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Uma História de Vida em Fisioterapia

Uma História de Vida em Fisioterapia


Nogueira, M.; Moreira, P.; Coutinho, I. M.

RESUMO
As histórias de vida são um tipo de estudo de caso muito
utilizado nas ciências sociais. Têm como finalidade o registo da
Autores história de vida para a compreensão de aspectos básicos do
comportamento humano. Procura reconstituir a carreira de sujeitos
- Nogueira, Manuela dando relevo ao papel das organizações, acontecimentos marcantes
Fisioterapeuta e indivíduos que tiveram nele influência significativa (Bogdan e Biklen,
1994, citado por Carmos e Ferreira, 1998).
- Moreira, Paula Achámos relevante a realização deste estudo, visto o carácter
Fisioterapeuta inovador da investigação de histórias de vida em fisioterapia.
- Coutinho, Isabel Maria Escolhemos fazer a história de vida de um fisioterapeuta que
Fisioterapeuta, Profª. tivesse ligação à Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa
Coordenadora do Curso (ESTeSL). A nossa escolha recaiu na Fisioterapeuta Olga Leão. O
Superior de Fisioterapia nosso objectivo foi a recolha e registo do maior número de dados e
da ESTeSL factos relacionados com o seu percurso profissional e de docência.
Identificamos várias limitações ao nosso estudo devido à sua
subjectividade, à subjectividade da análise dos dados, ao seu carácter
restritivo.

Palavras Chave: Histórias de Vida; Fisioterapia; Fisioterapeutas

Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº 4, Ano 2008, Página 29


Uma História de Vida em Fisioterapia

Introdução que corresponda a um sujeito realmente


REVISÃO DA LITERATURA singular (Munoz, 1992).
I - Histórias de vida
As histórias de vida, não são mais do II - Fisioterapia
que um testemunho individual sobre um A identidade de cada profissão é
determinado problema, sobre um determinado construída com base na sua designação, na
grupo humano, uma função de primeira família profissional a que pertence e na
magnitude para o desenvolvimento da descrição do seu perfil. Deste modo,
dimensão qualitativa das Ciências Sociais Fisioterapia pode ser vista como a terapia
(Munoz, 1992). (~terapia) física (fí~) pelo movimento (~sio~). A
A vida dos indivíduos é portadora de um Fisioterapia pertence à carreira dos Técnicos
sentido que os ultrapassa. Interpretar uma de Diagnóstico e Terapêutica possuindo como
história de vida é descobrir um grupo social ou tal, objectivos de Diagnóstico, de Terapêutica,
mesmo uma sociedade. Cada indivíduo totaliza de Prevenção e Promoção da Saúde e
a medição do seu contexto social, dado pelos Investigação. Em relação ao perfil profissional
grupos restritos de pertença, os grupos como torna-se necessário definir as competências e
a família, os grupos de trabalho, a vizinhança, actividades realizadas pelo Fisioterapeuta.
etc. As profissões existentes são
Este tipo de estudo é o relato classificadas no que respeita às suas
autobiográfico, obtido pelo investigador através características, ao seu modo de
de entrevistas sucessivas, tendo por objectivo funcionamento e organização.
mostrar o testemunho subjectivo de uma Carr-Saunders e Wilson (Rodrigues,
pessoa. O investigador é somente o indutor da 2002), identificaram os atributos que
narração, o seu transcritor e também o permitiam distinguir as profissões do conjunto
encarregado de “retocar” o texto. Também é das ocupações existentes. Uma profissão
responsável por sugerir ao entrevistado a emerge quando um número definido de
necessidade de focar factos informativos pessoas começa a praticar uma técnica
esquecidos por este. assente sobre uma formação especializada,
O uso de relatos de vida é uma dando resposta a necessidades sociais.
estratégia indispensável à obtenção de dados Muitas alterações ocorreram na
num trabalho qualitativo (que pretende estudar Fisioterapia, enquanto carreira de Técnico de
não só estruturas como os processos), o Diagnóstico e Terapêutica, encontrando-se
principal objectivo na obtenção destas ultimamente em vigor o Decreto-Lei n.º
narrativas não é normalmente a elaboração de 564/99.
uma história de vida. Esta possibilidade
Segundo o disposto no Decreto-Lei n.º
utilizamo-la somente no caso de dispormos de
564/99, de 21 de Dezembro, o
um relato biográfico excepcionalmente rico e

