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Ao nosso amigo Rafael Barbi, cuja inquietude diante da

estrutura tradicional dos jogos de representação ainda


nos inspira e provoca a escrever textos como este.
Conceito e Design de Regras:
Giltônio Santos & Richard Garrell

Escrita:
Giltônio Santos

Design Interno e Capa:


Daniel Ramos

Imagens Internas:
Germana Viana

Diagramação:
Rafael Rocha
Agradecimentos:
Várias pessoas, de uma forma ou outra,
mesmo sem saber, contribuiram para que
esse projeto enfim visse a luz do dia. Embora
seja difícil citar todos os nomes que nos vêm
à mente, não poderíamos deixar de falar
dos leitores prematuros desta obra: Rafael
Barbi, Remo Di Sconzi e Wallace Garradini,
cujas opiniões certamente nos ajudaram a
chegar a uma obra menos inacabada. Nossos
agradecimentos também a Daniel Ramos,
Germana Viana, Daniel Poeira e Grimer
Midlenko imprescindíveis na luta para dar
forma ao conteúdo. Ao Trio Tormenta por
todo o apoio durante os anos. A todos aqueles
que mantém blogs de RPG e produzem
diariamente movidos somente por sua paixão
ao hobby. Leitores do Mamute, fãs dos livros
da Secular e, como não poderia deixar de
ser, nosso patrono Robert Nesta Marley, cuja
bandeira continuará acompanhando a saga
do RPG independente no Brasil.

Obrigado a todos!
“O herói, portanto, é o homem ou mulher que
foi capaz de superar as limitações pessoais e
históricas, geralmente e normalmente válidas, à
forma humana. As visões, idéias e inspirações de
alguém assim vêm purificadas das fontes primá-
rias da vida e do pensamento humanos. Logo,
elas são eloquentes, não da sociedade e espírito
atuais que se desintegram, mas da origem insa-
ciável através da qual a sociedade renasce. O
herói morreu como um homem moderno; mas
como um homem eterno - perfeito, indefinido,
homem universal - ele renasceu. Sua segunda
tarefa e realização solene, portanto, é retornar
para nós, transfigurado, e ensinar a lição que
aprendeu da vida renovada.”

- CAMPBELL, Joseph. The Hero With a Thousand


Faces, 1949, tradução livre.
Um jogo de Narrativa Épica de Fé,
Conhecimento e Jornada

Giltônio Santos
&
Richard Garrell
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Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative


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3.0 Unported. Para ver uma cópia desta licença,
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Na prática isto significa que você é livre para copiar,


distribuir e alterar os elementos desta obra, desde
que siga as seguintes condições: 1) o faça apenas
para fins não-comerciais; 2) credite em sua obra Busca
Final de Giltônio Santos e Richard Garrell; 3) que
a obra derivada também compartilhe desta mesma
licença. Quaisquer dúvidas nos contate através de
nosso website: http://www.secular-games.com/
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Sumário

Introdução................................9 Parte 3 – Confronto.................53


O Confronto e a Busca...................54
Parte 1 – Gênese e Estrutura...13 O Baralho do Destino.....................55
Busca Final Como um Jogo de Solução de Conflitos pelo Baralho do
Narrativa........................................15 Destino..............................................56
As Funções de Narrador e de A Mão da Fortuna..........................58
Protagonista...................................15 Combate........................................59
Material de Jogo............................16 O Confronto Como Elemento da
O Conceito de Guerreiro Errante...18 Busca.............................................63
Processo de Criação.......................19 Formulação....................................64
Características do Guerreiro Errante..23 Resolução......................................68
Criação em Andamento..................25 Conseqüências...............................69
O Líder...........................................25
Papel e Importância Narrativa........28 Parte 4 – Fim de Jogo.............73
Características do Líder..................29 Alcançando o Fim do Jogo.............75
A Companhia.................................31 Morte.............................................76
Características da Companhia........31 Loucura.........................................76
Criação em Andamento Coletiva....33 Sucesso..........................................77
Resignação.....................................77
Parte 2 – Prelúdio....................35 Desafio..........................................78
O Continente de Othora.................38 Conhecimento Verdadeiro..............80
A Grande Perda.............................39 Uma Palavra Sobre o Cânone........82
Reinos e Motivações.......................41
Antura...........................................41 Últimas Palavras.....................84
Conth............................................44
Irakas.............................................46 Índice Remissivo.....................88
Manthilus.......................................48
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Introdução

screvo em meus poucos norantes conseguiram captar par-

E pergaminhos, e estamos
todos sentados em vol-
ta da fogueira armada próxima à
cialmente, enquanto ainda tinham
idade para fazer algo mais do que
sentar e contar histórias. Eu sem-
margem do Rio Nenkai. Enquanto pre gostei dos velhos, e acredito
o resto de lenha queima furioso, que qualquer história tola de um
e o frio da madrugada começa a velho ignorante pode ser melhor
incomodar de verdade, a caneca do que a caminhada sem destino
cheia de hidromel e o cachimbo dos dias de hoje. Eu jamais falaria
preparado com erva do pântano isso para o nosso Dûk, no entanto,
passam de mão em mão. Sinto-me pois sua zward é certamente mais
fascinado pelos olhos cinzentos do mortal que a minha.
ouid de Nomata, Shia, que narra
sua história com a vivacidade de Shia fala de dias muito antigos,
um grande poeta, embora não seja quando este mundo era tão diferen-
mais do que um camponês que se te de como se tornou. Ele diz que
deixou envelhecer demais para as dríades podiam sair da mata e
trabalhar no campo. abençoar tanto as ovelhas quanto
o trigo, e o mundo era mais far-
Hien está longe. Está perdido em to naquele tempo. O ouid afirma,
seus próprios pensamentos, e não para o espanto de nossos guerrei-
quer saber da história do ouid. ros, que viu um dos venaars prati-
Ele diz que os velhos sabem muito car a magia diante de seus olhos,
pouco da verdade, nada além da- transformando em carvão e ferro
quilo que seus olhos e ouvidos ig- derretido o arado de um fazendeiro
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insolente. Enquanto ele fala, não Este livro contém todas as regras
posso deixar de me perguntar para necessárias para se jogar Busca
onde foi tudo isso. Final. Enquanto jogos de teor se-
melhante são conhecidos por publi-
Nós somos a companhia de Hien. carem uma série de suplementos,
Não sabemos muita coisa sobre construindo sobre uma premissa
o mundo ao nosso redor, mas ju- fundamental, não se trata do caso
ramos ao rei que descobriríamos para este pequeno projeto. Depois
onde foram parar todas as coisas de ler os quatro capítulos, espera-
mágicas do mundo. Nós sabemos mos que você esteja pronto para
que a busca certamente terminará participar no jogo de narrativa pro-
em morte, e não em sucesso, mas posto, sem a necessidade de adqui-
não nos importamos com isso, pois rir novos conhecimentos em livros
pouca glória restou nesse mundo publicados posteriormente.
pela qual um guerreiro possa real-
mente ansiar, e é triste ficar e ver a Para tanto, dividimos a obra em
vida se esvaindo na medida em que quatro partes fundamentais, estru-
tudo que amamos fica mais pálido. turadas para serem lidas na ordem
Nesse momento, para desespero do em que foram escritas, e que se co-
Dûk, um velho ouid em uma vila locam da seguinte forma:
empobrecida é nossa única pista.
• Gênese e Estrutura: Tudo o
que você precisa saber sobre os
personagens que compõem a narra-
tiva de Busca Final, assim como as
Busca Final, que agora você tem em funções exercidas pelos jogadores
mãos, é um jogo. Nós gostamos de enquanto a história caminha. Aqui
defini-lo como um jogo de narrativa existem algumas regras que você
épica de fé, conhecimento e jorna- deve aprender.
da. É uma construção coletiva, onde
ninguém ganha ou perde, mas todos • Prelúdio: Uma descrição de
contribuem para contar uma grande pano de fundo para as histórias de
história. Nesse sentido, a palavra Busca Final, o continente de Otho-
jogo está muito mais com o senti- ra e seus quatro grandes reinos.
do de brincadeira (como polícia e Você lerá sobre a história por trás
ladrão, ou alguma outra diversão do início da saga dos guerreiros er-
infantil) do que como um duelo de rantes, e as motivações pelas quais
habilidades entre vários participan- eles são conduzidos. Não precisará
tes. Busca Final não requer acuida- aprender nenhuma regra.
de estratégica ou intelecto apurado
para acontecer, apenas um pouco de • Confronto: A parte mais impor-
criatividade dos participantes para tante na condução da narrativa de
mover a narrativa adiante. Busca Final são os confrontos, a
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engrenagem principal que move a • Fim de Jogo: O passo da narrati-
história adiante. A terceira parte va leva ao desvelar da verdade que
explica sobre como conduzi-los e o guerreiro errante busca. Como é
resolvê-los através do Baralho do possível chegar até lá e o que acon-
Destino. Há uma série de regras tece uma vez que se alcança o clí-
que você deverá aprender. max da história? O ciclo narrativo
chega ao fim, e você não precisará
aprender nenhuma nova regra.

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Parte Um:
Gênese
e
Estrutura
cordo assustado. O restante - Maus sonhos, maus sonhos... Dizem

A do acampamento ainda dor-


me, com exceção de Trezin,
sentado com as costas apoiadas às
que esta floresta é mal-assombrada.
- Não é muito fácil de acreditar...
Pelo menos, não hoje em dia.
raízes da imensa sequoia que nos - Eu acredito. Por isso estou nessa
serve de abrigo, tendo às mãos um jornada.
dos pergaminhos que resgatamos na - Você gostaria que ela voltasse a ser
noite anterior. Ele o estuda cuidado- mal-assombrada, nesse caso?
samente. - Quem sabe...

Estou preocupado. Meus sonhos têm Eu cresci em Manthilus, um reino


me levado a lugares dominados pelo onde os magos sempre disseram à
caos, me fazendo acordar cada vez população como ela deveria viver;
mais temeroso do que virá no dia se- sempre foram os indicadores de lu-
guinte. Eu já fui um homem tranquilo gar. É estranho de repente não ter
e preparado para as circunstâncias, alguém te empurrando para um de-
mas a proximidade com a verdade, terminado curso. É como se eu tives-
que eu agora percebo bem de perto, se nadado a vida inteira em um rio
acorrentou toda a tranquilidade em violento e agora estivesse conhecen-
um calabouço distante da razão. Em do a calma de um pequeno lago. A
meus pensamentos eu sei que está turbulência dos primeiros dias havia
tudo muito próximo, mas não tenho passado, os vizinhos do Norte es-
certeza de que serei capaz de lidar preitavam cheios de ganância, havia
com isso, eu perdi a fé. A voz per- espaço para ponderar?
turbadora de Trezin me tirou de meu
transe: - Do que você tem medo, Prais?

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- Não tenho medo de nada. Eu confio do que por qualquer evidência que
em meu Dûk, Unthalas, e o seguirei de fato carregue em direção a ela.
até o inferno, se necessário for.
- Ah... Você sabe que não é disso que No contexto de Busca Final, chama-
eu estou falando... mos esses indivíduos de Guerreiros
- Não sei se compreendo... Errantes, embora eles não necessa-
- O que acontece no fim, Prais? Você riamente sejam soldados por for-
tem medo? mação, apenas homens que crêem
- Bem, tem que haver alguma glória ser possível desvendar o mistério
para homens como nós no fim, não? da Grande Perda de Othora e trazer
- E isso é o bastante? a magia de volta ao mundo. Esses
guerreiros se dividem em grupos que
Não é. Trezin está me provocando, e são conhecidos como companhias,
eu prefiro não responder. Nem toda a formados por dezenas de guerreiros
glória do mundo pode me salvar da- que trazem motivações semelhantes
quilo que eu me tornei. Errante, per- para a busca. Cada companhia pos-
dido, eu já não luto mais para trazer sui ainda um líder, ou Dûk, o guar-
a magia de volta, luto apenas para dião da fé dos guerreiros.
manter a sanidade em um mundo que
não conheço mais. Definitivamente, Juntos, Guerreiro Errante, Líder e
eu perdi a fé. Companhia são os três componentes
que resultam na estrutura fundamen-
tal em torno da qual se passa este
jogo de narrativa. Cada um deles
tem seu próprio processo de cria-
Este jogo é estruturado ao redor da ção, suas características e atributos,
idéia de uma grande busca a ser rea- que detalharemos mais adiante.
lizada. Como desenvolveremos mais
adiante, na Parte 2, Busca Final se Antes de ter início o jogo, o grupo
passa em um continente perdido de se reúne para criar cada um desses
um mundo fantástico que, no entan- três pilares. Individualmente, cada
to, tem sua fantasia repentinamente jogador, com exceção do narrador,
roubada, quando tudo o que de al- cria o Guerreiro Errante que ele ini-
guma forma se associa ao aspecto cialmente interpretará no desvelar
místico do mundo simplesmente da narrativa. Em conjunto, todos
desaparece. Magos não podem mais participam na criação do líder e da
realizar feitiços ou invocar criaturas companhia; o primeiro é uma perso-
elementais, e as dríades e unicórnios nagem guiada coletivamente por to-
não mais habitam as florestas. dos, e o segundo é a entidade maior
da qual cada um faz parte.
Para descobrir o que aconteceu com
seu mundo, indivíduos corajosos se
jogam em uma busca de pouca es-
perança, movidos muito mais pela
convicção de encontrar a verdade
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Busca Final Como um nas personagens que os jogadores
Jogo de Narrativa interpretam, e sim na história que
eles narram. Isso significa que cada
A estrutura de Busca Final tem um guerreiro errante só é importante in-
objetivo específico: contar a história dividualmente até o limite da contri-
de um grupo de indivíduos à procu- buição que pode oferecer para mo-
ra de uma verdade fundamental para ver a narrativa em direção ao fim de
a existência de seu mundo da forma jogo. Uma exceção em relação a esta
como eles conhecem. Se os Guerrei- noção é o líder, cuja importância está
ros Errantes forem bem-sucedidos, diretamente relacionada à existência
talvez salvem seu modo de vida de da companhia.
uma morte lenta e inevitável, trans-
formando-se em heróis para serem À medida que o jogo caminha, cada
lembrados por séculos. jogador pode interpretar mais de um
guerreiro errante, e certamente cada
Por outro lado, se falharem, certa- um deles interpretará o Dûk em al-
mente enfrentarão a morte e a lou- gum momento. Isso reforça a idéia
cura, pois qualquer que seja a ver- de que o jogador não deve se pren-
dade diante da qual se colocarão, é der à persona que criou ao início do
certo que não serão capazes de se jogo, e sim ao conteúdo narrativo do
sustentar diante dela. Para vencer, qual aquela personagem e todas as
um Guerreiro Errante precisará do demais fazem parte.
conhecimento verdadeiro, ou pelo
menos deverá estar convicto o bas- Enfim, é importante frisar também
tante para desafiar a verdade, mes- que carregar uma personagem ao fim
mo sem estar preparado para ela, sa- de jogo não é uma vitória propria-
bendo dos riscos inerentes, mas se mente, mas outro aspecto a ser visto
considerando apto a resistir a qual- na narrativa. Dependendo do que re-
quer coisa que possa tirá-lo de suas sultar desse último confronto é que
faculdades mentais. será possível dizer se a história real-
mente chega ao fim. Muitos morrem,
Em Busca Final, a saga narrativa enlouquecem ou desistem em meio à
descrita se divide em três partes: busca, sem que seus aliados desistam
prelúdio, ou o momento de vestir-se do objetivo maior do coletivo.
com o manto da busca; confronto, ou
o período no qual o guerreiro errante
se prepara para a verdade, seja atra- As Funções de Narrador
vés da Convicção, seja através da Ex- e de Protagonista
periência; e fim de jogo, o momento
no qual a verdade aparece para trazer Ao longo do jogo, pelo menos um
vitória ou derrota, de acordo com os dos participantes deverá assumir a
passos dados até então. tarefa de levar adiante aquilo que
não puder ser decidido de forma
Diferente de outros jogos semelhan- absolutamente pacífica pela melhor
tes Busca Final não está centrado escolha narrativa. Este jogador, que
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é chamado de narrador, possui va- protagonista. Isso quer dizer que o
riadas funções, incluindo interpretar corpo de protagonistas da história é
todos os personagens que não sejam formado pelos Guerreiros Errantes
interpretados pelos outros, resolver que são interpretados pelos jogado-
eventuais conflitos ou aporias no sis- res. Cada companhia possui deze-
tema de regras apresentado ao longo nas deles, mas a maioria se mantém
deste livro e determinar, em linhas à sombra durante a maior parte do
gerais, o curso da busca conduzida tempo, pois representá-los cabe so-
pela companhia. mente aos narradores.

