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Por que ocorrem acidentes nos laboratórios químicos?

por Antonio F. Verga

Laboratórios químicos e microbiológicos são considerados áreas de alto risco. Não temos
estatísticas no Brasil de acidentes em laboratórios, mas nos locais onde temos ministrado
treinamentos ao longo dos últimos 15 anos, nos mais variados tipos de instalações de
empresas privadas, instituições públicas e universidades, no Brasil e no exterior, os relatos das
chefias reportam grande número de acidentes de pequena e média gravidade e um menor
número de acidentes graves que causaram mutilações e outras lesões permanentes. São
também do nosso conhecimento quatro casos de mortes, sendo duas no próprio laboratório e
duas ocorridas alguns dias após o acidente. Estes casos vieram à tona pelos relatos de chefias
e funcionários. E aqueles que foram abafados? É difícil saber, mas o número deve ser bem
maior.

Há muitas situações potenciais de acidentes nos laboratórios, pois neles são manipulados
agentes químicos corrosivos, inflamáveis, tóxicos, mutagênicos, teratogênicos e cancerígenos.
Casos de dermatoses, leucopenias, plaquetopenias, leucemia, silicoses, contaminações por
agentes patogênicos, como vírus da hepatite em amostras de esgoto, e efeitos nocivos ao
organismo causados por princípios ativos farmacêutico são freqüentes. Há ainda perigos
envolvendo o uso dos aparelhos que, por exemplo, podem expor o profissional à radiações.

São grandes as dificuldades que os departamentos de segurança das empresas encontram


para atuar nos laboratórios devido à complexidade de produtos e operações existentes nesses
locais.

Soma-se aos fatores de risco citados a grande competitividade do mercado globalizado, que
exige das empresas cada vez mais produtividade e redução de custos. E, infelizmente, uma
das formas para atender a tal exigência é reduzindo a mão-de-obra, o que gera sobrecarga de
trabalho e contribui para o aumento significativo de acidentes.

A implantação de um programa permanente de segurança é a medida básica para que sejam


reduzidos os riscos de acidentes em laboratórios. Esse programa precisará sempre contar com
a participação de todos os setores envolvidos: desde a alta direção, provendo os recursos
necessários e oferecendo todo apoio à manutenção do programa, passando pelos níveis de
gerência e supervisão, assim como os departamentos de segurança, higiene do trabalho,
serviço médico, saúde ocupacional, departamento de meio ambiente e finalmente as equipes
que trabalham nos laboratórios. Estas devem receber treinamento contínuo para terem claros
os riscos que as operações oferecem e o que deve ser feito para minimizá-los.

Um programa de segurança eficaz começa por uma análise prévia das condições atuais.
Verificar como está montado o laboratório, o seu layout, saídas de emergência, condições do
piso, iluminação, ventilação e renovação do ar. As capelas estão funcionando com a eficiência
esperada? Como está o controle de desempenho dos equipamentos de emergência, tais como
chuveiros, lava-olhos e mantas corta-fogo? As incompatibilidades dos reagentes foram levadas
em conta na organização do almoxarifado? Como é feito o controle dos estoques? Os
reagentes químicos peroxidáveis estão sendo monitorados para evitar explosões? Há planos
de emergências contra derramamentos e vazamentos? Os resíduos do laboratório estão sendo
armazenados e encaminhados para um destino final dentro do que preconiza a legislação
ambiental? Todos os funcionários do laboratório estão cientes da importância e treinados para
o uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs)?

Feita a análise inicial, parte-se para as correções das não conformidades e implantação de um
programa para manter as condições de segurança adequadas. Todas as medidas precisarão
ser documentadas num "Manual de Segurança do Laboratório", onde devem constar os
procedimentos, inspeções e regras de segurança exigidos. Conforme a lei, o laboratório
precisa ter as Fichas de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQs) para que
os riscos de cada produto sejam conhecidos.

A fase seguinte é a análise das condições operacionais e os recursos humanos. Os analistas


foram devidamente treinados? Observa-se com freqüência que os recém-formados em
química, bioquímica e farmácia possuem baixo conhecimento sobre segurança, já que são
raros os cursos que incluem o assunto em sua grade curricular. Isto ocorre pela própria
dificuldade em contratar professores especialistas, pois se trata de um tema multidisciplinar e
que envolve conhecimentos de química, segurança e higiene e legislação trabalhista.

Da mesma forma, existe a dificuldade de simular nos laboratórios das escolas as situações que
serão vividas no cotidiano das empresas. Esta realidade não é "privilégio" do Brasil. Já
constatamos que mesmo em países mais avançados o problema é similar. Em contato com o
professor James A. Kafman, da Universidade de Massassuchets (EUA), num curso de
segurança química, ele nos forneceu uma relação enorme de acidentes graves ocorridos em
laboratórios daquele país.

Os analistas precisam passar por um processo de conscientização e sensibilização dos riscos


da exposição aos agentes químicos, aprender a trabalhar em equipe, manter a ordem, a
limpeza e cumprir rigorosamente as regras de segurança estabelecidas pela empresa. Tivemos
no Brasil um caso de morte de um analista que ingeriu um ácido altamente tóxico, julgando ser
água mineral. O líquido letal estava numa garrafa PET sem rótulo, que havia sido colocada
horas antes por um colega numa geladeira do laboratório. Foram diversos erros em seqüência
e que terminaram num acidente fatal. Além do lado trágico, casos como este não passam sem
as implicações legais para os responsáveis, entre eles a própria empresa. Como se vê, a
responsabilidade é grande.

Os analistas devem também ser treinados em como manusear e fazer a limpeza das vidrarias,
transporte de reagentes no laboratório, aquecimento de líquidos inflamáveis e operação com
gases sobre pressão. Inspeção periódicas nas fiações dos aparelhos e nas instalações
elétricas também são importantes para evitar incêndios.

Conforme procuramos demonstrar neste breve artigo, acidentes em laboratórios ocorrem por
diversas causas, sendo as principais: falhas na infra-estrutura do laboratório e falhas
operacionais por falta de treinamento do pessoal que participa da rotina do laboratório.
Portanto, a implantação de um bom programa de segurança e que seja revisado
periodicamente visando a introdução de melhorias com certeza ajudará a reduzir bastante o
risco de acidentes.

Antonio F. Verga é Bacharel em Química pelo Instituto de Química da USP, Higienista do


Trabalho pelo SENAC e diretor da Isolab Consultoria e Treinamento

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