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Atender às grandes questões que potenciam o ordenamento do território, face aos desafios
internacionais emergentes, torna pertinente e urgente a dedicação, o estudo e a actuação em
torno da importância da logística na definição dos fluxos e dos estabelecimentos que
caracterizam a vida que do homem pende. Neste sentido, a conformação do orbe e da urbe
reflecte a atitude de defesa, e ataque, perante potenciais reordenadores e desordenadores. Essa
atitude tem suas expressões nos elementos físicos definidores de espaços e condicionados pelos
tempos.
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
O nome de Portugal
Ao procurarmos compreender as relações dos povos entre si, em todos
os tempos ou em qualquer tempo, parece difícil faze-lo sem que se atenda a
eventuais motores de ordem espiritual, metafísica e religiosa. Consoante o
povo ou os povos a estudar, afigura-se necessário indagar entre todo o género
de expressão humana revelador de condicionantes dos costumes desses
mesmos povos, sendo que essas fontes podem ser de características
epigráficas, iconográficas, bibliográficas, documentais, monumentais, ou
quaisquer outras, mesmo as de aparência subtil e pouco perceptível à leitura
imediata dos sentidos. O percurso, a revelação e a dinâmica que o
Cristianismo (que é como quem diz: a Igreja Católica) a todo o instante
disponibiliza ao mundo, surge-nos também para Portugal, em todo o seu
tempo e em toda a sua extensão, como a novidade em perpétua
propagação, confinando, envolvendo e sublimando amorosa e
universalmente todas as potenciais diversidades.
Assim, não vislumbramos a possibilidade de um novo desenho global nas relações entre
todos os povos, sem a continuação do contributo efectivo de Portugal. Entenda-se Portugal
como uma entidade que se exprime através das gentes das orlas, e que com sabedoria se fixam
em pontos estratégicos gerindo e guardando os portos e as portas pelos quais e pelas quais
passam as novidades que garantem a comunhão entre todos os entes e todas as coisas do mundo.
Em toda a existência, o nome de Portugal parece pois só ter sentido firmado na consciência
constante que as gentes e os povos das orlas hão-de guardar, enquanto responsáveis pela gestão
das passagens que de si dependem.
O corpo de Portugal parece assim espalhado pelo Orbe. Mas, tal como
as passagens numa casa, de fora para dentro, ou de dentro para fora, ou de
um compartimento para o outro, em que nos podemos deparar com avarias
diversas nos mecanismos que constituem as correspondentes portas, por
excesso de uso sem manutenção adequada, ou apenas por negligência,
abrindo caminho inseguro às relações entre os vários mundos que por elas
comunicam, dizia, tal como as passagens numa casa, a quantidade de portos
e de portas, que de acordo com o Arquitecto-paisagista Álvaro Ponce
Dentinho parecem justificar o nome de Portugal, parecem também carecer
da atenção especial dos responsáveis pela respectiva manutenção… Ou, já
que o espírito sopra onde e como quer, terá Portugal mudado de nome?
C.
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
Fig.1 – A brutalidade da natureza, dominada pela paisagem portuguesa, e posta em causa pelo avanço
do turismo.
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
C.
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
ORDENAR A PAISAGEM
Importa detectar, atender e decifrar os sinais que indicam o caminho
adequado à animação e actualização do património português – “retirai
novos de velhos tesouros” ordena o Livro Sagrado.
Afigura-se ventral e redutora toda e qualquer atitude, em qualquer que seja o nível de
intervenção, que pretenda contribuir para o ordenamento da paisagem e que trate o seu objecto
como uma ilha, ou como uma parte, ou como um fragmento. Não é possível determinar regras
para o ordenamento arquitectónico, urbano ou rural isolando o objecto da sua circunstância
física e metafísica. A urbe como suporte da cidade, por exemplo, é o corolário de uma sucessão
dinâmica da vida comunitária já conhecida pelos romanos – Silva, Saltus, Ager, Hortus e Urbes,
é a ordem pela qual a sabedoria clássica nomeou essa sucessão, não sendo a seguinte sem a
anterior sendo sempre todas. Essa ordem não se desenvolve senão em movimento perpétuo e
pendular entre centros de distribuição e pontos de encontro, termos hierarquizantes de toda a
dinâmica territorial.
Assim, quando se trata de ordenar a paisagem com enfoque especial na urbe, toda e
qualquer atitude de contornos ventrais que omita o entendimento da mesma como lugar onde
tudo se une e tudo se cinde – convergência de pastores, agricultores e pescadores; estância de
indústrias e de mercadores; sublimação e irradiação de sabedoria – prejudicará e debilitará o
sentido de justiça, harmonia e paz que na verdade sempre deve irradiar de toda a obra que vise
estabelecer as notas caracterizadoras e as regras que auxiliem a eficaz gestão urbanística de uma
cidade. Neste sentido, a cidade portuguesa é pois um órgão que pertence a um organismo vivo
que através de Portugal atinge os limites do mundo em movimento perpétuo de extensão e
contracção, gregário e diaspórico.
