You are on page 1of 3

E-LEARNING COMO ELEMENTO DE

INTEGRAÇÃO NO PROCESSO EDUCACIONAL1


Wilson Azevedo2
Afinal, o que queremos dizer quando falamos de e-learning? Estamos falando, fundamentalmente, de educação on
line. E por educação entendemos o processo de ensino-aprendizagem - o que justifica uma pequena crítica ao
termo e-learning, pois ele foca excessivamente a sua preocupação numa parte - sem dúvida de grande importância
- do processo educacional, que é o processo de aprendizagem. Durante muito tempo a educação foi tratada como
uma questão de ensino, quase sinônimo de ensino, e o foco na aprendizagem ficou em posição secundária. De
algumas décadas para cá, a ênfase na aprendizagem nos ajudou a restabelecer o equilíbrio. Mas precisamos
entender o processo educacional como um processo de mão dupla. Não apenas de aprendizagem, mas um
processo de ensino "e" aprendizagem. Um processo de construção de conhecimento, que é coletivo e acontece em
todos os ângulos dessa relação. Não apenas o aprendiz, o educando, aprende, mas o educador também aprende.
Ao se relacionar com aqueles que eram vistos como aprendizes, se coloca também como aprendiz. De outra parte,
aqueles cuja tarefa principal era apenas aprender também se colocam ensinando, não só ao professor, mas também
aos seus colegas de aprendizagem. De forma que o processo de ensino e aprendizagem se torna cada vez mais
complexo e baseado em múltipla interação. Esse aspecto hoje é salientado quando falamos em educação.
Educação on line, portanto, é educação. Só que a sua especificidade está precisamente no fato de utilizar
tecnologias que permitem novas formas de interação primeiramente com conteúdos informativos. Esse é um dos
aspectos que nos chama a atenção ao travarmos contato com essas novas tecnologias. O outro aspecto é que são
novas tecnologias também da comunicação, que permitem novas formas de interação entre pessoas. E essa é uma
descoberta que se faz aos poucos. À medida que se vai entrando em ambientes on line, percebemos que, além da
informação que vem até nós, e que às vezes nos sobrecarrega, dispomos de recursos de comunicação interpessoal
com o uso dessas novas tecnologias. Esse aspecto da comunicação é que nos interessa especificamente quando
pensamos em e-learning e em aprendizagem colaborativa. Vejamos então a classificação e tipologia da
comunicação.
O rádio ou a televisão nos permitem, a partir de um foco emissor, distribuir a informação para múltiplos
receptores, característica básica dos veículos de comunicação de massa, a chamada comunicação de "um para
muitos". Já o telefone é a tecnologia mais típica do "um a um", embora hoje ele permita que, utilizando o viva-
voz, comuniquem-se "muitos com muitos". O correio é outra tecnologia de comunicação "um a um" que, às vezes,
é comunicação "um para muitos" também.
Um grande avanço oferecido pelas novas tecnologias das redes informatizadas é que nós podemos combinar as
diversas formas de comunicação, a de "um para muitos", e a web é o principal meio para se perceber isso, a
comunicação "um a um", e o correio eletrônico é a mais conhecida ferramenta usada nesse tipo de comunicação.
Mas é a comunicação de muitos para muitos, a ampla interação entre pessoas, interação coletiva em ambientes
virtuais projetados para isso que é a grande novidade introduzida pela novas tecnologias de informação e,
especialmente, de comunicação.
O grande diferencial destas novas tecnologias é a possibilidade de integração de todas essas formas - TV, rádio,
telefone e o uso do correio - e, principalmente, a comunicação de "muitos para muitos". As novas tecnologias nos
trazem o que tenho chamado de "outra ecologia pedagógica". Por ecologia entendo aqui a descrição de um
ambiente que tem características específicas e diversas daqueles a que estamos acostumados, principalmente no
campo educacional. Os ambientes em que acontecem o ensino e a aprendizagem nos são conhecidos desde a
infância. A entrada de novas tecnologias, a possibilidade combinada da comunicação de "um para um", de "um
para muitos" e de "muitos para muitos", dá origem a um outro ambiente que precisa ser conhecido antes de se
pensar em desenvolver educação através de ambientes on line.
Essa outra ecologia pedagógica implica uma outra experiência com o tempo. Com o serviço postal temos um
histórico de experiência social bastante difundida, de uso da comunicação chamada assíncrona, a que acontece ao
longo do tempo, sem hora marcada. Mas o surgimento da Internet, do correio eletrônico, nos colocou diante de
uma velocidade, de uma intensificação do uso desse tipo de comunicação, que deu origem a uma outra
experiência, com uma outra temporalidade. A conjugação da temporalidade que nós já conhecemos e
vivenciamos, a temporalidade síncrona, com os recursos assíncronos produz um outro tipo de temporalidade, a
temporalidade multissíncrona, tanto distribuída no tempo quanto simultânea. Isso permite que continuemos

