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As actividades de investigação na formação de alunos matematicamente

competentes
- uma experiência no 1º ciclo –

Rita Mestre, João Filipe Matos


Bolseira do ME, Universidade de Lisboa - Centro de Investigação em Educação

Introdução

O movimento de reorganização curricular do ensino básico marcou no nosso país, um


momento determinante no ensino da matemática, não apenas porque deslocou o enfoque
do currículo centrado sobre os conteúdos para um currículo orientado para o
desenvolvimento de competências, mas especialmente porque suscitou a discussão sobre a
ideia de competência, e em particular, de competência matemática. Além disso, é neste
contexto que são pela primeira vez referenciadas, nos documentos de orientação curricular,
as actividades de investigação como experiência de aprendizagem a proporcionar aos
alunos do ensino básico.
É perante este cenário que surge o presente estudo, onde se procura discutir o
significado de ser matematicamente competente na escola básica e, nesse quadro, analisar
o contributo que as actividades de investigação podem trazer para o desenvolvimento da
competência matemática dos alunos, em particular nos primeiros anos de escolaridade.
Nesta discussão estão envolvidas outras ideias fundamentais, como a noção de investigação
matemática na sala de aula e, obviamente, a noção de competência matemática.
Nesta comunicação, apresentando uma experiência realizada com alunos do 1º Ciclo
do Ensino Básico, procurar-se-á analisar estes conceitos e reflectir sobre as potencialidades
e constrangimentos duma proposta pedagógica que atribui um carácter importante às
investigações matemáticas.

Actividades de Investigação no contexto escolar

A atenção actualmente atribuída pelos investigadores em Educação Matemática às


actividades de investigação é fruto da grande relevância concedida à formulação e
resolução de problemas, nas décadas de 70 e 80. Esta situação não significa que introdução
das actividades de investigação nas praticas escolares, substitua o valor da resolução de
problemas na aprendizagem da matemática, mas relaciona-se com o facto de se considerar
que a actividade investigativa é uma característica essencial da verdadeira actividade
matemática e, como tal, deve ser considerada no ensino e na aprendizagem desta
disciplina.

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Contudo, o conceito de “actividades de investigação” parece não ser ainda claro e
assumir diferentes significados de autor para autor. Entre outras razões, um dos aspectos
que parece tornar difícil a sua caracterização relaciona-se com o facto das mesmas estarem
associadas a outras actividades matemáticas escolares, como a resolução e formulação de
problemas, a modelação e os projectos em matemática. Esta relação deve-se à existência
de características comuns a essas actividades nomeadamente, pela oportunidade que
conferem aos alunos de se envolverem em verdadeira actividade matemática (ou, na
terminologia da NCTM (1989/91) de “fazerem matemática”) e em simultâneo, conduzirem
ao desenvolvimento ou uso de processos matemáticos complexos.
Apesar dos aspectos que têm em comum, as actividades de investigação apresentam
características muito próprias, que passam não apenas pela particularidade da situação de
partida, como pelo papel a desempenhar pelo aluno ao longo da actividade. No contexto
escolar, a investigação é, geralmente, apresentada pelo professor e desencadeada a partir
de uma situação vaga ou pouco definida e, como tal, não estão formuladas quaisquer
questões que orientem de forma determinante a investigação. Caberá, desse modo, aos
alunos a definição do rumo a seguir, colocando os seus próprios problemas e formulando-os
sob a forma de questões, de modo a tornar a questão inicial mais precisa (Ponte e Matos,
1992). A possibilidade dada aos alunos de formular os seus problemas e, assim, definir os
seus objectivos, é um dos aspectos mais inovadores e característicos da actividade
investigativa, tendo em conta que os alunos raramente têm oportunidade de colocar os seus
próprios problemas, ficando essa função habitualmente reservada ao professor ou ao
manual escolar (Kilpatrick, 1987; Silver, 1993).
A análise que os alunos fazem dos dados ou da situação inicial pode ser um dos
factores determinantes para a definição do rumo da investigação. Contudo, a capacidade de
colocar questões produtivas1 (Ponte, Ferreira, Brunheira, Oliveira e Varandas, 1999) e todo o
processo de discussão e negociação entre os intervenientes, pode conduzir os alunos
envolvidos numa mesma investigação por percursos totalmente distintos. Por essa razão
Ernest (1991) caracteriza o processo de inquirição, presente na realização de actividades de
investigação, como “divergente”, uma vez que o leque de possibilidades de exploração é
muito alargado, tornando complexa a definição de heurísticas comuns a este tipo de
actividade, tal como Polya definiu para a resolução de problemas. A diversidade de
percursos tomados conduz os alunos por experiências muito diversificadas, podendo
traduzir-se por avanços e recuos que, em termos de investigação, poderão conduzir ao
surgimento de outras questões relacionadas (ou não) com a inicial. Assim, ao
desenvolverem actividades de investigação, os alunos têm a possibilidade de “explorar uma
‘porção’ de matemática em todas as direcções”, como descreve Pirie (1987, p. 2). A autora,
desse modo, enfatiza o processo e não o produto daí resultante, e, como tal, conclui esta
ideia através da conhecida metáfora “O objectivo é a viagem e não o destino” (p. 2). Desta

