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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

ESCOLA NORMAL SUPERIOR


CURSO DE PEDAGOGIA

CULTURA ESCOLAR E CIDADANIA: ESTUDO SOBRE UMA ESCOLA DA REDE


PÚBLICA DE MANAUS

CARLOS ALBERTO SARAIVA MONTEIRO

Manaus, julho de 2009


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CARLOS ALBERTO SARAIVA MONTEIRO

CULTURA ESCOLAR E CIDADANIA: ESTUDO SOBRE UMA ESCOLA DA REDE


PÚBLICA DE MANAUS

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC


apresentado como requisito parcial à
obtenção do grau de licenciado em
Pedagogia pela Universidade do Estado do
Amazonas.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Bastos


Seráfico de Assis Carvalho

Manaus, julho de 2009


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TERMO DE APROVAÇÃO

CARLOS ALBERTO SARAIVA MONTEIRO

CULTURA ESCOLAR E CIDADANIA: ESTUDO SOBRE UMA ESCOLA DA REDE


PÚBLICA DE MANAUS

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para a obtenção do


grau de Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas, pelo
Professor Examinador.

_____________________________________________
Examinador

Manaus, julho de 2009


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Aos meus pais Obadias e Lucimar (Lúcia) que dedicaram


suas vidas a mim, pelo carinho e cuidado. Aos meus amigos e
irmãos Mário Lúcio, Nixon Marinho, Ederaldo Santos e Elias
Montenegro pelo carinho, apoio e incentivo, dedico-lhes essa
grande conquista deixando a todos um grande abraço carinhoso.
Valeu pessoal!
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, aos meus pais Obadias e Lucimar (Lúcia) que sempre me deram
muito amor e incentivo;
Aos meus amigos e irmãos Mário Lúcio, Nixon Marinho, Ederaldo Santos, André
Belo, Elias Montenegro por me fortalecerem durante momentos difíceis;
Agradeço ao meu orientador pela paciência e incentivo com que sempre me acolheu na
concretização desse trabalho.

Força Sempre !
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Não sabemos como ensinar as pessoas a serem


astutas ou virtuosas, mas sabemos, com limitações,
como ensiná-las a serem racionais: é apenas
necessário reverter a prática das autoridades em
educação em todos os detalhes.
Podemos no futuro aprender a gerar virtude ao
manipular glândulas sem duto, e impulsionar ou
diminuir suas secreções. Mas no momento é mais
fácil criar racionalidade do que virtude –
entendendo-se por ―racionalidade‖ o hábito
científico da mente de prever os efeitos de nossas
ações.

Bertrand Russell, em Ensaios Céticos


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RESUMO

Esta pesquisa tem o objetivo de compreender se a cultura de uma escola do município de


Manaus contribui para a formação de sujeitos críticos e politicamente ativos. Tendo como
objetivos específicos os de identificar quais os principais valores que norteiam a cultura
escolar da escola, conforme expressa no Projeto Político Pedagógico; analisar se esses valores
são efetivamente aplicados nas atividades escolares; e por último, compreender se os valores
efetivamente aplicados nas atividades escolares estimulam a formação de alunos crítico-
reflexivos. A pesquisa na escola mostrou o que é expresso no P.P.P. não é praticado no
cotidiano das relações escolares. Por sua vez, os responsáveis pelo cumprimento do P.P.P.
freqüentemente revelam desconhecê-lo ou divergir dos pressupostos nele apresentados.
A escola, na prática, não se revela como um local democrático porque não busca a
participação dos sujeitos escolares (comunidade, professores e alunos) nas tomadas de
decisão. O referido trabalho possui um enfoque voltado para um método crítico-dialético,
sendo o resultado de pesquisa bibliográfica e de campo, tendo como referência teórica os
estudos de Hall (1997), Lahire, (2004) Luckesi (1994), Luck (2007), Dubet (2008) e Dalari
(1998).

Palavras-chave: escola, cultura escolar, cidadania, capitalismo.


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ABSTRACT

The aim of this research is to understand if the culture of a public school of Manaus
contributes to form critical and politically active individuals. The specific objectives are to
identify the principal values in the school culture as exposed in the Political-Pedagogic
Project; to analyse if those values are applied in school activity; and last, to understand if the
values applied in the school activity are stimulating in the formation of critical-reflexive
students. The research in the school showed that what is exposed in the P.P.P. doesn‘t
correspond to effective practices in school social relations. Often, the agents responsible for
the P.P.P. don‘t either know about or agree with the orientations presented by the document.
School, in practice, is not a democratic space because its practices are not oriented by the
ideal of stimulating participation of its agents in decisions that regard their school interests
(community, teachers and students). This work is inspired by critical-dialetical method and
was conducted through field and bibliographic research, with reference in studies of
Hall(1997), Lahire(2004), Luckesi (1994), Luck (2007), Dubet(2008) e Dalari (1998).

Key-words: school, school culture, citizenship, capitalism


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SUMÁRIO

Introdução .......................................................................................................................... 10
PARTE I ......................................................................................................................... 15
1. A cultura escolar na sociedade capitalista .................................................................. 15
1.1. Cultura escolar e cidadania ..................................................................................... 23
2. Metodologia .................................................................................................................... 30
2.1. História e experiência na análise da cultura escolar .................................................... 30
2.2. Hipótese da pesquisa .............................................................................................. 31
2.3. Central ....................................................................................................................... 31
2.3.1. Complementares ................................................................................................ 31
3. O processo de construção dos dados empíricos ............................................................. 32
3.1. Entrevistas ............................................................................................................. 34
3.2. Documento analisado ................................................................................................. 35
PARTE II ........................................................................................................................... 36
A CULTURA ESCOLAR EM UMA INSTITUIÇÃO ESTADUAL DE ENSINO
FUNDAMENTAL EM MANAUS.................................................................................. 36
4. As contradições da cultura escolar: entre o P.P.P. e a prática cotidiana ...................... 36
Considerações finais ....................................................................................................... 49
Referências ................................................................................................................. 50
Anexo .............................................................................................................................. 53
10

Introdução

Esta monografia analisa a cultura escolar de uma instituição de ensino fundamental


pertencente à rede pública do município de Manaus. Busca-se saber se ela contribui para a
formação de sujeitos críticos e politicamente ativos. Para tanto, através da análise do Projeto
Político-Pedagógico da escola, identificaram-se os principais valores e práticas que, em tese,
deveriam nortear os agentes escolares; observou-se em que medida esses valores e práticas, de
fato, orientam esses agentes; e buscou-se compreender que valores e práticas efetivamente
caracterizam o cotidiano escolar.
A escola é hoje uma das instituições mais polêmicas principalmente em nosso país.
Ela nos angustia e nos confunde, tanto porque somos bombardeados a todo o momento pelo
diversos aparelhos ideológicos do Estado, a idéia de que a educação é o passaporte para futuro
e para uma melhoria de vida da qual tudo compete ao indivíduo para que isso se realize.
Colocando a escola como ambiente neutra da exclusão social e das péssimas condições de
ensino no sistema público em todo o país.
A escola tem um papel importante em nossas vidas, mas qual a importância que
encontramos além da formação para o mercado de trabalho? Valorizamos uma escola que está
no mundo das idéias, ou seja, que a educação é para toda a vida, mas, não vemos outro
significado que não seja de atender o mercado de trabalho. Essa visão não é de agora, desde
muito, ela é reforçada por pequenos grupos sociais que governam o país direcionando rumos a
educação. E a escola se constitui em local prático de assimilação de conteúdos e valores, de
promessas de uma vida melhor, e, portanto, de uma boa vaga no mercado de trabalho. Porém,
a escola praticada na prática é uma escola que não tem condições de melhorar a situação
social de um povo. De um lado, grande parte da população vive na pobreza e miséria, de
outro, uma minoria que detêm todo o poder político e econômico torna-se cada vez mais rica.

Tanto mais pobre seja uma nação, mais baixos padrões de vida das classes inferiores,
maior será a pressão dos estratos superiores sobre elas, então consideradas desprezíveis,
inatamente inferiores, na forma de uma casta de nenhum valor. As diferenças
acentuadas no estilo de vida entre aquelas de cima é as de baixo apresentam-se como
psicologicamente necessárias (FREIRE, 2003, p.94).

A desigualdade que entendemos como algo predestinado e não como uma condição
real de existência é difundida não somente pela escola. Mas não podemos negar que esta
instituição em particular é uma das instituições mais eficazes para naturalização dos fatos.
Isso é o resultado vivo das ideologias e políticas que fragmentam cada vez mais os grupos
sociais. Daí a dificuldade de reconhecer a escola como um verdadeiro local de transformação
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social. De muitas dificuldades, podemos apontar o comprometimento e os interesses diversos


dos envolvidos diretamente e indiretamente na educação, na economia e no governo.
Interesses não favorece grande parte da população. O que nos leva a perguntar ―como
construir solidariedades que sustentem (na escola e fora dela) nossas lutas por maior eqüidade
e justiça social? (SILVA, 1998, p.379).
Duvidamos da escola, esse local, tido como um campo de confusões e expectativas
mal-dimensionadas, seja por parte de professores e alunos, seja por parte dos pais, que
esperam tudo dela, até mesmo a responsabilidade total de ensinar valores como
comportamento, respeito e princípios que deveria ser fornecida pela própria dinâmica
familiar.
Podemos criticar a escola e a educação que ela buscou inicialmente, existente na sua
origem e finalidade, tendo como referência; a educação do homem antigo em Atenas e
Esparta, que era imposta pelos proprietários com a finalidade de perpetua-se no poder.

Para ser eficaz, toda educação imposta pelas classes proprietárias deve cumprir as três
finalidades essenciais seguintes: 1° destruir os vestígios de qualquer tradição inimiga, 2°
consolidar e ampliar a sua própria situação de classe dominante, e 3° prevenir uma
possível rebelião das classes dominadas (PONCE, 1986, p.36).

E mesmo tendo como espelho a educação da antiguidade clássica, não foram motivos
suficientes para sociedade contemporânea, dedica-se a escola; o melhor dos esforços é
convertê-la numa causa mais ampla, democrática e de certa maneira generosa. E para isso, é
necessário desprendermo-nos definitivamente da idéia de que a escola de qualidade é a escola
tida como de excelência na sociedade capitalista na formação de um indivíduo extremamente
competitivo e individualista. A ―educação deve ter por meta essencial reforçar em cada
indivíduo o ser social, o membro de uma de uma coletividade bem definida no tempo e no
espaço, e caracterizada por orientações culturais específicas‖ (FORQUIN, 1993, p.125).
A escola democrática que almejamos não está apenas no seu aspecto estrutural e cheia
de conteúdo, ela deve surgir com o acesso à informação dos pequenos grupos menos
favorecidos e que estão do lado de fora dos muros escolares, constituindo laços éticos e
interesses para o bem comum. O indivíduo recebendo educação, possui a oportunidade de ser
participativo nas relações sociais em grupo deixando de ser excluído. Dessa maneira, ―quanto
mais crítico um grupo humano, tanto mais democrático e permeável, em regra‖ (FREIRE,
2003, p.103).
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Essa maneira de olhar para a educação não é de hoje, na antiguidade clássica, a


finalidade da educação para Aristóteles deveria ser para ―[...] o bem moral no qual consiste a
felicidade. Esta deve ser entendida como a plenitude da realização do humano no homem‖
(ROSA, 2001, p.48).
Michel de Montaigne, escritor e pensador francês do período renascentista, defendia
uma educação que não fosse alienada da vida. Na sua obra Ensaios, Montaigne faz críticas a
um ensino severo e violento do seu tempo: ―I condemn all violence in the education of a
tender soul that is designed for honour and liberty. and I am of opinion that what is not to be
done by reason, prudence, and address, is never to be affected by force 1‖ (1877, p.418).
Temos uma educação livresca e alienada da vida, uma educação preocupada em
formar alguém para o emprego, automação do trabalho e mão-de-obra especializada; dessa
forma, o ensino é para alguém obter condições mínimas para trabalhar num mundo em que o
trabalho é bastante competitivo, e com isso, perde-se a direção de um ensino para vida e para
todos.
Acreditamos que a educação antes de tudo, deve formar o indivíduo para a vida, e não
apenas para o mercado de trabalho, ou melhor, para atender os interesses impostos por um
sistema econômico. ―Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou construção‖ (FREIRE, 2003, p.47).
No Brasil, a finalidade que se deve entender da educação é assegurado. A LDB (Leis
de Diretrizes e Bases) diz, nos princípios e fins da educação, que ―a educação escolar deverá
vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social‖ (BRZERZINSKI, 2003, p.246). Mas o
repleto caminho que a educação seguiu até os dias de hoje vem de contradições justo à sua
finalidade.
O tema se reveste de particular interesse pelo fato de que sobre a educação repousam
muitas das esperanças relativas à mudança social. Dentre elas, a de querer formar um aluno
cidadão e para isso, a importância de compreender como a escola forma esse sujeito para a
cidadania.
A contribuição social desse projeto seria refletir sobre alguns dos constrangimentos
escolares que obstruem a formação de alunos críticos a partir de um estudo empírico. Do
ponto de vista pessoal posso dizer que a minha aproximação do tema se deu por uma questão
própria da minha biografia. As minhas relações pessoais e impessoais com a família, trabalho

