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A Diversidade Religiosa no Brasil:

A Nebulosa do Esoterismo e da Nova Era


Silas Guerriero

Acostumamo-nos a pensar a sociedade brasileira dotada de imensa


variedade de práticas e denominações religiosas, fazendo deste país um
lócus de múltiplas possibilidades e de escolhas variadas por parte do
fiel, mas também um “prato cheio” para os estudiosos, que encontrariam
por aqui tudo aquilo que desejariam pesquisar. Muitas vezes atribuída
pelo senso comum à formação pluri-étnica da nossa sociedade e à nossa
cordialidade, essa convivência com diferentes religiões, salvo exceções,
sempre foi vista como um aspecto positivo da capacidade brasileira de
colocar num mesmo caldeirão os mais díspares ingredientes. Cantamos
em alta voz que aqui há um povo pacífico que não discrimina e que
pode, ele mesmo, transitar por várias religiões, dependendo das suas
necessidades momentâneas. É um país que não possui guerras internas,
terremotos ou furacões. Em suma, um país abençoado por Deus e bonito
por natureza e, sem dúvida, com vários caminhos para se chegar a esse
mesmo Deus. Não importando muito qual seja esse caminho, diz-se que
o que vale é a fé depositada.
Como será que podemos entender, de um lado, essa imensa di-
versidade e, de outro, o trânsito intenso entre as religiões e também a
vivência concomitante em duas ou mais delas, fazendo parecer que se
trata de uma mesma coisa, apenas diferentes nomes para uma mesma
grande religião.
No meio disso tudo, devemos procurar compreender as novas re-
ligiões, especificamente aquilo que se costumou denominar de novas
espiritualidades, esoterismos ou, ainda, Nova Era. É bom lembrar que,
confirmando as posições que afirmam ser a sociedade brasileira um
grande caldeirão, a Nova Era, ou melhor, as novas e diferentes formas
de vivência das espiritualidades, ganhou uma dimensão bastante grande
em nosso país, despertando não apenas o interesse de acadêmicos

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brasileiros e estrangeiros, mas também das lideranças religiosas tradi-


cionais que de um lado pensam ter encontrado as garras do demônio,
ou o retorno do paganismo, por trás desse movimento, mas de outro,
também procuram os lados positivos e o quê essa Nova Era pode trazer
de alento e contribuições às suas igrejas.
Não se trata de negar, num sentido, a diversidade religiosa e aquela
imensa riqueza já apontada, que torna nosso país um bom lugar para
pesquisar religiões. Nem, tampouco, deixar de reconhecer aspectos
comuns, que possibilitam a multiplicação de denominações religiosas e
o trânsito do fiel sem a necessidade de conversão, formando aquilo que
seria uma única grande religião brasileira que abarca a todos. A Nova
Era seria então, ou mais uma religião (pois parece sempre haver lugar
para novas) no então rico mas não saturado campo religioso brasileiro,
ou apenas uma via (equivocada e endemoninhada para muitos) de se
chegar ao mesmo Deus.
Qualquer uma dessas duas opções se mostraria limitada em suas
capacidades de análise. É preciso enxergar de maneira mais ampla
para a complexidade da realidade que ora se apresenta. E é no interior
desse duplo aspecto, a diversidade e a unicidade, que procurarei agora
apontar alguns aspectos da Nova Era. Começo tentando o impossível,
uma conceituação daquilo que chamamos por Nova Era. Em seguida,
procuro levantar algumas questões acerca das religiões no Brasil que
podem nos auxiliar na compreensão da diversidade religiosa e da Nova
Era em especial.

1. A Nebulosa do Esoterismo e a Nova Era


Dos anos sessenta, quando começaram a surgir os primeiros indícios
das práticas ora agrupadas sob a denominação Nova Era, até o presente
momento, só se fizeram aumentar as suas presença e visibilidade. Não há
quem, morador de pequenas, médias ou grandes cidades brasileiras, não
tenha consciência de sua existência. O avanço na mídia é inequívoco. De
assunto debatido em programas de entrevistas na televisão, chega hoje
a ser tema central de novela em horário nobre na maior rede do país. Se
antes ficava restrito a seus poucos adeptos, hoje faz parte do universo
cultural e religioso brasileiro. Não há nenhum constrangimento na par-
ticipação e na exposição de suas crenças e convicções.

