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Ferreira: Sociologia da Educação
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o campo de estudo. Assim, convivem, hoje, lado a lado, uma sociologia da educa-
ção crítica com base, em geral, em algum modelo de análise marxista, e uma outra,
ainda fortemente inspirada pelo modelo de análise funcionalista, com base em
metodologias de pesquisa empírica. Além disso, na atualidade, afirmam-se perspec-
tivas que rejeitam, ao mesmo tempo, ambos os enfoques, articulando-se em torno
de modelos de inspiração interaccionista, fenomenológica ou etnometodológica.
A partir de um outro tipo de recorte, convivem, ao mesmo tempo, enfoques
em sociologia da educação que priorizam as análises de caráter macrosociológico,
que estabelecem relações entre a economia capitalista e a produção das desigual-
dades na escolarização; e enfoques microsociológicos voltados para a análise de
processos sociais produzidos no nível de pequenas unidades sociais, como a sala
de aula.
Os estudos sociológicos da educação se situam, originalmente, na primeira me-
tade do século XX. Neste período, predominava o chamado enfoque moralista de
orientação geral positivista. Apesar de contribuir grandemente para a legitimação
da sociologia da educação, como campo específico de estudos, o enfoque mora-
lista mesclava filosofia e ciência, confiante em que o entendimento sociológico da
educação influenciasse o progresso social.
Nos estudos sociológicos da educação deve-se destacar a importante contri-
buição de Durkheim, na tentativa de consolidar esta área de estudo.
Apesar da existência de inúmeros estudos sobre educação, com abordagens
sociológicas vinculadas à contribuição de Durkheim, formulados no início do sé-
culo, podemos afirmar que foi a partir dos anos 1940, e principalmente nos anos
1950 e 1960 do século passado, que a sociologia da educação se constituiu como
campo de pesquisa específico, afirmando-se como um dos principais ramos da
sociologia nos países industrialmente desenvolvidos e também no Brasil. No âm-
bito da organização dos sistemas educacionais, as razões mais gerais que podem
explicar esse fenômeno são de duas ordens. Em primeiro lugar, a ampliação do
aparelho escolar e, em particular, a universalização do ensino médio. Este processo
colocou ao Estado a necessidade de um maior conhecimento, sobre a população
escolar e sobre o funcionamento dos sistemas de ensino, que permitisse o seu pla-
nejamento e controle. Como uma decorrência dessa nova demanda, ampliam-se
os financiamentos para a pesquisa educacional, principalmente em países como a
Inglaterra e os Estados Unidos, estimulando o desenvolvimento de grandes levan-
tamentos sobre os sistemas de ensino e produzindo as condições essenciais para
a institucionalização e consolidação da sociologia da educação como campo de
estudo específico. Este processo coincide, também, com um forte crescimento do
gasto público em educação, considerada instrumento fundamental para o processo
de modernização do período pós-segunda guerra mundial.
Em segundo lugar, associado a esse processo, surge um novo conjunto de pro-
posições com relação à função social da escola. O cerne desse novo ideário está
senta dentro deste enfoque duas variantes importantes: de um lado, com a teoria
técnico-funcional e de outro, com a teoria do capital humano.
No que se refere à primeira, que dominará boa parte das análises produzidas
no campo, esta se desenvolveu a partir da importância dada à educação, no pro-
cesso de estratificação social e de modernização da sociedade. Neste caso, privile-
giam-se as exigências de uma sociedade tecnocrática e o papel da educação para
dar uma resposta às necessidades crescentes de formação técnica e científica e às
necessidades de mobilidade da mão-de-obra. 3
Poderíamos afirmar, em linhas gerais, que as proposições básicas dessa teoria
são as seguintes:
1) A mudança tecnológica exige progressivamente mais habilidades para o tra-
balho. Isto significa que aumenta a proporção de empregos que requerem mais
alto nível de habilidade e que aumenta o nível de exigência de habilidades pelos
empregos em geral.
2) As crescentes exigências de habilidades levam à maior demanda de educação
por parte dos empregadores. Isto significa escolarização mais longa e matrícula de
maior número de pessoas nas escolas.
3)As exigências mais elevadas de educação levam à predominância da realiza-
ção sobre a atribuição e à construção de sociedades baseadas no mérito (Gomez,
1978).
