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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

UMA ANÁLISE DO
DISCURSO DE ALUNOS ADULTOS TRABALHADORES DA UFRGS
*Sita Mara Sant’ Anna Gustavo.

*Mestranda em Educação – UFRGS,


Coordenadora do Programa
de Ensino Fundamental
para Jovens e Adultos
Trabalhadores . UFRGS –
FACED - PRORHESC
I INTRODUÇÃO

“Na minha convivência com o estudo da


linguagem - e essa especificidade - eu
aprendi que as palavras não significam
por si mas pelas pessoas que as falam,
ou pela posição que ocupam os que as
falam. Sendo assim, os sentidos são
aqueles que a gente consegue produzir
no confronto do poder das diferentes
falas. Pensando nisso, resolvi entrar na
disputa desses sentidos e correr o risco
de falar de fora, procurando, no entanto
não excluir e nem produzir o efeito de
minha exclusão” (ORLANDI, 1996 P.95-
96).

Com o objetivo de buscar o desvelar dos sentidos


emanados nas falas de adultos trabalhadores, é que desenvolveremos este
trabalho. Sem a pretensão de nos aprofundarmos apresentaremos
algumas falas - recortes extraídos de 18 pronunciamentos dos adultos,
formandos de 1(uma) turma do Programa de Ensino Fundamental para
Jovens e Adultos Trabalhadores, desenvolvido pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, numa parceria entre a Faculdade de educação e a
Pró-Reitoria de Recursos Humanos. Buscando aplicar o referencial teórico
da Análise do Discurso, as análises serão realizadas com a intenção de
identificar as posições de sujeito manifestadas pelos alunos e quais são as

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formações discursivas que emergem e/ou se entrecruzam nestes
pronunciamentos, manifestando sentidos diversos.
A partir destas falas procuramos explorar o
intradiscurso (materialização discursiva), destacando-se algumas
formulações de referência que portam marcas lingüísticas que possibilitam
o estabelecimento de relações com o interdiscurso (lugar dos saberes
discursivos), afim de refletirmos sobre nossas ações pedagógicas em
Ensino de Língua Materna para Jovens e Adultos Trabalhadores.

II - A ANÁLISE DO DISCURSO

“... a palavra é um ato social com todas


as suas implicações: conflitos,
reconhecimentos, relações de poder,
constituição de identidade, etc.
(ORLANDI, 1996, p.17)

Em oposição aos estudos lingüísticos conhecidos e que se


ocupavam, principalmente com a ordem da língua e seus significantes,
emerge, por volta dos anos 60, a Análise do Discurso ( AD ).
Até então, a supremacia do racionalismo do Pensamento
Cartesiano (Descartes ), se fazia presente nos estudos científicos da época.
A concepção de sujeito e de linguagem, de acordo com estes princípios, se
mesclava em uma teoria da transparência, onde o sujeito - “ ser universal”,
concluso, psicológico, calculável e descritível se constituía por uma
linguagem também transparente.
Durante a segunda metade do século XIX, com a contribuição
da Psicanálise, entre outras ciências, as noções de sujeito e de linguagem
deixam de ser as mesmas, pois o “ser universal” passa a ter um

3
inconsciente agindo sobre o consciente, o que lhe fornece o caráter da não
transparência e da incompletude do sujeito da linguagem.
Partindo dos princípios da não transparência dos sujeitos e
dos discursos, a Análise do Discurso vai se ocupar com o que está “por de
trás” dos enunciados e vai buscar no ideológico a relação entre o “dito” e o
“não dito”, a partir das posições de sujeito ocupadas pelos indivíduos, na
sociedade.
Segundo BRANDÃO (1995, p.40) “cabe à AD trabalhar seu
objeto (o discurso) inscrevendo-o na relação da língua com a história,
1
buscando na materialidade lingüística as marcas das contradições
ideológicas.” Remetendo à Pêcheux, cita a autora que são as formações
discursivas que, em uma formação ideológica específica e levando em
conta uma relação de classe, determinam o que pode e o que deve ser dito
a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada (BRANDÃO,
1995:38)
Segundo Maingueneau (1996) foi a partir de importantes
manifestações que se desenvolveu a escola Francesa de A.D. Tais
manifestações foram dirigidas por três segmentos distintos e encabeçados
por: Jean Dubois, no Departamento de lingüística da Universidade de
ParisX - Nanterre; pelo Centro de Lexicometria Político, da Escola Normal
Superior de Saint Claud; e por Michel Pêcheux, com sua concepção
Materialista Francesa da Análise do Discurso, em especial, a quem
direcionaremos este estudo.
Na obra “Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do
óbvio”, em seu terceiro capítulo, Pêcheux nos revela a origem da teoria
Materialista do Discurso e nos remete a uma reflexão sobre as condições
ideológicas da reprodução/transformação das relações de produção.

