UFMS – Campus de Aquidauana
Disciplina = Teoria da Literatura I
Prof. Msc. Nilza Lemos
BRAIT, Beth. A personagem. São Paulo: Ática, 1990.
CAPÍTULO 01 - O FAZ DE CONTA DAS PERSONAGENS
O leitor não distancia as personagens das pessoas, trazendo uma emoção
real após o contato com a personagem. Definir a personagem não é uma tarefa
fácil e nem tampouco inédita. De forma simplista, podemos diferenciar pessoas
como “seres vivos” e personagem como “ser ficcional”.
A personagem é um ser linguístico, que não existe fora das palavras. No
entanto, não há como recusar a relação existente entre personagens e pessoas,
uma vez que as personagens representam as pessoas. Para conhecermos a
personagem é necessário entender a construção do texto, a forma como o autor
deu forma, independência, autonomia e vida a essas criaturas ficcionais.
Reprodução e invenção
• Reprodução = “foto 3x4”. Reprodução da imagem da pessoa, entretanto
não pode ser confundida com a pessoa propriamente dita. Embora seja
uma reprodução fiel da pessoa fotografada, não é capaz de demonstrar a
complexidade do ser humano retratado.
• Invenção = “fotografia tirada em estúdio”. Ao criar um ambiente quase
“cinematográfico” para tirar o retrato de determinada pessoa, o fotógrafo
está inventando o ambiente, manipulando a essência da pessoa através de
maquiagem, roupas, expressões, criando um enredo.
Ou seja, reprodução e invenção de seres combina-se no processo artístico
através de recursos de linguagem de que dispõe o autor, manipulando assim a
realidade e preparando um ambiente para que a personagem criada possa habitar.
CAPÍTULO 02 – A PERSONAGEM E A TRADIÇÃO CRÍTICA
No princípio está Aristóteles
Aristóteles é o primeiro a tentar definir a personagem, levantando
aspectos importantes que marcaram (e marcam) até hoje o conceito de
personagem e sua função. O conceito de personagem defendido por Aristóteles
permaneceu até meados do século XVIII.
- Personagem é reflexo da pessoa humana (mimesis)
- Personagem como construção = sua existência obedece às leis particulares que
regem o texto.
Perseguindo a personagem
• Horácio = associa o aspecto de entretenimento à sua função pedagógica,
enfatizando o aspecto moral desses seres fictícios. Horário concebe a
personagem não apenas como reprodução dos seres, mas como modelos
a serem imitados.
• Idade Média = identificação da personagem como fonte de
aprimoramento moral, servindo assim aos ideais cristãos.
• Séc. XVI e Séc. XVII = personagem deve ser a reprodução do que há de
melhor no ser humano.
Os novos ares dos séculos XVIII e XIX
A partir do século XVIII a concepção de personagem herdada de
Aristóteles e Horácio entra em declínio e é substituída por uma visão que
entende a personagem como uma representação do universo psicológico de seu
criador. Nesse período o sistema de valores da estética clássica começa a
declinar, perdendo sua homogeneidade e sua rigidez. O romance se desenvolve e
se modifica, um novo público leitor começa a surgir, entregando-se à análise das
paixões e dos sentimentos humanos, à sátira social e política, além de narrativas
de intenções filosóficas.
Durante a segunda metade do século XIX o romance atinge o seu
apogeu, refinando-se e articulando as experiências humanas mais diversificadas.
Realistas e naturalistas perseguem a exatidão dos estudos científicos dos
temperamentos e dos meios sociais. Nesse sentido, os seres fictícios não são
mais vistos como uma imitação do mundo exterior, mas como projeção da
maneira de ser do escritor.
A personagem sob as luzes do século XX
• Gyiirgy Lukács (1920) = Teoria do romance. Lukács relaciona o
romance com a concepção de mundo burguês. A narrativa é o lugar de
confronto entre o herói problemático e o mundo do conformismo e das
convenções. O herói está em comunhão e em oposição ao mundo,
estando sujeito ao modelo humano.
