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ANÁLISE DO FILME DON JUAN DE MARCO

INTRODUÇÃO:
O presente trabalho visa traçar um paralelo entre aspectos da teoria psicanalítica
estudada em sala de aula com o filme Don Juan DeMarco (1995). Para isso, é
necessário iniciar com um breve resumo do filme para depois fazer a correlação desse
material com os conceitos de compulsão à repetição, transferência e
contratransferência. A escolha desse filme justifica-se pela centralidade que há,
durante todo o enredo, na relação terapêutica.

O FILME:

Don Juan DeMarco (1995) é a estória de um jovem de 21 anos que acredita ser o
famoso conquistador Don Juan DeMarco. O enredo se inicia com a ameaça de um
suícidio do personagem que dá nome ao filme, mas antes de tirar a própria vida, ele
vai em busca daquela que seria a última conquista de sua vida. Logo após conquistar
e ter relação sexual com uma mulher que ele conhece em um hotel, ele se dirige a
uma construção decidido a pula de cima da obra, no entanto, o local é logo povoado
por várias pessoas, entre eles: policiais, curiosos, bombeiros e um psiquiatra que
também é analista (Dr. John Mickler). E é este último que se dispõe a conversar com
Don Juan, mas ele diz que só morreria pela espada de Don Francisco Del Silva e é
nesse momento que o psiquiatra entra na fantasia do rapaz e diz que tem um grau de
parentesco com essa pessoa e que seu nome é Don Octavio Del Flores e a partir
disso, o jovem aceita a ajuda do analista e, então, não comete o suicídio. A partir
disso, ele é dirigido a um hospital psiquiátrico, do qual Dr. Mickler é um dos
psiquiatras, e começa a ser tratado através de psicoterapia e sem o uso de
medicamentos, já que o médico não via necessidade em medicar o paciente.

No decorrer do tempo, fica nítido que a relação terapêutica existente entre Don Juan e
seu analista começa a ficar indissociada e Dr. Mickler chega a afirmar que estava
sendo afetado pelo paciente, isso pode ser explicitado na relação do médico com sua
esposa, ele começa a ouvir os relatos amorosos de Don Juan e passa a repensar o
seu casamento, sua esposa chega a estranhá-lo com sua proximidade e suas
tentativas de reconquistá-la. Havia outros psiquiatras no hospital e eles passaram a
não concordar com o tratamento que Dr. Mickler estava submetendo o jovem
conquistador, pois o médico não acreditava que seu paciente estava tendo delírios, e
por isso não concordava em medicá-lo. A história que o rapaz conta ao seu analista
gira em torno de suas conquistas amorosas e de sua história familiar. Ele dizia ter
nascido no México, e que seu pai era um dançarino famoso. Uma das primeiras cenas
que ele descreve data de sua tenra infância quando Don Juan vê sua mãe nua e esta
se envergonha e se esconde atrás de uma toalha, neste momento o protagonista narra
que foi a partir disso que percebeu-se que ele era uma pessoa diferente, pois ainda
criança ele já usava de sua sedução com as meninas, preocupada com isso, sua mãe
providencia uma preceptora para ensiná-lo os princípios religiosos, mas ele acaba
seduzindo a jovem senhora e eles acabam se envolvendo. Certo dia o marido dela,
Don Afonso, flagra os dois juntos e, como forma de retaliação, ele espalha na cidade
que estava tendo um caso com a mãe de Don Juan, por causa disso seu pai duela
com o suposto amante da esposa, mas é vencido por Don Afonso, neste momento o
rapaz assume a espada do pai e mata o rival.

Depois desse fato, Don Juan promete usar sempre uma máscara quando estivesse na
presença das pessoas e sua mãe se torna freira. Já no final da estória, Dr. Mickler,
diante da insistência de seus colegas de trabalho, medica seu paciente e este passa a
contar uma história menos fantasiosa sobre a sua vida. O desfecho, então, se dá com
a alta de Don Juan que coincide com o dia que o seu analista estava se aposentando,
então, o médico, sua esposa e o rapaz vão passar férias juntos numa ilha.

