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Apague a luz antes de sair...

Apresentação
Este poeta errante e assertivo, ora nos trás em sua estréia pelo
mundo da poesia o denso LIVRO DAS SOMBRAS. Augusto extrai
da alma do eu lírico em seus recônditos mais ocultos, sentimentos
profundos e ataca sem piedade:
a nefasta alma humana, a existência inócua humana, a ação ignóbil
humana,
a sintética volição humana e a abstinência tecnológica de nós, sinais
do mundo contemporâneo.
Tendo a poesia como catarse e o dom como descrença,
descreve a efígie humana como um espelho dele mesmo, o corvo que
nos rouba a luz numa verdadeira videonasofibrofaringoscopia. Retira
das nossas entranhas, obviamente com o auxílio luxuoso de um
fórceps, o que somos. Uma gota de sangue em cada soneto, e um
mar do inconsciente em cada página, encontrarão acrósticos,
aliterações, rimas ricas, rimas fechadas, abertas, pleonasmos,
decassílabos, tudo métrica, rima e sempre dor. E quando tivermos a
certeza e estarmos na catástase e o próximo passo ser a inevitável
catástrofe... Resta a esperança de contaminado o poema, curado o
homem, surge a amizade, o amor contundente. E se a Poesia é o
ambulatório da alma é porque ela tem cura.
Caso tenha coragem de acompanhar esta viagem para dentro
de si mesmo, este livro trará por certo a grande surpresa da
possibilidade humana.

Prof. Guilherme Campos


(Músico e Escritor formado pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná)
Dedicado às luzes da minha vida,
Sem as quais eu não teria sombra!
Índice:
Alma em luto:

O Palhaço
Mistérios
Agorafobia
O Lírico
O Ilusionista
O Primeiro Panteísta
Desarmonia
Catástase
Necrodulia
Eu
Reações Adversas
A Dádiva
Acabamento
Isomeria
Efígie
Penumbra
Versos Feodérmicos
Labirinto
Verso aos Romanos
Poslúdio

Alma em flores:

Recreio
Valia
Dilema
À Ma(r)
Divisão
Soneto à Alvorada
Soneto à Saudade
Converso
O Carteiro e o Poeta
Sobre o Tempo
Paisagismo
Canção à Alvorada
A Chuva
Uma Mulher...
O Jangadeiro

Intervalos:

Tempos Modernos
A Palavra
Intrusão Indispensável
Provérbio dos 4 Silêncios
Máximas Exílicas
Nota do Autor

Foi numa Sexta-feira...


Dessas tristes, chuvosas e vazias, que eu coloquei em minha mochila,
alguma roupa, um velho isqueiro e um livro em branco com uma
caneta dentro, (livro que mais tarde se tornou meu caderno de
magia, onde eu rascunhava meus sonhos) e parti mais uma vez rumo
ao horizonte...
O horizonte é um país bonito, de longe é sempre belo e dá
vontade de tocá-lo. Fico imaginando se a terra é mesmo redonda, ou
se há em algum lugar um enorme abismo com uma placa escrita:
“Fim do Mundo”. Mesmo sem saber, é o lugar mais fácil de chegar,
porque não existe mapa para lá. Tudo que se tem a fazer é ir
caminhando, por aí, sempre para frente...
Quando pequeno, sempre ouvia as pessoas grandes dizerem:
“Você deve ampliar seus horizontes”, mas nunca entendia ao certo a
frase. “Como horizontes, se só há um? E se só há um, como pode ser
meu?” Cogitava eu...
Mas naquela sexta-feira eu parti pela estrada. Estradas são
seguras, elas sempre vão dar em algum lugar, por mais estranho que
seja o mesmo. Sentia-me feliz de não estar no mar... Porque o mar
não é como a terra, as terras têm dono, os homens as marcam como
marcam o gado, fazem nela caminhos, casas, cidades, mas o mar não.
O mar é de ninguém, não se pode fazer estradas por ele, e a vida da
gente é mais ou menos assim, como o mar... A gente passa sem
deixar pegadas, no grande oceano da história!
Fui contra o tempo, caminhando ao som do vento e vi meu
país se esconder atrás de mim, vi as terras ficarem mais verdes, o
gado banhado de arroios, e sol se enterrar nas lagoas como lívida
flama a bailar no horizonte. Eu via a cada noite as estrelas brotarem
no céu como espigas, se aproximando de mim como se fossem cair,
numa chuva de algodão...
Sim! Onde o mar é mais salgado é que homens são mais doces.
E foram esses homens, amorosos e gentis que humildemente me
acolheram em sua terra. E no seu mar, glacial e adocicado foi que
afoguei as minhas mágoas que eu trouxe de minha terra das
Sombras.
Não, eu não era mais o mesmo. Minha pele mudara de cor, o
meu cabelo desbotara, e os meus olhos agora refletiam o azul,
silencioso, profundo e infinito do mar. Aos poucos me transformei
em horizonte. Relembrando, quase sempre, as caravelas espanholas a
chegar... A desbravar as terras do sul do mundo!
Sentia que era hora de voltar para o meu povo, e contar aos
companheiros tudo que vi e ouvi, como eram as terras do horizonte
e o que tinha lá, além do fim do mundo. Que lá fora do meu ninho,
havia um novo mundo a desbravar, talvez houvesse alguém a me
esperar, que eu passei a vida inteira procurando.
Ah! Como são medíocres e enfadonhos os homens tolos.
Recusam-se o seu conforto abandonar, e não sabem que a liberdade
tem seu preço! Têm medo da chuva, do sol e do mar, e vivem em
seus iglus a se esconder com medo de que o sol lá fora os queime.
Mas a chuva, o sol e o mar, foram feitos pra se admirar e não para
se temer. Acho que Deus fez o mundo sorrindo...
De uma feita decorei um verso de Luiz Otaviano:

“Quem passou pela vida em branca nuvem


E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem - não foi homem,
Só passou pela vida - não viveu.”