1Palestra proferida no Forum Internacional de Tecnologia para Gestão de Pessoas como parte da programação do 27º Congresso Nacional da
Associação Brasileira de Recursos Humanos
2Especialista em educação on line e consultor de empresas e universidades em projetos de e-Learning. Diretor técnico-pedagógico da Aquifolium
Educacional.

Banco de Textos de Elton Vergara Nunes 1


desenvolvendo nossas atividades enquanto, em outros canais, vamos nos comunicando com pessoas de forma
distribuída ao longo do tempo. É como se no ambiente on line, pudéssemos interagir com outros como que em
câmara lenta, num tempo mais elástico, enquanto desenvolvemos as atividades cotidianas síncronas.
É a sensação que temos quando desenvolvemos cursos que funcionam em ambiente on line. É como se duas horas
de curso pudessem ser esticadas para caber ao longo de uma semana sem que interrompamos nossas atividades
para ingressar nessa interação coletiva de "todos com todos". Isso acontece como se fosse em outra dimensão,
num outro espaço. A sensação que têm aqueles que convivem e interagem em ambientes on line é que eles estão
compartilhando um espaço, estão se encontrando e isso acontece em um espaço. Não um espaço físico, mas
virtual, um espaço de comunicação, um espaço relacional. Nesse novo tempo, nesse outro espaço, nós travamos
contato com outra experiência social, a possibilidade de interação de "muitos com muitos" intensa, afetiva
inclusive, base das chamadas "comunidades virtuais de aprendizagem colaborativa". Mas o que são elas?
Em primeiro lugar estamos falando de comunidades. Esse é um fenômeno que não é tecnológico. É proporcionado
pela tecnologia, mas é fundamentalmente sociológico. Na sociologia a distinção entre comunidade e sociedade foi
um fator fundamental até para o avanço das ciências sociais. Estamos agora voltando ao conceito de comunidade
quando falamos de e-learning, de educação on line e, especialmente, de comunidades virtuais de aprendizagem. É
um fenômeno humano. São coletividades de pessoas, mas comunidades virtuais. Quando falamos em
comunidades virtuais de aprendizagem colaborativa estamos falando de alguma coisa que não depende mais da
identificação local, como no tradicional conceito sociológico de "comunidade". É uma comunidade de interesse. É
localizada por um endereço, sim, mas um endereço lógico, e não físico.
Essas comunidades virtuais são de aprendizagem. Há comunidades de diversos tipos, com os interesses mais
diversos. Há comunidades dedicadas a hobbies, criação de animais, pescarias, etc. Nesse sentido estamos tratando
aqui especialmente de comunidades virtuais de aprendizagem, as que se formam com o objetivo de aprender mais,
com o objetivo de construir conhecimento, de localizar informações que, organizadas e processadas, resultem em
novos conhecimentos. Estamos falando de comunidades virtuais de aprendizagem, em que é possível a interação
de "muitos com muitos" proporcionada pelas novidades introduzidas pela tecnologia da informação e da
comunicação.
Comunidades virtuais de aprendizagem colaborativa funcionam na base da colaboração. A regra básica é a
