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ARTIGOS

Construção de conceitos no
campo da ciência da
informação*
Maria Cristiane Barbosa Galvão A constituição e desenvolvimento de uma Já Rubem Alves esclarece:
ciência exige dos seus pesquisadores e
profissionais observação, reflexão e crí- “Um modelo é um artefato construído
tica das metodologias e padrões científi- pelo cientista.
cos vigentes, sem o que a produção
científica do campo (bem como as pro- Quando falamos em artefatos, pensa-
postas teóricas e práticas nela contidas) mos em coisas fabricadas com o auxí-
poderá redundar em discursos de gran- lio de materiais sólidos, como relógios,
de proximidade com o senso comum. máquinas de moer carne, cortadores de
unha, satélites artificiais. Todos são ar-
Assim, o objetivo do presente artigo é tefatos produzidos pela arte dos ho-
refletir sobre a construção conceitual no mens.(...)
campo da ciência da informação. Esta Para se construir um modelo, fazemos
reflexão tem duas justificativas básicas: uso não de materiais sólidos, mas de
a) a formulação dos conceitos possibi- conceitos.”2
lita a ruptura epistemológica com o sen-
so comum, ou seja, é um dos caminhos Guiando-nos pelos autores citados an-
possíveis para a construção de uma teriormente, podemos afirmar que, para
ciência; b) os conceitos são os mate- a ciência da informação atingir um pa-
riais empregados na elaboração de mo- drão de cientificidade, seus pesquisa-
delos científicos que, por sua vez, per- dores e profissionais precisam estar
Resumo mitem a observação, descrição e inter- atentos à formulação de conceitos.3
pretação dos objetos teóricos e empíri-
A construção de conceitos interfere na
ruptura epistemológica de uma ciência com cos de um campo do conhecimento, Sabemos que a ciência da informação
o senso comum e no desenvolvimento de assim como os fenômenos presentes, possui várias relações com a bibliote-
modelos científicos voltados para a passados e futuros a eles relacionados. conomia e com a documentação. Isto
observação, descrição e interpretação dos
objetos teóricos e empíricos de um campo porque grande parte dos cursos, dos
do conhecimento. A formação do arcabouço As duas justificativas mencionadas têm institutos e periódicos que tinham em
conceitual da biblioteconomia e por base os trabalhos de Bourdieu e de seus nomes os termos biblioteconomia
documentação parece ter tido por base o Rubem Alves. Ao discutir o conceito de e documentação, em certo momento
fluxo de tratamento e recuperação da ruptura epistemológica (construção dos
informação, bem como os conceitos e histórico, substitui esses termos pelo
termos a ele associados. No entanto, este conceitos científicos sem a “interferên- termo ciência da informação. Um segun-
arcabouço parece possuir alguns problemas cia”das pré-noções presentes na lingua- do aspecto que nos leva à constatação
metodológicos, entre eles a construção de gem comum), escreve Bourdieu: de tais relações é o fato de a literatura
conceitos descritivos sem uma paralela
preocupação com a elaboração de conceitos especializada, quer seja nacional ou in-
metodológicos correspondentes e a “(...) en la medida en que el linguagen ternacional, muitas vezes, associar ou
perspectiva eclética adotada em sua común y ciertos usos especializados de estabelecer equivalência entre os termos
construção. Tais constatações parecem las palabras comunes constituyen el biblioteconomia, documentação e ciên-
indicar que a biblioteconomia e principal vehiculo de las representacio-
documentação possuem uma frágil ruptura cia da informação, sem necessariamen-
com o senso comum. Logo, se área pretende nes comunes de la sociedad, una críti- te esclarecer os conceitos a que se re-
participar do campo científico, como indica o ca lógica y lexicológica del lenguage ferem e suas especificidades.
termo ciência da informação, deve assumir común surge como el paso previo más
uma postura diferenciada diante das indispensable para la elaboración con-
metodologias científicas e mais Na reflexão presente, consideramos que
especificamente da construção de trolada de las nociones científicas.”1 o termo ciência da informação surgiu
conceitos. para denominar e representar uma ten-
Palavras-chave tativa teórica e prática de superação da
* Artigo baseado em capítulo da dissertação de
mestrado A ciência da informação: estudo
biblioteconomia e da documentação.
Biblioteconomia; Documentação; Ciência da epistemológico, defendida, em junho de 1997, Dessa maneira, o nosso ponto de parti-
informação; Construção de conceitos; na Escola de Comunicações e Artes da Univer- da será discutir a base conceitual da
Ruptura epistemológica. sidade de São Paulo.