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Os autores designam deste modo as questões pertinentes, uma vez que consideram que nem todas as questões são igualmente
interessantes, podendo mesmo, algumas delas, não conduzir a qualquer resposta.

2
forma, pode dizer-se que o objectivo deste tipo de actividade se centra no processo e não
na procura de soluções; não havendo, por isso, respostas únicas ou avaliáveis como certas
ou erradas.
Estas ideias têm sido também apoiadas por outros autores, nomeadamente Ernest
(1991) e Morgan (1997), pois acreditam que a ‘riqueza’ do trabalho investigativo se deve à
possibilidade que oferece ao aluno de fazer “verdadeira matemática”, permitindo-lhe um
trabalho exploratório, aberto, criativo e independente (Morgan, 1997) - próximo do
desenvolvido pelos matemáticos profissionais2. Nesse sentido, pode afirmar-se que este tipo
de actividade apela ao desenvolvimento de capacidades de ordem superior (Christiansen &
Walther, 1986) - geralmente, não contempladas com outro tipo de actividades – e dá
oportunidade aos alunos, de desenvolverem uma visão mais alargada da Matemática.
(Cockcroft, 1982).
Além disso, e como já atrás foi referido, a realização de actividades de investigação
parece conduzir os alunos à utilização de variados processos característicos da
actividade matemática. Entre os processos identificados por diversos autores, parece
existir algum consenso, evidenciando-se como mais característicos da actividade
investigativa, os processos de (i) procura de regularidades, de (ii) formulação, teste e
validação de conjecturas (iii) e de (iv) generalização. Contudo, é importante não esquecer
que, à semelhança do que acontece no pensamento matemático, existem muitos outros
processos envolvidos, mas que não são exclusivos da actividade matemática. Exemplos
disso são os processos de (a) comunicação (falar, escrever, explicar, concordar, questionar)
de (b) raciocínio (como analisar, reflectir, classificar, compreender, criticar) de (c) registo
(desenhar, escrever, listar) ou de (d) operacionalização (recolher, ordenar, classificar),
enunciados por Frobisher (1994).
Vários autores têm defendido que os processos envolvidos (exclusivos ou não da
matemática) interagem entre si e, podem inclusivamente, surgir em simultâneo como, por
exemplo, a formulação de conjecturas e o seu teste (Ponte, Brocardo e Oliveira, 2003). Este
factor, torna difícil o enquadramento rígido desses processos numa determinada etapa do
processo investigativo, uma vez que, para além da dificuldade em identificá-los de forma
isolada, também as diferentes fases da actividade investigativa podem ser percorridas em
sentidos diferentes (Brocardo, 2001).

Justificação para a sua integração curricular

A integração curricular das actividades de investigação tem, gradualmente, vindo a


ganhar um espaço próprio na aula de Matemática. Entre os diversos factores que parecem
estar na origem deste facto, destacam-se (i) as recomendações efectuadas pelos
2
Esta proximidade entre a actividade matemática escolar e a actividade dos matemáticos deve ser entendida em ternos de
processos e não em termos da actividade social desenvolvida, que tem uma natureza diferente, uma vez que , quer os objectivos
e motivos da acção, quer as formas de avaliação e legitimação de resultados assentam em regras e práticas inerentes a
comunidades muito distintas.

