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A construção do pesquisador no cotidiano da vida acadêmica

Maria Inês Detsi de Andrade Santos•

“Os dados, os fatos! Eis aquilo que é simples.


Da mesma forma como as notas do piano
se oferecem a qualquer um,
sem que isto nos torne compositores;
Da mesma forma como as palavras
se oferecem a todos nós,
sem que isto nos torne poetas;
Da mesma forma como as tintas
se oferecem a quem quer que as deseje,
sem que isto os torne pintores.
Falta uma capacidade criadora,
um poder de síntese e organização,
uma imaginação que traz à existência
coisas que não existiam,
um poder para pular e saltar...
Também na ciência: os dados,
sem a centelha que lhes dá arquitetura
e os coloca em movimento,
são inertes, mortos, mudos...”
(ALVES, 1996; 129)

As palavras de Rubem Alves sinalizam o teor deste ensaio, que sem


grandes pretensões, busca refletir, principalmente, sobre os caminhos que nos
levam a desenvolver a condição de pesquisadores e sobre a produção do
conhecimento no cotidiano da vida acadêmica.
O ato de pesquisar é um processo que se inicia de um interesse, de
uma vontade, de uma “capacidade criadora”, que coloca os dados em
movimento, que ilumina os fatos dando-lhes um significado.
A pesquisa pressupõe um sujeito que refinou os sentidos para a
realidade, que não mais se satisfaz em existir simplesmente. O pesquisador é
este sujeito, que não se contenta “em usar de maneira prática receitas” cujas
propriedades, determinações, história, e implicações ele desconhece. Busca ir
além do aparente, tentando organizar e relacionar o que a princípio parece
desordenado e sem nexo. Quer compreender. Pula dos fatos para a
interpretação. Os fenômenos da natureza e da realidade psico-social “não
falam por si ” eles só ganham voz pela voz do pesquisador, seu intérprete.
Ao ingressar na vida acadêmica, os estudantes adquirem,
naturalmente, a condição de futuros pesquisadores. Essa possibilidade poderá

Doutora em Sociologia, Professora e Pesquisadora do Curso de Ciências Sociais da UNIFOR.

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se concretizar ou não. Do que dependerá? Poderíamos nos perguntar. O que
leva alguns alunos a desenvolver “uma imaginação que traz à existência coisas
que não existiam”, pesquisando, aprendendo, construindo conhecimento? A
qualidade de pesquisador não é algo nato. É algo que se desenvolve ao longo
de nossa vida e a Universidade deve ser o campo mais adequado e fecundo
para esse processo.
Muitos fatores concorrem para a formação de pesquisadores. Dentre
eles, alguns de caráter subjetivo, como gosto pelo estudo, empenho,
sensibilidade, curiosidade; outros de ordem institucional, como a existência, na
Universidade, de políticas e projetos voltados para a produção de pesquisa,
incentivos, bolsas de iniciação científica e a existência de professores que
estimulem os alunos à pesquisa, devendo eles próprios serem pesquisadores
ativos.
Um maior ou menor investimento em pesquisa, na Universidade, não
é apenas uma questão de ordem material, não está condicionado apenas à
capacidade de levantar recursos financeiros ou de obter insumos e tecnologia,
apesar de serem estes fatores importantíssimos. É uma questão, sobretudo,
de concepção do que venha a ser uma Universidade. Esta deve ser
compreendida como um lugar por excelência, de construção de conhecimento.
Essa postura denota um compromisso da Universidade com o campo científico,
com a comunidade e o contexto social do qual faz parte.
A formação de pesquisadores está condicionada a todos esses
fatores mencionados. E todo esse conjunto encontra-se relacionado aos
valores culturais de uma determinada sociedade E aqui formulo algumas
questões: Fomos estimulados, em nossa trajetória pessoal, na família, na
escola, na vida cotidiana a sermos pesquisadores? Nossa historia, nossa
tradição cultural nos coloca como sujeitos envolvidos com o universo do
conhecimento? Qual o lugar do estudo em nossas vidas?
Garcia, em seu artigo A experiência do conhecimento (1992; 34-41)
afirma que a capacidade de criar conhecimento é uma das qualidades que
distinguem os seres humanos dos outros animais. Conhecer, segundo ela,
significa “nascer com”; ao produzir conhecimento o ser humano produz a si
próprio, se constrói. Quando, ao invés de criarmos, usamos conhecimento
criado por outros, estamos “simplesmente no mundo”, usufruindo o que foi

