas ração de redes comunitárias com instâncias
levantados e a capacidade de definir e de governamentais e não-governamentais79. 77 Henderson, Paul &
Thomas, David. Savoir-
concretizar os interesses dos habitantes faire en développement
com relação àqueles que vivem fora do Numa perspectiva normativa republicana, social local.
bairro; isto não retira o papel de controle de respeito
yy fortalecimento de canais de participação a direitos fundamentais por parte do Estado. 78 Shearing, Clifford.
Transforming security: a
cidadã na tomada de decisões que concer- Como apontam Braithwaite e Strang, tanto south african experiment.
In: In: Strang, Heather &
nem o bairro, à comunidade e a escola; o Estado como a sociedade civil devem ser Braithwaite, John, Res-
yy abertura de novas possibilidades de acesso fortalecidos nessa perspectiva, de modo que torative justice and civil
à justiça, especialmente a crianças e ado- cada um possa checar e balancear efetiva- society, p. 14 e ss.

lescentes, para que possam, por iniciativa mente o outro através de relações organiza- 79 Slakmon, Catherine
própria, resolver seus conflitos entre si ou cionais criativas e democráticas, superando & Oxhorn, Philip. O poder
de atuação dos cidadãos
deles com seus familiares ou membros da uma estruturação meramente burocrática e e a micro-governança da
comunidade; cristalizada. Nesta visão, a Justiça Restaura- justiça no Brasil.In:Novas
yy articulação entre organizações comunitá- tiva há de ser vista, ela também, num círculo direções na governança da
justiça e da segurança.
rias e os detentores de recursos; virtuoso com as autoridades estatais e a
yy estabelecimento de mecanismos formais e sociedade civil de modo a criar condições 80 Braithwaite, John
& Strang, Heather.
informais pelos quais se criam trocas entre de respeito mútuo, civilidade e não-violência Introduction: restorative
os grupos com interesses e necessidades entre os cidadãos80. justice and civil society.
contraditórias77. In: Strang, Heather &
Braithwaite, John, Res-
torative justice and civil
Este movimento é marcado, portanto, pela society, p. 9/10

passagem de ações concretas e pontuais,


como a de resolução de conflitos interpesso-
ais (peacemaking), para a compreensão de
dinâmicas coletivas e a tomada de iniciativas
coletivas e preventivas (peacebuilding)78.

Marcos Teóricos 69

jr_sao-caetano_090204.indd 69 04/02/2009 14:26:02


Exemplo da Prática
A reconexão dos ofensores com a vítima

Caso de roubo. Adolescentes primários. Realização de círculo com participação indireta da


vítima ante a avaliação de que não seria o caso de internação. Estabelecimento, em círculo, de
condições para a liberdade assistida. Elaboração de carta, à vítima, mensalmente, informando
seu processo de desenvolvimento na superação dos fatores que os levaram ao cometimento do
ato. Conexão da execução com o ato, ganhando uma dimensão concreta e pessoal. Cumprimento
rigoroso do acordo pelos adolescentes, com cartas singulares, mês a mês.

2.4.2 - O Contexto Em São Caetano do Sul, a maioria das esco-


escolar e a resolução las, à altura do início do Projeto de Justiça
Restaurativa no município, já participava
de conflitos do Projeto Comunidade Presente da FDE –
Fundação para o Desenvolvimento da Edu-
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a cação, da Secretaria de Estado da Educação
escola é, ao mesmo tempo, um espaço comu- de São Paulo (SEE/SP), criado na década de
nitário e institucional. 80, para favorecer a integração entre escolas
da rede estadual de ensino e a comunidade,
A Escola como espaço comunitário prevenindo a violência.
e a realização de círculos
comunitários Assim, essas escolas tornam-se espaços
Como espaço comunitário, a escola pode – comunitários privilegiados para a realização
e deve – abrir suas portas à comunidade, de círculos comunitários. A primeira delas a
para utilização de suas quadras e espaços ceder um local para a realização de círculos
para atividades culturais, esportivas e de restaurativos comunitários à comunidade
lazer, realizadas sob responsabilidade dos foi a Escola Estadual Padre Alexandre Gri-
próprios moradores do bairro ou ainda, goli, no bairro de Nova Gerty. No entanto,
para utilização pela vizinhança, de equipa- círculos comunitários podem ser realizados
mentos como laboratórios de informática, em outros espaços do bairro, como igrejas,
bibliotecas e teatro. Nas periferias das associações comunitárias, clubes de serviço
grandes cidades, os espaços das escolas e ONGs.
são muitas vezes os únicos (com exceção
das igrejas e dos bares) onde a população O círculo comunitário realizado na escola
pobre pode se reunir para festejar, praticar contribui na sua transformação em um
esportes, conviver. ambiente mais inclusivo e justo. No entanto,
o círculo comunitário, seja ele realizado no es-
As pesquisas mostram que em escolas que se paço escolar ou em outro, pode ter impacto na
abrem à comunidade há menos episódios de melhoria da escola, sempre que o problema
vandalismo e de outras violências. em pauta no círculo restaurativo comunitário

70 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 70 04/02/2009 14:26:02


envolva questões relativas à educação escolar. restaurativa depende de uma série de condi-
Nos círculos comunitários os membros da cionantes institucionais, como, por exemplo,
comunidade são preparados não apenas a convivência com um sistema disciplinar
para lidar com a problemática vivida por que obedece à lógica retributiva, a dispo-
seus membros, mas também para garantir nibilidade de horários e outras. A diferença
sua participação no diálogo e resolução de mais importante, no entanto, é que o círculo
conflitos com instituições, como a escola (e restaurativo escolar é uma estratégia de reso-
também as instituições da justiça, da saúde, lução de conflitos que deve articular-se com
da segurança e outras). o Projeto Político Pedagógico da escola, con-
tribuindo de forma sistemática na melhoria
A escola como espaço institucional da atmosfera da escola e da aprendizagem e
e a realização de círculos escolares convivência entre professores e alunos.
Antes de ser um espaço comunitário, a escola
faz parte de um sistema institucional, regido Enquanto o foco do círculo comunitário
por regras próprias. Um sistema que, por é incrementar a autonomia e o poder da
estar baseado em estruturas hierárquicas e comunidade de desenvolver-se ao reconhe-
burocráticas, como o sistema da Justiça, tem cer, de forma autônoma as causas de seus
foco em garantir a permanência e a estabi- conflitos e procurar superá-las de maneira
lidade, e onde são bastante demoradas mu- cooperativa – inclusive com envolvimento
danças em formas de pensar que impactem das escolas, o círculo escolar tem como foco
mudanças organizacionais. o empoderamento da escola, seu aperfeiçoa-
mento institucional e o apoio a membros para
A diferença entre um círculo comunitário que possam resolver seus conflitos e apren-
realizado na escola, e um círculo escolar, é der com eles, em interação com as famílias
que, no segundo caso, a efetivação da prática comunidade.

Marcos Teóricos 71

jr_sao-caetano_090204.indd 71 04/02/2009 14:26:03


Inserindo a dimensão restaurativa A escola é convidada, como a comunidade,“a
81 Para considerar as na “instituição escola”81 refletir e a debruçar-se sobre si, ela também
dimensões práticas dessa
inserção, veja p.82.
Antes de mais nada, é preciso convidar as num processo de autocrítica, tal como se
lideranças escolares, os educadores, outros espera daqueles envolvidos em situação de
trabalhadores da educação, estudantes e seus conflito”, percebendo que o problema central
82 Braithwaite, John familiares a realizarem os deslocamentos de qualquer conflito pertence à escola como
& Strang, Heather.
Introduction: restorative
conceituais que propomos à p. 63, em rela- um todo, e não apenas aos indivíduos nele
justice and civil society. ção às noções de responsabilidade, modos implicados diretamente. Como afirmamos
In: Strang, Heather & de resolução de conflito e atores envolvidos antes, o problema, e não as pessoas, estão no
Braithwaite, John, Res-
torative justice and civil nessa resolução. Como ressaltamos antes, a centro do círculo82.
society, p. 10/11 apropriação e a desconstrução desses concei-
tos operativos (pois a partir deles operamos, Uma escola capaz ou viável – como uma
agimos ao interferir na realidade) é realizada comunidade capaz e viável - é aquela em que
por meio do debate e do compartilhar de seus membros colaboram para resolver pro-
diferentes visões. blemas, colocando-se objetivos e reunindo-se
para levar a cabo ações para realizar estes
É essencial, ainda, checar os diferentes signi- objetivos. Tais ações incluem demandas
ficados atribuídos à violência, para esclarecer coletivas da comunidade escolar aos órgãos
as diferentes dimensões da mesma, presentes centrais da Secretaria de Educação e a outras
na escola – psicológicas, físicas, institucio- organizações governamentais responsáveis
nais. Dentre essas últimas, há que se ressaltar por apoiar as escolas para que elas assegu-
espaços e tempos educativos inadequados rem o direito de todos a uma educação de
(instalações escolares descuidadas, tempo qualidade.
insuficiente de aulas, tempo insuficiente
para o recreio/intervalo...), condições orga- Abandonando a uma visão de vulnerabi-
nizacionais e administrativas inadequadas lidades sociais marcadas apenas pelas de-
(rotatividade docente, absenteísmo, baixos bilidades, fragilidades ou pela passividade,
salários obrigando docentes a cumprir turnos escolas restaurativas aprendem a identificar
de trabalho exaustivos), pedagógicas (aulas potencialidades e a considerar recursos que
desprovidas de sentido, desmotivadoras, ma- podem ser mobilizados no nível das famí-
terial didático não disponível ou disponível e lias, comunidade e/ou dos indivíduos, sem
não utilizado) e outras. circunscrever tais recursos a uma perspec-
tiva meramente econômica, para que novas
A comunidade escolar, em uma escola que formas de se lidar com os riscos e obstáculos
83 Abramovay, Miriam. quer se tornar restaurativa, é chamada a possam se dar de forma criativa83.
Escola e violência, p.
21/23
discutir seus valores e a apropriar-se co-
letivamente de seus problemas, relativos à
infraestrutura, organização, manejo de classe,
adoção de metodologias de ensino e de ava-
liação, comunicação e interações com as de-
mais organizações da comunidade e outros.
Problemas que estão na raiz da maioria dos
conflitos interindividuais envolvendo alunos,
docentes e outros funcionários da escola.

72 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 72 04/02/2009 14:26:03


Bases legais e pedagógicas da implementação da
Justiça Restaurativa nas escolas

A inserção da dimensão restaurativa nas lescentes, vale dizer o “direito a ter direitos”,
escolas, com uma visão de desenvolvimento seja reconhecido e garantido (art. 3º).
institucional voltada à substituição da insegu-
rança e violência por diálogo e aprendizagem, Com efeito, na garantia de direitos para uma
funda-se numa perspectiva de direitos e do formação cidadã vêem-se os propósitos tanto
direito a ter direitos, portanto, na perspectiva da lei infanto-juvenil como educacional. Na
de cidadania de crianças e adolescentes, como primeira, busca-se assegurar às crianças e ado-
sujeitos de direitos, nos termos do art. 3º do lescentes todas as oportunidades e facilidades
Estatuto da Criança e do Adolescente. para lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições
Para tanto, há de se colocar o desafio, comum de liberdade e dignidade (art. 1º do Estatuto da
à justiça e à educação, de serem instituições Criança e do Adolescente). Na segunda, voltada
que garantam e, portanto, se relacionam com à educação (art. 1º da LDB) – e esta tanto nos
os adolescentes a partir da perspectiva de seus âmbitos familiares, da convivência humana, no
direitos, individuais e sociais, de seus deveres trabalho, movimentos sociais e organizacionais
e de suas responsabilidades. Como aponta da sociedade civil -, enfatiza-se o desenvol-
Antonio Carlos Gomes da Costa, considerar vimento do educando para seu preparo ao
o adolescente como sujeito em termos pe- exercício da cidadania e qualificação para o
dagógicos implica a superação da educação trabalho (art. 2º da mesma lei).
bancária, criticada por Paulo Freire, que o
toma apenas como receptáculo de conheci- A utilização de um modelo de Justiça Res-
mentos, para ser sujeito do processo educa- taurativa em escolas, procura ser o elo entre
tivo, como fonte de iniciativa, protagonista de os sistemas, de Justiça e de Educação através
ações, gestos e atitudes no contexto da vida de uma filosofia comum de ação, de uma
familiar, escolar ou comunitária. Mais ainda, série de ações e procedimentos integrados
fonte de compromisso, por ser responsável e do estabelecimento de redes e fluxos, que
pelas conseqüências de seus atos e, portanto, permitam a reflexão e autocrítica em toda
também fonte de liberdade. Este, a seu ver, é o situação de conflito. A ação transformadora
primeiro passo de convergência entre justiça depende, efetivamente, de uma mudança
e educação. 84 de visão e de missão, no que concernia a 84 Costa, Antonio Carlos
Gomes da. Pedagogia y
esses conflitos, por parte das instituições justicia. In: Garcia Men-
Dois princípios e direitos fundamentais pre- envolvidas. dez, Emilio & Beloff, Mary.
vistos na Convenção dos Direitos da Criança Infancia, ley y democracia
en América Latina, p.
dão os pilares ainda desta convergência que se Tal como a sanção judicial, o esforço é por 61/62
consolida com a Justiça Restaurativa. Estamos superação de uma visão disciplinar punitiva
falando do direito ao desenvolvimento (art. – ou mesmo, dizem alguns, focada em solução
6º e 27) e do direito à participação (art. 12). de disputas isoladas – para se buscar uma
Ambos são intimamente voltados à formação visão mais holística em que diversos aspectos
para a emancipação e se entrelaçam no direito do comportamento e das práticas institucio-
a que o interesse superior das crianças e ado- nais possam ser considerados.

Marcos Teóricos 73

jr_sao-caetano_090204.indd 73 04/02/2009 14:26:03


Características da escola rativa nas escolas é, portanto, a estrutura que
restaurativa pode guiar nos desenhos de programas e na
85 Amstutz, Lorraine tomada de decisões. 85
Stutzman & Mollet, Judy
H. The little book of
Uma escola restaurativa, ou seja, aquela
restorative discipline for onde os gestores a equipe docente e os de- ►►Disciplina como autodisciplina e auto-
schools, p. 3/4 mais trabalhadores da educação colocam domínio
86 Corsaro, William.The em prática os valores do respeito mútuo, da Em segundo lugar, na escola restaurativa há
sociology of childhood, interconexão e pertença, da interconexão, da uma superação da visão da disciplina como a
p. 18/44.
responsabilidade ativa (fundada na liber- obediência, pelos estudantes, a regras abstra-
87 Amstutz, Lorraine dade, não na submissão), possui algumas tas, que se transgredidas, resultam em puni-
Stutzman & Mollet, Judy características básicas: ção, mas como aprendizagem da convivência,
H. The little book of que implica conhecimento de si mesmo e
restorative discipline for
schools, p. 17 ►►Foco nas pessoas, na interação, na energia do outro, com respeito mútuo e obrigações
A preocupação central de uma escola restau- mútuas. A disciplina auto assumida implica
88 Van Ness, Daniel & rativa não são os equipamentos, as coisas, crescimento em autonomia e em capacidade
Strong, Karen H. Resto-
ring justice, p.173/181 os processos, as regras, porém mobilizar e de socializar-se, em um processo em que
conectar esses recursos, a serviço do desen- crianças e adolescentes são vistas como su-
89 Amstutz, Lorraine volvimento do potencial de todas as pessoas jeitos participantes do processo societário e,
Stutzman & Mollet, Judy
H. The little book of envolvidas, estando no centro as crianças e por conseguinte, autoras de uma reprodução
restorative discipline for adolescentes, e sua aprendizagem (de conhe- interpretativa deste processo. 86
schools, p. 20/22
cimentos, valores e atitudes).
Por isso, mais do que a imposição de regras
►►Interação com a comunidade, seus movi- pré-estabelecidas passadas pelo adulto à crian-
mentos e organizações ça ou ao adolescente, a perspectiva restaurativa
Como apontam Amstutz e Mullet, uma escola se abre à criatividade87, porque é própria dela
restaurativa é antes de tudo para e pela co- uma dimensão de transformação, de perspec-
munidade, porque os princípios restaurativos tivas, de estruturas e de pessoas. 88
dizem respeito em muito ao modo como vive-
mos e convivemos na comunidade, inclusive ►►Visão do conflito como oportunidade de
em nossas escolas. Uma abordagem restau- crescimento e mudança
Tendo por base a teoria construtivista (Vi-
gotski e Luria), a educação problematizadora,
Exemplo da Prática como prática da liberdade, da autonomia e do
diálogo (Paulo Freire, Rosa Maria Torres) e as
Estancamento da cadeia de violência e de vingança teorias da mudança educacional enquanto
mudança sistêmica, envolvendo processos
Conflito entre meninas em escola por conta de disputa amorosa formais e não formais (Peter Senge, Michael
por um menino. Agressora revela, no curso do círculo, que já havia Fullan), a abordagem restaurativa na educa-
sido agredida anteriormente pela mesma situação e que a agressão ção toma o conflito como oportunidade para
à vítima atual era um modo de, agora, sentir-se a maioral, supe- reconhecimento de necessidades e intenções.
rando a baixa-estima decorrente do primeiro conflito. A realização Assim, abrem-se possibilidades coletivas para
do círculo, com o esclarecimento das necessidades por atender e a criação de opções respeitosas de convivên-
dos meios mais adequados por se chegar a tal resultado permitirá cia e de reflexão sobre as causas internas da
uma maior compreensão das mobilizações internas de cada uma, eclosão da violência na escola, e sobre como
evitando novas situações de violência. modificá-las, em articulação com outras
organizações, da família e da comunidade89.

74 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 74 04/02/2009 14:26:04


Neste sentido, toda técnica utilizada – e há a promoção de aprendizagens significativas
uma pluralidade delas à disposição – visa a todos os estudantes, o manejo de conflitos
focar no coletivo da escola, no “nós”, mais e a prevenção da violência91. A Justiça Res-
do que em cada um dos envolvidos90. Para taurativa nas escolas não é apenas reativa aos 90 Vários Autores,
Justiça e Educação em
tanto, são utilizados meios colaborativos e conflitos destrutivos, mas, principalmente, é Heliópolis e Guarulhos,
inclusivos, sobretudo de outros integrantes da proativa, criando as condições institucionais parceria pela cidadania,
comunidade escolar, familiar e da sociedade que previnem a eclosão da violência em seus pg 37 a 48, CECIP/FDE,
2007; Mello, Barter e
como um todo, focando mais nas obrigações múltiplos aspectos92. Por isso, indicadores do Ednir, O caminho de
decorrentes do conflito do que em culpa. sucesso da abordagem restaurativa em uma S. Caetano,pg 36 a 41,
CECIP, 2005; Ruotti,Alves
escola podem ser: diminuição de atos con- e Cubas, Violência na
siderados violentos; diminuição da evasão Escola-um guia para pais
e professores, Imprensa
Mudanças Educacionais escolar; melhoria do desempenho dos alunos Oficial,2007;Hopkins,
impulsionadas pela atuação nas avaliações externas de desempenho, com Belinda. Just schools. A
whole school approach to
restaurativa na escola – dimensões aumento do IDEB da escola (Índice de Desen- restorative justice, p. 30
institucional, individual, social, volvimento da Educação Básica).
interinstitucional 91 Amstutz, Lorraine
Stutzman & Mollet, Judy
A Justiça Restaurativa nas escolas brasileiras É neste sentido que a intenção é de construir H. The little book of resto-
vem aliar-se ao esforço do governo e da so- inteligência e capacidades sociais e emocio- rative discipline for scho-
ols, p. 33 e ss.; Hopkins,
ciedade de garantir a todos e todas uma edu- nais na comunidade escolar de tal modo que Belinda. Just schools. A
cação de qualidade – prioridade assumida transformem essas escolas em ambientes whole school approach
no Compromisso Todos pela Educação, que seguros e justos93. to restorative justice,
p. 29/77. CECIP/APS
se materializa no Plano de Desenvolvimento International - Mestres
da Educação – PDE / 2007 – 2022. A parceria da Mudança: liderando
escolas com a cabeça e o
institucional entre Justiça e Educação pode Individual coração, Artmed, 2006
ser uma alavanca para mudanças que já estão Toda mudança organizacional depende de
em curso na área educacional, em diferentes mudanças na forma de pensar de cada um 92 CECIP/APS Interna-
tiona l- Conflito, modo de
dimensões. dos agentes da organização. Como diz Fullan, usar, no prelo, 2008
o propósito pessoal de contribuir para o de-
Institucional senvolvimento dos alunos e para a melhoria 93 Morrison, Brenda.
Schools and restorative
Uma dimensão primeira da ação restaurativa da sociedade é a rota para a mudança orga- justice. In: In: Johnsto-
é a institucional: há que se criar um ambien- nizacional94. A incorporação institucional da ne, Gerry & Van Ness,
Daniel. Handbook of
te restaurativo, que tome o conflito como abordagem restaurativa demanda que cada restorative justice, p. 326;
instrumento de aprendizagem porque provê membro da escola tome consciência de seus Ednir, Madza. Justiça e
Educação: Paralelismos e
a dissonância necessária para estimular a modelos mentais – seus conhecimentos, Convergências, in Revista
assimilação e as acomodações do processo crenças e valores a respeito do que significa Toth, 2005

educacional. aprender, do que significa disciplina, conflito


94 Fullan, Michael-
e violência. Na medida em que inserido num Change Forces- Probing
Isto passa, portanto, pelo ethos da escola, pela contexto institucional restaurativo, o processo the depths of educational
reform, pg 14, The Falmer
postura de professores, estrutura de classe, de formação das crianças e jovens não pode Press,1998
estrutura da escola, com sua missão, valores, significar domesticação, mas precisa favorecer
programas e políticas e, sobretudo, através de o desenvolvimento responsável, cidadão. Daí
seus meios de resolução de conflitos. O papel a importância do conflito enquanto choque
das lideranças educacionais (diretores, vice- entre diferentes concepções e visões.
diretores, coordenadores e outros gestores) é
essencial nesse processo, para que possibili- Segundo Adorno, é no processo conflitivo
tem a reflexão coletiva sobre a conexão entre da formação que, através da experiência da

Marcos Teóricos 75

jr_sao-caetano_090204.indd 75 04/02/2009 14:26:04


consciência, chamada não só à autocrítica, entre estar sendo valorizado e sentir-se
mas também à crítica, se pode tender a valorizado. É essencial a sensação subjetiva
uma efetiva emancipação de seus atores. No de valorização.
conflito se expressa a tensão entre a necessi-
dade de adaptação ao mundo (sem que isto Social
leve a um conformismo uniformizador), e a A terceira dimensão da atuação restaurativa na
necessidade dos estudantes de expressar sua escola é social. A escola é um sistema que faz
individualidade por meio de um movimento parte da comunidade, do bairro, da cidade...
de resistência à homogeneização. Esta tensão Pensar a escola de forma sistêmica, como
revela, assim, a própria busca de, a cada mo- propõe Senge, (Escolas como organizações que
mento histórico, aprender qual a liberdade aprendem, um guia da 5ª disciplina, Artmed,
e o justo possível na relação intersubjetiva 2003) é perceber que ela não é a única res-
e social. ponsável pela educação, e que só pode mudar
e se aperfeiçoar ao romper seu isolamento e
É preciso, então, apoiar cada membro da atuar em rede com as outras organizações da
95 CECIP/APS Interna- equipe escolar na transição de uma educação cidade97. A abordagem restaurativa propõe às
cional. Conflito nas Esco- repressora – ou de uma justiça punitiva – que escolas fortalecer a habilidade da colaboração
las: modo de transformar,
2008, no prelo. procura amestrar a criança e o adolescente em todos os níveis, em micro escala – dentro
segundo normas e regras educacionais da sala de aula, entre as salas de aula, com a
96 Morrison, Brenda. abstratas, para um processo formativo e comunidade do entorno - e em escala maior
Schools and restorative
justice. In: In: Johnstone,
emancipador, onde uma outra relação com (com outras escolas, com as demais organi-
Gerry & Van Ness, Daniel. o poder se coloque em questão. zações que garantem os direitos das crianças,
Handbook of restorative jovens e suas famílias, com as empresas,
justice, p. 327
Os agentes de uma educação restaurativa as Universidades, ONGs). A introdução da
97 Ednir, Madza- A devem ser capazes de criar conexões com Justiça Restaurativa nas escolas tem como
aprendizagem da coo-
peração: desenvolvendo
as crianças e jovens, conexões entre eles perspectiva o desenvolvimento de uma cidade
o potencial de escolas, e a instituição escolar e a comunidade95 . educadora98 e de sociedade mais restaurativa.
comunidades e jovens, in Procedimentos restaurativos contribuem Compreender a cidade como cidade educadora
Jovens Escolhas, em rede
com o Futuro, volume 2, fortemente no desenvolvimento do senso de é compreendê-la como uma grande rede de
pg 41, Instituto Credicard, pertença e das habilidades de convivência espaços pedagógicos formais e não formais:
2007.
e de colaboração, básicas à aprendizagem e escolas, universidades, delegacias de polícia,
98 Moll, Jacqueline - A prevenção da violência. Isso porque a pers- casas de família, meios de comunicação, postos
cidade educadora como pectiva restaurativa inclui uma dimensão de saúde, empresas... Conectar esses espaços,
possibilidade- apon-
tamentos, in Cidade emocional correlacionada às cinco dimen- restaurando interações pessoais, sociais e de
Educadora, a experiência sões da inteligência emocional descritas direitos desrespeitados, é o caminho para
de Porto Alegre, Cortez,
2004. por Goleman (reconhecer a própria emoção, construir o que Rosa Maria Torres define como
administrar emoções, motivar-se pessoal- Comunidades de Aprendizagem:“comunidade
mente, reconhecer as emoções nos outros e humana organizada que se constrói e se en-
gerir relacionamentos), fazendo com que a volve em um projeto educativo próprio, para
Justiça Restaurativa seja conceituada como educar-se a si mesma, a suas crianças, seus
uma justiça emocionalmente inteligente96. jovens e adultos, no marco de um esforço
endógeno, cooperativo e solidário, baseada
Para tanto, os agentes escolares devem sentir- em um diagnóstico não apenas de suas
se valorizados e respeitados pelas instâncias carências, mas de suas forças para superar
superiores do sistema escolar a que as escolas tais debilidades” (1999, www.fronesis.org,
pertencem. Importante notar a diferença acessado em 10/02/2007).

76 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_miolo_090209.indd 76 09/02/2009 13:22:57


Sinergia Justiça e
Educação

A escola, de fato, é o grande espaço de


detecção de situações de violência e de
negação de direitos a crianças e adoles-
centes. É nela, também, que se apresentam,
com maior evidência, as conseqüências
do processo de exclusão social a que é
reduzida boa parte da população. É dela,
Efeitos práticos da dimensão social da aborda- ademais, que se espera um grande aporte
gem restaurativa nas escolas podem ser vistos para a transformação desta realidade
nas atitudes de respeito introduzidas pelos pela garantia primeira do direito social à
sistemas anti-bullying, pelos meios inclusivos educação e, cria-se, a partir dele uma mais
de prevenção à evasão escolar, pelos meios de ampla inclusão social. No entanto, não se
resolução de conflito envolvendo a comunida- lhe dava o suporte necessário.
de, pelo viés participativo e empoderador da
facilitação de círculos ou de mediação pelos Situações de violência são comuns e cons-
próprios pares, os adolescentes. Mais que isso, tantes nas escolas e elas precisam construir
percebe-se a constituição de um continuum de respostas articuladas, junto com outras
práticas e estratégias inclusivas e colaborati- organizações e instituições, para criar um
vas, pela superação do isolamento da escola, ambiente harmonioso, de uma paz dinâmica
com sua abertura à comunidade circundante onde todos e todas possam aprender com
e a um conjunto de serviços e programas de segurança. Um ambiente capaz de estimular
atendimento, até então pouco interconectados um juízo crítico e formar crianças e adoles-
com a educação99. centes para a cidadania. 99 Morrison, Brenda.
Schools and restorative
justice. In:. In: Johnstone,
Interinstitucional Vista pela justiça juvenil, à escola tende todo Gerry & Van Ness, Daniel.
Por fim, a atuação restaurativa na escola é o processo socioeducativo. É para lá que se Handbook of restorati-
ve justice, p. 334 e ss.;
possibilitada pela parceria interinstitucional busca o retorno do adolescente em conflito Hopkins, Belinda. Just
entre justiça e educação. O Projeto retrata este com a lei. Ainda que o ato infracional não schools. A whole school
approach to restorative
esforço de reflexão sobre os pressupostos tenha sido cometido no entorno daquela justice, p. 29/77.
legais, éticos e filosóficos comuns tanto a escola, sendo o adolescente oriundo de tal
um sistema como a outro, sobre as várias escola, será no contexto dela que haverá
implicações dos processos de exclusão social de seguir sua vida e é nela que haverá de
e de emergência da violência, extremamen- encontrar o espaço de acolhimento e de
te imbricadas nos vários espaços sociais. reflexão sobre as razões e conseqüências de
Tornava-se necessária uma articulação seu ato, reavaliando sua conduta e seu modo
sistêmica que, longe de criar uma estrutura de ação no mundo. Tomar, então, a escola ao
totalizante, possa, pelo encontro, propiciar mesmo tempo como o ponto de partida e
através da mudança de paradigma na reso- de chegada deste processo de inclusão e de
lução de conflitos, a transformação do modo emancipação, simboliza ao adolescente de
de funcionamento de ambos, abrindo-os à modo mais concreto o sentido da atuação
emergência da singularidade humana e às da justiça na resolução de conflitos. >>
demandas por justiça e inclusão social.

Marcos Teóricos 77

jr_sao-caetano_090204.indd 77 04/02/2009 14:26:05


>>
À justiça cabe o dever de resolver conflitos, 2.4.3. O contexto
de garantir direitos e condições de convivên-
judicial e a resolução de
cia baseadas no respeito e na compreensão
mútua, mas também que os vários fatores conflitos
co-determinantes da situação de conflito
sejam equacionados, inclusive pela inter- Aplicar a Justiça Restaurativa nos espaços
venção articulada de todo um conjunto de do Fórum, das Delegacias de Polícia e outros
serviços públicos de proteção quando ne- traz um grande desafio de transformação do
cessários ao efetivo desenvolvimento pleno papel governamental da justiça.
e integral de crianças e adolescentes.

São duas instituições que lidam com a Mudanças na área judicial


liberdade, com o fomento da crítica e da
autocrítica, da relação com a alteridade e, Bazemore aponta que este elemento envolve
portanto, da emancipação para a cidadania. uma série de deslocamentos já sinalizados
Ambas trabalham com valores gerais de nas passagens anteriores:
convivência, com o desafio comum de lidar
com a tensão vivenciada pelos indivíduos, yy Mudança da missão dos agentes governa-
em sua singularidade, no confronto com mentais, inclusive dos juízes: por exemplo,
valores maiores aos quais ora se adéquam, com a participação de alguns de seus
ora resistem e se opõem. membros (facilitadores de justiça, no caso
técnicas do Poder Judiciário) em círculos
Se justiça e educação recomeçam a se pensar restaurativos e da passagem dos juízes, de
a partir de uma dimensão de direitos, mas experts no que seja o certo, o justo e o bom
também de intervenção pedagógica nos para determinada situação de conflito, a
primórdios do Estatuto da Criança e do Ado- agentes provedores de condições para que
100 Costa, Antonio Car- lescente100, os novos modelos de resolução de os afetados e a comunidade encontrem a
los Gomes da. Pedagogia
y justicia. In: Garcia Men-
conflitos, restaurativos, passam, em todo o solução mais adequada à situação.
dez, Emilio & Beloff, Mary. mundo,a deslocar-se das cortes para outros es- yy Mudança de foco, com atenção às pessoas:
Infancia, ley y democracia paços comunitários, dentre os quais as escolas, maior atenção a um conjunto diversi-
en América Latina, p.
visando justamente facilitar processos inclusi- ficado de atores envolvidos na situação
vos e diversórios, a evitar a criminalização de de conflito, a ‘vítima’ e comunidade, mas
condutas, estigmatização de adolescentes e a também o próprio ‘ofensor’, envolvido
interrupção do processo de desenvolvimento em um processo de solução de conflito
101 Morrison, Brenda. dessas pessoas101. O avanço alcançado nas mais promotor de condições de respostas
Schools and restorative
justice. In:. In: Johnstone,
escolas é exemplar na pluralidade de modos restaurativas.
Gerry & Van Ness, Daniel. de intervenção restaurativas para a própria yy Alteração da estratégia de ação: incor-
Handbook of restorative justiça e para a sociedade. poração de práticas restaurativas nas
justice, p. 325
ações dos operadores do Direito, de que
O escopo do Projeto, neste sentido, é é exemplo o próprio encaminhamento
criar uma escola mais justa e uma justiça ou derivação aos círculos restaurativos,
mais educativa, e estimular essas duas com a necessidade de práticas já restau-
instituições a colaborar em um grande rativas para que as pessoas aceitem o
processo de transformação social em prol encaminhamento, mas também a própria
da cidadania. aceitação dos planos de ação ou acordos
como vinculantes.

78 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 78 04/02/2009 14:26:06


Exemplos da Prática
A abertura da vítima ao autor da ofensa

Caso de roubo. Adolescente primário. Vítima protegida, não desejando revelar seus dados
no processo. Adolescente confesso. Escreve carta à vítima entre apresentação e audiência de
instrução. Estudo interdisciplinar favorável, com a oitiva da vítima, apresentação da carta e
depoimento da assistente social sobre suas impressões acerca das perspectivas do adolescen-
te. Vítima declara então que, ao chegar em casa depois de lavrar o Boletim de Ocorrência na
delegacia, a primeira coisa que fez foi rezar uma ave-maria em favor adolescente. Interessa-se
pelo histórico do menino e aceita participar indiretamente do círculo.

yy Estabelecimento de canais de comunicação Aspectos Fundamentais na


com a comunidade: de um lado, quebra-se transformação da instituição
a burocracia e de outro, promovem-se ins- judicial e seus agentes: caráter
tâncias de articulação da comunidade com diversório da justiça e caráter
o objetivo de que seja capaz de afirmar e vinculante dos acordos.
clarear os sentidos de sua ação e os valores
que marcam suas condutas. Caráter Diversório da Justiça
yy Estímulo à comunidade, quanto à apro- O caráter diversório da Justiça Restaurativa
priação coletiva da regra, do diálogo e da não implica apenas o afastamento de casos
resolução de conflitos: busca-se superar dos Tribunais para serem resolvidos no con-
a apatia e desenvolver um sentimento de texto comunitário ou escolar. Como apontam
responsabilidade para com os problemas Bazemore e McLeod, é fundamental que os
comunitários, com um maior engajamento princípios restaurativos estejam informando
cívico. a resolução dos conflitos, tanto em ambiente
yy Desenvolvimento de habilidades específi- escolar como comunitário. Caso contrário, o
cas para resolução de conflitos, para uma que poderia ocorrer seria uma expansão da
comunicação social mais eficaz.102 rede de controle. 102 Bazemore, Gordon.
Restorative justice and
yy Visão social dos conflitos: atenta-se aos juvenile justice reform.
direitos humanos de segunda (Sociais, Para tais autores, portanto, a diversão (en-
Econômicos, Culturais) e terceira geração caminhamento dos casos enviados à justiça
(ambientais, de solidariedade...) implica- a outros espaços) deve se dar sob os princí-
dos nos conflitos, responsabilizando-se pios estabelecidos por Van Ness & Strong de
por sua garantia, para que haja efetiva- reparação dos danos, de participação e de
mente um reequilíbrio de poderes entre transformação na comunidade e nos papéis
os envolvidos nos conflitos e, até mesmo, governamentais e suas relações.
o restante da sociedade.
O respeito ao princípio da legalidade
em todo encaminhamento restaurativo
A avaliação de encaminhamento de caso
para círculo restaurativo deve obedecer
alguns critérios.

Marcos Teóricos 79

jr_sao-caetano_090204.indd 79 04/02/2009 14:26:06


Antes de tudo, o respeito ao princípio da modelo diversório e participativo na solução
legalidade. Apenas se a conduta for descrita de conflitos, deve passar necessariamente por
como ato infracional e houver um mínimo dimensões de fortalecimento do capital social
de provas da participação de algum dos en- da comunidade, ou seja, de suas habilidades e
volvidos, poderá haver um encaminhamento recursos para manter uma vida comunitária
formal pelo juiz. Do contrário, havendo pro- positiva. Deve também haver suporte social
gramas comunitários, inclusive os escolares, para um enredamento e atendimento de
cabe ao Judiciário apontá-los, colocando-os necessidades e, fundamentalmente, garantia
à disposição dos envolvidos para a resolução de direitos sociais.
autônoma do conflito.
É neste sentido que, se uma premissa maior
Preenchidos estes requisitos formais, de suma restaurativa é de não subtrair o conflito
importância, entram em jogo critérios mais de sua comunidade de origem, na lição
técnicos de encaminhamento, segundo o de Christie, a atuação sistêmica da justi-
cabimento ou não da resolução restaurativa ça na promoção dessas novas formas de
no caso concreto. construção-comunitária e de resolução de
conflitos há de enfatizar na garantia de di-
Os critérios de avaliação disso são a volun- reitos sociais e coletivos, isto é, num sistema
tariedade de participação pelos envolvidos, de Estado de Bem-Estar Social e Democrá-
a inexistência de risco a quaisquer dos tico de Direito, que possa dar suporte ao
envolvidos ou, ao menos, o equacionamento informalismo e também à natureza formal
destes riscos. do processo de justiça, sem desrespeito ao
princípio da legalidade quanto à definição
103 Bazemore, Gordon Além disso, é importante, não como critério dos casos passíveis de serem apreciados pela
& McLeod, Colleen.
Restorative justice and
excludente, mas favorecedor do processo, justiça104. É o que novamente nos remete ao
the future of diversion trabalhar com a extensão de participação dos contexto inicial de surgimento do Projeto,
and informal social direta e indiretamente envolvidos na solução de uma visão reformada e democrática de
control. In: Weitekamp,
Elmar & Kerner, Hans- do conflito; a extensão da capacidade dos es- justiça, participativa e promotora de justiça
Jürgen. Restorative Justice. paços comunitários e escolares de responder social105, com respeito aos direitos e garan-
Theoretical foundations,
p. 154/155 aos conflitos, numa relação com o sistema de tias individuais.
justiça, especialmente o criminal, mais de
104 Bazemore, Gordon suporte do que diretiva103. Caráter Vinculante dos Acordos
& McLeod, Colleen.
Restorative justice and O reconhecimento desse capital social e da
the future of diversion É só na medida em que haja o fortalecimento participação na resolução de conflitos se
and informal social
control. In: Weitekamp,
do envolvimento e empoderamento da comu- expressa pelo caráter vinculante dos acordos
Elmar & Kerner, Hans- nidade e da escola na participação da solução ou planos de ação (isto é, o Juiz deve aprová-
Jürgen. Restorative Justice. de seus conflitos, com respeito a direitos, los, se respeitarem os princípios legais)
Theoretical foundations,
p.157/169 com uma mensagem de compartilhamento realizados pelos participantes dos encontros
de responsabilidades em diferentes níveis, restaurativos, quando tiver havido a neces-
105 Santos, Boaventura que se poderá falar efetivamente de diversão sidade, por iniciativa dos envolvidos ou de
de Sousa. Para uma
revolução democrática da restaurativa. terceiros, de intervenção judicial e, desta, o
justiça. encaminhamento a solução restaurativa em
Já apontamos as responsabilidades, pelas re- círculo. É o que já apontamos como decorren-
des primárias e comunidade, no que concerne te da aplicação do art. 75 da Lei nº 9.099/95,
à justiça. Num movimento suplementar, a atribuindo-se caráter vinculante aos acordos,
transformação de papéis governamentais, no com efeitos de natureza civil.