Sim, a dor que incomoda é a dor que desacomoda. Sem a dor


cabal da adversidade o homem nada é. Acham que têm poder e não
podem voar se quer meio metro do chão.
Mas poder é uma coisa que a gente acredita que tem. Se
pensarmos que somos bons ou maus, assim o seremos. Mas os
homens não são assim, eles vivem a contar moedas, pois, pensam
que destarte serão felizes. Falam sempre de futuro, de negócios e do
novo programa de TV.
As moedas dão a eles uma sensação enganosa de poder, mas
não muda o que eles são. Um homem só pode ser chamado homem,
quando for ele mesmo em qualquer lugar. O seu maior adversário é
ele mesmo e nunca conseguirá fugir de si.
Somos ossos, cinza e pó, temos apenas aquilo que não
perderemos com a morte, tudo o mais é descartável.
Talvez eu não seja um homem de poder, sei que sou um Dom
Juan conquistador de desgraças. Porque as desgraças que coleciono
não fazem de mim um amargurado, fazem de mim mais feliz e
maduro.
O homem é um conquistador em potencial, nasceu com esse
gênio descabido e tresloucado. Mas quando ele se põe a conquistar
tesouros, os seus navios naufragam no oceano da história, porque ele
é pequeno demais pra caber na eternidade, e tudo que é matéria
decompõe. Mas o homem que conquista a outro homem, nunca
naufraga, pois há sempre mais universos a conquistar. Pois estou
certo de que o amor é a mais nobre das riquezas que nos foram
dadas!
Eu? Desculpem não me apresentei, me chamo Augusto, mas
podem me chamar de “Dom”. Dom... Alguma coisa, pode ser Juan
ou Quixote, um conquistador de qualquer coisa, podem ser corações,
ou moinhos de vento.
Não, que importa não é o engenho da conquista.
É naquilo que acreditas que tu és!
Alma em Luto...
“Eu sou a dúvida que e minha única certeza”
O Palhaço

A angustia que hoje em mim se pasma


É antiga e já doce companheira,
É a razão pela qual a vida inteira
Eu passei a vagar como um fantasma

E foi dela, minha febre rotineira,


Que extrai tudo de belo e encantado
Que inventei no meu caderno empoeirado
Uma aquarela de sorriso e brincadeira

E hoje, quando ao quarto me recolho


A guardar os meus narizes de borracha
O meu rosto no espelho é o mais sem graça.

E há no meu sorriso uma ironia


Há um destino que me traça e eu não escolho:
É essa mágoa que me enche de alegria.
Mistérios

Se os pecados contra Deus são finitos,


Porque o seu castigo é eterno?
Criaria ele a mim o inferno,
Eu, a obra prima de seu mito?

E que Deus é este que criou todos os seres


E os fez inferiores? Deus ingrato!
Que me deu a consciência dos meus atos
Pra depois me arrepender de todos eles.

E dentro em mim a fantástica trindade


Inquire-me: “Filho, o que é a liberdade,
O Saber, o amor, a virtude e o deletério?”

E esse Deus me responde com tristeza:


“Ah! Tu entendes a beleza do mistério,
Mas não sabes o mistério da beleza...”
Agorafobia

Quando alguém fez o mundo e seu enredo


Pôs no homem uma dose de receio
E o primeiro a temer que ao mundo veio
Descobriu dentro de si o próprio medo!

Pois há na natureza um vil segredo


Que os tricíclicos em geral e a imipramina
Não conhecem, e na farmácia da esquina
As prateleiras se esvaziam logo cedo.

E é um terror súbito que se pasma,


E por detrás da porta esse fantasma
Apavora como câncer derradeiro!

E alucina como a louca dor do parto,


E quando o homem se esconde no seu quarto
Ali está ele a afagar seu travesseiro!
O Lírico

Tarde, corro a janela, pálido esqueleto...


Sudorese, intoxica-me a existência,
A desrealização e a abstinência
De existir, num universo absoleto...

Alma inquieta, não durmo a vinte noites,


A pena do meu canto é a flor deserta
É a solidão da angustia, a chaga aberta
Que sangra aos desromânticos açoites.

Espantalho da mágoa, eu sou o rouxinol


Que canta num mundo vazio e sem sol
E num triste lirismo se perde no breu.

E a cada porta que eu abro


Se apaga em mim um candelabro
No imenso castelo do eu.
O Ilusionista

Aqueles que me vêem sempre a rir


Com o meu cigarro amargo e rotineiro
Os meus gestos prepotentes no cinzeiro
Não podem imaginar o que eu vivi

Que quando faço versos eu primeiro


Idealizo nos meus sonhos a amargura
E ponho no papel a alma escura
Que eu escondo a chorar no meu banheiro!

