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Artigo:

CINE CLUBE: O CINEMA COMO UM RECURSO DE EDUCAÇÃO


NÃO FORMAL

LUIZ OTÁVIO FERREIRA DA LUZ

Introdução

Este trabalho apresenta uma proposta de ensino não-formal voltada para a Educação de
Jovens e Adultos (EJA). A presente proposta utiliza o cinema como um recurso educativo.

A ideia para o projeto Cine clube surgiu de uma experiência de sucesso de um dos
professores que compõe esse grupo.

De acordo com o relato do professor, uma atividade com exibição cinematográfica era
realizada com alunos de um centro de educação supletiva. Os filmes utilizados como
alternativas educacionais possibilitavam o desenvolvimento intelectual e social dos alunos,
pois, dando voz a estes, buscava os seus pensamentos através do trabalho com questões atuais.

Percebeu-se, com isso, que o cinema fornecia aos alunos instrumentos para
interpretarem o mundo; gerando um saber interpretativo, que segundo Gohn (1999), é tão
importante quanto o científico. O cinema, neste sentido, agrega conteúdos da educação não-
formal ao ensino formal.

Para formar indivíduos críticos que sejam capazes de atuar no seu meio social refletindo
sobre possíveis soluções de problemas coletivos cotidianos, é imprescindível que a educação
não se limite somente a transmissão de conteúdos sistematizados em áreas uniformes do
saber. Faz-se necessário que os conhecimentos da educação não-formal sejam agregados aos
conteúdos do ensino formal. É por acreditar no que foi exposto que se está tomando como
referência, para a elaboração do projeto Cine clube, a experiência bem-sucedida, em educação
não-formal, de um professor de EJA.
O projeto elaborado não tem um espaço determinado para ser realizado. Inicialmente, há
o desejo de aplicá-lo numa escola da rede estadual de ensino no período noturno na
modalidade EJA. A ideia, então, de que esse projeto é uma iniciativa de educação não-formal
dentro de um espaço de educação formal, mais uma vez, é reforçada.

1. Educação não-formal

A todo o momento vivenciamos realizações e mudanças. Os avanços científicos,


tecnológicos e culturais acontecem em curto espaço de tempo, causando fortes impactos na
sociedade. A globalização ampliou a demanda por conhecimentos e informações,
evidenciando que a educação conteudista oferecida nas escolas não é mais suficiente para
formar indivíduos capazes de exercerem a cidadania.

É neste cenário de complexidade e de modernidade da sociedade, que Gaspar (2002) diz


ter origem a educação não-formal. Essa educação não se preocupa com certificações oficiais,
notas ou aprovações. Ela também não segue o ordenamento rígido dos conhecimentos
científicos da educação formal. Os conteúdos na educação não-formal são trabalhados com
uma maior flexibilidade, atendendo aos interesses dos alunos. Os seus procedimentos
metodológicos devem favorecer a expressão de cada sujeito envolvido no processo de ensino-
aprendizagem para que eles consigam (re)elaborar sobre a realidade em que vivem.

A educação formal é sempre associada à escola; sendo entendida como o espaço físico
no qual se transmitem conhecimentos, que estão organizados em áreas e que foram
acumulados recente e historicamente. Mas, como já referido; a vida exige conhecimentos que
transcendem àqueles apresentados nas disciplinas escolares. Dessa forma, a instituição escolar
precisa preparar o indivíduo para a vida, criando novos métodos educacionais que funcionem
como instrumentos para os alunos interpretarem o mundo. A educação não-formal articulada à
educação formal pode resultar numa prática pedagógica comprometida com a
responsabilidade de formar indivíduos que se conheçam e reconheçam como cidadãos.
Educação de Jovens e Adultos (EJA)

O trabalho com EJA reserva as suas peculiaridades, pois o seu público é diferente
daquele que constitui o ensino regular. Os alunos da EJA trazem para a aula valores e
conceitos adquiridos ao longo de suas vidas, não podendo o professor negligenciar a
diversidade histórica e cultural desses alunos. É importante conhecer e respeitar o contexto
social, econômico e cultural dos discentes, visto que é através desse reconhecimento que se
podem formar cidadãos.

Alem disso; o cansaço do trabalho, a preocupação com a família, as contas a pagar, as


provas a fazer, a constante correria do dia a dia são fatores de desânimo que precisam ser
considerados no momento da prática pedagógica. As atividades não devem somente se limitar
a aquisição dos conteúdos de cada disciplina. Na verdade, elas precisam levar os alunos a
adquirir novas habilidades, valores e atitudes, que conectadas a situações da vida real,
possibilitarão que os mesmos consigam resolver problemas cotidianos; educando-se, portanto,
para a civilidade.