80 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 80 04/02/2009 14:26:06


A respeito dos acordos, é importante, ainda,
considerar duas dimensões.

Primeiro, e daí a importância da defesa


técnica, é a possibilidade de intervenção
judicial garantidora do direito à dignidade
e respeito, inclusive com a possibilidade
revisória de acordos, se atentarem contra
direitos humanos. Trata-se de expressão do
art. 5º, II, III, e XXXV, da Constituição Fede-
ral, que assegura a não obrigatoriedade de
ação senão em virtude de lei, a tutela contra
tratamento desumano ou degradante e o
direito à tutela judicial em caso de lesão ou
ameaça de direito. Tem-se, portanto, com isto,
a tutela de direitos e garantias individuais do
adolescente e dos demais envolvidos.

Segundo, a tutela e garantia de direitos sociais.


A partir do acordo, havendo necessidade de
atendimentos, pode-se dar a intervenção pelo
Ministério Público em prol da garantia de
direitos sociais e coletivos que se apresentem
como violados ou não atendidos, em âmbito
comunitário ou social. Assim, o acesso a toda
e qualquer política pública para satisfação de
direitos será garantida.

Marcos Teóricos 81

jr_sao-caetano_090204.indd 81 04/02/2009 14:26:06


3 Dimensões práticas I:
procedimentos e fluxos

3.1. Procedimentos
Um dos mais fascinantes desafios na
implementação de um Projeto de Justiça
Restaurativa e Comunitária é o desenho
de procedimentos que traduzam de forma
prática os princípios e a filosofia da Justiça
Restaurativa, viabilizando-a nos mais dife-
rentes espaços da cidade.

Os procedimentos que aqui apresentamos


(ilustrados por fluxos, no item 3.2), foram
sendo gradativamente aperfeiçoados, a partir
de uma versão inicial, implementada a partir
de Maio de 2005.

As páginas seguintes mostram o resultado


de um processo coletivo de construção, que
Igreja da Sagrada Família, de Gaudi (Barce- ainda não está terminado.
lona): construção iniciada em 1882 e ainda
inconclusa.
3.1.1. Resolução de
conflitos em círculos
comunitários, escolares
e judiciais
Os círculos comunitários, como vimos, ocor-
rem em espaços comunitários, sobretudo
escolas, por sua neutralidade.

82 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 82 04/02/2009 14:26:07


Estes espaços devem simbolizar a possibi- e de círculos não comunitários realizados
lidade de: em escolas;
1. reforçar os laços comunitários; b) encaminhamento das pessoas envolvidas
2. ser local de referência de resolução no conflito, em todos os casos (círculos
restaurativa de conflitos e discussão de comunitários, círculos não comunitários
problemas comunitários; realizados em escolas e círculos realizados
3. permitir a discussão dos valores regen- em ambiente judicial) feito por diferentes
tes daquela comunidade, clareando-os agentes sociais que chamamos derivadores
como referência coletiva; (Ver p. 125) e que recebem formação para
4. permitir um suporte social informal, realizar esse procedimento (derivação) de
mas também o acionamento de serviços forma adequada.
de atendimento social;
5. estreitar os laços entre a comunidade e o a) Procura espontânea
poder instituído, notadamente a polícia, Pessoas envolvidas em conflitos – membros
Conselho Tutelar, a Justiça e a Educação, da comunidade, alunos, professores, funcio-
superando a sensação de ausência de nários – podem procurar espontaneamente
leis, normas ou regras de organização os locais de realização de círculos restaurati-
(anomia). Os círculos comunitários vos comunitários e círculos restaurativos não
atendem a conflitos envolvendo pessoas comunitários realizados nas escolas. No caso
da comunidade de todas as idades, in- de círculos realizados no âmbito judicial, a
clusive jovens, matriculados ou não em procura não é espontânea, já que foi lavrado,
escolas, envolvidas em casos de violência antes, um Boletim de Ocorrência.
doméstica, conflitos de vizinhança, com
as diferentes instituições e outros. Se apenas um dos envolvidos procura pela
solução do conflito, os facilitadores de justiça/
Os círculos não comunitários realizados de práticas restaurativas, responsáveis pela
nas escolas ocorrem apenas em escolas ca- colaboração no encontro de soluções pelos
pacitadas para a implementação do Projeto próprios envolvidos no conflito, sugerem o
que o articulem com seu Projeto Político convite do terceiro, pela pessoa que procura o
Pedagógico, e atendem a conflitos envolvendo facilitador e, se necessário este colabora nesse
alunos, educadores, familiares dos alunos, contato.Ao realizar um pré-atendimento, cha-
funcionários das escolas. mado de pré-círculo, com esses envolvidos,
verificam as pessoas da comunidade de apoio
Os círculos realizados no ambiente judicial – ou as redes primárias de cada envolvido –
ocorrem no Fórum e atendem apenas a que possam participar colaborativamente
conflitos hoje classificados como crimes, no processo.
infrações penais ou atos infracionais.
b) Encaminhamento por agentes
Formas de se chegar a um espaço institucionais e comunitários (derivadores)
de resolução restaurativa de São capacitados em técnicas para derivação
conflitos (encaminhamento): os agentes comunitários
Dois caminhos levam aos espaços comunitá- de saúde, os agentes policiais ou membros
rios e institucionais de resolução restaurativa de entidades sociais, as lideranças escolares
de conflitos: (gestores), os juízes, promotores de justiça,
a) procura espontânea por envolvidos em defensores e advogados, os conselheiros
conflitos, no caso de círculos comunitários tutelares, que informam os envolvidos em

Dimensões práticas I: procedimentos e fluxos 83

jr_sao-caetano_090204.indd 83 04/02/2009 14:26:07


situação de conflito sobre a possibilidade de tese, limitação ao tipo de conflito encaminha-
resolvê-los de modo restaurativo. do a um círculo restaurativo não comunitário
em ambiente escolar.
É imprescindível que, em todos os contextos,
inclusive o escolar, o encaminhamento (deri- yy Derivação e o contexto comunitário
vação) de um conflito para um procedimento Os encaminhamentos aos círculos comuni-
de resolução restaurativa seja entendido tários, voltados a conflitos de vizinhança, de
como primeiro elo de uma cadeia de ações violência doméstica ou familiar e entre ado-
restaurativas. Daí a necessidade de que as lescentes, ou a conflitos envolvendo membros
pessoas decidam livremente, com base em da comunidade e agentes institucionais na
informações claras, por participar ou não Justiça, Saúde, Educação, dentre outros, po-
do círculo. Isso inclui falar sobre várias vias dem se dar também por agentes de diversas
de resolução de seus conflitos- a restaurativa instituições. Três são as organizações que
e a retributiva – e sobre as implicações das mantêm contato mais imediato com situa-
alternativas apresentadas – bem como so- ções de violência doméstica e de conflitos de
bre o aconselhamento jurídico ao qual têm vizinhança ou de adolescentes: Polícia Militar,
direito. O caráter voluntário da participação Guarda Civil Municipal na atuação que fazem
é pré-condição para o desencadeamento do bairro-a-bairro, e o Programa de Saúde na
processo restaurativo. Família (PSF), pelos agentes comunitários de
saúde. Escolas também identificam e podem
Pessoas por demais fragilizadas devem ser encaminhar a círculos comunitários conflitos
convidadas a procurar grupos de apoio que envolvendo situações de violência ocorridas
dêem suporte às vítimas, para que então se fora do ambiente escolar e que venham a seu
sintam em condições de participar em grupos conhecimento, se assim for de interesse dos
de resolução de conflitos. envolvidos.

yy Derivação e o contexto escolar O PSF, a Polícia Civil e Militar e a Guarda


O encaminhamento aos círculos não comu- Civil, e também as entidades de bairro e
nitários realizados nas escolas é realizado escolas, são canais de identificação de situa-
principalmente pela diretoria da escola (mas ções de conflito. Os agentes comunitários do
também pode ser realizada pelo Fórum ou Programa Saúde para a Família têm acesso
pela comunidade, quando chegam a esses privilegiado a casas e comunidades, numa
espaços casos que envolvem conflitos entre relação de proximidade e confiança para
pessoas da escola onde se realizam círculos prover-lhes atendimento médico. O dilema
restaurativos). Os casos encaminhados aos que enfrentam, no mais das vezes, é de
círculos não comunitários nas escolas são os constatar situações de violência, mas não
que dizem respeito a conflitos entre alunos, se sentirem à vontade para denunciá-las,
entre alunos e funcionários e/ou professo- pois, nesse caso, ficam impossibilitados de
res, independentemente de quem seja visto continuarem a prestação de serviços. Isso
inicialmente como agressor. A Diretoria de acontece, porque, predominando uma visão
Ensino entendeu que, se o professor é tido punitiva da justiça, qualquer encaminha-
como agressor, a resolução do caso no círculo mento os torna opositores e não mais co-
seria bastante para satisfazer uma resposta laboradores na resolução dos conflitos. Daí
administrativa, o que propiciou a apropriação a fundamental importância de articulação
dos círculos como estratégia comum a todos com um projeto restaurativo, não punitivo,
para a resolução dos conflitos. Não há, em mas responsabilizador e colaborativo.

84 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 84 04/02/2009 14:26:07


Da parte da polícia, a mudança de perspectiva de poderem recorrer às instâncias judiciárias,
de ação implica em esclarecer as pessoas se assim o preferirem. Procura-se, com isto,
sobre as várias possibilidades de resolução garantir condições de segurança mais ade-
de seus conflitos, evitando-se, com isso, não quadas quando os envolvidos perceberem
raro, a desistência de prosseguimento rumo tal necessidade.
à justiça criminal. Propiciam, com isso, con-
dições para que as pessoas resolvam efetiva- Resolução Restaurativa de
mente seus problemas e tenham seus direitos Conflitos no âmbito da justiça
plenamente garantidos, procurando serviços (Fórum)
adequados, com suporte e consistência, aos Como o processamento judicial da maioria
quais são encaminhados. destes delitos é condicionado à autorização
dos envolvidos (representação), lhes são
A articulação e mobilização comunitária, reservados três possibilidades: 1) não deseja-
contudo, não pode se desprender dos marcos rem resolver os conflitos por via comunitária
legais conquistados historicamente e que ou judicial, 2) procura direta dos facilitadores
constituem um patrimônio no respeito aos de justiça; 3) procura do sistema formal de
direitos fundamentais da dignidade, respeito justiça.
e liberdade.
A procura aos facilitadores de justiça não
As instituições do Sistema de Segurança e impede que, chegado a um acordo, solicitem
de Justiça são depositárias destes valores sua homologação judicial, se respeitados os
e procuram, por intermédio de suas ações, princípios de respeito, dignidade, voluntarie-
preservá-los, embora nem sempre sejam dade e liberdade.
eficientes. Dentre estes princípios está o da
legalidade para todo encaminhamento ins- No âmbito da justiça, a resolução restaurativa
titucional. Por isso, os encaminhamentos a dos conflitos se aplica tanto no Juizado Espe-
círculos só se darão formalmente por estas cial Criminal, como no Juizado de Violência
autoridades quando a conduta for descrita Doméstica e, sobretudo, na Justiça Juvenil,
como infração e, concomitantemente, estiver relacionada a atos infracionais praticados
o seu processamento na esfera de autonomia por adolescentes.
das pessoas.
Pontos a serem destacados no
Isto não impede, contudo, que, para outros processamento restaurativo
conflitos, se abra a possibilidade da resolução judicial
restaurativa, informando-as das possibilida- ►►Atuação das Assistentes Sociais do
des de resolução em ambiente comunitário. Fórum, Promotor, Juiz
Previne-se, com isso, incremento de situações Quando vinculado ao procedimento legal que
de violência, contribuindo para a paz social. permite a transação penal no Juizado Especial
Criminal (Lei nº 9.099/95), verificando-se em
A pretensão, portanto, de conjugar comuni- audiência a possibilidade legal (pelo respeito
dade e justiça na solução pacífica de conflitos, ao princípio da legalidade) e a conveniência
na esteira do princípio constitucional, passa de encaminhamento dos envolvidos a círculo
pela comunhão de valores e a preservação da restaurativo, serão eles esclarecidos sobre o
autonomia dos envolvidos de contarem com processo, as várias modalidades de resolução
suporte para a resolução de seus conflitos, in- do conflito, inclusive restaurativa. A infor-
clusive em âmbito comunitário, mas também mação sobre essas diversas modalidades de

Dimensões práticas I: procedimentos e fluxos 85

jr_sao-caetano_090204.indd 85 04/02/2009 14:26:08


resolução de conflito é não apenas direito (art. possibilidade de um diálogo mais eqüânime
12 da Convenção), mas condição essencial de entre os envolvidos por ocasião da resolução
reconhecimento da voluntariedade da esco- dos conflitos. Em casos de alcoolismo ou
lha e início do processo de empoderamento. drogadição, esse atendimento mostra-se
fundamental para que outras dimensões do
Havendo interesse e disposição de acolhi- conflito possam emergir. Em caso de violên-
mento mútuo para satisfação das necessi- cia doméstica, a avaliação da conveniência e
dades e resolução dos conflitos, havendo, oportunidade, considerando os desníveis de
portanto, voluntariedade informada, serão poder e referências culturais que permitam
devidamente preparados e encaminhados, efetivamente o diálogo entre os envolvidos.
após colheita de seu termo de assentimento,
a círculos restaurativos comunitários. ►►Presença de Advogado
Durante todo este processo os envolvidos te-
Havendo disposição de implicação mútua rão assistência de advogado, tanto em audiên-
e abertura para resolução dos conflitos de cia, quanto nos círculos, se o desejarem.
modo restaurativo, os envolvidos são encami-
nhados para o trabalho de pré-círculo com as ►►Sigilo
assistentes sociais que agendam a resolução Tudo o que se dá no espaço do círculo é
dos conflitos, em círculo, nas escolas ou na sigiloso e não poderá ser utilizado como
comunidade. instrumento de prova no processo judicial,
se este vier a ocorrer, por falta de acordo e
A escolha dependerá do tipo de conflito desejo dos envolvidos de que aquele tenha
ou de relações entre as pessoas envolvidas, prosseguimento.
avaliando-se desde logo, com os envolvidos,
a conveniência do convite a outras pessoas de ►►Acordos ou Planos de Ação Restaura-
suas redes primárias que possam auxiliá-los tivos
na resolução dos conflitos. Nestes círculos Quando o caso for encaminhado pelo Sistema
realizados sob encaminhamento do Fórum, de Justiça, os acordos ou planos restaurativos
pode haver presença de assistente social e de alcançados pelos participantes dos círculos
pessoas da própria escola como facilitadores serão encaminhados ao Fórum e, havendo
e muito freqüentemente do Conselho Tutelar. respeito aos direitos fundamentais de dig-
Nos casos em que as pessoas não tenham nidade, respeito e liberdade (por não serem
relações contínuas de convivência ou não admitidos acordos que prevejam privação de
sejam da mesma comunidade ou cidade, os liberdade ou que causem vexame e constran-
círculos podem ser realizados no Fórum. gimento pessoal), serão devidamente homo-
Conselheiros tutelares de cidades vizinhas já logados, aguardando-se seu cumprimento
foram chamados a participar em apoio. para extinção do processo.

►►Atuação Interdisciplinar O acordo está aberto ao encontro de soluções


Uma preocupação muito comum antes do pelas pessoas, respeitados os princípios da
encaminhamento é de verificação desde logo legalidade, moralidade, respeito e dignidade
da necessidade de garantia e atendimento de da pessoa humana. Não podem implicar
direitos sociais, como saúde e assistência so- privação de liberdade ou respostas degra-
cial. A atuação interdisciplinar na audiência, dantes a quaisquer dos envolvidos. Podem
com a presença de assistentes sociais que implicar em encaminhamento a tratamento
fazem estudo prévio ao ato, permite abrir a ou inclusão em programas sociais, quando

86 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 86 04/02/2009 14:26:08


entenderem voluntariamente necessário, têm especial cuidado no acolhimento em
o que mostra a necessidade de articulação pré-círculo quanto à nova checagem dessa
com a rede de atendimento. Podem indicar, voluntariedade, dado o peso simbólico das
ainda, a necessidade de programas de aten- autoridades do Sistema de Justiça que pode
dimento ainda não existentes ou suficientes interferir no processo de leitura por parte dos
na comunidade, o que implicará na adoção envolvidos no conflito quanto à sua consulta
de diretrizes de políticas de atendimento sobre interesse de participação. É colhida, ao
pelos Conselhos Setoriais (Saúde, Educação, final, declaração dos envolvidos quanto ao
Assistência Social, Segurança), assim como cumprimento do acordo.
pelo Conselho de Direitos da Criança e do
Adolescente. Em caso de discordância de participação da
vítima, fez-se já círculo com sua representa-
A tomada de providências pelo Ministério ção por outro conciliador, com compromissos
Público, com o ajuizamento de ação para bastante significativos e cuidadosos para
garantia de direitos individuais ou coletivos com ela.
e difusos, é outra decorrência de uma visão
holística e proativa do modo restaurativo, ►►Acompanhamento
democrático, inclusivo e participativo. O que acontece quando o acordo não é cum-
prido? Pontua-se, ainda, a possibilidade de
Os acordos em círculos realizados por enca- verificação das razões do não-cumprimento
minhamento do Fórum passam por análise do acordo, por vezes ditada pelo compro-
pelo Promotor de Justiça, pelo defensor e metimento com condições pouco realistas,
são homologados pelo Juiz. Se os atos não sendo passíveis de adequação para se pre-
eram condicionados à representação, então servar o caráter restaurativo e empoderador
concede-se remissão como forma de exclu- da resolução do conflito. Apenas em caso de
são ou extinção do processo, conforme for o descumprimento deliberado, permanece a
caso. Em caso de não cumprimento, as razões possibilidade de ser a pessoa devidamente
são verificadas e, eventualmente, abre-se a processada para responder pela conduta
possibilidade de realização de novo círculo praticada, procedendo-se o encaminhamen-
se necessário. to, via de regra, ao Juizado Especial Civil ou
Criminal, dependendo de ter sido o caso
►►Decisão resolvido em crime condicionado à repre-
Frise-se que a assunção autônoma do desejo sentação ou não.
de atendimento dá uma dimensão toda di-
versa ao Projeto em relação àqueles de cunho Como o Programa de Saúde da Família con-
terapêutico. Não se trata de algo imposto, mas tinua freqüentando as casas das pessoas, a
assumido como necessário para superação possibilidade de aferição da efetiva resolução
das dificuldades e que encontra guarida e dos problemas tem um canal de extrema
respaldo em ações da rede que permitam confiabilidade.
ressignificar papéis e promover uma melhor
dinâmica das relações familiares e sociais. ►►Revisão Judicial
Deve ficar registrado que a participação nos Eventuais violações de direitos em círculos
círculos é sempre voluntária e é precedida da restaurativos escolares ou comunitários, ou
assinatura de termo de concordância no qual mesmo os praticados no âmbito do Judici-
consta explicação sucinta do procedimento e ário, podem ser revistas judicialmente se os
de seus objetivos. Os facilitadores de justiça interessados o requererem.

Dimensões práticas I: procedimentos e fluxos 87

jr_sao-caetano_090204.indd 87 04/02/2009 14:26:08


3.2. Fluxos barreiras serão sempre representadas num
direcionamento lateral, indicando que elas
levam a um desvio do caminho previsto. A
O passo a passo base do caminho – como estamos falando
de procedimentos de um processo restaurativo – é a resolução
participativa e inclusiva do conflito.
restaurativos na
comunidade, na escola, Uma delas é o desejo de não participação no
na Vara de Infância e da círculo restaurativo e os caminhos alternati-
vos que terá cada envolvido. Outra, é a de falta
Juventude, Delegacias e
de implementação de políticas e programas,
em ambiente forense embora previstos em lei, e que são necessá-
rios para o reequilíbrio de poderes inerente à
Ilustraremos, a seguir, os procedimentos resolução de conflitos. Estamos, então, diante
descritos no item anterior, através de fluxos de um curto-circuito desta trajetória, simbo-
restaurativos. lizado por um raio a indicar um problema e
que demandará normalmente mais de um
Um fluxo é uma seqüência de passos e de tipo de intervenção.
intervenções de diversos atores, a começar
pelos próprios envolvidos no conflito e di- Seguiremos um caminho alternativo, sem
versas instituições, sempre fundada na lei, nunca perder de foco que não podemos
para se chegar a um objetivo final, que é a consentir com a limitação de recursos. Se
efetivação de um direito e, com ele, a satisfa- a lei existe, devemos trabalhar para que ela
ção de necessidades. seja efetivada.

Este fluxo pauta-se por alguns fatos – como Então, no fluxo, indicamos os caminhos de
um conflito – e ações que serão tomadas para cobrança destas ações, mostrando a quem
a garantia de direitos das pessoas envolvidas devemos recorrer e que ações esses atores
nesse conflito. Fatos e ações são simboliza- deverão tomar para que esses serviços
dos de modo distinto para que possamos sejam implementados. Algumas dessas
nos localizar nesta trajetória, assim como derivações, como o procedimento específico
desdobramentos mais detalhados das pro- de julgamento de atos infracionais ou do de
vidências que se devem tomar em garantia defesa de direitos sociais, por exemplo, serão
desses direitos. Elaboramos um índice que representados pelo símbolo de um fluxo com-
servirá de guia. plementar a este. Este sinal de fluxo aparecerá
também em algumas situações nas quais, de
Um fluxo, ademais, não é um caminho um contexto, como o judicial, se passa a outro,
único. Uma mesma situação, por exemplo, o como o atendimento restaurativo escolar ou
conflito, pode implicar em desdobramentos comunitário.
relacionados a escolhas que devem ser feitas
ou a situações em que ele surge e que são
simbolizadas por uma pergunta.

Este caminho, no entanto, encontra por vezes


barreiras. Se o fluxo tem uma estrutura linear
de leitura, do topo da página à sua base, essas

88 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 88 04/02/2009 14:26:09


Índice dos símbolos utilizados nos Fluxos:

Título do fluxo que será detalhado

Dimensões práticas I: procedimentos e fluxos 89

jr_sao-caetano_090204.indd 89 04/02/2009 14:26:10


3.2.1. Os Fluxos restaurativos conforme
os contextos de ocorrência dos conflitos
e a busca de soluções
O fluxo restaurativo nas escolas

90 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 90 04/02/2009 14:26:14


Dimensões práticas I: procedimentos e fluxos 91

jr_sao-caetano_090204.indd 91 04/02/2009 14:26:18


O fluxo restaurativo na comunidade

92 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 92 04/02/2009 14:26:22


Dimensões práticas I: procedimentos e fluxos 93

jr_sao-caetano_090204.indd 93 04/02/2009 14:26:26


O fluxo restaurativo na Delegacia ou na Vara da Infância e da Juventude

94 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_miolo_090209.indd 94 09/02/2009 13:23:02


Dimensões práticas I: procedimentos e fluxos 95

jr_sao-caetano_090204.indd 95 04/02/2009 14:26:34


O fluxo restaurativo por técnicos do Fórum (círculo realizado em ambiente forense)

96 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 96 04/02/2009 14:26:38


Dimensões práticas I: procedimentos e fluxos 97

jr_sao-caetano_090204.indd 97 04/02/2009 14:26:42


3.2.2. Um Projeto Sistema Formal de Justiça e
em movimento Justiça na Comunidade

Modificações, ajustes, No geral, o Sistema Formal de Justiça em nada


transformações se vê abalado com esse Projeto, ganhando em
eficiência e satisfação por parte dos envolvi-
dos em situação de conflito.
Necessário dizer que várias modificações
foram inseridas para maior respeito ao Com efeito, o garantismo penal, de que Ferra-
processo restaurativo durante a evolução joli é referencial na doutrina jurídico-penal107,
do Projeto, numa ampla revisão do modo não exclui estes procedimentos alternativos
como foi apresentado o Projeto nos artigos de solução de conflitos. Pelo contrário, na
106 Melo, Eduardo R.. já publicados a respeito106. Por exemplo, num medida em que faz parte do marco ideológico
Justiça e educação: parceria
para a cidadania; Melo, primeiro momento, por questões avaliati- das garantias penais e processuais a mini-
Eduardo R.. Comunidade vas, os acordos resultantes de círculos não mização do direito penal, a incorporação da
e justiça em parceria para
a promoção de respeito
comunitários realizados em escolas eram conciliação e de estratégias complementares
e civilidade nas relações encaminhados ao Fórum quando cumpri- de solução dos conflitos, inclusive comunitá-
familiares e de vizinhança:
em experimento de Justiça
dos. Isso não acontece mais, pois nos demos ria, pode ser incorporada ao Sistema, do que
Restaurativa e Comuni- conta que tal encaminhamento resultava é revelador a própria Lei nº 9.099/95, passível
tária. In: Ministério da de uma confusão entre os papéis de juiz, de de invocação na infância por força do art. 152
Justiça. Novas direções na
governança da justiça e coordenador da implementação do Projeto no do Estatuto da Criança e do Adolescente e do
da segurança, p. 59 e 643, Fórum e de responsável pela elaboração de que estatui o art. 54 das Diretrizes de Riad.
respectivamente
relatórios aos financiadores quanto à efetiva
107 Ferrajoli, Luigi. prestação de serviços pelos capacitadores, Preserva-se, como tanto já apontado, o prin-
Derecho y razón. Teoría del desempenhados pela mesma pessoa. cípio da legalidade, ou seja, de que apenas
garantismo penal. Madrid,
Editorial Trotta,1995 os atos considerados como infracionais e
Do mesmo modo, o processo cultural de que contem com indícios de autoria de um
afirmação da autonomia dos envolvidos nos dos envolvidos – ainda que num encontro
conflitos foi num crescendo, mas ainda está restaurativo possa-se deixar emergir outras
por elaborar-se, sobretudo em casos mais dimensões do conflito que redimensionem
graves, que envolvam violências e ameaças esta polaridade.
mais severas.
Mas há um ganho, porque se permite uma
O envolvimento de educadores socioeduca- maior autonomia e, portanto, a afirmação
tivos tem se dado apenas na fase de execução de responsabilidade por todos os envolvidos,
de medidas em casos que, por uma razão ou deslocando a ênfase na institucionalidade
outra, não puderam ser resolvidos de modo para focá-la na própria comunidade e rede
restaurativo, visando o equacionamento, de vínculos dos envolvidos no conflito.
sobretudo por encaminhamento a círculos
comunitários, de conflitos familiares ou
de vizinhança que afetem o processo de
inclusão social.

98 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 98 04/02/2009 14:26:42


Dimensões práticas II:
formação dos atores
4
sociais

4.1. Formação Deslocamentos conceituais – ou seja, mu-

de atores danças na forma de os agentes sociais enten-


derem a realidade – resultam em mudanças
sociais para na forma de agir, de proceder. Tais mudanças
demandam e significam aprendizagem,
aplicar a Justiça definida, nesse caso, como a aquisição de
habilidades e competências para mobilizar
Restaurativa conhecimentos, crenças e atitudes para reali-
zar, em sua realidade, ações compatíveis com
Ter clareza do fluxo de procedimentos envol- os princípios restaurativos.
vidos no atendimento restaurativo a pessoas
e comunidades envolvidas em conflitos é uma A aprendizagem da Justiça restaurativa produz
condição básica para a aplicação da Justiça transformações nos indivíduos envolvidos no
Restaurativa. conflito e outros agentes sociais (educadores,
operadores do Direito, policiais, pais de famí-
No entanto, para que esses procedimentos lia, estudantes e outros), nas instituições aos
não se tornem burocratizados, perdendo quais esses agentes estão vinculados (escolas,
sua força transformadora, é preciso que famílias, Fórum, Secretarias de Educação e de
exista uma compreensão e uma aceitação Justiça) e nas comunidades.
dos princípios em que se baseiam. Como
vimos no Capítulo 2 (Marcos teóricos, em Aprende-se na prática, de maneira informal.
2.1. Fundamentos norteadores) as pessoas As pessoas em situação de conflito aprendem
devem realizar deslocamentos conceituais pelo confronto de perspectivas e de referên-
importantes na forma de se pensar conflito, cias culturais no encontro restaurativo; os
crime, violência, disciplina, responsabilidade, agentes sociais e suas instituições aprendem
participação, comunidade, para que os prin- ao participar da implementação de um novo
cípios restaurativos possam ser praticados. paradigma de ação, articulado e comprometi-
do com o envolvimento participativo de todos
os usuários dos serviços no apontamento

Dimensões práticas II: formação dos atores sociais 99

jr_sao-caetano_090204.indd 99 04/02/2009 14:26:42


das melhores soluções para os problemas Justiça Restaurativa vem sendo realizada
por eles enfrentados; a comunidade aprende na Escola Paulista da Magistratura, com
com a reflexão e de revisão de seus valores participação de vários atores do Projeto e
bem como dos papéis governamentais na sua sob coordenação do juiz da Vara da Infância
relação com a comunidade. e da Juventude da Comarca de São Caetano
do Sul, Eduardo Rezende Melo, e do juiz das
Aprende-se também em situações especial- Varas Especiais da Infância e da Juventude
mente organizadas para tanto, em capaci- da Capital, Egberto de Almeida Penido, que
tações sistemáticas. Como vimos anterior- se tornou coordenador do Projeto implemen-
mente, uma das características da Justiça tado em Heliópolis.
Restaurativa é preparar todos e todas para a
implementação das novas práticas. Consiste em um curso de 60 horas-aula,
ministrado por um conjunto diversificado de
Assim, o Projeto vem buscando formatar mo- atores (Veja mais à p. 120). Dele participam
delos de formação/capacitação simplificados e operadores de direito (promotores de justiça e
dissemináveis para todos os atores envolvidos advogados) e outros atores (guardas, policiais,
no processo de implementação, desenvolvi- conselheiros tutelares, agentes de grupos de su-
mento e sustentação de Projetos e Programas porte e de atendimento, diretores de escola).
de Justiça Restaurativa no país. Esses modelos
foram sendo aperfeiçoados no decorrer dos As reuniões de rede de atendimento a
primeiros dois anos de implementação em crianças e adolescentes, por fundarem-se no
São Caetano do Sul – como mostramos no diálogo e no aprimoramento das interfaces
histórico apresentado no Capítulo 1. entre vários atores institucionais, represen-
tam também um espaço formal de diálogo e,
As ações de capacitação que agora retoma- com base em tal valor, formativo e de práticas
mos e sintetizamos e cujos roteiros básicos restaurativas.
descreveremos na Parte 2 deste livro, objeti-
vam uma mudança paradigmática na forma Reuniões interinstitucionais, entre Justiça e
de conotar e manejar o conflito e na forma de Conselho Tutelar, entre Justiça e programa
interagir em comunidade. Da mesma forma de atendimento socioeducativo, entre Justiça
como os fluxos de procedimento, os formatos e escola, entre escola e conselho tutelar;
que consolidamos aqui estão em movimento escola e saúde etc. também contribuem
e abertos ao contínuo aperfeiçoamento. para essa prática de construção coletiva
de espaços de interlocução e de resolução
de conflitos, com expressão nas bases de
4.1.1. Formação político- relacionamento com a população.
institucional
4.1.2 - Capacitação
A introdução da Justiça Restaurativa traz
implicações sistêmicas para a estruturação,
para a derivação/
organização e funcionamento do Sistema encaminhamento
de Justiça, seja internamente, seja em suas
relações com demais instituições governa- O segundo nível de capacitação, para os
mentais e não-governamentais, numa visão, mesmos agentes descritos no item anterior,
portanto, macrossistêmica. A formação em é como derivadores/encaminhadores, reali-

100 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 100 04/02/2009 14:26:42


zada em 4 encontros de 3 horas, ao longo da outros facilitadores de justiça, quando muito
implantação do Projeto. envolvidos com o caso.

O derivador deixa o seu lugar institucional como A proposta é capacitar esses agentes sociais
autoridade ao oferecer escolhas entre diferentes em uma diversidade de técnicas de práticas
caminhos às pessoas com as quais se defronta. restaurativas, de modo que possam adequar-
Da mesma forma, faz com que o envolvido na se a diferentes contextos e objetivos, com
situação de conflito deixe o lugar institucional destaque para:
que lhe é reservado (de réu, de vítima, de aluno,
de paciente,de doente,de familiar) para assumir yy círculos restaurativos segundo a meto-
a posição de ator fundamental no processo de dologia da Comunicação Não-Violenta
resolução deste conflito, apropriando-se de seu (Ver p. 137);
lugar no mesmo e vendo-se como responsável yy círculos restaurativos segundo a metodo-
por identificar os termos e condições em que logia Zwelethemba (Ver p. 146).
este conflito, com sua atuação, poderá ser
solucionado. É esta abertura que propiciará Recomenda-se que os círculos sejam coor-
efetivamente o encontro entre os envolvidos no denados por duas pessoas: um facilitador e
conflito, como pessoas, não mais polarizadas, um co-facilitador de práticas restaurativas.
mas dispostas à construção de um plano de Passou-se a adotar como princípio, que o co-
ação que a todas favoreça. facilitador seja preferencialmente adolescente
e aluno de escola, valorizando-se o protago-
nismo juvenil e a importância simbólica de
4.1.3 - Capacitação de que os próprios adolescentes se vejam identi-
ficados no processo de construção da justiça
facilitadores de práticas numa paridade de poder com os adultos.
restaurativas
Para operar círculos restaurativos A formação de facilitadores de práticas res-
comunitários nas escolas e outros locais taurativas é realizada por meio de:
da comunidade, círculos restaurativos
yy 2 encontros de 4 horas em formato de
institucionais na escola, e círculos
workshops vivenciais;
restaurativos institucionais no ambiente
judicial (Fórum, na Vara da Infância e
yy 4 encontros de 8 horas em formato de
da Juventude e Juizado de Violência curso;
Doméstica) yy 10 oficinas de 3 horas, sempre com pe-
riodicidade quinzenal, intercalados por
As pessoas que operam círculos restaurativos encontros dos participantes em pequenos
comunitários e círculos institucionais nas grupos com funcionamento autogerido.
escolas são escolhidas dentre voluntários 108 Em 2005 e 2006,
a capacitação, segundo
que residam no bairro. Podem ser oriundos Em 2007 e 2008, essas oficinas passaram a ser o modelo de Comunica-
de associações de pais e mestres, clubes da específicas por contextos de aplicação (comuni- ção Não-Violenta, para
terceira idade, comunidades religiosas – ou tário,escolar e judicial),quando os participantes facilitadores de práticas
restaurativas atuando
ainda, podem ser educadores das escolas, são preparados para formar grupos de estudo e em círculos escolares
alunos e alunas, com tempo e disposição para de apoio mútuo para um aperfeiçoamento con- e judiciais foi feita por
Dominic Barter; e a dos
o trabalho voluntário. As pessoas que reali- tínuo, e de forma autônoma, de sua prática108. facilitadores de práticas
zam os círculos restaurativos em ambiente Há também a utilização de filmagens feitas restaurativas atuando em
círculos comunitários foi
judicial são assistentes sociais e psicólogos, durante os círculos e de outros vídeos, como realizada, em 2006, por
podendo contar, por vezes, com auxílio de recursos na formação dos facilitadores. Vania Cury Yazbek.

Dimensões práticas II: formação dos atores sociais 101

jr_sao-caetano_090204.indd 101 04/02/2009 14:26:43


4.1.4 Capacitação de rativos comecem a fazer parte do cotidiano
lideranças educacionais nas salas de aula e demais espaços educativos
da escola e comunidade. A diminuição da
restaurativas para violência na escola e na família e da indisci-
construir uma cultura plina nas salas de aula deverá causar impacto
restaurativa nas escolas na permanência de alunos e professores na
escola, bem como em sua aprendizagem.

Os gestores e outras lideranças das escolas A formação de lideranças educacionais


devem receber o apoio necessário para que restaurativas é realizada por meio de 10
possam iniciar, implementar e instituciona- oficinas mensais, de 4 horas cada, sob
lizar a mudança educacional representada responsabilidade de especialistas em facili-
pela adoção de abordagens restaurativas no tação de mudanças educacionais do CECIP
espaço escolar. A proposta é criar coerência (Prof as Madza Ednir e Monica Mumme)
entre toda a equipe em torno dos princípios precedida por oficinas com supervisores e
do diálogo, do respeito mútuo, da responsa- Assistentes Técnicos que possam assumir
bilização e do trabalho em rede (articulação/ o processo de acompanhamento e multi-
cooperação), para que procedimentos restau- plicação. (Ver p. 163).

102 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 102 04/02/2009 14:26:44


Avaliação do processo 5
5.1 Avaliação paulatino de implementação, não se poderia

do processo de deixar de trazer à reflexão as injunções a que


foi exposto, notadamente as interconexões
aprendizagem em que ele próprio se viu inserido numa
visão mais ampla de justiça, de ação social.
Ele construiu-se e vê-se ainda em processo
A abertura do conceito e fundamentos da de construção num processo de reelaboração
Justiça Restaurativa, tanto teórica como do lugar do Sistema de Justiça, de criação de
praticamente, foi um ponto de partida do novas possibilidades de empoderamento dos
Projeto. usuários do serviço, de revisão de modelos
de implementação, de técnicas utilizadas,
Assumiu-se desde o início que esses prin- de parcerias, de ações subjacentes (inter-)
cípios deveriam dialogar com práticas, institucionais necessárias para se atingir
contextos institucionais e/ou comunitários um tal desafio. Também está em processo de
de aplicação; mais ainda, deveriam dialogar construção quanto aos casos encaminhados
com realidades culturais distintas daquelas a círculos restaurativos e dos espaços insti-
em que se deram as iniciativas retratadas tucionais em que podem se dar círculos e
pela literatura. práticas restaurativas.