1
Condeno toda a violência na educação de uma oferta que a alma é designada para honra e liberdade. E eu sou
de opinião de que o que não está a ser feito pela razão, a prudência, e comunicação, nunca é para ser feito pela
força.
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e escola trouxeram dúvidas e inquietações, sendo elas as matrizes iniciais das minhas
observações e anotações.
Por um lado, interessava-me saber como problemas tais quais os do desemprego,
fome, miséria, corrupção e cidadania estão articulados com a escola, por exemplo, tinham
relação com a educação e, por extensão, para a construção do meu tema de trabalho. Por outro
lado, saber se a escola se preocupa em formar um aluno crítico e reflexivo, se por meio do
Projeto Político Pedagógico ela pode formar um aluno cidadão-militante ou que tipo de aluno
a escola busca formar por meio da educação em sala de aula.
Em tese, a escola envolve a crença de que visa formar um aluno cidadão. No entanto,
na prática, a escola parece ser um espaço social em que valores e conhecimentos voltados
exclusivamente para a formação para o mercado de trabalho são reproduzidos. Se assim é,
pode-se dizer que há uma incoerência entre o papel que se atribui à escola e o papel que ela
efetivamente desempenha.
Vivemos numa sociedade em que predomina um modelo econômico baseado no
acúmulo privado de riquezas. Conseqüentemente, os bens materiais e culturais concentram-se
nas mãos de uma minoria enquanto a maioria da população não pode desfrutar dos benefícios
e do que é produzido por esta sociedade.
À maioria estão reservadas condições mínimas de existência, o que os condena à
pobreza e, muitas vezes, miséria.
Não obstante o fato de que a riqueza se concentre nas mãos de uma minoria, esta
também experimenta os efeitos das desigualdades geradas no modo de produção capitalista. A
violência urbana, a degradação ambiental, o surgimento de doenças levaram alguns filósofos,
pesquisadores e grupos sociais a questionar esse modelo de sociedade na tentativa de
encontrar soluções para esses problemas. Que papel, então, a educação pode desempenhar
para modificar essa sociedade?
É corrente a idéia de que a educação, particularmente as escolas e as universidades,
pode contribuir decisivamente para a mudança social. Através dela os alunos, acredita-se,
podem tomar consciência da realidade e, em o fazendo, agir de modo a transformá-la.
A possibilidade de avaliar em que medida essa expectativa tende a ser ou não atendida
pelas escolas, está condicionada pela cultura que orienta a educação escolar, a educação
formal, institucionalizada, sistematizada pelo Estado e por ele mantida e fiscalizada.
O que pretende-se nesta investigação é, portanto, analisar se a relação entre professor e
aluno numa escola com turma de 5º. ano da rede pública de Manaus contribui para formar o
cidadão crítico e por que isso acontece.
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PARTE I

1. A cultura escolar na sociedade capitalista

Diversas perspectivas teóricas sugerem que a escola, vista como local de


transformação social, é muitas vezes um mito. O currículo, a formação dos professores, as
crenças e práticas dos agentes envolvidos no fazer escolar revelam, com freqüência, a
reprodução de uma cultura de formação de indivíduos dóceis e não reflexivos, como aponta
Silva (2006). ―O modo como a escola vem se organizando tem reforçado mecanismos
geradores de adaptação e dominação‖ (p.203).
Se a escola se funda em conceitos, valores e práticas que visam a adaptação do
indivíduo à sociedade, qual a relação entre educação escolar e cidadania na sociedade
capitalista?
A partir do início do século XVIII ocorreram mudanças significativas na economia dos
países tidos como potências ocidentais, surgindo novas formas de produção houve um grande
avanço na tecnologia e nas ciências. Com isso, encurtaram-se as distâncias geográficas entre
os continentes com avanços dos meios de comunicação que, aproximado as diversas culturas,
tende a homogeneizar um padrão de vida no planeta.
Com o avanço da industrialização, os processos de produção, distribuição e consumo
de mercadorias, expandiram-se a produção em massa e a concentração dos meios de
produção. Simultaneamente, a maioria dos habitantes do planeta permaneceu na pobreza,
convivendo com o emprego precário, com o subemprego ou com o desemprego de sua força
de trabalho. O Zoual afirma que:

O sistema em questão é programado para estender ao infinito sua hegemonia e sua


exploração da diversidade humana e dos recursos naturais. Ele define e codifica tudo o
que possa aumentar seus lucros e destrói tudo o que não responde a sua cultura de
domínio e acumulação. Nessa seleção, a diversidade do mundo humano e ecológico
corre riscos irreversíveis (p.38).

A escola propõe valores e princípios voltados para a formação cidadã do educando.


Esses valores se originam do sistema burocrático de controle, norteiam a formulação dos
Projetos Políticos Pedagógicos e se afirmam nas práticas adotadas pelas coordenações
pedagógicas e pelos docentes, em suas relações com os alunos. Os conteúdos curriculares
ministrados pelos professores visam formar indivíduos capacitados a ingressar no mercado de
trabalho e dotado de consciência crítica que o habilite a exercer a cidadania.
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Usualmente, define-se educação como ação de ensinar e aprender pela qual os seres
humanos aprendem regras, valores. Sua finalidade é socializar os indivíduos para que possam
integrar-se à vida coletiva. Educação e cultura tem estreita aproximação, pois ―[...] o que é a
educação senão o processo através do qual a sociedade incute normas, padrões e valores, em
resumo a ―cultura‖ [...]‖ (HALL, 1997, p.24). Portanto, em alguns momentos, o uso da
palavra educação, não será apenas feito no seu sentido cognitivo e sim como parte integrante
da cultura.
A finalidade da educação é construir esse conhecimento para a prática social do
homem, ou seja, valores, princípios, direitos para que este venha a entender as relações sociais
que produz e em que é produzido. Segundo Freire ―não há educação fora das sociedades
humanas e não há homem no vazio‖ (2003, p.43).
O acesso à educação tem se modificado ao longo do tempo. Na antiguidade clássica
ela era para poucos. Na modernidade pretende-se que seja para todos. Seja qual for o contexto
histórico, porém, a educação se configura tanto como um meio através do qual as relações de
dominação política e econômica adquirem feições especificamente ideológicas, quanto pode
ser um meio de resistir à dominação, desenvolvendo em seus agentes atitudes críticas e
reflexivas (FREIRE, 2003).
Numa sociedade em que as relações de produção se organizam, predominantemente,
em torno da venda e compra de mercadorias no mercado, não deveria estranhar que a
educação – e a escola, em particular – se converta, ela também, numa linha de montagem da
mercadoria força de trabalho.
Formar para o mercado significa ajustar o indivíduo à idéia de que a realidade que
existe é a única possível e mesmo desejável. Quando muito, estimula-se atitude que busque
melhorar a sociedade como é. Temas como dominação, opressão e desigualdade, sob essa
óptica, são naturalizados, tratados como se fossem fatos determinados pela natureza das
coisas, e não como decorrentes de relações, processos e estruturas sociais, produzidos
historicamente por homens e mulheres.
Para que assim seja, ocorre a mediação do Estado, que, ao mesmo tempo em que tende
a reiterar esse papel da educação – e, particularmente, da escola - associa-se à cidadania, à
capacidade de cada um exercer criticamente seus direitos e de cumprir seus deveres. Em uma
palavra, numa sociedade de iguais perante a lei. Sendo assim, a escola reproduz os valores
que sustentam o próprio Estado, portanto, os valores em torno dos quais se organiza o sistema
socioeconômico vigente.
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Atualmente, entende-se que a escola é um espaço de socialização no qual tende a


predominar uma visão instrumental, visão esta caracterizada pela idéia de que a educação é,
antes de mais nada, uma forma de moldar os indivíduos para que se convertam em força de
trabalho qualificada às demandas do mercado de trabalho.
Podemos definir a escola como uma instituição de ensino com características
padronizadas do conhecimento e da produção humana. A escola é uma instituição da
sociedade que embora seja submetido às leis sociais, é dotada de leis próprias como o horário,
conduta, disciplina, atividades e com isso, a escola possui finalidades específicas lugar onde
ocorre disputas, conflitos e lutas ideológicas entre os envolvidos nesse processo como os
alunos, professores, gestores, pedagogos, e até mesmo, os funcionários administrativos e a
comunidade. A escola é um lugar ―[...] de relações de força que implicam tendências
imanentes e probabilidades objetivas‖ (BOURDIEU, 2004, p.27).
A escola não é um espaço isolado, ela está articulada com a família e com o Estado. O
aluno para obter emprego, ter sucesso profissional, obter uma vaga na universidade pública
em busca de um bom emprego, tudo isso, vai além dos muros da escola. Para tudo isso, é
necessário um investimento extra-escolar fundamental para o ingresso profissional desse
aluno. Um aluno que queira obter uma vaga no mercado profissional precisa fazer cursos
profissionalizantes acompanhando as novidades do mercado de trabalho, ingressar numa
universidade, diante do baixo rendimento escolar, é necessário comprar livros, fazer curso
preparatório para o vestibular da qual o aluno menos favorecido de capital econômico, se vê
numa condição de ter que trabalhar para obter dinheiro e dar continuidade nos estudos.

Para uns, o desemprego e a precariedade dos jovens advêm da falta de adequação entre
formação e emprego. A escola produziria uma formação não adaptada às necessidades
da economia, produziria muitos diplomas de ensino geral e também diplomas
responsáveis por introduzir uma rigidez, nociva ao acesso dos jovens a emprego
(DUBET, 2001, p.30).

Como toda instituição burocrática, a escola adota uma política democrática


republicana e, e diz que o objetivo do ensino fundamental é ―compreender a cidadania como
participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e
sociais, adotando, no dia-a-dia‖ (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1998,
p.69).
Porém, a escola é uma instituição financiada e toda instituição financiada, deve
atender seja no setor privado ou público. A escola passa a fazer parte de um mercado
econômico que atende a interesses particulares dos indivíduos que são dirigentes do país
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(empresários, políticos, representantes do poder judiciário e executivo). Por isso a escola é um


local onde ―[...] as lutas que nele ocorrem têm uma lógica interna, mas o seu resultado nas
lutas (econômicas, sociais, políticas...) externas ao campo, pesa fortemente sobre a questão
das relações de forças internas‖ (LAHIRE, 2002).
Não se pode pensar na escola como um espaço isolado, pois nela ocorrem disputas
internas e as relações externas com a economia, política e cultura não determinam, mas pesam
fortemente sobre as relações de forças entre os agentes internos que travam essas disputas,
mostrando claramente a relação escola, poder e legitimação. Nessa perspectiva, é que se pode
decodificar ―[...] cultura escolar, dominada pela cultura burguesa através dos códigos
comportamentais, lingüísticos e intelectuais, reproduz ilusões necessárias ao funcionamento à
manutenção do sistema [...]‖ (THIRY-CHERQUES, 2006).
A escola é um lugar de lutas e disputas. Há aqueles que possuem condições desiguais
uma vez que nem todos possuem capitais culturais, econômicos e sociais. Segundo Lahire
(2002), ―o capital é desigualmente distribuído dentro do campo e existem, portanto,
dominantes e dominados‖.
Atualmente se ouve falar muito em diversidade cultural, contudo ―[...] a cultura da escola, [...]
é constituída com base em único modelo cultural, o hegemônico, apresentando um caráter
monocultural [...]‖ (CANDAU, 2002).
O aluno, ao entrar na escola, leva consigo uma cultura própria que possui, como a fala,
a escrita, o desenho e o comportamento; mas dentro da escola, a cultura do aluno é ignorada.
Ele é ensinado de forma a compreender e aceitar a ser submisso ao que a escola propõe como
certo, correto e verdadeiro. ―Todo ato de transmissão cultural implica necessariamente na
afirmação do valor da cultura transmitida (e paralelamente, a desvalorização implícita ou
explícita das outras culturas possíveis)‖ (BOURDIEU, 2005, p.218). A instituição de ensino
desenvolve um sistema doutrinário e ideológico que os dominados entendem como um
processo cultural natural do privilégio que os dominantes possuem. Sendo assim, ela não
admite a cultura do educando. Ela parte da necessidade de homogeneizar valores e
conhecimentos por atender a lógica externa do mercado econômico.