E eu disfarço essa dor nas aparências,


Esse câncer a me comer, essa doença,
Essa ânsia endoidecida de morrer!

E é então que como um bruxo ilusionista


Na alegria fingida dos coristas
Eu invento o truque falso de viver!
O Primeiro Panteísta

— Pai, não vá agora, me aperte a mão —


Sussurrou o jovem triste junto à cama
— Filho a vida é bela, vive e ama
Tome esta rosa, que o mundo inteiro é vão!

A natureza tem seu fôlego, respiração...


E essa rosa, meu filho, é o que me resta —
Disse isso o velho pai, sobre a floresta
E suspirou, deixando a flor cair ao chão!

E o jovem abraçado ao pai chorando


Plantou aquele olhar sereno e brando
De seu pai com aquela flor cheia de brilho...

E toda noite, da floresta grandiosa


Parecia se ouvir dentro da rosa
A alma de um pai clamando o filho!...
Desarmonia

Noite. Ouço o rufar dos segundos,


Como cordas vibram-me as veias,
Sinto em febre o solfejo, as colcheias
Que se escapam da boca dos mudos

Sinto um eco vazio onde moro


Em tudo que toco um triste compasso
E até a estrada, o caminho onde passo
É luto, é sombra, é um salmo inodoro

Na areia de mim eu derramo o passado


Do meu coração de vidro quebrado
Que tudo que sobra da vida é ausência

E esse metrômano olhar inumano...


Com que harpejas em meu piano
O ultimo acorde da existência.
Catástase

Cai a noite tenebrosa e fria,


Tremo de febre, convulso ao vê-la.
Desvanecido namoro estrelas,
Soluço a morte, névoa sombria.

Eu, licnóbio em dislexia...


Cleptomaníaco do conhecimento,
Fenótipo do material momento
E sua leptológica fonopsia.

Temo, a humanidade em ação,


Dos sentimentos a inumação...
O zoozoílico parasitismo.

Carrego, metabólicas enzimas,


A placenta de todas as ruínas,
Exílio de todos os abismos.
Necrodulia

As mais puras rosas negras encantadas,


Os mais risonhos jardins radioativos...
Da piogênese inflamada de mortos vivos
À real corte necrotérica das fadas.

A ninfomania pantogâmica do afeto


Da humanidade —esta gestante embriagada,
Leptossômica, a vagar na madrugada,
Deflorada, a comer seu próprio feto,

E a enfermidade global, me incita a ira.


A verdade universal é a mentira...
No orgasmo hemospérmico da terra,

O seu vômito necrófilo e orgíaco


Oferece um calor paradisíaco
Na paz apocalíptica da guerra.
Eu

Eu, o vil elétron inexpugnável,


O periclitante anfitrião da elegia,
O mágico arquiteto da anomalia,
De mim, autor e réu irrevogável.

O Deus que deu a luz as negras pombas


Na escuridão cavernal platônica,
Da inverbial “epzeusse homônima”
Mago —o orfanato das sombras—

Se espelho em mim como então maquina


O Quimotripsinogênio a tripsina...
Do verso —mastigo a sinsinesia,

Da morte — Os vergéis anisantos,


Os orexígenos corpos brancos
Que hei de comer e morrer um dia.
Reações Adversas

A dor “antimatérica” dos novos fatos


A divisão da luz, do tempo, da energia...
Acelera-me o miocárdio em ataxia
Numa eletro-náusea convulsiva de impactos.

E a cada novo pôr-do-sol semântico


Eu respiro esse carbônico universo,
Desoxigenado, ideológico e perverso
Que há de corroer a alma dos românticos.

Náusea, este estado me é quizila,


A potréia desta gente dá-me vertigem,
E de mim o mundo inteiro se exila,

Estou farto destas terras de fobia,


Marear irei por águas virgens
No mar negro onde dorme a poesia.
A Dádiva

Finarei quando insano eu sentir


Que a existência ignóbil e vazia,
For maior que a pouca alegria
De amar, e a mim mesmo eu trair.

Procurando encontrar o sentido


Que o mercado do mundo não tem pra vender.
Como se em mim houvesse existido
Alguma coisa maior que viver.

Algum sentido maior que a amargura


De ouvir-se existente num mundo sem tom...
Onde a flor da desgraça, em eterna candura,

É a ultima nota, e o meu único som...


Pois a mágoa é sem fim e a alegria não dura,
E a descrença é o meu único dom.
Acabamento

Um dia acordarei, e bem de manhã


Ao findar o teatro, no cair do pano,
Harpejarei dissonante meu piano,
Difluirei ultimo beijo em minha irmã

Gêmea -A saudade- que meus dias consumia


E partirei, solipso e impenitente,
Com o sorriso triste de quem mente
E a descrença amarga de quem cria.

Tendo o descaso como doce companheiro,


Lastimará à plataforma o timoneiro:
"Entrai, meu filho, no navio da nostalgia!"

E ao embarcar neste enlevo derradeiro,


D'outro lado me dirá um marinheiro:
"Eis aqui mais um órfão da poesia!"
Isomeria

Ouço átomos em atrito


Na simetria existencial
Érebo, insano mal,
Neurologicamente maldito.

Uma eutimia inversa


Sinto; num mundo sarcófago.
Espiritualmente claustrófobo
Estou; derrisória dispersa.

