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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA DE CIDADE E CULTURA VISUAL

A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DE CRÍTICA


SOCIAL TRANSFORMADORA DA REALIDADE

VALDÍVIA COSTA

CAMPINA GRANDE-PB
2009
A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DE CRÍTICA
SOCIAL TRANSFORMADORA DA REALIDADE
Valdívia Costa1

Poucos são os trabalhos jornalísticos atualmente que têm cumprido seu


papel cidadão de ajudar a população a encaminhar ou resolver problemas
sociais. Dada a importância de se documentar historicamente os casos em que
essa atividade tem cumprido o seu papel ético, o presente artigo refere-se ao
tipo de jornalismo que se envolve com uma temática a ponto de solucionar um
possível embate surgido a partir do fotojornalismo, que será analisado aqui
como instrumento de crítica social transformadora da realidade.
O primeiro registro de que se tem notícia sobre uma prática desse tipo no
fotojornalismo foi em seus primórdios no início do século XX. Os repórteres
fotográficos começaram a trabalhar a fotografia como referência imagética para
uma transformação social logo na primeira década desse século. Foi notado
por Gisele Freund (1995), que os primeiros fotojornalistas surgiram entre 1908
e 1914. Alguns começavam a entender a realidade a sua volta como fonte de
inspiração para conscientizar a população acerca de um problema social.
A autora alemã, que atuou como uma das primeiras mulheres
fotojornalistas a surgir na França na década de 1930, apresenta Lewis W. Hine,
um sociólogo que flagrou com sua lente o trabalho infantil nos Estados Unidos
antes dele ser combatido pelas leis. Nas imagens do fotógrafo, em 12 horas
diárias, os pequenos realizam trabalhos de adultos nas fábricas ou nos
campos. A temática não era recorrente e os estudos de Gisele não indicam se
havia uma intenção desses fotógrafos em conseguir transformar uma
determinada situação desigual ou injusta para uma parte da população.
Se o alvo desse fotojornalismo, nesse período, era acabar com esse tipo
de trabalho explorador e desumano ou não, a autora não comenta. Mas Gisele
diz que as fotografias das crianças trabalhando despertaram a consciência dos
americanos e suscitaram uma mudança na legislação sobre o trabalho infantil.
Gisele ainda relata que esse trabalho de Lewis foi o primeiro que deu à
fotografia uma característica de arma na luta em melhorar as condições de vida
de pessoas pobres2. A partir desse recorte de tempo podemos perceber que a
fotografia passa a ser lida também, visto que sua linguagem visual passa do
estado conotativo para o denotativo ao agregar texto à imagem no
fotojornalismo. Vamos dialogar um pouco com Roland Barthes (1978) e
descobrir qual a diferença entre esses dois códigos que fazem da fotografia
uma retratação da realidade, mas também um símbolo metafórico, dependendo
do olhar empregado no objeto fotografado.
Depois desse episódio com as crianças de Lewis notamos que esse tipo
de fotografia começa a recorrer mais nos periódicos, já consolidados e com
públicos definidos. Diante da realidade econômica, política e social nos

1
Especialista em Comunicação e Educação (2007) e graduada em Comunicação Social pela Universidade
Estadual da Paraíba (UEPB) em 2002.