Neste sentido, compreendeu-se o quanto os Estas novas tentativas deram um outro


princípios se constroem e ganham concretu- contorno aos princípios, promoveram a
de na ação, promovendo o diálogo entre uma reflexão sobre seu campo de aplicação, sua
referência universal a que pretendem alçar- validade, seus limites ou potencialidades.
se, e as dimensões concretas da existência Transformaram o marco inicial do Projeto e
com as quais têm de lidar. ganharam outro foro. Como piloto nacional
de uma ação governamental, da Secretaria de
Pela consciência dessas injunções na elabo- Reforma do Judiciário, do Ministério da Jus-
ração e construção do processo elaborativo e tiça, e do Programa das Nações Unidas para
construtivo do Projeto, expresso no seu modo o Desenvolvimento, e, agora, da Secretaria

Avaliação do processo 103

jr_sao-caetano_090204.indd 103 04/02/2009 14:26:44


de Estado da Educação, seu caráter experi- yy criação de pautas de discussão entre os
mental, aberto e plural foi e é uma constante coordenadores do Projeto;
neste processo. yy aprimoramento de técnicas para utiliza-
ção do modelo com casos de crimes mais
graves;
As transformações já yy definição de estratégias de acompanha-
ocorridas mento dos acordos;
yy definição de modos mais adequados de
A avaliação do processo de aprendizagem se apresentação do Projeto a ofensores, víti-
faz, portanto, focada no processo de cons- mas e suportes;
trução e de transformação, mais até do que yy construção de modos de atendimento das
simplesmente em resultados quantitativos. pessoas mais respeitoso e acolhedor;
Ela se processa através de: yy capacidade de expressão mais clara às
pessoas sobre o sentido do procedimento
yy definição de papéis mais claros; restaurativo, conquistando interesse na
yy construção de fluxos de encaminhamento participação;
mais ágeis; yy construção de confiança nos concilia-
yy definição de canais de comunicação mais dores e facilitadores sobre a eficácia do
fáceis entre os diversos atores; modelo;
yy identificação de modos de auto-sustentati- yy construção de sentimento de equipe entre
bilidade na manutenção e aprimoramento os vários conciliadores e facilitadores;
dos conhecimentos adquiridos; yy construção nas escolas de práticas peda-
yy remodelação do modo de realização da gógicas compatíveis com os princípios
audiência, com incorporação de novos restaurativos;
atores e modo de apresentação; yy ampliação dos casos encaminhados a
yy identificação e incorporação de novas círculos, com melhor adequação para
técnicas; situações que envolvam violências mais
yy desenvolvimento de estratégias de intro- sérias;
dução da Justiça Restaurativa em novos yy ampliação dos espaços de realização de
campos de aplicação; círculos e práticas restaurativas.
yy incorporação de novos atores governa-
mentais e não-governamentais locais
como parceiros do Projeto; Outros aspectos que
yy criação de meios de difusão locais do precisam ser avaliados
procedimento;
yy construção de um sentimento de trabalho Paralelamente, a avaliação do processo de
em rede pelos diversos atores do Sistema aprendizagem se estabelece através de:
de Garantia de Direitos, aumentando o
número de participantes nas reuniões; yy análise quanto ao aprimoramento do con-
yy criação de instrumentos de avaliação mais teúdo dos acordos ou planos de ação;
adequados para diagnóstico da situação yy análise da qualidade e competência da
de exposição à violência e da inserção da prática dos facilitadores de práticas res-
Justiça Restaurativa como instrumento taurativas em geral;
de superação ou minimização desta yy incorporação dos ensinamentos pelos con-
situação; ciliadores ou facilitadores de justiça através
de práticas simuladas de círculos;

104 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 104 04/02/2009 14:26:44


yy análise quanto à incorporação de princí-
pios restaurativos na cultura escolar;
yy índices de acordos ou planos de ação
alcançados;
yy comparação do número de processos
em andamento e número de círculos
realizados;
yy início de aplicação de avaliação com os
usuários dos serviços;
yy adequação principiológica nos casos de
crimes mais graves e atendimento das
necessidades dos envolvidos, com respeito
a seus direitos.

Disseminação à vista 5.2. Reflexão


Há, ainda, projetos de disseminação da expe- sobre uma
riência e de sua ampliação:
proposta para
yy disseminação para outros bairros da cida-
de do Projeto de cunho comunitário; disseminação
yy aplicação sistematizada de práticas res-
taurativas com crianças (menores de 12 Da reflexão sobre as experiências realizadas,
anos) envolvidas em situação de violência: emergem duas necessidades que deveriam
as cirandas restaurativas, já testadas em ser incorporadas às propostas de dissemi-
modelo piloto; nação:
yy sistematização do modo de aplicação yy supervisão contínua / aprendizagem con-
de círculos restaurativos na execução tinuada dos agentes que se iniciam na im-
de medidas socioeducativas em meio plementação de práticas restaurativas;
aberto, especialmente no caso de conflitos yy institucionalização do atendimento sem
que ocorrem durante a execução, seja na perda de seu caráter comunitário.
escola, na família, na comunidade ou na
própria entidade de atendimento; A Justiça Restaurativa, por envolver expe-
yy sistematização do impacto da imple- riências emocionais das pessoas e riscos de
mentação de práticas restaurativas revitimização, demanda um cuidado maior.
sobre a atmosfera escolar, tornando-a Sua implementação indiscriminada poria em
mais inclusiva, com impacto nos índi- risco não apenas a difusão de um modelo que
ces de desempenho e permanência dos vem sendo apontado como extremamente
alunos; promissor no mundo, mas sobretudo as pes-
yy contribuição para a expansão para outras soas envolvidas, expondo-as à revitimização
cidades da região, considerando a articu- secundária.
lação regional que vem sendo feita pelos
juízes da infância do Grande ABC, que se
reúnem mensalmente para discussões de
problemas comuns.

Avaliação do processo 105

jr_sao-caetano_090204.indd 105 04/02/2009 14:26:45


No entanto, há pontos que merecem maior
cuidado ou aprimoramento na realização de
círculos nas escolas:
yy conflitos em que se envolvam adolescentes
não matriculados na rede de ensino ou
de outras cidades não comportariam a
resolução de conflitos nas escolas, mas
que poderiam se articular com os espaços
comunitários de resolução de conflitos,
criando-se sinergia maior entre eles;
yy a dedicação de professores à operação de
círculos restaurativos, sem prejuízo da
aprendizagem dos alunos, depende do
apoio institucional (a certificação que será
concedida aos participantes pela SEE.SP é
um exemplo de apoio);
yy mudança do quadro de professores e lide-
ranças educacionais com muita freqüên-
cia, perdendo-se os recursos humanos
A parceria com a educação mostrou-se fun- capacitados;
damental, porque: yy limite da capacidade de atendimento pelo
yy contribui para a superação de tensões voluntariado, mas reconhecimento da im-
interinstitucionais; portância e envolvimento dos voluntários,
yy contribui para a criação de uma sintonia que não burocratizam sua atuação;
de abordagem e de ação; yy resistência na aceitação de adolescen-
yy facilita a compreensão, pela comunidade tes como facilitadores de justiça ou
escolar, das raízes de seus problemas, de envolvimento da comunidade na
estimulando-as a ações coletivas supera- resolução de conflitos que se dão no
doras e preventivas da indisciplina e/ou espaço escolar;
das violências escolares; yy urgência na resolução dos conflitos,
yy propicia meios de resolução de conflitos prescindindo algumas vezes da técnica
a crianças e adolescentes que não têm adequada, ou a demandar um aprimora-
acesso a outros modos de atenção de suas mento da técnica;
necessidades, sobretudo de seus litígios; yy o envolvimento da equipe escolar em uma
yy garante um cunho institucional ao Pro- proposta pedagógica restaurativa exige
jeto, na medida em que a execução dos tempo designado, dentro das HTPCs (Ho-
círculos pode se dar por profissionais da ras de Trabalho Pedagógico Coletivo) para
instituição, assim como por sua comuni- reflexão, conduzida por diretor, professor
dade escolar; coordenador e/ou professor facilitador
yy possibilita às escolas: refletir sobre a forma de justiça, sobre princípios e valores
como lidam com o conflito e aperfeiçoá-la, comuns e sobre formas de organização e
tornando-se mais seguras e mais aptas funcionamento da escola que previnem
a produzir aprendizagem; e perceber-se a violência.
como parte de uma comunidade educati-
va, articulando-se com outras instituições
e organizações.

106 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 106 04/02/2009 14:26:45


Vê-se, assim, a necessidade de: yy compreensão, pela comunidade, das raízes
yy discussão do Projeto Justiça e Restaurativa de seus problemas, estimulando-as a ações
pelos órgãos técnicos da SEE-SP, na pers- superadoras, preventivas e coletivas;
pectiva de sua vinculação ao objetivo de yy criação de condições de um maior aco-
promover mais aprendizagem e inclusão lhimento de pessoas envolvidas em
nas escolas; conflitos, tornando a comunidade mais
yy criação de possibilidade de estímulo e reintegradora;
reconhecimento funcional aos professo- yy maior proximidade entre instituições e
res, como reconhecimento das atividades comunidade através de ações conjuntas, e
exercidas; não apenas de prestação de contas, como
yy escolha fundada em habilidades, não na costuma ocorrer.
criação de cargo para ser provido buro-
craticamente; A disseminação do Projeto em âmbito comu-
yy existência de espaço apropriado nas esco- nitário deveria se estruturar em:
las para a realização dos círculos; yy estímulos e reconhecimento aos facilita-
yy fixação dos professores nas escolas, recain- dores de justiça comunitários;
do a escolha de professores-facilitadores yy supervisão técnica do atendimento e su-
de justiça sobretudo em pessoa residente porte aos facilitadores por estarem lidando
na comunidade de modo a garantir que a com situações de violência;
capacitação não recaia sobre pessoa que yy articulação entre as Varas da Infância e
pode ser transferida, perdendo os laços da Juventude e os Juizados de Violência
com a comunidade e os custos com a Doméstica e Familiar e os Juizados Espe-
capacitação; ciais Criminais;
yy estímulos oficiais a adolescentes que yy maior envolvimento da polícia – mais no
participem na escola como facilitadores atendimento do que na repressão – tal
de justiça, com reconhecimento de suas como se dá na Nova Zelândia. Lá, a polí-
atividades; cia juvenil faz trabalhos preventivos e de
yy manejo eficaz do tempo de trabalho atendimento, deixando de ter apenas o
coletivo (HTPCs), para que docentes e li- papel de imposição da ordem, incluindo
deranças educacionais reflitam e busquem o da resolução de conflitos;
formas de superar as causas internas da yy implementação de modelos de atendi-
violência nas escolas, como a comunicação mento a crianças e adolescentes de alta
contaminada ou inexistente, o absenteís- complexidade por modelos restaurativos
mo docente, os entraves no diálogo com e interinstitucionais.
as famílias, a dificuldade em organizar
situações de aprendizagem significativas,
estabelecendo-se conexão entre os alunos,
os professores e a escola.

A existência de projeto de cunho comunitário,


concomitante ao desenvolvido nas escolas é
essencial para:
yy atendimento dos casos da comunidade
que extrapolem os de âmbito escolar;
yy mobilização da comunidade de modo mais
amplo na resolução de seus conflitos;

Avaliação do processo 107

jr_sao-caetano_090204.indd 107 04/02/2009 14:26:46


Em suma...

Há alguns fatores a se considerar: As potencialidades identificadas pela imple-


mentação do Projeto consistem em:
yy a proximidade das pessoas nas escolas e a
percepção da escola como não punitiva (no yy integração e articulação interinstitucional
sentido criminal) facilita a procura de círcu- fundada em missão, valores e objetivos;
los comunitários realizados em escolas; yy mobilização e envolvimento comunitário;
yy o menor número de casos realizados no yy empoderamento dos envolvidos em situação
Fórum decorre da prevalência de encami- de conflito, da comunidade em geral e da
nhamentos a espaços comunitários; comunidade escolar, propiciando condições
yy os elevados índices restaurativos de países de aprendizagem autônoma na resolução de
como a Nova Zelândia decorrem de ser o conflitos;
sistema restaurativo a regra, sendo excepcio- yy alta porcentagem de acordos;
nal o julgamento pelos tribunais. Isto leva os yy alta porcentagem de acordos cumpridos;
adolescentes a uma outra postura perante as yy maior satisfação dos envolvidos;
Cortes, com uma propensão à resolução dos yy reincidência quase nula.
conflitos maior do que no Brasil;
yy a existência de temor por parte das vítimas
demanda um aperfeiçoamento contínuo Em conclusão, apontamos a necessidade de ser
do procedimento para se tentar garantir o Projeto-piloto objeto de compartilhamento
sensação de segurança e abertura para a re- mais amplo de seus pressupostos e estraté-
solução de conflitos mais graves. A utilização gias de ação. Isso pode realizado em debates
de espaços informatizados, que permitam a públicos, para serem extraídos os elementos
presença simultânea de vítimas e adolescen- passíveis de utilização na construção de uma
tes em salas apartadas, mas com interação, política pública nacional de implementação
facilitará muito o processo; da Justiça Restaurativa, num esforço conjunto
yy o desconhecimento da Justiça Restaurativa entre os diversos níveis da federação, poderes
ainda é um entrave, inclusive cultural para envolvidos e agentes políticos responsáveis
o envolvimento das vítimas e de todos os pelas áreas da justiça, segurança, educação,
envolvidos na resolução de conflitos; desenvolvimento social e saúde.
yy a supervisão deve ser contínua;
yy é preciso maior parceria com universidades e
centros de pesquisa, sobretudo para proceder
a uma avaliação de cunho mais qualitativo
sobre o processo, sobretudo da percepção
dos envolvidos quanto à satisfação de suas
necessidades e garantia de seus direitos.

108 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 108 04/02/2009 14:26:46


Desafios
de sustentabilidade e
6
perspectivas futuras

A sustentabilidade do Projeto envolve a defi- Em sentido mais amplo, comunitário, con-


nição dos seguintes pontos: sideramos as áreas onde são instalados os
Centros de Referência de Assistência Social
yy quantidade de facilitadores / população (CRAS) bem como o Programa de Saúde na
/ área; Família (PSF), que conta com uma equipe de
yy relação entre a existência de círculos agentes comunitários de saúde por 15.000
restaurativos e comunitários em deter- habitantes.
minado bairro e perfil populacional /
características do bairro; São referências que precisam ser melhor
yy permanência dos facilitadores capacitados avaliadas e testadas, mas que têm gerado,
nas instituições e/ou comunidades em que em termos de busca de sustentabilidade,
se encontravam; três ações:
yy suporte institucional aos facilitadores;
yy suporte institucional às lideranças educa- 1. Vinculação do Projeto à gestão da
cionais das escolas restaurativas (onde se educação, encontrando-se atualmente
realizam círculos escolares e não apenas financiado pela Secretaria de Estado da
comunitários), por meio de supervisores Educação, e com propostas em discus-
e técnicos das Diretorias de Ensino ca- são quanto ao reconhecimento formal
pacitados a fazer o vínculo entre Justiça das atividades dos facilitadores de jus-
Restaurativa e Educação; tiça em ambiente escolar. A manutenção
yy reconhecimento e valorização do trabalho; dos professores capacitados nas escolas
yy articulação contínua da rede; é um desafio geral da educação que
yy avaliação sistemática do Projeto. transcende o Projeto e pode contribuir
para o aperfeiçoamento institucional do
Com relação ao primeiro ponto, tem-se toma- sistema educativo;
do como referência as escolas, como espaços
de concentração de crianças e adolescentes e 2. Discussões com a Secretaria de Estado do
portanto foco de conflito como oportunidade Desenvolvimento Social, buscando fazer
de aprendizagem. estudos sobre a vinculação dos Projetos

Desafios de sustentabilidade e perspectivas futuras 109

jr_sao-caetano_090204.indd 109 04/02/2009 14:26:46


de Justiça Restaurativa comunitária à Paulista da Magistratura, sob coordenação
política estadual e municipal de assis- do juiz coordenador deste Projeto, Eduardo
tência social, considerando que a Política Rezende Melo, e do seu colega Egberto de
Nacional indica ser da área da assistência Almeida Penido, coordenador do Projeto na
tanto o atendimento do adolescente em capital, garante formação teórica de quadros
conflito com a lei, como as ações voltadas de modo permanente, faltando, contudo, um
à promoção da família, inclusive sob o viés curso regular de formação de capacitadores
da violência doméstica; e de facilitadores de justiça.

3. Vinculação do Projeto à Secretaria de A existência de outros Projetos de Justiça


Estado da Justiça, que mantém centros Restaurativa, em cidades vizinhas, como no
integrados da cidadania, com realização bairro de Heliópolis, na capital; em Guaru-
de mediação; ou políticas municipais que lhos; e, também, a perspectiva de criação
estruturam centros da comunidade. em outras cidades de grande relevo estadual,
como Campinas, por exemplo, favorece o
estabelecimento de uma cultura de resolução
de conflitos na forma restaurativa por parte
A Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul da população, condição fundamental para a
tem dado suporte aos facilitadores de justiça sustentabilidade.
comunitários, com lanches em todos os dias
de plantão e fez ampla divulgação do Projeto A Prefeitura Municipal de São Caetano do
junto a todos os secretários municipais. Sul confeccionou folders de divulgação do
Projeto, que em muito contribuem para
A Justiça Restaurativa em São Caetano do Sul torná-lo conhecido.
tornou-se parte da política de atendimento
a adolescente em conflito com a lei com re- Entende-se que a sustentabilidade do Projeto
solução do Conselho Municipal de Direitos demanda algumas perspectivas de futuro:
da Criança e do Adolescente e será objeto
de discussão por ocasião da elaboração do Primeiro, que sua sustentabilidade depen-
Plano Municipal Socioeducativo, dentro da derá de ser assumido na agenda político-
perspectiva do Sistema Nacional Socioeduca- institucional das esferas municipal, estadual
tivo – SINASE.A vinculação formal do Projeto e federal, em toda sua complexidade.
a essas políticas lhe dá consistência e garante
permanência, sobretudo por sua vinculação Entende-se, por isso, ser fundamental o
à articulação de rede. envolvimento das várias esferas de governo
e das várias instituições participantes na
De igual modo, o atendimento de casos de criação de uma estrutura permanente de su-
violência doméstica permite inserir o Projeto porte ao Projeto para que se torne programa
de Justiça Restaurativa dentro do Plano Mu- e, então, política.
nicipal de Promoção, Proteção de Defesa do
Direito à Convivência Familiar e Comunitária Segundo, que esta estruturação em torno do
de Crianças e Adolescentes, em elaboração, na que já foi realizado e está por se realizar em
esteira do Plano Nacional. São Caetano do Sul e em outras cidades onde
hoje há projetos de Justiça Restaurativa possa
A existência de curso de formação em ex- ganhar dimensões nacionais.
tensão em Justiça Restaurativa na Escola

110 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 110 04/02/2009 14:26:46


A amplitude desta proposta ganha consis- voltada à disseminação e manutenção de
tência quando se tem presente que dois dos Projetos, nos seguintes termos:
coordenadores de Projetos de Justiça Restau-
rativa no país, em São Caetano do Sul e Porto yy Governo Federal – Secretaria de Refor-
Alegre, são membros da ABMP – Associação ma do Judiciário, Secretaria Especial
Brasileira de Magistrados e Promotores de dos Direitos Humanos (em parceria
Justiça e Defensores Públicos da Infância e com o PNUD): articulação entre os
da Juventude, o primeiro seu atual presiden- vários Projetos nacionais para criação
te, o segundo, seu ex-presidente. Em vários de uma base mínima comum que per-
eventos o tema é levado à discussão. mita a construção dos parâmetros de um
modelo nacional de Justiça Restaurativa;
Simpósios e encontros sobre Justiça Restau- articulação entre os vários capacitadores
rativa têm se expandido e neles o Projeto tem e as várias técnicas para identificação das
sido divulgado. potencialidades de cada uma para seus
distintos conflitos e campos de aplicação;
Um ponto que sempre merece ser considera- financiamento de cursos de formação de
do é o de ser a Justiça Restaurativa de menor capacitadores de facilitadores de justiça; e
custo que o modelo vigente, porque: subsídio aos governos locais na ajuda de
custo a ser prestada aos facilitadores de
yy resolve os conflitos na própria comuni- justiça comunitários.
dade, prescindindo da alta complexidade
e custos do Sistema de Justiça; yy Governo Federal – Ministério da Edu-
yy tem um efeito resolutivo maior porque cação: subsídio e co-financiamento de
empodera e chama à participação; facilitação de mudanças educacionais e
yy propicia uma maior reintegração social de incorporação da Justiça Restaurativa em
pessoas envolvidas em conflito; escolas.
yy evita encarceramento, de elevadíssimo
custo; yy Governo Estadual – Secretaria de Estado
yy propicia ambientes de melhor convivência da Educação: 1) financiamento de facili-
nas escolas, garantindo maior fluidez no tação de mudanças educacionais e envol-
aprendizado e evitando a formação de vimento da CENP, COGESP, CEI, FDE, na
gangues. discussão de procedimentos articulados
para a incorporação dos princípios da
Pode-se pensar, em termos amplos, que a Justiça Restaurativa ao Projeto Político
manutenção do Projeto depende da assunção Pedagógico das escolas, possibilitando a
de responsabilidade por diferentes esferas reflexão coletiva sobre as características
governamentais e instituições. do ambiente escolar e da comunidade
que favorecem a indisciplina / a eclosão
Assim, a proposta que se faz é de articulação de conflitos destrutivos e a atuação no
por parte da Secretaria Especial dos Direitos sentido de modificá-las; 2) incentivo à
Humanos, da Secretaria de Reforma do Judi- participação das lideranças do Sistema
ciário, do Programa das Nações Unidas para o Educacional (dirigentes das Diretorias de
Desenvolvimento, com a ABMP - Associação Ensino, e dos órgãos centrais da SEE-SP)
Brasileira de Magistrados e Promotores de e outros educadores no Curso da Escola
Justiça e Defensores Públicos da Infância e Paulista de Magistratura sobre Justiça
da Juventude para promoção de discussão Restaurativa. 3) subsídio aos professores e

Desafios de sustentabilidade e perspectivas futuras 111

jr_sao-caetano_090204.indd 111 04/02/2009 14:26:47


funcionários das escolas que atuam como Comissariado de Direitos Humanos das
facilitadores de justiça (dias de compen- Nações Unidas (observação 63).
sação; certificação de suas atividades
como voluntários, dentro do que propõe o yy Tribunais de Justiça, Procuradorias Ge-
Plano de Desenvolvimento da Educação; rais de Justiça e Defensoria Pública: 1)
ou benefícios congêneres); 4) autorização divulgação dos Projetos de Justiça Restau-
de participação dos facilitadores de justiça rativa, fomentando participação de juízes,
comunitários no Projeto Escola da Família, promotores de justiça, defensores públicos
garantindo-se atendimento restaurativo e técnicos em cursos preparatórios; 2)
nos finais de semana; 5) Avaliação do inclusão da Justiça Restaurativa como ma-
impacto da implementação da Justiça téria de concursos de ingresso na carreira;
Restaurativa no aumento do IDEB (Índice 3) fomento aos técnicos para participação
de Desenvolvimento da Educação Básica) em círculos restaurativos, avaliando a
e na diminuição dos casos de violência e concessão de benefícios administrativos;
indisciplina das escolas envolvidas. 4) reconhecimento formal da atuação de
facilitadores de justiça voluntários.
yy Governo Estadual – Secretaria de Desen-
volvimento Social e Secretaria de Justi- yy Governo local: 1) fornecimento de aju-
ça: 1) subsídio aos governos locais na ajuda da de custo aos facilitadores de justiça
de custo a ser prestada aos facilitadores de comunitários; 2) elaboração de folders
justiça comunitários, articulando-os com para distribuição na comunidade para
os Centros de Referência da Assistência divulgação do Projeto; 3) divulgação do
Social, e com os centros de cidadania ou da Projeto junto a todos os atores da rede
comunidade; 2) autorização de utilização de atendimento e à população em geral;
dos espaços dos centros de cidadania ou 4) articulação da guarda municipal com
da comunidade para realização de círculos os Projetos de Justiça Restaurativa; 5)
restaurativos; 3) criação de coordenação capacitação de guardas e outros agen-
das ações em espaços comunitários, tes públicos, sobretudo da saúde, para
articulando-as com políticas setoriais; 4) encaminhamento de pessoas a círculos
garantia de supervisão contínua aos faci- restaurativos; 6) aprimoramento do
litadores comunitários. atendimento restaurativo – mais que
repressivo – dos guardas municipais; 7)
yy Governo Estadual – Secretaria de Se- atendimento especializado a adolescentes
gurança Pública: 1) maior articulação pela guarda municipal, nos moldes do
da polícia militar e civil com os Projetos que ocorre na Nova Zelândia e Irlanda,
de Justiça Restaurativa; 2) capacitação de dentre outros países e das recomendações
policiais militares e civis para encaminha- aludidas do Comitê de Direitos da Criança;
mento de pessoas a círculos restaurativos; 8) suporte psicológico aos facilitadores de
3) aprimoramento do atendimento restau- justiça escolares e comunitários para lidar
rativo – mais que repressivo – dos agentes com situações de violência; 9) articulação
policiais; 4) atendimento especializado a de programas de atendimento à família e
adolescentes, tanto na polícia civil como à mulher com os Projetos de Justiça Res-
militar, nos moldes do que ocorre na Nova taurativa; 10) articulação dos programas
Zelândia e Irlanda, dentre outros países, de saúde mental, especialmente voltados
e do que foi recomendado ao Brasil pelo a tratamento de drogadição e alcoolismo,
Comitê de Direitos da Criança do Alto com os Projetos de Justiça Restaurativa.

112 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 112 04/02/2009 14:26:47


yy Conselho Municipal de Direitos da Promoção, Proteção e Defesa do Direito
Criança e do Adolescente e de As- à Convivência Familiar e Comunitária
sistência Social: 1) monitoramento de Crianças e Adolescentes.
das ações; 2) avaliação da política
implementada; 3) estabelecimento das yy Universidades: 1) avaliação dos Projetos;
diretrizes da política de atendimento 2) capacitação; 3) formação de seus alunos
municipal a adolescente em conflito em Justiça Restaurativa.
com a lei, através de resoluções, vincu-
lando todos os atores, contemplando o yy Meios de Comunicação: divulgação
atendimento restaurativo; 4) inclusão da das atividades dos Projetos-piloto;
Justiça Restaurativa no Plano Municipal formação de jornalistas para adoção de
Socioeducativo; 5) inclusão da Justiça uma linguagem restaurativa na comuni-
Restaurativa, sobretudo voltada a vio- cação de notícias sobre criminalidade e
lência doméstica, no Plano Municipal de violência.

Concluímos a Primeira Parte deste livro, com um


convite a nossos leitores a voltar às duas questões
colocadas no Capítulo II:

►►Queremos continuar usando a metáfora da guerra, da defesa da sociedade


sem a efetiva à participação da sociedade e do reconhecimento da diversidade
inerente a essa sociedade?

►►Como encontrar outros caminhos mais profícuos para podermos também alcan-
çar os objetivos fundamentais deste país, de erradicar pobreza, marginalização
e reduzir desigualdades pela promoção do bem de todos, sem discriminação
e, portanto, sem violência?

Esperamos que esta e outras publicações possam contribuir para a continuidade


da construção de respostas únicas e originais a esses desafios, nos mais diferentes
municípios brasileiros, rumo à construção de uma sociedade restaurativa em
nosso país.

Desafios de sustentabilidade e perspectivas futuras 113

jr_sao-caetano_090204.indd 113 04/02/2009 14:26:47


114 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 114 04/02/2009 14:26:47


Segunda Parte
Estratégias de formação:
a capacitação dos atores sociais

Estratégias de formação: a capacitação dos atores sociais 115

jr_sao-caetano_090204.indd 115 04/02/2009 14:26:47


Introdução
O objetivo do desenho de formatos dissemináveis de capacitação de atores sociais em Justiça
Restaurativa é contribuir para a criação de uma tecnologia social que possa ser adaptada e
recriada em larga escala, baseada na colaboração entre setores relacionados pelo interesse
em promover justiça, educação e convivência não-violenta. O foco do processo formativo
desses atores é possibilitar uma atuação interinstitucional e intersetorial (justiça, educação,
segurança, assistência social, saúde), capaz de ampliar o acesso à justiça pela via restaurativa
e empoderar comunidades (em particular aquelas que vivenciam situações de violência). Ao
mesmo tempo, os atores aprendem desenvolver e operar práticas restaurativas rumo a uma
cultura de diálogo e de resolução pacífica de conflitos.

Como vimos na Primeira Parte, no decorrer de seus primeiros anos de implementação, o


Projeto foi se modificando e aperfeiçoando em vários aspectos. Veja no Box a evolução da
implementação das atividades formativas:

Dimensão/ Atividade 2005 2006 2007/2008

Formação político- Capacitação de agen- Idem. Idem.


institucional para tes governamentais e
um desenvolvimen- não governamentais
to comunitário res- para o trabalho arti-
taurativo culado/em rede.

Capacitação dos Encontros mensais da Percebe-se necessi-


agentes institucionais Rede de Atendimento dade de maior partici-
e comunitários (ope- - educação, saúde, pação das lideranças
radores do direito, segurança pública, escolares (gestores)
lideranças educacio- assistência social. nos encontros da rede
nais, lideranças do de atendimento.
sistema de saúde,
assistência social,
segurança pública e
outros), numa pers-
pectiva da mudan-
ça macrossistêmica
operada pela Justiça
Restaurativa.

116 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_miolo_090209.indd 116 09/02/2009 13:23:02


Dimensão/ Atividade 2005 2006 2007/2008

Capacitação de agen- Idem.


tes governamentais e
não governamentais Percebe-se necessi-
para a compreensão dade de maior partici-
dos Marcos Teóricos pação das lideranças
e dimensões práticas do Sistema Educa-
da Justiça Restau- cional (dirigentes das
rativa. Diretorias de Ensino,
e dos órgãos centrais
Curso semestral pro- da SEE/SP) no Curso
movido pela Escola da Escola Paulista de
Paulista da Magis- Magistratura.
tratura.

Capacitação de lide- Idem. Idem.


ranças institucionais
e não institucionais do 11 escolas envolvi- 11 escolas envolvi-
Sistema Educacional das e formação de 2 das e atuação de 2
para incorporarem os supervisoras da Di- supervisoras da Di-
princípios da Justiça retoria de Ensino, 1 retoria de Ensino, 1
Restaurativa no Proje- vice-diretora e uma vice-diretora e uma
to Político Pedagógico professora como professora como
das escolas e ope- apoiadoras da incor- apoiadoras da incor-
rarem as mudanças poração de práticas poração de práticas
necessárias à imple- restaurativas ao PPP restaurativas ao PPP
mentação de círculos das escolas. das escolas.
restaurativos institucio-
nais nas escolas. Sente-se necessidade
de envolvimento de
Oficinas de Forma- outros supervisores
ção de Lideranças em e ATPs – Assistentes
Facilitação de Mudan- Técnicos Pedagógi-
ças Educacionais – 3 cos da Diretoria de
escolas envolvidas, Ensino.
mais 2 supervisoras
das DEs.

Capacitação de agen-
tes governamentais e
não governamentais
para desempenharem
o papel de encami-
nhadores/ derivadores
de casos de conflito/
violência a procedi-
mentos restaurativos.

Cursos de Forma-
ção de Derivadores
para os envolvidos na
Rede de Atendimento
e outros.

Estratégias de formação: a capacitação dos atores sociais 117

jr_sao-caetano_miolo_090209.indd 117 09/02/2009 13:23:02


Dimensão/ Atividade 2005 2006 2007/2008

Formação em Práti- Capacitação de vo- Idem. Idem.


cas Restaurativas luntários ligados ao
Sistema escolar que Neste período, o
Capacitação de ato- sejam moradores da modelo adotado na
res ligados a diferen- comunidade: docen- capacitação foi o de
tes instituições e à tes, gestores e ou- Zwelethemba e ou-
comunidade para re- tros profissionais da tras práticas.
solverem conflitos de escola, estudantes,
forma restaurativa. familiares de alunos,
para atuar como faci-
litadores de práticas
restaurativas (então
chamados conciliado-
res) operando círcu-
los restaurativos insti-
tucionais nas escolas,
modelo Comunicação
Não-Violenta.

Capacitação de vo- Idem. Capacitação de vo-


luntários ligados ao luntários ligados ao
Sistema de Justiça Sistema de Justiça
– assistentes sociais – assistentes sociais
e educadoras sociais e educadoras sociais
do Fórum, conselhei- do Fórum, conselhei-
ros tutelares e outros ros tutelares e outros
para atuar como faci- para atuar como faci-
litadores de práticas litadores de práticas
restaurativas (então restaurativas (não
chamados concilia- mais chamados con-
dores) para operar ciliadores) para ope-
círculos restaurativos rar círculos restaura-
institucionais no fó- tivos institucionais no
rum e no Conselho fórum e no Conselho
Tutelar segundo o Tutelar segundo mo-
modelo Comunicação delo Zwelethemba e
Não-Violenta. outros.

Capacitação de vo- Idem.


luntários moradores
na comunidade para
atuar como facilita-
dores de práticas res-
taurativas para operar
círculos restaurativos
comunitários nas es-
colas e outros espa-
ços, segundo o mode-
lo Zwelethemba.

118 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_miolo_090209.indd 118 09/02/2009 13:23:02


Dimensão/ Atividade 2005 2006 2007/2008

Capacitação de capa-
citadores para acom-
panhar e dialogar com
a prática dos facilita-
dores restaurativos
e formar novos faci-
litadores de práticas
restaurativas.

Importante notar que a realização de círculos restaurativos institucionais, com o compro-


metimento das equipes das escolas, do Fórum e do Conselho Tutelar, é essencial à mudança
dessas - o que fortalece a comunidade às quais elas pertencem. E a realização de círculos
restaurativos comunitários, ao contribuir para o desenvolvimento e empoderamento das
comunidades, impulsionam as mudanças institucionais no sistema judicial, educacional, de
saúde e outros. Dessa forma pode operar-se a mudança macrossistêmica desejada, rumo a
uma sociedade restaurativa.

Estratégias de formação: a capacitação dos atores sociais 119

jr_sao-caetano_090204.indd 119 04/02/2009 14:26:48


1 Capacitação
político-institucional
para o desenvolvimento
comunitário restaurativo

Essa capacitação é realizada por meio das 1.1. Capacitação


seguintes estratégias: Para a compreensão dos marcos teóricos
que inspiram as práticas da Justiça
►►Capacitação para a compreensão dos mar- Restaurativa, por meio de cursos da
cos teóricos que inspiram as práticas da Escola Paulista da Magistratura
Justiça Restaurativa, por meio de Cursos
da Escola Paulista da Magistratura. A introdução da Justiça Restaurativa traz
►►Capacitação dos agentes institucionais e implicações sistêmicas para a estruturação,
comunitários para atuar como encami- organização e funcionamento do Sistema
nhadores / derivadores. de Justiça, seja internamente, seja em suas
►►Capacitação de lideranças institucionais relações com demais instituições governa-
escolares para incorporar os princípios mentais e não-governamentais, numa visão,
restaurativos à instituição ‘escola’. portanto, macrossistêmica.

As reuniões de articulação da rede de ins- A formação em Justiça Restaurativa foi


tituições e organizações de atendimento realizada na Escola Paulista da Magistratura,
aos direitos das crianças, adolescentes e com participação de vários atores do projeto,
demais cidadãos, também representam sob coordenação do juiz da Vara da Infância
espaços formativos onde, através do diálogo e da Juventude da Comarca de São Caetano
e da participação, aprimoraram-se relações do Sul, Eduardo Rezende Melo, e do juiz
interinstitucionais e se constroem modos Egberto de Almeida Penido, que se tornou
de interação mais eficientes e eficazes na coordenador do projeto implementado nas
garantia de direitos à população. Varas Especiais da Infância e da Juventude
na capital (Região de Heliópolis).

120 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 120 04/02/2009 14:26:48


A partir do final de 2006, tornou-se claro que diálogo entre o Juiz responsável pelo Projeto
as implicações sistêmicas da Justiça Restau- e os dirigentes da Secretaria de Educação -
rativa estavam a demandar mudanças insti- Gabinete da Secretária e responsáveis pelos
tucionais também no Sistema de Educação, órgãos técnico-adminstrativos (CEI, COGESP,
envolvendo não apenas formação de gestores CENP, ATPCE, FDE).
escolares com apoio da Diretoria de Ensino,
mas uma reflexão conjunta com a Secretaria Espera-se em 2008 a consolidação da parce-
de Educação sobre a forma de operacionalizar ria, inclusive com o envolvimento de mem-
os conceitos restaurativos de responsabilida- bros desses órgãos nos cursos de Justiça Res-
de, autonomia e diálogo na educação de edu- taurativa da Escola Paulista da Magistratura,
cadores, organização de horários, alocação como palestrantes e/ou ou participantes.
de funcionários e tratamento da infração da
regra disciplinar nas escolas. Ao final de 2007 O curso está estruturado com a seguinte
houve a demanda de aprofundamento do temática:

TEMAS

Introdução à Justiça Restaurativa.

Processo sócio-histórico: práticas precursoras e fundantes da Justiça Restaurativa; Distinções


entre Justiça Restaurativa, terapêutica e retributiva; Pequeno panorama: a Justiça Restaurativa
no mundo e no Brasil; Resolução ECOSOC.

Fundamentos da Justiça Restaurativa.

Sua principiologia e fundamentos; conceitos chaves; os atores centrais na Justiça Restaurativa.

Justiça Restaurativa e ato infracional.

Dimensões do sistema.

Diversidade da aplicação da Justiça Restaurativa no sistema de justiça e os seus


embasamentos criminológicos e sócio-políticos; O caráter diversório da Justiça Restaurativa
e espaços alternativos e/ou complementares de resolução de conflitos.

Justiça e Práticas restaurativas nas escolas.

Justiça Restaurativa, comunidade e violência doméstica.

Justiça Restaurativa na prática: a dinâmica do círculo.

As várias dinâmicas procedimentais de resolução de conflitos e campos de incidência.

As várias concepções sobre os sujeitos envolvidos e possibilidades de participação da


comunidade na resolução dos conflitos.

A Justiça Restaurativa numa perspectiva de rede: a processualidade do empoderamento;


integração e complementaridade de iniciativas; Lógica restaurativa e modelos protetivos na
infância e na família.

Metodologia da elaboração, coordenação e avaliação de projetos.

Metodologia de desenvolvimento de projetos sociais; Estratégias de articulação e de coordenação


de projetos e de programas; Critérios de avaliação de projetos de justiça restaurativa.

Justiça Restaurativa e política pública: perspectivas.