1
Para a AD, materialidade lingüística são os enunciados, os pronunciamentos orais e escritos; as falas.

4
Para ele, é a ideologia que interpela o indivíduo em sujeito e é
na evidência, provocada pela ideologia, que se constituem os saberes
universais. Pêcheux (1995,p.159-160) justifica seu postulado com o dizer:
“um soldado francês não recua”, significa, portanto “se você é um
verdadeiro soldado francês, o que, de fato você é, então você não
pode/deve recuar (...)”. “É a ideologia que fornece as evidências pelas quais
“todo mundo sabe” o que é um soldado, um operário, um patrão(...)”, que
fazem com que uma palavra ou um enunciado queiram dizer o que
realmente dizem(...)”. E é nesta falsa transparência de linguagem que se
“esconde” o caráter material do sentido, pois este fica determinado pelas
posições assumidas pelo sujeito (Formações Ideológicas - FI) e que
determinam o que pode e o que deve ser dito (Formação Discursiva - FD).
É numa Formação Discursiva que as palavras recebem o seu sentido.
Pêcheux vai chamar de Interdiscurso o efeito da interpelação
ideológica, o “pré-construído” no nível da memória, a imaterialidade dos
saberes; e de intradiscurso, à materialidade discursiva. Vai dizer ainda que
é no interdiscurso que reside a identidade presente, passada e futura dos
enunciados. Lá é o lugar das antecipações-formulações imaginárias que
designam “o lugar que destinador e destinatário atribuem a si e ao outro, a
imagem que eles fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro (...) e são
estas antecipações que vão fundar as estratégias do discurso. (BRANDÃO,
1995,p.36)

AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO

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Para analisarmos os recortes discursivos, necessitamos
conhecer um pouco mais sobre as condições em que os mesmos foram
produzidos.
O Programa de Ensino Fundamental para Jovens e adultos
trabalhadores - PEFJAT, é uma experiência pedagógica instituída na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desde 1989.
Esta iniciativa vem sendo conduzida por dois objetivos
principais: a escolarização, em nível de 1º grau aos Servidores da UFRGS,
que não tiveram a possibilidade de concluí-lo em tempo hábil e a constante
busca da efetivação de um espaço para pesquisa e reflexões das práticas
em Educação de Jovens e Adultos. São estes objetivos que fazem deste
Programa uma experiência pedagógica diferenciada e reconhecida pelo
Conselho Estadual de Educação, desde 14 de novembro de 1995.
Não se trata de um Ensino Supletivo tal e qual ao que já
conhecemos e isto fica bastante evidenciado, já por sua origem.
A partir de discussões entre um grupo de professores da
Faculdade de Educação, o antigo Departamento de Pessoal da
Universidade, atual PRORHESC e a ASSUFRGS - Associação dos
Servidores da UFRGS, é que se concretizou o PEFJAT, naquela época
intitulado: Curso de terminalidade Escolar para os trabalhadores da
UFRGS, que ocupava-se com algumas turmas de iniciação à leitura e
escrita (nível I).
Em 1990, conforme dados do 2CRUB - Conselho de Reitores
das Universidades Brasileiras, que informava o elevado número de
servidores das Universidades que não tinham completado o Ensino Básico,
o Projeto na UFRGS, passa a abranger também o nível II - Ensino de 1ª a
4ª série e, para buscar sustentação regulamentar, apoiava-se na