As escolas, portanto, ―produzem‖ ou ―processam‖ tanto o conhecimento quanto as


pessoas. Em essência, o conhecimento formal e informal é utilizado como um filtro
complexo para ―produzir‖ ou ―processar‖ pessoas, em geral por classes; e, ao mesmo
tempo, diferentes aptidões e valores ensinados a diferentes populações, freqüentemente
também de acordo com a classe (e o sexo e a raça). (APPLE, 2006, p.68).
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Não é importante para ela conhecer a origem e formação de cada aluno, tampouco
respeitar a sua individualidade. Sendo assim, a escola é vista por muitos leigos como uma
instituição modelo para os cidadãos. Passa despercebida pelas camadas populares, uma
instituição que reprime de forma implacável as diferenças.
A cultura permeia todas as ações dos indivíduos no meio social. Os indivíduos e os
grupos dos quais fazem parte carregam consigo costumes, valores e comportamentos
incorporados durante a sua trajetória social, trajetória essa marcada pela socialização ocorrida
em espaços como a escola, a rua, a casa, o trabalho, espaços em que se dá a interação com
outros indivíduos e grupos.
A cultura é entendida como a maneira de sentir, compreender e atribuir significados ao
que nos cerca. Nossa identidade é construída culturalmente através do diálogo, do discurso
que confere e ao qual é conferido significado. Por exemplo, considere-se a palavra habitação.
Habitação é o lugar em que se mora. Porém, pode-se morar em uma casa, em uma palafita ou
em uma mansão. Aos distintos tipos de habitação estão relacionados significados que operam
como forma de classificação e distinção de seus habitantes.

Isso manteve aberto um fosso entre a existência e o significado de um objeto. O


significado surge, não das coisas em si – a ―realidade‖ – mas a partir dos jogos de
linguagem e dos sistemas de classificação nos quais as coisas são inseridas. O que
consideramos fatos naturais são, portanto, também fenômenos discursivos. (HALL,
2001, p.13)

Portanto, as culturas consistem em práticas e valores que são interpretados e


registrados discursivamente de modos diferentes por indivíduos e grupos sociais cujas ações e
relações sociais são norteadas ou não por esses mesmos valores e práticas. A diferença de
significado atribuído a tais valores e práticas está diretamente relacionada à identificação ou
estranhamento de indivíduos e grupos com determinados valores e práticas. Ou, como afirma
Hall: ―a cultura não é nada mais do que a soma de diferentes formações discursivas às quais a
língua recorre a fim de dar significado às coisas‖ (HALL, 1997, p.14).
Pode-se, como sugere Cuché (2008), falar em cultura popular, de classe, de elite, de
massa etc. Essa pluralidade de maneiras de definir cultura revela a pluralidade de interesses de
pesquisa acerca das práticas e valores norteadoras das condutas de grupos e indivíduos
Até há cerca de 30 anos, o que freqüentemente ocorria era que as discussões se
centravam em ―uma base conceitual assumidamente comum para, a partir daí, analisar,
propor, debater, pensar no âmbito da Cultura e Educação (VEIGA-NETO, 2003, p.07).
20

Esse tom pautava-se por uma idéia de cultura que nos foi legada pelo século XVIII:
cultura como sinônimo de tudo o que é produzido de melhor pela humanidade, seja produção
material ou espiritual – filosófica, artística, científica ou literária, dentre outros.
A cultura era, antes de tudo, um ideal universal a ser alcançado por toda e qualquer
sociedade. A palavra cultura mantinha-se associada à qualidade daqueles indivíduos cuja
formação permitiu dominar conteúdos tidos como necessários, porque os mais sofisticados já
produzidos. Esse domínio, ao mesmo tempo em que permitia a esses indivíduos distinguirem-
se socialmente, levava-os a ocupar as posições sociais desde as quais os critérios de distinção
que os tinham legitimado poderiam ser reproduzidos.
Com isso, houve a diferenciação entre alta cultura e baixa cultura com a qual a
primeira passou a ser o modelo escolhido por ―excelência‖ para as escolas. Criou-se, então,
um meio de distinção próprio que permanece até os dias de hoje, e sua permanência
transforma a educação em uma ferramenta legitimadora e reprodutora de hierarquias que
deveriam ser combatidas.
A partir de então, podemos entender certas expressões como ―fulano é culto‖ ou
―fulano não tem cultura‖. Essas expressões são discursos elitistas que surgiram no século
XVIII mostrando um conceito de cultura superior ao ―outro‖, e ―em qualquer desses casos é
evidente o recurso ao conceito de cultura como um elemento de diferenciação assimétrica e de
justificação para a dominação e a exploração‖ (VEIGA-NETO, 2003, p.08).
Boa parte do pensamento pedagógico moderno compreendeu e tinha admitido o
modelo da ―alta cultura‖. Embora atualmente se perceba a tendência de aceitação, pelo
discurso oficial sobre a escola, das diferenças culturais e de sua incorporação às práticas
pedagógicas, a educação escolar permanece centrada em valores e práticas da cultura
ocidental que descartam tudo o que não cabe em seus quadros de referência intelectual. Ao ser
central para a definição dos valores e práticas escolares, essa percepção impede que se
compreenda a relação entre diversidade cultural e desigualdade social, favorecendo a
formação de cidadãos passivos.
Essa conclusão é apresentada por Apple, a propósito do reconhecimento dos próprios
educadores acerca dos limites da idéia de uma educação neutra:

Continua ainda valendo, porém, a questão, pelo menos fenomenologicamente, de que


muitos educadores reconheceram que a cultura preservada e difundida pelas escolas, e
também por outras instituições, não era necessariamente neutra. Perceberam que suas
próprias ações derivam de tal reconhecimento (APPLE, 2006, p.63)
21

O reconhecimento da parcialidade característica da ―alta cultura‖ implica o


reconhecimento de uma concepção de cultura que tende a negar o valor de que se revestem
culturas outras que não aquelas que reproduzem o que é valorizado pela cultura dominante no
Ocidente. Esse ponto de vista abstrai do problema de saber quem define o que é o melhor
produzido, escapando à discussão sobre a relatividade histórico-social das produções
materiais e espirituais dos diversos grupos sociais, e das relações político-econômicas de
dominação que tanto caracterizam as trocas entre países quanto entre classes e grupos sociais
dentro de um mesmo país.
O vazio da análise relativista e situacional-relacional (CUCHE) é substituído pela
imposição de critérios etnocêntricos, critérios que tornam ―melhor‖ aquilo que corresponde
aos interesses dos grupos situados em posições sociais, econômicas e políticas dotadas de
condições de possibilidade para definir o que deve ser o melhor.
As contribuições da perspectiva multiculturalista para a compreensão dos processos
educacionais mostram-se particularmente fecundas para se refletir sobre as práticas
pedagógicas na escola.
Com efeito, a diferença cultural sempre foi uma preocupação para os estudiosos do
assunto: ―A preocupação com a diferença cultural é consensual entre os especialistas. Como
um deles afirma, a diferença é um dado da realidade humana. Ou seja, o que nos une, de fato,
são nossas diferenças‖ (MOREIRA, 2002, p.22).
Essa preocupação geral adquire significado mais específico quando se pensa no
problema da ―regulação cultural‖, como faz Hall:

Toda a nossa conduta e todas as nossas ações sociais são moldadas, influenciadas e,
desta forma, reguladas normativamente pelos significados culturais. Uma vez que a
cultura regula as práticas e condutas sociais, neste sentido, então, é profundamente
importante quem regula a cultura. A regulação da cultura e a regulação através da
cultura são, desta forma, íntima e profundamente interligadas (HALL, 1997, p.25)

Nossa maneira de ver o outro é constituída historicamente e esse olhar não pode ser
desfeito de um dia para o outro. A cultura, além de ser um conjunto de práticas e valores
característicos de indivíduos e grupos sociais, é também uma arma de dominação, resistência
e luta política. Por isso não deve ser vista apenas como discurso de identificação, como forma
consciente de afirmar politicamente determinados valores e práticas sociais, mas também
como um instrumento com o qual indivíduos e grupos sociais buscam seja legitimar a
dominação, quando a exercem, seja contestá-la, quando são subordinados.
22

A despeito da centralidade dessa discussão para a compreensão da sociedade


contemporânea e, portanto, para a formação de cidadãos contemporâneos de seu tempo, ela
não parece permear a maioria dos valores e práticas escolares.
Entendida a educação, institucionalizada ou não, como parte da cultura, e assumindo-
se o ponto de vista multicultural, percebe-se o quanto temas como diversidade, dominação e
relativismo cultural, dentre outros, devem constar dos conteúdos formais, disciplinares, das
escolas, quanto, vistos como valores, devem orientar a conduta, as práticas cotidianas de seus
agentes.

Embora a cultura escolar não seja um conceito simples de delimitar, considera-se que na
escola foram sendo historicamente construídas normas e práticas definidoras dos
conhecimentos que seriam ensinados e dos valores e comportamentos que seriam
inculcados, gerando o que se pode chamar de cultura escolar (PESSANHA, 2004 p.58).

Na verdade, ao se falar de ―cultura escolar‖ busca-se, precisamente, apontar para dois


fatos: primeiro, a relativa autonomia das concepções e práticas pedagógicas norteadoras da
conduta dos agentes escolares em relação às concepções e práticas características de outros
campos de atividade; e, segundo, para a necessidade de se analisar, empiricamente, em que
medida as escolas preservam ou não essa autonomia relativa; isto é, em que medida a escola
se configura como um espaço de mera reprodução social, no qual os valores e condutas
individualista e competitivo se reproduzem, ou é um espaço para o desenvolvimento de
perspectivas crítico-reflexivas, que norteiem desde os projetos político-pedagógicos até as
práticas cotidianas dos agentes escolares (gestores, funcionários técnico-administrativos,
pedagogos, psicólogos, alunos e demais servidores).
Estudos de Lahire (2004) e Dubet (2001) mostram que os valores difundidos na escola
tendem a moldar o aluno, levando-o a reproduzir visões de mundo e práticas que reiteram, no
plano ideológico, as desigualdades sociais. Isso significa dizer que a cultura escolar passa a
atuar como um instrumento ideológico de adestramento dos alunos, de formação de sujeitos
passivos, subservientes e, portanto, distantes do ideal de autonomia política implicado pela
idéia de cidadania.
23

1.1. Cultura escolar e cidadania

Pode-se dizer que a palavra cidadania nos remete a, pelo menos, significados. O
primeiro diz respeito à idéia de igualdade característica de sociedade burguesa. O segundo,
vinculado ao anterior, remete à afirmação jurídica em termos de direitos e deveres diante do
Estado dessa igualdade. O terceiro significado implica a consideração histórica das condições
de realização dessa igualdade. Quanto a isso, apenas uma visão ingênua nos levaria a crer que
a afirmação jurídica de direitos e deveres designa a igualdade entre os indivíduos de uma
sociedade de classes.
A cidadania que temos hoje é a cidadania do proprietário ou daquele que possui boa
renda, nos dando a idéia dos eupátridas,2 a cidadania de uma minoria que exclui os
desfavorecidos pelas desigualdades sociais.
Severino (2000) afirma que cidadania é, no seu sentido específico, ter a satisfação dos
direitos políticos e sociais. Mas que no seu sentindo mais amplo, são relações sociais que
permitem diminuir a dominação e ir contra a opressão de uns sobre os outros.
Na prática histórico-social devemos falar da cidadania burguesa, como sugere Arroyo:

Os direitos do cidadão, tanto os chamados direitos humanos – à vida, à saúde, à


educação, à moradia – quanto os direitos civis – liberdade, igualdade jurídica, justiça -,
que a partir do século XVIII foram sendo progressivamente realizados nos países
capitalistas desenvolvidos são, pois, proposições da democracia burguesa (2000, p.28).