Capacitação político-institucional para o desenvolvimento comunitário restaurativo 121

jr_sao-caetano_090204.indd 121 04/02/2009 14:26:49


1.2. Reuniões e sensibilização de todos aos princípios
restaurativos de tal forma que possam
da rede de oferecer atendimento também numa
postura restaurativa diante da violência,
atendimento alinhada à proposta do projeto;
►►interdependência e gestão, visando a
Realizadas desde 2005, sob coordenação do sustentabilidade da rede.
Conselho Municipal de Direitos da Criança
e do Adolescente de São Caetano do Sul (Ver Em relação a esse último aspecto, foram
p. 26) os encontros em rede possibilitam a planejadas em 2007 três oficinas específicas
cada agente institucional conhecer o papel do relacionadas ao projeto a serem realizadas
outro e refletir sobre formas de fortalecer-se anualmente a partir de 2008, reunindo gru-
mutuamente (criar sinergias). pos pertencentes às várias organizações (Jus-
tiça, Educação, Segurança, Saúde, Assistência
Presentes aos encontros da Rede estão, dentre Social...) para discussão de seus avanços e
outros: representantes da Polícia Militar e da desafios, trocas de experiências restaurati-
Guarda Civil – os que primeiro entram em con- vas e compartilhamento de possibilidades
tato com pessoas que transgridem normas em de ação conjunta. As oficinas contarão com
geral; das escolas – que primeiro entram em apresentações e grupos de trabalho.
contato com pessoas que transgridem normas
escolares; do Conselho Tutelar, do Sistema da Como o grande desafio é a mudança de para-
Justiça (Judiciário, Ministério Público, OAB, digma, resultando em diferença na postura e
setor técnico); do Sistema de Saúde e Assis- na ação, pensou-se também na necessidade
tência Social, das instituições encarregadas de promoção de atividades para reavivar os
da aplicação de medidas socioeducativas, bem princípios restaurativos na prática cotidiana
como lideranças comunitárias. de cada um. Para atingir esse objetivo, duas
amplas intervenções para todos os envolvi-
Os encontros da rede de profissionais insti- dos, focadas nos temas violência e justiça,
tucionais e líderes comunitários promovem e foram realizadas em 2007. Foram atividades
mantém uma visão inter-institucional, volta- coordenadas pela equipe “Justiça em Círculo”,
da para a centralidade da resolução produtiva integrada por mediadoras transformativas
do conflito; ampliam a interlocução entre os com experiência docente em práticas de reso-
agentes de vários campos de atuação e entre lução de conflitos, que, em caráter voluntário
as dimensões teórica e prática do projeto e e sob a coordenação de Vania Curi Yazbek,
de outras ações municipais, interconectadas, vem participando das ações desse projeto
porque tomam a centralidade da criança, do desde 2006, especializando-se na capacitação
adolescente e de suas famílias como norte de práticas restaurativas.
de ação.
As intervenções consistiram na criação de
Nos encontros dos representantes das or- espaços para reflexão com a finalidade de
ganizações da Rede de Atendimento para vivenciar internamente questões ligadas
dar suporte aos envolvidos em situações de à violência e à justiça, possibilitando uma
violência a pauta em geral é: re-significação desses temas em relação à
►►organização de fluxo entre si; própria pessoa e ao outro, e uma re-definição
►►possibilidades de parceria que possam po- de ações e práticas sociais como respostas aos
tencializar os recursos de cada instituição mesmos. (Veja Box)

122 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 122 04/02/2009 14:26:49


Workshop VIOLÊNCIA

a) Qual o significado de violência para cada um.


b) Pensando em uma situação de violência em que esteve envolvido, identificar:
»» Tipos de violência: doméstica, vizinhança, escolar, institucional, etc.
»» Formas de violência: verbal, física, moral, psicológica, patrimonial, sexual, etc.
»» Distinção entre casos de e casos com violência.
»» O que é considerado dano?
c) Retomada individual do significado anterior de violência e reflexão sobre mudanças no
conceito.
d) Apresentação do projeto de Justiça Restaurativa como nova forma de resposta às situações
de violência.
e) Identificar possíveis lugares de participação no projeto: divulgação, encaminhamento,
facilitação de práticas restaurativas, suporte para quem participa do círculo.
f) Identificar pessoas para quem essas idéias possam fazer algum sentido e com quem gostaria
de conversar sobre e/ou de convidar para o próximo workshop.

Workshop JUSTIÇA

a) Apresentação do projeto (juiz ou promotor) e da equipe de trabalho, identificando facili-


tadores presentes.
b) Qual o significado de justiça para si e a que está associado.
c) Introduzir teoricamente:
»» Justiça como valor e Justiça como instituição.
»» Como a Justiça enquanto valor e enquanto Instituição insere-se neste projeto.
»» Justiça Retributiva e Justiça Restaurativa.
»» Justiça Restaurativa: conceito (ONU), princípios.
»» Lei “Maria da Penha”.
d) Retomada individual do significado anterior de justiça e reflexão sobre mudanças no
conceito.
e) Partindo de uma situação real de violência, refletir como a Justiça lida com casos de vio-
lência e buscar novas possibilidades de atuação.
f) Trabalhar os benefícios da Justiça Restaurativa.
g) Levantar os desafios para a realização do processo da Justiça Restaurativa.
h) Apresentação do projeto de Justiça Restaurativa como uma forma diferente de resposta às
situações de violência.
e) Identificar possíveis lugares de participação no projeto: divulgação, encaminhamento,
facilitação de práticas restaurativas, suporte para quem participa do círculo e manifestar
o desejo de participação no projeto.
e) Formar grupos conforme as opções de inserção no projeto para dialogar com os capacita-
dores ou com veteranos do projeto sobre como vai funcionar cada uma das capacitações.

Ao final dos workshops, cada um deve refletir sobre como está, em relação a como chegou, e
confirmar sua adesão às capacitações correspondentes à sua escolha.

Capacitação político-institucional para o desenvolvimento comunitário restaurativo 123

jr_sao-caetano_090204.indd 123 04/02/2009 14:26:49


1.3. Capacitação 1.4. Capacitação
dos agentes de lideranças
institucionais e institucionais
comunitários escolares
Para atuar como encaminhadores / Para incorporar os princípios restaurativos
derivadores à instituição ‘escola’

O papel, no Projeto de Justiça Restaurativa, Utilizando a metodologia de Facilitação


dos operadores de direito (juízes, promotores de Mudanças Educacionais do CECIP e do
de justiça, defensores públicos e advogados) e APS International (Ver p. 168), Madza Ednir
outros atores (guardas, policiais, conselheiros e Monica Mumme, do CECIP, apóiam as
tutelares, agentes de grupos de apoio e de lideranças escolares no envolvimento de do-
atendimento, diretores de escola e outros centes, alunos e familiares rumo à promoção
gestores escolares) demanda uma preparação das mudanças necessárias no ambiente e na
específica para atuar como encaminhadores cultura das escolas, afim de que os princípios
ou derivadores de casos de conflito para es- da Justiça Restaurativa (responsabilização,
paços de resolução restaurativa dos mesmos autonomia, diálogo, não punição) passem a
(escolares, judiciais ou comunitários). (Veja integrar as práticas pedagógicas, por meio
Parte II – Capítulo 2) da implementação de círculos restaurativos
escolares e de outras práticas restaurativas.
(Veja Parte II, Capítulo 4)

Observa-se que os gestores escolares capa-


citados para atuar como Facilitadores de
Práticas Restaurativas (Veja Parte II, Cap 3),
operando círculos restaurativos institucio-
nais na escola, destacam-se como lideranças
educacionais restaurativas.

124 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 124 04/02/2009 14:26:50


Capacitação para a
derivação (encaminhamento)
2
dos casos de conflito

2.1. Justificativa credibilidade em processos conversacionais

e público-alvo
como instrumento de mudança, além da
capacitação para selecionar quais situações
deveriam ser encaminhadas e como fazê-
A implantação, em meados de 2006, dos lo de forma a garantir a acessibilidade aos
círculos restaurativos comunitários, gerou plantões de atendimento. Posteriormente,
a necessidade de sensibilizar e preparar percebeu-se que a formação para a derivação
pessoas, principalmente as pertencentes às devia ser oferecida a outros participantes da
organizações da rede de atendimento, para Rede de Apoio aos direitos da criança e do
encaminhar casos de conflitos a esse novo adolescente, inclusive diretores de escola e
espaço de resolução. demais gestores escolares.

Para a disseminação da proposta restaurativa, Foram programadas, de início, três oficinas


no bairro de Nova Gerty foram programadas seqüenciais. No entanto, verificou-se ser
as oficinas de capacitação dos encaminhado- necessária uma manutenção constante
res (derivadores) comunitários de casos de dessa capacitação com o intuito de manter
violência ao círculo restaurativo. a visibilidade do projeto e a postura de ade-
são aos princípios restaurativos, incluindo
A capacitação inicial enfatizou a sensibili- outros agentes dos Sistemas da Justiça e da
zação de agentes do Programa de Saúde da Educação.
Família, Guarda Municipal, advogados volun-
tários do PLAJAM – Plantão de Assistência Atualmente estamos considerando deriva-
Jurídica à Mulher, membros do Conselho dores no projeto de Justiça Restaurativa: juiz,
Tutelar, equipe técnica do Fórum, Promoto- promotores de justiça, diretores de escola, as-
ria Pública, entre outros, para os princípios sistentes sociais do Fórum, guardas e polícia,
restaurativos. Buscava-se sua adesão ideo- agentes comunitários de saúde, conselheiros
lógica ao projeto e o desenvolvimento de tutelares, advogados, membros de grupos

Capacitação para a derivação (encaminhamento) dos casos de conflito 125

jr_sao-caetano_090204.indd 125 04/02/2009 14:26:51


de apoio a minorias e de atendimento a
drogadição e alcoolismo. Facilitadores de
2.2. Fundamentação
práticas restaurativas igualmente podem ser teórico-
considerados como derivadores, quando não
atuam nos casos, mas quando encaminham metodológica
situações de conflito para os círculos, tendo
recebido uma capacitação indireta pelos da formação de
seus respectivos capacitadores, conforme as
técnicas empregadas.
derivadores
Esses atores devem conhecer a Justiça Res- O processo de encaminhamento ou derivação
taurativa, seus valores, seus contextos de é particularmente especial porque envolve
aplicação, as técnicas utilizadas e entender um deslocamento de lugar institucional de
seu papel no processo. É preciso também, pessoas que são vistas pelos usuários dos ser-
que reflitam sobre o sentido dessa proposta viços de justiça, educação, saúde, segurança
para si, uma vez que apenas as mudanças de e outros, como detentoras de uma posição de
significado têm o potencial de gerar distintas mando. Esse lugar culturalmente dado não é
ações e distintas práticas sociais. mais adequado quando estes atores inserem-
se na Justiça Restaurativa.
Os encaminhadores ou derivadores podem
ser considerados primários e secundários. Diante dos envolvidos em um conflito, seja
Primários são aqueles que encaminham ca- um caso de violência doméstica, escolar ou
sos aos círculos restaurativos, nos seus vários comunitária, partindo da análise do cabi-
espaços de realização. mento da aplicação da Justiça Restaurativa,
é necessário um deslocamento interno, e
Secundários são os agentes sociais presentes pessoal dos atores investidos de posição de
ao círculo (educadores de medidas socioe- autoridade, para que possam colocar-se de
ducativas, conselheiros tutelares, agentes de outro modo ante as pessoas envolvidas em
grupos de suporte ou de atendimento) que situação de conflito, acolhendo-as e avalian-
podem oferecer às pessoas diretamente en- do com elas a conveniência e oportunidade
volvidas no conflito e aos membros da comu- de solução de seus conflitos em círculos
nidade afetada, encaminhamento a diferentes restaurativos.
serviços. Alarga-se, então, a esfera de atuação
do círculo, permitindo que os processos de Mais ainda, é fundamental que este deslo-
deslocamento interno e relacional ganhem camento também seja percebido e compre-
em consistência, na elaboração do plano de endido pelos usuários do serviço. Com isso
ação que incide sobre as causas do conflito, e fica marcada a mudança de lugar, também,
no seu acompanhamento posterior. do usuário do serviço e envolvido numa
situação de conflito.

Atuando como derivadores, o juiz, o promo-


tor, o guarda municipal, o diretor ou educador
escolar, o médico, o agente de saúde, entre ou-
tros, fazem com que o envolvido na situação
de conflito deixe o lugar institucional que lhe
é reservado (de réu, de vítima, de aluno, de

126 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 126 04/02/2009 14:26:51


paciente, de doente, de familiar) para assumir
a posição de ator fundamental no processo de
2.3. Objetivos
resolução do conflito. da capacitação
Os envolvidos no conflito começam a se ver de derivadores
como responsáveis por identificar os termos e
condições em que este conflito, com sua atua- O objetivo geral do programa de capacitação
ção, poderá ser solucionado. É esta abertura de Derivadores é propor uma visão diferente
que propiciará efetivamente seu encontro, dos temas “violência” e “justiça” para um
como pessoas não mais polarizadas, mas grande número de indivíduos que constitui
dispostas à construção de um plano de ação a rede que responde a, ou é envolvida por,
que favoreça a todos. um ato de violência. Visa, portanto, uma
mudança nos modos de pensar, sentir e agir
Acreditando que em processos transfor- diante de conflitos ou atos violentos (sejam
mativos é de fundamental importância a eles atos infracionais e crimes, ou não) dos
adesão e o comprometimento coletivos, foi envolvidos diretamente nos conflitos ou na
dada especial atenção, durante o processo de facilitação de práticas restaurativas, e dos
capacitação, à promoção de uma mudança membros das instituições cujas ações estão
na forma de se pensar o conflito e violên- articuladas ao projeto, atingindo a relação
cia, redefinindo os conceitos em busca de entre eles e a relação deles com a comunidade
uma transformação de postura diante dos usuária de seus serviços.
mesmos.
Capacitação para encaminhamento
Assim, em uma ótica pós-moderna, o pro- ou derivação
cesso de ensino-aprendizagem liderado pela Os objetivos da capacitação consistem em:
equipe de Capacitação de Derivadores, pode yy compreender a mudança sistêmica que
ser considerado como uma “uma construção a Justiça Restaurativa opera na ação dos
gradual no tempo de algo novo mediante o derivadores;
diálogo reflexivo e a aprendizagem conver- yy compreender o lugar institucional em que
sacional em grupos humanos” (Schnitman, F. os derivadores se encontram, são vistos
D. 2006). Para tal, foram escolhidas algumas e o impacto que isto opera nos usuários
estratégias didáticas que pudessem favorecer dos serviços;
esse processo em que todos (capacitadores e yy compreender o deslocamento interno ne-
alunos) participam conjuntamente e com um cessário aos derivadores para que possam
grau de flexibilidade que permita adaptações se colocar de outro modo na resolução dos
no decurso do processo para atender neces- conflitos, promovendo responsabilidade
sidades emergentes do contexto109. dos usuários; 109 “Diálogos Gerativos”,
Schnitman, F. D., Pensando
yy compreender o impacto que este deslo- Famílias, 10(2), nov. 2006;
camento interno dos derivadores opera, (28).
ou deveria operar, nos usuários para
queeles também possam desprender-se
dos estigmas que lhes recaem pelo próprio
envolvimento com o serviço;
yy identificar modos de conversação adequa-
dos para o estabelecimento do vínculo e
para o encaminhamento ao círculo;

Capacitação para a derivação (encaminhamento) dos casos de conflito 127

jr_sao-caetano_090204.indd 127 04/02/2009 14:26:51


yy compreender o processo de empode- »» Reflexão sobre como significados dife-
ramento paulatino dos envolvidos em rentes geram distintas ações e práticas
situação de conflito, precisando da ação sociais.
articulada entre as várias instituições en- »» Noções básicas de Violência Doméstica
volvidas para se alcançar o objetivo final, e parâmetros comuns entre os atos de
de maior autonomia; violência em relações familiares e de
yy aprimorar meios de apuração e formas de vizinhança.
convite de grupos de suporte passíveis de
serem chamados para participação nos 3. Justiça Restaurativa e o Projeto:
círculos com os envolvidos na situação »» Noções básicas e princípios da Justiça
de conflito; Restaurativa.
yy compreender as diferentes dinâmicas dos »» Construção da possibilidade de práticas
conflitos e das possibilidades de interven- conversacionais serem eficientes para
ção facilitadora de uma responsabilização lidar com situações de violência.
autônoma. »» Ações do projeto de São Caetano do Sul.
»» Construção de condições necessárias
para que cada um possa acreditar e

2.4. Conteúdo
“vender” essa idéia (mudança de pa-
radigma).
»» Como encaminhar um caso para as
O programa inclui três eixos - processo práticas restaurativas de maneira
conversacional, conceitos de violência e de eficiente (com alguma garantia de
justiça restaurativa. acessibilidade).

O conteúdo programático abrange: A escolha de incluir exercícios sobre “con-


versação” entre os três temas centrais do
1. Processo conversacional: programa fundamenta-se no fato de ser
»» Exercício de boas conversações (obje- esta a principal ferramenta da função de
tivo de identificar as competências e encaminhar e dos procedimentos restau-
habilidades pessoais dos participantes rativos.
para realizar conversações eficientes).
»» Exercício para identificar pré-conceitos Excluindo o uso da coerção ou da força
presentes em conversações. (portanto, coerente com os princípios funda-
»» Encaminhamento ou derivação como mentais da Justiça Restaurativa), o processo
um processo conversacional. conversacional é extremamente eficiente,
»» Prática restaurativa como processo quando bem utilizado, para uma postura
conversacional. de acolhimento diante da violência e para a
eficácia do encaminhamento ao projeto. E,
2. Violência: com base na crença teórica do construcio-
»» Construção em grupo sobre o signifi- nismo social de que significados diferentes
cado que cada um atribui às palavras: geram distintas ações e práticas sociais, o
violência, violência doméstica e de conceito de violência doméstica para cada
vizinhança, e outras a elas associadas: um foi muito trabalhado, para que o grupo
crime, agressão e conflito. pudesse avaliar se considerava os princípios
e práticas da Justiça Restaurativa como uma
resposta significativa à violência.

128 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 128 04/02/2009 14:26:51


Desenvolvimento As oficinas também visam acompanhar e
A capacitação ocorre em oficinas para sen- facilitar o trabalho dos que encaminham os
sibilizar e capacitar agentes de programa casos. Para isso, todas as reuniões iniciam-se
de saúde, policiais e guardas civis, juízes, com o levantamento das dúvidas e dificul-
promotores, advogados, assistentes sociais do dades dos derivadores relativas à seleção de
Fórum, diretores e outros gestores escolares, casos e ao modo de realizar o encaminha-
para o desempenho eficiente de encaminhar mento para a Justiça Restaurativa. A partir
(derivar) casos para círculos restaurativos, deste levantamento instala-se o objetivo
incentivando e apoiando a comunidade a seguinte de promover a reflexão e de buscar
resolver entre si seus conflitos de violência, conjuntamente soluções para as questões
seja na convivência familiar, de vizinhança, vivenciadas na prática cotidiana da função
escolar ou social de maneira ampla. derivadora.

Embora sejam programadas seqüencialmen- Os participantes são “derivados” de todas


te, cada uma das oficinas tem um formato de as áreas profissionais, envolvidas nessa
intervenção única, uma vez que não é garan- função, para que possam refletir sobre “uma
tida a freqüência dos participantes nas três situação de violência e EU”. Numa direção
reuniões. Portanto, o programa das atividades crescente de complexização, as questões são
busca alcançar algum grau de capacitação trabalhadas em discussões teóricas, e em
em cada uma das oficinas para que os parti- dramatizações de alguns casos, focando o
cipantes possam diferenciar uma “derivação” lugar do derivador diante da violência e pe-
para os atendimentos restaurativos de uma rante sua função profissional: “onde caberá
“divulgação da proposta restaurativa”, e a Justiça Restaurativa?” Os desafios emer-
ainda, uma derivação a ser realizada sem um gentes, enfrentados ou a serem vencidos,
cunho compulsório na indicação. tais como: “Como se assegura um resultado
confiável?” “Como se faz um convite que os
O programa da capacitação se desenrola em indivíduos aceitem?”
4 oficinas de 3 horas, iniciadas pela criação
do contexto conversacional para o trabalho.
Com o objetivo de desenvolver condições de
comprometimento e uma postura ativa de
participação, as primeiras dinâmicas são
planejadas para ajudar cada participante a
identificar: “Onde estou, para que estou, o que
esperam de mim nessa atividade”.

A primeira atividade proposta é sempre a apre-


sentação de todos os presentes e do propósito
do trabalho: alcançar adesão dos participantes
aos princípios restaurativos e capacitá-los para
fazer encaminhamentos coerentes com esses
princípios restaurativos.

O fechamento de cada oficina objetiva verifi-


car e confirmar o grau da adesão ao projeto,
através de uma apreciação do trabalho.

Capacitação para a derivação (encaminhamento) dos casos de conflito 129

jr_sao-caetano_090204.indd 129 04/02/2009 14:26:52


Reflexões e Aprendizagens de Derivadores
e seus Formadores

Uma reflexão importante surgiu da equipe grande interesse em descobrir “como se fala
do Fórum e contribuiu com a reflexão sobre a com os indivíduos para encaminhar” e “como
eficácia do encaminhamento: não é suficiente selecionar os casos para o atendimento res-
uma ação pertinente do derivador; as pessoas taurativo”.
envolvidas também têm seu processo e seu
tempo de busca de ajuda. Esse ponto é facil- Foi possível verificar que os derivadores foram
mente observável quando, no encontro dos di- se apropriando de suas funções no projeto,
ferentes derivadores, fica evidente um circuito bem como contribuindo para sua ampliação
processual na busca de auxílio para resolver através de contribuições valiosas de expe-
um problema de violência. Dessa maneira, o riências vividas e soluções construídas. Cada
encaminhamento tem suas especificidades pergunta colocada foi sempre recebida como
para ser eficaz, mas também necessita do desafio e auxílio aos coordenadores e capaci-
encaixe com o desejo e a prontidão dos envol- tadores na busca de respostas e adaptações
vidos para aceitarem uma mudança. que atendam e viabilizem a continuidade de
sua implementação.
Os principais objetivos e métodos usados
nas primeiras oficinas de capacitação de De forma geral, o formato espontâneo de
derivadores foram sendo reforçados nesses conversação que se instalou nessas reuniões
encontros, e aprofundados frente a questões - sentar em um círculo como se faz em um
que emergiram da vivência prática. processo restaurativo - mostrou que todos
foram se sentindo atores do projeto, capazes
Os participantes que vieram mais de uma de auxiliar-se mutuamente, de pensar juntos e
vez apresentaram questões mais complexas, levantar desafios a serem vencidos, apontando
refletindo e oferecendo contribuições quanto para um resultado muito positivo.
aos procedimentos. De forma geral, notou-se
que a freqüência mais alta foi de profissionais As oficinas, centradas em assuntos práticos
do Fórum e do PSF – Programa de Saúde da e formatadas vivencialmente, foram as mais
Família (agentes de saúde). Estes apresentam bem sucedidas.

130 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 130 04/02/2009 14:26:52


Capacitação de Facilitadores
de Práticas Restaurativas
3
Para operar círculos restaurativos em espaços da
comunidade, da escola e da justiça

3.1. Justificativa Em 2005 havia apenas uma técnica restaura-

e público-alvo
tiva em São Caetano: a técnica de operação
de círculo restaurativo segundo o modelo da
Comunicação Não-Violenta (Ver p. 137).
A existência de espaços diversificados de
resolução de conflitos tem se demonstrado Os candidatos a facilitadores de práticas
fundamental na cidade. Além de espaços restaurativas, então chamados facilitadores
institucionais (como a escola e o Fórum) é de justiça, foram capacitados, por Dominic
essencial que existam lugares, como o espaço Barter, coordenador da Rede de Comunicação
comunitário aberto em escola no bairro Nova Não-Violenta-Brasil, para atuar em círculos
Gerty, para resolução de conflitos nos quais restaurativos institucionais nas escolas (edu-
os procedimentos restaurativos não convivem cadores, profissionais da escola, estudantes)
com hierarquias ou regulamentos e normas e em círculos restaurativos institucionais no
institucionais retributivos, consolidados em Fórum e no Conselho Tutelar (assistentes
instrumentos como Sistema Disciplinar e sociais do Fórum, conselheiras tutelares).
o Regimento Interno das Escolas - e onde
a responsabilidade dos envolvidos é mais Já no início de 2006, percebia-se que essa
nebulosa. técnica, ainda que bastante eficaz, não pare-
cia suficiente para dar conta da diversidade
A diversificação de espaços restaurativos de instituições, conflitos e relações entre as
deve ser acompanhada da diversificação pessoas envolvidas em presença.
de técnicas restaurativas à disposição dos
que utilizam esses espaços. Essa foi a lição Assim, o juiz coordenador do Projeto fez
aprendida logo no primeiro ano de vida do um convite a especialistas da África do Sul
Projeto. para ministrarem um seminário de capa-

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 131

jr_sao-caetano_090204.indd 131 04/02/2009 14:26:52


citação em uma nova técnica restaurativa de justiça atuando em círculos escolares e
– o círculo restaurativo segundo o modelo judiciais continuava sendo realizada.
Zwelethemba.
Ao final de 2006, avaliou-se que a técnica do
O Seminário de seis dias ocorreu em Abril círculo restaurativo Zwelethemba deveria ser
de 2006, liderado pelos professores John também apresentada, em 2007, aos facilita-
Cartwright e Madeleine Jenneker, da Uni- dores atuantes em círculos institucionais nos
versidade de Western Cape e pelo oficial de âmbitos escolares e judicial.
polícia Ganief Daniels. Do diálogo assim
estabelecido, resultou a decisão de utilizar a A nova técnica tornaria as necessidades
técnica sul africana na capacitação de facilita- individuais menos evidentes, pois o foco do
dores de práticas restaurativas que atuariam círculo não é “o seu problema”, ou “o meu
nos círculos restaurativos comunitários a se- problema”, mas “temos uma situação de vio-
rem implementados no bairro de Nova Gerty lência como problema”. Assim, privilegia-se
(Projeto Justiça Restaurativa e Comunitária a mudança comunitária sobre a individual.
– Ver p. 146) ainda naquele ano.
A introdução dos círculos restaurativos
A opção pelo uso de procedimentos do mo- segundo o modelo Zwelethemba em S.
delo Zwelethemba em Nova Gerty levou em Caetano do Sul simbolizou a ampliação do
consideração que atenderia melhor o objetivo projeto para além da resolução de conflitos,
de empoderar a comunidade para que assu- ganhando uma dimensão de governança,
misse a responsabilidade pela resolução de vale dizer, de gestão do rumo dos eventos de
seus conflitos e para que desenvolvesse uma um sistema social. Isso significa envolver as
postura de governança de seus próprios tradições e instituições pelas quais a autori-
recursos e dos recursos disponíveis, sejam dade é exercida, fazendo com que a justiça e
esses governamentais ou não. a segurança possam ser objeto de delibera-
ções locais, através da cooperação de redes
A adaptação do modelo Zwelethemba ao Bra- comunitárias com instâncias governamentais
sil foi realizada por Vania Curi Yazbek - do- e não-governamentais.
cente especializada em práticas de resolução
de conflitos, com a colaboração voluntária de A superação da marca que recai sobre o
mediadores transformativos capacitados no conflito de natureza disciplinar, infracional
Instituto Familiae e atuantes em projetos de ou criminal, se dá de modo mais enfático. Em
Mediação Educacional e em Oficinas de Prá- jogo está um conflito cuja resolução implicará
tica do referido instituto: Cristina Meirelles, obrigações para os envolvidos que mantém a
Marta Marioni, Maria Renata Bueno Azevedo relação contínua de convivência, com a garan-
e Violeta Daou. Em 2007, essas profissionais tia de que os bens morais das partes em con-
passam a integrar a equipe “Justiça em Cír- flito sejam respeitados doravante, como fruto
culo”, cujo foco é realizar capacitações em do reconhecimento de todos os envolvidos. O
práticas restaurativas para projetos de Justiça que se procura restaurar é uma certa relação
Restaurativa. ou ‘feixe de vida’ - a justiça, como resultado
110 Froestad, Jan & ético, tem significado dentro desta estrutura
Shearing, Clifford. O A capacitação de facilitadores de práticas res- focada basicamente no futuro110, porque ela
modelo Zwelethemba de
resolução de conflitos.
taurativas atuando em círculos comunitários mesma emerge como um constructo pelos
In: Ministério da Justiça. iniciou-se a partir de Maio de 2006, ao mesmo envolvidos na situação de conflito.
Justiça Restaurativa. tempo em que a capacitação de facilitadores

132 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 132 04/02/2009 14:26:52


A partir de 2007, portanto a formação de
facilitadores de práticas restaurativas passa
3.2. Capacitação
a ser pensada de maneira a incorporar uma dos facilitadores
diversidade de técnicas, conforme os tipos de
relação entre os envolvidos, tipos de conflito de práticas
e de contextos de resolução: comunidade,
escolas, conselhos tutelares, justiça e socio- restaurativas
educação. A idéia é de que possam escolher Segundo a metodologia da Comunicação
entre essas diferentes técnicas, para atender Não-Violenta111 111 Por Dominic Barter,
às várias situações que se apresentam na
prática, utilizando-se, na escolha, os critérios 3.2.1. Fundamentação
- quem, para quê, para quem, como, onde e
quando. teórico-metodológica da
capacitação
Para os círculos institucionais nas escolas,
além da técnica moldada a partir da comu- O círculo restaurativo no modelo da Comuni-
nicação não-violenta, poderá ser usada a cação Não-Violenta é uma aplicação prática
técnica Zwelethemba (em especial quando da Justiça Restaurativa que pretende:
se quiser equacionar as “raízes do problema”, yy restaurar a segurança, dignidade e harmo-
isto é, as causas institucionais ou comunitá- nia dentro dos participantes e entre eles;
rias do conflito). yy reparar os danos causados por uma
transgressão;
Da mesma forma, para os círculos no Fó- yy reintegrar os envolvidos na(s) sua(s)
rum e no Conselho Tutelar, além da técnica comunidade(s).
inspirada na Comunicação Não-Violenta, po-
derá ser usado o modelo Zwelethemba, com Com base na ética Restaurativa aplicada,
maior ênfase na incorporação das técnicas promove:
neozelandesas e australianas de family group yy horizontalidade entre os envolvidos;
conference (conferência do grupo familiar). yy cooperação voluntária no processo;
Nesse caso, envolve-se nos círculos os edu- yy reconhecimento da humanidade de
cadores de medidas socioeducativas, numa todos;
modificação, aprimorada, do que se dá, em yy reconhecimento dos anseios dos en-
outros países, que contam com a participação volvidos por valores que todos têm em
da polícia, também desejada aqui, mas num comum;
outro contexto. yy respeito pelas fortes emoções que pessoas
vítimas de transgressões podem experi-
Para os círculos comunitários realizados em mentar;
escolas ou outros espaços, deve preponderar yy empatia para com os valores desconside-
a técnica Zwelethemba, rados por uma transgressão;
yy responsabilidade de todos pelas futuras
conseqüências de transgressões;
yy ações que curam e restauram o valor
simbólico e real do que foi perdido ou
quebrado pela violência.

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 133

jr_sao-caetano_090204.indd 133 04/02/2009 14:26:53


Essa técnica – desenvolvida pelo educador 3.2.3. Desenvolvimento
e consultor internacional Dominic Barter da Formação de
e adaptado à realidade do Projeto – inclui
elementos de formatos de conferência restau- Facilitadores de Práticas
rativa utilizados em programas de diversos Restaurativas
países e documentados internacionalmente, Para operar Círculos inspirados na
112 Por Dominic com o qual Barter tem experiência pessoal; Comunicação Não-Violenta112
Barter, in “O caminho de
S. Caetano, pgs 22 a 29,
a forma do script utilizada originalmente
CECIP, 2005 no programa Wagga Wagga, da Austrália, e
desde então aplicada a inúmeros projetos, A formação de facilitadores de práticas res-
internacionalmente; observações feitas du- taurativas para operar círculos inspirados na
rante anos de experiência por facilitadores Comunicação Não-Violenta pode ser realiza-
de projetos em diversos países, e coletada da por meio de 13 oficinas de oito horas cada
pelo consultor através de sua experiência - com carga horária total de 104 horas.
prática como aprendiz destes facilitadores,
e dos depoimentos de outros facilitadores; A capacitação se desenvolve em etapas que
e das dinâmicas circulares, horizontais e despertam, inicialmente, a capacidade dos
empáticas desenvolvidas pelo Dr. Marshall participantes de distinguir diferentes fases
Rosenberg nos seus 40 anos de pesquisas e pelas quais passam os envolvidos em cír-
atuação na área de resolução de conflitos e culos restaurativos, independente de fatores
mudança social. Na busca de uma maneira culturais. São fases que, de maneira genérica,
de se referir a essa técnica, ela por vezes tendem a marcar a passagem de um estado de
identificada – equivocadamente – como desempoderamento a outro, em que cada um
‘Comunicação Não-Violenta’, título dado pelo demonstra disponibilidade criativa para:
Dr. Rosenberg ao seu trabalho, com o qual
Dominic Barter é muito identificado, sendo a) pedir ou propor ações concretas, perti-
membro da sua equipe e diretor de projetos nentes ao ato lesivo ou infracional, que
para a organização que Rosenberg fundou. atendam aos anseios de todos; e
Embora a Comunicação Não-Violenta infor- b) realizar, ou colaborar para que se realizem
me de maneira eficaz e prática a atuação de estas novas ações.
Barter e empreste experiência e conhecimen-
tos valiosos à técnica de círculo restaurativo Esse movimento que leva da impotência ao
utilizada na capacitação, ela não é equivalente poder é medido por várias mudanças rele-
à técnica. O círculo restaurativo segundo vantes, ilustradas por resultados de pesquisas
a técnica da Comunicação Não-Violenta, é feitas em programas restaurativos em vários
principalmente uma forma comunitária de paises.
responder ao rompimento das normas de
convivência e promover a harmonia social. Uma delas é o ato de se ‘despir’ de rótulos
como o de ‘vítima’ ou “ofensor” em troca de
um reconhecimento da ‘koinonia’ – palavra
grega que designa um estado de convivência
impessoal – com os outros envolvidos nas
conseqüências do ato danoso. Isto pode
ser experimentado como um momento de
libertação ou de repúdio, acompanhado por
expressões de alivio ou de dor. É quando se

134 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 134 04/02/2009 14:26:53


desencadeia uma nova qualidade no relacio- É igualmente importante que a técnica seja
namento entre os participantes do processo apresentada como sendo uma das muitas
restaurativo, expressa no convívio social ou formas em que os princípios de Justiça Res-
internalizada na vida de cada participante. taurativa podem ser colocados em ação.
Em todo caso isso é, na grande maioria das
vezes, considerado um resultado ‘positivo’, A aprendizagem acontece em ritmos diferen-
que do qual as pessoas não se esquecem, e tes para participantes diferentes e envolve
que muda a maneira como enxergam suas questionar ‘meta-crenças’ acerca de conceitos
ações passadas e passam a enxergar as ações e práticas básicas como educação, justiça e a
futuras. noção cristã de ajuda ao próximo. Também
são tratadas – tanto em reflexões em grupo,
A capacitação possibilita aos facilitadores não como em auto-reflexão supervisionada -
apenas distinguir as fases pelas quais passam idéias acerca de identidade, capacidade de
os que chegam aos círculos, em seu processo raciocínio em faixa etárias diferentes e o que
de mudança, como também acompanhar constitui responsabilidade. Temas transver-
estas fases e contribuir para seu desenvol- sais que podem surgir neste processo envol-
vimento de forma útil, consciente, flexível, vem conceitos acerca de raça, sexualidade e
replicável e transparente – habilidades que a poder de escolher. São levantados assuntos
capacitação visa desenvolver, onde ausentes, que remetem ao lugar do Fórum, da escola
e aprimorar, onde presentes. e das instituições da rede de atendimento à
comunidade, numa cadeia que inclui a todos,
A capacitação propõe um roteiro ou estrutura com impacto na vida dos jovens e suas famí-
para servir como guia do novo facilitador ao lias. Relações entre grupos nesta cadeia são
operar um círculo restaurativo (Ver p. 136). investigadas e, não raramente, encorajadas
Esta proposição – dada a novidade dos concei- a caminhar na direção de maior integração
tos e da prática – tornou-se, em São Caetano do – em benefício mútuo e para melhor servir
Sul, o primeiro modelo de fato para os círculos suas metas. Por fim, durante todo processo
restaurativos, servindo de referência para ou- de capacitação, os conceitos vigentes acerca
tras formas de procedimento às quais os facili- de disciplina, infração, autoridade, poder,
tadores foram expostos ou que desenvolveram responsabilidade, normas e violência são
durante a vida desta etapa do projeto. colocados em questão para que seu sentido
seja recuperado, adaptado ou transformado
Através de exercícios práticos e supervisão pela experiência prática dos círculos.
detalhada essa técnica de operação de círculo
restaurativo é ensinada como habilidade Todos estes assuntos podem estimular an-
artesanal. A repetição e observação de casos, seios, resistências e trazer à tona preconceitos,
vivos e em vídeo, simulados e reais, são os bem como as experiências culturais, profis-
meios principais para partilhar as dinâmicas sionais e pessoais que lhes servem de raízes.
que marcam círculos que este modelo pode Sendo assim a natureza do estudo, a forma
ser usado para entender. pedagógica utilizada durante as capacita-
ções se baseia num profundo respeito pelas
Nesta etapa do aprendizado é importante dis- crenças e pelo progresso do aprendizado de
tinguir o modelo usado como ‘estrutura’, das cada participante, aliado a uma apresentação
muitas formas que podem ser desenvolvidas claríssima do lugar, lógica, limites, história e
a partir dele e para as quais ele nos revela razão de ser da prática restaurativa. O diá-
uma referência. logo entre esses dois aspectos faz com que

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 135

jr_sao-caetano_090204.indd 135 04/02/2009 14:26:53


os participantes considerem a capacitação e o facilitador tem o seu consentimento
como algo relevante, respeitoso e aplicável para lhes chamar a atenção para que não
às suas vidas. diminuam a horizontalidade, utilizem da
comunicação não-violenta e de outros re-
cursos que facilitem chegar a um acordo.
3.2.3. Descrição
O Círculo Restaurativo
da técnica É um espaço no qual partes envolvidas
Passos do Processo Restaurativo no em um conflito, apoiadas por alguém com
modelo da Comunicação Não-Violenta
conhecimento das dinâmicas próprias ao
processo (um facilitador de práticas restau-
O Encontro Restaurativo, ou “Processo Res- rativas), se encontram com a intenção de se
taurativo”, constitui-se de três partes: expressarem e de se ouvirem uns aos outros,
►►o “pré-círculo”, em que o processo é soli- de reconhecerem suas escolhas e responsa-
citado e todos são ouvidos; bilidades e chegarem a um acordo concreto
►►o “círculo restaurativo”, em que os envolvi- e relevante em relação ao ato transgressor,
dos se reúnem e firmam um acordo; que possa cuidar de todos os envolvidos. A
►►o “pós-círculo”, em que a satisfação dos dinâmica do círculo se desenvolve por meio
envolvidos e o cumprimento do acordo de três etapas:
são avaliados.
yy compreensão mútua – as partes passam a
O nível de restauração das interações prejudi- se perceber como semelhantes;
cadas pelo conflito aumenta à medida em que, yy luto e transformação – as escolhas e
nas fases do pré-círculo, círculo e pós-círculo responsabilidades envolvidas no ato da
há um aumento ou intensificação no grau das transgressão são reconhecidas;
seguintes dimensões: yy acordo – participantes desenvolvem ações
yy voluntariedade e cooperação – os envol- que reparem, restaurem e reintegrem.
vidos participam de livre e espontânea
vontade; Três afirmações básicas ao se entrar em um
yy horizontalidade – diminui, e até desapa- Círculo Restaurativo.
rece, o uso de poder pré-estabelecido por
papéis sociais entre aqueles que partici- Eu Concordo:
pam no processo, incluindo o facilitador yy em participar do círculo. Só se pode es-
de justiça; tar no círculo por escolha própria, sem
yy comunicação empática – cada vez mais a coerção;
atenção é focalizada nos valores comparti- yy em dar a palavra a todos, como combinado
lhados pelos participantes, diminuindo-se antes do círculo.
e até descartando-se o uso de perguntas
analíticas, como as que começam com Eu Recordo
“Por que...?”, “Como...?”, “Você não acha yy os valores que informam como quero
que...?”, “Quando...?” e “Mas...?”, tam- conviver;
bém como afirmações de opinião, como yy os valores que estão informando o outro
“Eu acho que...”, “Você deve...”, “Não se como quer conviver;
pode...”, etc. yy o que queria na hora do ato;
yy compreensão do processo – as etapas do yy que posso escolher como quero viver a
círculo são explicadas aos participantes partir de agora.