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Fisioterapeuta, enquanto Técnico de uma crescente complexidade e


Diagnóstico e Terapêutica, "centra-se na responsabilização das funções exercidas.
análise e avaliação do movimento e da postura, Na área do diagnóstico, o fisioterapeuta
baseadas na estrutura e função do corpo, desenvolve actividades de análise e avaliação
utilizando modalidades educativas e do doente identificando as suas necessidades
terapêuticas específicas com base, através dos exames subjectivo e objectivo, de
essencialmente, no movimento, nas terapias que fazem parte testes articulares,
manipulativas e em meios físicos e naturais, musculares, sensitivos, de coordenação, de
com a finalidade de promoção da saúde e postura, de equilíbrio, do foro funcional e do
prevenção da doença, da deficiência, de foro respiratório, construindo posteriormente
incapacidade e da inadaptação e de tratar, um diagnóstico das incapacidades físicas do
habilitar ou reabilitar indivíduos com disfunções doente, tendo em conta a sua situação a nível
de natureza física, mental, de desenvolvimento emocional, habitacional e sócio-económico.
ou outras, incluindo a dor com o objectivo de
os ajudar a atingir a máxima funcionalidade e
III - Escola Superior de Tecnologia da Saúde
qualidade de vida.”
Em 1901, pelo Diário do Governo de
Assim, podemos dizer que o
26 de Dezembro, surgem dados concretos em
Fisioterapeuta é um educador das atitudes e
relação ao início de um conjunto de profissões
comportamentos dos doentes e seus
de diagnóstico e terapêutica com a «criação e
familiares.
organização de um laboratório de análise
A função do Fisioterapeuta é exclusiva, clínica no Hospital Real de São José”.
incluindo avaliação, diagnóstico, planeamento,
Assim Portaria n.º 709/80, de 23 de
intervenção, reavaliação e prognóstico, em
Setembro, veio reestruturar os centros de
contextos como os da promoção da saúde,
formação de técnicos auxiliares dos serviços
prevenção da doença e incapacidade,
complementares de diagnóstico e terapêutica.
tratamento da doença, lesões ou disfunções e
Enquanto não forem criadas as escolas
reabilitação de indivíduos, grupos ou
técnicas dos serviços de saúde, é aos Centros
comunidades.
de Lisboa, Porto e Coimbra que cabe
O Decreto-Lei acima referido veio desenvolver a formação e aperfeiçoamento do
proporcionar aos Técnicos de Diagnóstico e pessoal técnico auxiliar dos serviços de saúde.
Terapêutica autonomia profissional, funcional e
Em 1982 são criadas as Escolas Técnicas dos
técnica, bem como uma hierarquia própria,
Serviços de Saúde de Lisboa, Porto e Coimbra,
processando-se a evolução na cadeia
pelo Decreto-Lei n.º 371/82, de 10 de
hierárquica pelas categorias de técnico de 2ª
Setembro, que sucedem aos centros de
classe, técnico de 1ª classe, técnico principal,
formação; que juntamente com a Escola de
técnico especialista, técnico especialista de 1ª
Reabilitação do Alcoitão, formam uma rede de
classe e técnico director, acompanhada por
escolas para formação e aperfeiçoamento. O
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modelo curricular dos cursos apresenta uma 99/2001, de 28 de Março, que as integrou
duração de três anos. nos Institutos Politécnico da Saúde de Lisboa,
São então publicadas os planos de Porto e Coimbra respectivamente, o qual
estudo e as disciplinas e, em 6 de Julho de nunca chegou a ser implementado.
1986 é publicada a Portaria n.º 549, que As ESTeS, como estabelecimentos de
regulamenta o acesso às escolas, na qual se ensino superior politécnico, regem-se pelos
exige o 12º ano para o ingresso nos cursos. princípios fundamentais definidos para este
Esta portaria cria também o curso nível de ensino, através da simbiose entre o
Complementar de Ensino e Administração, ensino e a investigação das tecnologias da
como curso de Pós-graduação, com uma saúde, na missão ímpar de qualificação de
duração de um ano. Este curso funcionou até recursos humanos da saúde, contribuindo
1993. para a melhoria dos padrões de qualidade do
E em 1993, através do Decreto-Lei n.º ensino e eficácia na prestação de cuidados de
415/93, de 23 de Dezembro, dá-se a saúde à comunidade.
integração das Escolas Técnicas dos Serviços Após um século de vivências das
de Saúde (ETSS) no sistema educativo, ao nível tecnologias da saúde em Portugal e
do ensino superior politécnico, passando à decorridas mais de duas décadas sobre a sua
actual designação como estabelecimentos de criação, a Escola Superior de Tecnologia da
ensino superior – Escolas Superiores de Saúde de Lisboa, no ano lectivo de 2001-
Tecnologia da Saúde (ESTeS) – com o estatuto 2002, foi dotada de nova sede em instalações
jurídico de escola politécnica pública não próprias, numa das zonas mais modernas da
integrada. Consagrou também, no seu artigo cidade de Lisboa, em pleno Parque das
9º, a possibilidade dos cursos anteriormente Nações.
ministrado nestas escolas conferirem o grau Enquanto entidade orgânica, detentora
de bacharel desde que os respectivos planos de uma estrutura científica e pedagógica
de estudo correspondessem aos planos de adequadas, rege-se pelos presentes Estatutos
estudo dos bacharelatos criados. (Despacho n.º 20 786/2004; 2ª série), que
Posteriormente o Decreto-Lei nº. lhe permitem pôr fim ao regime de instalação
280/97, de 15 de Outubro, vem dar nova em que tem vivido desde 1993, ao mesmo
redacção ao diploma anterior, clarificando o tempo que a dotam de um modelo de gestão
seu alcance e competência para a aplicação democrático, eficiente e dinâmico, assente na
do processo. participação efectiva de toda a comunidade
As ESTeS passaram a depender da académica – estudantes, docentes e pessoal
tutela conjunta dos Ministérios da Educação e não docente.
da Saúde, até passar, em 1 de Janeiro de Actualmente o Curso Superior de
2001, para a tutela exclusiva do Ministério da Fisioterapia é ministrado nas escolas
Educação, através do Decreto-Lei n.º superiores, com uma duração de três a quatro