2
FREUND, Gisele. “A fotografia de imprensa”. In Fotografia e Sociedade. Tradução de Pedro Miguel
Frade. Lisboa, veja, 1995 (p.106-111).
períodos que se seguem entre as duas guerras mundiais, os fotógrafos tiveram
vasto material humano de muita pobreza, exclusão e injustiças.
Intencionados ou não para fazer crer que esse tipo de imagem causava
realmente uma mudança ao ser publicada e comentada entre as pessoas, os
repórteres fotográficos usaram e abusaram dessa temática ao longo desses
últimos 70 anos. Era o que Gisele definiu como o fotojornalismo moderno,
atividade tão atual e objetiva que até a nitidez da imagem ficou em segundo
plano, em detrimento do assunto e da emoção que a foto foi capaz de suscitar
explorando temáticas humanas3.
A mesma emoção e comoção que abateram também os EUA ao ver a
fotografia de uma criança nua, correndo queimada, gritando por socorro entre
os fugitivos de uma invasão bombardeada americana no Vietnã (1939). Essa
foto em particular mobilizou organizações mundiais de combate às guerras e
de direitos humanos, que se uniram em defesa do fim da guerra do Vietnã.
No Brasil, a imprensa já trabalha com esse tipo de imagem no sentido de
provocar ações e soluções para os problemas sociais. Embora muitos meios
explorem o fotojornalismo denúncia apenas pelo sensacionalismo comercial
que o mesmo causa, muitos profissionais conseguem resultados profissionais
através de imagens de um cotidiano moldado pela lógica capitalista, excludente
e marginal, que deixa parte da população carente de muitas necessidades.
Um desses problemas foi retratado em Caxias do Sul (RS), ao flagrar a
mãe sentada numa calçada, próxima a restos de lanches, enquanto a filha
pede dinheiro num carro. O motorista pára ao notar o tamanho da criança. Em
qualquer cidade que tenha um tráfego intenso de carros é comum vermos as
mães usarem os filhos para pedirem nos sinais de trânsito e nas ruas.
Talvez a imagem não tenha circulado muito porque encontrei-a no blog
Brasil contra a pedofilia4. Os Ministérios Públicos de alguns Estados brasileiros
já estão linkados no blog e em contato com essa realidade. Supomos que esse
contato virtual é válido porque, daí para aplicar um método de trabalho que
controle ou elimine o problema social, é mais viável. O contato desses órgãos
públicos com o fotojornalismo, que retrata a realidade vista no cotidiano de
todos, menos no das autoridades, poderá ocasionar mais um desfecho que
essa atividade profissional provocou.
Ao adotarmos a ideia de fotojornalismo empregada por Barthes, a
fotografia de imprensa é uma mensagem porque, para a foto ser feita, ela
passou por uma fonte emissora (jornal), um canal de transmissão (jornal ou
revista) e um receptor (leitor). Além disso, a foto ainda recebe sua
característica primordial para identificá-la como jornalística, uma legenda, um
texto pequeno que “informa” o que tem na foto5.
Para o autor, a imagem fotográfica é uma mensagem sem código. Como
os desenhos, quadros, cinema e até o teatro, Barthes definia-as, assim como a
fotografia, de mensagens sem códigos devido as suas reproduções analógicas
da realidade. E todas, para ele, comportam dois sentidos apenas, um
denotativo e outro conotativo, definido pelo autor como “a maneira de leitura e
o que a sociedade pensa sobre o que foi fotografado”6.
3
FREUND, Gisele. “A fotografia de imprensa”. In Fotografia e Sociedade. Tradução de Pedro Miguel
Frade. Lisboa, veja, 1995 (p.115)
4
Pesquisa na internet no blog http://brasilcontraapedofilia.wordpress.com.
5
BARTHES, Roland. “A mensagem fotográfica”. In Teoria da Cultura de massa. Introdução, comentários
e seleção de Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro, 1978 (p. 303).
6
Idem (p. 305)
Por pensar justamente na imagem que proporciona um desfecho social e
a conotação, definida por Barthes como a imposição de um sentido segundo a
mensagem fotográfica propriamente dita, elaborada desde a escolha do tema a
ser fotografado até o lugar que a imagem terá na página de um jornal, é que
escolhemos a série fotográfica realizada no hospital João Ribeiro, localizado no
bairro da Liberdade, em Campina Grande (PB), no ano de 2005.

Foto 1: FACHADA – HOSPITAL PSIQUIÁTRICO FOTOGRAFADO ESTE ANO.


FOTO: sem autor definido; ANO: 2009. FONTE: Google imagens

O tema fotografado teve a sua importância como produto fotojornalístico.