136 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 136 04/02/2009 14:26:53


Eu Acordo suas palavras, o que o silêncio das pessoas
yy em chegar a um acordo que implica em está tentando dizer;
AGIR, em FAZER algo que reequilibre, yy ajudar as partes envolvidas a “delinear”
restaure, cure o que foi desequilibrado, um acordo, a propor ações de reparação
quebrado ou ferido; do dano ou ofensa.
yy em realizar uma ação que, de forma real
e simbólica, repara, restaura e começa
reintegrar;
yy em criar sentido para mim mesmo, ao O facilitador de práticas
contribuir para o bem estar do outro.
restaurativas e os
Atuação do Facilitador de Práticas momentos do processo
Restaurativas restaurativo no modelo
O facilitador de práticas restaurativas facilita
da Comunicação Não-
– torna mais fácil – que os participantes do
processo cheguem aonde querem. A escolha e Violenta
a responsabilidade por “chegar lá” são sempre
dos participantes. Assim, o facilitador deve A) Processo Restaurativo:
reconhecer que atitudes como diagnosticar,
tentar convencer, julgar e aconselhar os outros
(sem que isso tenha sido solicitado) tende O pré-circulo. O início do caminho
a interferir no caminho deles. O facilitador ao círculo
ajuda os participantes a ouvirem a si mesmos Antes de se realizar um círculo ou ciranda
e aos outros, e, livremente, tomar decisões. (em caso de crianças envolvidas em conflito),
Para isso, ele precisa: muitas etapas devem ser ultrapassadas:
yy escutar a todos atentamente, com foco nos yy quem solicita o círculo é acolhido;
seus valores e necessidades e em qualquer yy quem é visto como responsável pelo ato é
oferta de acordo que seja verbalizada; contatado e acolhido, e, se concorda em se
yy manter combinados anteriores, cuidan- responsabilizar, convidado a participar;
do da segurança de vítima, infrator e yy os dois são entrevistados, individualmen-
membros da comunidade que possam te, para que o facilitador de justiça possa,
acompanhá-las; entre outras coisas: compreender o que
yy “traduzir” as partes envolvidas umas para aconteceu, na perspectiva de cada um;
as outras, “pegando emprestado” o papel yy ouvir empaticamente, sempre;
de uma ou da outra, para tentar expressar yy apresentar o restante do processo, seus
aquilo que ele/ela não está conseguindo princípios, a forma de funcionamento
colocar em palavras; dos círculos, e procurar o consentimento
yy “sondar” quais são as necessidades das dos participantes para que se utilizem de
pessoas e as convidar a expressá-las no um roteiro onde os passos futuros são
tempo presente. Aberturas de perguntas descritos;
empáticas: Você quer...? Você precisa de...? yy as partes envolvidas no conflito indicam as
Você prefere que...? Sua necessidade de.... pessoas da comunidade local que gostariam
(respeito, amor, segurança, etc) é atendida de ter presentes como apoios no círculo;
quando... ( X ou Y acontece)? yy a comunidade é informada do círculo
yy “ler” e “traduzir” em palavras o que é dito para que as pessoas interessadas possam
com o corpo, sem falar. Expressar, com participar;

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 137

jr_sao-caetano_090204.indd 137 04/02/2009 14:26:54


yy o facilitador informa antecipadamente para um espaço e um tempo diferentes, de
aos participantes da comunidade sobre os não julgamento.
objetivos e modo de operar do círculo.
Círculo – Momento UM:
Em todas essas etapas perguntas empáticas “Compreensão mútua”
são usadas, especialmente quando aparecem Foco em “A” – Pessoa que foi / sente-se mais
aquilo que costumamos chamar de “resistên- prejudicada, ofendida por determinada ação.
cias”. O objetivo não é quebrar a resistência, “A” fala – “A” expressa, no tempo presente, as
mas possibilitar à pessoa entrar em contato suas necessidades atuais que estão desa-
com a real necessidade que está por trás de tendidas depois do que aconteceu.
suas palavras ou silêncio.
“B”, que assumiu a autoria da transgressão,
Além disso, o facilitador precisa fortalecer- demonstra para “A” que compreendeu o
se interiormente para realizar suas tarefas que ele quis dizer. “A” não falou por falar,
no processo. Assim, ele irá concentrar-se e mas para ser entendido. Quando “A” diz
conectar-se com seus recursos interiores. que foi compreendido em suas necessida-
Pode invocar a imagem de alguém que o des, e não antes, esta rodada acabou.
inspire, por exemplo. Se precisar, busca apoio
de outros facilitadores. Caso “B” encontre dificuldades de receber a
mensagem que “A” quer que seja compre-
endida, o objetivo do facilitador de justiça
B) Processo restaurativo: o torna-se: ajudar “B” a ouvir e compreender
Círculo as necessidades de “A”. Resultado desejado:
“A” reconhece que foi ouvido e compreen-
dido por “B”.
Momento preliminar no Círculo
O facilitador de práticas restaurativas retoma Depois que “B” parafraseia, ou seja, expressa
os objetivos e procedimentos do círculo; lê a sua compreensão a respeito daquilo que
com os participantes as etapas do Caminho “A” falou, o facilitador de justiça checa com
Rumo ao Acordo e explica o seu papel, que é “A”: “Foi isso que você quis dizer? Você
manter as etapas do processo, ajudar as duas considera que “B” te compreendeu?” Em
pessoas a se ouvirem e registrar o acordo caso afirmativo, passa-se ao momento 2.
que eles vão fazer. Esse momento preliminar
(bem no início do Círculo) é muito impor- Em caso negativo, o facilitador de justiça se ofe-
tante, pois representa, para o facilitador de rece para“traduzir”o sentido das palavras de
justiça e para as partes envolvidas, a oportu- “A”para“B”de uma forma que“B”compreen-
nidade de conectar-se com o novo paradigma da. A forma mais eficaz de se fazer é através
de escuta e não julgamento. O facilitador de do uso da pergunta empática, que resume o
justiça pode focalizar em sua mente a razão essencial expresso, ou seja, as necessidades
pela qual está realizando o círculo e a rede universais (como o amor, a compreensão, o
de apoio da qual faz parte. Durante toda respeito, a segurança, etc) que estão por trás
a dinâmica do círculo ele pode retornar a daquilo que “A” está falando.
essa lembrança, recorrendo a um colega co-
facilitador quando necessário. O momento de O facilitador de justiça faz perguntas que
abertura é um ritual de passagem: o facilita- “sondam” quais são as necessidades de
dor e os participantes do círculo transitam “A” e convida “A” a expressá-las no tempo

138 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 138 04/02/2009 14:26:54


presente. Aberturas de perguntas desse
tipo: Você quer que...? Você precisa de...? DICA:
Você prefere que...? Sua necessidade de...
(respeito, amor, segurança, etc) é atendida O foco aqui é o que cada um precisa (definido como ‘valor’ ou
quando...? “A” confirma ou complementa a ‘necessidade’, tendência comum aos seres humanos, indepen-
“tradução” do Facilitador de justiça. dente das diferenças entre pessoas, lugares, atos ou tempos
específicos). O facilitador de justiça, por meio de perguntas
“B” é novamente convidado a dizer o que empáticas, ajuda a pessoa a transitar do campo dos sentimen-
compreendeu. tos para o das necessidades atendidas e não atendidas.

Se “A” ainda não se sente compreendido, o


facilitador de justiça talvez opte por tentar Exemplo:
de novo a tradução, ou por inverter seu
foco, agora traduzindo “B” para “A”. (Isto
representa uma mudança de estratégia, “A”: “Quando você,“B”, entra na sala e não me cumprimenta,
baseada na constatação de que a capacida- eu sinto muita frustração porque acho que você está me
ignorando de propósito.”
de de ouvir e compreender outros - e por
isso de responder com precisão à pergunta Facilitador de justiça, para “A”: Você tem necessidade de
“O que é que você ouviu o outro dizer?” - é ser visto e considerado? “A”: Não é só isso: eu quero
inversamente proporcional ao grau de sa- respeito.
tisfação da nossa própria necessidade de
sermos ouvidos e compreendidos). Assim,
o facilitador de justiça irá primeiro checar
com “B” – “Foi isso que você quis dizer? Círculo – Momento DOIS:
Você compreendeu que “A” quer... ou pre- “Compreensão mútua”
cisa de... ou... tem necessidade de....?”. Foco em “B” – Pessoa que assumiu ter prati-
cado a ação ofensiva /agressiva
Se “B” concorda, o facilitador de justiça “B” fala. “B” expressa, no tempo presente, as
checa com “A”: “Você considera que “B” te suas necessidades atuais desatendidas
compreendeu?” Continua repetindo esse depois do que aconteceu.
procedimento até que “A” reconheça nas
palavras e gestos de “B” que ele ouviu e “A” demonstra para “B” o que ele compre-
compreendeu o que “A” falta, no nível de endeu ela dizer. “B” não falou por falar,
valores e necessidades, para ter seu senso mas para ser entendido. Quando “B” diz
de “justiça” atendido, ou para sentir o que foi compreendido, e não antes, esta
conflito resolvido. rodada acabou.

O objetivo, agora, é ajudar “A” a ouvir e com-


preender quais são as necessidades de “B”.
Resultado Desejado: “B” reconhece que foi
ouvido e compreendido por “A”.

Depois que “A” tentou fazer a paráfrase, ou


seja, expressar a sua compreensão a res-
peito daquilo que “B” falou, o facilitador
de justiça checa com “B”: “Foi isso que

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 139

jr_sao-caetano_090204.indd 139 04/02/2009 14:26:54


você quis dizer? Você considera que “A”
te compreendeu?” Em caso afirmativo, Exemplo
passa-se ao Momento 3.

Em caso negativo, o facilitador de justiça Exemplo de Facilitador de justiça


pode tentar “traduzir” “B” para “A”, por ao traduzir “B” para “A”, neste caso,
fazendo a ponte entre sentimentos e
meio de perguntas empáticas, que con-
necessidades.
vidam, neste caso, “B” a se expressar em
termos de necessidades que “A” possa re-
conhecer como sendo semelhantes às suas “B” para “A”: “Quando você diz que
(amor, compreensão, respeito, segurança, se sente frustrado porque eu o
estou ignorando de propósito e
etc) e que pressupomos estarem por trás que eu passo por cima de sua
daquilo que “B” está falando. necessidade de ser respeitado,
eu me sinto muito mal, porque eu
Aberturas de perguntas desse tipo, onde “B” me vejo como uma pessoa que
é convidado a expressar suas necessidades respeita os outros e sempre dou o
melhor de mim para que as tarefas
no tempo presente são: Você quer que...?
sejam realizadas!”
Você precisa de...? Você espera que...?
Sua necessidade de.... (respeito, amor, Facilitador de justiça para “B”: Você
segurança, etc) é atendida quando...? “B” quer ser visto como alguém que
confirma ou complementa a “tradução” respeita os outros?
do facilitador de justiça. “A” é novamente
“B” para Facilitador de justiça: Sim, e
convidado a dizer o que compreendeu. Se também eu tenho necessidade de
“B” ainda não se sente compreendido, o fa- que confiem em mim.
cilitador de justiça traduz “A” para “B”. Pri-
meiro checa com “A” – “Foi isso que você Quando A e B conseguiram ouvir-se
quis dizer? Você compreendeu que “B” um ao outro e compreender-se,
os membros da comunidade pre-
quer... ou precisa de... ou tem necessidade sentes, como suportes ou não,
de...”. Se “A” concorda, checar com “B”: podem querer se manifestar. As
“Você considera que “A” te compreendeu?”. vezes procuram esclarecer como
Continuar repetindo esse procedimento a pessoa que estão lá para apoiar
até que “A” ouça e compreenda - e “B” está se sentindo, ou querem que
a outra parte compreenda algum
reconheça que “A” ouviu e compreendeu
aspecto específico da questão.
suas necessidades.

140 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 140 04/02/2009 14:26:54


Círculo – Momento TRÊS:
“Luto e transformação”
Foco na Ação que gerou o dano/o
conflito

Nesta fase do processo, é comum que os


envolvidos voltem-se para o momento da
transgressão. O foco da atenção, de forma
geral, é o momento simbólico em que um
valor de grande importância para cada um
deles foi desconsiderado.

Quem cometeu o ato transgressor pode ter


diferentes graus de consciência acerca do
que perdeu naquele dia. Quem sofreu as
conseqüências, provavelmente está mais
ciente de suas perdas. Essas distinções
devem ser observadas pelo facilitador de
justiça, que avalia quem irá convidar a Esse momento se encerra quando “B” confir-
falar primeiro. ma que foi compreendido por “A” de forma
satisfatória.
O facilitador de justiça deve destacar as
necessidades não atendidas de quem está Mais uma vez, o facilitador de justiça irá faci-
falando no círculo – sempre no tempo litar o processo, lidando com os obstáculos
presente – ao lembrar os eventos que que possam surgir na comunicação.
provocaram o processo restaurativo.
Essa seqüência pode ser invertida, e é “A”
Nessa volta ao passado, o facilitador de quem começa a refletir sobre o dia do
justiça busca ouvir, no relato de “B”, evento.“B”, então, indagará empaticamen-
por exemplo, aquilo que ressoa em sua te sobre o que não foi dito, ou o que não
vida. Caso “A” encontre dificuldades em ouviu, até que seus “chutes” confirmem
resumir o que está ouvindo, em termos que pode prosseguir.
que facilitem o encontro, o facilitador de
justiça verbaliza o que imagina serem Esta fase termina quando a capacidade dos
os pontos mais urgentes, em forma de envolvidos no conflito, de olharem para
perguntas. si mesmos e para o outro como dois seres
humanos, objetivo dos momentos Um e
Supondo que “B” seja o primeiro a falar, o faci- Dois do círculo, é exercida retroativamen-
litador de justiça irá convidá-lo a recordar te.“A” e “B”, agora, podem “voltar” ao dia da
as necessidades que estava de fato procu- transgressão, e, nesse dia, enxergarem-se
rando atender quando praticou a ação que um ao outro como seres humanos.
ofendeu / lesou o outro. É a hora do luto
pelas necessidades não atendidas. Este momento, como no final da fase ante-
rior, pode ser propício para engajar os
Em seguida será a vez de “A” falar, demonstran- membros da comunidade presentes que
do o que compreendeu da fala de “B”. desejem expressar-se.

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 141

jr_sao-caetano_090204.indd 141 04/02/2009 14:26:56


Círculo – Momento QUATRO:
“Ponto de chegada: ACORDO”
O que é o Acordo
“B” e “A”, e talvez membros da comunidade,
propõem uma ação ou conjunto de ações
1. É no acordo que desemboca o processo do Círculo que possa/m ser realizada/s, principal-
Restaurativo. No entanto, não pode ser forçado, e mente, por quem causou o dano, para
não é por ele que se mede o sucesso do círculo.
reparar esse dano e restaurar a relação
2. É único e une as duas pessoas que antes estavam desequilibrada pelo conflito. As ações
separadas pelo conflito. sugeridas devem ser concretas, específicas,
3. É a intenção com qual se entra e a proposta com qual
exeqüíveis, não genéricas e relevantes em
se sai do Círculo. relação aos danos causados. Para que pos-
sam ser avaliadas, devem prever o prazo
4. Consiste em uma AÇÃO, em algo que se vai FA- de cumprimento.
ZER para reequilibrar, restaurar, curar a relação
desequilibrada, quebrada, ferida pelo conflito.
Acordos factíveis descrevem ações que
5. É formalizado em um documento, assinado por podem ser cumpridas com os recursos
todos. disponíveis, sem necessidade de envolver
6. Caso os Conselheiros Tutelares não participem do pessoas não presentes no circulo. Um bom
círculo, é muito importante que o facilitador de jus- acordo produz resultados tangíveis para os
tiça perceba quais as demandas por atendimento participantes.
implícitas nas falas do agressor, da vítima ou da
comunidade. Assim, deve fazer parte do acordo
Acordos podem reparar danos materiais, mas
o encaminhamento de “A” ou “B” ou ambos, bem
como membros de suas famílias, ao Conselho devem conter também um forte elemento
Tutelar. restaurativo. A diferença entre “reparar” e
“restaurar” é que “reparação” diz respeito a
7. Afinal, o papel do Conselho Tutelar é, a partir
coisas, enquanto “restauração” se relaciona
das necessidades identificadas nos círculos, re-
comendar que as pessoas envolvidas passem a ao significado que as coisas têm para as
freqüentar um programa educacional, cultural, de pessoas. Ofertas de acordo com baixo valor
assistência, saúde ou complementação de renda. material e alto valor simbólico são, em ge-
Assim se impulsiona a rede de atendimento e, por ral, consideradas mais satisfatórias pelos
meio dela, a construção coletiva dos direitos da participantes, a médio e longo prazo.
infância e adolescência.

Ao redigir o Acordo, os facilitadores de justiça


devem estar atentos para evitar palavras e
frases genéricas como “sempre”, “nunca“,
“cada vez que”, “parar de...”, “prometo
que...”, além de vagas declarações de
intenção, que usam palavras como “res-
peitar“ para descrever ações. O acordo é
entregue aos envolvidos. Relatório sem
dados pessoais dos envolvidos é enca-
minhado à coordenação do projeto para
efeitos estatísticos e de avaliação.

142 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 142 04/02/2009 14:26:56


Processo restaurativo:
o Pós-Círculo
3.3. Capacitação
Terminado o círculo, será preciso acompa- dos facilitadores
nhar o cumprimento do acordo e verificar o
nível de satisfação dos participantes com o de práticas
processo e seu resultado. Isso envolve tam-
bém verificar se o atendimento nos serviços restaurativas
de apoio foi realizado, e tomar providências Segundo a metodologia Zwelethemba
em caso contrário.
3.3.1. Fundamentos
Inserindo a comunidade no círculo
Não se pode compreender um indivíduo dis-
teórico metodológicos
sociado da rede de relações a que pertence. da capacitação
As vítimas pertencem a grupos. Elas sentem- Uma capacitação informada pela visão sistê-
se fragilizadas na comunidade pela falta mica e, em especial, pelo construcionismo so-
controle que sentem em conseqüência do cial, é um processo de ensino e aprendizagem
ato ofensivo. Elas precisam readquirir seu que envolve diálogos focados nos propósitos
sentimento de poder pessoal. Esse fortaleci- de cada atividade docente, desenvolvendo
mento, que só pode ocorrer na relação com a uma construção conjunta da aprendizagem.
comunidade, é o que transforma vítimas em Como afirma Dora Schnitman (2006),“...uma
sobreviventes. criação dialógica [é] a construção gradual
no tempo de algo novo mediante o diálogo
Aqueles que agem com violência prejudicam reflexivo e a aprendizagem conversacional
seu relacionamento com as comunidades ao em grupos humanos. No desenvolvimento
trair a confiança das mesmas. Para recriar do processo, as pessoas ou grupos chegam
essa confiança, eles devem ser fortalecidos a ver, experimentar, descrever, vincular-se e
para poder assumir responsabilidade por posicionar-se de maneira diferente.” 113 113 “Diálogos Gera-
tivos”, Schnitman, F.
suas más ações. As comunidades preenchem D.,Pensando Famílias,
as necessidades daqueles que dela fazem Optou-se, portanto, pelo uso de metodologias 10(2), nov. 2006;(28)
parte, garantindo que algo será feito sobre que pudessem ser eficientes e úteis na con-
o incidente; que serão tomadas medidas temporaneidade, ou seja, informadas pelos
para evitar novas situações de conflito e novos paradigmas que norteiam as práticas
que vítimas e transgressores serão a elas construcionistas.
reintegrados.
O construcionismo social, com múltiplos
As partes da comunidade interessadas, es- recursos conversacionais e com um olhar que
tando ou não ligadas emocionalmente aos valoriza positivamente o potencial criativo do
afetados pela situação de conflito, devem inesperado e do novo, beneficia um projeto
apoiar e facilitar os processos em que as piloto que busca a descoberta de caminhos
próprias vítimas e ofensores determinam o ainda não trilhados.
que deve ser feito. Estes processos reintegra-
rão vítimas e transgressores, fortalecendo a Entendendo o processo de ensino-aprendi-
comunidade, aumentando a coesão, fortale- zagem como conversacional, inclui a todos
cendo e ampliando a capacidade dos cidadãos como interlocutores de diálogos que cons-
de solucionar seus próprios problemas. troem conjuntamente um conhecimento

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 143

jr_sao-caetano_090204.indd 143 04/02/2009 14:26:57


significativo para cada um, transformando e com as ações de implementação do
o lugar do participante de aprendiz a autor projeto de Justiça Restaurativa, tais como
de cada processo singular, centralizado em os facilitadores de práticas restaurativas.
contextos específicos e locais. Sua metodologia é estruturada de maneira
a guardar uma coerência estreita entre
O enfoque construcionista social e sua me- forma e conteúdo, entre o saber e o saber
todologia, tendo como centro a crença na fazer, utilizando exercícios temáticos e
autonomia do sujeito em sua relação com participativos, e a vivência de facilitação
os outros, coincide com a expectativa do em situações simuladas de círculos res-
projeto de instalar um regime de governança taurativos.
na comunidade, onde os indivíduos possam
responsabilizar-se pelo encaminhamento de O conteúdo programático é organizado em
seus conflitos. Para isso, tornou-se de vital torno de três eixos temáticos - conversação,
importância operar com procedimentos que violência e justiça:
empoderassem os integrantes, e favoreces-
sem seu comprometimento e adesão aos a) Conversação como ferramenta:
princípios e à postura restaurativa. »» boas conversações – ingredientes
próprios;
»» conversações – instrumentos (pergunta,
3.3.2. Objetivos, escuta, expressão verbal respeitosa e
transparente);
conteúdos e »» conversação facilitada (arquitetura
metodologias da conversação, preparação dos inter-
locutores, terceiro como guardião do
O objetivo geral das capacitações para facili- processo).
tadores de práticas restaurativas (da mesma
forma que a destinada a derivadores/enca- b) Violência doméstica e de vizinhança como
minhadores) é propor uma visão diferente tema:
dos temas “violência” e “justiça” para um »» violência em geral e violência em rela-
grande número de indivíduos que integram ções de convivência – doméstica ou de
a rede que responde a, ou é envolvida por, vizinhança – (conceito, tipos, enfoque
um ato de violência. Visa-se, portanto, uma sistêmico);
mudança de paradigma nas formas de »» violência e intervenções – interrup-
pensar, sentir e agir diante de conflitos ou ção, cuidados com a vítima (abrigo,
atos violentos, sejam eles considerados atos desistência, medo, empoderamento),
infracionais e crimes, ou não, preparando os cuidados com o ofensor (assunção,
participantes para que uma adesão ideoló- reparação);
gica aos princípios restaurativos permeie »» violência doméstica e eu (como faço
todo o processo de aprendizagem. parte desse tema?).

A primeira etapa da capacitação segundo c) Justiça como proposta de intervenção:


a metodologia Zwelethemba é um curso de »» Justiça Restaurativa (conceito, paradig-
cinco encontros de oito horas, com o obje- mas, valores, metas, procedimentos);
tivo específico de promover essa mudança »» princípios restaurativos e eu (como faço
paradigmática necessária à transformação parte desse tema?);
das pessoas envolvidas com os conflitos »» Prática simulada 1 – pré-círculo;

144 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 144 04/02/2009 14:26:57


»» Prática simulada 2 – pré-círculo e cír- yy o desenvolvimento de uma postura empo-
culo - demonstrativa; deradora e reflexiva na prática;
»» Prática simulada 3 – pré-círculo e yy o gerenciamento de seu próprio processo
círculo. de treinamento prático;
yy a busca no grupo, de apoio necessário para
Os recursos metodológicos para atingir tais responder aos seus questionamentos e
objetivos específicos são: necessidades individuais;
yy exercícios reflexivos de autoconhecimento yy a vivência do formato recomendado para
e mudança pessoal, voltados à facilitação a capacitação continuada posterior de
de círculos restaurativos; maneira autônoma, sem a presença física
yy equacionamento de questões para articu- de um capacitador.
lar o ritmo do programa com o acolhimen-
to do interesse e curiosidade manifestado Para atingir o objetivo específico de ajustar
pelas questões espontâneas do grupo; o atendimento dos facilitadores nos plantões
yy “Como eu faço parte desse tema?” como às necessidades que emergem na implemen-
a pergunta norteadora para a construção tação do Projeto, favorecendo a “aculturação”
social do significado de cada tema, para a do modelo aos padrões e necessidades do
ampliação teórica, e para o levantamento contexto de São Caetano do Sul, o trabalho
de recursos do grupo, partindo das habi- é desenvolvido em torno de três eixos nor-
lidades pessoais dos participantes. teadores:
yy supervisão de casos reais atendidos pe-
A segunda etapa dessa capacitação segundo los facilitadores, em formato reflexivo e
a metodologia Zwelethemba, compreende cooperativo;
10 oficinas com freqüência quinzenal e yy trabalho com temas que emergem da
duração de três horas, com os objetivos prática de facilitar e que expressam as
específicos de: necessidades dos participantes;
yy seguir e aprimorar a prática dos facilita- yy notícias pertinentes, ou ampliadoras, ao
dores capacitados; projeto e à justiça restaurativa.
yy aculturar a técnica aos padrões e neces-
sidades do contexto de São Caetano do O terceiro objetivo específico, de garantir a
Sul; auto-sustentabilidade do projeto, pode ser
yy possibilitar a auto sustentabilidade do atingido por essas oficinas à medida que pos-
projeto. sibilitam aos participantes responsabilizar-se
pela própria aprendizagem e se perceber com
O formato conversacional adotado nesses poder para cooperar eficazmente.
encontros é “Oficinas de Prática de Media-
ção Transformativa” – modelo desenvol-
vido pela equipe do setor de mediação do
Instituto Familiae para mediadores recém
credenciados.

Atendendo ao objetivo específico de apri-


moramento da prática, possibilita ao par-
ticipante:
yy o acompanhamento supervisionado de
sua prática;

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 145

jr_sao-caetano_090204.indd 145 04/02/2009 14:26:57


3.3.3. Desenvolvimento »» refletir sobre os modos de mobilização
da comunidade para as ações preventi-
da capacitação
vas coletivas;
»» aprofundar técnicas de gestão e preser-
A primeira capacitação de facilitadores para vação do modelo.
operar círculos restaurativos nesse modelo
comunitário foi extremamente beneficiada Outro ponto que merece ser mencionado é
pela vinda de sul-africanos, coordenadores que os facilitadores são capacitados para
do projeto Zwelethemba, especialmente a ação resolutiva dos conflitos de modo
convidados para compartilharem sua ex- restaurativo, procurando envolver a co-
periência. (Ver pág “Justificativa e público- munidade e reatar vínculos e conexões da
alvo”) Realizaram um curso intensivo de 20 rede primária dos envolvidos em situação
horas, para dois grupos, em uma semana, e de conflito, bem como dos agentes da rede
tiveram uma participação especial no Semi- secundária de atendimento, a partir das
nário Internacional de Justiça Restaurativa necessidades avaliadas em pré-círculo.
e conflitos de violência doméstica e de vizi- A participação destes agentes da rede
nhança (2006, São Caetano do Sul). Essa foi secundária, tais como grupos de apoio a
uma oportunidade única e enriquecedora de mulheres, negros, idosos e outros depende
aprender com autores e professores que falam da aquiescência dos envolvidos na situ-
de uma metodologia “na língua materna”. ação de conflito. Seu papel, mais que de
Dessa forma, todos os que participavam das ingerência no processo, é de suporte aos
capacitações – capacitadores e capacitados, envolvidos quando em situação de fragili-
puderam desfrutar desse conhecimento que, dade, contribuindo eventualmente para a
aos poucos, tem sido incorporado às capaci- problematização de valores culturais que,
tações posteriores e atuais. pela assimilação acrítica, possam denegar
direitos.
Essa etapa extraordinária da capacitação, se-
gundo a metodologia Zwelethemba realizada
pelos sul-africanos, ocorreu entre o curso e as 3.3.4. Descrição da
oficinas descritas acima e teve como objetivos
específicos: Técnica – Momentos do
»» contextualizar o surgimento do modelo Processo Restaurativo
na África do Sul e sua expansão a outros no Modelo Zwelethemba
países;
»» marcar a distinção entre o propósito de
governança, mais que de segurança; O círculo restaurativo segundo o modelo
»» distinguir as formas de resolução in- Zwelethemba tem como base e parâmetro
dividual de conflitos da ação coletiva o “Código de Boas Práticas”, que é lido na
e preventiva pela comunidade (peace- abertura da atividade:
making e peacebuilding);
»» delimitar o papel de cada um dos atores yy Ajudamos a criar um ambiente seguro e de
envolvidos no projeto; confiança na nossa Comunidade;
»» explicar os passos da resolução dos yy Respeitamos a Constituição do Brasil e
conflitos (peacemaking), valendo-se as leis;
de experiências de dramatização (role yy Não usamos força ou violência;
playing); yy Não tomamos partido em disputas;

146 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 146 04/02/2009 14:26:58


yy Trabalhamos na comunidade como uma Etapa Dois: organização do
equipe cooperativa, não como indivíduos; círculo
yy Seguimos com transparência as regras
para a resolução de conflitos, comuns a “O facilitador encoraja as pessoas direta-
todos os membros da comunidade; mente envolvidas no conflito a se encon-
yy Não espalhamos boatos ou mexericos trarem num Círculo Restaurativo e Comu-
acerca do nosso trabalho ou de outras nitário. Discute com elas a possibilidade de
pessoas; que outros possam também estar presentes
yy Nós assumimos compromisso com aquilo para ajudar a encontrar uma solução pa-
que fazemos; cifica e prática. Anota o nome das pessoas
yy O nosso objetivo é restaurar, não ferir. que devem ser convidadas, acompanhados
de outras informações:sexo, telefone de
Esta técnica desenvolve-se através das etapas contato e situação de emprego”.
que descrevemos abaixo:
Na primeira etapa, identificadas as pessoas
diretamente envolvidas no conflito, a elas
Etapa Um: contatos foi apresentada a possibilidade de resolução
de seus atritos em círculo restaurativo. Elas
“O facilitador encontra-se com as pessoas foram encorajadas a se encontrarem para
diretamente envolvidas no conflito (uma resolver as pendências de modo a poderem
de cada vez) para tentar saber o que acon- conviver sem violência. Como a participação é
teceu ou qual parece ser o problema. Anota voluntária, sua vontade deve ser respeitada.
em uma folha os seguintes dados:data da
entrevista; nome, sexo, endereço,situação Mas o conflito espraia-se para a comunidade,
de emprego das pessoas que entrevistar.” e por isso o envolvimento de outras pessoas é
fundamental. Ao facilitador compete discutir
Os facilitadores de práticas restaurativas de- com os diretamente envolvidos no conflito a
vem se encontrar com as pessoas diretamente possibilidade de que outros possam também
envolvidas no conflito, a partir da solicitação estar presentes para ajudar a encontrar uma
delas ou de seus amigos/familiares, ou do solução pacifica e prática. Quanto maior o
encaminhamento feito pelo Fórum, nos casos número de vozes envolvidas e mais diversifi-
de Juizado Especial Criminal, inclusive de cadas, maior será a capacidade de restauração
crimes contra criança e adolescente, ou da e de solução dos problemas.
Vara da Infância e da Juventude, sempre que
as pessoas sejam do bairro e o conflito diga Este envolvimento favorece a promoção do
respeito a relações contínuas. O encontro conhecimento social local, a interconexão
deve ser feito com cada uma das pessoas, entre as pessoas e uma ligação entre a ad-
separadamente. ministração dos conflitos individuais e a
abordagem de problemas gerais. Com isso,
Como a intenção é não só resolver mas amplia-se a possibilidade de acesso à justiça
prevenir, e o conflito pode ter aspectos mais para além dos casos meramente criminais
amplos, a identificação de características ou, no caso de círculos escolares, de infrações
socioeconômicas, de gênero e cor são im- disciplinares, permitindo à comunidade e
portantes para contribuir na reflexão sobre à escola apropriarem-se dos círculos como
as situações de exposição à violência mais espaços de encontro e de promoção de res-
recorrentes na comunidade. ponsabilidade compartilhada pela paz. Há,

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 147

jr_sao-caetano_090204.indd 147 04/02/2009 14:26:58


neste contexto igualmente, uma preocupação Etapa Três: responsabilidades
com a identificação das pessoas conforme sua no círculo
situação socioeconômica e social, gênero e
raça, com a intenção de promover vínculos e “O facilitador faz uma lista dos nomes
de construir de redes de pertencimento. de outros facilitadores de práticas res-
taurativas presentes. Preenche uma folha
Como o processo volta-se para o futuro, com com as seguintes informações:nome do
a meta instrumental e pragmática de superar facilitador e do secretário;número total
as raízes dos problemas, o pré-círculo se de horas passadas no círculo; forma de
restringe à identificação de quem participará chegada (procura espontânea, encami-
do círculo. Colhe-se apenas o consentimento nhamento Fórum, Polícia, PSF, entidade
verbal das pessoas de participarem de um de atendimento, CT, OAB, outras); n° de
procedimento voltado à construção de con- vezes em que o círculo foi adiado; razão
dições de convivência em paz, conforme o para o adiamento”.
código de boas práticas e delimita-se quem
serão os responsáveis pela facilitação. Dois são os facilitadores responsáveis pela
condução do círculo, podendo até seis pes-
Os casos de violência doméstica, que são os soas assumirem este papel, dependendo do
mais presentes nos círculos comunitários, número de participantes. Um deles assume o
apresentam uma peculiaridade que demanda papel de secretário, tornando-se responsável
um atendimento imediato. Por apresentarem pelo preenchimento do relatório. O relatório
uma dinâmica cíclica que alterna a agressão contém a identificação do facilitador e do se-
com a reconciliação, e por ficarem silenciados cretário, das pessoas diretamente envolvidas
pela dificuldade de buscar ajuda, torna-se ne- no conflito, e dos membros da comunidade
cessário acolher e avançar no processo restau- indiretamente envolvidos, além de dados
rativo com os que se apresentam no primeiro sobre o encaminhamento e a resolução dos
momento, buscando ajuda na fase de agressão. problemas. Entre os facilitadores pode haver
Para lidar com essa especificidade, modificou- pessoas de diferentes idades para refletir a
se o procedimento padrão (Veja box). diversidade da comunidade. Quanto mais

Os casos de violência doméstica

Após o acolhimento dos envolvidos que chegam aos locais de atendimento buscando
ajuda, avança-se até a etapa sete, introduzindo aí uma pausa para ponderar sobre a
participação dos envolvidos indiretamente na situação de violência e sobre a inclusão
de representantes de algum grupo de apoio. O encaminhamento prévio e consensual
dos envolvidos, notadamente nos casos de violência doméstica, a grupos de apoio de
minorias ou de atendimento a situações como alcoolismo, drogadição, permite que o
foco do círculo se concentre na dinâmica das relações, mais do que em características
individuais ou em situações que poderiam ser tomadas como patológicas. Consegue-
se, com isso, uma maior promoção de responsabilidade e autonomia, com um maior
comprometimento e respeito por todos.

148 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 148 04/02/2009 14:26:58


diversificada for a sua origem, filiações Etapa Cinco A: relato dos
religiosas, idade, atuação profissional e envolvidos diretamente
comunitária, melhor. na situação do conflito:
a pessoa que solicitou o
As situações de violência doméstica pro-
círculo fala
põem uma questão singular a essa etapa.
O caráter íntimo do tema demanda o
estabelecimento de vínculo de confiança “O facilitador faz as seguintes perguntas
que fica construído na primeira entrevista à pessoa que solicitou o círculo, enquanto
que avança até a sétima etapa do processo. a segunda pessoa diretamente envolvida
E, de maneira geral, como os participantes espera fora da sala:
preferem ser atendidos pelos mesmos
facilitadores na continuidade do trabalho, a) (Nome da pessoa) poderia descrever o
torna-se mais econômico que o círculo seja que aconteceu, no seu ponto de vista?
conduzido apenas por dois facilitadores, b) Você acha que essa questão está relacio-
sendo que um deles é o responsável por nada a outros problemas?*
tomar anotações e secretariar o processo.
Essa atuação em dupla atende essa demanda O secretário anota as respostas, checa com a
e traz ainda, a vantagem de propiciar uma pessoa se o que foi anotado realmente confere
espécie de estágio para quem está sendo com sua descrição dos fatos e com sua percep-
inserido nessa atividade. ção do problema, e pede que ela deixe a sala”.

Os círculos têm por escopo a construção de


Etapa Quatro: a abertura do redes comunitárias. A presença da comuni-
círculo dade, trazida por este ou por aquele envolvido
na situação de conflito, não visa a demarcação
“O facilitador deve construir uma espécie de grupos ou o confronto de perspectivas,
de “fala de abertura” sobre a razão de todos mas a conexão de todos através da compre-
estarem reunidos e sobre os procedimentos ensão das raízes de problemas que, embora
e condutas do círculo” reportados a um caso concreto, podem ter
um caráter transcendente, afetando toda a
A abertura do círculo segue alguns passos comunidade. Normalmente isso envolve o
bem definidos: clareamento, a afirmação e a construção de
1. o facilitador inicia a reunião explicando normas de conduta aceitáveis na convivência
porque estão todos reunidos; entre pessoas diferentes. 114 Essa segunda
2. o facilitador lê o Código do Boas Práticas questão foi introduzida
às pessoas reunidas; Por isso, na presença de todos os envolvidos no modelo original para
facilitar a identificação de
3. todos os presentes afirmam tê-lo compre- no espaço onde se dá o círculo, quem fez a so- outras pessoas afetadas
endido e se comprometem a respeitá-lo; licitação de sua realização é convidado a per- indiretamente pelo
problema: o objetivo é
4. o facilitador explica os passos do círculo manecer na sala e o(s) outro(s) envolvido(s) que sua resposta aponte
para todos os presentes e que todos terão diretamente é(são) convidado(s) a retirar-se. uma problemática mais
ampliada, envolvendo a
seu momento de se manifestar; Todos os demais presentes permanecem. comunidade ou outras
5. o facilitador põe ênfase no fato que seu pa- pessoas, que terão a
oportunidade de serem
pel é somente de facilitar, que não julgará O facilitador faz à pessoa as duas perguntas convidadas posteriormen-
ninguém nem tomará decisões acerca de destacadas acima114.(Neste momento os demais te para contribuir para a
como solucionar o conflito. não têm a oportunidade de se manifestar). solução.