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anos lectivos. Conferem aos profissionais o Sempre que achámos necessário


grau académico de Bacharel (3 anos) ou o utilizámos perguntas mais fechadas para
grau de Licenciado (4 anos). esclarecer algum assunto menos claro.

Metodologia IV -Caracterização do suporte áudio


O suporte áudio utilizado por nós foi o
O objectivo do estudo foi a elaboração de
gravador de cassetes, visto este ser o meio
uma história de vida de um fisioterapeuta, para
mais acessível, de fácil transporte e
tal recolhemos e analisamos entrevistas e o
manuseamento. Tivemos o cuidado de ter
curriculum vitae.
material suplente no que diz respeito a
cassetes e pilhas, para eventuais anomalias, e
I - Amostra
A amostra foi constituída por uma também para o caso da duração das
fisioterapeuta, a Fisioterapeuta Olga Leão, entrevistas ser superior ao tempo de duração
formada pelo centro de Preparação de destas.
Técnicos e Auxiliares dos serviços Clínicos em
V - Procedimentos e tratamento dos dados
Lisboa no ano de 1976. Exerceu funções de
Após a recolha das entrevistas
fisioterapeuta no Hospital Curry Cabral (HCC)
procedemos à sua transcrição dando-lhe
de 1979 a 2003, ano em que se aposentou.
legibilidade. Fizemos também a reunião e
Foi também docente e monitora de estágio da
ordenamento da narrativa ficando esta
ESTeSL.
organizada por temas (motivação para a
profissão, curso de fisioterapia, carreira como
II - Técnicas e Instrumentos de Recolha de
Dados fisioterapeuta, formação, coordenação e
A recolha de dados foi baseada em quatro ligação à Escola). Dentro de cada tema
entrevistas, gravadas em suporte áudio, e no tivemos o cuidado de relatar os factos
curriculum Vitae. cronologicamente.
Tivemos a preocupação também em não
III - Caracterização das entrevistas adulterar o sentido da narrativa, apenas
As entrevistas realizaram-se com um retocando alguns elementos do texto. Depois
intervalo de duas semanas, mais ou menos. de todo este trabalho e da análise do
Optámos por entrevistas semi-directivas, curriculum construímos assim a história de
dando espaço ao entrevistado para relatar a vida profissional da Terapeuta Olga Leão.
sua história, intervindo somente quando houve
necessidade de reencaminhar a narrativa para Conclusão
os factos importantes para a investigação.
A Terapeuta Olga Leão, o nosso objecto
de estudo tem vasta experiência profissional. A
sua fase profissional activa acompanhou

