Tem-se utilizado o termo escultura para se referir a coisas bastante
surpreendentes: corredores estreitos com monitores de televisão em seus extremos; grandes fotografias que documentam excursões campestres; espelhos dispostos em ângulos estranhos em habitações comuns; linhas efêmera traçadas no solo do deserto. Aparentemente não há nada que possa proporcionar a tal variedade de experiências o direito a reclamar seu pertencimento a algum tipo de categoria escultórica. A menos que, convertamos dita categoria em algo infinitamente maleável. As operações críticas que tem acompanhado a arte americana do pós-guerra tem trabalhado em grande medida a serviço desta manipulação. Nas mãos dessa crítica, categorias como a escultura ou a pintura tem sido amassadas, estiradas e retorcidas em uma extraordinária demonstração de elasticidade, revelando a forma que um termo cultural pode expandir-se para fazer referência a qualquer coisa. Logo que a escultura minimalista apareceu no horizonte da experiência estética da década de 60, a crítica começou a construir uma paternidade para essas obras, um conjunto de padrões construtivistas com os quais legitimava e autenticava a raridade desses objetos. Plásticos? Produção Industrial?: nada disso era realmente novidade como podiam testemunhar os fantasmas de Gabo, Tatlin e Lissitzky. Não importava que o conteúdo de umas obras não tivesse nada a ver com o conteúdo de outras, que fora de fato exatamente o oposto. Com o passar do tempo entre os anos 60 e 70 a “escultura” começou a identificar- se com montes de fibras sobre o solo, ou madeiras serradas de secóia roladas até a galeria, ou toneladas de terra extraídas do deserto, ou cercas de tronco rodeadas de fossos lamacentos, a palavra escultura se foi fazendo mais difícil de pronunciar. O historiador/crítico se limitou a ampliar temporalmente sua manipulação e começou a construir suas genealogias em termos de milênios, em lugar de décadas. Stone henge, as linhas de Nazca, as pistas de jogo totelcas, os túmulos funerários indígenas...podia recorrer-se a qualquer coisa para justificar a conexão da obra com a história, e desse modo legitimar sua entidade escultórica. Era evidente que tanto Stonehenge como os campos que os totelcas jogavam bola não eram exatamente esculturas, e seu papel como precedentes historicistas começava a causar suspeita. Mas não importava, o engano podia seguir dando resultado, remetendo a toda uma variedade de obras 'primitivistas' realizadas desde princípios do século – a coluna infinita de Brancusi – entre elas - como mediação entre o passado longínquo e o presente. Entretanto, ao fazer tudo isto, o próprio termo que acreditávamos estar resgatando – escultura – havia começado a ficar confuso. Se ocorreu-nos utilizar uma categoria universal para dotar de autenticidade a um grupo de obras em particular, mas havíamos forçado à categoria a abarcar tal heterogeneidade que agora tinha a possibilidade de sofrer um colapso. Caímos na nossa própria armadilha e acreditamos estar fazendo esculturas sem saber o que era a escultura. Entretanto, eu diria que sabemos o que é a escultura. Sabemos que se trata de uma categoria historicamente delimitada, não universal. Igualmente como ocorre com qualquer outra convenção, a escultura tem sua própria lógica interna, um conjunto particular de regras que, embora se possa aplicar a situações distintas, não pode modificar-se demasiado. A lógica da escultura é inseparável, a princípio, lógica do monumento. Em virtude desta lógica, uma escultura é uma representação comemorativa. Assenta-se num lugar específico e fala numa língua simbólica sobre o significado e o uso de tal lugar. A estátua equestre de Marco Aurélio é um monumento deste tipo, disposto no centro do 'Campidoglio', para simbolizar com sua presença a relação entre a Roma Antiga e Imperial e a sede governamental da Roma Renascentista moderna. A estátua da 'Conversão de Constantino' de Bernini, situada aos pés da escadaria vaticana que conecta a Basílica de São Pedro com o coração do papado é outro desses monumentos, um sinal de um lugar concreto para um significado/acontecimento específico. Dado que funcionam em relação a lógica da representação e indicação (marcação), as esculturas 'insistem' ser figurativas e verticais. E seus pedestais são parte importante da estrutura dado que servem de intermediários entre a localização real e o signo representacional. Não há muito mistério nesta lógica; compreensível e habitável, sendo a fonte de uma ingente (grande) produção escultórica durante muitos séculos de arte ocidental. Todavia a convenção não é imutável e chegou um momento que a