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Os Quatro Cavaleiros

Gil Vicente termina com uma cena apoteótica que constitui a moralidade do
auto. Opõe os Cavaleiros que morreram a combater pela Fé aos que trabalhavam “pola
vida transitória”(v.830).
O facto de terem morrido a combater os Mouros é o suficiente para alcançarem o
Paraíso: “morremos nas Partes d’Além / e não queirais saber mais” (vv.849-850),
responde o 2º Cavaleiro ao Diabo quando este ousa interrogá-los. E o Anjo, ao declinar
da cena, diz claramente: ”… quem morre em tal peleja / merece paz eternal” (vv. 861 –
862).
Os Cavaleiros surgem no cais a cantar. A canção dirige-se aos vivos e, mais
especificamente, aos pecadores: “Senhores que trabalhais / pola vida transitória”, “
Vigiai-vos, pecadores”.
A cantiga aconselha a acreditar no “temeroso cais”, isto é, no momento do
julgamento final e da sentença, céu ou inferno. Relativamente aos pecadores diz
“Vigiai-vos” porque poderão sofrer “Dolores”. Para evitar este sofrimento convida “à
barca da vida”, ou seja, entrar na barca do Anjo, o que significa fazer o bem em vida.
Assim o grande conselho é a prática do bem para evitar sofrimentos futuros.

Símbolos – a Cruz de Cristo, o escudo e a espada

Estes elementos simbolizam a defesa da Reconquista Cristã e da Expansão da Fé


de Cristo, como forma de atingir a salvação divina.

Ausência de Intenção Crítica

Contrariamente à crítica presente nas outras cenas, nesta parte Gil Vicente
exalta a luta contra os Mouros no Norte de África, em nome da difusão da fé
Cristã.

A colocação da personagem colectiva – os Quatro Cavaleiros – no final da peça


permite transformar a cena num final triunfante, reforçar a crença na salvação e
incitar à fé em Deus. A salvação dos cavaleiros corresponde a uma alegoria religiosa,
simboliza a salvação através da luta e morte em nome de Deus.

A concepção de salvação nesta obra corresponde ao espiritualismo, à


despreocupação com os bens terrenos, por oposição à condenação através do
materialismo – o apego aos bens materiais.
Moralidade da Peça

“Gil Vicente era um poeta essencialmente cristão e as suas obras representam a


visão da vida e da sociedade do seu tempo, através de olhos de artista cristão e
moralista, que tem sempre presente a rápida caducidade das obras humanas, quanto é
finita a vida terrena, quanto é frágil a argila humana, porque muito vivamente sente
também a bem-aventurança da vida eterna, que os justos aguarda, e a cada passo vê
sobre si postos e sobre esses que descuidosos se abandonam à vida pecadora os olhos
omnividentes de Deus, que tudo devassam e inquirem.”

Fidelino de Figueiredo, História da Literatura Clássica

Na cantiga dos Cavaleiros está condensada a moralidade da peça, isto é, a vida


terrena consiste numa preparação definitiva para a condenação ou para a salvação
depois da morte.
Aqueles que vivem conscientes da transitoriedade da vida e da inevitabilidade
da morte, que temem a condenação eterna e trabalham em nome de Deus, serão salvos.
Assim, temos a preparação para a vida eterna como explicação para a vida terrena,
segundo a ideologia católica.

A Reconquista e a Expansão da Fé Cristã

Expansão da Fé Cristã no Norte de África: ESPIRITO DE CRUZADA

“Foi este o grande meio de que a Igreja lançou mão para coadjuvar eficazmente
os nossos reis, primeiro na luta contra os mouros do território metropolitano e depois
nos Descobrimentos e conquistas. Com efeito, a concessão de abundantes graças e
privilégios espirituais aos fiéis, que tomavam pessoalmente parte nessas empresas ou
para elas contribuíam com subsídios, e a cedência de uma parte dos rendimentos
eclesiásticos do Reino para as mesmas equipararem os nossos arrojados
empreendimentos às cruzadas da Terra Santa. Contribuindo de modo eficaz para serem
coroados de êxito. Deve, todavia, notar-se que os portugueses, do ponto de vista
religioso, foram sempre tolerantes com os vencidos, ao contrário do que fizeram muitos
cruzados estrangeiros, por exemplo, em Lisboa (1147 e 1190) e em Silves (1189).”

Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão


Saber mais

“ O espírito de cruzada servia, sem dúvida, os interesses do rei de Portugal, mas


era também a representação colectiva e heróica de um recurso sem alternativa, que
arrastava para a guerra uma grande parte da população e que não podia deixar de
aparecer como justificação válida aos próprios interessados fossem eles capitães ou
simples soldados.”

Exercícios

1. Assinala com V (verdadeira) ou F (falsa) as seguintes afirmações:

a) Os quatro Cavaleiros não têm nome próprio, porque são uma personagem colectiva.
b) Os Cavaleiros vão directamente à Barca do Anjo, pois já não tinham lugar na Barca
do Inferno.
c) Os Cavaleiros morreram em África a lutar pela santa fé católica.
d) A cantiga entoada pelos Cavaleiros é uma síntese da ideologia católica.

2. Assinala a razão pela qual os Cavaleiros vão directamente à Barca do Anjo.

a) O facto de terem morrido a combater os mouros garante-lhes a salvação.


b) Estão certos de que não seriam bem recebidos pelo Diabo.
c) Já não tinham lugar na Barca do Inferno.

3. Com base na cantiga dos Cavaleiros, faz corresponder cada um dos elementos
que caracterizam a salvação aos elementos opostos que traduzem uma ideia de
condenação.

Salvação Condenação

a) barca segura bens terrenos


b) barca da vida vida transitória
c) vida eterna barca da morte
d) vida ganha vida perdida
e) bens eternos barca perdida
4. Caracteriza o estado de espírito do Diabo e dos Cavaleiros no curto diálogo que
travam.

Diabo Cavaleiros

( indignação, segurança, estupefacção, decisão, superioridade, admiração )

5. Explica a evolução fonética do seguinte vocábulo: dolor > door (1) > dor (2).

(1) ____________ do (l) intervocálico;


(2) ____________ dos (oo)

( síncope, prótese, crase, assimilação )

Prof. Maria Filomena Ruivo Ferreira Santos

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