ANÁLISE:

Em primeiro lugar é preciso discorrer sobre o primeiro contato no setting analítico que
Don Juan estabelece com Dr. Mickler que assume o papel de Don Octavio, esse
primeiro encontro, como afirma Zimermann (2004), é um encontro único e singular, e é
devido ao estabelecimento do “match” que o paciente irá aceitar ou não o seu analista.
Estabelecido o match, fica nítido o fenômeno da repetição na situação analítica. Freud
(1914) diz que, no início do tratamento, o paciente não recorda coisa alguma, mas sim
expressa pela atuação (acts it out). "Ele reproduz não como lembrança, mas como
ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo" pg. 165. O autor ainda
fala da relação existente entre a compulsão à repetição com a transferência e com a
resistência. Isso porque a transferência é apenas um fragmento da repetição e esta
faz parte da resistência. E quanto maior for a resistência, mais intensa será a
repetição. O protagonista da história repete na relação com o analista quando ele usa
da sua sedução para com o médico, Don Juan age com Dr. Mickler da mesma forma
que agia em seus relacionamentos amorosos, exemplo disso é a primeira sessão em
que Don Juan ensaia passos no setting terapêutico, mostrando assim uma das suas
principais armas de conquista: a dança. Freud ainda afirma que é no manejo da
transferência que o analista pode reprimir a compulsão do paciente à repetição, sendo
que, tecnicamente, o primeiro passo é mostrar a resistência ao paciente e fazer com
que eles se familiarize com ela.

Num momento anterior, o autor via a resistência como um obstáculo a análise, mas
depois ele entende que essa mesma resistência e a transferência podem ser
manejadas, ou seja, o que antes era visto como obstáculo mais tarde ganha um status
de ferramenta na teoria freudiana, o que não aconteceu com o conceito de
contratransferência, Freud não a enxergava como um instrumento útil ao trabalho
analítico.

No decorrer da análise, observa-se que Dr. Mickler passa a abordar somente os fatos
da fantasia da vida de Don Juan, o que acaba impedindo que o psiquiatra desça em
camadas mais profundas do inconsciente de seu paciente. Zimermann (2004) aponta
a importância da pessoa real do analista no estabelecimento do setting e prossegue
dizendo que o analista precisa ser humano, mas muitos terapeutas confundem essa
verdade inquestionável com a de não frustrar o paciente, atender a todos os pedidos
dele, não provocar dores, dando um sentido de desumanidade a tudo isso. Ele ainda
fala sobre o terapeuta bonzinho que é aquele que não ajuda o paciente a enfrentar as
dificuldades, mas sim a fugir delas. Dr. Mickler, ao valorizar a fantasia de Don Juan dá
lugar a esse analista que tem dificuldades em frustrar o seu paciente. E tudo isso
colabora para que o paciente atue na situação analítica, pois Dr. Mickler passa a ser
mais um personagem do fantasioso enredo de Don Juan, prova disso é que o
psiquiatra se faz passar por Don Octavio Del Flores, ou seja, ele se coloca num lugar
de simetria com seu paciente. O autor em questão também discorre da assimetria que
precisa existir numa análise. Fica claro que naquele momento que Don Juan estava
ameaçando se suicidar, Dr. Mickler encontrou a saída de entrar na fantasia do rapaz
para tentar preservar a vida dele, no entanto, ele poderia ter desconstruído essa
fantasia de que ele era Don Octavio depois que o setting tinha sido estabelecido, mas
isso não aconteceu o que favoreceu a manutenção do discurso fantasioso de Don
Juan.

Sobre a transferência na relação estabelecida entre o psiquiatra e seu paciente, fica


claro que ela se inicia como uma transferência positiva, mas que logo se transforma,
segundo Zimermann, em um conluio transferencial-contratransferencial, isso porque
ela revela uma certa positividade, mas esta é motivada por uma fascinação narcísica
que é recíproca. O mesmo autor ao citar Meltzer diz que este estudou a chamada
perversão da transferência que se origina num conluio perverso entre o par analítico,
que consiste em um jogo de seduções por parte do paciente e à medida que o
paciente percebe que o seu analista fica envolvido pode acontecer que o analisando
deixe de ver suas limitações e conflitos e passe a ver o analista como uma prostituta.
É justamente o contrário que acontece no filme, Dr. Mickler se envolve no início, mas
depois deixa ser envolvido pela sedução e a fantasia de Don Juan. O hospital
psiquiátrico que ele se encontra acaba funcionando como um palco para suas
atuações, pois até as enfermeiras do local passam a ser seduzidas pelo conquistador.