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muitas mudanças na fisioterapia assim como difícil. Assim trabalhou em vários centros no
na ESTeSL. privado antes de integrar uma equipa no
A sua entrada no mundo da fisioterapia sector de Fisioterapia do Hospital Curry
deu-se devido à experiência enriquecedora, que Cabral, em 1979. A sua opinião sobre o sector
teve nas suas estadias em Londres, num privado não é muito abonatória pois acha que
hospital, para intervencionar a sua filha que se privilegia os números em detrimento da
tinha uma patologia congénita. Foi o contacto qualidade.
com a humanização, a eficácia e a eficiência O seu percurso profissional foi bastante
dos serviços de saúde em Inglaterra, assim generalista, reflectindo a diversidade de
como o seu papel activo na recuperação da intervenção no exercício da sua profissão.
sua filha entre as duas cirurgias, que a motivou Apesar de tudo, defende que os profissionais
para uma carreira na saúde. devem especializar-se, com a certeza do que é
Ao ingressar no curso de fisioterapia já pretendido, após terem tido a experiência de
tinha uma vasta experiência profissional, trabalhar em várias áreas da fisioterapia. A
adquirida no estrangeiro, como por exemplo no sua procura de formação e informação não
secretariado, como figurinista e como sofreu qualquer tipo de preconceito, levando-a
assistente de bordo. a buscar outras técnicas menos aceites pela
maioria dos fisioterapeutas mas, que poderiam
Todas as profissões que exerceu
ser coadjuvantes de outras mais ortodoxas.
privilegiaram o contacto humano.
Sempre se regeu pelo princípio de que
As relações humanas sempre
saber não ocupa lugar e que, para executar
exerceram um fascínio sobre ela, indo ao
uma determinada técnica, tem que se ter
encontro da sua natureza aberta e
conhecimentos para tal. A disponibilidade em
comunicativa.
orientar os profissionais mais novos levou-a a
Essas experiências permitiram-lhe abrir
colaborar com a escola de Lisboa, a convite da
horizontes, moldando a sua forma de pensar e
Dra. Edite Ribeiro. O seu grande dinamismo e
de estar na vida. Esta forma de estar foi
interesse pela profissão foram a razão do
transposta para a sua vida profissional,
convite, feito em 1983/1984, para integrar a
reflectindo-se numa abertura para as
ETSSL como monitora de estágio e professora
situações novas, numa visão organizativa, na
de algumas disciplinas do curso de fisioterapia.
forma como se relaciona com os outros e gere
Quando ingressou no curso de fisioterapia em
algumas situações de conflito que surjam,
1974, a entidade formadora era o Centro de
raramente radicalizando a sua posição,
Preparação de Técnicos e Auxiliares dos
optando quase sempre pela via diplomática.
Serviços dos Hospitais Civis de Lisboa. Este
Desde que acabou o curso de
centro de formação foi percursor da ESTeSL.
fisioterapia sempre teve como objectivo
A Fisioterapeuta Olga Leão, assim como
ingressar numa equipa de profissionais em
outros elementos ligados às Escolas Técnicas
contexto hospitalar, o que sempre foi muito
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dos Serviços de Saúde de Lisboa, Porto e O alargamento do horário de