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Construção de conceitos no campo da ciência da informação

biblioteconomia e documentação e, pa- FIGURA 1


ralelamente, observar se o fato de este Fluxo do tratamento e da recuperação da informação
campo do conhecimento ter se subme-
tido a uma nova terminologia, ou seja, Universo de documentos
ter passado a empregar o termo ciência ↓
da informação, implicou um comporta- Documento selecionado
mento diferenciado diante das metodo- ↓
logias e padrões científicos. Análise

Comumente, afirma-se que a bibliote- Síntese
conomia e a documentação têm por ↓
objetivos básicos a análise, organiza- Representação temática e representação descritiva
ção e disseminação da informação. ↓
Ratificando tal afirmação, algumas obras Índices/bases de dados
de referência associam as metodolo- ↑
gias vigentes na área de bibliotecono- Representação da pergunta
mia e documentação, bem como as fun- ↑
ções exercidas por seus profissionais, Análise da pergunta
ao fluxo do tratamento e recuperação ↑
da informação. Solicitação do usuário

Para melhor compreensão do fluxo apre- Usuário do sistema
sentado na figura 1, serão expostos a
seguir os conceitos dos termos que o
compõem. No primeiro: Dessa forma, as diferentes linguagens
documentárias possibilitam maior ou
Entende-se por universo de documentos “A representação é realizada através do menor grau de abstração e generaliza-
o conjunto de todos os suportes físicos uso de um código comutador, ou seja, ção da representação temática a ser
existentes (livros, filmes, discos, fitas uma linguagem documentária – LD, que realizada, como afirma a norma ISO-
K-7, vídeos, CDs, periódicos, anais de tem como função a normalização das 2788:
congressos, atas, relatórios, cartazes, unidades significantes ou conceituais
manuscritos, fotografias, teses, histórias presentes no texto original, a partir de “If a popular and a scientific name to refer
em quadrinhos, mapas, plantas...) nos elementos que constituem, de alguma to the same concept, the form most
quais estão as informações produzidas forma, uma condensação de áreas de likely to be tought by the users of the
pelo conhecimento humano. assunto. A condensação, nesse caso, index should be chosen. For example,
é expressa pelos elementos do código ‘Penguins’ might be chosen as the
Documento selecionado é aquele de in- de comutação, sendo, portanto, exterior prefered in a general index, but the
teresse para um determinado sistema ao texto submetido à conversão. Dessa scientific equivalent, ‘Sphenisciformes’,
de informação (bibliotecas, centros de forma, a representação obtida não re- may be prefered in a zoological index.
documentação, arquivos, museus, cen- presenta necessariamente uma relação Reciprocal references should be made
tros culturais, gibitecas, fonotecas ou de contigüidade e semelhança com o in theses cases.”6
videotecas), tendo em vista seus usuá- texto original e envolve, pelo menos,
rios e os recursos disponíveis na insti- dois sistemas semióticos distintos: No segundo tipo:
tuição na qual está inserido. aquele presente no texto original e aque-
le estabelecido pelo instrumento comu- “A representação é construída através
A análise referida aqui corresponde ao tador ou LD.”5 de um processo de condensação in-
procedimento de verificação da informa- tensiva do texto original. Essa repre-
ção contida no documento. Reside, ba- Este primeiro tipo de representação te- sentação gera uma série de produtos
sicamente, segundo Kobashi, na identi- mática pode ser explicitado pelo exem- documentários (vários tipos de resumo)
ficação da superestrutura textual (tema, plo que se segue. que representam, geralmente, uma re-
problema, hipótese, metodologia, resul- lação de contigüidade e semelhança
tado e conclusão – por exemplo).4 Se identificarmos na leitura (análise) do com o texto que lhes deu origem, a ope-
texto que suas informações referem-se ração, nesse caso, vale-se, em princí-
A síntese é a construção realizada pelo a câncer e a alguma droga para sua pio, dos mesmos elementos do siste-
documentalista de um enunciado relati- cura, “traduziremos”este assunto para ma semiótico utilizado para a elabora-
vo à informação contida no documento uma linguagem documentária que, de- ção do texto original.”7
e que será submetido à representação pendendo de sua concepção e especifi-
temática. cidade, vai nos permitir o uso dos ter-
mos câncer e droga, ou, por exemplo,
Quanto à representação temática, po- neoplasia e quimioterapia, ou ainda
dem ser citados dois tipos. doença e remédio.