E pergunto da vida o porquê:


Resposta desespero ao sublime...
Eis o que a faz dividida!

A sintética volição de ser:


Nisso a busca humana se define...
Eis o sentido da vida!
Efígie

Candeia de fogo, lua de prata,


Que por sombras escuras teu vulto voa
E a voz do silêncio –teu grito ecoa–
Teu gládio inflamado a vingança mata.

Egrégio amuleto, o sol do porvir


Que em terras sombrias se faz mensageira
Do império das trevas tu és cavaleira,
E eu canto, eu vivo, eu morro por ti.

E porque idolatro teu traje opulento,


Que a negra presença me causa tormento;
Ficto os meus olhos rutilam a chama

–Tênue cordão de laço infrato–


...Caia o anel...Quebre-se o prato,
Que à meia-noite a voz me chama.
Penumbra

É tarde, nas ruas vazias...


E os gritos ao silêncio expostos,
O clamor da alma dos mortos
Vai ao eco das colinas frias.

É tarde, com lua apagada...


E o bando de aves do norte,
Rumando ao vale da morte
–Negro pássaro da madrugada–

É tarde, a humanidade dorme...


Do escuro se torna uniforme,
Se lança ao engodo lendário,

Das trevas –sábio doutor–


Da sombra –invisível senhor–
Que conduz seu rebanho ao calvário.
Versos Feodérmicos

Amiúde esse pleonasmo de porfia


Que eu escrevo a dezessete primaveras
Troca a magnificência das quimeras
Pelo canto catabólico da ironia.

Os versejos de amor são ecnefia,


São cores unidas que o branco farão
E eu prego em sermão na minha poesia
O amor do arco-iris que faz divisão.

Em videonasofibrofaringoscopia
Me Infiltra a existência à agonia
Do intrínseco amor hematofago e seco.

E hei de deixar pra toda uma raça


Uma gota de riso em cada desgraça...
Uma gota de sangue em cada soneto.
Labirinto
(Soneto Acróstico)

Volto para trás, pois penso,


E para frente vou, pois vivo,
Jamais me enganei, pois sirvo,
O fardo que a mim é denso.

Quando, quem e porquê?


Ultrapasso o muro da ilusão
E penetro a sombra da então
Macabra origem de meu ser.

Não posso encontrar-me, assim


Ao encontrar-me, sinto perder-me,
O Perder faz encontrar-me,

Seguindo sempre; sendo assim


O buscar então em perder-me
Único modo de encontrar-me
Verso aos Romanos

Fim das horas, a taça do infinito se espedaça,


O que eu levo da existência para a treva?
Se até o que o berço dá a tumba leva
E a caminho da morte a vida passa?

Ah! O Sol desta quimera está sem graça


A álgebra da mágoa é um “X” absoluto,
O céu dos meus amores é amargo e bruto
E o acre desse fel me descompassa.

O que sou eu no relógio da eternidade?


A eternidade é um demônio que me espera
É sufocante e toda vez que eu penso nela
O coração salta-me a boca em ansiedade.

Me desvairo, tenho ataques epilépticos de poesia


Pego um maço de cigarros e inalo inteiro
E ao decepar as suas favas no cinzeiro
Eu vejo as cinzas dos meus ossos nele um dia.

Captólio de ruínas trago em memória,


O Flagício dessas mãos de pederasta
Com que mancharam de sangue os biblioclastas
As páginas translúcidas da história.

Malditos! Os donos desse mundo são covardes


O inferno deu-lhes ouro e uma sentença,
Deu-lhes boca com palavras de eloqüências,
E a flamar o coração no mar do hades.

Inquisidores, devassos e malquistos,


Vós que nas igrejas pedis dinheiro
Sois fariseus, filhos de Judas tesoureiro,
Vós sois os mesmos que cuspiram a cruz de Cristo!

Vós que da hóstia sacra fazeis mercado,


E roubais... Fazeis comércio da fé alheia
Vós sois o Judas a fugir da santa ceia
Por 30 pratas entregar a alma ao diabo!
Não! O meu Cristo não é este que está à venda
Sobre os vitrais dos carros e em camisetas
E nos gasofilácios a pedir gorjetas,
Nos palácios de Sodoma, vossas tendas...

O meu Cristo é metafísica inodora


É como o ar que não se vê e a gente sente
É a compaixão a sangrar dentro da gente,
É a nostalgia a gritar dum Deus que chora.

É equóreo, é a explosão das supernovas,


Implexo e icástico, um iconoclasta,
A Biotaxia universal, e isso já basta
Em argumento de existência a sua prova!

Mas os homens deste mundo nunca mudam


São mesquinhos, avarentos mercenários,
E as belas mãos a erguer o santo sudário
São as mesmas que castigam e que usurpam!

“Ave César! Os que vão à morte vos saúdam”


Que nós somos o espetáculo da platéia
Num suspiro de arte quase atéia
Somos gládios da esperança que se afundam!