Essa concepção de cidadania burguesa impregna a vida escolar, limitando-se,


usualmente, a ser um sinônimo dos direitos e deveres relacionados ao voto, ao pagamento de
impostos, à escolha dos governantes, à denúncia de irregularidades etc. Mas nas decisões
políticas cotidianas que repercutem sobre suas vidas, os cidadãos não exercem papel ativo,
sendo apenas espectadores dos acontecimentos.
Num certo sentido, sobre a escola pesa a responsabilidade de formar indivíduos com
percepção mais ampliada do que seja a condição de cidadão, indivíduos dotados de postura
crítica e emancipadora, atitude essa emblematizada na figura dos próprios educadores – vistos
como intelectuais presentes e compromissados com a escola, com a comunidade e com os
alunos.
Esse educador deve possuir, também, condições favoráveis para o exercício de suas
funções e não somente boa vontade de atuar, mesmo que a escola assuma um caráter

2
Classe social na Grécia Antiga sendo considerados como bem-nacidos.
24

reprodutor das ideologias da classe dominante, historicamente, ―[...] no interior das lutas, na
forma que desenvolvem, que acontece o processo educativo do novo cidadão‖ (ARROYO,
2000, p.89).
A interpretação e registro discursivo entre grupos sociais portadores de valores e
práticas diferentes, entre culturas, têm se aguçado com o aumento do fluxo de informações e
contatos desencadeado pela globalização. Um indicador desse aumento é o crescimento de
movimentos étnicos que lutam pela afirmação de sua identidade cultural. À sua vez, essa luta
torna claras as hierarquias, os conflitos, os impasses, as relações de força e dominação
característica de um mundo culturalmente múltiplo e socialmente desigual. Um mundo em
que a diversidade cultural convive com a desigualdade social, e em que essas diversidade e
desigualdade se organizam hierarquicamente (CUCHE, 1999).
Muito do debate acerca da diversidade cultural e da desigualdade social, e do modo
como cada cultura compreende – interpreta e registra - sua relação com as demais fundamenta
o multiculturalismo, como afirma Moreira: ―Multiculturalismo representa a natureza dessa
resposta, que inclui a formulação de definições conflitantes do mundo social, decorrentes de
distintos interesses econômicos, políticos e sociais‖ (MOREIRA, 2002, p.16).
Trazida para o campo da educação, a perspectiva multiculturalista sugere reflexões
sobre como as culturas constitutivas de um dado universo de relações sociais – um país, uma
região, um estado, um município, um bairro ou uma escola, por exemplo – participam do
processo de formação dos indivíduos. Concretamente, trata-se de nos indagarmos sobre o
lugar da diversidade de valores e práticas correspondentes a grupos sociais na cultura escolar,
isto é, nos valores e práticas da instituição que, em nossa sociedade, desempenha papel central
na formação do cidadão. Dito de outro modo, os valores e práticas de nossas escolas –
formalizados nos projetos político-pedagógicos, nos currículos e concretizados nas relações
entre os agentes escolares, dão conta de formar alunos que sejam, ao mesmo tempo, sensíveis
e compreensíveis para a diversidade cultural, e crítico-reflexivos?
Pode-se dizer que o maior ou menor espaço concedido à expressão da diversidade
cultural nas práticas e valores norteadores das condutas dos agentes educacionais, de um
modo geral, e escolares, em particular, é um indicativo da maior ou menor abertura das
instituições educacionais para incorporação de valores democráticos e para a tradução desses
valores em práticas de formação dos alunos.
Observa-se que, formalmente, a legislação educacional brasileira e a escola passaram a
considerar a diversidade cultural, o respeito ao ―outro‖, como princípio que deve inspirar o
conjunto de suas práticas. Contudo, quando se observa o cotidiano escolar, os momentos e
25

relações nos quais as práticas se atualizam, percebe-se o descompasso entre as intenções e os


atos. No cotidiano escolar o respeito à diversidade é substituído pelo preconceito, e o
multiculturalismo cede ao etnocentrismo.
A discussão sobre as relações entre cultura e educação se intensificou e mudou de tom
com o avanço da globalização. Isto porque o aumento do fluxo de informações, do trânsito de
pessoas, das trocas comerciais, bem como o conseqüente crescimento da produção e do
consumo em massa, expuseram os contrastes e, por vezes, puseram em conflito estruturas
político-econômicas fundadas em culturas variadas.
Teoricamente, o reconhecimento da variedade de culturas se deu por meio da
perspectiva multiculturalista, de que a ―virada cultural‖ nas ciências humanas é emblema.
Essa ―virada‖ também se exprimia nas interpretações e reivindicações políticas de grupos
sociais cujos valores e práticas estavam, freqüentemente, em situação subordinada, e que
passaram a lutar pela criação de condições jurídico-políticas que permitissem a afirmação de
sua ―identidade cultural‖.
A informação em tempo real que as trocas culturais ocorrem em imensa velocidade.
Tal rapidez e encurtamento dessas trocas simbólicas modificam também o jeito de viver e agir
dessas pessoas de suas perspectivas para o futuro e significando que elas atribuem ao amanhã.

Neste contexto, o próprio papel atribuído à educação acabou transformando a pedagogia


enquanto campo dos saberes – e a escola – enquanto instituição – em arenas
privilegiadas, onde se dão violentos choques teóricos e práticos em torno de infinitas
questões culturais‖ (VEIGA-NETO, 2003, p.05).

Moreira (2002) afirma que Elizabeth Ellsworth (1989), em sua experiência como
professora universitária de Wisconsin, chegou à conclusão de que a sala de aula não constitui
um local seguro e adequado para o diálogo e o desenvolvimento de relações democráticas.
A homogeneização da cultura ou sua diversificação, e o modo como essas duas
tendências impactam a cultura escolar ocorre em meio de lutas (políticas, sociais, econômicas
e éticas).
Mas os movimentos, seja em direção à homogeneização, seja em direção à
diversificação, não se processam sem lutas. As relações entre as distintas identidades
culturais, assim como as tentativas, por partes de diferentes grupos, de afirmação e de
representação em políticas e práticas sociais, são complexas, tensas, competitivas,
imprevisíveis. (MOREIRA, 2002, p.17)

A tendência à homogeneização é pautada pela lógica da concorrência e do


individualismo. Disputamos vagas para emprego, escola e universidade pública. Grande parte
26

da população acredita que a concorrência no mercado de trabalho, por mais desleal que seja, é
um processo ―natural‖ de nossa sociedade. Isso ocorre pelo fato da ideologia hegemônica do
neoliberalismo que defende a idéia de que todos somos iguais e que o mercado econômico
deve direcionar o rumo de uma nação.
De fato, a concorrência e o individualismo são ingredientes necessários da reprodução
social. A escola, como reprodutora de valores, molda alunos para atender os seus interesses
utilizando-se de mecanismos eficazes para que haja uma relação de dominação e
subserviência.
A rigor, pode-se dizer que numa sociedade de classes as desigualdades sociais têm
efeitos sobre o desempenho escolar, e que esses efeitos são racionalizados por meio da
meritocracia – sistema de valores que atribui aos indivíduos a responsabilidade pelo sucesso e
pelo fracasso escolar, abstraindo das condições sociais que os levam ao sucesso e ao fracasso
(DUBET, 2008).
De um lado, há as escolas que formam alunos que possuem recursos e todas as
condições extra-escolares favoráveis para o sucesso escolar. Estes ingressam nas melhores
escolas, cursos superiores etc. Conseqüentemente, desfrutam de melhores chances de
emprego.
Mas há também as escolas que atendem alunos desprovidos de recursos financeiros.
Essas, comumente desprovidas de recursos escolares mínimos, terminam por favorecer, ao
invés de minimizar, os efeitos das desigualdades sociais sobre as desigualdades escolares.
Como resultado, são poucas as chances, por exemplo, de que um aluno seu chegue a
freqüentar uma universidade pública ou chegue a alcançar um bom emprego.
Essa diferença no acesso escolar ocorre devido a diferenças que implicam
desigualdades no capital cultural e econômico dos alunos que, por sua vez, repercutem sobre
as trocas simbólicas por eles realizadas ao longo de suas trajetórias de vida, como sublinha
Cazelli (2007):
[...] está associado aos benefícios mediados pelas redes extrafamiliares e ás lutas
concorrenciais entre indivíduos ou grupos no interior de diferentes campos sociais. As
ligações estabelecidas entre os indivíduos de um mesmo grupo são somente advindas do
compartilhamento de relações objetivas e de espaço econômico e social, mas também
fundadas em trocas materiais e simbólicas [...] (p.04).

Um aluno que possui uma família estruturada do ponto de vista moral e afetivo
também terá mais probabilidade de sucesso escolar, pois terá tido um ambiente doméstico
favorável, suporte necessário ao desempenho escolar. Isto significa dizer que a formação da
subjetividade é condicionada por um habitus, ―[...] um sistema de disposições, modos de
27

perceber, de sentir, de fazer, de pensar, que nos levam a agir de determinada forma em uma
circunstância dada [...]‖ (THIRTY-CHERQUES, 2006), que extrapola os limites da escola.
Famílias que podem incutir em seus filhos o habitus escolar dotam-nos de maiores
possibilidades de sucesso escolar, e este tende a se revelar na escolha e desempenho
profissional.
O inverso também é verdadeiro. Isto é, alunos que são privados de condições extra-
escolares que os preparem para a escola têm maior probabilidade de fracassar nela. Essa
privação se revela tanto como limitação de capital econômico quanto cultural da família, que
não dominando as regras do jogo escolar, se descuidaria da formação inicial de seus filhos. A
limitação de capital econômico e cultural tende, portanto, a limitar as possibilidades de
escolha do aluno que, com freqüência, muito cedo, se lança no mercado de trabalho.
Nesse sentido, as desigualdades sociais acabam repercutindo sobre as desigualdades
escolares, pois a necessidade determinada pela privação de capital econômico e cultural,
limita o acesso a condições mínimas de acúmulo desses mesmos capitais.
O ingresso numa universidade ou a especialização se convertem em ilusões, enquanto
a ―conquista‖ do primeiro emprego se apresenta como grande desafio a ser, o mais rápido
possível, enfrentado.
Na sociedade capitalista, existe uma minoria de alunos providos enquanto que a
grande maioria é desprovida de acesso a uma educação de qualidade. Portanto, a
competitividade é desleal, embora na mente das classes populares todos tenhamos chances e
oportunidades iguais, conseqüência de uma ideologia dominante que reforça o individualismo
e a meritocracia.
Essa mesma ideologia está presente na escola:

Conhecimentos, valores e comportamentos que, embora tenham assumido uma


expressão peculiar na escola, e, principalmente, em cada disciplina escolar, são
produtos e processos relacionados com as lutas e os embates da sociedade que os
produziu e foi também produzida nessa e por essa escola.‖ (PESSANHA, 2004 p.58).

A escola, mesmo sendo pública, não é homogênea. Existem escolas públicas com
baixo rendimento escolar assim como existem escolas públicas tidas como de excelência. Mas
então, como ocorre a distribuição dos alunos que freqüentam uma e outra escola?
Mesmo havendo escolas de excelência no ensino público o acesso a elas não se dá de
forma igualitária. De acordo com a Constituição Federal, de 1988, em seu capítulo III Da
Educação, da Cultura e do Desporto, artigo 206: ―o ensino será ministrado com base nos
28

seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola


(p.87)‖. Mas essa ―igualdade de condições‖ nada mais é que a própria desigualdade social,
pois a escola existe e se organiza em uma sociedade marcada por desigualdades, desigualdade
essas naturalizadas pela ideologia da igualdade de oportunidades e da meritocracia:

Não é diretamente a escola que realiza as grandes operações de distribuição dos alunos,
são as desigualdades sociais que comandam diretamente o acesso a diversas formas de
ensino. Uma das conseqüências desse sistema é que a escola aparece justa e ―neutra‖ no
seu funcionamento, enquanto as injustiças e as desigualdades sociais é que são
diretamente a causa das desigualdades escolares (DUBET, 2001, p.32)

As desigualdades sociais encaminham trajetórias, sendo a escola um ponto – dos mais


importantes – dessas trajetórias. Ela, a escola, não é neutra, pois os alunos são selecionados
pela sua situação sócio-econômica. A escola tem um papel crucial de conduzir uma situação
real dos fatos, não levando em conta os benefícios que os alunos favorecidos possuem.

[...] o capital cultural armazenado nas escolas atua como um mecanismo eficaz de
filtragem na reprodução de uma sociedade hierárquica. Por exemplo, as escolas recriam
parcialmente as hierarquias sociais e econômicas da sociedade por meio do que é
aparentemente um processo neutro de solução e instrução [...] (APPLE, 2006, p.67)

Podemos entender que este é um dos mecanismos ideológicos da escola colocando que
o sucesso profissional é de total responsabilidade do indivíduo. Não é por acaso que o Estado
possui os defensores de sua escola. Culturalmente, a escola se pauta pela idéia de que o
―fracasso‖ ou o ―sucesso‖ escolar e profissional são o resultado do esforço individual.
Segundo indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2007), o ensino
superior na rede pública pertence às famílias situadas nos 20% mais ricos. Também devemos
salientar que o ensino superior é considerado o ponto mais elevado do sistema escolar,
associado à ascensão profissional e social, e que pode ser visto como uma opção de
qualificação das pessoas.
Mas isso o acesso dos 20% das famílias mais ricas no ensino público superior do país
não é um processo natural. Trata-se, antes, de um dos efeitos das desigualdades sociais sobre
as desigualdades – no caso, a de acesso à universidade pública – escolares; ou, se preferir, um
efeito daquelas sobre a inserção social e cultural dos alunos, o resultado final das diferenças
de capital.