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investigadores que têm estudado as potencialidades da inclusão deste tipo de actividade na
experiência matemática a proporcionar aos alunos em idade escolar, assim como (ii) as
indicações de diversos organismos ligados ao ensino da matemática. Um dos argumentos
mais fortes utilizados para defender a inclusão das actividades de investigação no currículo,
é a possibilidade que a realização destas actividades dá, aos alunos, de contactar com uma
parte fundamental da Matemática (Abrantes et al, 1999) que, geralmente, não lhes é dada a
conhecer por outro tipo de actividade. Isto porque, ao traduzirem o tipo de trabalho
desenvolvido pelos matemáticos profissionais, as actividades de investigação colocam os
alunos em contacto directo com o processo de criação matemática, no qual estão inerentes
a natureza do conhecimento e da actividade Matemática, assim como os processos de
produção de conhecimento matemático característicos. (Silva, Veloso, Porfírio e Abrantes,
1999)
Nesse sentido, acredita-se que ao viverem experiências desta natureza os alunos
poderão desenvolver uma visão mais correcta e abrangente da Matemática, encarando-a
como algo que as pessoas fazem e não como algo que as pessoas já fizeram (Kissane, 1988)
e envolver-se em experiências matemáticas significativas. A significância destas actividades
relaciona-se com o facto de as mesmas surgirem num contexto desafiador para os alunos,
no qual o seu envolvimento assume um papel fundamental para a concretização das
actividades e em que as suas experiências e processos individuais são também valorizados.
Dessa forma, os alunos sentem-se mais comprometidos com a actividade e isso traduz-se
numa maior motivação e interesse pelo sucesso da mesma (Mendes, 1997).
O contexto em que se desenvolvem estas actividades promove a interacção entre
alunos e entre estes e o professores e favorece, também, o desenvolvimento do sentido
crítico dos alunos, uma vez que com frequência, os mesmos são colocados perante
situações em que é necessário avaliar as estratégias seguidas, de modo a tomar as decisões
adequadas sobre o rumo a seguir. Esta reflexão é habitualmente feita em pequenos grupos
de trabalho, nos quais os elementos partilham as suas ideias, discutem significados e
negoceiam os percursos a adoptar e, dessa forma, contribui para o incremento da
autonomia e confiança dos alunos na utilização da matemática (Matos, 1991).
As capacidades de comunicação e argumentação que se impõem nestas actividades,
constituem provavelmente os argumentos que envolvem maior consenso entre os
investigadores matemáticos, no que toca à relevância educativa das actividades de
investigação. Não sendo capacidades exclusivamente desenvolvidas pela actividade
investigativa, elas assumem especial evidência neste tipo de trabalho, uma vez que são
proporcionadas inúmeras oportunidades de debate e reflexão de ideias matemáticas entre
os seus intervenientes. O ambiente em que decorre o trabalho dá, assim, oportunidade aos
alunos de expressar as suas ideias e apresentarem argumentos que justifiquem as
conjecturas que vão fazendo. Ao fazê-lo os alunos vão clarificando e consolidando o seu
pensamento matemático, o que os ajuda a ter uma melhor compreensão conceptual da
matemática e assim, apreciar o seu valor.

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Assim se conclui que a actividade investigativa apela simultaneamente a capacidades
básicas - como a memorização de conceitos e técnicas de cálculo - como a capacidades de
ordem superior - como conjecturar, argumentar, demonstrar etc. (Christiansen & Walter,
1986). Nesse sentido, a sua realização favorece a interacção e o desenvolvimento
simultâneo de capacidades básicas e de capacidades de ordem superior, uma vez que a
utilização de umas, apoia o aperfeiçoamento das outras (Abrantes, Serrazina e Oliveira,
1999) de forma continuada.
Deste modo, a integração curricular das actividades de investigação, parece dar
ênfase ao desenvolvimento de aspectos da matemática, menos susceptíveis de serem
substituídos pela tecnologia (Kissane, 1988; Lerman, 1989), e proporciona condições para
que a Matemática se torne mais interessante e acessível aos olhos dos alunos. Ao mesmo
tempo que fazem matemática, os alunos aprendem matemática e utilizam a matemática
que já conhecem (Matos e Amorim, 1990), construindo uma base conceptual própria que,
mais tarde, possibilitará a reconstrução do seu conhecimento e a sua aplicação a novas
situações.