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anteriormente produzido e a nós transmitido, em forma de ensinamentos, de
procedimentos, de técnicas. E o uso desses conhecimentos, muitas vezes, é
um uso alienado, pois não sabemos de onde provêm, que interesses moveram
sua criação e de que ideologias se revestem. Por esse motivo, devemos
sempre nos colocar criticamente diante dos conhecimentos já produzidos, das
tecnologias e das idéias de que fazemos uso.
Já, quando nós mesmos produzimos conhecimento estamos
“criativamente no mundo”. Montero (2004), em um interessante livro de sua
autoria, nos fala do ato da criação no campo da literatura. Segundo ela, a
criação pede que soltemos “a louca da casa” que existe em nós: a imaginação.
No campo da ciência a criação também exige que nos despojemos
das verdades prontas e das certezas absolutas acerca da realidade. E isso não
deixa de ser uma espécie de transgressão. Segundo os artistas, a criação é
um ato de muito prazer, mas também de sofrimento, de trabalho árduo.
Também na ciência, significa o emprego de métodos, o cuidado, o rigor, o não
contentamento com respostas obvias, a busca permanente pelo
aprofundamento. Creio que atualmente não é fácil escolher esse caminho, pois,
além de exigir dedicação e esforço, não conduz a um tipo de sucesso que é
mais valorizado em nosso contexto e que está ancorado nos ideais de
consumo e na aparência.
O estudo, no entanto, é uma forma de engrandecimento do sujeito.
Batista de Lima, em seu ensaio intitulado A alegria do pensar (2004;9) nos diz
que “a leitura é um movimento que impulsiona o homem para além de si
mesmo. Um homem sem leitura é enclausurado nas suas dimensões.” Tanto a
leitura como a escritura nos alargam e nos permitem a transcendência.
Pensando sobre a possibilidade de se produzir conhecimento no
cotidiano da vida acadêmica, lembro que é preciso, identificar, ou mesmo
“cavar” oportunidades. Estas se apresentam permanentemente, mas nem
sempre são percebidas pelos alunos. Os trabalhos elaborados nas disciplinas,
por exemplo, não devem ser compreendidos apenas como requisito para
obtenção de notas, mas devem ser concebidos como um investimento no
campo do saber. Eles podem se transformar, posteriormente, em temas de
monografia, podem vir a ser artigos publicados, podem também ser

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apresentados nos encontros de iniciação à pesquisa ou nas mostras de
trabalhos dos cursos de graduação.
Os alunos deverão procurar conhecer os diversos grupos de
pesquisa, existentes em seu Centro, conhecer as pesquisas que estão sendo
desenvolvidas pelos professores e alunos já engajados. Deverão ficar atentos
aos editais de bolsas. Esse empenho, contudo, nem sempre será compensado,
pois as condições de pesquisa, em nossa Universidade, ainda não são as
melhores. Falta desenvolver, de forma plena, uma mentalidade voltada para a
produção de conhecimento. Esse fato deve ser permanentemente tema de
reflexão e de critica por parte dos alunos e professores.
O processo de construção do pesquisador exige também que os
alunos percebam que não somente as aulas são fonte de conhecimento e que
os demais eventos que acontecem na Universidade como encontros,
seminários, conferências, palestras etc. são também formas que auxiliam na
produção do saber. Há uma idéia errônea de que tais eventos são supérfluos e
sem importância, o que faz com que muitos alunos não participem. O não
envolvimento com as diversas atividades acadêmicas torna o aluno distanciado
da Universidade e solitário na sua trajetória.
Finalizando, gostaria de colocar que a formação de pesquisadores
não deve ser compreendida como importante apenas para aqueles alunos que
têm pretensões de ingressar profissionalmente no campo do ensino e da
pesquisa. A formação de pesquisadores implica no desenvolvimento de
qualidades e de habilidades necessárias à vida profissional, em qualquer área.
Eu diria mesmo que tais qualidades ultrapassam a esfera da profissão
significando uma mudança de postura diante da vida.

Bibliografia citada:
ALVES, Rubem: Filosofia da Ciência. São Paulo: Ars Poética, 1996.
GARCIA, Ana Maria: A experiência do conhecimento. In HUHNE, L.M. (org): Metodologia
científica – caderno de textos e técnicas. Rio de Janeiro: Agir, 1992.
LIMA, José Batista de: A alegria do pensar. In ABSIL, W.J. (org.): Pedagogia universitária:
reflexões sobre a experiência docente na educação superior. Fortaleza: UNIFOR, 2004.
MONTERO, Rosa: A louca da casa : Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

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