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Construção de conceitos no campo da ciência da informação

Quanto à representação descritiva, po- O usuário do sistema é o público que cumentárias. Também, pode-se perceber
demos dizer que ela contempla os da- utiliza o sistema de informação. que essas correntes têm procurado seus
dos ligados à produção editorial dos subsídios na estatística, na ciência cog-
documentos, tais como o responsável Como pode ser observado, a biblioteco- nitiva, na lógica, na lingüística, na mate-
pela obra, título da publicação, editor, nomia e a documentação, para concre- mática, na ciência da terminologia, en-
ano de publicação, número de páginas. tizar o objetivo de analisar, organizar e tre outras.
Um dos produtos deste tipo de re- disseminar a informação, utilizam um
presentação vem a ser a referência conjunto de termos e conceitos que se Tentando não tomar partido, a observa-
bibliográfica. referem a operações concretas. ção que fazemos é a de que as duas
correntes, ao selecionar seus objetivos
Os Índices, automatizados ou não, con- Embora os conceitos dos termos expli- empíricos para a análise, acabam se
têm os dados necessários para os citados até o momento sejam empre- detendo prioritariamente em textos téc-
usuários do sistema informacional de- gados constantemente, observamos nico-científicos escritos. Uma das jus-
cidirem a quais documentos querem ter que algumas problematizações podem tificativas para este procedimento é pro-
acesso. Esses dados dizem respeito à ser levantadas sobre os mesmos, bem posta por Lara da seguinte forma:
representação descritiva (responsável como outros termos e conceitos pare-
pela obra, data de publicação, editora, cem ser necessários à biblioteconomia “(...) nos textos técnico-científicos, as
paginação, forma física...) e à represen- e documentação. Apresentaremos algu- relações de significação pressupõem
tação temática (resumo ou termos des- mas problematizações, termos e con- uma univocidade de significação, ou
critores de uma linguagem documentá- ceitos nos parágrafos seguintes. seja, um corpo conceitual proposto por
ria). consenso (ou discussão, quando da
O termo documento quebra de paradigmas), conhecimento,
Idealmente, os dados presentes nos ín- produção, rearranjos, seguindo corren-
dices dos sistemas informacionais se- Na figura 1, embora o fluxo seja deno- tes institucionais de pensamento e po-
guem normalizações e linguagens es- minado fluxo do tratamento e da recu- sição: ou seja, um referente e um con-
pecíficas. Dessa maneira, a represen- peração da informação, observa-se que texto. Desse modo, pretende-se tomar
tação da pergunta visa a padronizar, o ponto de partida apresentado não são o signo monossêmico como base para
através da linguagem documentária, as informações, mas sim documentos. Ou a transmissão da informação documen-
questões formuladas pelo usuário para seja, parece que a biblioteconomia e a tária.”11
que informações compatíveis sejam re- documentação tendem a tratar os ter-