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Abriga uma ampla variedade de práticas, produtos e serviços


advindos das mais diferentes tradições. Nesse sentido foi chamada de
nebulosa pela própria dificuldade de definição e caracterização. Na
verdade podemos indagar se, afinal de contas, há ou não uma Nova Era.
Será possível reunir numa única denominação uma extrema variedade
de práticas e crenças? Quais são as características em comum que
poderiam aglutinar todas elas? Seus adeptos formam um grupo coeso de
indivíduos em torno de uma crença comum? Há uma crença comum?
Dada a ampla visibilidade do fenômeno, ninguém mais a ignora,
nem estranha quando se vê diante de uma de suas manifestações, mas
não custa lembrar que formam uma gama tão variada de atividades que
podemos muitas vezes esquecer de muitas delas. Podemos colocar na
mesma Nova Era, desde consultas a artes divinatórias, em consultórios,
praças públicas ou shopping centres, até a existência de religiões bem
estruturadas e institucionalizadas, como a ISKCON, passando por tera-
pias do corpo e da mente, vivências xamânicas, técnicas de meditação,
livros de auto-ajuda, alimentação naturalista, cristais, pirâmides, agên-
cias de viagens especializadas em roteiros a “lugares sagrados”, como
Machu-Picchu, Índia, Nepal, São Tiago de la Compostela e São Tomé
das Letras, adorações à Lua, bruxarias (valorizadas nos seus aspectos
positivos) etc, etc.
Procurando colocar um pouco de ordem nessa imensa heterogenei-
dade, Magnani estabeleceu uma tipologia classificatória, considerando os
objetivos a que se dedicam, as normas de funcionamento e os produtos
oferecidos [1] . Num primeiro grupo, denominado Sociedades Iniciáti-
cas, aglutinou as práticas que se caracterizam por apresentar um sistema
doutrinário com princípios filosóficos e religiosos definidos, com corpo
de rituais próprios e níveis de iniciação codificados. Nesse grupo, à
guisa de exemplo, estão a Sociedade Eubiose, A Sociedade Teosófica,
a Sociedade Antroposófica, a Ordem Rosacruz AMORC, as instituições
religiosas estruturadas etc. No segundo grupo, Centros Integrados, estão
aqueles que reúnem e organizam, num mesmo espaço, vários serviços e
atividades, tais como consultas oraculares, terapias e técnicas corporais,
palestras, cursos, venda de produtos etc. No terceiro grupo, Centros
Especializados, Magnani inclui as associações, academias, clínicas e
institutos, como Associação Palas Athena por exemplo. Num quarto

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grupo, denominado Espaços Individualizados, estariam aquelas orga-


nizações sem linha doutrinária e a cargo de uma ou poucas pessoas,
que oferecem produtos variados, como astrologia, shiatsu, acupuntura
etc. Magnani chama a atenção para o fato de tal grupo apresentar, num
de seus extremos, uma aproximação com a religiosidade popular, como
a leitura de búzios e cartas. No último grupo, Pontos de Vendas, estão
aqueles que possuem um aspecto mais comercial e mantém com o eso-
terismo uma ligação mais pragmática que doutrinária, comercializando
imagens, incensos, cristais, viagens, discos de música New Age etc.
Exemplo típico são as lojas Alemdalenda em qualquer grande shopping
center de São Paulo.
Para o autor, tal classificação teve o intuito de ser um instrumental
analítico. Para os limites do presente trabalho, serve para mapear e
identificar a extrema variedade daquilo que costumeiramente chamamos
por Nova Era.
Costuma-se interpretar o surgimento desse modo de vivenciar as
espiritualidades a partir do movimento de contestação da contracultura
dos anos sessenta [2] . Esse novo “ethos” ganhou logo o nome de Era
de Aquário devido a uma interpretação astrológica que previa mudan-
ças radicais na humanidade a partir da entrada da projeção do eixo
terrestre naquele signo. Essas mudanças começaram, rapidamente, a
serem vistas e sentidas em diferentes dimensões da vida das pessoas
envolvidas. Sociabilidade, vida comunitária, espiritualidade, adesão a
religiões orientais, não aceitação das autoridades religiosas ou políticas,
busca de novos significados para a vida, eram alguns de seus aspectos
comportamentais mais visíveis. A partir dos anos oitenta, houve uma
verdadeira explosão midiática desses novos valores, tornando-os bons
atrativos comerciais. Os próprios participantes deixaram de lado a des-
ignação da era de aquário para enfatizar uma mudança para uma nova
era. E como tal ficou conhecida.
Além dessa denominação, os próprios praticantes utilizam ex-
pressões como “misticismo”, “esoterismo”, “alternativo”, e outras. Entre
os estudiosos, alguns mantiveram a denominação dada pelos praticantes
[3] . Outros o chamaram de nova gnose [4] , nebulosa mística esotérica
[5] , nova consciência religiosa [6] , cultura esotérica [7] ou ainda ethos
neo-esotérico [8] .