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experiência do 3Centro de Estudos Supletivos (CES), localizada na Rua
André Bello, em Porto alegre, que aplicava as provas do ensino modular,
por disciplinas.
Em 1991, devido a demanda interna e, nos mesmos moldes do
nível anterior, o Projeto passa a atuar com 4turmas de nível III e, em 1994,
já abre vagas para o nível IV.
Atualmente com a autorização pelo Conselho Estadual de
Educação, o Programa de Ensino Fundamental para Jovens e Adultos
Trabalhadores atua com plena autonomia em busca de uma escola
diferenciada para adultos.
Para que o Programa se consolide, os servidores-alunos são
dispensados de seu horário de trabalho, por duas tardes durante a
semana, a fim de assistirem às aulas que acontecem próximo aos seus
locais de trabalho, em três “Campi” da Universidade (Campus Central,
Campus do Vale e Campus da Saúde).
O corpo docente que atualmente atua no Programa é formado
5
tanto por alunos dos cursos de licenciatura da própria universidade, com
matrícula a partir do 4º semestre e que, conforme as possibilidades
realizam o estágio obrigatório de graduação; como também, por servidores
da universidade já licenciados, liberados do seu horário de trabalho, que
atuam como professores-voluntários.
Por ser uma experiência pedagógica diferenciada, sua
estrutura curricular também é distinta. As disciplinas são agrupadas em

2
Em documento: CRUB -Sistema de Informações sobre as universidades brasileiras. Brasília, SIUB/INEP,
1987.
3
Os alunos tinham aula na Universidade e os professores do CES se deslocavam para UFRGS, em dia e hora
marcado para aplicação das provas autorizadas. CES - Secretaria Estadual de educação.
4
As turmas de nível III e IV correspondem as séries finais do 1º grau.
5
Por esta característica o Programa conta também com a participação de professores orientadores da
Faculdade de Educação que se responsabilizam pela orientação e coordenação das atividades desenvolvidas
na área de atuação e blocos temáticos.

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três blocos temáticos: Sociedade e cidadania, que compreende as áreas (
História, Geografia e Sociologia), Ciência e Tecnologia, (com Matemática e
Ciências Físicas e Biológicas) e Linguagem, constituída por Língua
Portuguesa e Artes Cênicas.
Estes blocos se caracterizam por uma busca constante da
interdisciplinaridade entre si. Dentro desta perspectiva o 6currículo, ainda
em construção, deixa e ser algo estático e fechado tornando-se aberto a
novas perspectivas e dinâmico pela natureza de sua constituição.
Além das disciplinas o Programa também oferece oficinas, que
acontecem em horários especiais - horário do almoço e após o expediente.
Entre elas figuram: Linguagem Também é Corpo, Informática, Teatro para
Adultos, Produção Literária, Laboratórios de Ensino de Matemática por
Computador, Cidadania e Saúde, Iniciação ao Desenho Técnico, Línguas
Estrangeiras - Francês, Inglês e Espanhol, entre outras, constituindo-se
também em espaço para prática pedagógica de ex-alunos do programa.
Considerando alguns pressupostos Teórico - filosóficos, como
os de que o indivíduo constrói conhecimento e que todo homem aprende,
entre outros, se configura, gradativamente a proposta - Projeto político -
pedagógico do PEFJAT, que busca uma 7escola ressignificada para os
adultos trabalhadores, onde o currículo passa a ser constituído e
considerado por todos os envolvidos no projeto, a partir das histórias de
vida - mundo vivido, para o mais amplo, o mais significativo para o adulto
trabalhador.

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O currículo no PEFJAT está sendo “construído” através das discussões sobre as práticas de sala de aula,
pelos professores e, atualmente, estas discussões estão sendo revistas com os alunos que, já em 18/19 e 20 de
dezembro passado, realizaram um primeiro seminário onde discutiram a questão.