Bourdieu e Coleman introduziram o conceito de capital na análise social para se


referirem não apenas à sua forma econômica, mas também à sua forma cultural e social.
Este termo da área econômica foi utilizado pelos dois autores no estudo das
29

desigualdades escolares, como metáfora para falar das vantagens culturais e sociais que
indivíduos ou famílias possuem e que, geralmente, os conduzem a um nível
socioeconômico mais elevado. (CAZELLI, 2007, p.04)

O aluno possui uma cultura que traz da sua casa através de sua família, amigos e
demais agentes do seu convívio social. Suas ações sociais não são por acaso, elas são
representadas pelos discursos de sua vivência cotidiana. Isso condiciona o ―eu‖ do aluno e de
que forma ele se observa e se identifica consciente e inconscientemente em busca de
responder as expectativas que são representados no discurso de uma cultura hegemônica.
Sendo assim, o discurso de querer ser um profissional de profissões que dão status e
estabilidade econômica é internalizada no indivíduo fazendo que ele adote pra si como uma
subjetividade.
Além da família, existe também o papel dos meios de comunicação de massa, que
avançam com as novas tecnologias, e agem de certa forma como uma ferramenta educadora.
Os programas de rádio e TV influenciam moldando o comportamento do aluno. Não nos cabe
aqui julgar se é benévolo ou não o papel da mídia para a educação dos alunos. Apenas
queremos apontá-la como uma peça que informa em tempo real e que constitui como um
processo de cultura. Embora ele não seja um integrante da família, ela reside na maioria dos
lares brasileiros. É através da mídia ―que as revoluções da cultura a nível global causam
impacto sobre os modos de viver, sobre o sentido que as pessoas dão a vida, sobre suas
aspirações para o futuro – sobre a ―cultura‖ num sentido local.‖ (HALL, 1997, p.03).

2. METODOLOGIA

2.1. História e experiência na análise da cultura escolar

A metodologia utilizada foi de cunho crítico-dialética, observando as partes e suas


inter-relações, confrontando-as, buscando entender a relação entre a sociedade em que a
escola está inserida e as práticas e valores que caracterizam as relações cotidianas entre os
agentes escolares.
O método proposto é colocado a análise dos dados de forma a buscar uma
aproximação da realidade. Toda essa aproximidade devida a investigação, não tratará de
mudar imediatamente a concretude do real. É necessária uma aplicabilidade que mostre
confrontos e contradições aparentes e não aparentes levando em consideração uma sociedade
que se modifica por conflitos. ―A dialética situa-se, então, no plano de realidade, no plano
30

histórico, sob a forma de trama de relações contraditórias, conflitantes, de leis de construção


desenvolvimento e transformação dos fatos‖ (FRIGOTTO, 2004, p.75).
A análise feita sobre o objeto de estudo, seja a escola, seja o aluno. Ambas são objetos
de estudos diferentes, contudo, são indissociáveis em que os objetos em partes não foram
analisados de forma isolada. Entender as partes em suas relações dinâmicas exige do
pesquisador uma visão crítica e um olhar lapidado para as pequenas relações de um espaço
micro, que se transforma e se modifica simultaneamente ao macro.
Na metade do século XIX, a sociedade burguesa consolidou-se na forma do
capitalismo industrial. Com este, emergiram problemas que revelaram contradições internas e
principalmente pelas suas contradições internas que se forma classes com contradições
internas a reprodução das desigualdades sociais. Dois pensadores que analisaram a
desigualdade social burguesa foram Karl Marx e Friedrich Engels, fizeram-no a partir do
materialismo histórico-dialético, o que lhe permitiu apresentar propostas para a
transformação da sociedade. Não é de nosso interesse, aqui, mencionar sua proposta de
intervenção, mas descrever o que seria propriamente essa metodologia segundo Minayo
(2001):

[é] metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da


realidade. Nesse sentido, a metodologia ocupa um lugar central no interior das teorias e
está sempre referida a elas. Dizia Lênin (1965) que ―o método é a alma da teoria‖ (148),
distinguindo a forma exterior com que muitas vezes é abordado tal tema (como técnicas
e instrumentos) do sentido generoso de pensar a metodologia como a articulação entre
conteúdos, pensamentos e existência (p.16).

Essas relações sociais são interligadas totalmente às forças produtivas. A maneira de


ganhar a vida condicionada. O modo pelo qual a produção material de uma sociedade é
realizada constitui o fator determinante da organização política e das representações
intelectuais de uma época (Marx e Angels). Assim, a base material ou econômica constitui a
‖infra-estrutura‖ de uma sociedade, exercendo influência direta na ―superestrutura‖, ou seja,
nas instituições jurídicas, políticas (as leis, o Estado) e ideológicas (as artes, a religião, a
moral) da época. Para Marx, essa base material é formada pelos meios de produção (que são
as ferramentas, as máquinas, as técnicas, tudo aquilo que permite a produção) e pela relação
de quem os possui e os que possuem apenas sua própria força de trabalho que, vendida, lhes
possibilita sobreviver.
31

2.2. Hipóteses de pesquisa

2.3. Central

Formalmente a escola se preocupa em formar cidadãos crítico-reflexivos, porém, os valores e


práticas condutas dos agentes escolares revelam que a cultura escolar tende a apenas
reproduzir valores e práticas tradicionais.

2.3.1. Complementares

 Os valores expressos no projeto político-pedagógico da escola indicam preocupação


com a formação de alunos críticos e politicamente autônomos. Contudo, esses valores
não norteiam, efetivamente, as condutas dos agentes escolares;
 O fato de os agentes escolares se conduzirem de modo ―tradicional‖ se explica por
várias razões: a) sua própria formação não se deu em consonância com as perspectivas
de crítica e autonomia; b) suas condições materiais de trabalho não favorecem o
desenvolvimento de atividades que estimulem a criticidade e autonomia dos alunos; e
c) as condições politico-burocráticas de trabalho dos agentes escolares –
caracterizadas por metas e índices de aprovação – dificultam o emprego de dinâmicas
que favoreçam o processo de formação de alunos críticos e autônomos;
 Esse conjunto de constrangimentos enseja o predomínio de valores e práticas
cotidianas que tendem a formar alunos de acordo com perspectiva meramente
instrumental, isto é, a formar alunos para o mercado de trabalho.
32

3. O processo de construção dos dados empíricos

Os dados foram construídos a partir de observação direta e indireta. Diretamente,


foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, mediante a aplicação de questionários com
questões abertas e fechadas, e a gravação das respostas em aparelho de MP3.
Além disso, observações e anotações sobre o cotidiano escolar – particularmente das
relações entre professor-alunos, funcionários-alunos, gestores-professores, gestores-
funcionários foram realizadas entre os meses de abril e maio de 2009.
À escola em que foi realizada a pesquisa chamo aqui de EL. A razão para sua escolha
foi o fato de nela ter estagiado anteriormente e de pertencer a uma comunidade com a qual
estou familiarizado, o que facilitou meu acesso aos sujeitos da pesquisa, facilitando o
processo de observação.
O início da coleta de dados (entrevistas, diagnóstico da escola, observação) ocorreu no
mês de abril de 2009, na primeira semana, com término na terceira semana. A escola Escola
Estadual EL, situada à rua Bem-te-vi, s/n°. quadra 19, bairro de Nossa Senhora de Fátima II,
zona norte de Manaus, foi inaugurada em março de 1997, oficializada pelo Decreto Lei n.°
17.954 de 07 de julho de 1997 no governo do Amazonino Mendes. Possui urna área total de
1.500m2, tendo uma área construída de 900m2 sendo uma escola pequena mas que possui
anexo. Sua construção foi feita em pré-moldados e possui oito salas de aula com 36m2 cada,
com capacidade para trinta e cinco alunos. Atendendo do 1° ao 8° ano (ensino fundamental) e
9° ano (início do ensino médio) atendendo um total de 2.123 alunos.

QUADRO 1: EQUIPAMENTOS DA ESCOLA EL

ITEM QUANTIDADE
Nº DE SALAS 05
Nº DE SALAS DE AULA 08
BIBLIOTECA 01
BRINQUEDOTECA __
SALA DE INFORMÁTICA __
QUADRA POLIESPORTIVA __
BANHEIROS DE ALUNOS 02 (01 MASCULINO E 01 FEMININO)
BANHEIRO DE FUNCIONÁRIOS 02 (01 MASCULINO E 01 FEMININO)
COZINHA 01
PÁTIO 01
N° DE FUNCIONÁRIOS 118 (INCLUINDO PROFESSORES E
33

ADMINISTRATIVOS)
ANEXOS DA ESCOLA 02 (PREDIOS)

QUADRO 2: RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS


ENTREVISTADOS Nº DE SUJEITOS ENTREVISTADOS
PROFESSOR 01
ALUNO 05
GESTOR 01
PEDAGOGO 01
FUNC. DE SERVIÇOS GERAIS 01
FUNC. DA COZINHA 01
VIGILANTE 01
SECRETÁRIA 01
34

QUADRO 3: PERFIL DOS TRABALHADORES ENTREVISTADOS


QUADRO FAIXA ETÁRIA FORMAÇÃO TEMPO DE
FUNCIONAL SERVIÇO EM
ESCOLA
30-40 41-50 51-60 ENS. ENS. ENS. PÓS- 1-10 11-20 21-30
FUND. MÉDIO SUP. GRAD.
X X
PROFESSOR X
X X X
PEDAGOGO3
X X X
GESTOR
X X
FUNC. DE X
SERV. GERAIS
X X
FUNC. DA X
COZINHA
X X
SECRETÁRIA4 X
X X
VIGILANTE X

3
A pedagoga também é professora no turno matutino
4
A secretária também exerce a função de tomar conta da biblioteca e de catalogação dos livros
35

Quadro 4: PERFIL DOS ALUNOS ENTREVISTADOS


ALUNOS FAIXA O QUE PENSA OCUPAÇÃO DOS RELIGIÃO JÁ REPETIU
DO 5º ETÁRIA EM FAZER PAIS OU ALGUM ANO
ANO APÓS O RESPONSÁVEIS SIM NÃO
TERMINO DO
ENSINO
MÉDIO
ESTUD. 10 Arranjar um O pai é pedreiro Protestante
01 emprego Deus é amor
X
ESTUD. 10 Arranjar um O pai é técnico de Protestante
02 emprego informática Petencostal
X

ESTUD. 11 Arranjar um O pai e a mãe Protestante


03 bom emprego trabalham vendendo Assembléia
X
churrasco na frente de de Deus
casa Tradicional
ESTUD. 11 Continuar os A tia é costureira Protestante X
04 estudos Assembléia
de Deus
ESTUD. 10 Fazer faculdade O pai trabalha com Protestante
05 de computação instalação elétrica Assembléia
X
trabalho não formal de Deus

3.1. Entrevistas

Foram feitas entrevistas semi-estruturadas para comparar as informações dos sujeitos


da pesquisa observando e confrontando as semelhanças e/ou diferenças. Isso permitiu em
profundidade as informações obtidas, e seguir a recomendação de Boni (2005); ―A
interferência do entrevistador deve ser a mínima possível, este deve assumir uma postura de
ouvinte e apenas em caso de extrema necessidade, ou para evitar o término precoce da
entrevista, pode interromper a fala do informante‖ (p.74).
As entrevistas ocorreram na sala dos professores com o vigia, serviços gerais, secretária,
professores e alunos. A gestora e a pedagoga foram entrevistadas na sala da diretora; e a
merendeira, no refeitório. Nas entrevistas buscou-se observar, além do que era dito, a maneira de
36

dizer e as expressões faciais. Todas as entrevistas foram feitas individualmente, sem a


participação de outras pessoas que não o entrevistador e o entrevistado.
A seleção dos entrevistados seguiu dois critérios. O primeiro foi o de dar conta do
universo de agentes envolvidos na produção social do espaço escolar. Com efeito, para além de
professores e alunos, a escola se constitui num espaço social cujas relações envolvem outros
agentes que contribuem de modo direto para o processo educacional. O segundo critério, aplicado
aos agentes específicos selecionados para entrevista, decorreu de minhas relações pessoais com
alguns dos agentes da escola. Isto porque, tendo trabalhado na escola que foi objeto da
investigação, pude entrevistar pessoas com quem mantive relações profissionais.
Foram entrevistados 12 agentes escolares, sendo eles:
- uma gestora;
- uma pedagoga;
- uma professora;
- um vigia;
- uma funcionário responsável por serviços gerais;
- uma funcionária responsável pela preparação da merenda escolar;
- uma secretária; e
- 05 alunos do 5° ano do ensino fundamental.