reciprocidade. Todos ensinam a todos, todos aprendem com todos. Aquela concepção sócio-interacionista que
hoje se torna cada vez mais importante em Educação, em que todos aprendem com todos e todos ensinam a todos,
se realiza de forma plena nessas comunidades virtuais de aprendizagem colaborativa.
Esta outra ecologia pedagógica leva a uma conseqüência importante. Ela requer um reconhecimento de que esse
ambiente é diferente daquilo que temos experimentado tradicionalmente. É novo para muitas pessoas, o que
requer um trabalho sério de ambientação. As pessoas estão mudando de ambiente quando entram em cursos on
line. Estão trabalhando em um ambiente que requer uma adaptação operacional. É preciso aprender a usar isso, a
mexer com aquilo, operacionalmente. Mas há uma dimensão psico-pedagógica que precisa ser trabalhada. É um
novo tempo. Mas como eu me agendo nesse tempo? Como eu me sinto atrasado ou adiantado em relação a essa
temporalidade que acontece em câmara lenta em relação à temporalidade do cotidiano? Uma adaptação a um
espaço que não é físico. Como é que eu posso me localizar nesse espaço, se ele não tem coordenadas físicas? Uma
nova experiência social: como é que eu simpatizo ou antipatizo com pessoas que nunca vi?
É preciso dar tempo para que as pessoas se adaptem. Ambientação é fundamental. Isso requer a definição de
novos perfis. Um perfil de educando que seja autônomo é muito importante para a aprendizagem, mas a sociedade
hoje está exigindo outras coisas. Ela exige competências em "co-labor-atividade". É um neologismo para
caracterizar essa capacidade de aprender colaborando com muitos. Portanto, é um binômio que precisa ser
desenvolvido, o binômio da autonomia e da interdependência. Também exige um outro perfil de educador. Um
educador que, além do domínio que precisa ter da sua especialidade, além das técnicas didáticas que ele precisa
conhecer, precisa desenvolver habilidades e competências de um líder comunitário, de um animador.
O termo animador é abundante na literatura especializada, usado por muitos teóricos que trabalham os novos
ambientes virtuais. O animador de comunidades virtuais é alguém que desperta o ânimo das pessoas, que desperta
a alma de uma coletividade. Anima quer dizer alma. Portanto, o animador é alguém que tem um papel de
liderança nesse sentido, um facilitador dos processos de integração entre as pessoas, um guia que apresenta mapas
para percursos individuais ou coletivos dentro de uma comunidade.
Quais as implicações embutidas em tudo isso? A primeira delas se torna a conseqüência imediata disso. Em
empreendimentos de e-learning, se você busca resultados e quer o sucesso do projeto, é fundamental investir em
aprendizagem colaborativa. Essa riqueza que está envolvida nos ambientes virtuais, a novidade da comunicação
de "muitos para muitos" numa tecnologia até então desconhecida para a humanidade. As redes informatizadas,
tornaram possível essa comunicação. Investir nisso, portanto, se torna o diferencial. Se você está pensando em