cuperadas. Sem o procedimento de re- mos informações e documentos como Todavia, a presença do signo monossê-
presentação da pergunta, corre-se o ris- se fossem equivalentes. mico não é característica de todos os
co de o usuário não obter a informação textos técnico-científicos. Gomes afir-
que deseja, mesmo que o sistema te- Além disso, o termo documento é em- ma que:
nha tal informação. pregado, na área de biblioteconomia e
documentação, ora como equivalente ao “As disciplinas normativas como o Di-
Dessa maneira, se, por exemplo, o usuá- termo suporte de dados (“objeto mate- reito, por exemplo, têm, por força de
rio solicita informações sobre câncer, rial sobre o qual ou no qual uma variável natureza, grande preocupação com o
teremos de verificar se a linguagem do- física específica – perfurações em sé- estabelecimento claro de conceitos e
cumentária do sistema emprega o ter- rie, sinais magnéticos, signos visuais, termos em seus documentos legais,
mo câncer ou o termo neoplasia para auditivos etc.– pode representar da- embora, por questões de política, alguns
especificar as informações a respeito da dos”8), ora como equivalente ao termo termos fiquem propositalmente obs-
enfermidade. meio de comunicação (“canal ou cadeia curos, dando margem a sua utilização
que liga a fonte ao receptor”9) e ora as- conforme predomine esta ou aquela
O objetivo da etapa de análise da per- sociado ao termo mensagem (“sinôni- tendência política (...) Nas ciências so-
gunta é identificar com precisão quais mo de ‘conteúdo’, ou seja, aquilo que é ciais (...), além de, numa mesma co-
informações o usuário quer. Ele pode dito em um texto, em um discurso”10) –, munidade de especialistas coexistirem
solicitar, genericamente, informações sem que haja explicitação à qual das pensadores/cientistas adotando diferen-
sobre diabetes, mas de fato necessitar conceituações apresentadas o termo tes paradigmas, são usadas palavras e
de informações sobre seres humanos documento está se referindo. expressões tomadas da linguagem na-
do sexo masculino, não-fumantes, en- tural, de uso comum ou emprestadas
tre 30 e 40 anos, diabéticos, que não O termo linguagem de outras áreas, sendo-lhes atribuído,
recebem tratamento quimioterápico ou contudo, novo conteúdo conceitual, sem
dietoterápico. No campo da biblioteconomia e documen- que este fato esteja claro para os ouvin-
tação, pode-se distinguir pelo menos duas tes, leitores fora de seu estreito círculo
Solicitação do usuário é o ato pelo qual correntes teóricas cujas preocupações e, em alguns casos, até mesmo dentro
o usuário procura, dentro de um siste- estão voltadas ao estudo da linguagem: a de tal círculo.”12
ma de informação, a informação que sa- corrente teórica que pesquisa a viabilida-
tisfaça suas necessidades informacio- de da recuperação de informações via lin-
nais. guagem natural e a corrente que trabalha
no desenvolvimento das linguagens do-

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Construção de conceitos no campo da ciência da informação