Vingai, Oh Deus! Nosso sangue nu e fecundo,


Que o flagelo de nossa carne fria e fraca
Seja o refrão da liberdade e seja a marca
Da beleza e da virtude deste mundo!
Poslúdio

Quando a ultima estrela houver esvaído,


E a minha flor desbotar ao vento,
E exorcizar meu sentimento
O anjo da dor - derradeiro cupido -

Que eu doe o sangue das veias,


O sonho construa de um dia,
As vidas tornar tão cheias
Que a minha se torne vazia,

Que ela se torne uma elegia


Pra que o mundo inteiro aprecie e leia!
E se a saudade bater por aqui

Pedir para entrar e quiser me ver,


Não chorem se lembrei de partir...
Perdoem se esqueci de viver!
Alma em flores...
“Não importa quanto frio está lá fora,
Será sempre primavera dentro de mim”
Recreio

Sirene... E logo se dispersam as crianças


Como pombas de um olhar ingênuo e puro!
Ah! E de pensar que elas são o meu futuro...
Eu rio de mim mesmo com esperança.

Rogo a Deus que me ensine temperança


Mas não há paciência sem desgraça
E como Jó, Deus me faz vil e sem graça
Pra que eu tenha um amanhã com mais bonança

Me maldigo, quase sempre, e agradeço


Pela honra de existir que eu não mereço
E como aquelas crianças distraídas

Há um riso dentro em mim que não se quebra,


Há um pássaro mudo que celebra
Dentro de mim o recreio da vida!
Valia

Mais valia têm o verbo que o contesto


E mais valia a doença que o trabalho,
Mais valia tem o frio que o agasalho
E mais valia tem a pérola do que o preço...

Mais valia a carta triste que o endereço


E mais valia a despedida que a chegada,
O perfume da flor quando esmagada
Vale mais que do jardim o vil apreço.

E por fim mais vale o mudo que o converso


Tem mais valia o canto que o protesto!
E de todas as desgraças a mais nobre
É a do amor, que perdoa e tudo encobre,

Sem o qual, morta, a beleza tombaria,


A tristeza era sem brilho, e a vida sem valia!
Dilema

Amo-te, de uma forma singela e arisca,


Amo-te assim, branda e suavemente,
O amor é dor e dói dentro da gente,
O amor é a chama, a paixão é sua faísca.

Esse estranho amor que sintetiza tudo


No silêncio —Voz da sabedoria
O silêncio é a melhor sinfonia
Por ser a voz de tudo quanto é mudo.

Mas sinto desvairar dentro de mim


Uma paixão energúmena e sem fim
É uma vontade de gritar que me agonia

É a velha dor então dilemática:


O que é o amor, senão matemática?
O que é a paixão, senão poesia?
À Ma(r)

Chove... Lá fora o céu chora de alegria,


A lágrima de Deus molha a calçada...
E a flor da minha vida ressecada
Se orvalha de encanto e fantasia.

Ah! A existência é mesmo um fado triste


E o teu olhar Marina é o meu afago,
É tudo de beleza quanto eu trago,
É a ultima candura que me existe!

Que me importa te perder se eu nada tenho?


Que me importa te ganhar se eu não sou teu?
Porque és tão divina e eu sou ateu

É que eu te amo Marina meu mar sem fim,


Porque és o riso que passeia dentro de mim
E essa dor dentro de ti a andar sou eu!
Divisão

Dor e se parte a existência dividida


Como a alma e o átomo, a dispersão luminosa
A orgânica humana e as mil nebulosas,
Como arado divide a terra, é assim a vida!

Não é diferente o milagre de viver...


O meu amor é como um chão fecundo,
É como o equador que divide o mundo,
É como a rosa que cai pra renascer.

É verdade, meu amor, saudade existe


Pra mostrar que a história é bela quando é triste
E o amor se faz mais puro na demora.

Que o meu amor por ti se desenlace,


Seja a ave que só chora se o sol nasce
E o arco-íris que só nasce se o céu chora!
Soneto à Alvorada

Acorda minha flor bela e canta!


E chora o teu pranto desumano...
E faça-se tua lágrima oceano
Que lave a minha alma e a torne santa.

Pois há no teu cantar pureza tanta!


Tão ínclita e límpida, plácida e crua...
Que a glória dos céus passa a ser tua
Quando o meu ao teu olhar se encontra

Ah! O teu riso lindo perdoa o pecado,


É vívido e meigo, assente e sagrado...
Me cinge de luz fantasia e me enleva

Posto que os olhos são espelho da alma


Se num delíquio teus olhos se empalmam
Minh’alma chorando padece na treva!
Soneto à Saudade

Se os olhos não vêem, não sente o coração


Como explica-se então a saudade?
Se até meu estomago de angustia se invade
E meus ossos suspiram teus vultos ausentes...

E quando a mim vens e me beijas contente


O mesmo excídio, insulso e antigo
Saqueia a minh’alma e carrega consigo
Estilhaços de mim em seu bolso indigente

Saudade... Porto da mágoa, isonte desdita,


Catacumba dos sonhos, a ausência infinita,
Desterro da alma ao exílio sem fim.

Saudade... A vida passastes a minha procura


E és o fantasma, o cancro sem cura
Da infinda saudade que eu sinto de mim.
Converso...

(Soneto a quatro mãos, com meu pai:


Manoel Antônio de Almeida Jr)

Eu revolvia a espuma dos sete mares,


Eu fora o filho da fumaça dos vulcões,
Que nas blasfêmias dormia e repousava,
Eu fora aquele que bradava uns mil trovões.