2. O Cine clube

Justificativa

Conforme mencionado, a educação, para atender a sociedade atual, não deve se limitar a
transmissão de conteúdos sistematizados em disciplinas; ela deve formar cidadãos imbuídos
de uma responsabilidade social. A educação precisa igualmente extrapolar a sala de aula e
atender as necessidades imediatas da sociedade.

Ao entender que a vida cotidiana exige dos educandos mais do que os conhecimentos
dos saberes apresentados formalmente nas disciplinas escolares é de suprema importância que
se trabalhe na escola, ambiente da educação formal, esses conhecimentos de uma maneira
mais motivacional e integradora, sem segmentá-los em áreas específicas. Assim, o Cine
Clube encontra justificativa como uma atividade que favorece a educação não-formal.

O uso do cinema como estratégia de ensino-aprendizagem também se justifica na falta


de estímulos dos alunos da EJA e na importância de se respeitar as suas diferenças
individuais, preparando-os para a vida. O projeto, como proposta de educação não-formal que
se realiza num espaço formal, pretende ser uma atividade atrativa para os alunos dessa
modalidade de ensino, suscitando nestes a vontade de participar de uma exibição de filmes
que ultrapassa a dimensão do entretenimento e funciona como um exercício de construção de
conhecimentos. Ao basear a aprendizagem na discussão de problemas de casos reais, o Cine
clube torna, então, o processo de construção do saber dos alunos da EJA mais rico, produtivo,
dinâmico e significativo.

2.1. Objetivos

O Cine clube surge com o objetivo inicial não só de ser uma atividade atrativa, mas
também com a intenção de dar voz aos alunos da EJA, buscando seus pensamentos e ideias
através do trabalho com questões atuais.

Desta maneira, podem-se depreender outros objetivos do projeto, tais como:

 Ir além da simples exibição de filmes que entretêm, sendo o cinema uma estratégia de
educação não-formal que possibilita a construção de conhecimentos;

 Facilitar uma reflexão crítica para desenvolver diferentes competências associadas ao


conteúdo formal.

2.2. Hipótese
A elaboração do projeto Cine clube levantou a seguinte questão: A expressão
cinematográfica, como um recurso de educação não-formal, possibilitará que o aluno
desenvolva a sua capacidade crítica sobre assuntos do seu cotidiano?

2.3. Metodologia

Para uma renovação do processo educacional e a formação de cidadãos, devemos


desenvolver o acesso a diversos setores vinculados aos novos métodos educacionais. Estes
devem contar, principalmente, com a utilização dos meios de comunicação, como: rádio; TV
e cinema.

O uso da mídia na educação possibilita que seja agregado ao ensino formal, ministrado
nas escolas, conteúdos da educação não-formal, conforme recomenda Gohn (1999). Essa
possibilidade torna o ensino mais espontâneo, uma vez que professor e aluno podem delimitar
juntos os assuntos a serem trabalhados, estabelecendo suas finalidades e construindo um
espaço em que cada sujeito envolvido no processo de ensino-aprendizagem possa se expressar
e refletir sobre a realidade em que vive.

É neste sentido, que o projeto Cine clube selecionou o cinema como proposta
educacional a ser desenvolvida durante um semestre com turmas de EJA. As apresentações
cinematográficas, que ocorrerão quinzenalmente, utilizando: “data show”; aparelho de DVD e
tela de projeção, colocarão em destaque conteúdos sociais e cotidianos para serem debatidos
coletivamente. A escolha dos filmes, então, será feita em cima dessa intenção de criar debates
após cada exibição.

Os filmes selecionados devem ter diferentes temáticas para que possam gerar nos alunos
uma identificação com o tema abordado e, assim, conduzir a uma discussão que possibilite o
desenvolvimento da capacidade de interpretar o mundo a partir da decifração das linguagens
sociais existentes em cada filme. Alguns assuntos que podem ser abortados em um debate
coletivo são: Direitos Humanos; Cidadania; Relações de Trabalho e Emprego; Miséria;
Violência Urbana; Segurança Pública; Questões Familiares; Gênero; Classe Social; dentre
outros.
O critério utilizado para selecionar os filmes evidencia que a construção do
conhecimento nesse projeto está atrelada a ideia de que a interação sociocultural favorece a
formação individual, pois é através de um conhecimento partilhado que os alunos elaborarão
seus conceitos e assumirão, de forma consciente, uma postura participativa na sociedade
moderna.