3.2. Documento analisado

A primeira etapa consistiu em observar a escola tendo com objetivo de compreender


como é a cultura expressa no Projeto Político-Pedagógico, depois, constatar se na prática ela
se efetiva na escola.
37

PARTE II

A CULTURA ESCOLAR EM UMA INSTITUIÇÃO ESTADUAL DE ENSINO


FUNDAMENTAL EM MANAUS

4. As contradições da cultura escolar: entre o P.P.P. e a prática cotidiana

A escola EL atende em três horários regulares (matutino, vespertino e noturno) e o


prédio construído em alvenaria possui 08 salas de aula com 36m2, secretaria, sala de
orientação (pedagoga), sala de direção (gestora), 02 banheiros masculino e feminino (alunos)
e 02 banheiros masculino e feminino (funcionários), cozinha, biblioteca, refeitório ao ar livre,
02 depósitos num total de 20 compartimentos. A entrada é às 13:00 horas com saída às 17:00
com intervalo de 15 minutos pertencente a uma comunidade de baixa renda localizada no
bairro da zona norte segundo o Projeto Político-Pedagógico da escola:

“O bairro Nossa Senhora de Fátima II onde a escola está inserida, é formado por uma
população de classe média baixa, onde a maioria de seus habitantes sobrevive do
subemprego; alguns são funcionários públicos e outros são autônomos. A maioria dos
pais trabalha o dia todo fora de casa, deixando em segundo plano a educação dos
filhos, e muitas vezes, a escola acaba assumindo essa responsabilidade”.

Atualmente a escola passa por um problema muito comum que é a ausência dos pais
nas reuniões escolares, muitos não comparecem devido ao medo de perder o emprego visto
que o acompanhamento familiar é fundamental para o desenvolvimento cognitivo do
educando

De certo modo, podemos dizer que os casos de ―fracassos‖ escolares são casos de
solidão dos alunos no universo escolar: muito pouco daquilo que interiorizaram através
de coexistência familiar lhes possibilita enfrentar as regras do jogo escolar (os tipos de
orientação cognitiva, os tipos de comportamentos...próprios à escola) (LAHIRE, 2004,
p.19).

A escola pouco tem feito para mudar essa situação até mesmo por ser um problema
que vai muito além das suas especificidades. Diante dessa realidade, entendemos que esses
alunos são sozinhos e alheios ao universo escolar (Lahire, 2004).
A escola EL embora tendo características próprias, podemos compará-la um pouco a
uma fábrica no seu aspecto organizacional e disciplinar. Horário para entrar e sair, não tolera
atrasos e os alunos não possuem no seu intervalo um momento de lazer. Ao entrar na escola, o
corredor dá uma vista geral de todas as salas, uma forma de vigiar e observar que adentra no
38

espaço da escola. A sala da gestora, pedagoga e secretaria ficam próxima uma das outras
como forma de agilizar serviços da administração interna, mas também um meio físico
apropriado para vigilância.

Filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação atribuída a cada um em
relação a cada tarefa e cada prova: colocação que ele obtém de semana em semana, de
mês em mês, de ano em ano; alinhamento das classes de idade umas depois das outras;
sucessão dos assuntos ensinados, das questões tratadas segundo uma ordem de
dificuldade crescente. (FOUCAULT, 1987, p.126)

As crianças aguardam fora da escola até às 13:00 horas, só entram antes do horário se
estiver chovendo. Essa conduta tomada por parti da direção da escola tem como justificativa
que os alunos não entre e fiquem bagunçando dentro da escola, entretanto, é uma contradição
muito grande quando o discurso por parte da escola é de integrar a escola com a família mas,
essa integração tem horário marcado.
Também observamos uma outra realidade, o vigia permite deixar alguns alunos entrar
e esperar dentro da escola. Isso acontece porque o pai que deixa o seu filho na escola EL tem
outro filho que estuda em outra escola bem distante. Então, para chegar no horário, ele deixa o
seu filho na escola EL com o vigia que o permite a sua entrada antes das 13:00 horas como
ele mesmo descreveu na sua relação com a comunidade:

“Difícil, tem uns pais que daqui da comunidade mesmo que se dá muito comigo, tem uns
que gostam muito de mim... ele chegam, as vezes deixa um filho aqui vai deixar outro lá,
te um aí “olha eu tenho que deixar meu filho aí com você, porque eu tenho que deixar o
outro muito longe e não vai dar tempo de ele chegar uma hora" (A.S.D/VIGIA).

Essa contradição no espaço escolar ocorre com a finalidade da pontualidade, disciplina


e ordem que permeia nas escolas até os dias de hoje. Ocorre de certa maneira, uma situação
injusta e por aqueles poucos alunos que ficam dentro da escola gera uma indagação de quem
esperam do lado de fora se perguntando por que não pode entrar. Essa contradição que se dá
em favor da pontualidade e da preocupação que a escola tem com as normas e a disciplina é
comum mostrando que a ação da escola que busca por equidade, embora é a primeira a se
tornar injusta.
A finalidade disso é que o espaço escolar possui um tempo limitado que deve ser
utilizado pelos alunos em sala de aula para transmissão dos conteúdos. A escola não possui
uma preocupação inicial com as dificuldades dos alunos que não chegam no horário, culpando
a família como próprio responsável pelo não cumprimento do horário. Dentro de uma
característica de uma escola liberal tradicional ―a atuação da escola consiste na preparação
39

intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. O compromisso com a
escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à sociedade‖ (LUCKESI, 1994, p.56).
As salas são lotadas em média com 35 alunos em uma sala quente e abafada mesmo
com ar-condicionador e ventiladores devido a quantidade de alunos. Os alunos são
enfileirados e o conteúdo de maneira geral é exposto na lousa. Não há livros para todos os
alunos. A professora está trabalhando mais conteúdos de português e matemática para a
Provinha Brasil5.
Durante o período de observação (02 meses) é cultural da escola não ter aulas
regulares durante as semanas. Era muito comum durante a semana ter dois ou três dias em que
não havia aula ou que a aula terminava mais cedo. Isso vem ocorrendo devido a muitos
fatores: O feriado, atividades comemorativas, planejamentos, dia de pagamento dos
professores, má gestão da secretaria de educação e da própria escola que não possui e uma
gestão muito participativa fez com que a escola EL fosse uma escola que não seguisse um
calendário regular durante o ano letivo.
A concepção de cultura pela pedagoga, professora e secretária é que cultura é uma
construção de identidade de cada povo, seguindo as suas falas temos:

“Cultura é bem complexo, ampla, mas eu vejo assim que cultura é voltada para
educação é o que você traz de si, da tua geração, são valores que passam pra você e
que você coloca em prática. é isso que vejo assim, no geral, são valores que você traz,
origens, gerações, de regiões” (I.F.T/PEDAGOGA).
“Cultura é tudo que há...aquilo que vem das raízes de um povo, e se põe em prática,
tem muitas culturas em nossa cidade” (R.S./PROFESSORA).
“Cultura... [pensando em responder]) fugiu a idéia. [repetindo a pergunta]... Bom, em
cada canto tem a sua cultura né? Em Manaus, nós sendo manauara né? A cultura do
boi, entre outras tradições que vem de fora”(S.S.B/SECRETÁRIA).

Essa concepção que se adentra dentro da escola não se faz presente somente dentro da
escola, ela ganhou maior dimensão no decorrer dos estudos culturais na pós-modernidade, e
atualmente, uma das formas difusão de que a cultura é uma construção de identidade, de
valores e costumes se propaga através dos jornais, revistas e filmes. ―A mídia encurta a
velocidade com que as imagens viajam‖ (HALL, 1997, p.03).
Em Manaus, essa concepção de cultura dentro da população manauara ganhou mais
força com a popularidade do folclore de Parintins e a ciranda de Manacapuru que são
destaques nos meios de comunicação.

5
A Provinha Brasil é uma avaliação aplicada aos alunos matriculados no 3° e 5° ano do ensino fundamental
com a finalidade de avaliar o índice de desenvolvimento da educação básica
40

O vigia não tem uma compreensão clara do que seria cultura, mas não quer dizer que
ele não tenha ouvido falar de cultura, ou até mesmo não tenha uma noção próxima de algum
conceito utilizado. Ao perguntar percebi que ele ficou nervoso ao responder essa pergunta.

“Entendo como cultura é um... vamos dizer uma cultura é um projeto né? Aí tem...
porque tem aquela, escuta, tem uma feira, tem feira cultural né? Será que é
isso?”(A.D.S/VIGIA).

Para a funcionária dos serviços gerais, a concepção de cultura é estritamente aquilo


que é voltado para a arte, o conhecimento tido como erudito: ―Olha eu, entendo assim que é a
arte, é...aquelas coisas antigas né? que você... digamos que tem no museu, então eu acho
assim que a arte é pintura também‖ (R.S.D/ SERVIÇOS GERAIS).
Essa compreensão tida de cultura desde a idade moderna não se perdeu no tempo, ela
ainda continua viva dentro da escola. ―Desde que no século XVIII alguns intelectuais alemães
passaram a chamar de Kultur a sua própria contribuição para a humanidade‖ (VEIGA-NETO,
2003, p.07).
Para a diretora e a merendeira, o conceito de cultura além de ser compreendido como
construção de identidade. Entende que cultura também é aquilo que é tido como de melhor na
produção humana na leitura, a arte, a filosofia e na ciência. (VEIGA-NETO, 2003). A cultura
é para aqueles que possuem conhecimento, segundo as falas:

Conhecimentos, por exemplo, um colega seu viaja, que você viaja pra outro estado, se
alguém perguntar ―qual a cultura do seu estado?‖, a pessoa não sabe né? No caso né?...
Pelo que ‗tou entendo é assim, é saber qual o folclore da tua cidade entendeu? comida
típica, essas coisas assim né? Maneira de se vestir, de falar, se tem algum festival... a
pessoa que tem influência de ler, de passa pra outros... pintura...(I.C.S/MERENDEIRA).
Quando se fala cultura você está abrangido vários setores, primeiro aqueles hábitos que
as pessoas já tem de costume, os costumes que já herdamos desde os povos antigos,
como dos indígenas e a cultura maior mesmo é aquela do conhecimento, o aprendizado,
o estudo daquela pessoa que ela tem, pra poder trabalhar, exercer uma função, ou um
trabalho dentro de uma sala de aula ou em qualquer setor já empregando aquilo que ele
aprendeu, que ele estudou a anos, passou muito tempo na faculdade é claro, então isso é
cultura, o conhecimento(A.D.G/DIRETORA).

A compreensão por parte da gestora, pedagoga e dos demais profissionais que atuam
dentro da escola não está dissociada das práticas educativas e que a educação não ocorre
somente com a relação professor-aluno. A educação ocorre nas relações sociais nos diferentes
espaços escolares (cantina, cozinha, sala de aula, na recepção) e que muitas vezes ocorre de
forma sutil e despercebido para o pesquisador: ―a vida interna da escola (...) reelabora,
segundo a sua dinâmica interna, as normas, valores, práticas comunitárias, dando-lhes uma
41

coloração nova, mas nem por isso alheia ao encadeamento geral da sociedade‖ (CANDIDO,
1971, p. 111-128).
Para os 05 alunos do 5° ano na faixa etária de 10 -11 anos escolhidos foi apresentando
opções de respostas do que venha a ser cultura.
O primeiro entrevistado foi o aluno G.M.S (10 anos). Ele não menciona nenhuma das
opções mas também não soube descrever o que seria para ele cultura; a segunda entrevistada
foi a aluna (C.B.C.C/10 anos) e para ela, cultura significa uma pessoa educada, refinada que
escuta música clássica, gosta de teatro etc.; a terceira entrevistada foi a aluna (J.L.S/11 anos)
e para ela, cultura significa pessoa inteligente somente; a quarta entrevistada foi a aluna
(A.M.T/11 anos) optou por todas as respostas (cultura é pessoa inteligente, pessoa refinada,
construção de identidade e pessoa que tem seus costumes) [Obs: Antes o aluno ficou em
dúvida sobre a opção de marcar todas as respostas com a de entender que cultura seria uma
pessoa educada, refinada...]; e por último o entrevistado foi o aluno (M.F.S/10 anos) para ela
cultura significa uma pessoa inteligente, pessoa refinada, construção de identidade e pessoa
que tem seus costumes
A segunda e o quinto entrevistado que aponta a concepção de cultura como alguém
inteligente, pessoa educada, refinada... mostra o mesmo olhar da gestora, merendeira e
serviços gerais de alguém com cultura. Para eles, a palavra cultura remete um elemento de
diferenciação distinta de que é intelectual e educado em oposição ao rude, ao ignorante. O
conceito de cultura e educação embora distintas, nessa concepção de cultura está bem
próximas em que as divergências se davam apenas nas diferenciações entre os conceitos das
duas palavras (Veiga-neto, 2003).
A quarta entrevistada que optou por todas as respostas compreendia que a cultura
dentro das questões propostas não se limitava somente a palavra cultura ao significado elitista,
mas que a mesma palavra, servia também para conceituar alguém que possui seus costumes,
seus valores. Entretanto, a sua primeira resposta foi semelhante a do primeiro e do último
entrevistado (pessoa educada, refinada....) o que sustenta que essa concepção ainda é
difundida dentro da escola.
Observamos que a resposta da terceira entrevistada se assemelha com as respostas do
segundo e do quinto. Apenas mostra que o conceito de cultura dentro da escola EL relaciona-
se estreitamente com educação. Necessariamente, a inteligência não é uma condição para
aquisição cultural.
42