Apenas um participante por vez nor- Às vezes um Guerreiro Errante com


malmente assume o papel de narrar status de protagonista não pode con-
a história em Busca Final, mas nada tinuar. Pode ser que a morte o alcance
impede que dois ou mais dos jogado- ou sua sanidade se perca, ou talvez
res façam isso ao mesmo tempo, tra- ele tenha abandonado a companhia
balhando em um sistema de reveza- depois de experimentar o fim do jogo;
mento ou simultaneamente, tentando a razão pouco importa. O fato é que,
atingir o consenso quando os casos nesses casos, o jogador precisará de
vistos como mais difíceis estiverem uma nova personagem, então um dos
diante deles. Guerreiros Errantes até então coloca-
dos em pano de fundo ascenderá para
O narrador não possui um compromis- a condição de protagonista, para que
so com a imparcialidade, e sim com o jogador continue participando nor-
o bom andamento da narrativa. Ele é malmente da narrativa.
livre para modificar o significado das
regras aqui escritas e remodelar o ce-
nário proposto, desde que o faça para Material de Jogo
tornar mais interessante a história em
andamento. O narrador deve possuir Poucas coisas são necessárias para
uma relação de camaradagem com os uma sessão de jogo de Busca Final.
demais jogadores, pois sua palavra Utilizamos papel de rascunho, alguns
sempre é final. É geralmente entendi- lápis e borracha para os jogadores,
do que suas decisões são tomadas no além de um baralho comum, de 54
sentido de aprimorar a história como cartas, aqui chamado de Baralho do
elemento central do jogo, e não para Destino (você pode usar um baralho
tornar Busca Final mais complexo ou para cada dois ou três jogadores, o
desafiador para os participantes. Em que é bastante conveniente).
outras palavras, o narrador não é um
inimigo dos protagonistas, nem estes No Baralho do Destino, os números
devem buscar “derrotar” a história. são chamados de Presságios, en-
Busca Final deve ser uma experiência quanto as figuras (ases, valetes, da-
narrativa divertida. mas, reis e coringas) são chamadas
de Revelações. Isso carrega um sig-
Todo jogador que não esteja na fun- nificado importante dentro do jogo,
ção de narrador está na função de que será explicado mais adiante. Por
16
hora, é importante saber que o Ba- tante ter várias cópias do registro,
ralho do Destino será utilizado na pelo menos uma para cada jogador,
criação das personagens, e também e anotar nele as características do
para resolver quaisquer conflitos ao guerreiro errante, assim como even-
longo do jogo. tuais situações de jogo que precisem
ser lembradas futuramente.
Ao final deste livro, se encontra
aquilo que chamamos de Painel da De forma opcional, o jogador também
Saga do Guerreiro Errante. É impor- pode manter um diário de viagens do

Diários de Viagem: Extraindo o melhor dos


jogadores-protagonistas
Não se engane, é bem difícil convencer um jogador de que elaborar
um diário de viagens da personagem é interessante o suficiente para
fazer com que ele invista tempo nisso. Embora eu goste da ideia,
tive dificuldades em todas as vezes nas quais tentei implementar,
vendo duas espécies de resultado acontecerem com frequência:

1) Quando eu simplesmente sugeria que os jogadores fizessem o


diário: nenhum deles fazia, ou apenas um mais animado que os
outros fazia, tornando a atividade sem propósito (para mim, a fi-
nalidade do diário é justamente enxergar a ação através dos olhos
dos diferentes atores).

2) Quando eu oferecia algo em troca como uma premiação em ex-


periência ou algo parecido: um número maior de jogadores se pro-
põe, obviamente, mas a má vontade impera. Quem antes não faria,
passa a fazer pelo simples fato de que isso implica uma vantagem
real em termos de jogo, e não se investe realmente na atividade.

Como eu faria hoje? Acredito que o Diário de Viagem pode se


tornar em si um objeto atraente. Ao invés de pedir ao jogador que
traga impresso ou manuscrito, oferecer uma caderneta ou algo pa-
recido onde ele possa tomar notas, inclusive durante a sessão – no-
tas úteis, por sinal, para o próprio jogador. Transforme o diário em
um elemento da campanha, e faça com que ele integre a história.
Prepare diários de guerreiros errantes do passado e permita que
eles os encontrem. Se você espera que seus jogadores o surpreen-
dam, trate de surpreendê-los primeiro!

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Guerreiro Errante. Estas anotações atributo essencial é a Experiência.
são mais bem aproveitadas quando Assim como a Convicção, a Experi-
escritas na voz da própria persona- ência reflete a relação do guerreiro
gem, e não possuem qualquer im- errante com a busca, mas enquanto
plicação mecânica, embora possam a Convicção representa o quanto ele
eventualmente ajudar a lembrar de está seguro de seu destino, a Expe-
eventos chave ou passagens relevan- riência indica o quanto ele aprendeu
tes no jogo. sobre esse mesmo destino.

Um guerreiro errante pode tentar ir


ao Fim de Jogo antes de ter o conhe-
cimento verdadeiro, representado
O Conceito de pelo valor máximo de Experiência,
Guerreiro Errante mas suas chances de sobreviver ao
clímax ou sair dele vitorioso dimi-
O Guerreiro Errante é o núcleo da nuem de forma drástica, pois apenas
Busca Final. Ele é o único que pode a sabedoria pode proteger o guerrei-
descobrir o que realmente aconteceu ro da verdade que se abre diante de
com seu mundo, e impedir uma mor- seus olhos na Busca Final.
te lenta que parece inevitável para
o modo de vida que existe no con- Valentia e Presença são as outras duas
tinente de Othora. Ele possui muito características elementares do Guer-
pouco à disposição, e nada que possa reiro Errante. Embora não estejam em
dar certeza do resultado de sua cami- ligação direta com a busca, da forma
nhada. Ele tem amor e fé, mas estes como estão a Convicção e a Experiên-
não serão o bastante, se ele não for cia, serão também fundamentais para
capaz de sustentar sua convicção. que ele avance pelos caminhos obscu-
ros que podem levá-lo à verdade. Sem
A Convicção é o principal atributo do bravura, de nada adianta estar convic-
guerreiro errante, e permite que ele to do sucesso. Da mesma forma, se a
se sustente na busca mesmo quando presença do guerreiro errante não im-
ela parece infrutífera. Todo guerrei- pressionar seus aliados e adversários,
ro errante possui mais convicção que mesmo que alcance a verdade ele se
uma pessoa comum, mas o atributo tornará um pregador no deserto que
varia entre eles, principalmente em passará a ser, para ele, o continente
função do número de confrontos pe- de Othora.
los quais um guerreiro errante já pas-
sou, pois alguns confrontos aumen- A idéia de Guerreiro Errante é muito
tam a convicção do guerreiro em sua mais ampla do que um soldado ves-
busca, enquanto outros minam pouco tido em armadura com uma espada
a pouco sua esperança. a tiracolo. Um mercenário veterano
que passa por uma grande revelação
Se a Convicção se instala para prote- pode se tornar o arquétipo da bus-
ger o guerreiro errante de sua própria ca; o mesmo pode ser verdade para
falta de crença na busca, seu outro um velho aprendiz de feiticeiro que
18
espera alcançar sua honra há muito Passo IV – Separe as três cartas
levada na Grande Perda. É importan- não utilizadas. Elas serão sua Mão
te que o jogador defina o Guerreiro da Fortuna inicial, um conceito que
Errante que interpreta, colocando em será explicado adiante.
algumas poucas palavras o conceito
da personagem. Passo V – Utilizando as cartas, de-
termine o valor numérico de seus
atributos dentro do alcance permi-
Processo de Criação tido a um guerreiro errante recém-
saído do prelúdio.
Criar uma personagem para o jogo
de Busca Final é algo realmente Passo VI – Registre também os nai-
simples. Recomendamos que você pes sorteados, determinando as in-
tenha em mãos uma cópia do Painel clinações existentes nos atributos do
da Saga do Guerreiro Errante, que se guerreiro errante.
encontra ao final deste livro, assim
como lápis, borracha e talvez uma O valor numérico de um atributo
folha de rascunho. Necessariamente, reflete diretamente nas chances de
você precisará de um maço de cartas sucesso ao tentar realizar uma ta-
comuns de jogo, o Baralho do Desti- refa. Como será visto mais adiante,
no, que determinará as qualidades e quanto maior o atributo do guerreiro
limites do guerreiro errante no início errante, maiores as chances dele ser
de sua busca. bem sucedido em uma tarefa que en-
volva aquele atributo.
Passo I – Compre 7 cartas aleato-
riamente do topo do baralho do des- O ponto de diferença, no entanto, é
tino. O resultado obtido não deve que os naipes também influenciam
ser revelado neste passo, mas mais as tarefas. Eles refletem aquilo que
adiante. chamamos de inclinações do guer-
reiro errante, e são colocados da se-
Passo II – Revele uma carta para guinte forma:
determinar a Convicção inicial do
guerreiro errante. Se você não esti- (♥) Copas – O naipe das inclinações
ver satisfeito com o resultado, separe sociais.
a carta e revele outra; você não pode (♠) Espadas – O naipe das inclina-
fazer isso mais de uma vez. ções físicas.
(♦) Ouros – O naipe das inclinações
Passo III – Repita o passo II para mentais.
Experiência, Valentia e Presença, (♣) Paus – O naipe das inclinações
nesta ordem. Você vai notar que, espirituais.
pelo menos em um dos atributos,
você não terá escolha, devendo fi- Você deve estar consciente dis-
car com a carta que o destino lhe so enquanto cria seu personagem.
conferir. Dois personagens com Convicção 5
possuem, numericamente, a mesma
19
Substituindo o método aleatório por um método
de escolha
Certo, nós entendemos que nem todos os grupos apreciam cria-
ção aleatória de personagens. Cabe ao narrador conversar com
o grupo e ver o que mais se adequa à experiência que desejam
criar. Se selecionar características lhe parece mais interessante
que determiná-las com o Baralho do Destino, faça da seguinte
maneira:

Passo I: Para determinar os valores de suas características, pe-


gue os valores básicos (Convicção 4, Experiência 1, Valentia 2 e
Presença 1) e some quatro pontos da forma como achar melhor.
Isso não permite que você inicie o jogo com um valor em algum
deles superior ao que seria o limite permitido pelo Baralho do
Destino.

Passo II: Para determinar os naipes de seus atributos, aloque um


dos quatro naipes para cada um deles. Isso cria personagens que
possuem inclinações naturais em todas as quatro direções (física,
mental, social e espiritual); embora seja mais raro de acontecer
em situações onde a criação é aleatória, pode dar origem a con-
textos de jogo interessantes, é uma forma única de equilíbrio.

Após realizar as escolhas acima, o jogador ainda saca três car-


tas do Baralho do Destino para formarem sua Mão da Fortuna
inicial.

chance de serem bem sucedidos em O guerreiro errante possui uma Con-


uma determinada tarefa que envolva vicção base igual a 4. Este valor é
tal atributo em uma dimensão intelec- alterado de acordo com a carta que o
tual. Se um dos personagens, no en- jogador adicionar durante a criação
tanto, possui Convicção 5O, e o outro de personagem:
possui o atributo 5E, a narrativa deve
indicar que o sucesso do primeiro é, • O naipe de paus aumenta a Convicção
de alguma forma, mais significativo em 1 ponto.
que o do segundo. Da mesma manei- • Números entre 2 e 5 diminuem a Con-
ra, se ambos falharem, o guerreiro vicção em 1 ponto.
errante cujo atributo é 5O certamente • Números entre 6 e 10 são neutros, sua
ficará menos distante do sucesso, com função é apenas determinar o naipe do
todas as conseqüências cabíveis. atributo.
20
• Figuras aumentam a Convicção em para começar uma busca de pouca
1 ponto. esperança, mesmo que não seja o
• O ás aumenta a Convicção em 2 bastante para terminá-la. O jogador
pontos. deve também investir uma carta para
a Valentia do personagem, fazendo o
Ao final, o guerreiro errante terá um seguinte cálculo:
valor entre 3 e 7. Superior a uma
pessoa comum, que nunca terá mais • O naipe de espadas aumenta a Va-
do que 2, e inferior ao que é espera- lentia em 1 ponto.
do que ele possua quando chegar ao • Números entre 2 e 5 são neutros, e
final de sua busca. servem para determinar o naipe do
atributo.
A Experiência base do guerreiro • Números entre 6 e 10, damas e reis
errante é 1, igual à de uma pessoa aumentam a Valentia em 1 ponto.
comum. Não é necessário ser espe- • O ás aumenta a Valentia em 2
cialmente sábio nas coisas do mundo pontos.
para desejar partir em uma grande • O valete aumenta a Valentia em 3
busca. A carta trazida pelo jogador, pontos.
no entanto, pode modificar isso:
O valor final será algo entre 2 e 6. O
• O naipe de ouros aumenta a Experi- guerreiro errante não tremerá diante
ência em 1 ponto. dos pequenos desafios da busca, mas
• Números entre 2 e 5 são neutros, poderá sentir um calafrio de morte
e servem para determinar o naipe do de tempos em tempos.
atributo.
• Números entre 6 e 10, valetes e reis A Presença base do guerreiro errante
aumentam a Experiência em 1 ponto. é 1. Ele não necessariamente será ca-
• O ás aumenta a Experiência em 2 rismático ou assustador em batalha;
pontos. pelo menos não mais do que qual-
• A dama aumenta a Experiência em quer outra pessoa. Quanto maior sua
3 pontos. Presença, no entanto, maior o fas-
cínio e a confiança que poderá ins-
A Experiência inicial do guerreiro pirar naqueles que se põem ao seu
errante, portanto, ficará entre 1 e 5. redor. A carta de Presença deve dar o
É o bastante para separar um homem valor final do atributo nos seguintes
comum daquele cuja intuição acer- termos:
ca das coisas do mundo é profunda
e sábia. Bem distante, no entanto, • O naipe de copas aumenta a Presen-
do conhecimento verdadeiro que é ça em 1 ponto.
essencial para ser bem-sucedido ao • Números entre 2 e 5 são neutros,
fim da busca. e servem para determinar o naipe do
atributo.
A Valentia base do guerreiro erran- • Números entre 6 e 10, valetes e
te é igual a 2, mais do que a média damas aumentam a Presença em 1
das pessoas comuns, e o suficiente ponto.
21
• O ás aumenta a Presença em 2 baralho do destino para determinar
pontos. os atributos de Cargaroff.
• O rei aumenta a Presença em 3
pontos. A primeira carta sacada é para a
Convicção. Juca consegue um Rei
O valor de Presença do guerreiro de Copas; não é o mais alto que po-
errante será, ao início do jogo, algo deria, mas ainda sim é um valor ex-
entre 1 e 5, portanto. Assim como celente! Ele registra em seu painel
ocorre com o atributo Experiência, o valor 5C, que diz respeito a um
nada muito diferente de uma pessoa valor base de 4, acrescido de 1 por
comum. ter obtido uma figura e acompanha-
do do naipe de copas, significando
As instruções colocadas acima pre- que Cargaroff tem uma inclinação
vêem a maior parte das possibilida- social em sua Convicção.
des no sistema de criação do guer-
reiro errante pelas cartas, exceto por Em seguida, ele revela a segunda
uma única: é possível que o jogador de suas sete cartas, para averiguar
tenha um coringa como a carta do a Experiência do guerreiro. Trata-
atributo. O que fazer então? se de um três de paus. Poderia ser
melhor, então Juca decide que é
Caso o atributo seja um coringa, seu melhor dar uma segunda chance a
valor numérico será igual ao valor Cargaroff, e consegue um cinco de
base do atributo mais 1 ponto. O ouros. Nada muito animador, mas
naipe, por outro lado, será escolhido melhor que a primeira tentativa.
pelo próprio jogador. Ele registra um 2O em seu painel, o
que acaba sendo adequado para um
guerreiro ainda jovem.
Exemplo da Criação de
um Guerreiro Errante Juca espera que Cargaroff seja es-
pecialmente corajoso, mas a pri-
Neste exemplo, seguimos a criação meira carta que revela para sua
de Cargaroff, um jovem cavaleiro Valentia é um pífio dois de ouros!
do reino de Conth, que se junta à Sem desistir ainda, ele revela um
Companhia das Águias Cinzentas valete de espadas. Crítico! Alguém
por ocasião de seus dezessete anos, certamente gritaria em outro jogo.
com o objetivo de manter a palavra Animado com a grande virada, Juca
dada no leito de morte ao seu pai, o registra seu valor 6E, que demons-
feiticeiro Azorius, de trazer de vol- tra que Cargaroff não apenas é um
ta a magia ao mundo ou morrer em bravo, mas é quase inabalável dian-
busca desse ideal. te dos desafios físicos.

Cargaroff é interpretado por Juca, Para o atributo Presença, Juca re-


no jogo narrado por Pedro. Ele co- vela outra carta e encontra um co-
meça com o conceito: jovem cava- ringa. Ele pensa por alguns instan-
leiro errante, e saca sete cartas do tes. Ainda há mais uma carta a ser
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revelada, se ele assim desejar, mas pada. Se, por outro lado, o machado é
o coringa não deixa de ser uma al- narrado como uma arma própria dos
ternativa interessante. Ele registra bárbaros, desonrosa para um mem-
Presença 2 (base 1, mais 1 ponto bro da nobreza, o mesmo guerreiro
dado pelo coringa) e pensa mais não saberia como melhor utilizá-lo
um instante na melhor inclinação em combate.
possível para o seu personagem an-
tes de registrar o “P” ao lado do Cada um dos quatro atributos que
2. Cargaroff não tem uma Presen- caracterizam o guerreiro errante,
ça especialmente significativa, mas portanto, são muitas vezes utilizados
talvez consiga impor respeito caso para além do que é permitido inferir
venha a enfrentar alguma ameaça do mero substantivo que aplicamos
sobrenatural que sua zward não para descrevê-los.
possa derrotar.
A Convicção é o atributo mais im-
Juca revela ainda sua sétima car- portante do guerreiro, pois é o que
ta, um nove de copas, que ele junta o mantém na busca. Pessoas comuns
ao três de paus e ao dois de ouros nunca possuirão uma Convicção
como as cartas de sua mão da fortu- acima de 2 porque não vislumbram
na inicial; os valores numéricos nas a busca, grande e terrível que é, em
cartas não são dignos de nota, mas sua verdadeira plenitude de signi-
ele certamente tem alguma varieda- ficado e expectativa. Se em algum
de entre um naipe inclinado para o momento a Convicção de um prota-
espírito, um inclinado para a mente gonista cai para 2, ele flerta perigo-
e outro inclinado para o social. samente com uma visão mundana da
busca; se cai para 1, ele já não tem
o que é necessário para continuar, e
Características do abandonará a companhia na primeira
Guerreiro Errante oportunidade.