lógica começou a falhar. Ao final do séc. XIX assistimos o desvanecimento da lógica do monumento. Ocorreu bastante paulatinamente. Mas, há dois caso especialmente chamativos que levam a marca de seu próprio caráter de transição. Tanto as “portas do inferno” de Rodin como sua estátua de Balzac foram concebidas como monumentos. Em 1880, Rodin recebeu a encomendadas portas para um futuro museu de artes decorativas; em 1891 encomendaram-lhe um monumento em memória do gênio literário para uma localização específica em Paris. O fracasso destas duas obras como monumentos não só se reflete em que se pode se encontrar múltiplas versões das mesmas em vários museus de distintos países, porém não existe uma versão em sua localização original, já que nenhuma das duas encomendas chegou a concretizar-se. Seu fracasso, põe-se também de manifesto na própria superfície das obras: as portas foram lavradas e anti- estruturalmente incrustadas até tal ponto que sua superfície revela sua condição inoperante; a estátua de Balzac foi realizada com tal grau de subjetividade que o próprio Rodin acreditava (como testemunha algumas de suas cartas) que nunca chegaria a ser aceita. Poderia se dizer que com esses dois projetos escultóricos se transpassa o limiar da lógica do monumento e se entra no espaço do que poderíamos chamar “sua condição negativa”, numa espécie de deslocalização, de ausência de habitat, uma absoluta perda de lugar. Entramos na arte moderna, no período da produção escultórica que opera em relação a essa perda de lugar, produzindo o monumento como abstração, o monumento como um mero sinal ou base, funcionando deslocalizado e fundamentalmente auto- referencial. Estas duas características da escultura moderna revelam sua condição essencialmente nômade, e daí seu significado e sua função. Mediante a fetichização da base, a escultura se estende para baixo até absorver o pedestal e separá-lo de sua localização; e através da representação de seus próprios materiais ou do processo de sua construção, a escultura representa sua própria autonomia. A arte de Brancusi é um extraordinário exemplo do modo como isto ocorre. Numa obra como 'Galo', a base se converte no gerador morfológico da parte figurativa do objeto; nas cariátides e na coluna infinita, a escultura é toda ela uma base. A base se define deste modo como essencialmente transportável, com o sinal da deslocalização da obra integrada na própria essência da escultura. O interesse de Brancusi por apresentar partes do corpo como fragmentos que tendem para a abstração radical também revela uma ausência de localização, neste caso a localização do resto do corpo, o suporte estrutural que proporcionará um lar às cabeças de bronze ou mármore. Brancusi, Constantin - "Galo" - (Paris, 1924)
Ao constituir a condição negativa do monumento, a escultura moderna se
encontrou com uma espécie de espaço idealista a ser explorado, um âmbito alheio ao projeto de representação temporal e espacial, um veio (filão) inovador e fértil que se podia tomar partido durante certo tempo. Mas era um veio (filão) limitado que começou a ser explorado no início do século XX e começou a dar sinais de esgotamento por volta de 1950. Isto é, começou a experimentar-se cada vez mais como pura negatividade. Nesse momento, a escultura moderna se converteu numa espécie de buraco negro no espaço da consciência, em algo cujo conteúdo positivo resultava cada vez mais difícil definir, em algo que só se podia caracterizar em função do que não era. “a escultura é aquilo com que tropeças quando retrocedes para ver uma pintura”, afirmava Barnett Newman nos anos 50. Se nos remetemos às obras do princípio dos anos 70, provavelmente seria mais preciso afirmar que a escultura havia entrado numa categórica terra de ninguém: a escultura era aquilo que estava em frente a um edifício e que não era o edifício, ou aquilo que estava na paisagem e não era a paisagem. Os exemplos mais claros que se recordam do início da década de 60 são as obras de Robert Morris. Uma delas foi exposta em 1964 na Green Gallery: uma série de unidades quase- arquitetônicas cuja entidade como escultura se reduz quase por completo à simples determinação de que são o que há na habitação que não é realmente a habitação; a outra é a montagem ao ar livre das caixas especulares, umas formas que só distinguem do lugar em que se encontram porque, apesar de estabelecer uma continuidade visual com a grama e as árvores não formam realmente parte da paisagem. Robert Morris, untitled (mirrored cubes), 1965
Neste sentido, a escultura assumia plenamente a condição de sua lógica inversa e