Enquanto imagens denunciativas, o ensaio serviu como motivador para a
transformação da realidade. Além desse fator primeiro que norteia este artigo,
também nos detemos na conotação feita pelo autor do ensaio, o fotojornalista
Antônio Ronaldo, 45, que usou enquadramentos e perspectivas fotográficas
que dessem a entender à população o nível de crueldade no tratamento
desumano que os pacientes desse hospital estavam sofrendo.
Antônio Ronaldo foi o autor desse furo de reportagem fotográfica na
Paraíba, que acarretou em duas implementações importantes para os doentes
mentais de Campina Grande, o descredenciamento do hospital João Ribeiro e
a instalação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) na cidade.
O tipo de sentido provocado nas pessoas que viram as fotografias dos
pacientes do hospital João Ribeiro foi o de revolta, visto as continuidades de
materiais jornalísticos que foram produzidos a partir da matéria veiculada no
jornal Correio da Paraíba. Aliada às imagens reais, de pessoas sofrendo,
sendo tratadas sem o mínimo de critério profissional, está a sensibilidade do
fotógrafo, que conseguiu captar outras mensagens subjetivas do ambiente.
A série fotográfica utilizada neste estudo é formada por cópias
digitalizadas das fotos originais que têm cerca de oito megapixels cada uma.
As imagens foram feitas com uma Nikon D100, lente 17-35mm, sem flash, num
período de oito minutos, segundo explicou o fotógrafo Antônio Ronaldo.
O trabalho fotojornalístico surgiu de um trabalho freelance que o fotógrafo
realizou para a Secretaria de Saúde municipal, a pedido de uma representação
do Ministério da Saúde que fiscalizava os hospitais psiquiátricos do Brasil.
Disfarçado de membro da equipe da secretaria municipal, o fotógrafo mal
entrou no hospital e já percebeu o que ele teria de material de denúncia.
As imagens foram gentilmente cedidas pelo repórter fotográfico.

Foto 2: NA PRISÃO DA MENTE – DOENTES MENTAIS TRATADOS COMO PRISIONEIROS.


FOTO: A. Ronaldo; ANO: 2005. FONTE: Acervo particular do autor

A primeira foto tirada pelo fotojornalista de dentro do local conota ao leitor


a ideia de estar diante de uma cela de prisão. A grade em primeiro plano, o
cadeado logo acima retratando o confinamento e o desconforto dos dois
pacientes que olham ansiosos para a lente do fotógrafo por trás das grades,
dão a sensação completa de carceragem. O próprio fotojornalista disse que
percebeu a carga de irresponsabilidade que estava presenciando e, como um
profissional sensível, usou dos artifícios da fotografia pra chamar a atenção.
Antônio Ronaldo captou não somente uma forma desumana de tratar
pessoas com doenças mentais, mas um gancho jornalístico que só os
profissionais experientes com um pouco mais de coragem que os enfadados
repórteres policiais conseguem desenvolver. Foi a sua sensibilidade e
humanismo que o fizeram fotografar tudo o que via pela frente naquela visita
camuflada e rápida.
Da denúncia ao descaso à crueldade com que os doentes eram tratados,
as imagens despertaram a consciência de representantes de órgãos públicos
de tal maneira que muitos foram os desdobramentos do fato em outras
matérias, segundo o fotógrafo. Em pouco mais de 15 dias, os pacientes do
hospital João Ribeiro já estavam ocupando os Caps que foram sendo
implementados em Campina Grande depois das imagens percorrer
nacionalmente sites de Direitos Humanos e de Ministérios Públicos.
Foto 3: SONORA DE LUZ – QUARTO-SOLITÁRIA PARA DOENTES MAIS TRABALHOSOS.
FOTO: A. Ronaldo; ANO: 2005. FONTE: Acervo particular do autor

Essa imagem 3 possui uma linguagem extremamente sensível, apelando


ao leitor que ele tenha a noção real do que é o lugar retratado para não
confundir com o que ele pode imaginar ser o ambiente sombrio e solitário,
apesar de vazio. Segundo Antônio Ronaldo, o que ele quis passar ao fotografar
um dos quartos do hospital foi a sensação de estranheza e de fácil
identificação com uma cela de carceragem.
Analisando item por item do que se encontra no lugar fotografado, a
única cama que existe é feita em alvenaria, sem colchão; a única entrada de ar
é também a entrada de luz que fica nas alturas e o ambiente é desprovido de
qualquer móvel ou objeto. Tudo leva o leitor a ficar em dúvida se o lugar
retratado é mesmo um quarto de hospital ou um quarto de uma prisão.
Pela série fotográfica notamos que o poder transformador da imagem
foge de um caminho bucólico arrebatador da sensação leve de beleza para um
atalho que leva à solução do problema social que nos entristece a visão ao ser
descoberto jornalisticamente.
O repórter fotográfico acredita que, caso esse flagrante não tivesse
acontecido, o problema ainda existiria sem o conhecimento das autoridades.
Por causa das fotografias, o processo de descredenciamento do hospital João
Ribeiro, que funcionava com recursos federais e que ia demorar mais de um
ano para ser resolvido, foi solucionado em cerca de 10 dias.
Quando questionado sobre a sensação em ter realizado um material
dessa natureza, o fotógrafo respondeu sorrindo que foi uma alegria. “O aspecto
daquele lugar era de um campo de concentração. Acredito que ninguém saía
normal de lá”, descreveu-me Antônio Ronaldo.
Foto 4: DESPREZO – SEGURANÇA DESDENHA E TRIPUDIA DE PACIENTE EM CRISE NO CHÃO.
FOTO: A. Ronaldo; ANO: 2005. FONTE: Acervo particular do autor