Coimbra, tiveram um papel preponderante, em funcionamento do sector da fisioterapia foi
1984/1985, na evolução e consolidação do também uma das medidas tomadas pela
ensino da fisioterapia nas respectivas escolas. Fisioterapeuta Olga Leão, enquanto
Na altura, a Escola de Reabilitação do Alcoitão coordenadora. Atendendo aos bons resultados
era a única escola de reabilitação em Portugal, desta medida conseguiu, também o
sendo a primeira oponente à formação de alargamento dos quadro da fisioterapia. À
fisioterapeutas em outras escolas. Em 1985 posteriori esta medida implicou a ampliação do
foram ultrapassados as resistências numa quadro da fisiatria, da terapia da fala e da
reunião no Porto, entre as quatro escolas e o terapia ocupacional colmatando a pluralidade
Ministério da Saúde, onde assinaram um das necessidades dos utentes que frequentam
protocolo no qual ficou estabelecido que o serviço da parte da tarde. Foi mais um
haveria uma uniformização dos conteúdos desafio que enfrentou com diplomacia e
programáticos das disciplinas do curso de perseverança.
fisioterapia. Com o objectivo de rentabilizar os
Ao exercer funções como recursos materiais e humanos existentes no
coordenadora do sector da fisioterapia do HCC sector da fisioterapia, optou por fomentar a
teve a oportunidade de demonstrar as suas polivalência de cada departamento deste
capacidades organizativas e de gestão de sector. Ao possibilitar ao doente realizar todos
recursos humanos. Com o apoio das direcções os tratamentos no mesmo local, sem ter de se
e dos conselhos de administração do HCC, deslocar de um departamento para o outro,
implementou algumas medidas que vieram propiciou-lhe uma maior comodidade. Esta
revelar-se inovadoras para a altura. A sua medida veio também facilitar o planeamento
preocupação em proporcionar aos dos doentes e a gestão da lista de espera.
fisioterapeutas por si coordenados, uma Devemos salientar a importância
equidade de conhecimentos básicos para o destas medidas para a gestão do sector da
exercício da profissão, de forma a eliminar as fisioterapia do HCC. Muito embora tenham
discrepâncias de conhecimentos entre os sido o alvo de alguma resistência na sua
técnicos, levo-a a promover formação interna implementação, foram mais tarde adoptadas
para os mesmos. O seu cuidado foi o de por outros serviços e instituições.
contemplar com formação todos os Verificámos, pela história de vida
fisioterapeutas do sector, e para tal dividiu o relatada pela Fisioterapeuta Olga Leão, que
grupo em dois, com horários desfasados de muitas mudanças aconteceram durante este
forma a assegurar o serviço. Isto levou a uma período de cerca de 30 anos, compreendidos
necessidade de adaptação dos formadores entre a sua entrada para o curso e a sua
convidados, para ir ao encontro das exigências aposentação. Esta fisioterapeuta teve o
do sector. privilégio de viver e testemunhar a maior parte

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das modificações na carreira, no ensino e no forma a poder ajudar na realização de futuros