C.
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
A PONTE DE COMANDO
Acreditamos que enquanto pátria Portugal é perpétuo, embora a
sua existência como nação, conforme a conhecemos desde há pelo
menos quase 800 anos, se nos apresente a definhar, quase extinta. Esta
antiga ponte de comando da grande parte das situações
geoestratégicas de maior excelência que guardam as rotas e as rótulas
marítimas, a que insistimos em chamar Portugal, mais se afigura um
Portugal regressivo, uma quase Lusitânia (ou Conistorgis, para os
algarvios), um Portugal de expressão depressiva, caquéctica e
moribunda.
Aprendemos com os filósofos que nada há sem pensamento. Seguindo a sua
aula, diríamos que a compreensão dos factos históricos só adquire sentido entendendo o
pensamento que os motivou, ou seja: a filosofia da história.
A expressão do pensamento tem lugar no tempo e no espaço, sendo
condicionada pela circunstância física que então dispõe, adquirindo então a forma que
lhe é mais adequada. É através do entendimento e conhecimento razoável das notas
caracterizadoras da forma disponível, que o pensamento que lhe é próprio se dá a saber.
Deste modo, o entendimento da forma disponível requer a necessidade de estudo
rigoroso e objectivo dessa circunstância que condiciona e abriga o pensamento que lhe é
próprio, quer-se dizer: a ecologia.
À obra que é expressão do pensamento humano chamamos Arte. É no que
estabelece a relação entre a obra artística e o pensamento que lhe é próprio que reside a
regra, ou o cânone, dessa mesma obra. Assim, identificando-se a forma disponível com
a obra artística, o estudo das suas notas caracterizadoras, ou seja, a sua Ecologia,
desperta-nos a simpatia pelas razões criacionistas e o conhecimento da sua existência, e
revela-nos o cânone que lhe é próprio.
Seguindo o acima exposto, para que se retirem novos de velhos tesouros, e se dê sentido actual
ao património de um povo, importa estudar e actuar firmados no trinómio constituído pela filosofia da
história, a ecologia e os cânones artísticos que consubstanciam a existência desse mesmo povo.
C.
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
URBANISMO E PAISAGEM
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
O Desenho e o Desígnio
Face aos desafios internacionais a conformação do orbe e da urbe reflecte a
atitude de defesa e projecção perante potenciais reordenadores e desordenadores;
essa atitude tem suas expressões nos elementos físicos que definem os espaços e
ritmam os tempos. Como temos vindo a referir, afigura-se premente a definição de
indicadores essenciais ao entendimento da paisagem que conduzam ao seu certo e
justo ordenamento; o estudo da logística assume particular e decisivo relevo na
definição dos fluxos e dos estabelecimentos que caracterizam a vida que do homem
pende. Casos de estudo a enunciar, pela posição geográfica e pelo património que
guardam, revelam-se notáveis e singulares casos de caracterização.
A procura de caracteres da mobilidade humana por identificação de rotas e rótulas
notáveis, que por metodologia de caracterização fisiográfica do suporte territorial entroncada
nas expressões da humanização da paisagem respectiva, tende a revelar hierarquias intemporais
das deslocações, interacções e assentamentos humanos no orbe e nas urbes.
Para o ordenamento da paisagem, implica e afigura-se decisivo o estudo rigoroso e
objectivo em certos domínios, com elaboração e fixação de elementos caracterizadores do
ambiente em causa e indiciadores de procedimentos projectuais possíveis. Esses elementos,
entre outros, poderão consistir na produção de cartografia reveladora nos seguintes domínios:
fisiografia com a identificação e hierarquização de festos e talvegues; identificação dos ventos
dominantes, suas características e rumos específicos; as incidências da luz e ensombramentos
potenciais, com exposições genéricas e específicas do relevo; condicionantes geológicas, com
noções das estruturas e dinâmicas tectónicas; definição, caracterizações genérica e especifica, e
delimitação defensiva dos solos férteis; identificação e protecção dos mananciais hidrológicos;
identificação e caracterização de campos electromagnéticos e outras emanações energéticas;
indicadores toponímicos; a potencialidade dos locais decorrente do estudo de aptidão segundo a
exposição. Importa também destacar estudos de sobreposição de vias, como sejam as de
transumância de gados, as do ordenamento romano, as da composição cristã do mundo, as
decorrentes do motor de combustão, as da era cibernética. Também cabe lembrar a importância
do registo da sobreposição de edificações, como sejam: os castros, os castelos, as fortalezas, as
bases militares, as telecomunicações, as estruturas portuárias, a assistência humanitária através
de capelas, ermidas, gafarias, estalagens, hospitais, etc.