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As divergências não estão apenas na denominação do objeto, mas


na própria maneira de abordá-lo. Todos parecem concordar que esse
novo ethos guarda relação com as mudanças sofridas pela sociedade
ocidental nas últimas décadas. De certa maneira, também, todos res-
saltam a espiritualidade como um de seus elementos distintivos. Uns
reconhecem-no como um dos Novos Movimentos Religiosos [9] ,
outros afirmam não se tratar de um movimento. Uns falam ser a Nova
Era um sintoma clássico do revival religioso [10] . Outros, no entanto,
não aceitam a idéia de ressurgimento da religião ou reencantamento da
sociedade, e tratam o fenômeno como expressão do aprofundamento
do processo de secularização [11] . Secularização ou eclipse da secu-
larização, como afirmou Martelli [12] ? Sinais de uma modernidade
tardia ou a mais pura expressão da pós-modernidade?
Foi como que a ampla heterogeneidade do fenômeno se refletisse
nas análises acadêmicas, adensando a névoa que parece envolvê-lo em
vez de dissipá-la. De certa maneira, isso se explica pela novidade e
efervescência das manifestações e as tentativas ainda isoladas de trata-
mento analítico. Não há consenso, mas isso é até positivo. Possibilita
que se vejam facetas muitas vezes obscurecidas quando se olha apenas
por uma perspectiva.
Edênio Valle sintetiza uma conceituação da Nova Era mais pelo
que ela não é, do que pelo que ela é. Diz ele: “a Nova Era não deve
ser concebida como um movimento institucionalizado, um grupo em
si, fechado ou aberto ou uma seita, embora possa, aqui e ali, assumir
essas conotações” [13] . Em seguida, procura vê-la como um clima,
uma mentalidade geral e uma atitude que “vão penetrando tudo e se
tornando algo conatural à expectativa e à aspiração cultural de nossa
época” [14] .
Terrin afirma ser a Nova Era muito mais um movimento cultural
que religioso [15] . Como “espelho e reflexo da sensibilidade cultural
de uma época amadurecida da história cultural”, define a Nova Era
como a religiosidade do pós-moderno [16] . Mas o que interessaria
a um estudioso das religiões negar a existência dessa nova forma de
vivência enquanto um fenômeno religioso? Não me parece ser este um
caminho profícuo.

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Dada a imensa nebulosidade que cerca o fenômeno e para escapar


de um possível atoleiro, é necessário fazer algumas escolhas. Parto do
princípio que aquilo tudo denominado por Nova Gnose, Nova Era ou
ainda Espiritualismo moderno, diz respeito ao universo religioso e só
nesse sentido podemos compreender sua insurgência e significados.
É no interior do campo religioso mais amplo que podemos avançar
em nossa compreensão. É nesse sentido que passo ao segundo ponto
de minha análise.