se converteu em pura negatividade: uma combinação de exclusões. Poderia se dizer que a escultura deixava de ser algo positivo e que se transformava na categoria resultante da adição da não paisagem e da não-arquitetura. Em termos diagramáticos, o limite da escultura moderna, a soma de negações seria algo assim:
não-paisagem não-arquitetura
escultura
Agora, ainda que a própria escultura converteu-se numa espécie de ausência
ontológica, em uma combinação de exclusões, em uma soma de negações, isso não significa que os próprios termos a partir dos quais se construía – a não-paisagem e a não-arquitetura – não tiveram certo interesse. Isso se deve a que ditos termos expressam uma oposição estrita entre o construído e o não construído, o cultural e o natural, uma oposição na qual parecia estar suspensa a produção artística escultórica. E a partir de finais da década de 1960, os escultores começaram a focalizar sua atenção nos limites externos desses termos de exclusão. Se bem que ditos termos são a expressão de uma oposição lógica proposta como um par de negações, uma simples inversão permite transformá-los na mesma oposição polar, porém expressada positivamente. Assim, a não- arquitetura não é mais, de acordo com a lógica de certo tipo de expansão, que outra maneira de expressar o termo paisagem, e a não-paisagem é, simplesmente, arquitetura. Pensar em termos complexos supõe admitir na esfera da arte dois conceitos que anteriormente haviam sido proibidos, paisagem e arquitetura, dois termos que podiam servir para definir o escultórico (como havia começado a ocorrer na arte moderna) só na sua condição negativa ou neutra. Ao estar ideologicamente proibido, o termo complexo permaneceu excluído do que podia chamar-se “A clausura da arte pós-renascentista”. Nossa cultura não havia sido capaz anteriormente de pensar o complexo, ao contrário do que ocorre em outras culturas. Os labirintos são ao mesmos tempo paisagem e arquitetura, como o são os jardins japoneses; os campos de jogo ritual e procissional das civilizações antigas, eram os ocupantes inqüestionáveis do complexo. O que não quer dizer que foram uma variação prematura ou degenerada da escultura. Formavam parte de um universo ou um espaço cultural em que a escultura era simplesmente uma parte a mais: não eram equivalentes, como são de certo modo para nossa mentalidade historicista. Seu propósito e sua satisfação residem precisamente em que são opostos e diferentes. O campo expandido gera-se desse modo problematizando o conjunto de oposições entre as que se encontra suspensa a categoria de escultura. Quando isto ocorre, quando um é capaz de conceber o próprio caminho para essa expressão, pode-se - logicamente – outras três categorias, todas elas condições do campo em si e nenhuma assimilável à escultura. Porque como se pode ver a escultura já não é o privilegiado termo médio entre os termos alheios. A escultura não é mais que um termo na periferia de um campo no qual há outras possibilidades estruturadas de diferentes maneiras. E temos conseguido a “autorização” para pensar nessas outras formas. Robert Smithson; Dique em espiral (1969-70)
Parece evidente que numerosos artistas perceberam ao mesmo tempo,
aproximadamente entre 1968 e 1970, a possibilidade (ou a necessidade) de conceber o campo expandido. Um após o outro, Robert Morris, Robert Smithson, Michael Heizer, Richard Serra, Walter de Maria, Robert Irwin, Sol Le Witt, Bruce Nauman...assumiram uma situação cujas condições lógicas já não podem se descrever como modernas. Para se refirir a esta ruptura histórica e a transformação estrutural do âmbito cultural que a caracteriza é preciso recorrer a outro termo. Em outras terrenos da crítica, o termo que se emprega é “pós-modernidade”. Não parece existir nenhuma razão para não utilizá-lo. Mas independente do termo que utilizemos, as evidências estão aí. Por volta de 1970 com seu “lenheiro semi-enterrado” na Universidade do Estado de Kent (Ohio), Robert Smithson havia começado a ocupar o eixo complexo (que denomino construção localizada1 para uma mais fácil referência). Em 1971, Robert Morris se uniu a ele com o observatório em madeira e grama que edificou na Holanda. A partir de então, muitos outros artistas – Robert Irwin, Alice Aycock, John Manson, Michael Heizer, Mary Miss, Charles Simonds – exploraram esta nova série de possibilidades. Do mesmo, a possível combinação de paisagem e não-paisagem começou a ser explorada ao final da década de 1960. O termo lugares marcados2 se utilizava para identificar obras como “dique em espiral” de Robert Smithson (1970) e “Duplo Negativo” de Heizer (1969), e também pode aplicar-se a alguma das obras realizadas nos anos 70