E como já disse anteriormente, a pessoa real do analista tem importância no processo


analítico e por isso é preciso ser cauteloso com os limites que precisam existir dentro
dessa relação. Zimerman (p, 91, 2004), afirma que “as crenças, desejos e sentimentos
pessoais do analista não devem influenciar na compreensão dos sentimentos do
próprio paciente”. Isto é, o analista precisa dissociar a pessoa que ele é e a função
que precisa desempenhar enquanto analista. A circunstância que envolvia Dr. Mickler
também auxiliou no envolvimento que ele teve com o seu paciente, isso porque, ele se
aposentaria em apenas 10 dias, ou seja, era o fim de sua carreira ali naquele hospital,
de alguma maneira isso pode ter contribuído para que ele não só aceitasse o caso,
como também se fascinasse com o mundo de fantasia do jovem que era repleto de
aspectos em ascendência ao contrário de sua vida que estava, por assim dizer, em
descendência.

A respeito da contratransferência do analista, foi possível observar que no início o


analista agiu com empatia, ele conseguiu se envolver afetivamente com o paciente,
mas depois Dr. Miclker deixou ser envolvido nas malhas perigosas da
contratransferência (Zimermann 2004). Segundo este autor, a contratransferência é
formada sob a ótica de três aspectos: como obstáculo, como instrumento técnico e
como campo, no qual o paciente tem a liberdade de reviver experiências emocionais
que já teve originalmente. Gostaria de resgatar o que já dito anteriormente sobre os
conluios inconscientes. Ao citar Bion, Zimermann aponta que alguns pacientes tem a
capacidade de se projetar dentro do analista e de atingir aqueles pontos em que são
os mais vulneráveis do terapeuta, provocando assim os chamados pontos cegos, o
conluio formado na relação entre o médico e Don Juan foi sob a forma de uma
recíproca fascinação narcisista, justificado até pelo perfil narcisista deste paciente. A
medida que o psiquiatra assume uma outra identidade perante o seu paciente, diz ser
Don Octavio, o rapaz mantém a crença de que ele é de fato o personagem que existe
nele como objeto interno, o que leva o terapeuta a se comportar exatamente como
seus pais se comportavam, com fantasias compartilhadas. “Tal fenômeno é conhecido
na psicanálise atual com o nome de encenação (enactement, no original inglês)”
Zimermann (pg. 153, 2004).

O desfecho do filme é marcado pelo fim da carreira do psiquiatra e pela alta de Don
Juan, isto porque o médico não vê demanda para tratamento em seu paciente e este
acaba por admitir seu delírio e não só Dr. Mickler como os seus colegas entendem que
o rapaz está curado. No momento em que eles viajam o médico, sua esposa e Don
Juan viajam juntos, fica claro o abandono do papel de analista para um vínculo mais
dependente entre terapeuta e paciente. À título de exemplificação, transcrevo as
últimas palavras que o psiquiatra pronunciou no filme: tristemente devo relatar que o
último paciente de quem tratei, o grande amante Don Juan DeMarco, sofria de um
romantismo que era totalmente incurável e, o que é pior, altamente contagioso.

CONCLUSÃO:
Com isso, podemos concluir sobre a importância da relação analítica, do vínculo que
se forma entre o terapeuta e seu paciente e como isso pode influenciar a evolução do
tratamento. O filme é uma história fictícia, mas que nos faz refletir sobre o papel que o
analista pode exercer na vida do paciente, seus aspectos reais, bem como a
circunstância que o envolve no momento da análise. Sendo assim, uma reflexão crítica
pode nos auxiliar não só a pensar sobre algo essencial no trabalho analítico, como
também a agir com o amparo dessa reflexão.

BIBLIOGRAFIA:

FREUD, Sigmund. A dinâmica da transferência. In: Edição Standard Brasileira das


Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Volume
XII, 1912.

FREUD, Sigmund. Recordar, repetir, elaborar In: Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Volume
XII, 1914

ZIMERMAN, David E. Manual de Técnica Psicanalítica. Porto alegre: Artmed, 2004.

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