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Os Alunos

Embora o PEFJAT não seja uma escola como as do ensino


regular, temos que considerar neste contexto, a Instituição “Escola”, antes
de adentrarmos nos recortes discursivos.
Os alunos adultos são trabalhadores que tiveram pouco tempo
de permanência no sistema escolar. Porém observa-se em sua prática
discursiva cotidiana, as marcas deixadas por esta presença. Eles têm
fortemente inculcados em si, o modelo da escola que os excluiu: a escola
regular tradicional. Por isto portam discursos onde o professor, em seu
lugar, é autoridade enquanto o aluno, no seu espaço, é o que não sabe, o
que tem muito a aprender. Conforme ORLANDI (1987) a apropriação deste
discurso pelo aluno, também está relacionada com a 8imagem que ele faz
do professor. Pêcheux (1995) fala das antecipações e também vai se referir
as imagens que os interlocutores fazem, em sua memória discursiva, um
do outro, e que vão evidenciar os “dizeres”. ORLANDI (1987) ao abordar o
Discurso Pedagógico reflete sobre a posse que o educador faz do discurso
cientificista, na ação mediadora do “ensino-aprendizagem” . Conforme a
autora “o que o professor diz se converte em conhecimento, o que autoriza
ao aluno, a partir de seu contato com o professor, no espaço escolar, na
aquisição da metalinguagem, a dizer que sabe: e a isso se chama
escolarização.”
E é em busca deste saber institucionalizado pela escola,
dissimulado pelo jogo ideológico dos efeitos de sentido produzidos pelas

7
O PEFJAT se constitui num campo de pesquisas em Educação de jovens e Adultos, nas diferentes áreas de
conferimento, para os diferentes segmentos (alunos, professores/Técnicos Administrativos, mestrandos e
doutorandos em educação do PPGEDU da UFRGS e de outras universidades).
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Mesmo os alunos que nunca freqüentaram a escola têm, por imagem socialmente construída e claramente
definido o que é uma escola, como funciona e como se dão as relações em seu interior.

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diferentes posições assumidas (professor/aluno) no discurso pedagógico,
que os adultos vão construindo sua práxis escolar cotidiana.

Dos Pronunciamentos Considerados Para Análise

As seqüências discursivas a serem analisadas neste ensaio


foram extraídas de textos produzidos em sala de aula, dentro do meu
trabalho de Língua Portuguesa, pelos alunos de uma turma de nível IV do
Programa, que corresponde as séries finais de primeiro grau.
Estes dezoito alunos, servidores da universidade, ocupam
cargos de nível de apoio, correspondentes às funções de: carpinteiros,
marceneiros, serralheiros, pedreiros, serventes de limpeza e porteiro.
Ingressaram no programa durante o segundo semestre de 1992, em uma
turma de nível III, com equivalência a 5ª série do 1º grau. Em geral esta é
uma turma que se caracteriza pela união e amizade. Sempre que algum
colega tem dificuldades (em todas as ordens: aprendizagem,
relacionamento, financeira, pessoal, etc.), todos se reúnem e buscam, em
conjunto, uma possível solução para o problema.
Durante o primeiro semestre de 1996, em fase final de curso,
vivenciaram uma nova experiência. Por serem formandos, estes alunos em
conjunto necessitavam produzir o seu discurso de formatura. Para tanto
passamos a dialogar, visando o resgate desta trajetória. Desta forma eles
produziram textos que refletiam sobre: Por que voltei a estudar? e Como
eu era antes de ter voltado a estudar?

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Em momento anterior os alunos contaram, oralmente em sala
de aula, alguns fatos que julgaram relevantes sobre estas reflexões. Após,
iniciaram a produção escrita a qual finalizaram em casa.
De todo o material produzido , somado a dinâmicas para a
aproprição de tipologias de textos de “discursos” de formatura,
conseguimos construir o texto coletivo dos alunos da turma 4A, que
concluíram o ensino fundamental em setembro de 1996.

Considerando este contexto e, sob o olhar da teoria discursiva


apresentada, esses pronunciamentos em análise geral, são heterogêneos,
porque caracterizam-se como o lugar de vozes diferenciadas representando
posições de sujeitos diferentes, como as que nos remetem aos papéis de
mulher, pai/mãe, trabalhador/trabalhadora, etc., mas com algumas
predominâncias específicas, que serão destacadas durante a análise, a
partir das seguintes seqüências discursivas:

a -“Voltei a estudar porque estava


fazendo falta na minha vida. Sou
servente de limpeza e quero fazer
concurso pra coisa melhor.” (J.O., m)

b -“Sempre tive dificuldade nos concursos


e tinha poucas chances de
aprovação.” “ Só vence na vida quem
tem estudo.” (J.A., m)