• E. M. Foster (1927) = Aspects of the novel. Personagem em Flat (sem
profundidade psicológica) e Round (redonda, complexa e se submete aos movimentos, às regras próprias da trama, se afastando
multidimensional). Segundo Frost a intriga, a história e a personagem são
elementos estruturais essenciais de uma obra literária, estando os 3
elementos inter-relacionados. Classifica as personagens em planas e
redondas.
- Planas = personagens construídas ao redor de uma única idéia ou
qualidade, imunes à evolução no transcorrer da narrativa. São estáticas e não
reservam surpresas ao leitor. Personagens planas são divididas em tipo e
caricatura.
- Tipo = personagem que alcança o auge da peculiaridade sem atingir a
deformação.
- Caricatura = personagem cuja qualidade ou idéia única é levada ao
extremo, provocando uma distorção propositada, geralmente a serviço
da sátira.
- Redondas = personagens complexas que possuem várias qualidades ou
tendências, surpreendendo o leitor. São dinâmicas, multifacetadas.
• Edwin Muir (1928) = The structure of the novel. Tentativa de separar a
ficção da vida. Apresenta a personagem não como uma representação do
homem, mas como produto do enredo e da estrutura específica do
romance.
• Formalistas russos / Victor Erlich (1955) = Formalismo russo. O livro
constitui uma verdadeira ciência da literatura, contribuindo para que a
obra seja encarada como a soma de todos os recursos nela empregados,
como um sistema de signos organizados de modo a imprimir a
conformação e a significação da obra. Personagens são componentes da
obra e só adquirem sua especificidade de ser fictício na medida em que
dos seres humanos e passando a ser encarados como um ser de
linguagem.
 • Philippe Hamon = Pour un statut sémiologique du personnage.
Personagem é estudada sob a perspectiva semiológica, como um signo
dentro de um sistema de signos, como uma instância de linguagem.
Hamon define três tipos de personagens:
- Referenciais = personagens históricas (heróis). Remetem a um sentido
pleno e fixo, imobilizados por uma cultura, sua apreensão e reconhecimento
dependem do grau de participação do leitor nessa cultura.
- Embrayeurs = personagens de conexão, que só ganham sentido na relação
com outros componentes da narrativa.
- Anáforas = apreendidas completamente na rede de relações formada pelo
tecido da obra.
Funções das Personagens
1) Elemento decorativo = sem significação, particular, mas indispensável à obra.
2) Agentes da ação = condutor (dá o 1º impulso da ação), oponente (possibilita o
conflito), objeto desejado (representa valor a ser atingido), destinatário
(beneficiário da ação), adjuvante (personagem auxiliar) e árbitro (intervem no
conflito).
3) Porta voz do autor = soma das experiências vividas e projetadas pelo autor.
4) Ser fictício = forma própria de existir dentro do texto.
CAPÍTULO 03 – A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM
Para caracterizar as personagens de uma obra, temos que analisar o
narrador. O narrador pode apresentar-se como um elemento não envolvido na
história ou como uma personagem envolvida direta ou indiretamente com os
acontecimentos narrados.
• Narrador é uma câmera = Narrador em 3ª pessoa, em posição de
observador. O narrador não apenas mostra os movimentos das
personagens, mas também é capaz de dizer o que elas sentem e o que
pensam.
• A Câmera finge registros, e constrói as personagens = Narrador em 3ª
pessoa simula um registro contínuo, focalizando a personagem nos
momentos precisos que interessam ao andamento da história e à
materialização dos seres.
• A personagem é a câmera = Narrador em 1ª pessoa o que implica a sua
condição de personagem envolvida nos acontecimentos que estão sendo
narrados. Recursos utilizados pelo escritor dão a impressão de vida que
chega diretamente ao leitor através de uma personagem.
• Apresentação da personagem por ela mesma = Comum em diários,
romance epistolar, memórias, monólogos. Narrador procura presentificar
a personagem, expondo seu interior, diminuindo a distância entre o
escritor e o “vivido”.
• A personagem é testemunha = Narrador é a testemunha participante do
que está sendo narrado. Utilização de uma personagem secundária para
fazer conhecer a personagem principal. Narrador cria um clima de
empatia, apresentando a personagem principal de maneira convincente e
levando o leitor a enxergar a figura do protagonista.