Enquanto a maior parte dos jogos de No naipe de copas, a Convicção de


narrativa utiliza atributos de quanti- um indivíduo está no seu auge quan-
ficação e significado objetivos, Bus- do ele se coloca em situações so-
ca Final opta por um sistema subje- ciais, nas quais precise acreditar em
tivo, no qual avaliar o significado de sua própria pré-destinação para levar
um atributo em termos de jogo não é isso a outros. No naipe de espadas,
tão simples, e leva em conta números a Convicção reflete uma inclinação
e naipes dados. para resistir bem às provações físi-
cas que o alcancem, inclusive duran-
Um guerreiro errante não possui uma te um combate. No naipe de ouros, a
habilidade específica para lutar com Convicção reflete força de vontade
espadas, por exemplo. Se ele é narra- e determinação diante das adver-
do como um jovem cavaleiro de boa sidades. Finalmente, no naipe de
capacidade marcial, pressupõe-se paus, a Convicção remete à própria
que ele é capaz de lutar com uma es- busca; a chance de a magia retornar
23
só é tão grande quanto a fé que os mas sim como um potencial; é sa-
guerreiros errantes possuem de que bido que, nas horas de maior escu-
isso de fato seja possível. ridão, os verdadeiros heróis surgem
de lugares aparentemente imprová-
Como segundo atributo mais im- veis, como o pequeno hobbit que,
portante, a Experiência se relaciona a despeito do pavor demonstrado
com a jornada do Guerreiro Errante pelos mais valorosos, aceita carre-
em direção ao conhecimento ver- gar o maior fardo de todos em nome
dadeiro. É importante entender que daqueles para quem a bravura faltou
Experiência não é um sinônimo para por um instante.
sabedoria; e indica muito mais do
que o temperamento sábio da perso- No naipe de copas, representa um
nagem. O conjunto das experiências guerreiro capaz de desafiar o status
e confrontos pode levar a um alto quo e romper com as convenções
nível neste atributo sem, no entan- sociais em nome daquilo que ama.
to, criar bom-senso ou têmpera em A Valentia de espadas representa
alguém que não possui tais caracte- a habilidade de realizar muito em
rísticas naturalmente. proezas físicas, principalmente em
combate. No naipe de ouros, está
No naipe de copas, a Experiência associada à capacidade de enfrentar
indica um personagem que sabe os próprios medos em nome de algo
como agir ou o que falar diante de pelo que valha a pena lutar. Por fim,
seus iguais; pode parecer pouco, a Valentia no naipe de paus mostra a
mas é essencial em um mundo de capacidade de um guerreiro de não
cultura medieval. A união do atri- molhar as próprias calças diante de
buto Experiência com o naipe de um fenômeno sobrenatural assusta-
espadas cria um indivíduo prepa- dor; não que haja muitos deles em
rado para executar tarefas físicas Othora ultimamente...
da forma mais adequada, coroado
com uma boa dose de malandragem A Presença é o derradeiro atributo
nas situações de combate. Unida ao do Guerreiro Errante e, assim como
naipe de ouros, a experiência re- a Valentia, pode indicar muito mais
flete um alto nível de instrução, ou um potencial do que um talento
um indivíduo para quem educação exercido freqüentemente na prática
e cultura viriam naturalmente, na diária; alguns nascem destinados a
oportunidade certa. Com o naipe de tomarem o lugar de destaque no mo-
paus, a Experiência representa um mento certo. Certos protagonistas da
indivíduo preciso em sua análise história narrada aqui são belos, ou-
de fenômenos sobrenaturais; eles tros simplesmente imponentes. Ain-
foram os magos de outra época. da, outros emanam uma aura mística
permanente, que os transforma em
Terceiro atributo do Guerreiro Er- líderes naturais. O atributo presen-
rante, a Valentia não mede a bra- ça leva tudo isso em conta, e muito
vura como um elemento estático da mais.
personalidade de uma personagem,
24
No naipe de copas, a Presença in- possuído. É esperado dos jogadores
dica facilidade para impressionar os em uma história de Busca Final que
iguais em situações nas quais eles desenvolvam bem esse conceito, e
se permitam encantar pelo carisma cada personagem passará várias ve-
de um indivíduo cativante. Uma in- zes por um processo de criação em
clinação física (espadas) em Presen- andamento, antes que se possa en-
ça aponta para um Guerreiro Erran- xergá-lo como totalmente formado.
te belo, ou de qualquer outra forma
visualmente destacado dos demais. Em outros jogos semelhantes a Bus-
Quando sua inclinação está em ou- ca Final, personagens começam o
ros, esse atributo demonstra no jogo com uma grande quantidade
Guerreiro Errante uma capacidade de material antecedente, ou pano de
de influenciar outros diretamente, fundo, e daquele ponto em diante
seja pelo medo ou pela postura de narram apenas o que vem a aconte-
comando. Uma inclinação espiritual cer. Este é um método interessante,
(paus) indica um Guerreiro Errante mas talvez não o mais adequado.
que comanda respeito daquilo que
existe no mundo sobrenatural. Em uma narrativa típica, começa-
mos sabendo apenas o essencial a
respeito de um protagonista. Por que
Criação em Andamento se importar com quem são os pais
ou quem foi o mentor do Cavaleiro
Na soma do conceito e da narrativa Negro do Leste se eles não têm ne-
que se desenvolve ao seu redor, o nhuma influência no momento atual
Guerreiro Errante é muito maior do da história? Quando descobrimos,
que é possível inferir de uma leitura no entanto, que esse mesmo cavalei-
casual do registro da sua saga. Com- ro possui uma rara condição passa-
preender isso é um dos elementos da de pai para filho, ou um oráculo
fundamentais para o bom desenvolvi- vê que ele matará seu mentor, então
mento de um jogo de Busca Final. É começamos a nos questionar quem
enquanto a narrativa caminha que o são essas pessoas.
grupo pode vislumbrar a real extensão
da figura do guerreiro errante; como O processo de criação em andamento,
se fosse o tronco de uma árvore, ele portanto, pressupõe que os detalhes
faz brotar os galhos que contém sua passados da vida do personagem,
saga. A esse processo, chamamos de ou mesmo aqueles que influenciam
criação em andamento. o presente, não se revelam até que
seja necessário que sejam revelados.
A criação em andamento é um dos Assim, o jogador não está profunda-
fatores essenciais da narrativa com- mente comprometido com informa-
partilhada. Permite ao simples pro- ções de pano de fundo, mas deve ter
tagonista, mesmo que por alguns em mente o conceito de seu perso-
instantes, tomar para si o papel de nagem para que possa ir definindo
narrador e dar à personagem um al- enquanto participa do jogo.
cance extra de significado antes não
25
Em qualquer ponto onde novas in- Da forma acima descrita é que a
formações são acrescidas pelo nar- criação em andamento vai se de-
rador, o jogador que representa um senvolver. Como regra opcional, o
dos protagonistas pode propor um grupo pode debater e votar se de-
processo de criação em andamento, terminada sugestão é interessan-
revelando, naquele momento, uma te ou não para a história e está de
forma como seu personagem inte- acordo ou não com o conceito da
rage com aquela informação. Cabe personagem. Infelizmente, embora
ao narrador, sem deixar de ser crite- tal método seja o mais interessante
rioso, mas sem se tornar restritivo, para uma construção coletiva, pode
decidir quando a sugestão é válida levar mais tempo do que a maioria
ou não. Um jogador não deveria dos grupos poderia dispor, princi-
se aproveitar dessa situação para palmente levando-se em conside-
tentar levar vantagem a cada nova ração que a criação em andamento
situação, e sim para desenvolver a pode acontecer várias vezes em uma
história pregressa e alguns traços única sessão de jogo! Você pode, é
definidores do Guerreiro Errante. claro, intercalar os dois métodos,
com o narrador decidindo na maior
Esse desenvolvimento pode ser sim- parte dos casos e o grupo debatendo
ples ou complexo, mas não pode as criações mais significativas.
nunca fugir ao conceito da perso-
nagem. Se o arco é utilizado tipica- Exemplo em Jogo: Durante uma
mente por bárbaros, não faz sentido sessão, o narrador descreve a che-
que o jovem da cidade de repente gada da Companhia de Hien a uma
se mostre conhecedor das técnicas cidade localizada no reino de Antu-
adequadas para o manejo da arma, ra. Longe de casa e sem confrontos
quando tudo o que se disse a res- significativos há muito tempo, os
peito dele até aqui aponta para um membros da companhia começam a
indivíduo preso ao ambiente urbano desanimar de sua busca.
e avesso a qualquer prática pouco
sofisticada. João, que interpreta o guerreiro er-
rante Syong, decide que este pode
No entanto, se um Guerreiro Errante ser um bom momento para se utili-
pouco narrou a respeito da sua famí- zar do processo de criação em anda-
lia, é legítimo que, quando sua com- mento para modificar a história em
panhia chega a uma nova cidade sem favor do grupo. “Eu não falei quase
qualquer pista do rumo a tomar, seu nada sobre a família de Syong ain-
jogador sugira encontrar-se ali um da, então proponho que um tio do
de seus tios, que viveu na casa de guerreiro seja ocupante de um cargo
seus pais quando o Guerreiro Erran- público na cidade. Talvez ele tenha
te era criança e que agora lida com informações que nos levem a algo
comércio. Esse tio certamente teria significativo”.
boas informações para compartilhar
com viajantes. Isso não afronta o conceito do guer-
reiro errante em questão, mas pode-
26
ria atrapalhar os planos do narra- que muitas companhias adotam os
dor. Se fosse o caso, ele poderia se nomes desses indivíduos como seus
recusar, ou poderia dar ao grupo a próprios nomes, se tornando A Com-
chance de deliberar e votar, embora panhia de Hien ou Os Cavaleiros de
isso seja opcional. O jogador pode- Thalkis, entre outras escolhas igual-
ria recuar diante da recusa, respei- mente inspiradas. A postura corajosa
tando o melhor interesse do narra- do comandante serve de espelho aos
dor, ou sustentar sua idéia inicial, e seus comandados, e sua fé na bus-
tentar convencer os demais. ca reflete diretamente naquilo que
os outros conseguem realizar. Eles
são chamados de líderes, ou Dûks,
e são personagens fundamentais em
Busca Final.
O Líder
De fato, o Dûk é tão importante para
Toda companhia precisa de um ho- a companhia que sua representação
mem que tome a frente e seja a re- não poderia ser limitada a apenas
presentação do espírito de batalha de um jogador. Diferente dos demais
seus companheiros. Não é por acaso protagonistas, ele inicia cada sessão

Tomando o Controle
Em Busca Final,, a personagem líder flutua entre os jogadores.
Isso foi pensado assim tendo em mente duas principais finalida-
des: a primeira delas é garantir que cada jogador possa apro-
veitar os holofotes com a figura que, querendo ou não, é a cola
que mantém a Companhia presa à Busca. A segunda finalidade
é justamente torcer e borrar a personalidade do líder, pois por
mais que o jogador seguinte tente ser coerente com a cons-
trução anterior, ele vai naturalmente imprimir as suas próprias
impressões, tornando o Dûk na figura única e enigmática que
ele deve ser.

Ainda assim, se o narrador entender que isso prejudica mais do


que agrega ao seu jogo, ele é livre para tomar para si o controle
do Dûk, ou simplesmente determinar de forma categórica quem
o interpretará em cada sessão. Cada elemento aleatório que
você escolher suprimir de sua história a tornará mais previsível,
é necessário destacar. Se isso é uma característica positiva ou
não, cabe a cada grupo decidir.

