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De acordo com os ditames da visão clássica dos contratos, prevalecente no Código Civil
brasileiro editado em 1916, vigorava o princípio da força obrigatória (pacta sunt servanda), que
impunha às partes a cega submissão aos termos do pacto, pouco importando que nele se
verificasse uma troca equilibrada de interesses. Não importava que o contrato fosse justo,
bastando que se respeitasse a autonomia das partes para a livre escolha da maneira como
deveriam regulamentar seus interesses. A liberdade de contratar, em suma, era mais relevante
que a razoabilidade das prestações.
O cenário do Direito Civil contemporâneo abre espaço para uma nova compreensão do papel dos
contratos, em conformidade com os preceitos da justiça e da dignidade da pessoa humana.
Deixou-se de lado o excessivo apego à vontade das partes, passando o ordenamento a se
preocupar com o conteúdo dos contratos, que devem servir como um instrumento de justa
distribuição de riquezas. Os contratos, em sua moderna concepção, passam a obedecer aos
critérios da função social, da boa-fé objetiva e da justiça, que, incompatíveis com a aclamação de
perdas e ganhos desmedidos, impõem limitações à autonomia das partes.
Diante dessa nova perspectiva, o ordenamento passa a se munir de instrumentos que permitem o
combate à onerosidade excessiva, evitando-se assim a consagração de um indesejável
desequilíbrio entre as prestações assumidas contratualmente.
A onerosidade excessiva, nesse primeiro caso, surge como um evento que rompe as bases
inaugurais do contrato, fazendo surgir situação diversa daquela que existia, gerando flagrante
prejuízo para uma das partes. A intervenção de fatores externos sobre as bases negociais tornou-
se conhecida como cláusula “rebus sic stantibus”, considerada implícita em todo negócio de trato
sucessivo, que impõe a manutenção das coisas tais como se encontravam antes.
Para que se caracterize o fenômeno da teoria da imprevisão, devem ser conjugados diversos
pressupostos: que o contrato seja de execução diferida ou continuada, sendo, portanto,
superveniente a onerosidade, já que verificada no momento da execução do contrato, que era
equilibrado em seu nascedouro; que se manifeste uma situação de autêntica onerosidade
excessiva, ou seja, que a parte passe a se comprometer pelo cumprimento de uma prestação
incompatível com a economia pressuposta para o contrato; que os eventos que acarretem a
onerosidade excessiva sejam imprevisíveis e extraordinários, só sendo possível invocar a figura
se restar demonstrado que uma condição externa, alheia à vontade ou previsibilidade das partes,
alterou a realidade do contrato, fazendo com que o ônus a ser suportado por uma das partes
resulte no seu empobrecimento; finalmente, que, enquanto a parte lesada sofre profunda perda
com a onerosidade que pesa sobre seus ombros, a contraparte deve auferir extrema vantagem –
exigência que não deixa de desvirtuar o sentido do instituto, uma vez que o propósito da figura
deve se centrar na perda sofrida pela parte lesada, e não no ganho eventualmente auferido pela
contraparte beneficiada.
Outra figura que serve ao propósito de concretizar o princípio da justiça contratual é a lesão,
consagrada pelo art. 157 do Código Civil. Proclama-se a existência desse vício sempre que, num
contrato, uma das partes, imersa em situação de vulnerabilidade, se comprometa ao cumprimento
de obrigação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
É certo que, na lesão, não basta simplesmente que o contrato esteja desequilibrado para que se
caracterize o vício. Mais que isso, é fundamental que a desproporção que marca as prestações
não seja querida pelas partes, mas que derive da vulnerabilidade do lesado, que somente assente
com a contratação por ser inexperiente ou por se encontrar em situação de necessidade premente
de contratar.
Além disso, o diploma consumerista estabelece, no artigo 51, inciso IV, que são nulas de pleno
direito as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. O § 1o
desse dispositivo encarrega-se de traçar os limites da expressão vantagem exagerada, que se
presume, entre outros casos, quando ameaçar o equilíbrio contratual ou for excessivamente
onerosa para o consumidor, levando-se em conta as peculiaridades do contrato e o interesse das
partes. O simples ato de demandar uma vantagem indevida é suficiente para denotar a
abusividade na conduta do fornecedor, pouco importando tenha ele agido no sentido de
aproveitar-se da vulnerabilidade do consumidor, que, a propósito, é presumida pela própria lei.
No sistema consumerista, portanto, são vislumbradas as possibilidades de revisão ou mesmo da
anulação dos contratos, no todo ou em parte, caso se verifique uma situação de onerosidade
excessiva contra o consumidor, pouco importando que o desequilíbrio surja no momento em que
o contrato é firmado ou por circunstância superveniente.