Ao verificarmos as pesquisas sobre lin- Dessa forma, a biblioteconomia e do- longo de sua relação com esse siste-
guagem desenvolvidas na área e as afir- cumentação, que não chegaram sequer ma. Assim, os produtos e serviços ofe-
mações de Lara e Gomes, chegamos à a atingir os mercados maciços, não dis- recidos pela biblioteconomia e docu-
conclusão de que a biblioteconomia e a põem também de métodos para forne- mentação não são neutros. Eles mol-
documentação, ao desenvolverem me- cer produtos adaptados a cada tipo de dam as necessidades dos usuários dos
todologias para o tratamento apenas dos público (donas de casa, crianças, sistemas de informação.
textos técnico-científicos e ao objetiva- adolescentes etc.), apesar de termos,
rem a construção do signo monossêmi- na economia atual, uma tendência do Uma possibilidade para se reverter o qua-
co como base para a transmissão da crescimento de produtos adaptados ao dro apontado seria não apenas colocar
informação, têm tratado apenas uma cliente 16. o usuário como prioridade, mas também,
parte das informações produzidas pela por exemplo, saber que tipo de informa-
humanidade, uma vez que os textos li- O termo serviço e o termo usuário ção o não-usuário do sistema de infor-
terários e visuais, por exemplo, não têm de informação mação está procurando, que tipo de ne-
sido objetos de estudo. Observa-se cessidade esse público possui. Com
igualmente que a biblioteconomia e a A observação do fluxo apresentado na esse parâmetro, haveria uma avaliação
documentação não operam com o con- figura 1 evidencia que o usuário do sis- menos tendenciosa sobre a contribuição
ceito geral de linguagem que a relacio- tema de informação não é visto, de fato, efetiva da biblioteconomia e da documen-
na com “qualquer sistema de signos como prioridade, pois o ponto de parti- tação à sociedade – sendo que os obje-
(não só vocais ou escritos, como tam- da está voltado para o documento, sem tos de pesquisa da área não residiriam
bém visuais, fisionômicos, sonoros, de que haja, ao longo do fluxo, menção aos nas atividades existentes no fluxo da fi-
gestos etc.) capaz de servir à comuni- usuários do sistema. Dessa maneira, o gura 1, ou seja, os objetos de pesquisa
cação entre os indivíduos.”13 pensamento habitualmente empregado não seriam de “mecanismo inibidor do
pelos profissionais da área, cujo objeti- pensar acadêmico.”20
O termo comunicação vo-fim de um sistema de informação é o
usuário, pode ser questionado, pois fica No entanto, comumente, para os profis-
O fluxo apresentado na figura 1 parece difícil atingir o objetivo-fim sem que o sionais da biblioteconomia e da docu-
propor uma mediação entre o produtor usuário seja considerado desde o início mentação, o público não-usuário do sis-
de informação e o usuário da informa- do processo de tratamento e recupera- tema de informação é visto como pes-
ção. Não considera que está ocorrendo ção da informação. soas que não sabem utilizar ou têm di-
uma sobreposição entre o ser humano ficuldade em utilizar os recursos infor-
produtor de informação e o ser humano A dúvida que surge é a seguinte: se, de macionais disponíveis nos sistemas de