E por último, temos o primeiro entrevistado que optou por nenhuma das respostas. Na
sua expressão, percebi o seu nervosismo, que significava dúvidas e pouca clareza acerca do
conceito cultura.
Percebemos que a cultura defendida dentro da escola aponta para duas vertentes. O
conceito de cultura é entendido como construção de identidade, mas também como um saber
erudito. ―A cultura perpassa todas as ações do cotidiano escolar, seja na influência sobre os
seus ritos ou sobre a sua linguagem, seja na determinação das suas formas de organização e de
gestão, seja na constituição dos sistemas curriculares‖ (SILVA, 2006, p.204).
Ela é transmitida nas relações implícitas dentro e fora da escola por meios de
comunicação (mídia) e na relação entre os sujeitos escolares com a família e amigos que vão
constituindo uma dinâmica própria da cultura escolar.
A escola visa formar e que desenvolve esse tipo de formação segundo consta no
objetivo do P.P.P. é um aluno crítico e reflexivo (entende-se que esse aluno possua também
uma aprendizagem de qualidade)

“Que possibilite ao aluno a construção do conhecimento e o desenvolvimento de


habilidades que o torne capaz de integrar-se na sociedade como sujeito participante,
crítico e criativo”.
“Contribuir para o aprimoramento do educando como pessoa humana, através do
desenvolvimento da autonomia intelectual, pensamento crítico e ético”

É importante saber que o conceito de cidadania e para isso, é importante compreender


que um aluno crítico e reflexivo não limita-se a uma cidadania no sentido democrático
republicano. ―Nesse sentido, a cidadania, como sínteses de direitos e deveres, constiui-se
fundamento da sociedade democrática. [...] É preciso que cada indivíduo pratique
democracia‖ (PARO, 2001, p.10). Essa concepção de cidadania é condizente com a ideologia
das classes dominantes a tratar os diferentes como iguais, fortalecendo a desigualdade e a
exclusão social. Pois um cidadão crítico e reflexivo não está alheio as decisões políticas e as
injustiças que vão contra os seus direitos como cidadão. Segundo o discurso da gestora,
pedagoga e professora todos estão em consonância com o que é pregado pelo o P.P.P.

“Primeiramente um aluno com uma aprendizagem de qualidade, que ele saia


preparado não só para o mercado de trabalho, mas pra qualquer situação que ele
venha enfrentar no dia-a-dia da vida dele, o aluno crítico e participativo que saiba
exercer no momento certo, na hora certa a cidadania dela” (A.D.G/DIRETORA).
“[Demora um pouco a responder ]A escola ela visa né!? não só o Elira, que todas as
escolas almejam né... são forma cidadãos que é capazes de resolver né? seus problemas
e exigir seus direitos que ele seja um cidadão ativo na sociedade” (I.F.T/
PEDAGOGA).
“Formar cidadãos para o futuro” (R.S/ PROFESSORA).
43

Embora o discurso desses profissionais da educação esteja de acordo com o que está
dito no projeto político-pedagógico, a compreensão de cidadania destes profissionais não
remete outro conceito que não seja no sentido republicano neoliberal.
Na prática a cidadania na escola não está formando alunos com autonomia política.
Segue o discurso dos alunos sobre o que eles aprendem na escola

“Contar, ler, estudar, aprender, escrever, aprendemos mais as coisas que a professora
passa e prestar atenção na aula” (G.M.S/ 10 anos).
“Qual as coisas que a professora passa, substantivo, vezes, mais e prova dos noves”
(M.F.S/10 anos).
“Gosta de ler, aprender matemática” (A.M.T/ 11 anos).
“Ler e escrever, matemática” (C.B.C.C/ 10 anos).
“Ler e escrever, ser educada”(J.L.S/ 11 anos).

Todos os alunos estudam a mais de dois anos na escola e fica em evidência que a
escola não está preocupada em formar um aluno crítico e reflexivo.
Para a Diretora, a cidadania na escola é trabalhado a partir do momento em que os
alunos alcancem a maioridade. Mencionando apenas os alunos com faixa etária de 15 e 18
anos que estudam à noite. O aluno exerce sua cidadania quando escolhe um professor
conselheiro, o aluno representante de sala, dos dirigentes de pais e mestre e a escola exerce
essa cidadania disponibilizando o espaço e orientações de como eles devem proceder. Cabe a
eles serem cidadãos ou não, ou seja, a cidadania depende somente do indivíduo.

“Olha, eu vou falar pelo turno da noite, do turno que são alunos maiores de 18 anos, a
partir de 15 anos, eles já participam das eleições, da escolha por exemplo do conselho
escolar, que a gente está fazendo, da escolha dos dirigente da associação de pais e
mestre a APMC, [...]então a gente já trabalha de uma forma orientando eles para que
eles possam exercer esse processo da cidadania, e eles mesmo já vem com a sugestão
de dizer vamos escolher o professor conselheiro, o aluno representante de sala...
“(A.D.G/GESTORA).

Numa análise crítica (Dallari,1998) a cidadania não representa mais um símbolo da


igualdade para todos, mas sim, um surgimento de classes que possuem mecanismos de se
apropriar dos privilégios e das decisões políticas do país.
Para a professora, a cidadania é trabalhada com aos conteúdos específicos e a relação
deles com o cotidiano do aluno descrito como temas transversais. Entretanto, não observei em
sala de aula (5° ano) um ensino trabalhando a questão da cidadania com outras disciplinas.

“Mais assim, os professores trabalham mais em sala de aula, aproveitando situações


que aparecem, dentro mesmo de disciplinas específicas, temas transversais, alguma
44

ocorrência, alguma divergência entre colegas e aí a gente pega o gancho”


(I.F.T/PEDAGOGA).

Para a professora, em sala de aula, a questão da cidadania é trabalhada numa relação


de diálogo com os alunos tendo em vista que ela compreende a cidadania forma os alunos
para a vida, ela diz que

“Eu quero o meu aluno o que ele pretende ser quando crescer, porque nós estamos
formando cidadãos para o futuro, então ele tem que saber o ganhar e o perder, então
ele tem que sempre trabalhar pelo o que ele quer, sempre estudar pra conseguir né?
aquilo que ele pretende futuramente” ( R.S/PROFESSORA).

Na compreensão da professora, cidadania “é aquela que se esforça para ser alguém


no futuro, ter uma formação, ter uma profissão” (R.S/PROFESSORA). Ela entende que ―o
desemprego e a precariedade dos jovens advêm da falta de adequação entre formação e
emprego‖ (DUBET, 2001, p.30)
E essa concepção de mundo permeia na sala de aula, quando foi perguntado aos alunos
sobre o que eles pensam ao terminar os estudos

“Arranjar um emprego” (G.M.S/10 anos).


“Ajudar meus pais [em relação a ter um emprego] ajudando eles em casa, a
construir...”(C.B.C.C/10 anos).
“Penso em me empregar, arranjar um emprego bom e legal” ( J.L.S/ 11 anos).
“Eu quero seguir em frente [trabalhando e estudando], construir a minha família de
novo [referindo-se a sua família pois mora com a tia e os pais são
separados]”(A.M.T/11 anos).
“Eu penso em fazer uma faculdade de computação” (M.F.S).

Apenas o último apontou como resposta, em dar continuidade aos seus estudos mas
não perdendo de vista a importância do emprego.
A escola reforça essa concepção de que o educando deva se preocupar com o trabalho
e esses valores são difundidos desde a gestão até a prática dos professores.
É de grande importância salientar que todos os alunos pertencem a uma classe
econômica baixa. A maneira de viver desses alunos já influência no seu pensamento.
E a cidadania fica apenas no documento, na retórica e nas idéias dos profissionais que
atuam na escola. Não basta que a cultura escolar diga que vivemos num país democrático e
que cabe somente o indivíduo decidir ser cidadão ou não.

A experiência tem demonstrado que adianta muito pouco a lei dizer que todos são iguais
e proibir que umas pessoas sejam tratadas como inferiores às outras se não for garantida
a igualdade de oportunidades para todos desde o nascimento. Com efeito, quando uns
nascem ricos e outros pobres, as oportunidades para uns e outros são muito diferentes e
45

por isso as pessoas se tornam socialmente diferentes, desprezando-se a igualdade natural


(DALLARI, 1998, p.34 -35).

Não é possível analisar a escola sem levar em consideração as condições e


características sociais dos alunos. As diversas ações culturais presentes na escola orientam ou
quando não, conduzem os alunos que acabam entrando em conflito com sua própria cultura,
―as desordens e as discordâncias que o afetam enquanto sistema das relações que une as
competências ou as atitudes das diferentes categorias de estudantes com suas características
sociais e escolares‖ (BOURDIEU, 2002, p.120).
E o aluno crítico e reflexivo pregado pelo P.P.P coerente com o mesmo discurso da
gestora, pedagoga, e professora permanecem no ideal enquanto que na prática, os alunos são
formados para uma cidadania que o distância da reflexão, da crítica, da não autonomia, um
cidadão de uma democracia burguesa6.
A questão da autonomia da escola aponta contradições na teoria e na prática. No P.P.P
é expresso que

“A Escola Estadual EL leva em conta as diretriz gerais, leis e pareceres estabelecidos


em nível nacional e local para a organização estrutural do seu currículo sem deixar de
levar em consideração suas peculiaridades e sua autonomia”

O projeto político-pedagógico é um documento que deve se concretizar na prática e


tecnicamente, a escola não é obrigada a ter um projeto político-pedagógico, mas nas relações
de poder, implicitamente a Secretaria de Educação cobra por parte dos gestores escolares esse
documento. Pois o P.P.P é um requisito necessário para aquisição de verbas para a própria
escola. Segundo Vasconcellos (2007) ―Temos afirmado, no decorrer deste trabalho, que o
Projeto Político-Pedagógico é um caminho de consolidação da autonomia da escola‖ (p.175).
Mas no discurso seguido pela gestora, professora e pedagoga a escola não possui autonomia
própria.
Ao justificar porque a escola não possui autonomia, a professor não soube responder,
mas para a gestora e pedagoga, ambas justificaram que não possui autonomia pelas exigências
que são feitas da Secretaria de Educação e a escola tem que se adequar as normas. A escola
por si só não toma decisões sozinhas, tudo ela tem que prestar contas com a Secretaria

6
Entendido na concepção marxista-lenista que a democracia burguesa, sendo um grande progresso histórico em
comparação com a Idade Média, continua a ser sempre — e não pode deixar de continuar a ser sob o capitalismo
— estreita, amputada, falsa, hipócrita, paraíso para os ricos, uma armadilha e um engano para os explorados,
para os pobres.
46

“Olha, quando se fala de autonomia pra mim, seria uma liberdade pra você exercer
qualquer coisa, mas quando se fala em autonomia de uma escola, essa palavra não
existe, se existe é entre aspas. Por que tudo que a escola faz você tem que prestar
contas pra as autoridades maiores, com a secretaria, com a coordenadoria então você
não pode fazer nada sozinho nem tomar decisão sozinha se ela não for avaliada”
(A.D.G/DIRETORA).
“Não, que eu saiba não tem” (R.S./PROFESSORA)
“Não vejo por esse lado, porque tudo você depende de uma autorização de um
superior, né? propriamente dita, a gente tem alguma mas não própria, tudo você tem
que ter o aval do superior”(I.F.T/ PEDAGOGA).

A escola tida como um espaço democrático de discussão e difusão de saberes possui


autonomia que estão presentes nas relações de saber e poder jurídico. Essas relações de forças
implícitas estão enraizadas por instituições (Coordenadoria, Secretaria, Ministério de
Educação) que apóiam a escola para que ela possa exercer determinadas decisões, mas, que na
realidade, buscam limitar suas decisões. A autonomia que é pautada nos documentos que
regem as diretrizes nacionais de educação convenientes com a ação do Estado contribui para
um relação não cidadã, e tampouco democrática.

O fato de que a escola democrática de massa tenha construído as condições formais da


igualdade meritocrática das oportunidades, sem, entretanto, escapar da influência das
desigualdades sociais, engendrou grandes dificuldades pedagógicas e certa perda de
confiança no papel democrático da escola (DUBET, 2008, p.32).

O fato da gestora e da pedagoga afirmar que a escola não possui autonomia mostra
claramente que as decisões tomadas pela Secretaria e muitas vezes não beneficiam a escola
como deveriam e essas relações de conflito de poder implícitas faz com que a escola
distancie-se de formar alunos para uma cidadania que transforme a realidade social.
Segundo o P.P.P, filosoficamente a escola norteia suas pedagogia pela perspectiva ―crítico
social dos conteúdos‖. Isto significa que ―dessa forma, nossa proposta filosófica para a E.E.
EL está pautada na postura da pedagogia ―crítico social dos conteúdos‖.