A competência matemática

Apesar de ser aparentemente nova, a discussão acerca do conceito de competência,


não se pode afirmar que se trata de um conceito desconhecido, quer no âmbito das
questões de investigação educacional, quer do próprio senso-comum - o que não significa
que exista uma definição consensual acerca do conceito de competência.
Depois de durante várias décadas ter estado associada a diferentes correntes
educacionais, a discussão da concepção de competência, ao nível dos currículos escolares,
continua fazer todo o sentido nos dias de hoje e justifica-se cada vez mais devido à
ineficácia que a escola tem vindo a demonstrar no cumprimento da sua finalidade essencial
– garantir a formação pessoal e social dos indivíduos para que estes se possam integrar
(pelo menos de forma aceitável) na sociedade em que vivem.
No entanto, o debate a que a este nível se assiste, acerca deste conceito, não reduz a
ideia de competência a uma aplicação directa de saberes adquiridos previamente. Philippe
Perrenoud e Guy Le Boterf têm dedicado grande atenção a esta temática no campo da
educação e caracterizam este conceito de forma semelhante. Perrenoud (2003) defende que
a competência é um saber “em acção” ou “em uso” e opõe-o ao “saber inerte”, na medida
em que se distingue pela capacidade do individuo para organizar, adequadamente e em
situação, toda uma variedade de saberes, predisposições e capacidades de que dispõe e são
requeridas para a situação com que se depara. Por sua vez, Le Boterf (1994) compara a
competência a um “saber-mobilizar”, defendendo que a mesma não se reduz a um saber,
nem a um saber-fazer, uma vez que o facto de um indivíduo possuir conhecimentos ou
capacidades não significa que o mesmo seja competente. Nesse sentido, conclui que a

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passagem à competência se realiza na acção, isto é, quando o indivíduo utiliza aquilo que
sabe num contexto singular (Le Boterf, 1994).
As dificuldades relativas a este processo (de passagem à competência) tem sido uma
das principais críticas apontadas à escola, na medida em que a mesma se tem preocupado
essencialmente com a transmissão de conhecimentos, deixando para segundo plano a
aplicação dos mesmos a situações concretas. Esta realidade tem-se reflectido nas diferentes
áreas da sociedade, destacando-se em particular o mercado de trabalho que, com
frequência, se queixa da inadequação da preparação proporcionada pela escola. Neste
sentido, torna-se crucial que a escola tenha bem presente a ideia de que a aquisição de
conhecimentos só é relevante, quando integrada num conjunto amplo de competências -
que cada indivíduo vai desenvolvendo ao longo da vida e que lhe permitirão relacionar
constantemente os saberes com a sua operacionalização. Caso contrário, os conhecimentos
acumulados ao longo de 10 a 15 anos de escolaridade permanecem inúteis, não fazendo
qualquer sentido para a maioria dos alunos.
É, de facto, muito importante ter presente que um currículo orientado para o
desenvolvimento de competências não pretende “substituir” os saberes por competências.
Isto é, não desvaloriza os conhecimentos, mas procura torná-los relevantes, uma vez que
não existem competências sem saberes, pois estes constituem recursos indispensáveis para
que a competência se desenvolva (Le Boterf, 1994).
Em síntese, poderá afirmar-se que a ideia de competência considerada neste estudo está de
acordo com as ideias defendidas por Le Boterf (1994) e Perrenoud (2003)
A noção de competência matemática envolve o próprio conceito de competência e
aplica-se em particular à área da Matemática. Como tal, este conceito parece estar
relacionado com o conceito de literacia matemática, adoptado nos estudos de literacia
internacionais, como é o caso do PISA – Programme for International Student Assessment
(OCDE 2000, 2003) onde pode ler-se:

“ A literacia matemática no PISA é definida como a capacidade de um indivíduo


identificar e compreender o papel que a matemática desempenha no mundo, de fazer
julgamentos bem fundamentados e de usar e se envolver na resolução matemática das
necessidades da sua vida, enquanto cidadão construtivo, preocupado e reflexivo.”

OCDE (2003), GAVE (2004) p.11

De facto, neste mesmo estudo, o próprio conceito de literacia adoptado, diz respeito à
“capacidade de os alunos aplicarem os seus conhecimentos, analisarem, raciocinarem e
comunicarem com eficiência, à medida que colocam, resolvem e interpretam problemas
numa variedade de situações” (p.6), o que se aproxima grandemente da noção de
competência acima considerada – uma vez que pressupõe a mobilização do conhecimento
de forma consciente e com uma determinada finalidade.