exercício da profissão de Fisioterapeuta. trabalhos.
Poirier (1999) conta uma história passada
Considerações Finais
com Lazarsfeld. Durante uma aula, em França,
Por ser uma abordagem nunca feita em
sobre as técnicas de análise de contudo
investigação em Fisioterapia, e por se verificar
aplicadas a diversas recolhas de textos, entre
a necessidade de registar as histórias de vida
os quais as histórias de vida, alguém lhe pediu
dos fisioterapeutas que já não exercem, ou que
esclarecimentos sobre certos problemas
estão a abandonar o exercício da profissão,
práticos. Ele respondeu, sorrindo: “Diz-se e
este trabalho de investigação tornou-se para
escreve-se muita coisa, mas sobretudo faz-se
nós um desafio.
como se pode.”
Desafio que aceitamos e que nos fez
Desde o início da nossa investigação
contactar com um mundo novo de
optámos por concentrarmo-nos somente no
conhecimentos, interessante e que nos
percurso profissional do nosso objecto de
enriqueceu à medida que avançámos.
estudo, no entanto ao longo das entrevistas, e
Temos consciência de que ainda não
da sua transcrição, surgiram algumas dúvidas.
dominamos completamente o método das
Terá sido correcto diferenciar artificialmente
histórias de vida, mas pensamos ter
uma parte de uma existência global? Não
conseguido atingir o objectivo a que nos
teremos no final uma visão muito parcial dos
propusemos.
factos? Concluímos que a globalidade que
Ao longo da realização deste trabalho escolhemos seccionar, começou a despontar
deparámo-nos com alguns paradoxos já espontaneamente e, encadeada com a história
referenciadas pelos investigadores na profissional. Assim não foi possível de todo
bibliografia consultada. Estas dificuldades, ignorar alguns factos de âmbito pessoal, por
juntamente com a nossa falta de experiência, terem sido bastante importantes e cruciais
revestiram a investigação de grande para o desenrolar da actividade profissional.
dificuldade de execução.
Durante as entrevistas optámos por deixar
Achamos importante, apesar de serem em livre a narração do nosso entrevistado mas
grande número, enumerar algumas das verificámos, logo de início que, o nosso
dificuldades com que nos deparámos durante entrevistado esperava algumas questões
a execução deste trabalho. Em geral existe orientadoras. Para além disso tornou-se
uma grande relutância em partilhar essas necessário posteriormente a realização de
dificuldades, dissimulando-as, conservando só algumas questões mais específicas para
o aspecto final, polido do trabalho. Optámos clarificar algumas situações. Assim, optámos
por partilhar todos os aspectos da nossa por entrevistas semi-directivas, dando espaço
investigação, os bons e os menos bons, de para as anedotas e algumas divagações do
narrador, permitindo-lhe narrar-se no seu

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próprio ritmo, mas colocando também transcrito, a falta de contextualização do


algumas questões para o impedir de continuar discurso, etc.
em divagações estéreis. Ao escolher como suporte para gravação
A repetição das entrevistas é condição das entrevistas o gravador de cassetes, por
necessária para o aprofundamento da ser o meio mais acessível e de fácil utilização,
informação e seu controle. posteriormente na fase da audição,
A recolha dos depoimentos está cheia de verificámos que a qualidade da gravação não
ratoeiras para o entrevistador com pouca era a melhor, dificultando a percepção do
experiência. Sendo a entrevista um encontro discurso. O próprio manuseamento da fita pa-
de pessoas que na maioria das vezes, ra audição contribuiu para a sua deterioração.
assumem papeis pouco precisos (Poirier, A transcrição das entrevistas, por si só,
Valladon e Raybaut, 1999). Devido à evolução não dá forma ao texto escrito de forma a ser
da relação entrevistador – entrevistado, ao perceptível. Uma leitura seguida revelou um
longo das entrevistas, aconteceu por vezes grande número de ”pois”, “portanto”, “bom”,
termos dificuldade em manter o nosso papel “não é” e outros termos parasitas que
de entrevistador, caindo no erro de intervir na caracterizam o discurso de qualquer pessoa,
narrativa dando a nossa opinião. mesmo culta, que se exprima oralmente, sem
Deparámo-nos com uma situação, que à prestar uma atenção especial às suas
priori seria favorável, que foi a grande palavras. Tivemos que realizar o afinamento
facilidade de conversação e de narração da das entrevistas de forma a dar legibilidade ao
nossa entrevistada, o que levou as nossas discurso escrito.
entrevistas a prolongarem-se no tempo, Relativamente à reunião e ordenamento da
permitindo muitas divagações, com conteúdos narrativa as dificuldade encontradas foram
muito dispersos. Posteriormente, aquando da minimizadas pelo facto de termos optado pela
transcrição, a dificuldade em passar da transcrição das entrevistas, o que nos deu
oralidade à escrita foi uma realidade com a uma visão mais abrangente do conteúdo das
qual perdemos muito tempo. narrativas. A dispersão dos assuntos, a
No final da recolha deparámo-nos com a quantidade de informação e o seu
dificuldade em transcrever e analisar as encadeamento foram os factores que
entrevistas. dificultaram a reunião e ordenamento da
narrativa.
A opção de transcrever todas as
entrevistas consumiu-nos muito do nosso Na apresentação definitiva da história de
tempo. Deparámo-nos com situações em que vida surgiu também a questão da composição
a transcrição não reflectia exactamente a do texto definitivo na primeira pessoa ou na
oralidade, ou por dificuldade na pontuação, ou terceira pessoa do singular. Optámos pela
por dificuldade em dar emoção ao discurso primeira hipótese para colocar no corpo do
trabalho, embora também tivéssemos redigido