1 Site construction no original inglês.
2 Marked sites no original inglês. por Serra, Morris, Carl André, Dennis Oppenheim, Nancy Holt, George Trakis e muitos outros. Mas o termo também remete a outras formas de marcação além das manipulações físicas de lugares. Estas formas podem basear-se na aplicação de sinais permanentes – as depressões de Heizer, as linhas temporais de Oppenheim, ou o desenho de uma milha de comprimento de De Maria, por exemplo – ou servir-se da fotografia. Os “deslocamentos espelhados em Yucatán” de Smithson foram provavelmente os primeiros exemplos amplamente difundidos disto; a partir de então, o trabalho de Richard Long e Hamish Fulton se centrou na experiência fotográfica de sinalização. A “cerca contínua” de Christo pode se considerar um exemplo efêmero, fotográfico e político de sinalização de um lugar. Os primeiros artistas que exploraram as possibilidades da arquitetura mais a não- arquitetura foram Robert Irwin, Sol Le Witt, Bruce Nauman, Richard Serra, e Christo. Em todas estas estruturas axiomáticas se produz certo tipo de intervenção no espaço real da arquitetura, umas vezes mediante a reconstrução parcial, outras através do desenho, e outras, como no caso das obras de Morris (1978), mediante o emprego de espelhos. Igualmente a categoria dos lugares marcados (sinalizados), aqui também pode-se utilizar a fotografia; pensando concretamente nos corredores de vídeo de Nauman. Mas independente do meio empregado, a possibilidade que explora esta categoria é um processo de representação gráfica de traços axiomáticos da experiência arquitetônica – as condições abstratas de abertura e fechamento – sobre a realidade de um determinado espaço. O campo expandido que caracteriza este âmbito da pós-modernidade apresenta os traços implícitos na descrição anterior. Um deles corresponde à pratica de cada um dos artistas; o outro tem a ver com o assunto do meio. Em ambos casos, as limitadas condições da arte moderna sofreram uma ruptura logicamente determinada. Ao que diz respeito à prática individual, resulta fácil ver que muitos dos artistas em questão encontraram a si mesmos ocupando, sucessivamente, diferentes lugares no seio do campo expandido. E ainda que a experiência do campo sugere que esta contínua relocalização das próprias energias é completamente lógica, uma crítica de arte todavia escrava da ética moderna tem se mostrado majoritariamente receosa com este movimento, tachando-o de eclético. Este receio em relação a uma trajetória que se move contínua e erraticamente além do domínio da escultura deriva obviamente da exigência moderna de pureza e independência nos distintos meios (e a necessária especialização do artífice num meio determinado). Entretanto, o que desde um ponto de vista apresenta- se como eclético, desde outro pode se considerar rigorosamente lógico. Na situação da pós-modernidade, a prática não se define em relação a um determinado meio – a escultura -, e sim em relação às operações lógicas sobre um conjunto de termos culturais, para as que pode se utilizar qualquer meio – fotografia, livros, linhas na parede, espelhos ou a própria escultura. Deste modo, o campo proporciona ao artista um conjunto finito porém ampliado de posições relacionadas a empregar e explorar, assim como uma organização da obra que não está ditada pelas condições de um meio em particular. Sobre a base da estrutura traçada acima, é óbvio que a lógica do espaço da prática pós-moderna já não se organiza em torno à definição de um determinado meio baseado em um material ou na percepção de um material. Organiza-se pelo contrário através do universo de termos que se consideram em oposição no seio de uma situação cultural. (O espaço pós-moderno da pintura implicaria obviamente uma expansão similar em torno a um conjunto de termos diferentes ao par arquitetura/paisagem, um conjunto que provavelmente ativaria a oposição unicidade/reprodutibilidade.) Do que se deduz, portanto, que qualquer das posições geradas pelo espaço lógico dado, poderiam se empregar muitos meios diferentes, assim como que qualquer artista poderia ocupar , sucessivamente, qualquer das posições. E também parece ser que na posição limitada da própria escultura, a organização e o conteúdo de muitas obras mais poderosas refletirá a condição do espaço lógico. Pensando na escultura de Joel Shapiro, que ainda se situa no termo neutro, está implicada na fixação de imagens arquitetônicas em campos (paisagens) espaciais relativamente vastos. (Estas considerações são aplicáveis, obviamente, a outras obras, entre elas os trabalhos de Charles Simonds e os de Ann e Patrick Poirier.) Insisti que o campo expandido da pós-modernidade aparece num momento específico da recente (1978) história da arte. É um acontecimento histórico com uma estrutura determinante. Considero extremamente importante traçar o mapa dessa estrutura, e isso é o que comecei a fazer aqui. Mas em realidade, dado que trata-se de um assunto histórico, também é importante explorar uma série de questões mais profundas que vão além da mera elaboração de um mapa e que requerem um explicação. Ditas questões tem a ver com a causa fundamental - as condições de possibilidade - que produziram a mudança para a pós-modernidade, assim como os determinantes culturais da oposição através da qual se estrutura um campo dado. Trata-se obviamente de uma aproximação à reflexão histórico-formal diferente ao desenho de elaboradas árvores genealógicas próprio da crítica historicista. Pressupões a aceitação de rupturas definitivas e a possibilidade de contemplar os processos históricos desde o ponto de vista da estrutura lógica. KRAUSS, Rosalind E. La originalidad de la Vanguardia y otros mitos modernos. Alianza Editorial: Madrid, 2006. Título Original: The Originality of the Avannt Garde and Other Modernist Myths