2. A Nova Era e a Diversidade Religiosa no Brasil


A sociedade brasileira possui uma diversidade religiosa que ex-
trapola as possibilidades de análise através do conceitual analítico
proposto por Bourdieu a partir do estudo clássico de Max Weber [17] .
Lísias Negrão [18] propõe a utilização do conceito de campo religioso
acrescido da concepção do pluralismo mercadológico de Peter Berger
[19] . Para Negrão, não há um jogo entre uma religião dominante,
tida como legítima e representada pelo sacerdote, e outra dominada,
tida como ilegítima e movida pela ação contestatória do profeta ou do
mago. Há um pluralismo mercadológico, com uma competição entre os
grupos religiosos pela preferência do fiel e consumidor. Como ressalva,
destaca o papel da Igreja Católica e sua relação com o Estado. No Bra-
sil, diferentemente de outros países, a religião católica nunca deixou de
estar vinculada ao Estado, e vice-versa. Nesse sentido, a legitimação
de qualquer religião por parte do Estado passa por sua catolização.
Mas, por outro lado, a atuação da Igreja durante o período de formação
da sociedade brasileira sempre se deu de maneira restrita, resultando
na composição de um catolicismo popular vivenciado à margem da
oficialidade. Não há dúvidas de que tal fato imprimiu características
próprias ao campo religioso brasileiro. A dupla pertença dos adeptos do
candomblé, até os dias atuais, é exemplo típico. Diz-se católico, mas
pode-se praticar diversas outras religiões.
Essa privatização do sagrado, que se refugia na realidade da vida
individual, sempre foi característica brasileira. Mesmo em vivências
que se colocam de maneira contrária à oficialidade católica, como é o
caso do pentecostalismo, mantém-se vivos e ativos os velhos deuses do
povo, daquela vivência católica popular, como bem demonstrou Passos

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[20] . No Brasil, maior país católico do mundo - conforme é costume


afirmar, mantém-se a denominação oficial, mas permite-se múltiplas e
diferentes vivências em nível pessoal. A conversão ao protestantismo
é exceção numa sociedade que não requer rompimento para confirmar
a adesão do fiel a um novo sistema religioso.
Lísias Negrão, seguindo os passos iniciados por Droogers [21] ,
sugere a existência de algumas características comuns a todas as re-
ligiões no Brasil. São elas: 1) A crença de que todas as religiões são
boas porque todas elas conduzem a Deus; 2) Esse Deus segue as car-
acterísticas da concepção cristã de divindade; 3) Deus aparece sempre
em segundo plano, substituído pelos santos, orixás, guias, mestres etc.
ou mesmo pelas outras figuras da Trindade, Jesus Cristo e o Espírito
Santo. 4) A crença nos espíritos dos mortos e na possibilidade de
comunicação e contato com eles; e por fim, 5) O caráter protetor da
religiosidade brasileira contra os males do mundo.
Em decorrência deste conjunto de elementos comuns, pode-se
compreender tanto a possibilidade de dupla pertença como o fácil e
intenso trânsito entre as experiências religiosas [22] .
Ora, essas características assemelham-se àquelas apontadas por
diferentes estudiosos da Nova Era para definir essa nova forma de
vivência religiosa. Alguns enfatizam a errância e o sincretismo em
movimento [23] , outros vão ressaltar o aspecto da privatização do
sagrado [24] ou ainda a perda da hegemonia da Igreja em produzir
sentido [25] .
Parece-me, então, que essas características, de tão antigas e ar-
raigadas à cultura religiosa brasileira, contribuíram para a explosão das
novas espiritualidades em nosso país. Porém, por si só não conseguem
explicar essa insurgência. É como se o campo já estivesse predisposto
com as condições necessárias para que, em termos culturais e religio-
sos, e num dado estágio de desenvolvimento da sociedade, a Nova
Era pudesse emergir e desenvolver-se plenamente. A meu ver, essas
condições surgem com o atual estado de avanço da modernidade e da
secularização em nossa sociedade.
É preciso elucidar, então, o que entendo por processo de secular-
ização da sociedade moderna. Que processo é esse que permite mani-
festações de magias e espiritualidades?