No lamaçal vastos pântanos – a festa


Eu fora a chuva nas enchentes culminantes,
Eu fora o vento ao pé do fogo nas florestas,
Eu fora a brasa das colinas cintilantes;

Mas veio a água das montanhas reluzentes


E um relâmpago rasgou dentro de mim
Brilhou a luz da labareda, chama ardente,

Na fumaceira toda lama se perdeu,


No mar das vozes a blasfêmia tem seu fim
No fim da noite um novo dia renasceu
O Carteiro e o Poeta

(Ao meu amigo André Luiz)

No acre das horas no inverno profundo


Eclipsou-se a eclosão da tua candura
No ácido perro dessa terra escura,
O grão do teu olhar fez-se fecundo

A obsecrar eu vaguei por esse mundo,


Sob o rude fascismo que o interpreta,
Eu fui o teu carteiro e tu foste meu poeta
Irmão aventureiro e pai segundo!

Se eu levo dessa vida uma saudade,


Um motivo de esperança, uma virtude...
É da tua mão gentil essa ternura!

Que fostes para mim na flor da idade,


No tétrico astral da juventude...
A estrela que no céu brilhou mais pura!
Sobre o Tempo

O tempo…

O tempo é triste,
É o indivisível solvente absoluto
Que tudo transmuda, transvia, transplanta
Translada o místico significado das coisas
Desnuda, deslaça, desmancha, desfaz...
(Des)solidifica a muralha dos sonhos no país do desejo

O tempo…

O tempo não perde tempo,


É o tresloucado mar
Que naufragou o navio da história
Narcisando o mistério,
Transumanando a virtude,
E deseternizando o eterno...

O tempo…

O tempo é um passa-tempo,
É o carcereiro do mundo
Costurando sonhos nas nuvens da alma
Insípido e descolorido...
E no cata-vento das horas,
Das ruas, das flores, da vida...
Tudo que sobra é silêncio e saudade
Paisagismo

Foi assim...
O teu cabelo era o Sol que trazia sentido a nau dos meus dias
Que se embebia no mar azul dos teus olhos...
E a lágrima que caia deles, era como um milhão de Tsunamis que
escorriam pela praia do teu rosto, deslizando até o cais da tua boca...
E dentro de mim uma orquestra inteira explodia em mil vibrações e
cada célula do meu corpo celebrava a vida, regidas por um único
maestro:
—O teu olhar.

Curitiba, Agosto de 2006


Canção à Alvorada

Te vejo de longe,
Além desta fonte,
Ao lindo horizonte
Almejo sorrir.
Os mais belos montes...
Sorrindo pra mim,
E mesmo que eu conte
Parecem sem fim.

Te vejo distante,
No sol ofuscante,
E sempre prestante,
Almejo sorrir.
Teu rosto brilhante...
É fogo incessante
Que num só instante
Me pode partir.

E eu que era errante,


Com riso constante,
Me sinto importante
E almejo sorrir.
Cantando contente...
Teu riso inocente,
Vivendo o presente
Sem medo ao porvir.

Anel transparente,
Eterno indulgente,
Que até o mais carente
Almeja sorrir.
Teu canto imponente...
Não há ser vivente,
Nem alma existente,
Que vai destruir.
A chuva

A chuva lava tudo...


A terra, a serra, a guerra...
O sangue na espada
O rei, o réu, o mudo...

A chuva lava tudo...


A flor, a fauna, o feto,
As pegadas na areia,
O assoalho da memória...

As gotas enchem o copo vazio d’alma


O céu se veste em cinza e declara luto!

A chuva lava tudo...


A fibra, a febre, a fome,
O poste, a pista, a peste,
A roupa suja do passado...

E lava a estrada, o estrume, o estranho


Agasalho da inocência,
Os retalhos do amor
O espantalho dos sonhos
O infrato galho da ausência

O Verbo é inumado na enxurada


E com ele os desencantos, os desencontros
A desculpa, o descuido, o descaso...
A cortesia do sorriso finjido

A chuva lava e leva


A terra aquilo que é da terra,
Ao pó o que é do pó,
Ao homem o que é do homem.
Uma Mulher...

A Beleza não é fundamental,


Estética não é fundamentalismo!
É preciso que haja algo de imortal em tudo isso,
Um imaterial tesouro que não venha corroer no fim das horas.
Na riqueza e na pobreza nossa de cada dia!
É meramente preciso que ela tenha a alma infinita em verdade,
Que seja simples, como é simples o pardal das igrejas!
Que seja sábia, olhos experientes, castos...Escondido detrás de óculos
estudiosos...
Os olhos mais misteriosos que o mistério dos buracos negros, e as
civilizações perdidas no oceano...
Que ela seja sensível, como o algodão do outono...
Que ela seja doce, como a água dos ribeiros orvalhados.
Que ela seja pura, como a chama que fere o aço da espada.
Que seja ela quem me faça chorar de tanta candura!
Que saiba molhar o sorriso com lágrimas na entrega da rosa...
Platonicamente amorosa, dramaticamente shakespereana,
misticamente egípcia,
Eloquentemente grega, mas de alma Judia.
Que seja silenciosa, mas de olhar barulhento como bateria de
Samba...
Não é preciso que seja a mais bela, a boa aparência esconde quase
sempre a soberba.
E é nas adegas mais sórdidas que se encontram os vinhos mais
nobres!

Que seja eternamente inspiradora do riso (ou do pranto)


Uma namoradora da lua...