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As posições de sujeito representadas nestas falas, em geral,
manifestam a exclusão. Indicam o lugar de inferioridade e ao mesmo
tempo o reconhecimento de que o estudo significa a passagem para outro
lugar - possibilidade de ascensão profissional. Estes recortes nos apontam,
em uma visão geral, que os adultos trabalhadores, excluídos por não se
sentirem parte da cultura letrada da UFRGS ou da sociedade, assumem
uma Formação Discursiva Pedagógica caracterizada como do senso
comum , cujo tema seria: “ através do estudo haverá ascensão”.
Além disso podemos observar que, na maioria das ocorrências,
os alunos remetem a um outro a dádiva de lhes ter oportunizado a entrada
no Programa ou mais especificamente, por lhes ter oferecido a
possibilidade de poderem freqüentar o curso, como se o seu próprio querer
não lhes garantisse o acesso ou não lhes fosse permitido.

c -“Voltei a estudar por diversos motivos:


primeiro porque fui incentivada por
meu marido e meus filhos.” (S.H.,f)

d - “(...) Nesta época fui chamada pelo meu


coordenador que disse haver me
inserido no curso da Reitoria”(O.V.,f.)

e - “[..] minha esposa tem curso superior,


meu filho mais velho está concluindo
o 2º grau, o mais novo, com 11 anos
está na 6º série e tudo isto pra mim
foi um incentivo para voltar a estudar.
“(S.B., m)

f -“[...] a maior invenção que a professora


Neusa e os outros poderiam
oportunizar.”(V.M., f)

g-“[...] em 1991 o meu diretor e sua


secretária que sabiam da minha

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vontade de estudar, me inscreveram
no programa.” (V.M.,f)

Nos enunciados c e d, as expressões “fui incentivada” e “fui


chamada”, o uso da voz passiva vem demarcar o apagamento do agente
das ações que representam a volta aos estudos. Esse emprego, vem a
enfatizar a importância da presença do outro nas falas dos adultos. Em
alguns recortes este outro tem uma autoridade consagrada na UFRGS o
que parece lhes dar “um certo” apoio externo., como em g (meu diretor e
sua secretária). Essa condição de paciente e não de agente da ação,
representada pelos verbos chamar (d), incentivar (e) e inscrever (g),
encabeçada pela presença do outro (responsável por sua entrada e
permanência no programa) evidencia o sentido de prêmio, de dádiva
recebida:

h -“Mauro veio me falar desta


oportunidade, mais como um prêmio
pelo meu esforço no trabalho, e assim
eu vim me matricular no curso”. (MO,
m)

i -“Voltei a estudar porque ganhei esta


oportunidade.”(TO,f / CP,f)

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Nestes enunciados e em outros, de uma forma geral, os alunos
adultos, Trabalhadores da UFRGS, assumem o fato de que já foram
excluídos da escola regular, não possuindo mais a idade de freqüentar a
escola básica, assimilando assim esta condição, que é “evidente” para
todos na sociedade. Porém, em j e l, uma posição de resistência é
assumida:

j - “Não só os jovens que podem aprender.


Todos os que tiverem muita coragem
devem estudar.” “[...] há muitas
críticas. Uns dizem que estou muito
velha para voltar estudar, mas eu
respondo que é bom, muito bom, pois
só assim eu posso conversar com
outras pessoas sem sentir vergonha.”
(D.M.,f)

l - “Eu estou de parabéns porque voltei a


estudar depois de 40 anos.”(S.A., m)

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REFLEXÕES FINAIS

Ao término deste não posso deixar de considerar o fato de somente 1 (um)


aluno ter assumido a posição manifestada na seguinte seqüência discursiva: “ Voltei a
estudar porque eu realmente quis”, o que revela uma posição de sujeito diferente.
Outra observação importante é que em quase todos os textos os alunos
terminam com enunciações como essas:

m - “Muito obrigada pela paciência de vocês


professores!”

n - “Tudo isso graças a esses professores que se


fizeram heróis para nos ensinar. Nós que
estávamos parados há muitos anos e eles,
homens com muita força de vontade
venceram os obstáculos.” (S.A., m)

Esta análise inicial, embora ainda parcial, revela que a posição de sujeito
predominante é do excluído, havendo efeitos de sentidos diversos. Não posso deixar de
considerar o fato de a Universidade se constituir no local privilegiado onde os saberes se
constituem e circulam. A supremacia do trabalho intelectual mostra a contradição referente
ao fato de os alunos-funcionários atuarem na UFRGS em atividades de apoio - trabalho
manual. Embora saibamos que não há trabalho manual desvinculado do intelectual, esta
contradição fica fortemente demarcada na Universidade, conforme depoimentos dos alunos
do PEFJAT, pela segmentação dos papéis de professor, aluno e funcionário.