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Assim, pode concluir-se que a competência matemática se afasta da ideia de que
saber matemática se traduz apenas pelo domínio de factos e procedimentos matemáticos
mas, pelo contrário, relaciona-se com o uso mais abrangente e funcional da matemática
(OCDE, 2003). Nesse sentido, o desenvolvimento da competência matemática dos alunos
procura fomentar a compreensão e a apreciação da natureza da matemática - envolvendo o
conhecimento das ideias matemáticas e das suas relações - e, assim, conduzir à
apropriação de aspectos essenciais do raciocínio matemático. Este é um processo gradual,
que se vai desenvolvendo ao longo dos vários anos, que constituem a escolaridade básica e
que exige a vivência de experiências matemáticas ricas e diversificadas e uma reflexão
sobre essas mesmas experiências (DEB, 2001; APM, 2001), que caberá à escola
proporcionar.

Ser matematicamente competente na escola básica

De uma forma muito sintética a APM (2001) defende que ser-se matematicamente
competente implica ter, não apenas o domínio dos conhecimentos matemáticos
necessários, como também a capacidade para os identificar e mobilizar em situações
concretas, assim como a disposição para o fazer efectivamente.
Esta ideia é convergente com o definido no Currículo Nacional do Ensino Básico (DEB,
2001) que, defende uma perspectiva integradora das atitudes, das capacidades e dos
conhecimentos relativos à matemática, para caracterizar o conceito de ser
matematicamente competente. Neste documento, para o caracterizar são utilizados termos
como a “predisposição”, a “aptidão” ou a “capacidade” e a “tendência”, advogando-se que
estes constituem componentes nucleares de uma cultura matemática básica, a desenvolver
por todos os alunos (DEB, 2001). Esta caracterização permite percepcionar a abrangência da
ideia de “Ser matematicamente competente” uma vez que, por um lado, envolve aspectos
que se relacionam particularmente com a matemática (como por exemplo a compreensão
de noções de conjectura, teorema, demonstração) e por outro, diz também respeito a
aspectos relacionados com a comunicação e a auto-confiança para realizar actividades
intelectuais, que são transversais a outras áreas disciplinares.
Um dos aspectos mais inovadores deste conceito, e ao qual é dada particular
relevância, prende-se com a necessidade de os alunos reconhecerem que a validade de
uma afirmação se relaciona com a consistência da argumentação lógica apresentada pelos
alunos e não com uma autoridade externa. Esta perspectiva é reveladora da defesa de uma
nova cultura de sala de aula, em que os alunos assumem um papel mais preponderante e
onde se apela à sua capacidade de argumentação e autonomia. Além disso, a ideia de
competência matemática é mais abrangente que a competência de cálculo, a que a
matemática está fortemente associada, uma vez que a mesma pressupõe o
desenvolvimento de hábitos de pensamento matemático e a apropriação de aspectos

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essenciais do raciocínio matemático. Neste sentido, poderá afirmar-se que ser
matematicamente competente na escola básica envolve a mobilização de saberes
(culturais, científicos e tecnológicos) para compreender a realidade e para abordar situações
e problemas específicos, utilizando instrumentos que favoreçam o uso de linguagens
adequadas para expressar essas ideias (DEB, 2001).
Porém o que se considera hoje ser matematicamente competente, não pode ser
assumido de forma inquestionável, uma vez que este conceito está de acordo com a
maturidade dos próprios alunos e varia consoante os níveis de exigência da sociedade e a
evolução científica e tecnológica em cada época. Se no passado, o desenvolvimento de
competências de cálculo e resolução de situações de carácter rotineiro se mostrou
suficiente para a integração dos alunos na sociedade, a complexidade da sociedade actual
tornou indispensável a redefinição das competências básicas em Matemática. Actualmente,
o conceito de competência matemática está relacionado com a diversidade de contextos
onde a Matemática está subjacente e com a generalização da utilização de meios
tecnológicos no nosso quotidiano. Por essa razão se defende que as competências da
matemática, actualmente, devem centrar-se no desenvolvimento de processos mentais
[como a compreensão e o raciocínio], não substituíveis pelo conhecimento de
procedimentos ou regras mecanizadas, que os recursos tecnológicos podem efectuar
(Lerman, 1989).