E por fim, se nada mais restar, seja bela.


Como é belo o lírio, o rio, o céu, o mar...
E que eu a saiba amar,
Como o castrate ama o canto que o castra...

Perdidamente (sem me perder)


Num abandono de tudo...
E de mim mesmo.
O Jangadeiro

Sou do mar e no mar eu me criei


São os ventos e as ondas, minha lei!

A vida e o vento são irmãs da mesma ilha


Ambas mudam subitamente a direção,
E o rastro do meu veleiro ao mar, em vão
Se apaga atrás de mim a cada milha.

Voar... É pra isso que ao mundo o homem vem,


Pra traçar no mar da historia o seu caminho
Que no barco da existência vai sozinho,
Pois, que, as “terras do mar” são de ninguém.

Sou do mar e no mar eu me criei


São os ventos e as ondas, minha lei!

Sou Jangada desbotando o meu destino!


E como corta o imenso azul essas jangadas
Eu passo a vida apagando essas pegadas...
Que nas águas eu deixei de peregrino!

Desenho sonhos nas areias do meu cais


Olhando as ondas lavar os meus desenhos,
Os meus moinhos de vento, os meus engenhos...
Que o mar leva pra si e não voltam mais!

Sou do mar e no mar eu me criei


São os ventos e as ondas, minha lei!

Passo... Passo...
Como o rio... A rua, a rosa, e a rede
Que eu lanço sobre o mar do meu futuro;
As bolhas triste que lamentam-se no escuro,
E as maresias que descascam as paredes.

Sei bem que nada trouxe a esta vida


E o que tenho é o que onda leva e traz,
Que o caminho que na água o homem faz
É só uma sina que passou e foi vivida...

Sou do mar e no mar eu me criei


São os ventos e as ondas, minha lei!
Intervalos...
“A Poesia é o ambulatório da alma,
a cardiologia metafórica”.
Tempos Modernos

Eu inauguro estes mefíticos versos


Ao novo século (das sombras ou das luzes)
Aos megalomaníacos habitantes do “húmus”
Que ao “húmus” hão de voltar...

Eu inauguro estes versos ao desfuturado futuro


Sem cor, sem métrica e sem vida, como estes versos.

Eu inauguro estes versos ao novo


Ao antigo mundo que evolui pra trás.
Ao autismo opcional
À pantofobia do outro,
À indigência da alma, mendiga e devassa
Capitalizando desejos e subnutrindo infinitos

Eu inauguro estes versos a mim


Que assisto ao mundo e me calo...
A mim... Melangástreo, insalubre, sórdido e lázaro...
Qual lívido cigarro tragado em luxúria.
A mim, fragata ancorada do eu,
Arganéu que apodrece na arfagem das horas.
Eu, que tenho repudiado versos livres...
Mitomaníaco, que tenho mentido sobre a verdade
E dito a verdade embebido em Prozac.
A mim, autópsiolatra e ateu,
Que na falta de um Deus, criei um para matar em seu nome.
A mim, que por não ter do que desistir,
Sou indigno de existir!

E por fim, inauguro estes versos a ti,


Meu hipócrita irmão, que lês meus versos ruminando a blasfêmea
Ou a ti, que apaixonado lês,
Pensando ser de amores meus versos...

A todos nós que temos sido mesquinhos!


Cacófagos dicionaristas, metalingüísticos frustrados...
Que inventamos as paixões de proveta
E nos laboratórios de metafísica comercializamos a emoção
À nanosentimentologia humana,
E a abstinência tecnológica de nós,
A tudo isso a quem temos chamado: “Modernidade”.
A palavra

Lua,
Alvorada,
Estrela,
Estrada, Rua
Nua,Verdade,
Deletério,
Liberdade,
Mistério.
Bem supremo,
Nau sem remo,
Temperamental
Linha horizontal
De um traço,
Compasso;
O laço profundo
Doma o mundo,
Espaço infinito
Mais que um mito
Atrito, vivência,
Valia, tendência,
Néctar, freqüência,
Gota de oceano,
Anjo desumano,
Astro em formação
Sonho, canção...
Decalque da ilusão,
Sombra destoante
Acorde dissonante,
Sol na escuridão.
Força, fogo,
Jogo e razão,
Portal de marfim,
Rainha do sem fim,
Traje rico e fino,
Sacro, divino;
Doce amor fraterno.
Truque do eterno,
Deusa do destino.
Intrusão Indispensável

Porque decidir? Vamos indecidir,


Chega dessa dependência, viva a independência,
Esse intuito impreciso, é preciso inevitar o inevitável,
Incidir, indicar, inculpar o culpado, o inculto...Incompatibilizar o
ímpio, o indeferível,
É preciso amar o inacostumado, o inolvidável, e indulgenciar toda
essa indignidade indisciplinada...
É preciso endireitar essa insípida, intolerante e indisfarçável
indocilidade humana
...E infeccionar o impossível
Provérbio dos 4 silêncios

Após o silêncio adâmico


há quatro lastimáveis silêncios
sendo, destarte, o ultimo o mais macambúzio deles:

O Silêncio inodoro que há no olhar


dos que se matam

O Silêncio de Deus que desbota


no olhar dos cegos

O Silêncio medíocre dos justo que fecham a boca

E o Silêncio do mundo perante a desgraça dos homens.