usuário de informação. No momento, fi- fato, o usuário fosse a prioridade (ou seja, informação e que precisam, portanto,
nal do século XX, as informações estão se, antes de se criarem serviços ou pro- ser iniciadas às regras destes. Há, as-
sendo produzidas, reelaboradas e dis- dutos para os sistemas de informação, sim, uma dissimetria entre o usuário
seminadas ao mesmo tempo, sendo o houvesse não só a preocupação, mas (público efetivo) e os não-usuários (pú-
ciclo de informação mais ágil14,15, fato um estudo sobre quem é esse usuário, blico potencial).
que dificulta inclusive a identificação do o que ele entende por informação, que
autor responsável pela informação e a fontes de informação ele prioriza e utili- Se existem públicos que têm dificulda-
aplicação dos direitos autorais. Como za, como ele habitualmente obtém as de em utilizar com eficiência esses sis-
mediar neste contexto? informações de que necessita, como ele temas, talvez fosse o caso de mudar as
se comunica, que tipo de linguagem metodologias empregadas nos sistemas
O termo administração emprega etc.), os sistemas de informa- de informação ao invés de se transferir
ção continuariam elaborando os mesmos o problema para o cliente.
A nosso ver, o fluxo apresentado na fi- serviços e produtos atuais?
gura 1 também é uma proposta de linha Fizemos essas colocações porque as
de produção de produtos informacionais Atualmente, o usuário, por não ser vis- posições da biblioteconomia e da docu-
(ou melhor, de análise, síntese e repre- to como prioridade, precisa se adequar mentação são muito cômodas. Tendo
sentação de textos técnico-científicos). ao que lhe é oferecido. Os serviços como sustentação o fluxo da figura 1,
Não é discutido pela biblioteconomia e oferecidos pela biblioteconomia e do- elas acabam atendendo a um pequeno
documentação se tal fluxo serve para cumentação funcionam como matrizes segmento da população e virando as
qualquer sistema de informação ou em que moldam as formas de seu consu- costas para outros segmentos. Além
quais sistemas ele pode ser ou não ser mo*17,18,19. Em outras palavras, quando disso, a biblioteconomia e documenta-
aplicado. Não se discute se o fluxo é o usuário fica satisfeito com as informa- ção parecem não perceber que as ciên-
válido em sistemas em que os usuários ções encontradas nos sistemas de in- cias humanas não podem trabalhar ape-
são adolescentes, idosos, possuem ou formação, ele fica satisfeito dentro de nas com modelos estáticos, pois o ob-
não escolaridade. Não se discute se os uma expectativa que foi construída ao jeto estudado pelas humanidades pos-
produtos elaborados pela bibliotecono- suem características diferenciadas do
mia e documentação são de interesse objeto estudado pelas ciências exatas.
* Segundo Anders, o homem aprende a neces-
para os usuários. Enfim, não se discute As seguintes afirmações esclarecem
sitar daquilo que lhe oferecem. A oferta é um
a tipologia dos sistemas de informação mandamento. A decisão é relativa. O produto este ponto:
e as especificidades de seus usuários. fabrica o vício de seu consumo.