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 149

jr_sao-caetano_090204.indd 149 04/02/2009 14:26:58


Etapa Cinco B: relato dos Uma vez finda a indagação e manifestação
envolvidos diretamente na de todos os envolvidos diretamente, eles são
situação do conflito: fala o convidados a entrar na sala e a se reunir com
outro envolvido diretamente os demais presentes.

Este é o momento em que cada um dos


“O facilitador faz as seguintes perguntas relatórios será lido na presença de todos,
à outra pessoa diretamente envolvida, permitindo, assim, que as diferentes visões
enquanto quem solicitou o círculo espera particulares sejam compartilhadas com os
fora da sala: demais.

a) (Nome da pessoa) poderia descrever o A manifestação individual sobre o conflito e


que aconteceu, no seu ponto de vista? sobre os problemas relacionados, realizada
b) Você acha que essa questão está relacio- na etapa anterior, sem a presença dos demais
nada a outros problemas?* faz com que inexista exposição ou confronto,
mas, em vez disso, um clima de acolhimento
O secretário anota as respostas, checa com que favorece a franqueza.
a pessoa se o que foi anotado realmente
confere com sua descrição dos fatos e com Assim, na presente etapa, as diferentes visões
sua percepção do problema, e pede que ela podem ser compartilhadas de forma mais
deixe a sala” transparente. Esta é uma oportunidade para
que cada parte ouça a versão da outra e todos
compreendam as diferentes perspectivas do
Neste momento, o outro envolvido – e assim problema. Assim, as versões individuais po-
sucessivamente – é chamado a adentrar a sala dem ser alteradas, após a escuta das outras
e a descrever o que aconteceu de seu ponto de versões.
vista, enquanto o primeiro- e outros que vão
ser ouvidos – esperam do lado de fora. Todos
os demais acompanhantes estão presentes. Etapa Sete: problemas
Também nesse momento os demais não têm relacionados à participação
a oportunidade de se manifestar. da comunidade
O mesmo procedimento é observado em re- “Todas as demais pessoas presentes tem ago-
lação a cada um dos envolvidos diretamente ra a oportunidade de explicar como foram
na situação de conflito. afetadas pelo que aconteceu e de indicarem
os problemas que entendem relacionados ao
conflito. O facilitador assegura que todas as
Etapa Seis: alteração dos pessoas presentes tenham a oportunidade
relatórios de falar livremente. O secretário anotará
as falas de cada pessoa”.
“O secretário lê em voz alta os relatórios na
presença de todos. Aqueles diretamente en- As pessoas convidadas da comunidade (no
volvidos poderão fazer acréscimos breves caso de círculos institucionais nas escolas –
ou modificar o que disseram previamente comunidade escolar, famílias – comunidade
na Etapa 5, mas os demais não poderão mais ampla) tiveram a oportunidade de
interferir.” ouvir todas as versões apresentadas e, com

150 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 150 04/02/2009 14:26:59


isso, formar um quadro amplo e distanciado perspectivas alheias, com respeito a seus
da situação de conflito, sem que precisem pontos de vista;
tomar partido por este ou aquele lado. Este yy compreensão dos reflexos do conflito para
procedimento lhes propicia uma relação que é a comunidade ampliada, deslocando o
ao mesmo tempo de proximidade e distância conflito e sua resolução para uma pers-
com as questões envolvidas, tornando-as pectiva mais ampla, comunitária;
capazes de contribuir de forma mais decisiva yy compreensão de como as raízes dos pro-
na identificação das raízes dos problemas e blemas podem ser superadas de modo a
na elaboração de um plano de ação adequado evitar a recorrência do conflito, ao mesmo
para atingí-las. tempo em que se atendem às necessidades
de todos os envolvidos.

Etapa Oito: identificando as A identificação das raízes dos problemas pos-


raízes do problema sibilita ainda uma reflexão comunitária sobre
a necessidade de ações mais abrangentes,
“O facilitador encorajará todos os presentes para além do conflito submetido à resolução
na reunião a considerar o que pode ser feito e superação. É isto que dará margem, seja no
para reduzir a probabilidade de o proble- bairro ou na escola, a ações de construção da
ma ou conflito acontecer novamente... Fará paz, de cunho preventivo e genérico.
as seguintes perguntas115 : 115 Essas duas questões
foram introduzidas com o
intuito de facilitar a iden-
a) O que, na sua opinião, está acontecendo Etapa Nove: proposta para tificação e a expressão
nessa comunidade, que pode gerar situa- um Plano de Ação das raízes comunitárias
do problema,dada a
ções de conflito como a que se apresenta importância desses dados
agora? “O facilitador encorajará todas as pessoas como instrumento para a
mobilização comunitária
b) O que o sugere seja criado, organizado presentes na reunião a fazerem propostas
na comunidade para que fatos como esse para um Plano de Ação que lide com as
não voltem a ocorrer? causas/raízes do conflito identificadas
pelos participantes, para assegurar que o
O secretário anotará as raízes do problema problema não ocorra outra vez”.
apontadas e o nome das pessoas que as
identificaram116 . Mais uma vez explica- Depois da discussão coletiva do que pode 116 As pessoas que
conseguem identificar as
rá que a preocupação não é encontrar ser feito para eliminar ou minimizar as raízes dos problemas têm
culpados ou inocentes, mas perceber causas do conflito, o facilitador conduz o seus nomes consignados,
objetivamente que problemas afetam os preenchimento, pelos participantes, de um não apenas em reconheci-
mento disto, mas também
envolvidos”. quadro no qual são identificadas as ações a como uma forma de pro-
serem realizadas, as pessoas responsáveis moção de sua capacidade
comunitária de auxílio.
Até o momento, o processo fomentou: por elas, quando devem acontecer e quem
yy Reflexão pelos envolvidos na situação de acompanhará a execução. As pessoas que se
conflito; comprometeram assinam especificamente
yy escuta e reflexão pela comunidade pre- neste quadro.
sente, propiciando uma visão abragente
da situação de conflito e como ela afeta a Com isto, procura-se não apenas celebrar um
várias pessoas da comunidade; do acordo, mas comprometer a todos com o
yy escuta pelos envolvidos na situação de seu cumprimento, para superar a situação
conflito, permitindo a assimilação das de conflito.

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 151

jr_sao-caetano_090204.indd 151 04/02/2009 14:26:59


Etapa Dez: compromisso Etapa Doze: encerramento
com o Plano de Ação
“O facilitador pode terminar fazendo a
“Todas as pessoas que aderem ao Plano seguinte pergunta às pessoas:
de Ação devem assiná-lo, declarando que Você conhece alguém que esteja passando
estão satisfeitas com ele e que se compro- por um problema e que poderia se benefi-
117 Pelo caráter metem a cumpri-lo.” ciar de um trabalho como esse?” 117
inovador e ainda pouco
conhecido na comunida-
Em seguida, sugere um “ritual de encer-
de, criamos uma pergunta Todos os demais presentes devem declarar ramento”.
visando a disseminação se aderem ao Plano de Ação, fruto de de-
do trabalho, sugerindo
através de uma ação, liberação coletiva. Para tanto, devem fazer O encerramento da reunião é um ato de cele-
a possibilidade dessa declaração formal, em quadro próprio, com a bração da construção da justiça e da paz. Os
divulgação.
indicação de seu nome completo e endereço, presentes são estimulados a demonstrar o
assinando o termo, numa demonstração de reconhecimento da importância da realização
que estão satisfeitos com o Plano de Ação e do plano de ação,como forma de lhes garantir
que se comprometem a cumpri-lo. um melhor futuro amanhã.

Por exemplo: pode sugerir, sem forçar, que


Etapa Onze: registro todos os presentes na reunião que quiserem
se dêem as mãos ou batam palmas ou se
“O facilitador explica por que todos os abracem, ou façam uma prece ou, cantem...
participantes na reunião (excluindo os conforme as preferências do grupo e respei-
facilitadores de práticas restaurativas) tando sua diversidade.
devem preencher os seus dados em uma
folha, para registro.”
Etapa Treze: entrega de
Todos os participantes na reunião (excluindo registros do círculo e
os facilitadores) devem preencher os seus encaminhamentos.
dados num documento para registro. Isto se
deve à necessidade de avaliação do processo “O facilitador entrega aos envolvidos no
e do projeto, inclusive para expansão a outros círculo o original e cópia das páginas com
lugares. Os presentes são esclarecidos de que as etapas 1, 2, 3, 7 e 8 do relatório produzi-
eles podem ser eventualmente convidados do pelo secretário (parte inicial, raízes do
para uma breve entrevista da qual poderão problema, Plano de Ação e compromisso).
aceitar, ou não, participar. Para garantir o sigilo e privacidade de
todos, consulta-os sobre a destruição no
Um quadro com dados sobre a idade e gênero local das páginas das etapas 4, 5 e 6, infor-
dos participantes é feito pelo secretário para mando que o mais importante do processo
registro da diversidade presente ao círculo. É é a identificação das raízes do problema, o
uma forma de se estimular o reconhecimento Plano de Ação e o compromisso”.
e pertencimento de todos, bem como de per-
mitir uma avaliação mais clara dos casos de Aos participantes é entregue o original do
sucesso ou insucesso dos círculos conforme relatório, onde constam: os dados de identi-
se dê um maior ou menor envolvimento de ficação dos participantes, as raízes dos pro-
certos grupos. blemas, o Plano de Ação e a declaração com o
compromisso de todos em cumpri-lo.

152 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 152 04/02/2009 14:26:59


Uma cópia é mantida com os facilitadores. Como há acompanhamento das atividades
Em círculos comunitários realizados em da Justiça Restaurativa, um relatório é en-
escolas ou outros espaços, se o caso teve caminhado à coordenação dos trabalhos,
encaminhamento formal pela Justiça, os que no caso desse projeto é o juiz, sem es-
próprios envolvidos devem levar o do- pecificação dos dados das pessoas, quando
cumento ao Fórum para que o processo a procura foi espontânea e direta. Se o caso
seja encerrado, estimulando-se a respon- for encaminhado pelo Fórum, serão apenas
sabilidade. Da mesma forma, em círculos essas páginas das etapas 1, 2, 3, 7 e 8 que
institucionais realizados em escolas, se o interessarão e sempre os próprios envolvidos
caso teve encaminhamento formal pelo deverão apresentá-la.
Diretor ou outro gestor, os envolvidos levam
o documento à Direção. Quanto aos demais O relatório permitirá a avaliação do projeto
registros, os presentes são consultados sobre com quantificação do número de casos so-
sua destruição, como forma de garantir o lucionados; tipos de conflito; tipo de causas
sigilo e privacidade de todos e superação identificadas para os problemas; tipo de
das visões do passado. grupos envolvidos nos conflitos e, portanto,
expostos a situações de violência.
O não encaminhamento destas outras partes
do relatório ao Fórum ou à Direção da escola Esta avaliação permitirá de um modo con-
é um modo também de garantir que fatos junto, pela comunidade e pelo poder público,
irrelevantes ao processo ou que denotem a a tomada de ações preventivas e genéricas,
prática de outras infrações não sejam ex- seja através de ações comunitárias, seja com
postas sem o consentimento de todos. Mais reformulação de políticas, ainda que por
ainda, é um modo de superação dos proble- intervenção do Ministério Público.
mas, sem que se tenha de iniciar discussão
sobre determinados conflitos já considerados Esta avaliação também permitirá a mobi-
superados pelos envolvidos. lização pelos facilitadores de justiça junto
a grupos comunitários para envolvê-los na
Nos casos em que a procura do círculo foi solução de conflitos, seja ao lhes solicitar a
direta pela comunidade, os envolvidos, se divulgação do projeto para estas pessoas ex-
quiserem, podem ter seu acordo homologado postas a situações de conflito, seja nas ações
judicialmente, seja no Juizado Especial Cri- preventivas coletivas.
minal, seja na Vara da Infância.

Etapa Quinze: avaliação


Etapa Quatorze: relatório pelos envolvidos na situação
do círculo e passagem para de conflito
ações de construção da paz
“Se houver outro facilitador de práticas
“Em círculos comunitários, o facilitador restaurativas presente, que não tenha par-
lembra aos participantes que, para qual- ticipado do círculo, o facilitador informa
quer outro encaminhamento, eles têm a às pessoas que seria importante se respon-
possibilidade de encaminhar o Plano de dessem a avaliação que fazemos.”
Ação ao Fórum, todas segundas-feiras,
das 13h às 17h, para homologação (con- Um processo de avaliação pelos facilitadores
firmação) judicial...” inicia-se com a apresentação de um questio-

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 153

jr_sao-caetano_090204.indd 153 04/02/2009 14:26:59


nário aplicado por um outro facilitador de com encontros em pequenos grupos auto-
justiça, presente ao plantão, mas que não tenha geridos de participantes, está sendo iniciado
participado do círculo. A intenção é avaliar a nos programas atuais de formação. O tra-
satisfação com o projeto, a receptividade do balho em pequenos grupos é programado
modelo para a resolução de conflitos, o grau de para que os participantes experimentem um
confiança em instituições públicas, as causas funcionamento autônomo e auto-organizado
desta postura positiva ou negativa e o perfil como experiência para os futuros plantões
sócio-cultural e econômico dos envolvidos. de atendimento e para se responsabilizarem
pelo próprio processo contínuo de apren-
dizagem, condições essas, absolutamente
imprescindíveis para a auto-sustentabilidade

3.4. Aprendendo
do projeto.

com a experiência Na esteira dessas inovações, os encontros


realizados entre as capacitações, em que os
Inovações para maior sedimentação das
participantes trabalham em regime auto-
capacitações e auto-sustentabilidade do
gerido, têm se mostrado essenciais para a
projeto
aprendizagem.

Para a sedimentação da implementação das É uma oportunidade de processar os dados e


práticas restaurativas, diversas ações têm informações adquiridos em aula e na leitura
sido planejadas e algumas já implantadas, de textos, transformando-os em conheci-
tais como as oficinas quinzenais de acompa- mento por meio da conversação. E ainda, a
nhamento da prática. Articulando-se o fazer condução reflexiva do capacitador, diante
e o saber fazer, essas atividades procuram das descobertas e questões apresentadas
oferecer a experiência de supervisão no no início de cada encontro de capacitação,
formato reflexivo do Instituto Familiae ao tem gerado um efeito de apropriação desse
mesmo tempo em que possibilitam a apro- conhecimento pelos participantes.
priação pelos participantes de um modelo
de conversação que os ajude a continuar o A experiência, com os workshops sobre os
desenvolvimento e o aprimoramento da temas “violência” e “justiça” mencionados
sua prática, mesmo sem a presença física de anteriormente, mostrou-se muito útil para
capacitadores externos. O acompanhamento todos que se envolvem com o Projeto Restau-
do trabalho dos facilitadores é incrementado rativo, pelo potencial de transformação que
com a utilização de câmera de filmagem podem gerar. Dessa forma, os novos projetos
para registrar o processo de aprendizagem de capacitação têm incluído como atividades
dos mesmos. iniciais esses 2 encontros para o maior núme-
ro possível de interessados e de pessoas que
Um dos pontos fortes dessa atividade é iden- já integram o projeto, com os objetivos de
tificar as competências pessoais de cada um apresentação dos princípios restaurativos e
que sejam úteis para essa atividade e viven- de revisão dos conceitos de violência e justiça.
ciar a possibilidade de ajuda mútua. Essa modificação no programa tem propicia-
do adesões mais comprometidas ao projeto a
O formato para as capacitações e para as partir dessas ressignificações, uma certa inte-
oficinas de prática em encontros quinzenais gração entre derivadores e facilitadores pela
com a presença do capacitador, alternados participação conjunta, além de possibilitar a

154 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 154 04/02/2009 14:27:00


substituição de um encontro de 8 horas do capacitar e coordenar o acompanhamento da
curso de capacitação de facilitadores. prática de outros companheiros, no âmbito
interno do projeto. Como parte desse trajeto,
Partindo dessa modificação, o programa de solicita-se que o facilitador esteja presente em
capacitação de facilitadores é desenvolvido palestras e workshops, e que freqüente novos
grupalmente em 4 encontros quinzenais, cursos de capacitação. Essa participação
em finais de semana, destinados cada um vem trazendo benefícios múltiplos; desde a
ao trabalho de cada uma das três etapas do oportunidade de atualizar sua capacitação,
processo e ao planejamento da prática nos até c estímulo e incentivo aos interessados e
plantões; as dúvidas, questões e sugestões recém chegados, trazendo fortalecimento e
dos participantes preparadas em pequenos um reconhecimento social para o projeto e
grupos nos intervalos entre as aulas presen- para si, como um de seus atores.
ciais, são compartilhadas e trabalhadas com
todo o grupo, sob a crença de que se aprende A adoção da metodologia Zwelethemba
com a dúvida do outro. introduziu um novo ator nas práticas restau-
rativas: o facilitador secretário. Essa função,
Com o objetivo de criar condições para a além de ser mais uma possibilidade para o
auto-sustentabilidade do Projeto, de gerar acompanhamento de um facilitador recém
maior comprometimento e estimular a capacitado, pode também, se exercida por
permanência dos agentes, a partir de 2006 adolescentes e alunos das escolas, ser uma
desenvolve-se uma formação de capacitado- forma de valorização do protagonismo juve-
res e de coordenadores de oficinas de acom- nil e ter a importância simbólica de que os
panhamento da prática de facilitadores. próprios adolescentes se identifiquem com
o processo de construção da justiça numa
Essas pessoas são preparadas para oferecer paridade de poder com os adultos.
apoio contínuo aos demais facilitadores e,
eventualmente, capacitar novos facilitado-
res. O papel do coordenador das oficinas de
acompanhamento da prática dos facilitadores
é ser um interlocutor para os demais facili-
tadores; é ser alguém com mais experiência
que servirá como fonte de referência das prá-
ticas em uso na comunidade para os demais
facilitadores recém capacitados. A existência
desse coordenador é um passo significativo
na autonomia de comunidades e escolas na
implementação das práticas restaurativas,
bem como na manutenção da proposta e no
cuidado com os participantes.

Embora esteja em discussão a elaboração de


um plano de carreira para facilitadores dentro
do Projeto Restaurativo no âmbito da Secreta-
ria de Justiça e da Educação, tem se pensado
uma seqüência de passos a serem conquis-
tados por um facilitador que lhe permita

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 155

jr_sao-caetano_090204.indd 155 04/02/2009 14:27:01


Capacitação em novas técnicas:
o exemplo do Fórum
No Fórum, o objetivo foi prover técnicas aos facilitadores que atendessem às especificidades dos con-
flitos (ato infracional), sua gravidade, à necessidade de maior apoio e de garantir maior cumprimento
dos planos de atendimento.

O grande desafio foi legitimar a validade do círculo restaurativo em contextos punitivos (medidas
socioeducativas) impostos pela lei. (X)

Nesse contexto, os desafios são: a)aumentar a eficiência do cunho diversório em relação à justiça
(prevenção da infração), conquistar um caráter de comunidade reintegradora, diminuindo “medidas”
e aumentando “Planos de Ação”; b) superação dos limites da instituição, aumentando o diálogo com
outras dimensões dos conflitos, com a comunidade e como comunidade (acolhimento de adolescentes
em conflito com a lei, projetos sociais nos quais pudessem se engajar...)

O programa foi construído a partir das necessidades emergidas na experiência prática de cada facilitador,
identificadas pela atividade reflexiva preparada por uma carta enviada previamente:

“Considerando a experiência vivida nos círculos:


1. Identificar situações:
»» onde o atendimento foi considerado satisfatório;
»» onde o atendimento foi considerado insatisfatório.
2. Que recursos levaram ao resultado satisfatório?
3. Para obter melhores resultados, quais os pontos que você sente necessidade de estar mais instru-
mentalizado?”

Programa
a) Revisão do histórico da Justiça Restaurativa.
b) Discussão teórica sobre os valores da Justiça Restaurativa e reflexão de como eles permeiam e
organizam a prática de facilitação nos círculos.
c) Etapas do processo: a escolha segundo os critérios pragmatistas de contextualização (Pré-círculo,
Círculo e Pós-círculo).
d) Avaliação da adequação:
»» do caso para a Justiça Restaurativa;
»» do modelo para o caso, partir da experiência vivida e levantar as dúvidas.
e) Aprender a identificar necessidades não atendidas.
f) Como conseguir a adesão para participação da comunidade envolvida indiretamente.
g) Ampliar a noção de responsabilidade: individual e comunitária, articuladas ao empoderamento;
ativa e autônoma.
h) Benefícios da JR para os casos em cumprimento de medidas socioeducativas.

156 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 156 04/02/2009 14:27:02


3.5. Aspectos O perfil dos facilitadores
de práticas restaurativas118 118 Com colaboração de
organizativos Dominic Barter
Ao longo do processo de implementação
do projeto, foram levantados critérios, tanto
3.5.1. Número e perfil dos subjetivos quanto objetivos, para nortear a
seleção de facilitadores de práticas restau-
facilitadores de práticas rativas.
restaurativas em São
Caetano do Sul Tais critérios correspondem às caracterís-
ticas ideais, que poderão ser contruídas ou
definidas durante a formação e a prática.
Para círculos nas escolas

Considerou-se um número necessário de ►►Interesse não dogmático pela pessoa


cinco pessoas por escola, das quais alguns são em situação de desconforto
funcionários ou professores, outros alunos e
pais. A preferência é por pessoas que sejam O facilitador acompanha pessoas em vá-
também da comunidade, evitando-se, com rios níveis de estresse – inclusive aparente
isso, que, com a transferência do profissional, indiferença – e lhes oferece uma “curio-
haja perda de um facilitador. Como são 11 es- sidade estratégica”, procurando conhecê-
colas participantes, houve um total inicial de las, inclusive em suas experiências com
60 pessoas relacionadas às escolas envolvidas. a infração, de um modo tanto objetivo
Algumas pessoas que tiveram de desistir no como subjetivo, dando prioridade a um
processo, foram substituídas por terceiros. olhar não analítico a cada um e a cada
ação cometida.

Para círculos no Fórum e Possíveis pistas: o candidato terá um


Conselho Tutelar fascínio pelo ser humano; uma abertura
para conhecer os outros em suas próprias
Foram capacitadas cinco conselheiras tutela- especificidades; desapego a definições
res, cinco assistentes sociais do Fórum, e uma analíticas pré-estabelecidas; facilidade
psicóloga, além dos educadores que atuam na de descrever atos e comportamento em
execução de medidas socioeducativas. termos de observações.

Para círculos em espaços ►►Expressão verbal clara


comunitários
As partes do processo restaurativo operado
Foram capacitadas 24 pessoas do bairro de pelo facilitador acontecem no campo da
Nova Gerty e atualmente são capacitadas pes- comunicação, com destaque à expressão
soas de vários bairros da cidade, para serem verbal e à compreensão das mensagens às
facilitadores restaurativos nesses espaços. vezes perturbadas dos participantes.

Possíveis pistas: o candidato tenderá a ter


um vocabulário amplo, inclusive de formas >>

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 157

jr_sao-caetano_090204.indd 157 04/02/2009 14:27:02


>> verbais coloquiais; uma expressão sucinta ►►Vontade de aprender fazendo
e de fácil compreensão; paciência com a
expressão de outros, especialmente quando O modelo de capacitação utilizada é ‘artesa-
estão em situação de estresse. nal’, apresentando informação quase simul-
taneamente com sua aplicação em situações
reais. Assim a vontade de experimentar, de
►►Capacidade de lidar com situações de arriscar, de se tornar vulnerável e de se avaliar
tensão enquanto prática são aspectos importantes a
se considerar.
No dia-a-dia do facilitador há ocasiões em
que estamos testemunhando dores, deses- Possíveis pistas: o candidato terá tempo, ener-
peros e confusões de outras pessoas. Há gia e vontade tangível de mergulhar numa
também ocasiões em que estas situações maneira de agir de que dificilmente tem
despertam dor, desespero e confusão em conhecimento prévio; ele dispõe de recursos
nós. A capacidade de lidar com isto de forma emocionais – internos e na sua comunidade
tranqüila, e de ser capaz de se recuperar de- imediata (família, amigos) – para lidar com
pois, é uma característica significativa para as conseqüências de aprender a operar o
ser facilitador. processo restaurativo.

Possíveis pistas: o candidato terá experiência


de responsabilidade ou liderança em situa- ►►Abertura e habilidade de trabalhar
ções desconhecidas e imprevisíveis; bons em equipe
recursos de cuidado de si (uma prática me-
ditativa ou contemplativa como, por exemplo, Tanto a capacitação como a sustentação do
rezar, escrever), uma prática de esporte ou processo restaurativo numa instituição envol-
exercício que alivie estresse, a capacidade de ve a capacidade de aprender a agir em equipe.
relaxar; experiência e/ou interesse em formas Decisões técnicas, logísticas e emocionais
não-punitivas de agir. surgirão com freqüência, exigindo respostas
elaboradas coletivamente e com a inclusão
de todos os atores relevantes.
►►Disponibilidade de ‘se perder’ no pro-
cesso de aprendizado Possíveis pistas: o candidato terá experiência
ou aptidão de liderar grupos; experiência ou
Por funcionar com uma lógica distinta aptidão de desenvolver decisões consensuais.
daquela em que a maioria de nós está
acostumada – na justiça ou na educação –
aprender a operar um processo restaurativo ►►Capacidade de atuação em rede
envolve, para quase todos, desorientação
e incerteza, rumo a uma clareza nova e a No trato de situações de conflito, várias estra-
habilidades novas. tégias podem surgir como complementares
e recomendáveis para o equacionamento
Possíveis pistas: o candidato terá bom senso das necessidades que emergem no processo
de humor; experiência prévia em mudanças de sua resolução. O facilitador deve saber
paradigmáticas; vontade de experimentar; sugerir o envolvimento de outros atores ou a
desapego a idéias de ‘como ensinar’, ‘como procura de outros recursos pelos envolvidos
disciplinar’ e ‘como fazer a justiça’. em situação de conflito.

158 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 158 04/02/2009 14:27:02


Possíveis pistas: o candidato terá interesse dos conflitos, não atua como profissional
pela atividade de outros profissionais, pela em sua especialidade. A capacidade de não
problemática tratada por eles e pelos seus julgamento e de não diagnóstico implica
recursos e estratégias de atuação. em respeito às opções e entendimentos das
pessoas envolvidas em situação de conflito,
em respeito ao processo de emergência das
escolhas.

Além destes critérios, foram considerados


outros dois, de ordem mais objetiva:

► Vinculação com a comunidade

Tanto nas escolas como nos espaços comuni-


tários, foi considerado como necessário que o
facilitador de justiça/facilitador fosse pessoa
integrante da comunidade.

► Representatividade de diferentes gru-


pos da comunidade
► Capacidade de auto-avaliação
As comunidades não são homogêneas,
No aprofundamento de todas as qualidades elas envolvem diferenças que, se não con-
aqui descritas, e outras mais, será necessária templadas pelos facilitadores de práticas
a disponibilidade de se auto-avaliar e a comu- restaurativas, poderiam implicar possíveis
nicar a outras este processo de questionar seu distorções simbólicas da representação e
próprio comportamento. significado da ação comunitária. Por isso,
nas escolas procurou-se envolver, como faci-
Possíveis pistas: o candidato tenderá a ter um litador de práticas restaurativas, professores,
olhar autocrítico; um interesse em desenvol- funcionários, pais e alunos; na comunidade,
vimento profissional e pessoal; a vontade de pessoas com diferenças de credo, raça,
desenvolver novas habilidades e descobrir gênero, idade, condição socioeconômica e
por si sua utilidade; a disponibilidade de dar cultural e orientação sexual.
e receber feedback sincero.
Os critérios subjetivos foram sugeridos, mas
não se fez avaliação do seu preenchimento.
► Capacidade de facilitar a resolução dos A voluntariedade, engajamento e participa-
conflitos sem mistura de papéis ção nas capacitações foram decisivos para
a seleção. Pessoas que não se sentiram em
O facilitador de práticas restaurativas, ain- condições de dar conta das atividades dei-
da que especialista, não pode sobrepor-se xaram o processo. As que não apresentaram
aos envolvidos no encontro do melhor pla- as características sugeridas plenamente de-
no de ação a ser construído. Na condição de senvolvidas foram se aperfeiçoando ao longo
facilitador de justiça ele facilita a resolução do processo de formação.

Capacitação de facilitadores de práticas restaurativas 159

jr_sao-caetano_090204.indd 159 04/02/2009 14:27:03


3.5.1. Mobilização e Nessa ocasião, apresenta-se a participação
seleção de facilitadores esperada de cada um, no projeto, ou seja:
presença em um trabalho de formação em
de práticas restaurativas círculo, onde não será ensinado nada que
eles não saibam; onde serão identificadas as
habilidades e qualidades que cada um tem
Identificando facilitadores e que possam ser úteis para o propósito de
para círculos na escola facilitar círculos de conversação; e que se
apresente um espaço de compartilhamento e
O primeiro passo é realizar um encontro com conversação sobre os objetivos e as melhores
as diretoras e outras lideranças educacionais formas de conseguir um bom resultado.
onde todos possam debater o Projeto e aderir
livremente a ele, tendo compreendido a sua Uma segunda atividade é uma tarefa refle-
importância para o aperfeiçoamento da xiva sobre o sentido para cada um de estar
aprendizagem e desempenho dos alunos, com se capacitando como facilitador de práticas
a criação de ambientes seguros, de respeito restaurativas, finalizando com a solicitação
mútuo. Datas e horários de capacitações de- de confirmarem a adesão, fechando-se
vem ter sido acordados previamente com a datas, horários e local para realização do
dirigente da Diretoria de Ensino. curso. Esse alinhamento de informações visa
obter uma adesão dos participantes como um
Num segundo encontro o perfil e a atividade ato de escolha informada.
dos facilitadores restaurativos são apresen-
tados às lideranças, bem como o calendário Dentro desse marco, os facilitadores de prá-
de capacitações. Um Plano de Comunicação ticas restaurativas são selecionados dentre
do Projeto e de convocação a candidatos à pessoas da comunidade, que se apresentaram
formação como facilitadores (educadores, para um trabalho voluntário, recebendo
estudantes, familiares dos alunos, funcioná- suporte apenas por seus custos diretos na
rios da escola) é desenhado com as lideranças ação. São oriundos de comunidades religio-
educacionais, que, nas duas semanas seguin- sas, associação de pais e mestres, clubes da
tes, o colocam em prática, apresentando o terceira idade e outros.
nome dos inscritos na capacitação.

Identificando facilitadores
Identificando facilitadores para círculos no Fórum e no
para círculos na comunidade Conselho Tutelar
A seleção de facilitadores é pensada como A seleção de facilitadores realiza-se por con-
um processo de dupla escolha, cujo resul- vites feitos aos operadores de Direito para
tado é uma adesão ideológica ao projeto. participar de um encontro com duração de 4
Realiza-se por convites feitos à comuni- horas onde é feita uma apresentação detalha-
dade para participar de um encontro com da do Projeto, atividades de sensibilização aos
duração de quatro horas onde acontecem princípios restaurativos e um alinhamento
uma apresentação detalhada do Projeto, de informações sobre a Capacitação. Dentre
atividades de sensibilização aos princípios os interessados, podem estar: conselheiros
restaurativos e um alinhamento de informa- tutelares; técnicos do Fórum; educadores de
ções sobre a Capacitação. medidas socioeducativas.

160 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 160 04/02/2009 14:27:03


3.5.2. Formatos da ►►Capacitação, supervisão e consultoria na
operação de práticas restaurativas – basea-
capacitação em práticas
das em técnicas diversas – 2007/2008.
restaurativas
yy Cursos de Capacitação em Facilitação de
►►Capacitação, supervisão e consultoria Novas Práticas Restaurativas, concentra-
na operação de práticas restaurativas dos e de curta duração: 4 encontros, com
baseadas em técnicas de Comunicação carga horária total de 16 horas.
Não-Violenta – 2005. yy Oficinas de Acompanhamento das Práti-
cas Restaurativas nos diferentes espaços:
yy Oficinas periódicas de Facilitação de 10 oficinas quinzenais, com carga horária
Praticas Restaurativos – 13 oficinas, com total de 30 horas.
carga horária total de 104 horas. yy Encontros Auto-Geridos de Facilitadores
yy Consultoria da implementação das prá- de Práticas Restaurativas – encontros
ticas restaurativas nas instituições – 8 organizados com freqüência e carga ho-
oficinas, com carga horária total de 64 rária segundo critério de utilidade dos
horas. participantes.
yy Feedback aos grupos de facilitadores, aos yy Encontros focando a complementaridade
apoiadores em formação e às lideranças entre os modos de resolução de conflitos em
educacionais restaurativas: 7 oficinas, com espaços escolares, comunitários e judiciais:
carga horária total de 56 horas. 3 encontros distribuídos no início, ao meio
e ao final da implantação do projeto, com
carga horária total de 12 horas.
►►Capacitação, supervisão e consultoria na yy Curso de Formação de Capacitadores e
operação de práticas restaurativas basea- Apoiadores de Facilitadores de Práticas
das no modelo Zwelethemba – 2006. Restaurativas: 3 encontros, com carga
horária total de 12 horas, além da pos-
yy Workshops iniciais para introdução aos sibilidade de acompanhar novamente
princípios restaurativos (encaminhado- um curso e oficinas realizadas pelos
res e facilitadores): 2 oficinas, com carga capacitadores.
horária total de 8 horas.
yy Oficinas de Derivação para Práticas Res-
taurativas: 4 oficinas, com carga horária
total de 12 horas.
yy Curso de Facilitação de Práticas Restau-
rativas: 4 oficinas, com carga horária total
de 32 horas.
yy Oficinas de seguimento da prática (faci-
litadores): 10 oficinas, com carga horária
total de 30 horas.
yy Acompanhamento aos coordenadores de
oficinas de seguimento em formação e às
lideranças educacionais restaurativas.

Capacitação político-institucional para o desenvolvimento comunitário restaurativo 161

jr_sao-caetano_090204.indd 161 04/02/2009 14:27:03


Recursos materiais no
espaço judicial, escolar e
comunitário
y Sala apropriada para resolução dos con-
flitos que permita a reunião de um bom
número de participantes.
y Local de espera adequado, não se mistu-
rando os ofensores com as vítimas antes
do momento apropriado.
y Espaço de acolhimento após a realização
do círculo.
y Xerox para fornecer aos envolvidos cópia
do acordo ou plano de ação.
y Meios de participação indireta pela vítima,
como áudio ou vídeo, bem como meios
tecnológicos de participação resguar-
dada.
y Materiais informativos sobre o procedi-
mento restaurativo e vantagens para todos
os envolvidos de participarem.
3.5.3. Recursos humanos
e materiais necessários
Para a realização de círculos restaurativos, Equipamentos importantes
tanto judiciais, como escolares ou comuni- nos processos de formação
tários, são necessários recursos humanos e
materiais. y Flip-chart (cavalete com bloco de papel
tamanho cartaz), quadro branco, e/ou
quadro negro – com canetas e/ou giz.
Recursos humanos y Laptop.
y Projetor (data show).
y Capacitadores e apoiadores dos facilita- y Câmera de vídeo.
dores de práticas restaurativas e deriva- y Microfone.
dores. y Papel, cadernos e canetas para cada par-
y Derivadores treinados (juízes, promotores ticipante.
de justiça, defensores, guardas, policiais, y Salas com cadeiras móveis e espaço para
conselheiros tutelares, agentes de grupos grupos e para círculos de 6 ou 7 pessoas
de atendimento e de suporte, diretores no meio da sala, assistido pelos outros
de escola). participantes.
y Facilitadores treinados.
y Técnicos que possam avaliar adolescentes
em casos mais graves quanto à viabilidade
da realização do círculo sem risco de revi-
timização aos ofendidos.

162 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 162 04/02/2009 14:27:04


Capacitação de Lideranças
Educacionais Restaurativas
4
4.1. Justificativa Justiça Restaurativa. Por meio de encontros

e público-alvo
formativos, onde prática e teoria dialogam,
os gestores são convidados a perceber não
apenas a dimensão curativa das práticas
O processo restaurativo só pode ser implan- restaurativas (“consertando” as interações
tado na instituição escolar, mobilizando-se danificadas por conflitos destrutivos), mas,
a razão, a emoção e a vontade de seus mem- principalmente, sua dimensão preventiva
bros. Fazer com que os princípios da justiça (disseminando habilidades de comunicação
restaurativa passem a informar as práticas e convivência que evitam que conflitos se
pedagógicas, é diferente de consentir que o tornem destrutivos; possibilitando a reflexão
espaço escolar seja usado para a realização sobre as causas internas da violência escolar
de círculos restaurativos comunitários. e a atuação institucional sobre elas).120

No segundo caso, basta a autorização dos As oficinas são das destinadas ao seguinte
gestores, para que os círculos comecem a acon- público-alvo: diretores; vice-diretores; pro-
tecer. No primeiro caso, os gestores não apenas fessores coordenadores atuando nas escolas,
devem providenciar as condições materiais, supervisores e assistentes técnico pedagógi-
humanas e organizacionais para a implemen- cos (ATPs) das Diretorias de Ensino. (Dire-
tação dos círculos restaurativos escolares, mas tores, vices e professores coordenadores são
precisam atuar como verdadeiras lideranças os responsáveis pelas providências quando
educacionais, definindo-se líder como aquele o Sistema Disciplinar da escola é infringido,
ou aquela que é capaz de motivar, envolver e por isso também fazem a Capacitação para
mobilizar uma equipe, rumo à realização de Derivadores – Ver p. 125).
objetivos definidos coletivamente. 119 119 “Mestres da Mu-
dança” op.cit., Conceito de
Além desses gestores, pretende-se atingir
Liderança.
Nesse contexto, os gestores escolares devem outras lideranças educacionais, essas, não
ser apoiados para se tornarem lideranças institucionais, como alunos, familiares, 120 Veja: Conflito nas
Escolas: Modo de Trans-
educacionais facilitadoras de mudança, membros da equipe docente, com as quais formar, op.cit.
promovendo o envolvimento da comuni- gestores-líderes compartilham análises e
dade escolar como um todo no Projeto de decisões sobre a escola.