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uma história na terceira pessoa, que nos terapêutica. Pois é uma forma de dar uma
ajudou a orientar a construção da primeira. visão pessoal da profissão, e também uma
É frequente que a apresentação do texto forma de construir a história viva de uma
se faça na primeira pessoa. Trata-se de um profissão, ou conjunto de profissões. As
modo de escrever que aproxima o leitor da histórias de vida individuais, para além de
fidelidade e da subjectividade da narrativa, serem uma forma de focalização das
onde o investigador se apaga diante da memórias pessoais são também a construção
narrativa deixando lugar só para o narrador. de uma visão mais concreta da dinâmica de
Por esta razão temos que ter precaução na funcionamento e das várias etapas da
reprodução fiel da autobiografia falada. No trajectória do grupo social ao qual pertencem
entanto esta apresentação não é obrigatória. esses indivíduos.
Normalmente a utilização da terceira pessoa Parece-nos pertinente sugerir a recolha e
do singular é feita com a finalidade de evitar a reunião de mais relatos de vida, pois as
confusão entre o narrador e o autor (Poirier, pessoas estão a aposentar-se, tendo algumas
Valladon e Raybaut, 1999). já falecido, senão corremos o risco de saber a
Tivemos sempre, ao longo de todo o nossa história somente através dos vários
processo de tratamento do material, o grande diplomas publicados.
cuidado em não desvirtuar nem deturpar o
Bibliografia
sentido da narrativa.
- Carmos, H. Ferreira, M. M. (1998). Metodologia
Outro obstáculo, foi a escassez de da Investigação – Guia para Auto-Aprendizagem.
Lisboa: Universidade Moderna.
bibliografia sobre este método que nos orienta- - Munoz, J. J. P. (1992): Colección “Cadernos
Metodológicos”, Nº 5 El método biográfico: El uso
se de forma clara durante a investigação. A de las historias de vida en ciencias sociales.
legislação utilizada também não foi fácil de Madrid: CENTRO DE INVESTIGACIONES SOCIOLÓGICAS.
- Poirier, J.; Clapier-Valladon, S.; Raybaut, P. (1999):
reunir devido à quantidade de diplomas Hstórias de Vida. Teoria e Prática (2ª Edição).
específicos da Fisioterapia e da ESTeSL, assim Oeiras: Celta Editora.
- Rodrigues, M. L. (2002): Sociologia das
como os diplomas mais abrangentes; Profissões 2ª Edição). Oeiras: Celta Editora.
- Diário da República; série I; n.º 220;
conseguir encontrar os diplomas mais antigos 23/09/1980; Port. n.º 709/80
foi também uma tarefa difícil. Com toda a - Diário da República; série I; n.º 210;
10/09/1982; D.L. n.º 371/82
certeza alguns diplomas terão escapado, mas - Diário da República; série I; n.º 220;
foi um ponto de partida, Esta compilação de 24/09/1986; Port. n.º 549/86
- Dário da República; série I – A; n.º 298;
legislação poderá sempre vir a ser aumentada 23/12/1993; D.L. n.º 415/93
- Diário da República; série I – A; n.º 239;
e actualizada. 15/10/1997; D.L. n.º 280/97
- Diário da República; série I – A; n.º 295;
Após a conclusão deste estudo esperamos
21/12/1999; D.L. n.º 564/99
suscitar a curiosidade de outros colegas, - Diário da República; série I -A; n.º 74;
28/03/2001; D.L. n.º 99/2001
desafiando-os a continuar a recolha de - Diário da República; série II; n.º 237;
testemunhos dos técnicos de diagnóstico e 08/10/2004;
- Despacho n.º 20 786/2004

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