As rótulas consistem em centros de encontro ou centros de distribuição, sendo que
destes, numa abordagem fisiográfica, de um modo genérico e com carácter intuitivo, os
primeiros podemos identificá-los nas separações dos festos e os segundos nas convergências de
águas. A rótula gera a região que será ordenada a partir de uma urbe, uma quinta, uma ermida,
uma capela, um convento, um mosteiro, um castelo… que, em função de uma série de factores,
assume posição hierarquicamente estratégica na região que lhe cabe. É nas relações polares e
pendulares que os homens incessante e incansavelmente desde a origem cumprem entre rótulas,
que sobre o suporte ficam gravadas as rotas, qual forma análoga àquelas das águas sobre os
solos que sulcam.
Descobrimos e caracterizamos a razão da forma da paisagem nas interacções
humanamente impressas e inteligidas sobre a circunstância histórica natural e artificial do
mundo. O desígnio da humanidade patenteia-se nos sinais implícitos e explícitos que se revelam
nas formas do frenesim da imensa existência. É na capacidade de leitura e exposição desses
sinais que reside o segredo da arte de bem ordenar a paisagem; estamos a falar do que o
Desenho é, ou seja, o Desígnio.
C.
NC – 28072007
Nuno Cavaco → ´CRÓNICAS DE CONISTORGIS
A Tourada
Temos que o touro bravo existe para proteger determinados territórios que constituem
fontes de vida para certas comunidades. Territórios organizados por definida
composição humana, cujas as funções dos elementos se supõem em hierarquias
claramente organizadas, compostas em harmoniosa articulação. Entre essa gente o
touro bravo atinge foros de expressão sagrada, pois que garante a defesa contra a
intrusão de malfeitores nos seus territórios, domínios ancestrais das suas vidas.
A sublimação, o ponto alto da exaltação do animal surge nos extremos pendulares das
estações do ano com a transumância do gado em busca de zonas climáticas mais
adaptáveis ao seu bem estar e onde na época poderão dispor de pastagens
adequadas às suas necessidades. Esses extremos, de partida e chegada do gado,
nos quais o bovino assume lugar especial, proporcionam a festa em que a exaltação
máxima ocorre dentro da arena com a lide dos touros bravos. O cavaleiro, qual S.
Jorge sobre cavalo branco saído da luz para o círculo que define a arena – imagem
geométrica do caos – que com inteligência de aristocrata deve dominar e levar a
besta, a fera, a força bruta desprovida de pensamento e saída da sombra, para o
centro onde deixará cair a lança sobre o dorso do animal, metamorfoseando a arena
conferindo-lhe finalmente a forma de circunferência, deixando então simbolicamente
fixada a ideia do Cosmos, qual mundo devidamente ordenado.
A lide de touros é o tributo regular dos homens ao animal que guarda as fronteiras de
um território necessário à existência de uma comunidade humana. O touro, forte,
sóbrio e assustador coroa uma espécie que tem oferecido aos homens desde o início
os fertilizantes para as culturas dos seus territórios, a força bruta para puxar os arados
e arrastar as cargas que excedem as possibilidades humanas, o leite e a carne que
possibilitam a reposição obrigatória e regular das proteínas no organismo humano, as
peles para os coiros e cabedais destinados à indumentária e outros artefactos úteis à
sobrevivência humana, a irradiação de calor aos lares, fonte ancestral de aquecimento
das antigas habitações rurais, aliás, fonte arquetípica de calor, logo presente na
natividade de Jesus.
A tourada afigura-se racional, necessária e decisiva para a preservação da paisagem
portuguesa. O touro português é o guardador das fronteiras entre a civilização do mar
e as potências colonizadoras continentais. É o touro o primeiro reduto da defesa da
nossa civilização. É entre os cabanos e os gravitos que passa a linha que distingue
profundamente a civilização aberta, excêntrica, destemida, liberal, dos portos, ou
Portugal e a civilização enclausurada, egocêntrica, receosa, proteccionista dos
castelos, ou Castela. A erradicação da tourada, significa o extermínio dos touros, e o
extermínio dos touros significa a explosão caótica da Península Hispânica. A
paisagem da tradição portuguesa, que exprime a sabedoria de encontro ecuménico,
de relações liberais, e de tendência universal no convívio entre homens das mais
diversas proveniências metafísicas, intelectuais, genéticas e biológicas, tenderá a
desmoronar-se definitivamente.
A tourada é a festa rústica de primeira ordem da Pátria Portuguesa, na qual se exalta
o animal que é decisivo para a sobrevivência da nação em que o espírito que dá
sentido a Portugal primeiramente encarnou. As ganadarias nacionais são a guarda
avançada da civilização talássica e o touro afigura-se como o guarda-mor da
paisagem portuguesa lusitânica (se é que Portugal ainda mora aqui…).
C.
NC – 28072007