Banco de Textos de Elton Vergara Nunes 2


desenvolver projetos de e-learning e deseja alcançar sucesso, invista em aprendizagem colaborativa. Dá quase
para enunciar uma lei: "Quanto mais você investir em aprendizagem colaborativa, mais condições de sucesso você
terá". Quanto mais interação entre pessoas e ambientes favoráveis à colaboração e à aprendizagem colaborativa,
maiores serão os índices de sucesso e menores os índices de fracasso.
A segunda implicação já é uma conseqüência: investir em "peopleware". O e-learning tem sido muito ligado à
tecnologia e, não há dúvida, ele depende da tecnologia. Para desenvolver bons projetos em e-learning é preciso,
sim, investir em tecnologia, em hardware, em software, em conectividade. Mas a quantidade de investimento
crítica e decisiva para um projeto de educação on line é em peopleware, em pessoas capazes de utilizar essa
tecnologia, não apenas capazes de operar. Operar é uma coisa, mas ser capaz de utilizar pedagogicamente um
ambiente on line é outra coisa, de extrema relevância. Se você está envolvido em um projeto de e-learning,
compare a quantidade de investimento feita em hardware, em software, em conectividade e em peopleware.
Preparar professores e alunos, educandos, ambientação de alunos on line, é tarefa fundamental. Quanto você está
investindo nisso? Quem já está implantando projetos, analise os resultados e verifique se está sendo feito o
investimento adequado em peopleware. Não apenas operacionalmente. Não estamos falando de aprender a mexer
no correio eletrônico ou navegar na web. Isso é necessário também, mas estamos falando de pedagogia.
Pedagogia é a chave para compreender isso. Na história dos recursos utilizados em educação, constituiu-se uma
diferença muito clara: uma coisa é um livro e outra coisa é um curso. Mesmo que alguém dê a um livro o nome de
curso, não há a menor possibilidade de passar pela cabeça de ninguém que, ao comprar um livro com nome de
curso, e ao ler esse livro, uma pessoa esteja fazendo um curso. Há uma percepção clara na sociedade: livro é uma
coisa, curso é outra. Essa clareza ainda não temos na Internet. Livros eletrônicos, conteúdos estruturados,
planejados, organizados e trabalhados para serem disponibilizados utilizando os melhores recursos de tecnologia
da informação, têm sido abundantes na Internet. Costumamos denominar este material de "recurso didático". Mas,
diante da novidade que ainda é o e-learning para a sociedade em geral, nós ainda não amadurecemos essa
distinção que fazermos em relação ao livro. Ao chamarmos o recurso de "curso", as pessoas acreditam que aquilo
é mesmo um curso. E, pasmem, há pessoas se matriculando, como se fosse possível se matricular num livro. Em
material interativo, com conteúdo disponibilizado na Internet, nós navegamos, não nos matriculamos. Não é
curso. Pode ter o nome de "curso" porque pode servir como material didático para cursos, inclusive cursos online.
É conteúdo organizado, serve para cursos, mas não é curso.
Curso é uma seqüência de atividades pedagógicas organizadas, planejadas, para atender objetivos de
aprendizagem e que envolve fundamentalmente, quer na dimensão presencial quer na dimensão on line, interação
coletiva. Mesmo que um aluno em sala de aula se levante para fazer uma pergunta ao professor, ele está sendo
ouvido por todos, e aquela pergunta pode ser interceptada por um outro aluno, que pode complementá-la ou
respondê-la. O professor pode relançar essa pergunta para todo o grupo e pipocam respostas que conjugadas
ajudam aquela coletividade, aquela comunidade a construir o conhecimento. A possibilidade de interação coletiva
faz a diferença entre o que é um curso e o que é uma publicação. E isto vale para a educação on line também.
Infelizmente essa clareza ainda não está dada quando se trata de educação on line, porque a percepção de que
essas novas tecnologias não são apenas tecnologias de informação, mas são também da comunicação, ainda não
está suficientemente difundida. Não se trata de má fé. É pelo momento, pela imaturidade do mercado, tanto do
lado de desenvolvedores quanto do lado de consumidores, que ainda não alcançaram clareza suficiente para não
chamar de "curso" o que não é curso.
Para concluir, gostaria de deixar com vocês esta citação de um excelente livro (1) que chama a atenção para os
aspectos ligados à construção de comunidades virtuais para aprendizagem, para e-learning:
Não é a conversão de um curso que precisa ocorrer, mas antes uma mudança de paradigma com
relação à maneira com que nos vemos como educadores, como vemos nossos alunos, e como
vemos a própria educação. Não é um currículo que estamos convertendo, mas nossa pedagogia.
A pedagogia eletrônica não diz respeito a fantásticos pacotes de software ou a simples
conversão de cursos. Diz respeito ao desenvolvimento de habilidades envolvidas com a
construção de uma comunidade em meio a um grupo de aprendizes, de modo a maximizar os
benefícios e o potencial que esse meio oferece na arena educacional.
(1) Palloff & Pratt, Building Learning Communities in Cyberspace. S. Francisco, Jossey-Bass, 1999

Banco de Textos de Elton Vergara Nunes 3

You might also like