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O papel e o papelão

A excelência na produção de papel é mais um motivo de orgulho para os brasileiros. Da


pesquisa, desenvolvimento e plantio de florestas ao parque industrial, nada se deve ao
resto do mundo em termos de quantidade e qualidade.
Porém deve-se reconhecer que o valor do papel na história da humanidade, do fino papel
de arroz chinês ou o delicado papiro egípcio, à versátil folha de celulose, não é só fruto de
seu processo de fabricação, mas de seu uso pelo homem. No registro e preservação de
sua história, na construção, acúmulo e transmissão do conhecimento pelas gerações, ou
na elaboração de planos e projetos para construção do futuro.
Mas, infelizmente, o papel não faz juízo de valor de seu conteúdo, aceitando tudo que for
impresso em sua superfície, de belas estórias e idéias que atraem bilhões de fiéis a seus
templos pelo mundo, das teorias e planos que criaram as mais teríveis armas de guerra,
às plantas de obras fadadas ao fracasso como o edifício Palace II.
Já no Brasil, o governo federal, animado com o domínio do processo de produção, parece
acreditar nos poderes mágicos das brilhantes folhas coloridas impressas pelas agências
de publicidade. Seduzidos pelas belas imagens digitais de prédios, estradas ou acabadas,
pelas infindáveis listas de obras e orçamentos de bilhões de Reais, nossos políticos
esquecem que papel e tinta não são suficientes para que tudo aconteça. É preciso muito
mais.
Assim, ignorando a deficiência de profissionais capacitados nas prefeituras, alardeando
recursos que não são liberados, os gestores públicos seguem tentando transformar um
apanhado de iniciativas que incluem desde obras não iniciadas e projetos abandonados
por governos passados até investimentos de infra-estrutura necessários e urgentes num
plano de governo de governo destinado a resolver os gargalos estruturais que travam o
país.
A verdade, muito diferente dos constantes discursos eleitoreiros, cartazes, cartilhas, filmes
e anúncios é que o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) só não naufraga por
jamais ter saído do porto. Não reúne as condições mínimas para deixar de ser mais do que
uma carta de boas intenções, onde a responsabilidade é delegada aos Estados,
Municípios e Empresas e os louros para os candidatos da base aliada.
Graças aos esforços de parte dos envolvidos, alguns projetos conseguem vingar e o país
avança aos trancos e barrancos. É hora da competência técnica, da responsabilidade, do
planejamento sério deixarem de ser valores endêmicos e pontuais na gestão pública
brasileira e tornarem-se práticas sistemáticas amplamente disseminadas em todos os
níveis de governo.
É hora de exigirmos uma qualidade única nos planos governamentais antes de sua
divulgação. Algo que impeça o estelionato eleitoral que há décadas é responsável pelas
oportunidades perdidas: Exequibilidade.
Se os projetos produzidos em Brasília não forem minimamente exequíveis e seus
responsáveis cobrados pela sociedade e pela justiça eleitoral, seremos sempre um celeiro
de esperanças vazias, cuja impressão, para ser condizente da qualidade dos projetos,
deveria feita em pequenos rolos de folha dupla perfumada com trinta metros de
comprimento.

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