Capacitação político-institucional para o desenvolvimento comunitário restaurativo 163

jr_sao-caetano_090204.indd 163 04/02/2009 14:27:05


4.2. Fundamentos maior conhecimento de si (seus próprios
sentimentos e necessidades) e os do outro,
teórico- aprendendo-se a lidar com diferenças,
valorizá-las e crescer com elas;
metodológicos
►►enquanto a lógica disciplinar baseia-se na
da formação lógica retributiva do Código Penal, a lógica
de lideranças dos círculos é a da Justiça Restaurativa;

educacionais ►►enquanto na escola o trabalho pedagógico


caracteriza-se pelo isolamento e fragmen-
transformadoras e tação, e a comunidade é vista mais como
restaurativas fonte de ameaças do que de parcerias, a
dinâmica do círculo aponta para o tra-
balho em rede na realização de objetivos
Os círculos restaurativos representam uma educacionais, inclui a comunidade na
inovação educacional, por delimitarem, dentro superação do conflito; propõe uma cidade
da escola, um micro-espaço onde se exercitam onde as famílias, bem como todas as ins-
princípios, percepções e interações que se con- tituições / organizações da sociedade e do
trapõem ou se apresentam como alternativas governo, e não apenas a escola, assumam
a princípios, percepções e interações em vigor sua responsabilidade pela educação das
121 Ednir, Madza: no macro-espaço da escola:121 novas gerações.
“Justiça e Educação, Para-
lelismos e Convergências”,
palestra proferida no ►►enquanto na escola dificilmente são A realização dos deslocamentos conceituais,
Seminário Internacional colocados em prática no cotidiano os necessários para passar de um pólo a outro
Justiça e Educação, Araça-
tuba, SP, 2005. princípios do diálogo, autonomia, empo- dessas contraposições, exige que as lideran-
deramento, contidos da Lei de Diretrizes ças participantes vivenciem as “leis” ou “prin-
e Bases da Educação Nacional e nos cípios” da mudança educacional extraídas da
Parâmetros Curriculares, nos círculos pesquisa e da experiência (Boudewijn van
exercitam-se tais princípios em favor da Velzen, 2003), e apresentadas na reunião em
aprendizagem, pelos alunos, professores e que o projeto “Justiça e Educação” foi ofere-
membros da comunidade, de habilidades cido às escolas de São Caetano do Sul. Alguns
de convivência, comunicação não-violenta desses princípios encontram-se a seguir:
e resolução de conflitos;
yy mudanças educacionais são jornadas, não
►►enquanto na escola crianças e jovens eventos (M. Fullan);
são vistos como objetos da ação educa- yy mudanças educacionais envolvem cuidar
tiva, nos círculos e cirandas as crianças das pessoas e das organizações: pessoas
e adolescentes são vistos como sujeitos e são a chave da mudança e organizações
protagonistas da mesma; oferecem um lar para essa mudança;
yy mudanças requerem propósito com-
►►enquanto na escola o conflito é, geral- partilhado, com clareza sobre por que, o
mente, visto como algo a ser evitado / que e como mudar, sempre com foco na
eliminado / punido, no espaço dos círculos aprendizagem dos alunos;
e cirandas o conflito é visto como uma yy mudanças educacionais requerem a
oportunidade de mudança, por meio do participação de todos os indivíduos e de

164 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 164 04/02/2009 14:27:05


todas as partes do sistema; é fundamen- Os gestores escolares devem ser capazes
tal pensar de forma sistêmica, criando de possibilitar aos docentes transitar gra-
massa crítica e relacionando a escola ao dativamente de um conceito de disciplina
seu contexto; baseado na heteronomia e na punição
yy mudanças possuem aspectos previsíveis (modelo baseado na Justiça Retributiva),
(crises “normais”, queda de desempe- para o conceito de disciplina enquanto
nho...) e podem ser gerenciadas. autocontrole, autodomínio, autonomia
e responsabilidade (modelo baseado na
Esses princípios serão retomados na des- Justiça Restaurativa).
crição do desenvolvimento das oficinas.
Para apoiar os gestores na realização dessas Para que princípios restaurativos passem a
mudanças, as oficinas baseiam-se nos prin- orientar a prática da equipe escolar, e não
cípios da Educação como Prática da Autono- apenas a dos envolvidos na operação dos
mia (Paulo Freire), do Sócio-Construtivismo círculos, resultando em uma escola mais
Interacionista (Luria e Vigotsky), das Múl- pacífica e segura, onde todos aprendem
tiplas Inteligências (Howard Gardner), das mais, os gestores devem gradativamente
Mudanças Educacionais de Larga Escala mudar seu papel institucional, deixando
(Michael Fullan e Andy Hargreaves), do de atuar apenas como administradores
Pensamento Sistêmico em Educação (Peter hierarquicamente posicionados em um
Senge) e da construção de comunidades de sistema onde recebem ordens dos escalões
aprendizagem cidades educadoras (Rosa superiores e as transmitem aos inferiores.
Maria Torres e Jacqueline Moll). Eles precisam ser convidados a desenvol-
ver/exercitar habilidades de liderança que
Esses princípios encontram-se consolidados facilitem o aperfeiçoamento profissional da
na tecnologia social desenvolvida por CECIP equipe, fortalecendo o diálogo profissional, o
e APS International, denominada Facilitação trabalho pedagógico coletivo, a parceria com
de Mudanças Educacionais. 122 a comunidade, com foco na aprendizagem 122 CECIP/APS
International. “Mestres da
de conhecimentos e atitudes de autonomia, Mudança”, VAN VELZEN,
respeito mútuo, tolerância e responsabili- Boudewijn A. M. &

4.3. Visão,
dade social por parte dos alunos e no seu VEREST, Bart APS, 1994.
Artigo na Bibliografia.
protagonismo. Ao mesmo tempo, devem ter
objetivos, a oportunidade de experimentar uma nova
maneira, sistêmica, de trabalhar, colocando
conteúdos e a escola em rede com outras organizações e
instituições da comunidade, em especial o
práticas Fórum e o Conselho Tutelar, para garantir os
direitos básicos das crianças, adolescentes
As Oficinas de Formação de Lideranças e familiares.
Educacionais Restaurativas visam apoiar a
equipe gestora da escola em seu esforço de
inserir no cotidiano das unidades escolares 4.3.1. Objetivos
a inovação educacional representada pelos
Círculos Restaurativos, espaços de reso- ►►Por meio de 10 oficinas de quatro horas
lução de conflitos regidos por princípios cada, realizadas mensalmente no espaço
de horizontalidade, respeito mútuo, não das escolas, intercaladas por períodos de
julgamento, diálogo e trabalho em rede. aplicação e experimentação de propostas

Formação de lideranças educacionais restaurativas 165

jr_sao-caetano_090204.indd 165 04/02/2009 14:27:05


com apoio à distância, preparar os gestores das escolas, intercaladas por períodos de
escolares para que possam: aplicação e experimentação de propostas
com apoio à distância, preparar os super-
yy compreender a natureza da mudança visores, assistentes técnico-pedagógicos e
envolvida na implementação do pro- outras lideranças da Diretoria de Ensino
jeto de Justiça Restaurativa, e liderar a para que possam:
construção na escola de um processo
formativo e emancipador, onde todos yy atuar como facilitadores de mudanças
possam apropriar-se das regras pelo educacionais junto aos gestores;
debate coletivo; yy planejar e implementar Oficinas para Li-
yy dialogar com professores, funcionários, deranças Educacionais Transformadoras
alunos e familiares sobre o que é a mu- e Restaurativas.
dança iniciada com o Projeto de Justiça
Restaurativa, qual é o seu fundamento
ético e legal, e porque evoluir de um re- 4.3.2. Conteúdos
ferencial punitivo para uma abordagem
restaurativa em educação; yy Marcos teóricos do Projeto Justiça Restau-
yy criar as condições físicas e organizacionais rativa: aprofundando a compreensão.
necessárias para o funcionamento dos yy O gestor enquanto líder restaurativo;
círculos restaurativos escolares; habilidades de comunicação e de cola-
yy incrementar a cooperação entre os boração.
membros da equipe docente, chegando yy Necessidades básicas de todo aprendiz
a consensos quanto a conceitos como para realizar os deslocamentos conceituais
violência, conflito, responsabilidade, que as práticas educacionais restaurativas
disciplina, bem como quanto a práticas exigem.
educacionais restaurativas que previnam yy As cinco disciplinas de aprendizagem, as
a violência, com reflexo na aprendizagem inteligências múltiplas e a inteligência
dos alunos; emocional no contexto educacional res-
yy exercitar, nas horas de trabalho pedagó- taurativo.
gico coletivo – HTPCs, habilidades que yy Convivência e normas disciplinares.
contribuam para aperfeiçoar o diálogo yy Abordagem sistêmica. Conexões. Parce-
profissional, fortaleçam a cooperação rias rumo a uma comunidade educativa
na escola e entre a escola, as famílias e a e restaurativa.
comunidade; yy Protagonismo Juvenil – Práticas Restau-
yy convidar os professores a modelar e a rativas entre pares.
fortalecer nos alunos a capacidade de
responsabilizar-se por suas aprendiza-
gens, adotar práticas em sala de aula que 4.3.3. Práticas
contribuam para fortalecer o protagonis-
mo juvenil; educacionais para uma
yy trabalhar em rede com outros colegas e escola restaurativa
com organizações da comunidade.
yy Comunicação do Projeto a todos. Sele-
ção das pessoas que irão participar da
►►Por meio de 10 oficinas de três horas capacitação de Facilitadores de Práticas
cada, realizadas mensalmente no espaço Restaurativas.

166 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 166 04/02/2009 14:27:05


yy Preparação do espaço do círculo, or-
ganização de horários, divulgação dos
4.4.
procedimentos. Desenvolvimento
yy Pesquisa participativa sobre a sensação de
segurança na escola. das oficinas
yy Definição coletiva da Visão e Missão da
escola, com levantamento e discussão dos 4.4.1. Preparação
valores restaurativos comuns.
yy Construção de um acordo coletivo com No Encontro onde o Projeto é oferecido às di-
professores sobre as normas de convivên- retoras e diretores de escola, os participantes
cia na escola a fim de prevenir conflitos podem refletir sobre as implicações da imple-
destrutivos. mentação dos círculos restaurativos escolares
yy Construção de um acordo coletivo com os para a prática pedagógica de suas equipes e
alunos e professores sobre as normas de para a mudança da cultura profissional das
convivência na escola. mesmas. Faz parte da cultura educacional
yy Manejo de tempo, materiais, conteúdos e brasileira que projetos e materiais educativos
interações durante as HTPCs (Horas de sejam introduzidos o tempo todo nas unida-
Trabalho Pedagógico Coletivo). des escolares, por iniciativa de Secretarias de
yy Realização de reuniões para criação de Educação ou ONGs, sem que sejam percebi-
consenso sobre novos conceitos e práticas dos enquanto possíveis impulsionadores de
restaurativas. mudanças com impacto na aprendizagem
yy Convite aos professores para adotarem de professores, alunos e comunidade. Esses
estratégias restaurativas de manejo de projetos não estão organicamente ligados ao
classe e desenvolvimento da autodiscipli- Projeto Pedagógico das escolas, e, ao termi-
na dos alunos. narem, deixam inalterada sua dinâmica. Não
yy Convite a alunos e familiares para prota- é o caso do Projeto Justiça Restaurativa em
gonizarem ações educativas / restaurativas sua dimensão escolar.
na escola.
yy Participação em reuniões com a rede de Assim, os diretores e outros gestores de-
Atendimento. vem ter claro que podem optar por níveis
yy Registro, avaliação, diário de bordo. de inserção no Projeto atuando como:
Derivadores, “Hospedeiros” de Círculos
Restaurativos comunitários, e Lideranças
4.3.4. Metodologia Educacionais Restaurativas. Todos os
gestores de escolas em comarcas onde a
Trabalhos em grupo; apresentações; leituras Justiça Restaurativa está sendo implantada
e discussão de textos básicos / instrumentais; precisam, necessariamente, ser capacitados
convite a realizar práticas na Oficina, aplican- para poder encaminhar (derivar) casos
do informações das apresentações e leituras; de infração às regras disciplinares (ou à
convite a realizar práticas em encontros com lei) envolvendo jovens e adolescentes a
a comunidade escolar e em HTPCs, aplicando círculos restaurativos. Também se espera
informações das apresentações e leituras; que participem dos encontros da Rede de
reflexão coletiva sobre práticas realizadas; Atendimento, junto com os demais Deriva-
sistematização e avaliação contínua das dores. Todos os gestores podem, se assim
atividades pelos participantes. o desejarem, oferecer espaços da escola
para a realização de círculos restaurativos

Formação de lideranças educacionais restaurativas 167

jr_sao-caetano_090204.indd 167 04/02/2009 14:27:06


comunitários (Ver p. 70). No entanto, ape- irá construir ferramentas para incrementar
nas os gestores das escolas que desejarem de cooperação, aprendizagem e paz na escola,
implementar círculos restaurativos esco- surge o compromisso de estarem presentes a
lares (Ver p. 71) serão convidados para todas as oficinas.
as Oficinas de Formação de Lideranças
Transformadoras e Restaurativas. Isso por- A tentativa é modelar, junto aos participan-
que, nessas escolas, os gestores precisam tes, uma nova forma de interação, onde as
de apoio pedagógico para que possam, por pessoas sintam-se autônomas, competentes
sua vez, apoiar os docentes na transição e pertencendo a um grupo124, o que pode
da lógica retributiva/punitiva do Sistema fortalecer uma equipe de profissionais
Disciplinar tradicional, para a lógica res- aprendentes. Isso é demonstrado por meio
taurativa embutida no Círculo Escolar, da do cuidado no preparo de cada Oficina, por
construção de consensos, do diálogo com meio da abertura de espaços de escuta do
os alunos e da resolução cooperativa dos outro e de incorporação, nas dinâmicas
problemas que estão por trás dos episódios das oficinas, de seus saberes e necessida-
de indisciplina e de violência na escola. des. Logo percebem que é possível fazer o
mesmo quando organizam encontros com
Essa transição deve ocorrer gradualmente, os docentes na escola.
pois mudanças na forma de pensar levam
tempo. Na fase inicial, em que a mudança Os participantes têm espaço para expressar o
representada pela introdução do Círculo que compreendem a respeito do Projeto, suas
Restaurativo Escolar será introduzida e intenções e metodologias, esclarecer dúvidas,
apresentada aos educadores, alunos, pais aprofundar entendimentos.
e comunidade, podem ser construídos os
alicerces para que a inovação consiga efetiva- Comunicar o Projeto aos gestores não é o mes-
mente enraizar-se no dia-a-dia da escola e da mo que transmitir informação sobe o Projeto.
comunidade, com aumento da aprendizagem Como diria Paulo Freire, comunicação não é
dos alunos. extensão. A conversa é essencial. 125

Por meio do diálogo eles compartilham


4.4.2. Implementação, suas idéias a respeito da diferença entre
a lógica que rege os círculos restaurativos
de acordo com os e a lógica que rege o funcionamento das
princípios da Mudança escolas, em especial o seu sistema disci-
123 Van Velzen, 2003 Educacional123 plinar, chegando à conclusão de que, nos
círculos, praticam-se princípios que na
124 Rinse Dijstra, ►►“Mudanças educacionais envolvem cuidar escola permanecem no campo da teoria.
Instrução Adaptativa, APS,
Minas, 2003.
das pessoas e das organizações: pessoas Nessa etapa, são “abertos” conceitos como
são a chave da mudança e organizações Violência, Disciplina, Responsabilidade, e
125 Freire, Paulo, 1971, oferecem um lar para essa mudança” experimentadas estratégias para se chegar
op. cit.
a consensos coletivos sobre valores e prin-
Conhecer os participantes, possibilitar que cípios que fundamentam as ações pedagó-
esses se conheçam e criem conexões, apre- gicas restaurativas, e torna-se claro o quão
sentar, discutir e fazer ajustes ao programa importante é preparar a escola, em todos os
das oficinas é o primeiro passo. Se o grupo sentidos, para que ela possa acolher bem o
tem prazer em se encontrar e acredita que círculo restaurativo.

168 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 168 04/02/2009 14:27:06


O conhecimento é produzido por meio da aos gestores é por eles apresentado à equipe.
interação entre as pessoas, e quem recebe a Para fazer isso, eles, os gestores, precisam ter
informação a transforma de acordo com os sido apoiados na construção de uma comu-
filtros de suas teorias subjetivas. Assim, não nicação clara sobre por que o Projeto Justiça
basta oferecer aos participantes ‘informação’, Restaurativa e círculo escolar, e como as ações
por meio de apresentações e estudo de textos. serão implementadas.
É preciso oferecer a eles oportunidade para
refletir sobre essa informação, ajustá-la às Nessa preparação, uma primeira percepção
próprias teorias subjetivas – e oportunidades dos gestores participantes das oficinas está
para colocar em prática a adaptação pessoal refletida nessa resposta coletiva às três ques-
da informação recebida. tões: o que é a mudança, para que mudar e
como mudar.
Assim, mudanças no papel institucional dos
gestores começam a ocorrer. Tais mudanças O que é a mudança proposta?
se aceleram quando têm a oportunidade de O foco da mudança está na forma de se co-
participar diretamente em círculos restau- municar e de lidar com o conflito (as pessoas
rativos126. vão aprender a solucioná-los, chegando a 126 Algumas gestoras,
por atuarem como faci-
acordos e restaurando relações por meio da litadoras de práticas res-
escuta mútua). taurativas, participaram
►►“Mudanças requerem propósito com- entre 2005 e 2006 da série
de oficinas com Dominic
partilhado, com clareza sobre por que, o Por que mudar? Barter e de uma oficina
que e como mudar, sempre com foco na Porque julgar, punir e provocar sentimentos com Gabrielle Maxwell ,
e, em 2006, das Oficinas
aprendizagem dos alunos” de culpa não são formas eficazes de se lidar com Vania Yasbek, onde
com o conflito; para humanizar a comuni- puderam experimentar na
prática o círculo restaura-
É importante que os gestores, inicialmente, dade escolar; para ensinar auto-controle aos tivo, assumindo um novo
experimentem técnicas de resolução de alunos. papel. Gradativamente
elas vão percebendo que
conflito – participando diretamente ou dra- características do papel
matizando a participação em círculos, nos Como mudar? de facilitador de práticas
modelos da Comunicação Não-Violenta, Zwe- Comunicando a proposta dos círculos, cons- restaurativas (escuta, não
julgamento, ênfase ao
lethemba e outros. Esse contato com a prática cientizando os envolvidos com palestras, protagonismo do apren-
provou-se essencial para a compreensão reuniões. diz) podem “contaminar”
seu papel tradicional de
do poder dos procedimentos restaurativos, gestoras e educadoras.
tornando o gestor mais capaz de comunicar Note-se que, nesse estágio, o trabalho em
aos demais membros da escola o propósito rede não foi mencionado como uma das
da introdução da nova forma de se resolver dimensões da mudança a ser implementada
conflitos e seu impacto na aprendizagem na escola. Essa dimensão deve ser explorada,
dos alunos. a partir da prática, já que os diretores devem
necessariamente participar das reuniões da
Assim motivados, os gestores poderão pre- rede de atendimento.
parar o Evento de Mobilização para captar
voluntários que desejem aprender a operar O conceito de escola como um sistema que
os círculos. Isso envolverá convocação de é parte de um sistema maior, relacionado à
encontros com professores, alunos, funcio- dimensão “trabalho em rede” presente no
nários e familiares, onde, usando-se recursos Projeto é fundamental à implementação da
como apresentação em power point e debate inovação “círculos restaurativos escolares”,
com os participantes, o projeto apresentado para que a escola se torne pólo articulador da

Formação de lideranças educacionais restaurativas 169

jr_sao-caetano_090204.indd 169 04/02/2009 14:27:06


rede de atendimento à criança e ao adolescente. restaurativas (ver perfil à p. 157), os gestores
Os gestores devem ser capazes de comunicar contam com a parceria dos operadores de
que as pessoas que participam dos círculos direito. A presença do juiz e do promotor, dia-
podem ser encaminhadas a serviços de apoio logando com professores, alunos e familiares,
disponíveis no município – ou a serem criados, mostra a eles a face educadora da Justiça que
difundindo a idéia de que o projeto pode fazer não conhecem, acostumados como estão a
com que a sociedade e a escola impulsionem vê-la como a instância que julga e pune.
políticas públicas, via Conselho Tutelar e Con-
selho Municipal de Direitos. Encontradas as pessoas que serão capacita-
das como Facilitadoras de Práticas Restau-
Na apresentação e debate do Projeto Justiça rativas, as oficinas voltam-se a assistir os
e Restaurativa à comunidade escolar nessa gestores na tarefa de assegurar as condições
etapa de mobilização e escolha de candidatos para que os círculos restaurativos escolares
à capacitação como facilitadores de práticas funcionem.

Enquanto os voluntários são capacitados para atuar


como facilitadores de práticas restaurativas, gestores
preparam as condições para que o Círculo Escolar
aconteça.

yy Organizar um espaço próprio, onde os Para realizar essas condições, a elaboração


círculos se realizarão, com espaço suficiente pelos gestores e equipe de um Plano de
para acolher as pessoas diretamente envol- Ação REMAR (CECIP / APS International,
vidas no conflito e seus apoios / suportes na op. cit) é uma forma de garantir realis-
comunidade. Sinalizar o local, com indica- mo, especificidade e mensurabilidade às
ção dos horários de funcionamento. ações necessárias, com prazo certo para
yy Definir horário de funcionamento dos acontecer.
círculos – o ideal são 5 horários sema-
nais, com um mínimo de duas horas de Cada equipe encontra formas diferentes de
duração cada. atingir as cinco metas acima. Em uma das
yy Definir os procedimentos para a solici- escolas estaduais, por exemplo, a coorde-
tação do círculo restaurativo – a quem nadora–facilitadora e as duas professoras
procurar, onde registrar a solicitação. facilitadoras tomaram a iniciativa de buscar
yy Divulgar o início do funcionamento dos parcerias na comunidade para produzir
círculos por meio de folhetos e cartazes faixas e banners, divulgando os círculos
confeccionados pelos próprios alunos, restaurativos, e para criar um logotipo para
e/ou pela escola e parceiros. o Projeto. Em outra, nas aulas de artes,
yy Providenciar autorizações, a serem as- os próprios alunos criaram cartazes. Em
sinadas pelos responsáveis, para que os outra ainda, foi produzida uma espécie de
alunos participem, se assim o desejarem fotonovela, mostrando os passos do círculo
de círculos restaurativos. em pôsteres afixados no pátio.

170 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 170 04/02/2009 14:27:06


►►“Mudanças educacionais requerem a Justiça Educativa tornam-se aparentes e são
participação de todos os indivíduos e de assumidos pelo conjunto.
todas as partes do sistema; é fundamen-
tal pensar de forma sistêmica, criando O terceiro, é a proposta de um formato e
massa crítica e relacionando a escola ao procedimentos para se preparar, com os
seu contexto.” professores, reuniões para se chegar a con-
sensos sobre as Normas de Convivência na
A criação de um propósito compartilhado é o escola e na classe. (Ver p.178). Com isso, os
que mobiliza a participação de todos. alunos podem apropriar-se das regras em vez
de percebê-las como algo externo a eles, que
As Oficinas de Formação de Lideranças lhes é imposto.
Transformadoras e Restaurativas oferecem
aos gestores sugestões de alguns instrumen- O quarto, é a proposta de formatos para En-
tos para a criação desse propósito comum. contros com alunos, onde eles são convidados
a protagonizar atividades educacionais relati-
O primeiro deles é a realização de uma pes- vas ao Projeto Justiça e Educação. A aceitação,
quisa participativa, com envolvimento dos pela instituição escolar, dos alunos como
alunos, para aferir a sensação de segurança parceiros, é um dos grandes desafios desse
na escola. Trata-se de um questionário sim- projeto. A própria palavra aluno, significa,
ples, que pode ser preenchido nas salas de em latim, “sem luz”. Como conseqüência do
aula em poucos minutos, sendo tabulado processo restaurativo, a luz desses jovens
com ajuda dos próprios alunos, pelo professor cidadãos poderá brilhar mais também na
responsável pela sala. (Ver p.174). Por meio escola. Articulações com grêmios estudantis,
dela, a comunidade escolar toma consciência movimentos juvenis e ONGs que os apóiam,
dos diversos tipos de desrespeito e violência estão em curso, nessa direção.
(psicológica, física, organizacional) que estão
presentes no ambiente escolar. É o primeiro
passo para compreender que o sistema puni- ►►“Mudanças possuem aspectos previsíveis,
tivo não está funcionando e é preciso buscar crises ‘normais’, queda de desempenho...
caminhos diferentes. e podem ser gerenciadas”.

O segundo, é a proposta de um formato e Os Encontros sobre Visão e Missão e a


procedimentos para se realizar dois encon- Justiça Restaurativa podem fazer com que
tros de quatro horas cada, com a equipe professores tenham chegado a um consen-
docente, para se chegar a consenso sobre so de que é preciso mudar de um ensino
valores e princípios restaurativos presentes repressor ou anárquico, onde os alunos são
na Visão e Missão da escola – e que se re- tratados como objetos, no primeiro caso, ou
fletem nos Objetivos Gerais e Fundamentos abandonados à própria sorte, no segundo
do documento onde é registrado o Projeto caso, para um processo diferente, onde
Político Pedagógico da Escola. (Ver p.175). existam normas definidas coletivamente
Esse encontro possibilita aos membros da e os conflitos possam se transformar em
equipe conectarem-se entre si e com a sua oportunidades de aprendizagem. Não
tarefa formativa de educadores, de criar au- apenas para os alunos, mas para a equipe
tonomia e responsabilidade. O vínculo entre escolar, quando os círculos restaurativos
os princípios e valores contidos da legislação escolares apontarem causas institucionais
educacional e os propósitos do projeto de dos conflitos envolvendo alunos, seus

Formação de lideranças educacionais restaurativas 171

jr_sao-caetano_090204.indd 171 04/02/2009 14:27:07


colegas e professores, que constituem pro- No decorrer das oficinas, em vários mo-
blemas a serem resolvidos coletivamente mentos da implementação do projeto, os
por meio de Planos de Ação. gestores defrontam-se com crises que são
normais. É mesmo difícil “trocar o pneu do
Mesmo assim, grande parte deles precisará carro com ele andando”. Por isso o apoio
de apoio para transitar de um modelo ao constante é essencial. Gestores podem
outro – do repressor ou anárquico ao trans- sentir-se sobrecarregados e ter a sensação
formador e restaurativo. Assim, as oficinas de que não vão dar conta. Ao mesmo tempo,
preparam os gestores para usar o horário como eles e os professores vão experimentar
semanal de trabalho coletivo na escola para comportamentos profissionais não usuais
oferecer aos docentes sugestões de proce- no contexto escolar (debater, ouvir, pergun-
dimentos restaurativos e refletir com eles tar, incluir, sintetizar, mobilizar e outros),
sobre as dificuldades que possam encontrar podem ter a sensação de incompetência
ao colocá-los em prática. Procedimentos que acompanha todo aprendizado inicial.
de manejo de sala de aula, organização de Mais uma vez, apoio técnico e emocional
grupos, autoavaliação, podem prevenir in- a eles é importante, no intervalo entre as
disciplina e conflitos destrutivos na sala de oficinas. Isso pode ser realizado por meio de
aula. Capacitação de alunos para controlar telefonemas, e-mails ou encontros informais
a raiva e atuar como pacificadores em caso presenciais.
de agressões físicas entre colegas ou como
mediadores em casos de indisposições

4.5. Descrição
mútuas e bullying, podem contribuir para,
em pouco tempo, mudar para melhor o
ambiente da escola.
de práticas e
As chamadas Horas de Trabalho Pedagógico dinâmicas da
Coletivo (HTPCs) podem ser usadas para,
entre outros temas pertinentes ao aperfei- formação de
liderança
çoamento da aprendizagem, debater-se com
os professores a mudança de paradigma
embutida no Projeto Justiça e Educação e
para convidá-los a implementar práticas 4.5.1. Conhecendo os
educacionais restaurativas. O conceito de
se utilizar as HTPCs em um processo de participantes e como
formação/aperfeiçoamento continuado da vêem a escola
equipe docente pode ser novo para alguns.
Em muitas escolas esse tempo é usado yy Distribua a cada participante uma folha
de forma burocrática e não conectada ao com a cópia do Raio X da escola.
desenvolvimento do trabalho coletivo. yy Depois que preencherem individualmen-
As normas de colaboração profissional te, em duplas ou trios, compartilham as
(Garmstom & Wellman, 2000) foram apre- informações.
sentadas e exercitadas no decorrer das
oficinas, para que os participantes pudes-
sem compartilhá-las e exercitá-las com sua
equipe de professores durante as HTPCs e
em momentos informais.

172 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 172 04/02/2009 14:27:07


Raio X da escola...................................................
(nome da escola)

1. Número estimado de alunos e de professores ......................................................................

2. Na minha perspectiva, a maioria dos professores acredita que ...........................................

. .............................................................................................................................................

3. Na minha perspectiva uma minoria acredita que.................................................................

. .............................................................................................................................................

4. Para mim, o ponto forte dessa escola é . ...............................................................................

. .............................................................................................................................................

5. Para mim, o ponto fraco dessa escola é.................................................................................

. .............................................................................................................................................

6. Se a minha escola fosse um ser do reino animal ou vegetal, ela seria um/a . .......................

. .............................................................................................................................................

7. Por que? ................................................................................................................................

Em seguida, a responsável pela Oficina sintetiza e discute com o grupo as percepções sobre
as escolas onde atuam. Exemplo de parte do quadro resultante:

Pensando em suas unidades, as gestoras participantes afirmam o seguinte...

O símbolo da
A maioria dos
Uma minoria acredita O ponto forte da O ponto fraco escola poderia
profs. acredita
que... escola é... da escola é... ser... (reino animal
que...
ou vegetal)

A escola faz um bom A escola pode Águia: olha de cima


Estrutura e conteúdo Trabalho coletivo
trabalho melhorar muito mais e vê tudo

Só a educação e a Um dia a corrupção vai Corpo docente,


Zoológico: todos são
saúde transformam acabar; um dia profs alunos, as pessoas da desunião
diferentes
o país terão salário digno escola

Etc. Etc. Etc. Etc. Etc.

Formação de lideranças educacionais restaurativas 173

jr_sao-caetano_090204.indd 173 04/02/2009 14:27:07


4.5.2. Sugestão de roteiro de pesquisa junto aos
alunos “termômetro”
127 CECIP/APS (De Veilige school – A escola segura – PMVO, Holanda)127
International “Conflito nas
escolas, modo de transfor-
mar”, op.cit., no prelo.
O questionário abaixo pode ser reproduzido (um por aluno) e preenchido pelos mesmos na sala
de aula. Cada classe faz sua tabulação. Os gestores consolidam os dados e os expõem à comuni-
dade escolar. O debate resultante pode demonstrar a necessidade de ações restaurativas.

O quanto você se sentiu seguro/a na escola e na comunidade esse mês?

Eu me senti:
Na sala de aula:
seguro ( ) não muito seguro ( ) inseguro ( ) muito inseguro ( )

Na escola:
seguro ( ) não muito seguro ( ) inseguro ( ) muito inseguro ( )

Nos arredores da escola:


seguro ( ) não muito seguro ( ) inseguro ( ) muito inseguro ( )

Entre a escola e a casa e vice versa:


seguro ( ) não muito seguro ( ) inseguro ( ) muito inseguro ( )

Esse mês:
Mexeram comigo e ou me intimidaram:
nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) todo o tempo ( )

Me xingaram e ou ameaçaram:
nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) todo o tempo ( )

Fiquei com medo de certos alunos:


nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) todo o tempo ( )

Algo meu foi roubado:


nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) todo o tempo ( )

Eu estive envolvido em briga e ou violência física:


nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) todo o tempo ( )

Eu conversei sobre essas coisas com a seguinte pessoa na escola:

.................................................................................................................................................

E isso ajudou ( ) não ajudou ( )

174 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 174 04/02/2009 14:27:07


O questionário permite medir o quão seguros ►►Os participantes, divididos em grupos,
os alunos e a equipe da escola se sentem, e fazem uma leitura dos artigos da LDB re-
quais são as formas de violência com a qual lativos aos objetivos da Educação Nacional
se confrontam na escola. Se todas as escolas – e/ou dos objetivos gerais do PPP, mais
aplicam esse questionário em pelo menos objetivos do Projeto Justiça Restaurativa
uma amostra aleatória de seus alunos, pode- (cópias xerocadas).
remos repeti-lo ao final do projeto e verificar
se conseguimos melhorar o clima da escola. ►►Pede-se a cada grupo que:
»» represente como essa escola é no presente
(em termos e recursos humanos, físicos e
4.5.3. Construindo materiais, organização, cultura, etc);
»» responda em conjunto à pergunta: como
coerência na equipe desejam que essa escola seja daqui a cin-
escolar co anos: como serão os professores, os
alunos, a intraestrutura, as interações,
Visão da escola restaurativa tendo em vista os objetivos da Educação
Nacional e do Projeto;
Para criar na equipe um senso de direção, »» produza um cartaz com imagens e textos
possibilitando a todos construírem clareza a que representem essa visão de futuro.
respeito da finalidade maior de seu trabalho
como educadores restaurativos, os gestores são Um exemplo: gestores das escolas estaduais
convidados a realizar a atividade abaixo e recriá- de São Caetano do Sul, SP, produziram car-
la com os docentes, alunos, funcionários e fami- tazes com o seguinte conteúdo:
liares (em turnos, com uma síntese geral).

Verde Amarelo Azul Branco Vermelho

Castelo; equipes; Jovens; Alimento; Computação; Caneta


Indivíduos; diferentes idades; Bibliografia; Zeus; Computador
Diversos. antenas jovens em Astron; DvD
parabólicas; atividades Homem Instrumentos
DvD; esportivas escrevendo; Musicais
Coruja; computação; Gregos; Obras de arte
Natureza; TV; natureza Crianças; Atletas
Professor; diferentes idades. Árvore; Dinheiro.
Logos. Trompete;
Experiência
científica.

Textos Sinérgica; Protagonismo Participação; Integração; Especialista de


Alunos Juvenil; Compromisso; Compromisso; aprendizagem;
A escola conscientes; Antenada com Valor do Ser Solidez; Dedicação;
daqui a Dedicação; mundo; humano; Valorização; Professores
5 anos Tecnologia e Produtora saber Novas Responsab. felizes;
Atividades significado; Tecnologias. Criatividade; Comunidade
diversificadas; Professor Ciência, presente;
Comunidade comprometido com Arte,Tecnologia. Arte; Música.
participativa. aprendizagem.

Formação de lideranças educacionais restaurativas 175

jr_sao-caetano_090204.indd 175 04/02/2009 14:27:08


O responsável pela atividade sintetiza a Repensando as regras
atividade com os participantes, construin- disciplinares com os
do juntos a visão comum de futuro do docentes e funcionários à luz
128 “Conflito nas grupo. Em seguida, o grupo explicita os dos valores restaurativos.128
escolas: modo de transfor-
mar”, op.cit., Capítulo III.
valores comuns contidos na visão de futuro
Os autores diferenciam como:aprendizagem; dedicação; responsabi-
regras disciplinares e lidade; compromisso, felicidade, participação, Preparação
normas de convivência.
As regras, que traduzem segurança. yy Os valores restaurativos comuns levanta-
a legislação, devem ser de- dos pela equipe são expostos em cartazes
batidas e compreendidas.
As normas de convivência Ter consciência de valores e princípios comuns ou em um móbile.
devem ser coletivamente possibilita o trabalho em equipe, e este, o Pen-
definidas e acordadas.
Elas dizem respeito ao samento Sistêmico (Senge, 2003): a percepção yy Apresenta-se o Modelo da Instrução
modo como todos querem de que estamos todos interconectados, como Adaptativa (Dijkstra,op. cit), baseado no
ser tratados na escola.
neurônios no cérebro - e podemos nos apoiar conceito de que para aprender, as pessoas
mutuamente no processo de aperfeiçoamento precisam ter suas necessidades psicoló-
e mudança individual e institucional. gicas básicas atendidas. Portanto, a cada
uma dessas necessidades, correspondem
Em pequenos grupos, os participantes discu- ações educacionais, instrucionais ou or-
tem como as ações do Projeto Justiça Restau- ganizacionais.
rativa contribuem para a realização da visão
da escola e dos valores nela contidos. Assim:

Aprendiz tem necessidade


Educador / Facilitador provê Ações pedagógicas geram
de...

Pertencimento
Ações Educacionais APOIO
(relacionamento, interação)

Ações de Ensino
Sentir-se Competente DESAFIO
(Instrucionais)

Sentir-se Autônomo Ações Organizacionais CONFIANÇA

►►Mostra-se a relação entre esse modelo e as Cinco Disciplinas de Aprendizagem (Senge, op


cit), focalizando a Primeira Disciplina – o Autodomínio (Self Mastery), e a caminhada que o
processo educacional possibilita a crianças e jovens: da dependência para a independência
e daí para a interdependência.

►►Solicita-se aos participantes que, em pequenos grupos, respondam à questão: até que ponto
a forma como a escola “pensa” a disciplina dos alunos contribui para que eles possam ver
satisfeitas suas necessidades de pertencimento, competência e autonomia?

176 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 176 04/02/2009 14:27:08


Primeira Parte – Refexão sobre o 6 tiras de cartolina, com os valores, (de-
sistema disciplinar da escola e os pendendo do número de grupos em que
princípios da Justiça Restaurativa os participantes estão divididos.)

yy Distribui-se a cada participante uma cópia Exemplo de valores do grupo:


das regras da escola. yy Solidariedade;
yy Divididos em pequenos grupos os parti- yy Confiança;
cipantes discutem as questões que podem yy Cuidado-Proteção;
provocar o debate: yy Poder;
»» Qual o sentido dessas regras? yy Responsabilidade;
»» Em que elas contribuem para a aprendi- yy Respeito.
zagem e para a melhoria da convivência
(de conteúdos ou de atitudes/valores)? ►►Os participantes selecionam, das regras
»» Quais são as 3 regras mais importantes? disciplinares e normas de convivência
Por que ? da escola, aquelas que mais podem ter
impacto na aprendizagem na sala de aula
É possível, no fechamento do debate, retomar e as registra, também em tiras de cartolina,
a questão da Disciplina relacionada às Cinco fazendo o mesmo número de “jogos” que
Disciplinas de Aprendizagem de Senge: disci- o de valores restaurativos.
plina enquanto autodisciplina, com o objetivo
de tornar cada um de nós o mestre de seu Exemplos de regras (R) e normas (N)
destino, o modelador de sua própria vida. da escola:
Para desenvolver nosso autodomínio, temos Respeitar os outros e respeitar os ambientes
que ter claro o que queremos e o que pensa- de aprendizagem; seguir as instruções dos
mos - ou seja nossos Modelos Mentais. professores; chegar pontualmente às aulas;
trazer para a escola objetos e materiais
Quando discutimos com um aluno ou pro- pertinentes às aulas; usar uniforme ou traje
fessor, por exemplo, qual o valor por trás adequado ao ambiente escolar; cuidar do
da regra: “Chegar pontualmente na sala de espaço da sala de aula e da escola.
aula”, estamos dando possibilidade a ele
de tomar consciência do que pensa sobre ►►De posse dos dois jogos, cada grupo vai
pontualidade e por que a pontualidade é debater e escolher o valor/ princípio res-
um valor para ele. Quando um grupo abre taurativo que considera mais abrangente e
e compartilha modelos mentais, temos a a norma que mais o representa e contribui
base da construção de uma Visão Compar- para melhorar a convivência e a apren-
tilhada. dizagem na escola. Ao final da discussão
cada grupo produz um cartaz.