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Construção de conceitos no campo da ciência da informação

“Cientistas das chamadas ciências exa- O termo informática b) análise, síntese e representação te-
tas freqüentemente se riem dos seus mática relacionam-se com as áreas de
companheiros das ciências humanas e A função da informática não está eviden- pesquisa, ensino e atuação profissional
chegam mesmo a perguntar se tais te para quem observa o fluxo da figura 1. denominadas análise documentária, re-
ciências são mesmo ciências. Porém, considerando-se que este fluxo pesentação temática, representação de
já está sendo utilizado pela biblioteco- conteúdo, classificação;
A questão, entretanto, está mal coloca- nomia e documentação há alguns anos
da. e que, após o advento da informática, o c) representação descritiva relaciona-se
fluxo continua estático, isto é, sem atua- com as áreas de pesquisa, ensino e
O rigor das ciências da natureza não se lização, pensamos que a informática é atuação profissional denominada repre-
deve, em absoluto, a que elas sejam vista nessa área como um instrumento sentação descritiva ou catalogação;
mais rigorosas e seus métodos mais de agilizar/otimizar processos.
precisos. d) representação da pergunta relaciona-
O conceito de informática precisa tam- se com a área de pesquisa, ensino e
Acontece que o bicho com que elas li- bém ser redimensionado. Os profissio- atuação profissional denominada servi-
dam é muito doméstico, manso, desti- nais e pesquisadores da bibliotecono- ços de referência;
tuído de imaginação, faz sempre as mia e documentação não podem ver na
mesmas coisas, numa rotina enlouque- informática apenas um instrumento que e) solicitação do usuário e usuários do sis-
cedora, freqüenta os mesmos lugares. será utilizado dentro do fluxo documen- tema relacionam-se com as áreas de pes-
Tanto assim que é possível prever onde to selecionado-análise-síntese-repre- quisa, ensino e atuação profissional deno-
estarão Terra, Sol e Lua daqui a 100 mil sentação-índices.... É preciso questio- minadas ação cultural, serviços de refe-
anos. nar esse fluxo e ver tanto as metodolo- rência, usos e usuários de informação;
gias vigentes na área, quanto o “uso da
Se eu lhe desse duas tarefas: informática”de um ponto de vista mais f) por fim, teríamos as áreas de pesqui-
amplo. sa, ensino e atuação profissional deno-
1) desenhe os movimentos de uma ár- minadas administração de sistemas de
vore; Como afirma Lynch, há uma diferença informação, administração de bibliote-
entre modernização e transformação de cas e também informática documentá-
2) desenhe os movimentos de uma bai- processos22. Se no passado a informá- ria, cujos objetos residem no fluxo como
larina dançando balé. tica foi vista como um instrumento para um todo.
tornar mais eficientes algumas ativida-
Qual dos dois desenhos seria mais pre- des (ou seja, para modernização/otimi- Pelo exposto, a biblioteconomia e do-
ciso? zação de processos), hoje a informáti- cumentação parecem possuir como
ca está colocando em xeque essas ati- modelo de sustentação o fluxo do trata-
Evidentemente o da árvore. vidades (ou seja, está transformando os mento e da recuperação da informação.
processos). Logo, a construção e a análise dos sis-
Por quê? Por que você possui métodos temas de informação realizadas pelo
mais rigorosos para lidar com a árvore? As áreas de pesquisa estudante, profissional e pesquisador da
Não. Porque a árvore não sai do lugar, biblioteconomia e documentação, em
não muda de idéia.”21 Além das problematizações levantadas, diferentes contextos sócio-políticos-cul-
é preciso esclarecer que muitos dos turais e históricos em que ocorrem, pa-
Do que foi dito, percebe-se que o objeto conceitos e termos discutidos anterior- recem seguir uma única estrutura (o flu-
das ciências humanas (o ser humano) mente têm orientado: a) as atividades xo do tratamento e da recuperação da
sofre alterações com o passar do tem- profissionais do bibliotecário e do docu- informação), impossibilitando o surgi-
po. Entendendo que o usuário da infor- mentalista; b) os currículos de gradua- mento de outras novas estruturas.
mação é um ser humano, a biblioteco- ção e pós-graduação em bibliotecono-
nomia e documentação teriam seus mia e documentação; c) o desenvolvi- Problemas conceituais na
objetivos centrados não apenas na oti- mento da produção “científica” neste biblioteconomia e documentação
mização dos serviços que prestam à so- campo do conhecimento. Atualmente,
ciedade, estariam atentas às mudanças, por exemplo: Ducrot define conceitos metodológicos
às novas exigências informacionais e e conceitos descritivos. Para o autor,
proporiam serviços e conceitos compa- a) universo de documentos e documen- enquanto aqueles englobam conceitos
tíveis com os diferentes momentos his- tos selecionados relacionam-se com as mais gerais, estes englobam mais par-
tóricos. áreas de pesquisa, ensino e atuação ticulares. Parafraseando Ducrot, pode-
profissional denominadas fontes de in- ríamos dizer que os conceitos metodo-
formação, desenvolvimento de coleções, lógicos relacionam-se com a teoria, en-
seleção; quanto os conceitos descritivos são
mais voltados à operacionalidade da
teoria, devendo haver para o conceito
descritivo pelo menos um conceito me-
todológico e vice-versa.