Dessa forma, durante os encontros do Cine clube, será sempre que possível incentivada
a participação em atividades de grupo. Para confirmar a importância desse tipo de atividade,
podem-se utilizar as palavras de Gohn (1999) ao afirmar que a educação não-formal deve ser
pensada dentro de um ideal de coletivo para atingir o seu objetivo central: formar para a
cidadania.

Como o projeto quer partir da realidade dos alunos, discutindo assuntos que lhes
despertem o interesse e possibilitando uma aprendizagem política dos seus direitos e deveres,
enquanto cidadãos; será empregada uma metodologia diferente daquela encontrada na
educação formal. O Cine clube não exigirá uma obrigatoriedade de frequência, não
estabelecerá um tempo fixo para a aprendizagem, respeitando as individualidades dos
educandos e apresentará uma flexibilidade no estabelecimento dos conteúdos de acordo com
os interesses dos alunos.

A proposta educacional aqui descrita apresenta o seguinte cronograma:

FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO JUNHO JULHO


MAPEAMENTO X
REGISTRO X X X X X X
PLANEJAMENTO X X
EXECUÇÃO X X X X X
AVALIAÇÃO X X X X X X

2.4. Fundamentação teórica


O cinema não é só um meio de divertimento. Ele também pode ensinar. Segundo Ferro
(1992), o uso do cinema como instrumento pedagógico já podia ser identificado desde o início
do século XX em vários países do mundo.

Utilizar este instrumento pedagógico envolve discernimento dos professores para


identificar a validade das temáticas que cada filme apresenta para a aprendizagem dos alunos.
Os educadores, conforme afirma Teles (1995), devem entender que os filmes não contam só
uma história difícil de ser trabalhada pedagogicamente porque está além da cultura dos
alunos. Ao contrário, o cinema deve trazer benefícios pedagógicos às aulas, sendo entendido
como um cinema educativo.

Conclui-se; portanto, de acordo com Figueira (1995), que o cinema, a partir de


diferentes reflexões sobre os seus usos, pode ser entendido como um instrumento a serviço da
educação do homem e do povo e da transformação social.

2.5. Resultados

Com a realização do Cine clube é esperado que os alunos, que participem das exibições
dos filmes, percebam que educação ocorre também fora da sala de aula e que uma atividade
de educação não-formal pode suscitar transformações no seu comportamento, uma vez que ele
é levado a formular e a interpretar questões atuais através da convivência em um espaço
social.

Espera-se também que os alunos visualizem o Cine clube como um instrumento de


construção de valores, sendo facilitador do desenvolvimento de uma reflexão crítica acerca de
questões cotidianas.

Alem disso; seguindo o relato dos participantes, deseja-se que seja possível avaliar as
exibições mais importantes no desenvolvimento intelectual e social dos educandos.

3. Conclusão
Professores cientes de sua tarefa em sala de aula utilizam o cinema de maneira
produtiva. Filmes com diferentes temáticas sociais são, sem dúvida, grandes instrumentos
para debates e formulação de conceitos. Dar voz aos alunos, deixá-los se expressarem
livremente, escutar suas idéias e suas experiências é de fundamental importância numa prática
educativa comprometida com a formação de cidadãos.

O aluno da EJA trás para sala de aula, uma experiência diferenciada, estando mais
propenso a aprender algo que contribua para a sua atividade profissional e para a resolução de
problemas do seu dia a dia.

O Cine clube como um recurso de discussão em grupo, favorecerá as trocas de


experiências e a construção de saberes baseada na ficção ou em casos documentados.

Referências Bibliográficas

FERRO, M. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.27.

FIGUEIRA, C. A. R. O cinema do povo: um projeto da educação anarquista, 1901 - 1921.


1995. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

GASPAR, A. A educação formal e a educação informal em ciências. In: MASSARANI, L.,


MOREIRA, I. de C.; BRITO, F. (Org.). Ciência e público: caminhos da divulgação
científica no Brasil. 1.ed. Rio de Janeiro: Casa da Ciência - Centro Cultural de Ciência
e Tecnologia/UFRJ, 2002. p.171-183.

GOHN, M. G. M. Educação Não-Formal, novo associativismo e terceiro setor no Brasil. In:


Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em
Educação, 1999, Caxambú-MG. Resumos. 22 Reunião Anual da ANPED, 1999.

TELES, A. A. Cinema contra cinema: o cinema educativo em São Paulo nas décadas de
1920/1930. 1995. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo.

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