A teoria do capital humano tem impacto ainda maior no âmbito da sociologia
da educação, uma vez que relaciona educação com investimento econômico e pro-
dutividade. A educação deixa de ser percebida como um bem de consumo para ser
vista como investimento, o que lhe dá grande legitimidade como objeto de estudo,
e consolida, em larga medida, o campo da sociologia da educação.
Nos anos pós-guerra, os sociólogos da educação recorrem permanentemente
a uma visão economicista da educação, o que lhes concede uma dupla legitimidade,
reconhecendo, por um lado, o papel impulsionador da educação no processo de
crescimento econômico e, por outro, o de instrumento de equalização das opor-
tunidades e de redistribuição de bens e serviços.
No início da década de 1960, a teoria do capital humano foi desenvolvida e
divulgada como demonstração do valor econômico da educação. Em consequência,
a educação passou a ser entendida como aspecto fundamental para o desenvolvi-
mento da economia.
Os principais temas de pesquisa que se inserem no interior desta problemática
são: a mobilidade social; os mecanismos de seleção escolar que remetem à temá-
tica da necessária democratização do ensino; análises dos processos diferenciais
de escolarização segundo as classes, os sexos ou as etnias. Essa problemática mais
crítica vai contribuir para pôr em evidência a persistência das desigualdades esco-
lares e para mostrar a necessidade de reformas dos sistemas de ensino.
Estudos voltados para essas temáticas levaram à construção de trabalhos crí-
nômico. Junto com isso, fornecem novas ferramentas analíticas, tais como habitus
e campo cultural, espaço de produção e distribuição dos sistemas simbólicos dota-
dos de uma lógica concorrencial própria de procura da legitimidade cultural e das
correspondentes instituições que incluem o sistema de ensino, os media, etc.
Podemos concluir as nossas reflexões, afirmando que, em relação ao período
mais recente, este parece menos marcado por um paradigma dominante 6, apesar
da tendência em priorizar análises voltadas para o interior da escola na busca das
suas particularidades e especificidades.
Assim, o que se revela, a partir dos argumentos expostos anteriormente, é que
no interior do campo científico da sociologia da educação convivem, na actualida-
de, teorias voltadas para a ação cotidiana, em que predominam, por um lado, temas
relacionados à representação social, à ação do sujeito no cotidiano, e, por outro,
teorias voltadas para o sistema social mais amplo, em que predominam as abor-
dagens dos nexos entre a estrutura social, as interações formadoras dos sujeitos
individuais e coletivos e as desigualdades existentes no sistema educacional, em
articulação direta com o momento de crise social e dos modelos paradigmáticos
que temos vivido na atualidade.
Notas
1
Sobre essa questão ver estudos de Cunha (1992); Brandão (1996); Gouveia (1971), entre outros.
2
O Estado de Bem-Estar tem sido objeto de inúmeras análises, predominando nos últimos vinte anos
duas correntes de pensamento, ambas influenciadas pela Escola de Frankfurt. Uma delas centrou-se nesse
Estado, destacando-se os estudos de Offe (1984) e O’Connor (1978); a outra estudou fundamentalmente
o processo de produção (Burawoy, 1979; 1985). Raramente esses dois tipos de análise se entrelaçaram.
Essas análises se caracterizam pela crítica à postura reguladora do Estado do bem-estar que, através de
políticas estatais de intervenção social, procuravam se afirmar pelo seu caráter redistributivo no sentido
de promover condições mais igualitárias de vida voltadas para a diminuição das desigualdades sociais
geradas pelo processo de acumulação. Assim, a garantia pelo Estado de determinados bens e serviços
essenciais, como assistência médica, educação, habitação, seguro social, salário mínimo, constituir-se-ia
os mecanismos capazes de redistribuir riquezas e prover a justiça. Discussão mais pormenorizada sobre
essa questão pode ser encontrada em Navarro (1993); Espin-Andersen (1991), entre outros.
3
Sobre uma crítica a teoria técnico-funcional ver Gomez (1978); Alexander ( 1982), entre outros.
4
Para uma análise mais pormenorizada acerca da teoria cultural da educação, ver Silva (1993).
5
Discussões pormenorizadas sobre a significação política e econômica do neoliberalismo podem ser en-
contradas em Schaff (1993), Przeworski (1993), entre outros.
6 Para uma discussão sobre a crise da modernidade e o enfoque da pós-modernidade ver Harvey (1993),
Santos (1989);
Referêcias Bibliográficas
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