Segunda Parte – Construindo Exemplo:


normas comuns Grupo 1 – Princípio: Respeito
Norma de conviência: Respeitar os outros e
►►Os participantes selecionam, dentre os os ambientes de aprendizagem.
valores do grupo, os seis que na opinião
deles mais contribuem para prevenir a Grupo 2 – Princípio: Responsabilidade
violência e restaurar danos causados por Regra disciplinar: Chegar pontualmente
conflitos destrutivos. Fazem “x” jogos de às aulas .

Formação de lideranças educacionais restaurativas 177

jr_sao-caetano_090204.indd 177 04/02/2009 14:27:08


Grupo 3 – Princípio: Solidariedade Duas estratégias, dentre
Regra disciplinar: Cuidar do espaço da sala muitas possibilidades:
de aula e da escola

yy Os cartazes de cada grupo são afixados Os sobreviventes


na parede. Representantes de cada grupo yy Pede-se que os alunos imaginem, individu-
explicam o porque de sua escolha, defi- almente, que são os únicos representantes da
nindo, por exemplo, o que entendem por humanidade salvos de uma catástrofe e encar-
“respeito” ou “solidariedade”, e dizendo regados de começar tudo de novo em outro
por que a regra ou a norma escolhida planeta. Que valores levariam consigo, para
traduzem esses valores dando exemplos que os mesmos erros não se repetissem?
concretos de aplicação. yy Em grupos de quatro, discutem os valores/
yy Com ajuda do responsável pela reunião, princípios para escolher aquele que consi-
chegam-se aos valores e normas que deram mais importante para possibilitar a
pertencem a todo o grupo de docentes e convivência do pequeno grupo que sobrou
funcionários. e restaurar /reconstruir o planeta.

Um exemplo:
4.5.4. Possibilitando aos yy As respostas do grupo foram: amor / solida-
riedade; tolerância; transparência; responsa-
alunos a construção das bilidade; respeito; liberdade / autonomia.
129 “As regras estão no Normas de Convivência129, yy Cada grupo apresenta um cartaz com a
sisitema disciplinar. As
normas de convivência à luz dos valores sua escolha.
estão na cabeça e no
coração de todos”. “Confli-
restaurativos
to nas escolas: modo de
transformar”, op. cit. As estrelas
yy Essa atividade poderá ser conduzida, em yy Pede-se aos participantes que, individual-
cada classe, por um Professor-referência, mente, desenhem uma estrela. No centro
em um período especialmente dedicado da estrela, em seguida, escrevam nomes
ao objetivo de envolver os alunos nas de pessoas que fizeram ou fazem diferença
decisões sobre Normas e valores, e teria na vida deles, como exemplos ou modelos
os seguintes passos. de conduta. Em seguida, em cada ponta da
yy Criar com os alunos, em cada classe, uma estrela escrevem um valor ou princípio
Visão da escola que desejam, seguindo associado a essa pessoa.
os mesmos passos da atividade proposta yy As estrela são colocadas no centro da sala e
à p. 175. todos podem ver os trabalhos de todos.
yy Assim como os professores precisam yy Em pequenos grupos, definem os valores
sonhar a escola que querem, os alunos que são considerados mais importantes
também devem sonhar sua escola e sua para melhorar a convivência e a aprendi-
sala de aula. Assim, podem cooperar no zagem na escola.
sentido de melhorá-las.Podem trabalhar yy Em seguida, definem três normas que
em equipe. devem ser seguidas por todos ao tratar
yy Fazer com os alunos o levantamento dos uns com os outros e que expressem seus
valores/ princípios restaurativos. próprios valores mais importantes.
yy Apresentação do representante de cada
grupo. Negociação e ajustes.

178 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 178 04/02/2009 14:27:09


yy Confecção dos cartazes com as Normas de Idéias captadas na “Teia das
convivência da classe. Aranhas”
yy Maior número de HTPCs e reuniões pe-
dagógicas;
4.5.5. Conquistando yy melhor manejo do tempo; nas HTPCs,
potencializar o tempo com organização
tempo para o melhor; evitar conversas paralelas;
desenvolvimento yy criar cultura de pontualidade nas HTPCs
profissional de uma e reuniões pedagógicas;
yy HTPCs pertinentes; definir metas; apro-
equipe restaurativa
veitar aulas vagas e fins de período;
yy aulas vagas remuneradas;
Uma reclamação dos gestores é a falta de yy ajuda na aula vaga;
tempo para o aperfeiçoamento profissional yy troca de idéias no intervalo;
dos docentes. A estratégia abaixo foi usada yy deixar claros os objetivos da reunião;
para levantar idéias sobre qualquer tema. No yy obedecer a uma pauta/reuniões mais
caso, o foco foram as sugestões para conquis- objetivas, não deixar sair do foco;
tar tempo para a reflexão sobre a prática e a yy pesquisar, levantar necessidades dos
experimentação de novas práticas. professores e viabilizar os materiais ne-
cessários para a reunião;
yy providenciar resumos de livros para as
Brain storm; “Estratégia reuniões; flexibilidade para que professo-
da Aranha”: idéias para res possam reunir-se uns com os outros
conquistar tempo para o dentro de seu horário;
yy escuta no horário contrário ao do profes-
desenvolvimento profissional
sor; envolvimento em projetos, Conselhos 130 Adaptado de
na escola 130
e reuniões da APM; CECIP-APS, “Mestres da
Mudança”, op cit.
yy participação na “Escola da Família”;
A regra de ouro do Brain Storm ou Tempes- yy trabalho em equipe; dividir tarefas;
tade de Idéias é deixar as idéias fluírem, sem yy projeto aos sábados;
criticá-las. Só num segundo momento, elas yy almoço entre amigos; chá da tarde; café
passam pelo crivo da crítica.131 da manhã. 131 CECIP- APS
International, Estratégia
da Aranha, Mestres da
Passos Fechando essa atividade os participantes Mudança – Liderando a
A partir da provocação feita, cada participan- foram convidados a, nas semanas seguintes, escola com a cabeça e o
coração.
te, individualmente, escreve num papel todas em suas escolas, junto com seus superviso-
as idéias que lhe ocorrem para conseguir res, priorizarem as idéias mais viáveis para
mais tempo para o desenvolvimento profis- serem colocadas em prática. Os participan-
sional na escola, colocando cada uma em uma tes receberam trecho do livro “Escolas que
das “patas” da aranha desenhada (um círculo, aprendem” (SENGE, op. cit) com exemplos
de onde saem oito linhas, as “patas”). de como escolas americanas encontram mais
tempo para as atividades de desenvolvimento
Em pequenos grupos, somam as idéias em uma profissional da equipe.
“aranha” comum. Na plenária, sistematizam-
se as idéias de todos os grupos (por exemplo,
eliminando-se repetições) na Grande Aranha.

Formação de lideranças educacionais restaurativas 179

jr_sao-caetano_090204.indd 179 04/02/2009 14:27:09


4.5.6. Manejo de classe Parte coletiva
restaurativo Vamos agora compartilhar as suas descobertas.
Cada pessoa vai ler para o grupo o que escreveu.
Estratégias para criar uma “sala de aula Em seguida, vocês terão 15 minutos para escolher,
aprendente” onde o professor exerça sua dentre o que foi exposto pelo grupo, aquelas que
autoridade, sem autoritarismo, com prota- vocês consideram as três melhores estratégias de
gonismo dos alunos. manejo de classe. Aquelas que vocês poderiam
sugerir a um professor iniciante. E usem os cinco
yy Colocar aos professores o objetivo da minutos finais para escrever essas estratégias em
atividade: “Vamos agora construir um um cartaz.
repertório de estratégias de manejo de
classe, que poderá nos ajudar a criar um Finalização
ambiente mais organizado, produtivo e À medida que os cartazes ficam prontos,
positivo na sala de aula, e que favoreça a afixá-los na parede.
participação, a autonomia e a aprendiza-
gem dos alunos”. Pedir que os participantes verifiquem as
yy Dar as seguintes instruções: estratégias parecidas/iguais e diferentes.

Parte individual Em cada grupo, os participantes decidem em


O primeiro passo vai ser uma viagem no conjunto quais as três estratégias que mais
tempo. Por favor, sentem-se com a coluna reta contribuem para criar uma atmosfera, ao
em suas cadeiras... Pernas descruzadas... pés mesmo tempo disciplinada e participativa,
bem plantados no chão. Fechem os olhos... na sala de aula para serem apresentadas
Percebam sua respiração... em plenária e escolhem a pessoa que irá
apresentá-las. As estratégias escolhidas são
“Agora, lembrem de uma aula que vocês de- registradas pelas facilitadoras em transpa-
ram – ou da qual participaram como alunos rências e levadas à plenária.
– que foi realmente muito boa. Uma aula da
qual alunos e professor saíram contentes, onde Plenária
houve muito interesse e aprendizagem. (...) Depois das apresentações dos grupos, as
propostas podem ser sintetizadas (veja tabela
Muito bem... Agora, vamos lembrar o que você ao lado).
fez para que tudo corresse bem nessa aula.
Você fez alguma coisa antes da aula? Como
foi o início da aula? E as atividades, como se
desenvolveram? Como foi o fechamento da
aula? (...)

Escreva agora numa folha de papel de uma a


três coisas que você fez e que foram importan-
tes para que a sua aula fosse um sucesso.

180 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 180 04/02/2009 14:27:09


Características de um ensino que restaura o respeito mútuo na sala de aula

Coerência: a disciplina vale A disciplina dos alunos reflete a disciplina profissional dos
para todos professores e lideranças educacionais da escola.
yy Valores e princípios
Se os professores chegam atrasados, os alunos também irão
chegar. Se o diretor trata os professores e funcionários de
forma ríspida, eles vão fazer o mesmo com os alunos.

Daí a importância de a equipe escolar reservar tempo no


início do ano ou do semestre para conhecer regras e definir,
em conjunto, as normas de convivência com as quais todos
concordam, por expressarem valores éticos comuns, como
respeito, solidariedade, cuidado e outros.

Regras e Normas, significado, Identifique as regras gerais (comuns a todos os professores,


negociação relativas a princípios e valores) e os procedimentos específicos
yy Regras / normas gerais (pou- para sua classe (descrição de comportamentos esperados em
cas e essenciais) diferentes circunstâncias). Explique as razões por trás de
cada regra – os valores e princípios que ela traduz – e os
yy Procedimentos específicos:
motivos dos procedimentos - em que eles contribuem para a
início e final da aula; materiais;
aprendizagem. Envolva os alunos no “desenho” de normas
trabalho em grupo; exposição de convivência, possibilitando que adaptações e modificações
do professor sejam feitas na classe e na escola.

Objetivos de aprendizagem Estabeleça e exponha aos alunos os objetivos de cada


unidade de instrução em linguagem não técnica, atraente.
yy Conteúdos e Atitudes
A cada aula, ofereça feedback sobre esses objetivos, que
yy Apropriação pelos alunos
podem estar escritos em cartazes. Apresente e discuta com os
yy Responsabilidade, escolha alunos o nível de desempenho que espera deles. Os objetivos
devem ser deles. Eles devem querer chegar lá.

Por exemplo, em relação ao desenvolvimento do autodomínio/


autodisciplina e responsabilidade o nível mais baixo seria:
perturba a aula; agride colegas - nível intermediário; segue
instruções do professor; nível mais elevado: age da mesma
forma na presença ou na ausência do professor.

Possibilite aos alunos a auto-avaliação do seu progresso rumo


ao nível de desempenho mais alto.

Ofereça a eles estratégias de autocontrole de base cognitiva:


Ex. diante de uma situação que te deixa com muita raiva:
yy pare;
yy pergunte-se: quais são as diferentes maneiras pelas quais
posso responder a essa situação;
yy pense sobre as conseqüências de cada opção;
yy escolha a opção que traga as conseqüências mais positi-
vas para você para os outros envolvidos.

>>

Formação de lideranças educacionais restaurativas 181

jr_sao-caetano_090204.indd 181 04/02/2009 14:27:09


Características de um ensino que restaura o respeito mútuo na sala de aula

Preparação Preparar a aula, descobrindo formas de motivar os alunos


para apresentar o conteúdo, dosando as atividades pelo
yy Conteúdos tempo disponível, prevendo os materiais a serem usados
yy Estratégias e organizando as carteiras e mesas, murais,etc de sorte a
favorecer a aprendizagem de todos.
yy Materiais
yy Organização do espaço

Relacionamento O professor modela, com suas atitudes e comportamentos


respeitosos em relação ao aluno, as atitudes e comportamentos
yy Satisfazer necessidades destes. (Foram descritas algumas estratégias restaurativas para
132 Nota: Cf. “Conflito psicológicas dos aprendizes: confrontar e lidar com comportamentos inaceitáveis).132
nas escolas: modo de
transformar”, op. cit. pertencimento, competência e
autonomia
yy Agir de forma correta e coerente

4.6. Aspectos Estado da Educação, para criar articulação e

organizacionais
sinergia entre materiais e procedimentos. Os
diretores de São Caetano do Sul,por exemplo,
participavam de um Curso sobre Gestão que
A realização das Oficinas para Lideranças poderia dialogar com as Oficinas de Forma-
Educacionais demanda a mobilização de re- ção de Lideranças Restaurativas.
cursos materiais, humanos e administrativos.
Os recursos materiais são os mesmos necessá- yy Valorização e disponibilização do tempo
rios à capacitação de Facilitadores de Práticas do gestor, na escola, para atividades de
Restaurativas, além de papel, disponibilidade desenvolvimento profissional e de reflexão
de xerox para reprodução de folhas tarefa e sobre a prática restaurativa com a equipe
outros materiais de escritório. professores: a) o tempo das HTPCs deve ser
utilizado para atividades formativas; b) as
Medidas político administrativas da Diretoria de convocações dos gestores para reuniões e
Ensino e demais órgãos da Secretaria de Estado eventos, de caráter formativo ou informativo,
de Educação podem fazer com que a formação devem deixar tempo para reflexão e para
dos gestores tenha maior impacto na criação de reinterpretação/incorporação das informa-
uma cultura restaurativa nas escolas: ções recebidas; c) possibilitar a priorização,
yy Elaboração de um calendário anual das pelas escolas, dos projetos a serem desenvol-
Oficinas de Formação, publicado em vidos – atuar em muitos projetos ao mesmo
Diário Oficial, num esforço conjunto de tempo, sem a necessária articulação entre
todos os órgãos, e que seja respeitado, sem eles, produz nas gestoras ansiedade, com
convocações de última hora. uma sensação de sobrecarga e de que estão
fazendo tudo de maneira superficial.
yy Alinhamento entre todos os processos for-
mativos de gestores implementados durante yy Elaboração de medidas para valorização
o ano, com encontros dos diferentes capaci- dos educadores envolvidos na operação de
tadores de gestores atuando na Secretaria de círculos restaurativos escolares.

182 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 182 04/02/2009 14:27:10


Material de divulgação
e projetos de ampliação,
5
remodelação e
disseminação

Coerente com a afirmação inicial de que o yy participação em simpósios e seminários,


projeto é fruto de uma construção que se faz internacionais e nacionais;
na ação, o processo de aprendizagem não yy realização de grupo de estudo teórico
poderia ser apresentado como algo fechado, focado em temas específicos;
rígido, pronto. Ele foi se adaptando conforme yy realização de grupo de estudo de casos;
os avanços do próprio projeto, conforme as yy reuniões de avaliação do processo restau-
necessidades, os contextos institucionais, os rativo e de fluxos operacionais.
conflitos, os tipos de relação. Foi-se perceben-
do, então, as várias implicações de uma ação O material que se formou a partir dessa
em outra, da amplitude das mudanças em trajetória se transformou em:
andamento, ganhando um cunho sistêmico, yy aulas formatadas em apresentações em
interinstitucional. power point;
yy pautas de grupos de trabalho;
A definição do material didático também se yy produção de material e sua revisão
fez, portanto, focada no processo de cons- (material informativo, scripts, planos de
trução e de transformação, mais até do que trabalho);
simplesmente numa previsão prévia de ações yy práticas simuladas;
a serem desenvolvidas. Retrospectivamente, yy elaboração de projetos e questionários;
o material didático foi sendo construído com yy definição de fluxos operacionais com iden-
base nos seguintes recursos pedagógicos: tificação de papéis institucionais.
yy estudo contínuo da literatura especializa-
da, sobretudo internacional; O material já produzido consiste em:
yy estudo de matérias correlatas; yy todo um curso sobre Justiça Restaurativa
yy contato com professores estrangeiros e na Escola Paulista da Magistratura, funda-
nacionais; do na prática nacional e em experiências
yy troca de experiências com operadores estrangeiras;
nacionais e estrangeiros;

Material de divulgação e projetos de ampliação, remodelação e disseminação 183

jr_sao-caetano_090204.indd 183 04/02/2009 14:27:10


yy textos teóricos e reflexivos publicados em Registro e Sistematização
livros editados pelo Ministério da Justiça,
Programa das Nações Unidas para o De- Como é feito o registro das atividades nas
senvolvimento, revistas especializadas; duas técnicas:
yy aulas sobre Justiça Restaurativa apresen-
tadas em congressos e simpósios; Procede-se ao registro das atividades valen-
yy aulas sobre relação entre articulação de do-se dos instrumentos distintos conforme
rede e Justiça Restaurativa apresentadas as técnicas empregadas.
em congressos e simpósios;
yy elaboração de folder sobre o projeto; Na primeira técnica, foram utilizados regis-
yy manual de aplicação do projeto em 2005, tros de:
com versão anterior à ora apresentada: “O yy concordância de participação em círculo
caminho de São Caetano”, produzido em restaurativo;
parceria pela equipe gestora do projeto; yy recusa de participação em círculo res-
yy nova sistematização didática a partir dos taurativo;
avanços do projeto em 2006; yy autorização para registro de imagens de
yy elaboração deste manual pelo coordena- círculo restaurativo;
dor do projeto; yy acordo em círculo restaurativo;
yy sistematização em vídeo do projeto; yy declaração de cumprimento de acordo.
yy filmagem de círculos restaurativos concre-
tos para divulgação; Na segunda técnica, foi utilizado como
yy produção de novos materiais informativos registro apenas um relatório de círculo
à população; restaurativo e comunitário, sendo colhida
yy produção de um livro com base no curso a concordância em audiência, quando há
que vem sendo ministrado na Escola Pau- redirecionamento direto para o Fórum. Se a
lista da Magistratura; e que será aplicado procura é espontânea, o relatório é o instru-
agora em São Caetano do Sul; mento do acordo, sendo encaminhado um
yy fluxos sistêmicos restaurativos. outro relatório, mais sucinto e sem dados dos
envolvidos, à coordenação do projeto.

184 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 184 04/02/2009 14:27:10


Conclusão 6
Na aprendizagem das novas formas de se pensar
e fazer Justiça e Educação, capazes de prevenir a
violência e de restaurar a dignidade e o poder de
escolha de pessoas, grupos e instituições, continua
sendo verdade o que diz Paulo Freire:

“Ninguém educa ninguém.


As pessoas se educam em comunhão”.

Continuemos, portanto, a nos educar, rumo a uma


sociedade restaurativa.

Conclusão 185

jr_sao-caetano_090204.indd 185 04/02/2009 14:27:10


Bibliografia 133

133 Bibliografia conso- ABRAMO, Helena Wendel e outros. Juventude ADORNO, Theodor. Probleme der Moralphi-
lidada para a formatação
do projeto e das capacita-
em debate. SP, Cortez, 2002. losophie. Frankfurt, Suhrkamp, 1997.
ções na Escola Paulista da
Magistratura. ABRAMO, Helena Wendel e BRANCO, Pedro ADORNO, Theodor. Minima Moralia. São
Paulo Martoni, Retratos da Juventude Bra- Paulo, Ática, 1993.
sileira- Análises de uma pesquisa nacional,
Instituto Cidadania, Fundação Perseu AMSTUTZ, Lorraine Stutzman & MULLET,
Abramo, 2005. Judy H. The little book of restorative disci-
pline for schools. Teaching responsibility,
ABRAMOVAY, Miriam. Escola e violência. creating caring climates. Intercourse, Goo-
Brasília, Unesco, 2003. dbooks, 2005.

ACOSTA, Ana Rojas & VITALE, Maria Amalia ANDRADE,Elaine Nunes (org.).Rap e educação,
Faller (org.). Família: redes, laços e políticas rap é educação. São Paulo, Summus, 1999.
públicas. São Paulo, IEE/PUC-SP, 2003.
ARIÈS, Philippe. História social da criança e
ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. da família. 2ª ed., Rio de Janeiro, ed. Gua-
São Paulo, Paz e Terra, 1995. nabara, 1981.

ADORNO, Theodor. Zur Lehre von der Ges- BADINTER, Élisabeth. L´amour en plus.
chichte und von der Freiheit. Frankfurt, Histoire de l´amour maternel (XVIIe.-XXe.
Suhrkamp, 2001. siècle). Paris, Flammarion, 1980.

ADORNO, Theodor. Negative Dialetik. Frank- BAZEMORE, Gordon & SCHIFF, Mara.
furt, Suhrkamp Taschenbuch, 1975. Juvenile justice reform and restorative
justice. Building theory and policy from
ADORNO, Theodor. Erziehung zur Mündigkeit. pratice. Portland, Willian Publishing,
Frankfurt, Suhrkamp Taschenbuch, 1971. 2005.

186 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 186 04/02/2009 14:27:11


BAZEMORE, Gordon & SCHIFF, Mara. Resto- BURSIK JR, Robert J. & GRASMICK, Harold.
rative community justice. Portland, Oregon. Neighborhoods and crime. The dimensions
Willian Publishing, 2001 of effective community control. NY, Lexing-
ton Books. 1993.
BAZEMORE, Gordon & WALGRAVE, Lode.
Restorative juvenile justice: repairing the CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito
harm of youth crime. Monsey, New York, e democracia: a regra da maioria como
Criminal Justice Press, 1999. critério de legitimação política. Tese de
doutoramento. Faculdade de direito da USP.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 2. São Paulo, 1991.
Vol.Rio de Janeiro, ed. Nova Fronteira.
CÂNDIDO, Antonio, Os parceiros do Rio
BECKER, Howard S. Outsiders. Paris, Métailié, Bonito. São Paulo, Livraria Duas Cidades,
1985 1987.

BENJAMIN, Walter. Zur Kritik der Gewalt. CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant.
Frankfurt, Suhrkamp, 1965. Acesso à justiça. Porto Alegre, Sergio An-
tonio Fabris, 1988
BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola,
PASQUINO, GianFranco. Dicionário de CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (org.).
política. 4ª ed., Brasília, UnB, 1992. A família contemporânea em debate. São
Paulo, Cortez & Educ, 2003.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de
Janeiro, Campus, 1992. CARTWRIGHT, John. Building communities
through building peace. South African
BORRILLO, Daniel & FASSIN, Éric (org.). Institute of Race Relations.
Au-delà du PaCS. L´expertise familiale à
l´épreuve de l´homosexualité. 2ª ed., Paris, CECIP/APS International – Mestres da Mu-
PUF, 2001. dança- liderando escolas com a cabeça e o
coração, Artmed. 2006.
BRAITHWAITE, John & STRANG, Heather.
Restorative justice and family violence. NY, CECIP/APS International- Conflito, modo
NY. Cambridge University Press, 2002. de transformar- aprendendo a prevenir as
violências na escola e a restaurar os danos
BRAITHWAITE, John & STRANG, Heather. quando elas ocorrem, no prelo, 2008.
Restorative justice and civil society. NY, NY.
Cambridge University Press, 2001. CHAUI, Marilena. Repressão sexual. Essa
nossa (des)conhecida.12ª ed., São Paulo,
BRAITHWAITE, John. Crime, shame and Brasiliense, 1991.
reintegration. New York, Cambridge Uni-
versity Press, 1989 CORSARO, William. The sociology of chil-
dhood. Thousand Oaks, Pine Forge, 2005.
BRAITHWAITE, John. Restorative justice
and responsive regulation. Oxford, Oxford COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e
Univesity Press, 2002 norma familiar. 3ª ed., Rio de Janeiro,
Graal, 1983.

Bibliografia 187

jr_sao-caetano_090204.indd 187 04/02/2009 14:27:11


COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Prota- DERRIDA, Jacques & ROUDINESCO, Elisa-
gonismo Juvenil- adolescência, educação beth. De que amanhã... Diálogos. Rio de
e participação democrática, Fundação Janeiro, Jorge Zahar ed., 2004.
Odebrecht, 2000.
DERRIDA, Jacques. Force de loi. Le fonde-
CHRISTIE, Nils. Los limites del dolor. Mexico. ment mystique de l´autorité. Paris. Galillé,
Fondo de Cultura Economica, 1988. 1994.

CONSEDINE, Jim. Restorative justice. Healing DI NICOLA, Paola. La rete: metáfora


the effects of crime. Lytttelton, New Zea- dell´appartenenza. Analisi strutturale e
land. Ploughshares Publications, 1999. paradigma di rete.Milano, Francoangeli,
2003.
CONSEDINE, Jim & Bowen, Helen. Contem-
porary themes and practice. Ploughshares DONZELOT, Jacques. A polícia das famílias.
Publications, 1999. Rio de Janeiro, Graal, 1986.

CRAWFORD, Donna & BODINE, Richard. EDNIR, Madza, CECCON , Claudia e VAN
Education. A guide to implenting programs VELZEN, Boudewijn- High Pressure School
in schools, youth-serving organizations Reform in Brazil, in Educational Leader-
and community and juvenile justice ship magazine, Sage, 2006.
settings. Office of Juvenile Justice and
Delinquency Prevention. U.S. Department EWALD, François. Foucault, a norma e o
of Justice. 1996. direito. Lisboa, Vega, 1993.

DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e FALEIROS, V. P. & FALEIROS, E. (2001). Cir-


heróis. Para uma sociologia do dilema bra- cuitos e Curto-Circuitos – atendimento,
sileiro. 6ª ed., Rio de Janeiro, Rocco, 1997. defesa e responsabilização do abuso sexual
contra crianças e adolescentes. São Paulo:
DEBARDIEUX, Eric e outros.. Desafios e al- Editora Veras
ternativas: violências nas escolas. Brasília,
Unesco, 2003. FARIA, José Eduardo (org.). Direito e justiça.A
função social do Judiciário. SP, Ática, 1989.
DEBARDIEUX, Eric & BLAYA, Catherine.
Violência nas escolas. Dez abordagens FARIA, José Eduardo (org.). Direitos humanos,
européias. Brasília, Unesco, 2002. direitos sociais e justiça. SP, Malheiros, 1994.

CASTRO, Mary Garcia (coord.) e outros. FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito. Os
Cultivando vida, desarmando violências. juízes em face dos novos movimentos
Experiências em educação, cultura, lazer, sociais. SP, RT, 1991.
esporte e cidadania com jovens em situação
de pobreza. Brasília, Unesco, 2001 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría
del garantismo penal. Madrid, Editorial
DEMAUSE, Lloyd. The history of childhood. Trotta, 1989.
Northvale, New Jersey, Jason Aronson,
1995. FERRARIO, Franca. Il lavoro di rete nel servi-
zio sociale. Roma, Carocci ed., 2003.

188 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 188 04/02/2009 14:27:11


FINKELHOR, David e outros. The dark side of FULLAN, Michael & HARGREAVES, Andy.
families. Current family violence research. A Escola como organização aprendente
Thousand oaks, Sage Publications, 1983 – Buscando uma educação de qualidade,
Artmed, 2000.
FOLGHERAITER, Fabio. Operatori sociali e
lavoro di rete. Trento, ed. Erickson, 1994. FULLAN, Michael & HARGREAVES, Andy.
Aprendendo a Mudar, Artmed, 2002.
FONSECA, Márcio Alves. Michel Foucault e o
direito. São Paulo, Max Limonad, 2002. FURNISS, Tilman. The multi-professional
handbook of child sexual abuse. Integrated
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. management, therapy and legal interven-
A vontade de saber. Rio de Janeiro, Graal, tion. London, Routledge, 1991.
1988.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualida- Rio de Janeiro, Vozes, 1997.
de. O cuidado de si. Rio de Janeiro, Graal,
1984. GADOTTI, Moacir, PADILHA, Paulo Roberto,
CABEZUDO, Alicia. Cidade Educadora,
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 7ª ed., princípios e experiências – Cortez, Insti-
Petrópolis, Vozes, 1989. tuto Paulo Freire, Cidades Educadoras da
América Latina, 2004.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas
jurídicas. Rio de Janeiro, Nau, 1996. GAGNEBIN, Jeanne-Marie. História e narra-
ção em Walter Benjamin. SP, Perspectiva,
FOUCAULT, Michel. Dits et écrits (1954-1988). 2004.
Paris, Gallimard.
GARBARINO, James. And words can hurt
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação. forever. How to protect adolescents from
Paz e Terra, 1971. bullying, harassment and emotional vio-
lence. New York, Free Press, 2002.
FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. Cortez,
1991. GARCIA MENDEZ, Emilio & BELOFF, Mary.
Infancia, ley y democracia en América Lati-
FREITAS, Maria Virgínia de & PAPA, Fer- na. Buenos Aires, Temis Desalma, 1999.
nanda de Carvalho. Políticas públicas.
Juventude em pauta. SP, Cortez, 2003 GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo (org.) In-
fância, escola e modernidade. São Paulo,
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. 25ª Cortez Editora, 1997.
ed., Rio de Janeiro, José Olympio editores,
1987. GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e
conventos. 3ª ed., SP, Perspectiva, 1990.
FULLAN, Michael. Change Forces – Probing
the Depths of Educational Reform, The GOMES, Luis Flávio e outros. Juizados Espe-
Falmer Press, 1993. ciais Criminais. 5ª ed., SP, RT, 2005.

Bibliografia 189

jr_sao-caetano_090204.indd 189 04/02/2009 14:27:11


HAHN, Paul H. Emerging criminal justice. MALDONADO, Maria Tereza. Os construtores
Three pillars for a proactive justice system. da paz. Caminhos da prevenção da violên-
Thousand oaks, Sage publications, 1998. cia. São Paulo, Moderna, 2004.

HENDERSON, Paul e THOMAS, David. MARQUES, Antonio Emílio Sendim &


Savoir-faire en développement social local. BRANCHER, Leoberto Narciso. Pela Jus-
Paris, Éditions Bayard, 1992. tiça na Educação. Brasília, Fundescola/
MEC, 2000.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do
Brasil. 18ª ed., Rio de Janeiro, José Olympio MARTIN, Julián Carlos Rios e outros. La
editora, 1986. mediación penitenciaria. Reducir vio-
lencias en el sistema carcerário. Madrid,
HOOVER, John H & OLIVER, Ronald. The Colex, 2005.
bullying prevention handbook, A guide
for principals, teachers and counselors. MAXWELL, Gabrielle & LIU, James. Restora-
Bloomington, Solution Tree, 1996. tive justice and practices in New Zealand.
Towards a restorative society. Wellington,
HOPKINS, Belinda. Just schools. A whole Institute of Policy Studies, 2007.
school approach to restorative justice.
London, Jessica Kingsley, 2004. MAXWELL, Gabrielle. Toward a child and
family policy for New Zealand. Office of
HULSMAN, Louk & CELIS, J. Bernat de. Siste- the commissioner for children. Wellington,
ma penal y seguridad ciudadana. Hacia una New Zealand.
alternativa. Barcelona. Ariel derecho. 1984.
MAXWELL, Gabrielle. Children´s experien-
JENSEN, Gary F. & ROJEK, Dean G. Delin- ces of violence. Office of the commissioner
quency and youth crime. Prospect Heights, for children. Wellington, New Zealand.
Illinois, Waveland press, 1998.
MAXWELL, Gabrielle & MORRIS, Allison.
JOHNSTONE, Gerry & VAN NESS, Daniel W. Family, victims and culture: youth justice
Handbook of restorative justice. Portland, in New Zealand. Wellington, Institute of
William Publishing, 2007. criminology,Victoria University of Welling-
ton, 1993.
KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaura-
tiva e ato infracional. Porto Alegre, Livraria MAXWELL, Gabrielle, ROBERTSON, Jere-
do Advogado, 2007. my & ANDERSON, Tracy. Police youth
diversion. Wellington, The crime and jus-
LALANDE, André. Vocabulário técnico e tice research centre. Victoria University of
crítico da filosofia. São Paulo, Martins Wellington. 2002.
Fontes, 1999.
MAXWELL, Gabrielle e outros. Achieving
LO, T. Wing, WONG, Dennis & MAXWELL, Ga- effective outcomes in Youth Justice. Ministry
brielle.Alternatives to prosecution. Rehabili- of Social Development, New Zealand, 2004.
tative and restorative models of Youth Justice.
Singapore, Marshall Cavendish, 2005.

190 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 190 04/02/2009 14:27:11


MAXWELL, Gabrielle. Child offenders. A NOGUEIRA, Madza Julita. Diretor Dirigente
report to the Minister of Justice, Police and – A construção do Projeto Político Peda-
Social Welfare. Office of the commissioner gógico na escola pública, revista Idéias,
for children. Wellington, New Zealand. FDE, 1992.

MCDONALD, John et alli. Real justice. Trai- PIMENTEL, Silvia. Evolução dos direitos
ning manual. Coordinating family group da mulher. Norma, fato, valor. São Paulo,
conferences. Pipersville. Piper´s press. RT, 1978.
1995.
PIMENTEL, Silvia; DI GIORGI, Beatriz &
MELLO, Guiomar Namo de. Educação Escolar PIOVESAN, Flávia. A figura/personagem
Brasileira- o que trouxemos do século XX, mulher em processos de família. Porto
Artmed,2004. Alegre, Sergio Antonio Fabris ed., 1993.

MELO, Eduardo Rezende. Nietzsche e a justi- RITTER, Joachim & GRÜNDER, Karlfried
ça. São Paulo, Perspectiva, 2004. (org.). Historisches Wörterbuch der Phi-
losophie. Basiléia, Ed. Schwabe & Co.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, BRASIL. Novas
direções na governança da justiça e da ROBERTS, Albert. Helping crime victims.
segurança. 2006. Research, policy and practice.Newbury
Park, Sage Publications, 1990.
MINISTRY OF JUSTICE. NEW ZEALAND.
The Rotorua Second Chance Community ROCHA, Janaína; DOMENICH, Mirella;
– Managed Restorative Justice Programme: CASSEANO, Patrícia. Hip hop. A periferia
an evaluation, 2005. grita. São Paulo, Ed. Fundação Perseu
Abramo, 2001.
MINISTRY OF JUSTICE. NEW ZEALAND.
New Zealand Court-referred restorative ROSENBERG, Marshall. Nonviolent commu-
justice pilot: evaluation, 2005 nication. A language of life. Encinitas, CA,
Puddle Dancer Press, 2003.
MISSE, Michel. Crime e violência no Brasil
contemporâneo. Estudos de sociologia do SALES, Mione A. e outros. Política social, fa-
crime e da violência urbana. Rio de Janeiro, mília e juventude. Uma questão de direitos.
Lúmen, 2002. SP, Cortez, 2006.

MORGAN, Jane & ZEDNER, Lucia. Child vic- SANICOLA, Lia et alli. L´intervention de
tims. Crime, impact and criminal justice. réseaux. Paris, Bayard ed., 1994.
Oxford, Clarendon Paperbacks, 1992
SANICOLA, Lia et alli. Metodologia di rete
MORRIS, Allison e outros. Being a youth nella giustizia minorile. Napoli, Liguori
advocate: an analysis of their role and ed., 2002.
responsibilities. Wellington, Institute of
Criminology, 1997. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma re-
volução democrática da justiça. São Paulo,
NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Cortez, 2007.
Berlin, Walter de Gruyter, 1988.

Bibliografia 191

jr_sao-caetano_090204.indd 191 04/02/2009 14:27:12


SANTOS, Boaventura de Sousa. O discurso e VAN VELZEN, Boudewijn A. M. & VEREST,
o poder. Ensaio sobre a sociologia da retó- Bart. Effective Training of Change Facili-
rica jurídica. Porto Alegre, Sergio Antonio tators, in Educational Change Facilitators:
Frabis Editor, 1988. Craftsmanship and Effectiveness, APS,
1994.
SCURO NETO, Pedro. Por uma Justiça Res-
taurativa ‘real e possível’. VAN VELZEN, Boudewijn A. M. Princípios
de Mudança Educacional, in Curso de
SENGE, Peter e outros. Escolas que aprendem Formação de Facilitadores de Mudanças
– um guia da Quinta Disciplina para Edu- Educacionais, CECIP/APS International,
cadores, pais e todos que se interessam pela mimeo, 2003.
educação, Bookman/Artmed, 2005.
WARREN, Rick. The purpose driven life.What
SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e me- on earth am I here for? Adelaide, Hyde Park
diação penal. Rio de Janeiro, Lúmen Juris, Press, 2002.
2007.
WEITERKAMP, Elmar G.M. & Kerner, Hans-
SLAKMON, Catherine e outros (org.). Jürgen (org.). Restorative justice. Theoreti-
Justiça Restaurativa. Brasília, DF. Minis- cal foundations. Portland, Oregon. Willian
tério da Justiça e Programa das Nações Publishing, 2002.
Unidas para o Desenvolvimento-PNUD,
2005. ZAFFARONI, Eugenio Raul. Poder Judiciário.
Crise, acertos e desacertos. SP, RT, 1995
THORPE, & CADBURY. Hearing the children.
Cromwell Press, 2004. ZEHR, Howard. Changing lenses. A new focus
for crime and justice. Scotdale, Herald
TORRES, Rosa Maria. Educação para Todos Press, 1995.
– a tarefa por fazer, Artmed, 2001.
ZEHR, Howard. The little book of restorative
UMBREIT, Mark. S. The handbook of victim justice. Intercourse, Good Books, 2002.
offender mediation. An essential guide to
practice and research. San Francisco. Jossey ZEHR, Howard. Critical issues in restorative
Bass, 2001. justice. Monsey, NY. Criminal Justice Press.
2004.
UMBREIT, Mark e outros. Facing violence.
The path of restorative justice and dialogue. ZEHR, Howard & MACRAE, Allan. The little
Monsey, Criminal Justice Press, 2003. book of family group conferences. New
Zealand style. A hopeful approach when
UNESCO. Políticas públicas de/para/com youth cause harm. Intercourse, PA, Good
juventudes. Brasília, 2005. Books, 2004.

VAN NESS, Daniel & STRONG, Karen H.


Restoring Justice. Cincinnati, Anderson
Publishing, 1997.

192 Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul

jr_sao-caetano_090204.indd 192 04/02/2009 14:27:12

You might also like