Ao seguir a linha de pensamento de Barthes, sobre a imposição que o


sentido consegue ter, muitas vezes, em relação ao objeto fotografado, a
conotação está presente no ensaio do hospital João Ribeiro partindo de leituras
como a dessa foto 4. O deboche no gesto do segurança que passa próximo a
um doente em crise é notado pelos mais sensíveis.
O ato de fazer determinado “serviço” de higiene enquanto um doente se
debate ao chão é sinalizador de que a denúncia de descaso que o jornal
informou é verdadeira. A total falta de ética profissional ou de responsabilidade
para com doentes é denunciada por esta simples imagem. Obviamente que o
leitor deverá ter algum tipo de sensibilidade para se indignar diante da imagem,
apesar desta ter um sentido também denotativo.
Apesar das fotografias 2 e 4 representarem mais metaforicamente dado o
assunto abordado, o jornal do Correio da Paraíba publicou apenas uma
imagem desse vasto material. No impresso foi usada uma imagem de
linguagem mais denotativa porque os meios de comunicação do Estado não
trabalham com editorias de fotojornalismo, o que impede um trabalho de
imagem mais direcionado a um público mais exigente nos sentidos visuais.
Ou seja, na medida em que a localidade abordada numa imagem tenha
um público leitor formado para ver imagens de sentido conotativo, definido por
Barthes, é que os meios utilizam mais o recurso da sensibilidade. Como os
jornais impressos locais sempre trabalham com a denotação no fotojornalismo,
os leitores do jornal não notaram a sutileza do ensaio, somente o tom seco e
gritante de denúncia que a foto da capa trouxe.
Foto 5: CINISMO – SEGURANÇAS “CUIDAM” DE PACIENTES SEM ATENÇÃO MÉDICA.
FOTO: A. Ronaldo; ANO: 2005. FONTE: Acervo particular do autor

A última foto do artigo foi a publicada pelo jornal Correio da Paraíba em


2005, quando o hospital João Ribeiro foi interditado. De maneira explícita, os
leitores puderam ver a forma truculenta como os pacientes eram tratados. A
imagem revela um banho corriqueiro entre os doentes homens. Segundo o
fotojornalista, o funcionário do hospital que lava as pessoas com uma única e
grossa bucha era um dos seguranças do local, parceiro do que está molhando
os banhistas com uma mangueira.
Todos os pacientes eram lavados com a mesma bucha, conforme o
fotojornalista, que notou o perigo de contágio de doenças de pele, por exemplo.
Um dos internos estava com um tipo de coceira e ele foi banhado com a
mesma bucha que lavou os outros homens também, segundo constatou o
próprio repórter fotográfico.
O dado mais estarrecedor comprovado pela equipe que realizou o
trabalho, de acordo com Antônio Ronaldo, é que o hospital estava sem
representantes de diretoria, sem equipe médica exigida nos hospitais e os
doentes entregues aos “cuidados” dos seguranças do local.
O fotojornalismo praticado nesse tema foi de extrema importância para a
sociedade, que hoje tem atendimento de saúde de referência nas patologias
mentais. As imagens utilizadas em relatório que circulou nacionalmente podem,
comprovadamente, servir de instrumento de crítica social transformadora da
realidade desse e de outros casos que possam surgir. Basta a sensibilidade
casar bem com a máquina ou o olho humano ter sentimento e a câmera
retratá-lo metaforicamente.
Resumo
Em quatro imagens fotográficas pudemos comprovar a eficácia da fotografia
como um aparelho motivador da transformação social. Através do
fotojornalismo metafórico, porém real de um fato, a imagem pôde servir para
melhorar uma condição social em Campina Grande (PB) em 2005. A partir de
um desfecho positivo em dada circunstância, se torna importante documentar
historicamente esses fatos em que a fotografia gera uma mudança social.

Palavras-chave: Campina Grande; Imagem fotográfica, transformação social

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