Santos, 27 de março de 2007


Máximas Exílicas

I
O infinito não é longe demais pra quem acredita.

II
O único modo de crescer é questionar as suas verdades.

III
Ser feliz nem sempre é estar alegre, a descrença é uma forma de
sorrir

IV
O poeta é o trem, a paixão o maquinista, e quem sabe o vapor a
inspiração.

V
A melhor forma de entender uma verdade é expermenta-la
empiricamente.

VI
Tenho apenas duas certezas nessa existência que me tornam
exuberantemente feliz:
Uma, sou o mais miserável de todos os homens, outra, a certeza de
que eu posso qualquer coisa.

VII
Os Poetas não se fartam de Poesia, mas a Poesia está farta dos
Poetas

VIII
Poetas e suas fadas não podem fazer mágica alguma, o único truque
deles é a capacidade de sonhar e isso em si já é um milagre.

IX
Eu sou sincero em dizer que minto, mas sempre minto ao ser sincero

X
Perto dos homens e longe da humanidade, revolucionários têm
admiradores, nunca companheiros.
Orelha

O Livro das Sombras é o evangelho negro, uma espécie de


caderno de anotações que os mágicos usavam para anotar seus
melhores truques, que valiam fortunas, enquanto não revelados. Foi
também o caderno das bruxas queimadas pela inquisição, era o
caderno dos alquimistas, físicos, filósofos, médicos...
É o pergaminho do ocultismo, o estudo das coisas e
fenômenos para os quais as leis naturais não davam explicação.
Oculto refere-se a um "conhecimento não revelado" em antagonismo
ao "Conhecimento Ortodoxo" que era a ciência dogmática que
provinha da igreja.
Todos os homens que se opuseram a igreja foram
fortemente combatidos, resignados, silenciados, oprimidos e
martirizados. Estes, entretanto, eram homens que se interessavam
pela verdade, a beleza, virtude... Eram revolucionários veementes
como Giordano Bruno, que foi queimado vivo com pregos na língua
ao defender idéias paralelas as heliocêntricas de que o universo seria
infinito e planetas giravam em torno do sol. Teve seu livro : “A ceia
das Cinzas” queimado pela igreja católica. Galileu e outros, foram
forçados a abdicar de suas verdades, em prol da mentira. O livro das
sombras que aqui está não é mais oculto, no entanto, são poucos os
que não são cegos. E faço dele um confessionário do luto, um elogio
cru ao caos da alma, à frieza do amor, à virtude inglória, a paixão
sem brilho, ao inabordável manicômio das sombras deste feudal
mundo, a quem chamamos: Moderno!
Biografia:

Nasceu a 11 de junho de 1987 em Fortaleza, Ceará, onde foi


alfabetizado, mas sua história escolar, além de passar pelo Ceará,
passa também pelo Maranhão, Pará e Paraná, lugares onde morou e
se desenvolveu, o que redunda numa grande diversidade de sotaques,
jeitos de aprender, de se expressar e de dizer coisas num país de
dimensões continentais.

Vivenciou intensamente a expressão cabocla do interior


maranhense, com todos os seus problemas de concordância, mas nem
por isso menos singelo; o linguajar despojado da cidade de Belém,
com seus “égua-moleque” e “mas-quando-mano” ou “que-é-isso-já?”,
expressões bem características daquela cidade de influência lusitana;
a miscigenação de sotaques do interior do Pará, oriundos dos
migrantes gaúchos, mineiros, goianos e catarinenses; a impressão
européia nos sotaques de Curitiba, sejam alemães, russos, estonianos
ou polacos, com seus “erres” trepidantes e seus “dais” nos lugares
das vírgulas, não obstante ser filho de famílias cearense e paulista,
ambos de ascendência portuguesa.

Viajou intensamente pelas cinco regiões do País saboreando


sotaques como que numa viagem gastronômica. Saiu de nossas
fronteiras rumo ao Sul e rumo a Oeste, bebendo da língua dos
castelhanos e das suas maneiras de expressão.

Muito mais do que isso, viajou por todos esses lugares com sua
alma e pela sua alma e também através dela, como se buscasse
aplicar o conhecimento das diversidades linguísticas nos
questionamentos e nas dúvidas, nos medos e nos temores, nas
aventuras mentais e como diria o ex-ministro: “nos meus retiros
espirituais”.

Não só o que é concreto e subjetivo teve influência em sua


formação, mas o lúdico, o religioso, o psicológico e o mítico lutaram
intensamente contra sua razão, em batalhas tão grandes que às vezes
se duvidava se delas sairia lúcido.

Tudo isso faz de Augusto de Almeida, em seus vinte e poucos


anos, um homem velho. Sim, velho no sentido de sábio, de
experiente, de perspicaz no uso da escrita, ora atroz nas setas agudas
da linguagem, ora sensível como os dedos de uma pianista cega. As
viagens mentais e geográficas, as experiências com os linguajares e
suas essências e as dores e prazeres da vida fazem dele um senhor
de pouco mais de vinte, digno de ser ouvido, lido, questionado,
refletido e considerado.

Meu prazer nessas linhas é o de ser como Deus, citado nos


evangelhos, falando acerca do próprio filho: Esse é o meu filho
amado. A ele ouví todos vós!!!

Manoel Antonio de Almeida Junior


(Pai do autor)

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