27
nas mãos de um novo jogador, que Papel e Importância
passa então a falar pelo líder, sem, no Narrativa
entanto, deixar de respeitar a cons-
trução coerente que tenha se desen- A maioria dos jogos de narrativa se-
volvido ao redor dessa personagem melhantes a este não possui um pa-
anteriormente. Isso quer dizer que, pel fixo e previamente determinado
mesmo que seja responsável solitário de Líder, que será exercido por um
pelas decisões do líder, espera-se do dos jogadores em relação aos de-
jogador que ele seja capaz de ouvir o mais. Dentro do contexto que apre-
resto de seus companheiros nas gui- sentamos aqui, no entanto, o Dûk é
nadas mais significativas. uma figura fundamental. A figura do
líder é bastante comum na literatura
A importância dessa tarefa exige de fantasia, onde realmente se espe-
concentração total. Enquanto um ra que um grupo em busca de algo
jogador controlar o Dûk, seu outro seja levado por um indivíduo que,
Guerreiro Errante ficará tempora- relutantemente ou não, guia seus
riamente sob o controle do narrador, companheiros nas horas mais escu-
o que significa que ele deixa de ser ras e toma para si o fardo mais pesa-
um dos protagonistas por aquele pe- do nos momentos de fracasso.
ríodo de tempo, e existe no mesmo
microcosmo que os demais membros O líder não precisa ser o melhor
da companhia que já não são normal- guerreiro, talvez não seja o mais
mente protagonistas; ele não passará sábio ou o mais corajoso, mas em
por confrontos, e não terá sua con- regra carrega todas essas caracte-
vicção ou experiência diminuídas ou rísticas, não sendo melhor que seus
aumentadas nas eventualidades em comandados em cada uma delas in-
que isso poderia ocorrer para o cole- dividualmente, mas servindo como
tivo da companhia. uma boa base de comparação por
onde as virtudes de uma companhia
Quando o grupo se reúne para o jogo podem ser observadas. Um líder
de Busca Final, todos, incluindo-se o forte e convicto de seus objetivos
narrador, mas excetuando-se o joga- transmite essas características atra-
dor que teve o controle do líder por vés daqueles que o cercam.
último, devem tirar cartas do Baralho
do Destino, consecutivamente e em Para compreender o papel do líder,
sentido horário, até que alguém tire é importante destacar os elementos
uma carta com o naipe de paus ou um que chamamos de Atos ou Efeitos de
coringa. O primeiro jogador a tirar comando, ou aquilo que se espera de
uma carta de paus controlará o Dûk um Dûk preparado em relação aos
pelo restante daquela sessão de jogo. membros de sua companhia.
Se antes disso um jogador revelar um
coringa, ele deverá determinar quem, O primeiro deles é o ato ou efeito de
com exceção dele próprio e do último Judicium, o poder do Líder de decidir
controlador, terá o controle do Dûk por seus comandados, proferindo jul-
até a próxima sessão. gamento diante de um impasse sobre
28
o rumo a tomar. Se a Companhia de Judicium, Discessio e Inflatus não
Ryen encontra-se perdida entre boa- estão representados mecanicamente,
tos de criaturas da noite aparecendo pois são elementos inerentemente
nas terras do Sul e o resgate de um inseridos na condição de líder. São
grimório antigo nas terras do Leste, coisas que o jogador responsável
cabe a Hien decidir para onde partir pelo Dûk em uma determinada ses-
em seguida. O Judicium se traduz são de jogo deve ter em mente. Cabe
também na força para resolver dispu- ao narrador (e aos demais jogado-
tas entre os membros da companhia, res, subsidiariamente), no entanto,
impedindo que ela se esfacele em vir- reforçar a idéia caso o jogador não
tude de temperamentos divergentes seja capaz de transmiti-la da forma
entre os Guerreiros Errantes. adequada ao longo da representa-
ção.
Em segundo lugar, vem o ato ou
efeito de Discessio, o poder de dar Nesta hipótese, é sempre bom con-
direção, rumo ou estratégia à com- versarem com o jogador de maneira
panhia, guiando seus passos em cordial e descontraída, uma vez que
uma situação em que ação coorde- não é como se o mesmo estivesse
nada seja o segredo para o sucesso. “jogando errado”.
Isso inclui, mas não está limitado a,
controlar uma ação de combate ou
dar comandos a um dos Guerreiros Características do Líder
Errantes para que utilize suas me-
lhores habilidades da forma que for Em termos de regras, o líder é se-
mais benéfica para a companhia. melhante a um Guerreiro Errante,
mas não igual. Ele possui todos os
Por fim, o ato ou efeito de Inflatus atributos possuídos pelo Guerreiro
é a inspiração, a capacidade de um Errante comum, saca uma mão da
Dûk manter a moral da companhia fortuna própria, e também agrega
alta quando existem todas as razões detalhes à persona por via do pro-
para que seja em sentido contrário. cesso de criação em andamento; ele
Derrotados em um confronto, pegos é criado coletivamente, utilizando-
em desvantagem numérica por um se o mesmo método acima descrito
grupo de bandoleiros ou desanima- para um Guerreiro Errante comum,
dos para continuar após andarem num processo em que todos os joga-
por dias sem alcançarem nenhum dores devem tomar parte.
resultado digno de nota, aqueles que
escolheram seguir Thalkis na busca Uma vez determinados os atributos
olham para ele em busca de confor- do líder, cada um deles é acrescido
to. Se ele não for capaz de fazê-los em um ponto; isso representa sua
acreditar, não será digno de sua po- disposição natural de ser levado a
sição de líder; o efeito de Inflatus fazer grandes coisas em nome da
separa os verdadeiros pilares de li- busca, já que os Guerreiros Errantes
derança de meros guias de estrada. se reúnem justamente ao redor de
sua figura poderosa.
29
Feito isso, é necessário determinar Dûk de muito Carisma e pouca Leal-
também seus atributos de líder. Além dade tende a se tornar egoísta e ma-
de Convicção, Experiência, Valentia nipulador, enquanto o Dûk de muita
e Presença, o líder conta com duas Lealdade e pouco Carisma dará mui-
outras características que são um to mais aos seus seguidores errantes
reflexo fundamental de sua relação do que jamais receberá deles. Ambos
com os Guerreiros Errantes que o se- os caminhos levam à decadência da
guem. O que isso quer dizer é que companhia, e retiram poder e inte-
os atributos do líder são apenas em gridade dela, enquanto a afastam de
função da companhia, e não refletem sua busca.
predisposições naturais, ou mesmo
sua relação com o restante do mundo Carisma e Lealdade, assim como os
ao seu redor. Eles são chamados de outros atributos do Guerreiro Er-
Carisma e Lealdade. rante, possuem um valor que pode
flutuar ao longo do jogo. Se o Ca-
Ao contrário dos atributos do Guer- risma do Líder é menor ou igual a
reiro Errante, os atributos do líder 3, sua liderança pode ser desafiada
não estão associados a um naipe do por um outro membro da compa-
baralho do destino, e nem são deter- nhia (em regra, um dos guerreiros
minados por ele. Cada um tem um que protagonizam a história, que
valor entre 1 e 10, decidido pelos são controlados pelos jogadores).
jogadores em conjunto, com a dis- As regras do desafio são as mes-
tribuição de 11 pontos entre ambos mas regras do combate, vistas mais
durante a criação. adiante, embora não necessaria-
mente o desafio em si seja um due-
O Carisma representa a capacidade lo de zward. Além disso, enquanto
de um líder em manter a convicção tal situação se mantiver, os guer-
de seus Guerreiros Errantes mesmo reiros errantes não poderão testar o
quando ela poderia estar perdida, atributo Integridade da companhia
sustentando seus poderes de Disces- para evitarem a perda de Convic-
sio, Inflatus e Judicium. Um líder de ção, da forma descrita abaixo.
pouco Carisma pode ver sua com-
panhia se esfacelar diante dos seus Perder a condição de liderança é um
olhos, ou mesmo perder a sua con- impacto devastador, e normalmen-
dição de líder (de acordo com regras te um líder não se mantém junto à
descritas abaixo). companhia que rejeitou seu coman-
do. Ele pode abandonar a busca ou
A Lealdade é um atributo que apenas partir para longe à procura dos ele-
o Dûk possui, e representa sua devo- mentos para formar um novo grupo.
ção à companhia, sua capacidade de Não importa qual seja seu destino,
servir seus próprios vassalos, ao in- no entanto, não diz respeito àqueles
vés de ser servido por eles. que ficam; outra história começa a
ser narrada daquele ponto em dian-
Equilíbrio entre os dois atributos é a te, para os dois lados.
chave para um Dûk bem sucedido. O
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Uma Lealdade limitada, por outro do a ser um protagonista, então ou-
lado, pode ser igualmente devasta- tro guerreiro errante poderá adquirir
dora. Se a característica do Dûk for esse status, devidamente controlado
em algum momento igual ou infe- por um jogador. Em termos de jogo,
rior a 3, seu diálogo com a compa- ele foi elevado à condição de pro-
nhia estará ameaçado não pela sua tagonista; na história, no entanto,
incapacidade de ser ouvido, mas não existe qualquer evento para ser
sim pela incapacidade de ouvir. notado; os Guerreiros Errantes não
são capazes de distinguir quais en-
O resultado é que a companhia como tre eles são realmente especiais.
um todo fica prejudicada. Enquanto
tal situação persistir, o guerreiro er- O ideal é que o narrador procure de-
rante não poderá usar a prerrogativa senvolver ao máximo os membros da
descrita abaixo de adicionar o atri- companhia que não são controlados
buto Poder da companhia a um teste pelos outros jogadores. Ainda, com-
realizado. preendendo a situação em termos de
narrativa a ser desenvolvida, é im-
portante que os jogadores tenham
em mente que as personagens não
enxergarão mais valor ou terão mais
A Companhia amizade por um dos companheiros
simplesmente porque na prática ele
Alguém poderia desafiar os segre- é controlado por um jogador, en-
dos do mundo e sair em uma campa- quanto outro não é.
nha pela verdade sem ajuda, e talvez
até encontrasse sucesso após passar A companhia pode ser considera
por grandes provações. Esse, no en- também uma espécie de persona su-
tanto, não é o caminho que os Guer- pra. A história narrada em Busca Fi-
reiros Errantes escolhem, e por isso nal não é a história de um dos Guer-
é fundamental neste jogo o conceito reiros Errantes ou do Dûk, mas sim
de companhia. a história da companhia da qual eles
fazem parte! Esse conceito é desen-
A companhia é uma espécie de uni- volvido mais adiante, e permeia os
dade básica que divide os guerreiros princípios utilizados no desenvolvi-
errantes. Cada uma delas possui um mento deste jogo.
número indeterminado de membros,
mas apenas aqueles controlados pe-
los jogadores que não sejam narra- Características da
dores são considerados protagonis- Companhia
tas da história.
Assim como o líder, a companhia
Quando, por um motivo qualquer, tem seus próprios atributos: Integri-
um dos protagonistas deixa a com- dade e Poder. O primeiro representa
panhia ou de alguma forma perde as a união dos Guerreiros Errantes em
características que o tornam adequa- torno da busca, que protege a com-
31
panhia de se destruir internamente. Se a companhia perde Poder, a tra-
O segundo representa a capacidade gédia também pode estar se anun-
da companhia de, como um grupo, ciando. A Mão da Fortuna de cada
fazer frente aos desafios que se co- jogador, independente da quantida-
locam adiante, ou seja, protege a de de cartas que possua, deve ser
companhia de se destruir por fatores imediatamente descartada, deixan-
externos. do todos eles totalmente sujeitos
aos desmandos às vezes cruéis do
O Poder da companhia limita a Mão Baralho do Destino.
da Fortuna máxima de cada um dos
protagonistas. Isso significa que ne- Por outro lado, os atributos da com-
nhum jogador poderá manter uma panhia também possuem o condão
Mão da Fortuna com uma quantida- de influenciar positivamente os
de de cartas superior a 3 mais meta- Guerreiros Errantes que a integram.
de do valor de Poder da companhia, Uma vez por sessão de jogo, cada
arredondado para baixo (quer dizer, jogador pode adicionar o Poder da
a Mão da Fortuna máxima em um companhia ao valor da carta que
grupo ficará entre 3 e 8). tenha obtido do Baralho do Desti-
no ou que tenha escolhido da Mão
Assim como os atributos do líder, os da Fortuna. Para certas tarefas, isso
atributos da companhia são determi- praticamente garante o sucesso.
nados de forma coletiva, distribuin-
do-se 11 pontos entre ambos, sendo Além disso, se um Guerreiro Errante
que nenhum poderá ser maior do que perderia Convicção após um determi-
10 ou menor do que 1. nado confronto ele pode se safar com
um teste comum da Integridade da
Da mesma forma que ocorre com companhia, que o protege do impacto
a Convicção de cada Guerreiro Er- da falha se for bem sucedido, da forma
rante, os atributos da companhia como está explicado mais adiante.
também podem ser aumentados ou
diminuídos por um confronto, e isso Finalmente, se alguma coisa faz com
possui influência direta em cada que a Integridade da companhia au-
personagem que faz parte dela. mente, cada um dos Guerreiros Er-
rantes deve também aumentar sua
Cada vez que a Integridade da com- Convicção em 1 ponto. Uma compa-
panhia é diminuída de alguma for- nhia íntegra aumenta a fé que seus
ma, todos os Guerreiros Errantes membros possuem na busca. Igual-
que dela fazem parte, incluindo o mente, se aumenta o poder coletivo,
líder, sofrem o impacto de acordo. o poder individual também aumenta,
Cada um deles diminuirá o atribu- e um aumento no atributo Poder da
to Convicção em um ponto. Nessas companhia permite a cada um dos
ocasiões, é muito comum que um protagonistas sacar imediatamente
indivíduo, vendo a derrocada do co- uma carta do Baralho do Destino para
letivo, perceba que já não tem mais sua mão da Fortuna, respeitando-se o
condições de seguir adiante. novo limite, se houver.
32
Criação em Andamento Vários temas (que sejam adequados
Coletiva ou não para personagens individu-
ais) se desenvolvem bem tendo a
De maneira feita coletivamente pe- companhia como objeto do proces-
los jogadores, a companhia passa so. Exemplos incluem amizades ou
pelo seu próprio processo de criação inimizades, rivalidade com outros
em andamento também. Isso utiliza grupos (sejam saudáveis ou não),
uma sistemática idêntica àquela uti- ou mesmo local de origem e estru-
lizada para os Guerreiros Errantes. turação das cadeias de comando.
Isso posto, deve se levar em conta A coisa importante a se saber é: se
que cada jogador tem o direito de algo ainda não foi falado a respeito
opinar em cada instância criativa; da companhia, pode ser inventado a
e o narrador tem esse direito igual- qualquer momento, desde que seja
mente, assim como a palavra final, o obedecida a coerência na narrativa
que faz com que a criação em anda- corrente.
mento que traz novas características
para a companhia seja mais restrita,
e ocorra com menos freqüência.

33
34
Parte Dois:
Prelúdio

ós costumávamos ser magos” lho de centenas de lanças se batendo

N – Hidax pensou – “agora não


somos mais do que meros
mortais”. “Nós costumávamos con-
contra escudos de guerreiros ferozes,
embora não soubesse se tal sensação
se devia aos sentidos aguçados ou à
trolar os elementos da natureza e criá- alucinação provocada pelo pânico.
los aparentemente do nada, e nossos Cansado de esperar, o mago subiu ao
inimigos nos temiam. Agora eles nos ponto mais alto da Torre de Entaris e
espreitam à espera do momento mais olhou pela janela. Manithis, a luz res-
adequado.” plandecente do Norte, estava cercada
por todos os lados, e a população saía
Enquanto pensava em todas essas às ruas em desespero.
coisas, o chefe da Ordem dos Magos
do Norte caminhava de um lado para “Não” – ele pensou – “não posso crer
o outro da grande biblioteca que a que vá terminar assim”. Naquele mo-
Ordem acumulara ao longo de to- mento, olhando para o universo ao
dos aqueles anos. Os livros possuíam seu redor, e sem temer o futuro de seu
muitas fórmulas, descreviam muitas povo, Hidax orou aos deuses da magia
criaturas místicas e falavam de uma por um último voo. O voo derradeiro
era sobre a qual as gerações futu- do mais poderoso entre os magos do
ras pouco saberiam. A magia estava Outono, um vento, a carregá-lo para
morta, e não havia nada que aquele longe e cobrir sua terra amada com
grupo de lordes poderosos, agora esperança. “Manthilus. Sua chama
transformados em pobres infelizes, permanecerá. Suas glórias serão suas,
pudesse fazer. e eternas.”

Do lado de fora os lobos uivavam fe- Incrivelmente ágil para um homem de


rozes. Os exércitos de Antura haviam idade avançada, Hidax sumiu no para-
chegado, e ele podia ouvir o baru- peito e contemplou as primeiras cha-
35
mas nos telhados da cidade, erguendo Igualmente, parecia que toda a ati-
os braços para invocar as bênçãos dos vidade do mundo espiritual também
elementais do ar, enquanto conjurava cessara; ninguém mais precisava ter
o feitiço. “Um último voo” – murmu- medo das criaturas da noite. Os pes-
rou – “um último dom”. cadores, de forma semelhante, po-
diam sair ao mar sem temer o canto
Aos que fizeram perguntas, o discípulo mortal das sereias. De fato, de to-
jurou que entrara na sala a tempo de das as coisas, deve sim ser dito que
ver o velho mestre se atirar pela janela,
Othora, para muitos, se tornou um lu-
braços abertos, como se estivesse pres-
tes a se tornar uma águia. O corpo, no gar mais seguro, mesmo que menos
entanto, jamais foi encontrado entre os mágico. Assim, é possível dizer que
escombros de Entaris. o cenário de Busca Final é um mun-
do fantástico, porém seu encanto foi
completamente perdido.