Opções Metodológicas

Com o presente estudo pretendia analisar-se o contributo que a realização de


actividades de investigação tem para o desenvolvimento da competência matemática dos
alunos, no 1º ciclo do Ensino Básico e, nesse sentido foram definidas, as seguintes questões
de investigação: (i) Como se envolvem os alunos do primeiro ciclo na realização de
actividades de investigação?; (ii) Que processos matemáticos são utilizados pelos alunos ao
desenvolverem actividades de investigação?; (iii) Que aspectos da competência matemática
dos alunos são desenvolvidos com a realização deste tipo de actividade?
A natureza e os objectivos do estudo sugeriram assim a adopção de uma abordagem
metodológica de carácter qualitativo e o estudo de caso como design de investigação, pelo
que a sua componente empírica se traduziu na análise do desempenho dos alunos de uma
turma do 4º ano de escolaridade, sem experiência com este tipo de actividade.
Os métodos de recolha de dados foram diversificados - observação participante,
gravações vídeo das aulas, documentos elaborados pelos alunos e questionário aos
mesmos, no final da experiência - o que permitiu reunir um significativo número de
elementos que contribuíram para caracterizar o fenómeno em estudo. Para analisar os
dados recolhidos a investigadora assumiu uma perspectiva interpretativa (Patton, 1990) e

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seguiu um processo indutivo (Merrian, 1988), procurando compreender o significado dos
acontecimentos testemunhados à luz dos pressupostos teóricos de que partiu.
As opções metodológicas tomadas permitiram uma descrição útil da experiência
vivida pelos alunos envolvidos considerando todo o contexto em que a mesma ocorreu,
deram à investigadora a oportunidade de analisar e interpretar o significado dos
acontecimentos testemunhados como um todo, fazendo-o também do ponto de vista dos
próprios alunos.

Discussão dos resultados obtidos

Os resultados obtidos demonstram que os alunos deste nível de escolaridade se


envolvem neste tipo de actividade com entusiasmo e interesse e reconhecem-lhe
potencialidades para a sua aprendizagem em matemática. Contudo, o seu desempenho
parece ser condicionado pelo grau de estruturação da tarefa e pela apropriação dos
objectivos da mesma. No desenvolvimento da actividade foi frequente a solicitação da
presença do professor para resolver situações de impasse no grupo de trabalho, mas a
mesma parece estar relacionada com a necessidade de legitimação, que os alunos revelam
devido à sua inexperiência na realização de investigações em matemática. Porém, a
oportunidade que os alunos têm de confrontar as suas ideias com os seus pares, parece
favorecer a análise e o aperfeiçoamento das suas ideias matemáticas e conduzir ao
desenvolvimento do conhecimento matemático dos alunos.
Relativamente aos processos matemáticos utilizados pelos alunos destacam-se (i) o
registo e organização de dados, (ii) a procura de regularidades, (iii) a formulação de
conjecturas, (iv) o teste de conjecturas e (vi) a validação de conjecturas. O processo que
mais se evidenciou ao longo do estudo foi a elaboração de conjecturas. Aqueles que
ocorreram com menor frequência ou resultaram do incentivo do professor, prendem-se com
o registo e organização de dados e a procura de regularidades.
Ao desenvolverem processos característicos da produção de conhecimento
matemático os alunos tiveram oportunidade de se aperceber da natureza desse
conhecimento e da própria actividade matemática. A sua implicação no processo de
“decisão”, de um modo a que não estavam habituados, parece ter-se reflectido no grau de
motivação e empenho demonstrados pelos alunos, que desse modos, desenvolveram uma
maior confiança na utilização da matemática e, geralmente, assumiram uma atitude de
cooperação para com os colegas.
A necessidade permanente de discutir com os seus pares, significados e ideias
matemáticas envolvidas na tarefa, de avaliar as estratégias seguidas e tomar decisões
sobre o rumo a seguir, contribuiu para a clarificação e consolidação do pensamento
matemático dos alunos e concorreu para o desenvolvimento das capacidades de
comunicação e argumentação dos mesmos.

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Deste modo, o envolvimento dos alunos neste tipo de trabalho proporcionou
inúmeras ocasiões em que os mesmos recorreram a conhecimentos matemáticos que já
possuíam e, em simultâneo, desenvolveram atitudes e capacidades que, de uma forma
integrada, caracterizam o conceito de ser matematicamente competente.

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