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Nos finais dos anos sessenta, Berger constatava a ausência do so-


brenatural nos horizontes de vida da maioria das pessoas. Acreditava,
pois, que as coisas do sobrenatural sobreviveriam apenas em bolsões
dentro da grande sociedade [26] . Por fim questionava se a redescoberta
do sobrenatural realizada por essas minorias cognitivas, o que chamou
de neo-misticismo, permaneceria isolada e restrita a poucos ou se teria
um impacto de dimensões históricas mais vastas [27] .
Poucos anos foram suficientes para desmentir o prognóstico ber-
geriano.
Muitas foram as análises de cientistas sociais e teólogos que procu-
raram dar conta do chamado processo de secularização. O próprio Berger
apontava a necessidade de definição clara de seu significado [28] .
A secularização é uma questão complexa e não parece resultar no
desaparecimento completo da atividade e do pensamento religiosos [29]
. A secularização não desencantou o mundo. O significado profundo
de secularização é o do declínio geral do compromisso religioso na
sociedade. A religião deixa de ser o conhecimento fundante da visão
de mundo, dos comportamentos e da ética. A sociedade moderna conta
agora com outros elementos de controle que independem da religião.
Muitos estudiosos viam na secularização uma antítese da religião e
de todas as formas de espiritualidade. Dessa maneira não seria possível
explicar os novos movimentos religiosos, o ressurgimento da magia e
o “reencantamento” do mundo a não ser negando a secularização.
Mas a secularização não significou um aumento linear da não-
crença. A sociedade não se encontra mais descrente ou cética. Pelo
contrário. Como apontou Martelli [30] , a modernidade elabora um
significado ambivalente da secularização. Apresenta uma dessacral-
ização e ao mesmo tempo uma mitificação do profano, ou aquilo que
Eliade chamou de camuflagem do sagrado [31] . Essa dupla postura é
causadora das confusões.
A secularização possibilitou o avanço do pluralismo e do trânsito
religioso, uma vez que não havendo as amarras das instituições reli-
giosas, o indivíduo pode manipular os bens simbólicos construindo
seus arranjos religiosos sem medo de quebrar o eixo central onde está
apoiado.

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Dizer da autonomia do sujeito não significa afirmar, apressada-


mente, a fluidez das escolhas aleatórias, com infinitas possibilidades de
combinação, própria de uma pós-modernidade [32] . Outro equívoco
é afirmar que essa sociedade abre mão da racionalidade, valorizando
a emergência das emoções e da subjetividade. O que temos são novas
possibilidades de arranjos das racionalidades. A racionalidade mítica
e mágica rearranja-se com a científica. Françoise Champion afirmava
ser a “nebulosa mística esotérica” a característica religiosa da pós-
modernidade [33] . Enfatizava ser um produto original, novo, que
reorganiza elementos das tradições religiosas clássicas em função de
uma lógica profana [34] .
Para Harvey [35] , na sociedade pós-moderna ocorre a total aceita-
ção do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico. Inserido
nessa turbulência, o próprio sujeito se dissolve. As análises da Nova
Era que partiram dessa premissa de pós-modernidade desembocaram na
visão de um super-mercado da fé, onde o sujeito dissolvido de qualquer
vínculo simbólico, de doutrinas, de práticas e de rituais monta sua
própria religião [36] . Foram chamadas de religiões self-service.
A meu ver, entender a Nova Era como expressão religiosa de
uma pós-modernidade, é deixar de lado possibilidades de análises das
raízes mais profundas da formação do campo religioso, além de negar,
apressadamente, que a modernidade ainda avança, resgatando elementos
passados compondo-os com novas roupagens e símbolos dos tempos
atuais. A sociedade brasileira modernizou-se sem desencantar-se, mas
isso não evitou a secularização. O crente articula sua própria fé a partir
dos elementos que a sociedade lhe apresenta. Se antes isso já existia
na sociedade brasileira, agora é possível experimenta-la na mais plena
autonomia que a modernidade permite.
Em suma, quero afirma que não houve um desencantamento do
mundo e que, em conseqüência também não houve o reencantamento da
pós-modernidade. Não houve desencantamento pois não chegou a termo
a racionalização dos objetos sacrais por parte da própria religião. Por
outro lado, o crente também nunca se desencantou. Continua vivendo
num mundo encantado. A Nova Era é apenas mais uma possibilidade
de vivência desse mundo encantado, carregado de forças invisíveis
(chamadas de energias) e de manipulações mágicas.