Ao longo deste capítulo, descreve-


A construção do jogo de narrativa que mos o continente que serve de pano
você tem em mãos se dá a partir de uma de fundo para a história narrada em
premissa bastante simples: como se ti- Busca Final. Othora, um lugar onde
vesse sido levada por um vento forte a magia já foi poderosa, mas sim-
em uma tarde de grande tempestade, plesmente desapareceu, é onde vivem
a magia do mundo, ou pelo menos do os Guerreiros Errantes, em sua bus-
mundo que os habitantes de Othora ca sem fim pelas coisas místicas do
conhecem, simplesmente desapareceu. mundo; se não para trazê-las de volta,
De um dia para o outro, os poderosos pelo menos para saber: afinal, o que
feitiços dos magos e os presságios das aconteceu?
feiticeiras selvagens tinham sumido
sem deixar qualquer rastro, com exce- Tanto para o narrador quanto para os
ção daquilo que as pessoas ainda po- demais jogadores, em primeiro lugar,
diam se lembrar como a realidade que é importante compreender o papel de
durante muito tempo tinha sido. Othora neste jogo. O continente fan-
tástico de onde todo o encantamento
Parecia o bastante, mas não era. Qual- simplesmente desaparece da noite
quer que fosse a força da natureza para o dia é pouco mais do que um
que tinha decidido varrer a magia do pano de fundo. Se for do melhor in-
mundo, não se contentaria em roubar teresse de sua narrativa, reconstrua
os poderes dos magos. Onde quer que Othora desde a fundação, com uma
fossem procurados, os seres místicos estrutura totalmente diferente da que
do mundo também tinham sumido. Os é apresentada aqui.
unicórnios não estavam nas florestas
mais profundas nem os dragões nas Tendo isso em mente, um ponto a se
montanhas mais altas. Elfos desapa- observar é que não foi investido tem-
receram, não deixando sequer cida- po na descrição detalhada do cenário.
des-fantasma para narrar sua história Se você tem interesse em jogos onde
de outrora. os cenários são amplamente descri-
36
tos, certamente encontrará opções são apenas dois exemplos do tipo de
melhores para seu grupo. O foco coisa que os grandes heróis estão
de Busca Final é a busca realiza- destinados a realizar.
da pelo Dûk juntamente com seus
seguidores; tornando a idéia aqui “E se eu quiser desenvolver Othora
apresentada pouco interessante para mais profundamente?” Trata-se de
os jogadores que queiram desenvol- uma questão relevante. Nesse caso,
ver outros aspectos em um Jogo de eu diria que Othora é tudo aquilo
Narrativa. que você quiser que seja. Se você
prefere colocar no pano de fundo das
Em tal contexto, esta Parte 2 cum- aventuras dos guerreiros errantes
pre uma tarefa importante de dar ao um mundo impiedoso, em uma era
grupo um ponto de partida. Mes- feudal de muito sofrimento e pouca
mo que Othora não seja para você, esperança, pode fazê-lo. Se desejar
trata-se de um exemplo descrito de um cenário menos medieval e mais
um cenário onde o tipo de história moderno, com grandes navegações e
que planejamos para Busca Final desbravadores ainda mais destemi-
se passa. Sendo este um sistema de dos, seus recursos narrativos podem
regras capaz de sustentar narrativas se expandir ainda mais. Existem tan-
que envolvam outras espécies de tas possibilidades que, ao descrever
buscas, é possível facilmente optar cada reino do continente, aproveita-
por um outro cenário, quer seja um mos para colocar algumas dicas so-
que o grupo tenha inventado, quer bre formas de imaginá-los novamen-
seja um publicado independente- te, em uma roupagem diversa.
mente deste manual.
No fim, o importante é que você en-
Como um grande fã da obra de contre diversão e a narrativa mais
Tolkien, Pedro sempre teve interesse adequada para você e seus jogado-
em se juntar aos seus amigos para res. Para isso, utilize Othora como
uma tentativa de reconstruir a nar- mais uma das ferramentas disponí-
rativa de O Senhor dos Anéis. Com veis aqui.
o conjunto apresentado em Busca
Final, ele observa que esta não será Na descrição de cada um dos rei-
uma tarefa difícil. Embora ele cer- nos, deixamos um ou dois parágra-
tamente vá ignorar a Parte 2 deste fos para dizer o que lhes acontece
livro, deixando Othora para uma em seguida, ou seja, como Antura,
oportunidade mais adequada, ele Conth, Irakas e Manthilus se desen-
observa que o restante do conteúdo volverão, décadas ou séculos depois
serve para narrar histórias sobre da Grande Perda. O ponto de inte-
aventureiros trilhando um cami- resse é que a reprodução futura des-
nho tortuoso em uma grande tare- ses locais, se for do interesse do gru-
fa, independente do que tal tarefa po, também pode ser utilizada como
realmente seja e onde tenha lugar. pano de fundo para a busca.
Enfim, restaurar a magia do mundo
ou destruir a fonte do mal na Terra
37
Na cidade de Tuvaras, ao Sul do Rei-
no de Manthilus, os magos exercem a
função de altos inquisidores, utilizan-
O Continente de do sua magia para encontrar os crimi-
nosos e para levá-los às autoridades,
Othora para que paguem pelos crimes que
cometeram. Algum tempo depois da
Enquanto desenvolvemos esta parte grande perda, Koneip, senhor da guil-
do livro, o objetivo é que a Othora da de ladrões que comanda o crime
do narrador se torne bastante clara na vizinha Eruna, toma conhecimento
em sua cabeça, para que possa mais de que os magos de Tuvaras não mais
facilmente passar aos demais joga- podem interferir em seus negócios;
dores. Para começar, pensemos no após um século de penúria, os crimi-
mundo de fantasia clássico, habi- nosos se preparam para alçarem vôos
tado por magos e dragões. Flutuan- maiores e erguerem o sindicato do
do da Era Hyboriana de Howard à crime a um novo nível, regional.
Terra Média de Tolkien. Pense nos
feiticeiros malignos e nos elfos al- Qual é o desafio de fazer avançar a
tivos, reclusos em suas gloriosas medicina após passar séculos contan-
cidades verdes. Você deve pensar do com a habilidade dos magos de de-
em um mundo cheio de perigos so- senvolver cura mágica? Othora pos-
brenaturais, onde o conde que ha- sui clérigos como outros cenários de
bita o castelo no alto da montanha fantasia? Se a resposta é positiva, o
pode bem ser um vampiro poderoso, que eles pensam, agora que sua magia
e o camponês gentil, nas noites de se foi? Os deuses os abandonaram?
lua cheia, veste a pele do lobo para
assombrar o mundo ao seu redor. É Todos os questionamentos acima, e
assim que o continente de Othora muitos outros, são importantes para
costumava ser. tornar o continente em que se pas-
sa Busca Final um pano de fundo
Agora, pense em nações perdidas adequado, vivo, para as explorações
em meio ao tumulto provocado pelo conduzidas pela companhia do Dûk.
fim de uma era. Reflita acerca das
possibilidades, quando aqueles que Os reinos de Othora, quando da
costumavam comandar muito poder, Grande Perda, são quatro. Em um
repentinamente, se tornam nada mais território talvez tão grande quanto a
do que pobres mortais abertos à vin- nossa própria América do Sul, cer-
gança de seus inimigos. Você pode cado pelos oceanos, a maior parte
pensar em uma nação inteira gover- da população evita os vários santuá-
nada pela força da magia, ou quem rios insulares, outrora habitados por
sabe um reino onde a coroa descansa grandes magos ou alto-sacerdotes, e
sobre a cabeça de um dragão em pele faz sua moradia entre os expansio-
de homem. Quando eles se vão, quem nistas de Antura, na ameaçada nação
fica com o poder? O que fazer? de Conth, nas misteriosas montanhas
de Irakas ou entre os místicos de
38
Manthilus. Não importa onde você caça e coleta nas grandes florestas e
esteja, no entanto, a sensação de in- também nas ilhas mais próximas do
cômodo e incerteza é lugar comum, continente. Os amuk eram amigos
e as pessoas se tornaram ainda mais dos elfos e de outros seres da flores-
desconfiadas de estrangeiros e ban- ta, e, embora não sejam por natureza
dos armados. Sem dúvida, tempos grandes praticantes de magia, senti-
interessantes para as companhias de ram como todos os outros a perda,
guerreiros errantes de Busca Final. que alguns consideram um castigo
dos deuses e culpa exclusiva dos
Em Irakas e em boa parte de Antura, “habitantes de cidades”.
encontra-se um povo de pele cor de
trigo, alta estatura e temperamento Othora possui ainda uma grande po-
bélico. A etnia kompurana é consi- pulação de sangue misturado, prin-
derada a mais antiga das etnias civi- cipalmente em locais como Irakas e
lizadas de Othora, e ainda é a mais Antura, onde o contato dos kompura-
numerosa, mesmo após a explosão nos com outras populações, tanto de
populacional dos danti. Este ou- origem sahur quanto amuk foi maior,
tro povo é considerado parente dos e certamente mais amistoso. Os dan-
kompur, com quem guardam grande ti, por outro lado, muito devido a
semelhança física, mas chegou aos uma cultura de isolação, cuja origem
litorais de Othora muito depois, fi- é antiga e nebulosa, praticamente só
xando-se no oeste e vivendo da pes- são encontrados em Conth, e pouco
ca. Com a ajuda de seus poderosos se misturaram com as demais popula-
magos, fundaram o reino de Conth e ções; pelo menos até serem forçados
viveram em relativa paz desde então; a fazê-lo, diante da grande perda.
os danti nunca amaram as batalhas
como seus primos mais numerosos.
A Grande Perda
Em Manthilus estão os sahur, de pele
cor de ébano e olhos de fogo, magos A magia morreu? É difícil se dizer.
que por longos séculos resistiram ao Para onde foram todas as coisas e to-
poderio militar que reside no Norte, dos os seres mágicos do mundo? Nin-
para fundar o mais próspero dos rei- guém realmente sabe. Este é, na ver-
nos de Othora, e também aquele cujo dade, o ponto de conflito essencial na
poder é fatalmente colocado em che- narrativa a ser construída a partir de
que pela Grande Perda. Busca Final. Em Othora, as pessoas
se acostumaram a viver em um mun-
Nas vastas áreas selvagens do conti- do essencialmente místico; embora
nente, sem conhecerem as fronteiras esta nunca tenha sido uma terra de
dos chamados povos “civilizados”, anões ferreiros acampados em cida-
ainda vivem os habitantes nativos de des humanas e meio-elfos passeando
Othora, nas várias tribos do povo que entre as pessoas comuns, um mago ou
os kompuranos chamaram de amuk, sacerdote capaz de conjurar magias
os lépidos. Raramente são vistos pe- poderia ser tanto um inimigo terrível
las pessoas comuns, e sobrevivem de quanto um grande aliado.
39
O ano, no entanto, é 1828 na contagem indivíduo central na sociedade para
de Antura, e um ano atrás a grande um cidadão de segunda classe? Ma-
perda caiu sobre o mundo, assombran- gos são respeitados por sua sabedo-
do tanto as pessoas comuns quanto os ria ou por sua magia? A religião tem
iniciados. Como narrador, é sua tarefa a mesma força no momento em que
delinear o real significado do fenôme- os deuses não mais respondem dire-
no, embora nós tenhamos uma série tamente com efeitos sobre o mundo?
de sugestões que você poderá utilizar Voltando ao exemplo citado acima da
para construir a sua própria (sobre guilda criminosa na cidade de Tuva-
isso, falaremos na Parte 4 do livro). ras, o que acontece quando um equi-
líbrio de poder tênue é rompido?
Muitos cenários de fantasia levan-
tam entre seus maiores admiradores o Uma questão importante, no entanto,
debate a respeito de como seria um permanece para que o narrador e os
mundo onde as pessoas pudessem demais jogadores deliberem. Quão
operar milagres através da força de conhecida entre as pessoas comuns
vontade, devoção divina ou simples é a Grande Perda? Como veremos
domínio dos símbolos místicos da adiante, Irakas mantém sua popula-
criação. Busca Final propõe um outro ção pelo menos parcialmente na ig-
debate, tão intenso quanto o interesse norância, por razões essencialmente
do grupo em desenvolver o cenário políticas.
de Othora para além da busca: como
seria uma sociedade que já possuiu a Um dos pontos de confronto que o
magia, mas deixou de tê-la? narrador pode explorar é a morte de
Othora. Encarada como um desastre
Em certo sentido, poderia ser com- que derruba a sociedade a um grau
parada a uma sociedade que dispôs primitivo em relação ao anterior, a
em algum momento de alto nível de Grande Perda pode ser vista como o
avanço, mas por algum motivo re- primeiro passo na direção de uma so-
grediu a um estágio mais primitivo. ciedade pós-apocalíptica. Em alguns
Afinal, não seriam a alta magia e a séculos, os reinos e as pessoas pode-
alta tecnologia elementos muito pró- rão estar tão transformados que em
ximos na determinação do modo de nada mais lembrarão a sociedade que
vida das pessoas? Em Othora, isso existiu anteriormente, inclusive po-
é verdade em relação a pelo menos dendo cair na selvageria ou em uma
dois reinos: Conth e Manthilus, na- idade das trevas, de forma semelhan-
ções cuja existência é amplamente te ao que sucede na Europa com a
relacionada à existência de um poder queda do Império Romano.
místico sustentador.
Justificar essa escolha, no entanto, é
Um outro ponto a ser levado em con- um pouco mais complicado do que
sideração é a posição dentro da so- meramente continuar a conduzir um
ciedade daquele que costumava ser mundo de fantasia padrão, porém pri-
capaz de realizar magia. Como ocor- vado da magia. É possível, no entan-
re (se é que ocorre) a transição de um to, narrar as aventuras dos guerreiros
40
errantes não um ano, mas vários sé- lar sobre os vários reinos de Othora
culos depois da Grande Perda. antes da grande perda. Obviamente,
muito mais nos interessa aquilo a
Com tudo isso posto, é necessá- que se dedicam durante o período em
rio nos perguntarmos: que tarefa os que Busca Final se passa, mas a ver-
guerreiros errantes exercem nesse dade é que não é possível construir
novo mundo? Decididos a desco- essa relação sem primeiro pensar em
brirem a verdade, eles representam como tudo era anteriormente. Othora
a esperança de alguns, com certe- era um lugar pacífico ou violento?
za, mas nem todos os habitantes de Próspero ou decadente? Neste senti-
Othora aguardam ansiosamente o do, o que poderia ter mudado desde
retorno da magia, o que pode gerar então? Mais importante: antes de se
ferrenha oposição por onde quer que tornarem o que são, quem eram os
os guerreiros da busca passem. Não guerreiros errantes?
é possível agradar a todos...
As motivações aqui expostas para os
Agora, enquanto pensamos a gran- vários reinos de Othora não podem
de perda com seu papel fundamen- ser consideradas definitivas, mas
tal na construção do cenário no qual em boa parte, elas definem o tom e
interagem os guerreiros errantes, atitude que imprimimos em cada um
devemos pensar em Antura, Conth, deles ao longo da descrição. Isso
Irakas e Manthilus, nações irmãs significa, por exemplo, que não é
na Grande Perda, porém separadas possível resumir Antura a um reino
pelos próprios interesses. Será que tentando expandir seu território além
podem sobreviver? das fronteiras atuais através da força,
mas esse sentimento mancha a visão
que as pessoas comuns têm da nação,
Reinos e Motivações e deve ser um tema importante em
uma história de Busca Final.
Os reinos de Othora permanecem,
embora não se saiba exatamente até
quando. Uma gigantesca transforma- Antura
ção no modo de vida dos indivíduos
deve resultar em mudanças radicais “Pela lança de Antur, pela glória da
na forma como se organizam, naqui- nação, nós marchamos!”
lo que valorizam e em suas perspec-
tivas futuras. Talvez até por isso os Em Othora, onde a esperança é pou-
quatro reinos estejam entre os mais ca e o tumulto é intenso, Antura tenta
interessados na busca realizada pe- ser o farol na escuridão, levando sua
los guerreiros errantes. Enquanto um paz e seu desenvolvimento aos rei-
reino como Conth ou Manthilus tiver nos vizinhos, mesmo contra a von-
recursos para tentar reverter a situ- tade deles.
ação, não terá qualquer escolha que
não seja fazê-lo. Hoje, aqueles que permanecem no
Um ponto de partida importante é fa- comando tentam fazer parecer que
41
nada mudou, mas é fato que, assim que narrado no Cântico Real, e mais
como as outras, a mais expansionista cheios de carnificina.
das nações de Othora enfrenta ago-
ra um período de grande dúvida, não No entanto, os últimos mil anos viram
apenas em relação ao presente, mas a pequena província passar à condi-
principalmente no que concerne o ção do mais poderoso dos reinos de
futuro. Othora. Quando o exército anturano
marcha, poucas forças mundanas são
Localizado ao norte de Othora, An- capazes de detê-lo, e era justamente
tura possui a maior extensão terri- a magia dos vizinhos que os apazi-
torial, e também a maior população guava, até então.
entre os quatro reinos, composta por
uma maioria de camponeses e solda- Enquanto a magia se esvai do mun-
dos, cujas lanças e arados sustentam do, se esvai drasticamente também o
o modo de vida forjado pela dinastia poder das Lanças de Uliken, um gru-
Uliken, há mais de um milênio. po de guerreiros-magos de elite, cuja
influência e poder na nação anturana
Antur Uliken, o lanceiro capaz de é notória desde longa data, funcio-
arremessar uma azagaia para atingir nando como uma espécie de casta
uma coruja em vôo rápido numa noi- samurai do reino.
te sem lua, é hoje tido como pouco
mais do que um mito. Se o pai dos Por muito tempo, os anturanos acre-
Uliken realmente existiu, é certo que ditaram na magia como uma força as-
seus feitos foram menos gloriosos do sombrosa e difícil de controlar, dada

O caçador de guerreiros errantes


Enquanto a busca é encorajada em outros lugares, ou mesmo den-
tro do Império, pela grande influência política que a ordem dos
Lanças de Uliken ainda exerce, aqueles que não possuem o mí-
nimo interesse no retorno da magia começam a se projetar para
impedir qualquer passo dado pelos guerreiros errantes que pareça
levar a algo factível.

As estratégias não precisam necessariamente ser honradas: embos-


cadas em estradas ermas, veneno na refeição de uma taverna, ou
mesmo manipulação política que possa levar ao enfrentamento com
autoridades locais são apenas algumas das armas que esses caçado-
res utilizam para sabotar a busca. Se você, como narrador, acredita
que sua história necessita de um antagonista que os jogadores prota-
gonistas possam facilmente identificar, não precisa procurar além.

42
apenas aos mais grandiosos entre os dantes da nação nos tempos de maior
homens. Hoje em dia, no entanto, glória, mas isso não impede que, em
ninguém mais parece ser grande o sua versão do cenário, eles sejam na
bastante para tanto. verdade homens de pouco escrúpulo,
dados a abusos de autoridade e outras
Em Antura, uma figura central entre formas de corrupção, criando compa-
os guerreiros errantes é justamen- nhias de Guerreiros Errantes afeitas
te o Lança de Uliken, que às vezes a crueldades e afastadas dos grandes
aparece como Dûk de uma compa- feitos épicos.
nhia, enquanto outras vezes faz com
que seus guerreiros vassalos tomem Qualquer que seja sua escolha, o
parte nas expedições em busca da futuro reserva para Antura mais do
magia perdida. que para seus vizinhos. Sem a magia
de Manthilus ou o poderoso dragão
Enquanto a história de Busca Final de Irakas para desafiar seu poderio
se desenvolve, o reino de Antura está militar, os anturanos avançam para
perigosamente posto entre a cruz e o Sul ao longo da década seguinte,
a espada: nunca antes houve uma promovendo a guerra e forjando um
oportunidade tão clara de avançar as império de aço.
fronteiras mais para o Sul, tirando
proveito da fraqueza de Manthilus, Ao longo desse caminho, a casta dos
mas o fato é que as Lanças de Uliken guerreiros-magos é rapidamente subs-
estão agora voltadas para uma ques- tituída por comandantes mais aptos,
tão mais urgente e perigosa. e o século seguinte vê a ascensão da
indústria e o fim do mito, com a di-
Independente do rumo escolhido na nastia Uliken finalmente unificando
história que for narrada pelo seu o que restou de Othora, e a figura de
grupo, ainda demorará um tempo Antur sendo elevada à de uma divin-
até que os anturanos tenham a res- dade: o líder de um panteão forjado
posta definitiva. Enquanto isso, aqui para exaltar a grandeza de Antura.
os homens estão tão dispostos a se
aventurarem na busca final quanto Nesta nova realidade, aqueles que
em qualquer outro reino. ainda se julgam guerreiros errantes
passam a ser vistos como aberrações,
Antura é um bom ponto de partida inimigos do estado a serem persegui-
para narrar Othora como uma fantasia dos e aniquilados. Nesta ação, os go-
ainda mais sombria do que a descri- vernantes anturanos são bem sucedi-
ta aqui. Algumas idéias interessantes dos em grande parte, e, duzentos anos
sobre o reino de Antura poderiam ser após a grande perda, apenas pequenos
colocadas, se você resolver utilizar bandos de homens vistos como de-
esse reino como pano de fundo para senganados ou loucos ainda procuram
sua história. pela magia de Othora.