Entretanto, a gestora, compreende que tendência pedagógica seja uma modalidade ou


um curso de capacitação para os servidores:

“O nosso P.P.P é fundamentado no Ensino Fundamental porque a escola só oferece a


modalidade fundamental que é do 1° ao 9° ano. Além da linha pedagógica e da parte
da educação dos alunos. Nós temos também voltado para a formação do servidor, nós
temos que oferecer também a preparação, a qualificação através de oficinas, curso
extras que é o letramento” (A.D.G./GESTORA).

Para a pedagoga I.F.T, a tendência pedagógica está pautada ―na linha moderna, na
escola nova moderna‖, para ela, a tendência pedagógica é como aquilo que está na atualidade.
A clareza de compreensão e a ausência de conhecer qual a filosofia da escola faz com que a
47

escola caminhe em direção a uma contradição. Tendência pedagógica é a concepção filosófica


de mundo, sociedade e homem que norteia a escola. A pedagogia crítica dos conteúdos tem
como base uma educação como transformadora da sociedade ―já que a própria escola pode
contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la democrática. Se a escola é parte
integrante do social, agir dentro dela é também agir no rumo da transformação da sociedade‖
(LUCKESI, 1994, p.69).
A professora R.S. demorou a responder e disse que não sabe qual a tendência
pedagógica. Os funcionários administrativos (vigia, merendeira, serviço gerais, secretária),
nenhum sabe o que é e somente a merendeira e a secretária ouviram falar no P.P.P

“Ouvi falar mas não sei te explicar exatamente o que é... teve aquela palestra uma vez
né? na escola, que a diretora falou que era projetos com a comunidade com a escola
da escola com a comunidade...”( I.C.S/MERENDEIRA).
“Eu já ouvi falar, mas não estou lembrado agora, não é P.D.E (Plano de
desenvolvimento Educacional) né?” (S.D.S.B./ SECRETÁRIA).

Dos alunos que foram selecionados para a entrevista, nenhum sabe o que é e somente a
aluna J.L.S acha que já ouviu falar.
Entretanto, quando perguntei à gestora se a prática do Projeto Político-Pedagógico
estava de acordo com o postulado no documento, ela afirmou:

“Com certeza, eles consideram sim [eles: professores]. A escola é uma equipe. (...) O
projeto foi preparado com todos os professores e funcionários. Então todo mundo tem
conhecimento desse Projeto Político-Pedagógico, desde nossas questões que
precisavam melhorar até as nossas ações pra ser executadas; então todos eles têm o
conhecimento, a pedagoga que está sempre em alinhamento é...”(A.D.G./GESTORA).

Já pedagoga afirmou que: ―não, contradiz muito né? Na prática do professor na sala de
aula, não tem assim, não. “Tá no paralelo a teoria com a prática. A gente vê isso no
resultado, no rendimento” (I.F.T./PEDAGOGA).
Falta de clareza e desconhecimento sobre a tendência pedagógica da escola por parte
da gestão, apoio pedagógico e da própria professora entrevistada; e o desconhecimento do
P.P.P por alunos e administrativos da escola, mostram certo descompasso entre os valores e
práticas julgados adequados pela escola e as ações e práticas características de seus agentes.
Uma das razões para isso parece ser o fato de que para a escola, mais do que cumprir com o
que determina o P.P.P, o grande desafio é cumprir as metas que são impostos pela Secretaria
de Educação.
48

“Promovemos a participação de todo corpo docente e discente nos trabalhos em


equipes, inclusão nos projetos formativos, bem como os princípios de convivência que
consideramos eficazes na formação dos profissionais de ensino e, assim, de nossos
educandos [...] A escola já caminha para uma gestão democrática, pois se percebe
certa descentralização do poder, uma vez que as decisões na dimensão política e
administrativa são tomadas com o aval da comunidade escolar” (P.P.P. DA ESCOLA
EL).

Não podemos entender que essa escola caminhe para a democracia uma vez que não
há participação na construção do P.P.P. por alunos, professores e demais funcionários. Uma
gestão educacional democrática consiste no ―desenvolvimento tanto de quem vai realizar a
prática como de seus usuários, na tomada de decisão, constitui-se em condição básica da
gestão democrática, efetividade de ações e autonomia da escola‖ (LUCK, 2007, p.45- 46).

A tendência pedagógica na escola na teoria e prática é uma dicotomia, além de tudo.


Observamos que existem características que aponta mais de uma tendência dentro da escola,
uma delas ainda continuam na pedagogia liberal tradicional em que ―o caminho cultural em
direção ao saber é o mesmo para todos os alunos‖ (LUCKESI, 1994, p.56). O exemplo disso é
a Provinha Brasil, que muda muitas vezes o planejamento do professor. A escola continua
centrada no compromisso de transmitir conhecimentos. Isso ocorre não somente pela
resistência dos professores a uma nova mudança. Mas pelos os próprios mecanismos de
controle da secretaria, falta de estrutura e dificuldades em relação aos próprios alunos
oriundos de problemas cognitivos e sociais, esse conjunto de fatores faz com que a escola
continue tendo esse caráter seletivo. Não podemos apontar apenas que a prática com a teoria é
contraditória pelos os resultados alcançados pelos professores. Tanta a pedagoga e a gestora
afirmaram que a escola não possui uma infra-estrutura adequada para a execução do P.P.P.
Ambas afirmaram também que todos os professores que atuam na escola são graduados e
atuam nas áreas específicas de formação.
Na formação específica para seus ―sujeitos‖, tendo em vista a execução do P.P.P, as
respostas entre a gestora e a pedagoga foram contrárias.

“Não, em cima da proposta do P.P.P não” (I.F.T./ Pedagoga).


“Olha a gente sempre tem as oficinas, ano passado aconteceu uma empresa parceira
que cedeu esses profissionais pra gente, fazer essa oficina junto com todos eles cada um
no seu turno isso tanto a escola como os anexos vieram participar, uma equipe de
manhã e outra tarde só não executamos no turno noturno, porque esses professores
trabalham três horários então não teve como participar dessas atividades, então, ficou
faltando somente o pessoal do turno noturno” (A.D.G/DIRETORA).

Tanto a gestora quanto a pedagoga que participaram da construção do P.P.P mas ficou
claro que suas concepções são bem distintas sobre o P.P.P na teoria e prática, dentro disso,
49

podemos entender que ―a realidade é marcada pela complexidade de dimensões e movimentos


expressos por meio de contradições, tensões e incertezas, cuja superação prepara o contexto
para novos estágios mais abrangentes e significativos desses aspectos‖ (LUCK, 2007, p.39).
As concepções distintas mostram claramente que o que está sendo feito na escola não
está voltado para a prática do P.P.P, as inúmeras atividades e responsabilidades de trabalho
que a gestora e a pedagoga possuem, faz com que a atividade desenvolvida na escola não
esteja voltada para uma mudança significativa.
A diretora, a pedagoga, professora e os alunos são sujeitos que estão envolvidos numa
dinâmica de poder, e a preocupação maior por parte da administração é que a escola
simplesmente funcione regularmente, bom ou mau, existem decisões que vão além da própria
gestão escolar que são tomadas diretamente pela Secretaria de Educação. ―Antes de tudo é
preciso destacar o fato de que a escola não é um simples lugar de aprendizagem de saberes,
mas sim, e ao mesmo tempo, um lugar de aprendizagem de formas de exercício do poder e de
relações com o poder‖ (LAHIRE, 2004, p.59).
Existem cursos e oficinas para os profissionais da escola que podem até fazer parte da
execução do próprio P.P.P não tendo isso como objetivo.
50

Considerações finais

Através da pesquisa foi possível compreender a importância que tem a cultura da


escola no contexto social buscando identificar qual o objetivo dessa cultura e como ela age na
formação dos sujeitos.
A cultura da escola é disciplinadora, autoritária e não está voltada para a formação de
um aluno crítico e reflexivo. Os valores e práticas característicos da cultura escolar expressam
a reprodução dos valores e práticas característicos da sociedade burguesa, ainda que o P.P.P
exprima intenção dissonante.
O que é expresso no P.P.P não é correspondido na prática. Por sua vez, os
responsáveis pelo cumprimento do P.P.P freqüentemente revelam desconhece-lo ou divergir
dos pressupostos nele apresentados.
A escola, na prática, não se revela como um local democrático porque não busca a
participação dos sujeitos escolares (comunidade, professores e alunos) nas tomadas de
decisão.
Formar alunos para o mercado de trabalho é o verdadeiro objetivo da escola.
A escola culturalmente legitima a cidadania como um ato individual e cabe ao aluno
ser cidadão ou não. Ele pode fazer parte na tomadas das decisões que direcionam o país.
Essa concepção de cidadania defendida na escola republicana liberal mascara a
realidade de que para exercer cidadania é necessário dispor de condições para ser cidadão.
Embora seja expresso no P.P.P que a prática pedagógica é a ―críticas dos conteúdos‖, ainda
prevalece a tendência tradicional. A formação dos professores, as condições da escola (infra-
estrutura), as relações com os alunos e o compromisso do professor para a mudança fazem da
cultura escolar uma cultura formadora de sujeitos pouco estimulados a compreender
criticamente a realidade em que vivem e, por isso, pouco propensos ao exercício da cidadania.
Antes de tudo, pensar criticamente em cidadania é saber que ela não é o produto
exclusivo da ação individual. Para ser cidadão, é necessário ter condições favoráveis para
exercer cidadania. Cidadania deve ter uma aproximação direta com justiça e integridade, o
que não observamos em nossa sociedade. Esse afastamento entre a educação formal e a
formação crítico-reflexiva pode ser uma das causas que fazem com que o indivíduo se torne
alheio aos acontecimentos políticos de sua comunidade, bairro, cidade e país.
51

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54

ANEXO A

QUESTIONÁRIO PARA A GESTORA, PEDAGOGA E PROFESSORA


Nome:
Função:
Idade:
Tempo de Serviço:
Formação:
Carga horária de trabalho:
Lecionou em sala de aula?
Tempo:
Forma de ingresso:
Foi gestor alguma vez?
A quanto tempo foi gestor?

1- Qual a “linha pedagógica” do P.P.P?


2- Os responsáveis pela execução do P.P.P. das práticas pedagógicas na escola
consideram-nas consoantes com os postulados do documento? Por quê?
3- A infra-estrutura da escola (bibliotecas, brinquedotecas, espaços de lazer,
laboratórios etc) é adequada à execução dos postulados do P.P.P?
4- A conduta dos “sujeitos escolares” (professor, administrativos, pedagogo, pais) é
adequada ao tipo de formação proposto pelo P.P.P.?
5- Qual a formação dos professores?
6- A escola promove algum tipo de formação específica para seus “sujeitos”, tendo
em vista a execução do P.P.P?
7- As decisões administrativas da escola correspondem àquilo pregado pelo P.P.P.?
8- O que a senhora compreende como cultura?
9- O que a senhora compreende como diversidade cultural?
10- Que tipo de aluno a escola visa formar?
11- O que a senhora entende por cidadania?
12- É trabalhado a questão da cidadania nessa escola? De que forma é trabalhado?
13- A senhora fez parte da construção do P.P.P.? Explique como foi
14- A escola possui algum tipo de autonomia própria? Explique
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ANEXO B

QUESTIONÁRIO PARA A MERENDEIRA, VIGIA, SERVIÇOS GERAIS E


SECRETÁRIA
Nome:
Função:
Idade:
Tempo de serviço:
Formação:
Carga horária:
Ingresso:
Tem outro trabalho?

1- Você trabalha antes com o quê?


2- Como a escola deve funcionar pra você?
3- Como é a tua relação profissional com os alunos?
4- Como é que se dá a tua relação com os outros profissionais da escola?
5- Como é a sua relação com a comunidade?
6- Você sabe o que é o P.P.P?
7- Você participou da construção?
8- O que você entende por cultura ?
56

ANEXO C

QUESTIONÁRIO PARA ALUNOS

Nome:
Quanto tempo estuda na escola?
Idade:
Repetiu alguma vez? Quantas vezes?
Mora no Bairro?
Você mora com quem?
Seus pais trabalham em quê?
Freqüenta alguma religião?

1 - Cultura pra você significa


a) ( ) Costrução de identidade?
b) ( ) pessoa inteligente?
c) ( ) pessoa educada, refinada que escuta música clássica, gosta de teatro e etc.
d) ( ) Pessoa que tem seus costumes?
e) ( ) Todas as respostas?
f) ( ) Se não for nenhuma das questões, diga em uma frase o que é cultura

2 O que é que você aprende na escola?


3 Sabe o que é o P.P.P?
4 Sabe o que é cidadania?
5 Por que é que você estuda?
6 O que você acha da escola?
7 Tem alguma coisa que a escola faz que você não gosta? E por que?
8 O que você pensa após terminar os estudos?
9 Tem algum funcionário da escola que você não goste? O que você entende por
cultura?
10 O que você entende por cultura?

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