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A Nova Era não é um dos diferentes caminhos para se chegar a


um mesmo Deus, nem, tampouco, uma religião singular, diferente de
todas as demais, própria do atual momento social. Como vimos, nem
ao menos podemos dizer que a Nova Era seja isso ou aquilo. Se foi
utilizado até aqui o termo Nova Era, foi com o intuito de facilitar uma
exposição, mas devemos ter sempre em mente que se tratam de in-
úmeras manifestações de religiosidades diversas, aglutinadas sob o teto
de algumas características comuns. Essas vivências não são exclusivas,
mas articulam-se com as demais religiões tornando cada vez mais rico
e complexo o campo religioso brasileiro.

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Silas Guerriero é mestre pela PUCSP.

NOTAS
[1] José Guilherme C. Magnani, Mystica Urbe, pp. 26-29.
[2] Cf. Silas GUERRIERO, O Movimento Hare Krishna no Brasil.
[3] Cf. Juan Carlos Gil e José Angel Nistal, New age. Una religiosidad
desconcertante; Paul Heelas, The new age movement; Leila Amaral
“Nova Era: um movimento de caminhos cruzados”; Maria J. Carozzi,
“Nueva era: la autonomía como religión”.
[4] Edgar Morin et al., O retorno dos astrólogos.
[5] Françoise Champion, “Les sociologues de la post-modernité re-
ligieuse et la nébuleuse mystique-ésotérique”.
[6] Luiz E. Soares, “Religioso por natureza: cultura alternativa e mis-
ticismo ecológico no Brasil”.
[7] Edward A. Tiryakian, “Toward the sociology of esoteric culture”.
[8] José G. Magnani, op. cit.
[9] Cf. Maria J. Carozzi, op. cit.
[10] Cf., entre outros, Luis A. G. de Souza, “Secularização em declínio
e potencialidade transformadora do sagrado”.
[11] Cf. Antônio Flávio Pierucci, “Reencantamento e dessecularização.
A propósito do auto-engano em sociologia da religião”.

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[12] Stefano Martelli, A religião na sociedade pós-moderna.


[13] Edênio VALLE, “Psicologia e energias da mente: teorias e alter-
nativas”, p. 161.
[14] Idem.
[15] Aldo N. Terrin, “Poiesis e autopoiesis na Nova Era”.
[16] Idem,. Nova Era. A religiosidade do pós-moderno.
[17] Cf. Max WEBER, “Sociologia da religião”; e Pierre BOURDIEU,
“Gênese e estrutura do campo religioso”.
[18] Lísias NEGRÃO, “Refazendo Antigas e Urdindo Novas Tramas:
Trajetórias do Sagrado”, p.66.
[19] Peter BERGER, O Dossel Sagrado.
[20] João Décio PASSOS, Teogonias Urbanas: O Renascimento dos
Velhos Deuses.
[21] André DROOGERS, “A religiosidade mínima brasileira”.
[22] Lísias NEGRÃO, op. cit., p. 73.
[23] Leila AMARAL, Sincretismo em movimento: o estilo Nova Era
de lidar com o sagrado.
[24] Paul HEELAS, The new age movement.
[25] Carlos BRANDÃO, “A crise das instituições tradicionais produ-
toras de sentido”.
[26] Peter BERGER, Um rumor de anjos., p. 44.
[27] Ibid., p. 127.
[28] Peter Berger, O dossel sagrado, p. 119.
[29] Anthony Giddens, As conseqüências da modernidade, p. 111.
[30] Stefano Martelli, A religião na sociedade pós-moderna.
[31] Mircea Eliade, O sagrado e o profano. A essência das religiões.
[32] Aldo Natale Terrin, Nova Era: a religiosidade do pós-moderno.
[33] Françoise Champion, “Les sociologues de la post-modernité re-
ligieuse et la nébuleuse mystique-ésotérique”.
[34] Ibid., p. 167.
[35] David Harvey, Condição pós-moderna.
[36] Cf. De Siqueira, “Psicologização das religiões: religiosidade e
estilo de vida” e Leila Amaral, “Sincretismo em movimento: o estilo
nova era de lidar com o sagrado”.

Revista Eletrônica Correlatio n. 3 - Abril de 2003

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