Os Lanças de Uliken são geralmente De fato, um pequeno preço a pagar


vistos como heróis e justos coman- pela vitória do progresso.
43
Conth Originários do mar, e eternamente
conectados a ele, os conthianos fize-
“Que nem mesmo o mar se coloque ram dessa relação sua principal for-
contra o destino dos filhos de Danta.” ma de sustento, exportando pescado,
sal e outros produtos originados dos
Dos quatro reinos de Othora, Conth oceanos, ao mesmo tempo em que se
é certamente aquele que vê o tempo tornaram os principais responsáveis
se esvaindo enquanto a grande per- por manter os mares ocidentais relati-
da não é de alguma forma reverti- vamente livres de pirataria, com uma
da pelos guerreiros errantes em sua força naval impressionante.
grande busca.
Prestes a chegar ao auge de seu desen-
Fundado em um passado distante, o volvimento tanto econômico quanto
reduto da etnia Danti em outra épo- militar e cultural, Conth se deparou
ca era restrito a uma faixa no litoral com a Grande Perda de forma inten-
do continente e algumas ilhas próxi- sa e traumática, com os sacerdotes
mas, até os sacerdotes de Danta re- de Danta despertando em uma ma-
solverem utilizar o poder da deusa nhã corriqueira para descobrirem que
das águas para forçar um espaço até a deusa não mais atendia mesmo às
então inexistente. Com uma poderosa mais simples preces.
invocação ritual, lentamente empur-
raram as ondas para trás, criando ter- Forçado a explicar o porquê de tais
ra onde antes não existia, e um espaço acontecimentos, o alto-sacerdote de
de prosperidade onde deveriam estar Danta, Ebrahin Soone, reuniu um
o oceano e seus habitantes. Agora que grupo de seus homens de confiança
a magia se foi, lentamente o mar cla- em uma embarcação e jurou navegar
ma de volta seus limites, ameaçando pelo mundo, não retornando a Con-
engolir a maior parte de Conth em al- th enquanto não soubesse a resposta
guns poucos anos. para o desaparecimento da magia. As-
sim, formou a primeira companhia de
Conth está localizado na região mais guerreiros errantes – A Esquadra de
ocidental de Othora, e conta com a Soone – tornando-se também o pri-
segunda maior população entre os meiro dos Dûks.
quatro reinos. A etnia predominante,
quase única, é a dos Danti, um povo Enquanto o tempo avança e as espe-
fisicamente semelhante aos kompu- ranças diminuem, os conthianos não
ranos, porém menos belicoso e de temem apenas que as pessoas se es-
alta cultura. Segundo seus próprios queçam de que um dia o mundo já foi
textos sagrados, foram levados a místico; eles temem muito mais que
Othora pelo poder de Danta, outro- as outras pessoas esqueçam que um
ra uma deusa menor das águas e dos dia já houve um reino de grande pros-
oceanos, mas cuja religião passou a peridade onde passou a existir apenas
dominar toda a tradição pública reli- água. Enquanto isso não acontece,
giosa em Conth. no entanto, já é possível observar o
desespero daqueles que, pela força
44
incontrolável das águas, já foram for- puranos e danti para fundamentar sua
çados a abandonarem seus lares. pretensão de unificação entre Antura e
a faixa de terra que passa a ser Conth.
Nesse sentido, Conth é um cenário
interessante para explorar o aspecto Roubados de sua terra, os danti se es-
pós-apocalíptico de uma campanha palham pelos demais reinos, e enfim
de Busca Final. À medida que o mar se tornam vítimas da crueldade final,
avança, as pessoas deixam as cidades massacrados e escravizados, sem uma
inundadas, passando inicialmente a liderança determinante para reerguer
errar pelas regiões selvagens, para seu povo. Alienados de sua cultura e
depois se amontoarem nas cidades finalmente integrados ao restante de
que restaram, trazendo fome e peste, Othora, duzentos anos após a Grande
além do aumento da criminalidade, Perda, os danti já não podem mais ser
tudo isso sem qualquer possibilidade considerados um povo distinto. De
de controle por parte dos governan- todos os habitantes de Othora, talvez
tes, que se tornam agressivos e auto- sejam aqueles cujo destino se mani-
ritários com a própria população. festa de forma mais cruel.

Como não é difícil de imaginar, o fu- Nos mares, no entanto, uma raça
turo de Conth é sombrio. Nos anos de nômades, refugiados de Conth,
seguintes, A Esquadra de Soone de- obtém relativa prosperidade no co-
saparece no mar, e com ela vão os mércio e, principalmente, na pirata-
vestígios de esperança de um reino. ria. Habitando as ilhas ao redor de
Othora, mas passando a maior parte
Com o fim da linhagem real, o trono do tempo longe da terra firme, vão
passa a ser cobiçado por várias famí- se tornar o terror das embarcações
lias, mas é a dinastia Uliken, de An- imperiais de Antura e refúgio para
tura, quem apresenta condições reais, alguns que, séculos depois, ainda
utilizando-se do parentesco entre com- mantém a busca pela magia.

O guerreiro errante de Conth


Para você, recuperar a magia é muito mais do que simplesmente
trazer o lado místico do mundo de volta: seu povo não enxerga,
em verdade, qualquer outra possibilidade de sobrevivência. Ao
mesmo tempo, nenhum outro povo sentiu no próprio solo o im-
pacto imediato da Grande Perda, e isso torna os Guerreiros Er-
rantes de Conth mais amargos e até pessimistas, não em relação
à busca simplesmente, mas ao próprio futuro. Como traduzir isso
na construção da personalidade do Guerreiro Errante, no entan-
to, é uma tarefa do jogador.

45
Da origem danti, no entanto, esses to isso, descansaremos sob as asas
nômades pouco falam. Em verdade, do rei.” Ao seu redor, Irakon criou
no futuro de Othora, Conth rapida- cultura, desenvolvimento e prosperi-
mente passa ao status de mito, como dade, exigindo muito pouco em troca,
uma espécie de Atlântida que, na já que, mesmo hoje, é difícil para as
teimosia em desafiar os deuses, foi pessoas comuns imaginarem o que
dragada pela fúria dos mares. A ver- uma criatura tão extraordinária pode-
dade, no entanto, permanecerá ocul- ria querer de simples homens.
ta no oceano.
Com o desaparecimento da magia, no
entanto, Irakon se viu em um mun-
Irakas do estranho, que não mais conhecia.
Temeu pelo futuro de seus filhos, e
“Forjado sob as asas do Dragão.” decidiu ele mesmo sair em busca de
uma solução para aquele mistério.
Localizado na parte mais oriental Sem ter muito que fazer enquanto es-
do continente de Othora, o reino de tivesse buscando respostas, e temen-
Irakas é composto, basicamente, pe- do que sua ausência levasse ao caos o
los imigrantes kompuranos que via- reino de Irakas, o dragão ancião deu
jaram mais longe antes de encontra- a Glemir Simanthalas, líder dos sa-
rem um lugar para se fixarem. Reza cerdotes, o Cajado do Dragão, com o
a lenda que, aos pés da montanha, qual sua sabedoria poderia ser usada
numa terra de tempo quente e seco, para resolver disputas, e ele também
os sacerdotes que acompanhavam o poderia ser invocado de volta, caso o
bando nômade tiveram uma visão reino viesse a sofrer perigo.
gloriosa, na qual voavam pela área
montanhosa com asas de dragão. Uma mentira engenhosa. Temendo
Indo em busca dessa visão, encon- pelo pior, essa foi a história que os sa-
traram Irakon, o dourado, e aos pés cerdotes de Irakon contaram ao povo,
da magnífica criatura, colocaram sua e deixaram que seus inimigos soubes-
fé e o destino de seu povo. sem. Na verdade, assim como todas
as coisas místicas do mundo, o pode-
Irakon, um dragão cuja idade e ver- roso dragão de Irakas simplesmente
dadeira extensão dos poderes sempre desapareceu com a Grande Perda,
foram desconhecidas, adotou como sem deixar qualquer vestígio que seus
seus filhos aqueles homens kompur, seguidores pudessem investigar.
tornando-se para eles um guia, um
líder, um tutor e, principalmente, por Enquanto a notícia se espalhava Si-
centenas de anos, o mais poderoso manthalas e seus conselheiros foram
dos reis. bastante espertos para elaborarem
algo convincente e forjarem, em se-
De fato, os irakanos orgulhavam-se gredo, o Cajado do Dragão; em ver-
em dizer: “deixem os feiticeiros de dade, nada mais do que uma bela
Manthilus e os soldados de Antura bri- peça de joalheria.
garem o quanto quiserem, e, enquan-
46
Diziam, assim, que era tamanho o Por outro lado, muitas companhias
poder de Irakon, que não apenas o de guerreiros errantes se dirigem
dragão sobrevivera à Grande Perda, para Irakas, tentando desvendar o
como também deixara para trás o úl- mistério por trás da existência do
timo aparato mágico do continente. Cajado do Dragão, e da permanên-
Os sacerdotes de Irakas têm uma boa cia do grande Irakon, quando tudo o
história que, no entanto, está longe que era mágico simplesmente desa-
de ser perfeita. pareceu. Esses guerreiros encontram
uma nação desconfiada, que nutre
Sabendo disso, entenderam que muito antipatia pelos estrangeiros e não
mais adequado era encontrar Irakon e reconhece neles qualquer valor, indo
a magia do mundo, onde quer que eles da simples desconfiança à agressivi-
estivessem. Os guerreiros errantes de dade ostensiva.
Irakas são diferentes dos outros, agin-
do disfarçados, quase como espiões, Nesse sentido, Irakas é um local per-
andando pelo mundo sem poder dar feito para ser narrado como “o reino
aos outros muitas explicações sobre misterioso do oriente”. Com o tom e
sua missão. As poucas companhias que atitude colocados aqui, não seria di-
tornam suas atividades públicas agem fícil nem mesmo fazer da região uma
como se fossem arautos do dragão, ten- espécie de China em Othora, com di-
tando dizer que ainda são as suas ordens reito a filosofia, religiosidade e até
que guiam o povo do reino oriental. mesmo estilos de luta de roupagem

O guerreiro errante de Irakas


Cada um dos povos de Othora representa, grosso modo, a perda
de um aspecto importante que a existência da magia impõe sobre
o mundo. O Guerreiro Errante de Irakas teme muito mais a de-
sordem interna de seu povo que qualquer outra coisa; as pessoas
não aprendem da noite para o dia a exercerem o autogoverno
depois de passarem séculos com uma criatura sobrenatural pode-
rosa e única dizendo a elas o que fazer.

Assim, é possível dizer que o Guerreiro Errante de Irakas carrega


em si uma confusão permanente, que é interessante de ser in-
terpretada. No fim das contas, quem realmente dá as ordens? O
que fazer? Essa é uma busca pela magia ou simplesmente uma
busca por Irakon, o dourado? Para você, as chances são de que
a resposta correta seja a segunda opção.

47
oriental. Se o narrador não se sentir Manthilus
confortável indo tão longe, sua Irakas
pode igualmente ser baseada nos paí- “O Sul tingido de dourado dá Norte
ses muçulmanos mais fundamentalis- à Civilização.”
tas ou no Império Bizantino durante a
Idade Média. Em quase todos os cenários de alta
fantasia, existe pelo menos um reino
Não importando a forma como você conhecido, temido ou admirado pela
construir Irakas, tenha em mente força dos feiticeiros que o coman-
que a mentira dos sacerdotes vai dam. Em Othora, esse é o Reino dos
durar pouco tempo. Enquanto mais sahur, o reino de Manthilus.
e mais guerreiros errantes perdem
a esperança de encontrarem algo, e Embora a concepção adequada não
a população aprende a viver sem a seja uma “magocracia”, é verdade
magia, torna-se impossível manter que o reino sempre dispôs dos mais
a farsa. O sacerdote Tanus Kronir, capacitados entre todos os feiticeiros,
sucessor de Simanthalas, admite que com bastante freqüência utiliza-
às pessoas de seu reino que Irakon ram-se da magia para, num primeiro
não vai voltar, causando impacto momento, estabelecer um patamar de
em alguns, desespero em outros, ou excelência para a população ao seu
simplesmente demonstrando para al- redor e, em segundo lugar, manter tal
guns que, durante o tempo inteiro, condição.
estiveram com a razão.
Sahur é o nome do grupo que em tal
Depois da grande revelação, Kronir reino se estabeleceu. Homens de pele
se declara rei-sacerdote, o primeiro escura, rosto tatuado e vestes de cores
verdadeiro líder humano de Irakas, vivas, tornaram-se, historicamente, o
em um contexto turbulento, que em principal ponto de confronto da auste-
poucos anos leva abertamente à guer- ridade belicosa de Antura, com quem
ra civil no Reino do Dragão. Tentando fazem fronteira ao Norte. Os dois rei-
manter algum controle e alcançar uma nos quase que automaticamente se co-
situação de governo viável, Tanus iso- locaram, há muito tempo, em posição
la completamente seu reino do restante de inimigos declarados, e assim per-
das civilizações humanas. Pelo menos manecem, indo de períodos de trégua
até a chegada de Antura. instável àqueles em que os campos são
fatalmente manchados de vermelho.
Quando as pessoas finalmente esque-
cerem que a magia um dia existiu, e O povo sahur nunca foi dado às guer-
dragões já caminharam pelo mundo, ras, mas sua riqueza, a prosperidade da
Irakas será pouco mais do que uma população e, principalmente, as vastas
província anturana de cultura ligei- minas de carvão, atraíram a cobiça dos
ramente exótica para os padrões da vizinhos desde o início, de forma que
metrópole. os magos mais competentes de Othora
resolveram se armar para a guerra, e o
fizeram com perfeição.
48
Decididas a jamais permitirem que Por incrível que pareça, mesmo com
o modo de vida de seu povo fosse os lobos famintos de Antura virados
arrasado pelos imigrantes kompura- na direção de Manthilus, a primei-
nos, as cinco ordens de alta magia de ra grande quebra ocorreu interna-
Manthilus se reuniram e celebraram mente, no momento em que cessou
um pacto místico, abençoado pelo o efeito do Pacto do Rei. Sem uma
alto sacerdote de Dunoanthis, deus força que pudesse mantê-los coesos,
da magia, e também pelo Rei Kalaris os magos culparam uns aos outros
III. O acordo foi chamado de Pacto por “terem acabado” com a energia
do Rei, e impôs sobre os feiticeiros mística do mundo, e incendiaram
de Manthilus uma terrível maldição ainda mais a velha intriga política
de morte, caso algum deles um dia entre as ordens.
viesse a faltar ao povo e à terra.
Presos entre seu juramento ances-
Assim, a ordem do Sul tomou para tral e uma situação cada vez mais
si a função de defesa, de preparar o tensa, muitos membros da Ordem
exército do reino para lutar com o au- do Centro simplesmente desertaram,
xílio da alta magia. A ordem do leste tornando-se os primeiros guerreiros
tornou-se responsável pela segurança (ou magos) errantes de Manthilus.
interna, exercendo jurisdição e poder Para trás, deixaram centenas de ma-
de polícia sobre as pessoas comuns. gos sem poderes, que rapidamente
aprenderam a recorrer a uma arma
A ordem do Norte fez o juramento muito mais mundana: o punhal; pri-
para proteger as minas de carvão meiro, voltando-se uns contra os ou-
mais cobiçadas de Othora e, num tros, depois para a realeza.
sentido geral, a riqueza do povo. A
ordem do Oeste jurou honrar a alta Em meio ao caos da grande perda,
cultura e o conhecimento da terra, o reino de Manthilus se tornou um
guardando as maiores bibliotecas e lugar estranho. Uma grande metró-
poderosos tesouros ancestrais. Fi- pole contemporânea, de repente ten-
nalmente, a ordem do Centro aceitou do que viver sem eletricidade; um
o pesado fardo de, em todos os mo- rebanho jogado às terras selvagens
mentos e todos os lugares, observar e sem um pastor, tudo isso foi o que o
vigiar o trabalho das ordens irmãs. reino se tornou.

Durante séculos, o modo de vida de Apesar de tudo, é possível dizer que


Manthilus foi protegido, e as ordens há esperança. Uma verdade é que,
exerceram seu poder da forma como com exceção de vários membros da
havia sido designado no Pacto do Rei. ordem do centro, poucos foram os
Em meio a boas doses de intriga po- magos que desertaram de suas fun-
lítica e manipulação na corte, muitas ções dentro das ordens irmãs. Mes-
vezes o equilíbrio tênue foi amea- mo não tendo mais a magia arcana
çado, mas nunca rompido, e o reino para auxiliá-los, muitos magos pega-
prosperou. No dia da Grande Perda, ram em armas para manter o controle
tudo isso mudou. que sempre tiveram, enquanto outros
49
cuidam de utilizar o cérebro para ainda mais distópico do que o reino
fazer as vezes do poder perdido. A ocidental de Conth. Enquanto este
população de Manthilus, entre todas último representa a civilização pós-
as pessoas comuns, é de longe a que apocalíptica, o primeiro é um lugar
possui mais fé na busca, e enxergam sem esperanças, dominado pela
os guerreiros errantes como genuí- corrupção das ordens irmãs e com
nos heróis. uma família real que nunca foi forte,
mas que está agora no auge de sua
Em uma interpretação negativa, no fraqueza.
entanto, Manthilus é um cenário

O guerreiro errante de Manthilus


Aqui temos o mais trágico de nossos heróis. O futuro reserva-
va grandes glórias, agora reserva apenas a morte. Diferente do
Guerreiro Errante de Conth, no entanto, que vê seu mundo ser
submergido pelas águas, o Guerreiro Errante de Manthilus sabe
que Antura espreita, e é apenas uma questão de tempo até que o
inimigo se arme bem o bastante para atirar suas forças militares
amplamente superiores sobre os territórios agora precariamente
protegidos. Não é uma perspectiva de exílio em terras estrangei-
ras e sim de ser violentado dentro de casa.