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Eu sempre ouvira falar que os alunos “pouco letrados”, por diferenças
culturais e sob a ótica das relações de poder vigentes, ocupavam o lugar da exclusão no que
diz respeito a sua “inserção” na sociedade letrada. Porém, reconhecer que o aluno adulto em
sua materialidade discursiva “deixa pistas”, por marcas lingüísticas (ou mesmo por
silenciamentos ou discursos que se entrecruzam) da posição de sujeito da exclusão, nos
remente (e aí eu incluo a todos nós-educadores de Jovens e Adultos) a procurar o
desenvolvimento de práticas pedagógicas significativas, que privilegiem também a
oralidade, e a corporeidade, em ensino de Língua Materna.
Penso ser o espaço de sala de aula um lugar real para que se efetivem
algumas mudanças, precedidas por algumas trocas de papéis. O aluno adulto vivencia a
linguagem na cotidianeidade e por vezes, em sala de aula, fala de outros lugares que não
representam o papel tradicional de aluno, principalmente quando se abrem espaços para
discussões de temas que urgem pelas diferentes culturas. Mas para que isso efetivamente
aconteça, faz-se necessária uma mediação, por propostas pedagógicas dialógicas que
possibilitem o rompimento dos lugares professor/aluno da escola tradicional, que muitas
vezes desconsidera o fato de que o aluno conviva com diferentes formas de linguagem,
privilegiando as atividades escritas (ainda na inculcação da gramática tradicional), quase
que desconsiderando totalmente a oralidade e a corpoiredade.
Por práticas junto aos alunos adultos no ensino fundamental torna-se óbvia a
necessidade do ensino de Língua Materna que previlegie as outras linguagens. Ao soltar a
voz e o corpo, o “aprender a dizer a sua palavra” flui naturalmente na Educação de Jovens e
adultos.
O que se pretende com essa mudança é o deslocar sentidos. É apostar que ela
possibilite fazer com que a sala de aula se transforme num espaço de troca - construção e
reflexão do e sobre o saber.
O espaço de sala de aula, em ensino de Língua Materna deve ser
desencadeador de muitas possibilidades de falas. Os alunos adutos que falam do lugar de

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exclusão precisam vivenciar e refletir sobre a linguagem (em situações reais de produção e
não como meros repetidores ou reprodutores de um ou outro tipo de textos).
Esta apropriação real nos leva à compreensão e busca do lugar 9sujeito-leitor
/ autor de diferentes tipos de textos: narrativos, jornalísticos, literários e etc.
Em Educação de Jovens e Adultos e, mais especificamente em ensino de
Língua Materna é isso que consigo ver a escola prometer: “vivências e reflexão sobre a
língua (em situações reais de produção) onde os alunos percebam os deslocamentos
possíveis (passagem de um lugar para outro, autorizando-se a falar também de outras
instâncias, outros “lugares de dizer”, que não sejam somente as instâncias da exclusão.

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Consepção sujeito-leitor / autor - Orlandini, Eni. Discurso e Leitura. Editora da UNICAMP, 1996.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, Helena N. Análise do discurso. Campinas: UNICAMP, 1994.

MAINGUENEAU, Dominique. L’ analyse du discours en France


aujourd’hui. Le Français dans le monde, numèro special.Juillet,
1996.p.9-15.

MASSOTA, Oscar. Introdução à leitura de Lacan. São Paulo, Papirus,


1988.

ORLANDI, Eni P. Discurso & Leitura. São Paulo, Editora da UNICAMP,


1996

PÊCHEUX, Michel. O Discurso. Tradução Eni P. Orlandi et al., Editora


Pontes, 1990.

_____Semântica e Discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio, São Paulo,


Editora da UNICAMP, 1995.

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