50 Ci. Inf., Brasília, v. 27, n. 1, p. 46-52, jan./abr. 1998


Construção de conceitos no campo da ciência da informação

No percurso histórico da bibliotecono- “Ecletismo é o uso de conceitos fora Ao formularmos esta questão, não que-
mia e da documentação, sempre con- dos seus respectivos esquemas con- remos afirmar que a ciência da informa-
ceitos e denominações provenientes de ceituais e sistemas teóricos, alterando ção existe; ou que é possível determi-
outras ciências ou disciplinas foram os seus significados. A ocorrência do nar onde começam ou terminam essas
importados e/ou adaptados com o intui- termo, sem definição que reduzisse ou áreas do conhecimento; ou que a ciên-
to de se obterem soluções para proble- eliminasse a sua ambigüidade, não per- cia da informação é algo diferente da
mas práticos. Nesse sentido, importa- mitiria saber a qual de vários conceitos biblioteconomia e documentação. No
ram-se conceitos e denominações de possíveis está associado. Inadvertida- entanto, ressaltamos que, se os profis-
algumas teorias da administração, da mente, muitas vezes, utiliza-se o sinal sionais, pesquisadores e estudantes da
lingüística, da lógica, da comunicação que expressa o conceito, mas não o pró- ciência da informação desejam avançar
e de outras áreas. Porém, visando-se a prio conceito. O discurso torna-se va- na constituição teórica deste campo do
um uso imediato desses conceitos e zio ou obscuro sem que o cientista so- conhecimento, precisam estar atentos
denominações, não houve compreen- cial perceba que a sua linguagem pode para a forma como a biblioteconomia e
são/problematização dos conceitos me- dificultar a comunicação. Se tal ocor- documentação têm formulado e empre-
todológicos e conceitos descritivos e um rência é grave em nível da teoria, será gado termos e conceitos. Se a área
questionamento sobre as implicações gravíssima em nível metateórico ou achava que a modificação de sua auto-
do uso de conceitos e denominações meta-sociológico. Neste caso, os con- denominação para ciência da informa-
provenientes de diferentes áreas do co- ceitos metodológicos desprovidos de ção a tornaria ciência e que seria reco-
nhecimento. suas características limitar-se-ão a no- nhecida no âmbito acadêmico enquan-
meações e classificações rituais de to tal, equivocou-se. É preciso discutir
A título de exemplo, podemos mencio- postura sem qualquer influência nas sua base conceitural e, principalmente,
nar que, da administração, foram impor- estratégias de investigação, o que é como está trabalhando e empregando
tados vários conceitos da teoria clássi- comum em textos produzidos por auto- as metodologias científicas.
ca e, da lingüística, foram importados res desprovidos de treinamento metateó-
conceitos da teoria dos campos con- rico. Termos vazios de significado não
ceituais. Tais importações levaram a podem funcionar como instrumentos de
biblioteconomia e a documentação a: reconstrução teórica ou metodológica.”

a) elaboração de conceitos descritivos As observações realizadas também in-


compatíveis com os conceitos metodo- dicam que, ao importar conceitos e de-
lógicos de origem, mas que, com o pas- nominações oriundos de outras áreas,
sar do tempo, foram se tornando desa- a área de biblioteconomia e documen-
tualizados em relação ao estado-da-arte tação não estabeleceu uma ruptura epis-
tanto da administração, quanto da lin- temológica necessária para a constitui-
güística; ção de um arcabouço conceitual próprio.

b) elaboração de conceitos descritivos A biblioteconomia e a documentação


incompatíveis com os conceitos meto- não propõem conceitos. Estando volta-
dológicos de origem; das para o objetivo de analisar, organi-
zar e disseminar a informação, impor-
c) em decorrência dos itens a e b, nos tam denominações e conceitos de ou-
momentos em que a biblioteconomia e tras áreas sem estabelecer um debate
documentação tentaram atualizar os ou uma problematização sobre a que
conceitos descritivos que utilizam, não conceito se refere a denominação im-
obtiveram êxito devido à ausência de portada ou a qual denominação se re-
conceitos metodológicos internos à fere o conceito importado. Com isso,
área. nesta área, a ruptura com o senso co-
mum parece ser muito frágil, ou quase
As observações realizadas indicam que inexistente.
a área se voltou para questões circuns-
tanciais e procurou, na importação de Tendo elaborado este esboço sobre os
conceitos e denominações provenientes conceitos da biblioteconomia e docu-
de outras ciências, uma justificativa mentação, resta uma questão: a ciên-
“científica”para a atividade prática, ado- cia da informação possui as mesmas
tando, muitas vezes, uma postura eclé- características da biblioteconomia e
tica. documentação?

O conceito de ecletismo por nós adota-


do segue a definição estabelecida por
Oliveira Filho. Segundo ele:

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Construção de conceitos no campo da ciência da informação

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E-mail: mgalvao@guarany.cpd.unb.br
Science; Concepts construction;
Epistemology.

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