Os magos da Ordem do Centro se tornaram os maiores entre


os Guerreiros Errantes de Manthilus. Se a sua narrativa começa
aqui, há boas chances de que o Dûk da companhia seja um de-
les. No passado já foram homens muito poderosos, mas hoje há
pouco de que possam se orgulhar. Como resultado, tendem a se
tornar nostálgicos, e alguns tentam invocar o antigo poder, mes-
mo que apenas em palavras, rezando para que as pessoas ao seu
redor ainda se lembrem.

Se sua história for projetada um pouco mais adiante, no entanto,


a situação desses guerreiros se torna ainda mais precária, pois
passam a ser ativamente caçados pelos senhores de Antura. De-
pois de dominar os territórios inimigos, o passo seguinte do im-
pério é justamente premiar qualquer um que possa trazer um es-
cravo sahur, ou mesmo provar a morte de um indivíduo nascido
com a shatya. Estes, é claro, são apenas alguns dos crimes que os
anturanos cometerão contra seus mais odiados inimigos. Esteja
preparado para o pior.

50
Independente da interpretação Analisando os fatos futuros de
que você escolha dar a Manthilus, Othora, talvez este seja o maior
positiva ou negativa, a ameaça de crime que o império de Antura
Antura é um fato, e não demorará cometerá. O extermínio da etnia
muito a se concretizar. Mesmo sahur começa pelas linhagens nobres
tendo exércitos ainda poderosos, e continua em direção aos magos.
sem a ajuda da magia o reino não Rapidamente, no entanto, se espalha
é páreo para novas tentativas de para todos os possuidores da shatya,
conquista, e rapidamente perde uma marca de nascença identificada
força e território. na cultura sahur com a habilidade
de praticar magia. Em menos de um
O terror maior, no entanto, está no século, o massacre se torna cruel e
fato de que os anos de rivalidade generalizado. De Manthilus, restarão
não fizeram dos kampuranos construções imponentes, migalhas
apenas inimigos, mas forjaram, de alta cultura, filosofia e fé, além
em verdade, uma relação de ódio. de algum sangue mestiço espalhado
Para os governantes de Antura, se nas regiões mais ermas do império.
um dia a grande perda pudesse ser
revertida, a vingança sahur seria Para Othora, a morte da magia acabou
rápida e mortal; o extermínio seria por significar também a morte do
a única solução. mais mágico de seus povos.

51
52
Parte Três:
Confronto

cheiro horrível dos gases gou algo nessa escuridão?

O do pântano quase sufocava


os guerreiros, embora eles
insistissem em avançar no lamaçal,
- Eu juro! É verd...

As palavras do batedor foram repen-


esperançosos a respeito das respos- tinamente interrompidas, substituídas
tas a serem encontradas do outro por um grito aterrorizante, mistura de
lado. Não bastasse a situação pre- dor e desespero. Se Aylel conseguisse
cária, a fome e a sujeira, a chuva articular uma frase sequer, certamen-
começara impiedosa pouco antes do te teria pedido socorro.
anoitecer, e não dera trégua desde
então. Naquele momento parecia que Ferozes e aparentemente despertos
o próprio universo tentava detê-los, da letargia provocada pelas horas
mas, ainda assim, eles se recusavam passadas no pântano, os guerreiros
a desistir e avançavam, lentamente, levantaram as espadas e correram em
pelas águas fétidas. direção à voz sufocada, erguendo to-
chas na direção do grito, para encon-
Com uma agilidade ímpar, Aylel su- trar o jovem batedor de olhos arre-
bia em árvores e caminhava na lama galados, tentando se debater em vão,
com muito mais facilidade que seus enquanto uma gigantesca constritora
aliados. tentava voltar às águas, incólume.

- Senhor Dûk! Creio ter visto algo Investido com coragem repentina,
adiante! – gritou pendurado em um Garred saltou em meio a raízes e
galho – talvez seja mesmo a cidade lama, a espada cortando teias de
perdida dos Elfos! aranha e o barulho ecoando pelo
- Não seja tolo, Aylel! – Garred gri- pântano, provocando uma revoada
tou de sua parte – acha mesmo que de aves que se ergueram aos céus
alguém vai acreditar que você enxer- de uma árvore próxima. Já não era
53
mais possível ouvir o jovem Aylel, Além de cuidar da natureza dramá-
a água tinha sufocado sua voz in- tica dos confrontos de Busca Final,
confundível. Sem saber o que fazer, no entanto, este capítulo descreve a
o Dûk afundou a espada nas águas, mecânica básica do jogo. A maioria
sedento de sangue, mas não havia dos jogos semelhantes tem muito
mais o que encontrar. O restante da mais mecânicas para resolução de
companhia chegou logo atrás; tudo ações das personagens. Busca Final
acontecera em uma ínfima fração de tem apenas algumas, e pedimos, por
tempo. Veruman, um velho sargento
favor, que você jamais permita que
que se juntara a eles havia algumas
semanas, parou ao lado de Garred. uma necessidade instintiva de vê-
las em ação coloque a sua narrativa
- É assim que nós também termina- em uma direção errada. Eis o códi-
remos, Dûk? go fundamental das regras de Busca
Final, portanto:
Garred ficou quieto por alguns ins-
tantes, como que imaginando que I – Se o jogador deseja levar adian-
resposta poderia dar sem abalar os te uma ação considerada razoável
ânimos dos guerreiros. Aylel não era para o guerreiro errante que in-
o primeiro a morrer, e certamente terpreta, não peça para ele reali-
não seria o último. Havia pouco que zar um teste, apenas diga que ele
podia ser feito para evitar, e preci- conseguiu.
savam seguir adiante mesmo assim.
Estaria se aproximando o ponto em II – Se a ação em questão é pouco
que os homens perdem o que lhes
razoável, acrescente alguma carga
resta de esperança?
dramática antes de dizer que ele
- Não sei, meu amigo, mas tenho que conseguiu.
acreditar que não.
III – Se a ação não é nada razoá-
vel, apenas diga a ele porque seu
personagem jamais conseguiria re-
alizá-la nas circunstâncias em que
O Confronto e a se encontra.

Busca IV – Nos outros casos, peça para


ele realizar um teste, sacando uma
O confronto é a essência da busca. carta do baralho do destino ou
Em verdade, a narrativa de Busca através de sua mão da fortuna, te-
Final se resume a uma progressão
nha certeza de revisar as opções
de confrontos, que podem levar a
companhia – ou cada um dos guer- anteriores, no entanto.
reiros errantes, individualmente – a
um ponto no qual estão preparados Assim, se Cargaroff deseja escalar
para o fim do jogo ou no qual são um dos vários paredões do comple-
completamente descartados, pois sua xo subterrâneo de Instilhia, onde
convicção desceu além de um ponto sua companhia se encontra perdida,
aceitável para continuar lutando. a prudência indica ao narrador não
54
pedir a ele um teste apenas para sa- deradas revelações, essas cartas não
ber se ele caiu ou conseguiu realizar “revelam” qualquer coisa quando
a escalada. O ponto de confronto da sacadas da Mão da Fortuna para um
história está no que escondem as ca- teste; elas só são revelações de fato
vernas de Instilhia, e não em quão quando aparecem no topo do Baralho
escoriados os guerreiros errantes do Destino. São revelações os dois
sairão de lá. coringas, os quatro ases e as doze fi-
guras, e cada um desses grupos tem
suas particularidades.
O Baralho do Destino
Sacado da Mão da Fortuna, o ás se
Algumas vezes cruel, outras vezes comporta como um dois do mesmo
benevolente, o Baralho do Destino, naipe. Não possui qualquer valor
com seus presságios e revelações, inerente, e pouco é capaz de influen-
está sempre no caminho dos guer- ciar o resultado do qual o jogador ne-
reiros errantes em sua busca. Ele é cessita. Quando aparece no Baralho
a forma escolhida para a resolução do Destino, no entanto, o ás possui
de conflitos em Busca Final, justa- valor igual ao da Convicção do guer-
mente porque permite ao jogador um reiro errante que realiza o teste. Se o
pouco de controle do que está por teste resultar em sucesso, tratar-se-
vir, através da Mão da Fortuna, sem, á de um sucesso crítico; o guerreiro
no entanto, excluir o elemento sorte. se saiu muito melhor do que jamais
Na maior parte do tempo, no entan- imaginaria, e o narrador deve condu-
to, são os próprios jogadores quem zir a situação de acordo. Por outro
escolherão se querem contar com a lado, se o resultado é uma falha, o
sorte ou se utilizarão as cartas que guerreiro errante investiu sua con-
têm na manga. vicção para o sucesso e tudo acabou
sendo em vão. Um desastre ocorrerá,
Das 54 cartas de um baralho comum, e o narrador é responsável por fazer
aqui 36 são consideradas pressá- o jogador lamentar.
gios: as cartas numeradas de 2 a 10
nos quatro naipes. Um presságio Na Mão da Fortuna, o coringa vale
não é nada além de um número a ser 1 ponto, mas seu naipe será aquele
adicionado a um valor de atributo que o jogador escolher, inclusive se
como forma de determinar sucesso aproveitando de uma eventual “ex-
ou fracasso em um teste. Em Busca plosão” do topo do baralho, como ve-
Final, revelar um presságio do topo remos mais adiante. Tendo em men-
do Baralho do Destino tem como te que o sistema de cartas de Busca
único efeito somar o valor da car- Final associa os diferentes naipes
ta para um teste. As revelações, no a diferentes inclinações, o coringa
entanto, não possuem essa natureza também pode transformar uma falha
igualmente simples. horrenda em uma falha mediana, ou
um sucesso mínimo em um sucesso
O baralho do destino possui 18 reve- superior. Quando sacado do baralho
lações. Embora sejam sempre consi- do destino, no entanto, o coringa é
55
o poder de conduzir a cena. No mo- também recomendamos usar baralhos
mento em que a revelação aparece, o com estampas diferentes na parte de
jogador passa a ter o controle daque- trás da carta, como a maioria dos
le confronto, podendo decidir como conjuntos que são vendidos em pa-
ele termina (provavelmente, de for- pelarias ou lojas de brinquedos, com
ma favorável à companhia). dois maços de 54 cartas, sendo que
cada um geralmente possui o verso
Sacadas da Mão da Fortuna ou do de uma cor.
Baralho do Destino, as figuras valem
7 pontos dentro de seus respectivos
naipes, ou seja, um sucesso quase Solução de Conflitos
garantido. Cada uma delas, no en- pelo Baralho do Destino
tanto, está associada a um atributo
específico, para o qual pode obter A mecânica básica de solução de
um sucesso crítico, se aparecer do conflitos em Busca Final é bastante
Baralho do Destino na hora certa. A simples. Em todas as vezes nas quais
Dama impulsiona os testes de Expe- a resolução de uma ação dentro do
riência, enquanto o Valete impulsio- confronto fizer com que o narrador
na a Valentia, e o Rei impulsiona a imponha um teste ao jogador prota-
Presença. Quando um deles aparece gonista, ele deve optar entre sacar
no momento certo, faz com que um uma carta do Baralho do Destino ou
sucesso comum se torne um sucesso utilizar uma das cartas de sua Mão
excepcional, com potencial para mu- da Fortuna. Para que obtenha suces-
dar os rumos do confronto ao qual o so, a soma entre o valor do atributo e
guerreiro errante está submetido. A os pontos atribuídos pela carta deve
forma como isso ocorre, no entanto, ser maior ou igual a 9.
é critério do narrador.
Essa mecânica vale em todas as ve-
Usar mais de um Baralho do Desti- zes nas quais estivermos falando de
no para um único grupo não apenas um teste não resistido, ou seja, o
é possível como é recomendável. A guerreiro errante enfrenta uma força
forma correta de fazê-lo, no entanto, comum da natureza que, embora seja
é definir anteriormente qual o ba- um obstáculo, não pode ser classi-
ralho de cada grupo de dois ou três ficada como outra personagem. Em
jogadores e não misturá-los, criando sua busca, os protagonistas desse
pilhas de descarte separadas e Mãos jogo muitas vezes se lançam contra
da Fortuna sacadas sempre do mes- obstáculos de forma aparentemente
mo lugar. Com essa organização, estúpida; a verdade é que, na maior
disponibilizar dois ou três maços de parte do tempo, eles simplesmente
cartas certamente tornará seu jogo não possuem uma escolha.
mais dinâmico, e diminuirá o núme-
ro de situações nas quais as cartas do Exemplo: Cargaroff, um guerreiro
baralho acabam e é necessário em- errante de poucos invernos e Valen-
baralhar a pilha de descarte no Bara- tia 6E, se encontra diante de uma
lho do Destino novamente. Para isso, criatura nunca antes vista, um lobo
56
das estepes. Seu impulso mais primi- pode não ser o dia do nosso guerrei-
tivo é fugir dali, mas Cargaroff não ro, e talvez ele precise da ajuda de
é exatamente o que se pode chamar algum dos companheiros para pagar
de um medroso. Mesmo assim, por se sua estalagem!
tratar de uma situação inédita para
o protagonista, o narrador decide Em uma situação de teste resistido,
que o risco da falha vale o teste. é possível que ocorra um empate
entre a soma de atributo mais carta
Jamais cedendo ao vício da covar- das duas personagens envolvidas. Se
dia, Cargaroff testa o atributo que for este o caso, todos os empates do
reflete a coragem do guerreiro er- jogo são assim resolvidos: a carta
rante. Se conseguir uma carta igual sacada cujo naipe corresponda àque-
ou superior ao 3, será bem sucedido. le tipo de ação é sempre vencedora.
Neste exemplo, Cargaroff sacou um Se o naipe também for igual, vence
7 de copas do baralho do destino, e a personagem com maior Convicção.
manteve-se firme diante da criatura; Se o empate persistir, cabe ao narra-
uma história para ser narrada por dor, no benefício da história, definir
seus aliados na companhia, quando quem foi o vencedor.
voltarem ao reino de Conth.
Tanto nos testes simples quanto nos
Em alguns momentos, o guerrei- resistidos, existe a possibilidade do
ro errante não estará apenas contra jogador conseguir “explodir” a pilha
suas próprias chances, mas enfren- de cartas, sacando de acordo com o
tando a habilidade de outro perso- naipe que está envolvido no teste.
nagem. Nestes casos, ao invés de se Isso vale igualmente nas cartas do
aplicar a dificuldade 9 da mecânica topo do Baralho do Destino e na-
básica, vence aquele que conseguir quelas sacadas da Mão da Fortuna
o melhor resultado, somados a carta (é justamente o elemento que torna
e o atributo. vantajosa a presença de um coringa
como carta da manga).
Exemplo: Mais adiante, passan-
do pelo Grande Bazar da cidade de Quer dizer que, quando um jogador
Hakan-gull, Cargaroff se encontra saca em um teste uma carta cujo nai-
às voltas com um ladrãozinho ordi- pe é adequado ao que está sendo tes-
nário, que tenta, de passagem, levar- tado (espadas para físico, ouros para
lhe algumas moedas. Cargaroff testa mental, copas para social e paus para
sua Experiência 2O que deve servir espiritual), ele pode imediatamente
para livrá-lo desse tipo de situação, revelar a carta seguinte do Baralho
enquanto o pobre ladino, testa sua do Destino e acrescentar seu valor
pouca Convicção 2C – obviamente, ao teste. Se a carta revelada também
ele não sabe que está tentando pas- tiver o naipe adequado, o teste ex-
sar a adaga na bolsa de um guerrei- plode novamente e mais uma carta
ro errante. Neste exemplo, Cargaro- é revelada, e assim por diante, até
ff obtém um 5 de paus, enquanto o que seja revelada uma carta de outro
ladrão obtém um 9 de ouros. Hoje naipe. Em todas as vezes nas quais
57
explodir a pilha, o jogador poderá, daquelas descritas excepcionalmen-
ao final, sacar a carta do topo do Ba- te, em todas as vezes nas quais sua
ralho do Destino para a sua Mão da Convicção aumentar, o Guerreiro Er-
Fortuna, respeitando-se seu limite rante pode sacar uma carta para sua
estabelecido. Mão da Fortuna. Da mesma forma,
sempre que sua Convicção diminuir
A Mão da Fortuna ele deve ser obrigado a descartar
uma carta e, se já estiver de mãos va-
Principal representativa do controle zias, ter sua Valentia diminuída em
que os protagonistas mantêm sobre a um ponto.
história, a Mão da Fortuna permite
aos jogadores decidirem em quais Exemplo: Nas Cavernas de Insti-
momentos é importante suprimir o lhia, ao confrontarem a pista de uma
elemento aleatório em favor de um civilização antiga que teria ensina-
resultado certo. Trata-se, no entanto, do magia aos sahur, os Guerreiros
de um recurso escasso, que o joga- Errantes da Companhia das Águas
dor sábio guardará para os momen- Cinzentas não apenas nada obtêm,
tos verdadeiramente decisivos, como como vêem sua Convicção ser abala-
veremos adiante. da mais uma vez, diante da falha do
Dûk em lhes oferecer o Discessio. O
No início do jogo, cada jogador terá narrador decreta a perda de Convic-
uma Mão da Fortuna de três cartas ção para todos os membros do gru-
– aquelas mesmas que não foram uti- po, pois se tratou certamente de um
lizadas nos atributos de seu persona- confronto que resultou em fracasso
gem, durante a criação. Esse é o va- generalizado. Cargaroff, que a essa
lor inicial, mas não o valor máximo. altura possui uma Mão da Fortuna
Em um dado momento, cada jogador de uma mísera carta, falha no teste
poderá acumular até um máximo de de Integridade da companhia e, além
três cartas mais metade do valor do de perder Convicção, é obrigado a
atributo Poder da companhia, sempre descartá-la. Se não tivesse mais uma
arredondado para baixo. mão da Fortuna, veria sua imponente
Valentia de 6E ser reduzida para 5E.
Exemplo: Cargaroff, membro da
Companhia das Águas Cinzentas, Os oponentes, assim como todas as
possui uma Mão da Fortuna máxima outras personagens não-protagonis-
igual a 5: três mais metade de 5, o tas, se permitem guiar pela mão invi-
valor do Poder de sua Companhia, sível do destino o tempo inteiro. Isso
arredondado para baixo. significa que mesmo aqueles antago-
nistas considerados mais importantes
Algumas situações descritas ao lon- para sua história não terão uma Mão
go deste livro permitem ao Guerreiro da Fortuna. Exercer controle sobre o
Errante sacar uma carta extra do Ba- resultado de suas ações é prerroga-
ralho do Destino para a sua Mão da tiva exclusiva dos protagonistas em
Fortuna. Outras fazem com que ele Busca Final.
descarte uma ou mais cartas. Além
58
A Mão da Fortuna nunca pode su- Tendo isso em mente, as regras de
perar o limite imposto pelo nível de combate que se seguem apresentam
Poder da companhia. Se algum ele- um altíssimo nível de letalidade. Na
mento do jogo faz com que o jogador verdade, é difícil imaginar uma cena
saque cartas do Baralho do Destino de batalha narrada sem que pelo
para sua Mão da Fortuna até que a menos alguns dos guerreiros erran-
quantidade seja maior do que esse li- tes venham a falecer tragicamente,
mite, ele deve descartá-las imediata- e pode acontecer que um ou mais
mente, antes de fazer qualquer outra deles sejam, de fato, protagonistas.
escolha ou utilizar a Mão da Fortuna Esses mesmos protagonistas têm
em algum teste. O próprio jogador algumas prerrogativas que podem
escolhe o que vai descartar, selecio- auxiliá-los a enganar a morte, mas
nando o conjunto que lhe parecer não para sempre.
mais interessante manter.
Este é um jogo de narrativa trágica;
pode terminar com sucesso, mas nada
Combate indica que seja dessa forma. Assim,
os jogadores devem estar preparados
Este é um jogo sobre guerreiros. Des- para se desprenderem de guerreiros
ta forma optamos por tornar o com- errantes específicos que venham a
bate o único sistema dramático que, interpretar, pois o foco não é cada
diferente da simplicidade em todo o personagem individual, e sim a saga
restante, possui regras próprias, im- da Companhia como um todo.
plicações únicas, e uma forma espe-
cífica de ser conduzido pelo narrador Valentia e Presença são os atributos
e pelos protagonistas. que determinam, em boa parte, o re-
sultado nos combates. Se você teme,
Em outros jogos parecidos, o com- como poderá enfrentar? Antes de
bate tem um papel muito mais cen- qualquer carta ser sacada para ata-
tral. Em Busca Final, é importante ques, defesas e coisas parecidas, os
saber como os Guerreiros Errantes combatentes devem realizar um teste
se comportam diante de uma situa- resistido, em que o atacante testa sua
ção de batalha, mas você cometerá Valentia contra a Presença do opo-
um erro grave se fizer desse tipo nente. Se o atacante for bem suce-
de situação o alimento principal da dido, o combate segue adiante com
narrativa. O que queremos dizer é o seu ataque. Se o defensor for bem
que utilizar um combate contra ban- sucedido, ele tem a escolha de termi-
doleiros na floresta para animar um nar o combate naquele momento com
pouco as coisas quando a sessão de uma manobra de subjugar, que pode-
jogo estiver arrastada não é uma boa ria ser um desarme, apresamento ou
idéia, é simplesmente uma tentativa derrubada, além de qualquer outra
de ocultar um nó na narrativa, ao in- idéia interessante e que pareça ra-
vés de tentar genuinamente desatá-lo zoável para a narrativa. Além disso,
com boas idéias. poderá ele mesmo atacar, dando con-
tinuidade ao combate. De qualquer
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forma, o lado vencedor dará rumo à contra a Valentia 6O do agressor.
seqüência seguinte. Ele obtém um 3 de ouros no baralho
do destino, enquanto Valis obtém
Neste ponto já começam a aparecer um 2 de copas. É pouco, mas o bas-
as vantagens dos protagonistas, que tante para fazer o oponente tremer.
têm muito menos chances de sim- Sua presença aterradora é lendária,
plesmente borrarem as botas quando e toca o coração do mercenário de
se inicia uma seqüência de ataque. Irakas no momento em que se vêem
Assim sendo, um jogador pode optar frente a frente no combate. Com o
por descartar uma carta de sua mão controle da narrativa, que o permite
da fortuna como forma de impedir descrever um momento de subjuga-
que sua personagem fraqueje dian- ção, o jogador que interpreta Valis
te de adversários aterradores. Neste determina que seu oponente vacile
caso, o Guerreiro Errante se posi- por tempo bastante para que ele
cionará para a batalha mesmo se for rapidamente, com um movimento
derrotado no teste, não podendo ser curto da zward, arremesse o macha-
subjugado ou atacado antes de reali- do para longe, deixando o inimigo
zar seu ataque. completamente indefeso.

Exemplo: Quando sua companhia Uma única jogada representa toda


se vê diante de um grupo de merce- a seqüência de combate entre dois
nários de Irakas, Cargaroff não va- oponentes. Nela, os guerreiros erran-
cila em sacar sua zward, em nome tes e seus adversários fintam, trocam
de seu glorioso Dûk e partir para golpes de espada, cortam uns aos ou-
o combate. Nosso guerreiro erran- tros, cospem, gritam, dão rasteiras,
te possui Valentia 6E; o mercenário jogam lama nos olhos do oponente...
que agora se encontra diante dele, Encorajamos tanto o narrador quanto
possui Presença 5C. A carta obtida o jogador a descreverem ricamente
por Cargaroff, é um 5 de copas, en- essas seqüências, pois são justamen-
quanto seu oponente obtém um 3 de te elas que darão cor a uma batalha
espadas. Olhando nos olhos de seu que, de outra forma, é resolvida com
oponente, o mercenário percebe que o saque de duas cartas.
Cargaroff não recuará por um ins-
tante sequer, e se prepara para re- A narrativa de uma jogada de ataque
ceber o golpe no peitoral de aço já é livre. A jogada de ataque represen-
castigado pelas batalhas. ta um golpe fatal, capaz de retirar
um dos oponentes do combate e com
Exemplo II: Valis, aliado de Car- sorte (ou azar!) levá-lo ao Reino dos
garoff na Companhia das Águias Mortos. A jogada de ataque é feita
Cinzentas, é um guerreiro errante num teste resistido de Valentia (para
que já sobreviveu a muitas bata- o atacante) contra Experiência (para
lhas. No mesmo combate, um dos o defensor). Isso determina se um
mercenários saca seu machado e personagem conseguiu ferir signifi-
tenta decepar a cabeça do guerrei- cativamente seu oponente.
ro. Valis possui uma Presença 8P,
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Exemplo: Cargaroff está atacando suficiente: nosso guerreiro errante é
furiosamente um mercenário! O ad- um bom espadachim, e após esquivar
versário de Irakas tem Experiência de alguns golpes de machado (e ser
4E. Cargaroff tirou um 5 de ouros atingido por um chute bem coloca-
em seu baralho do destino, o que dá do...), acerta em cheio o pescoço do
um respeitável resultado 10, uma vez inimigo, que cai inerte no campo de
que sua Valentia é 6E. O mercená- batalha.
rio consegue um 4 de copas. Não é

Desafiando a Morte
É melhor que nós sejamos honestos: o jogador cria a personagem
disposto a se envolver em um jogo que pressupõe um alto nível
de simbolismo, narrativa arrojada e desenvolvimentos profundo
ao longo de uma construção compartilhada. Tudo isso, no entan-
to, pode ir por água abaixo se o primeiro confronto acaba por
significar também o primeiro guerreiro errante indo para a pilha
de descarte e sendo substituído por um novo. Sessão seguinte,
nova personagem, nova morte, e assim por diante, até o jogador
já não ter mais qualquer interesse em investir-se emocionalmente
com o guerreiro errante que criou para sua aventura de Busca
Final.. Essa, infelizmente, é uma situação comum em muitos jogos
semelhantes, e nós gostaríamos de evitá-la por aqui.

O primeiro passo é afastar critérios objetivos que determinam a


morte das personagens. Nada de pontos de vida, níveis de vita-
lidade ou qualquer elemento parecido: o guerreiro errante morre
quando os elementos da história ao seu redor indicam que ele
tem que morrer.

Dito isso, porque não permitir também ao jogador ter controle


sobre essa situação? Desafiar a morte dá poder ao guerreiro er-
rante, mas também o coloca em um risco que ele normalmente
só corre em contextos específicos. A finalidade aqui é, mais uma
vez, compartilhar com os protagonistas o controle que é tradi-
cionalmente exercido pelo narrador. Você desafia a morte em
busca de uma vantagem para o guerreiro errante, mas passa a ser
totalmente responsável pelo resultado de sua escolha. Se a per-
sonagem acaba por encontrar um fim trágico, foi a condução do
jogador protagonista que levou àquele momento. Compartilhe o
poder, mas responda pelos resultados!

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Em caso de sucesso, o oponente cai- primeiro e sacar imediatamente uma
rá inconsciente ou morto. Quer dizer, carta do Baralho do Destino para sua
se for um guerreiro errante, cairá in- Mão da Fortuna!
consciente. Por outro lado, se for ou-
tro personagem qualquer, ou ainda, Finalmente, como colocamos acima,
um guerreiro errante desafiando a o Guerreiro Errante normalmente não
morte, cairá morto. morre, mas fica inconsciente quando
é atingido pelo golpe mortal de um
Caso o defensor vença o teste, ele inimigo. Se, a partir daí, a narrativa
pode terminar a luta, subjugando seu conduzir para uma situação na qual
oponente de forma idêntica ao que sua morte se torna óbvia, então ele
é possível no início do combate, ou de fato seguirá de uma mera incons-
pode ele mesmo realizar seu ataque, ciência para a morte de fato.
invertendo a disputa e reiniciando o
processo descrito acima. Quando Cargaroff se encontra em
um enfrentamento contra um grupo
No exemplo anterior, se o mercená- de mercenários cruéis e sanguino-
rio tivesse sido bem sucedido, teria a lentos, conhecidos por não deixarem
opção de subjugar Cargaroff. Como sobreviventes por onde passam, é
isso seria muito mais eficaz em um claro e evidente na situação do com-
duelo do que no caos da batalha en- bate que, se o Guerreiro Errante vier
tre as duas companhias, ele também em algum momento a ficar indefeso
poderia simplesmente inverter o pro- diante de tais homens, eles não hesi-
cesso e realizar seu próprio ataque, tarão em cortar seu pescoço.
com a Valentia resistida pela Experi-
ência de Cargaroff. A exceção a essa regra é o Guerreiro
Errante que desafia a morte. No cam-
Em alguns combates, não é imedia- po de batalha não é incomum eles
tamente claro quem de fato tomou praguejarem contra os espíritos e
a iniciativa do ataque. Na verdade, deuses da morte, desafiando-os pelo
quando isso ocorrer, é porque ambos controle do seu destino. A qualquer
os lados são autoconfiantes o bastan- momento, durante uma situação na
te para acreditarem que podem tomar qual a narrativa pode levá-lo à morte,
a iniciativa da batalha e serem bem- o guerreiro errante tem a prerrogati-
sucedidos. Trata-se, obviamente, de va de desafiá-la. Ao fazê-lo, o joga-
uma situação na qual a Convicção é dor acrescenta três cartas sacadas do
o atributo que manda. topo do baralho do destino à sua mão
da fortuna. Uma vez feito o desafio,
Assim sendo, quando ambos os par- ele apenas pode ser retirado em um
ticipantes do embate quiserem a ini- momento que não envolva risco de
ciativa da batalha, deverá se realizar morte, pelo descarte de três cartas da
um teste resistido de Convicção. mão da fortuna.
Aquele que sair vencedor tem o con-
trole da narrativa, e pode escolher Enquanto um Guerreiro Errante de-
entre atacar primeiro ou ser atacado safia a morte, qualquer elemento da
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narrativa que o levaria à inconsci- cal. Por tal esconderijo, o Dûk acaba
ência e pessoas comuns à morte, ao pagando o mesmo que lhe custaria
invés disso o levará à morte. Para al- um bom quarto.
guns, no entanto, uma morte gloriosa
é um destino mais fácil do que tentar Embora a jornada física tenha o po-
restaurar a magia do mundo, e não der de abalar o Guerreiro Errante,
são poucos aqueles que faleceram ela não é capaz de lhe roubar a con-
dessa forma desesperada, por terem vicção na busca. Estamos falando,
se arremessado à frente do perigo. afinal, de indivíduos que abando-
nam tudo para entrar numa aventura
O Confronto como de pouca ou nenhuma esperança. O
Elemento da Busca indivíduo que se torna um Guerreiro
Errante é, em regra, capaz de supor-
Sacar cartas e resolver disputas com tar privações maiores que aquelas
momentos únicos de sorte ou saga- pelas quais passam as pessoas co-
cidade pode ser bastante divertido, muns, pois está movido por um ideal
mas está longe de ser o foco de Bus- grandioso e pela própria companhia,
ca Final. O confronto que descreve- que nutre seu espírito.
mos aqui se passa, ao mesmo tempo,
fisicamente e mentalmente para o O que mina a convicção do Guerrei-
Guerreiro Errante, e podemos dizer ro Errante no dia a dia, no entanto,
que é narrado noventa por cento do é o aspecto mental do desafio. Aqui,
tempo (pelo conjunto dos participan- quando o mundo lhe mostra que to-
tes) e jogado apenas no restante. lerância às provações não é o bas-
tante, é onde o guerreiro fraqueja
É físico porque a jornada é física. Os e se desespera, principalmente se a
guerreiros errantes vão de embarca- integridade da companhia estiver em
ções instáveis em alto mar ao centro baixa, ou se o Dûk já não for mais
das maiores cidades do continente. capaz de dar aos seus comandados o
Igualmente, passam de aldeias ha- efeito de Inflatus.
bitadas por homens muito antigos às
selvas dominadas por animais sel- Como jogador-narrador, você deve
vagens e perigosos. Na maior par- enfatizar esse aspecto sempre que
te do tempo, estão cansados e com possível, mostrando aos jogadores
fome; mesmo quando têm como pa- como uma viagem de objetivo duvi-
gar pelo conforto, pois às vezes ele doso pode minar um indivíduo dia a
não existe, ou não é viável. Na ci- dia. Não tenha medo de perder tem-
dade de Omora, no sul da Antura, a po em longas descrições dos locais e
Companhia das Águas Cinzentas de das situações pelas quais os Guerrei-
Cargaroff poderia ficar confortavel- ros Errantes têm de passar, pois isso
mente instalada no melhor estabele- dará aos seus jogadores-protagonis-
cimento da cidade, mas opta por se tas um sentimento mais aproximado
esconder junto com cavalos em um do que significa fazer parte de uma
estábulo, pois sabem que não podem companhia realizando uma grande
gerar desconfiança da população lo- busca. Não é fácil e é inglório na
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maior parte do tempo, pois, por in- individualmente ao fim do jogo.
crível que pareça, boa parte da popu-
lação não nutre qualquer amor pelos Diferente de outros jogos semelhan-
Dûks e seus comandados. tes, Busca Final é preparado para ter
princípio, meio e fim (ou, se você
Como jogador-protagonista, você preferir: prelúdio, confronto e fim).
deve procurar vivenciar a angústia O Guerreiro Errante não é um indiví-
do Guerreiro Errante e interpretar a duo jogado ao mundo para conseguir
partir daí. Perder Convicção diante glória, poder ou riqueza. Ele tem um
de um confronto mal-resolvido não objetivo específico que delineia as
é meramente mudar um número no suas ações e que, ao final, o levará
registro da personagem e praguejar para um clímax que não é só impor-
a sorte: é um momento de reflexão tante, é necessário para que este jogo
(às vezes deturpada) sobre a derro- de narrativa seja viável dentro de sua
ta. Cada vez que diminui sua Con- proposta.
vicção, o Guerreiro Errante se afasta
um pouco mais da busca. Ao contrário do desenho animado
em que os garotos perdidos ficam se-
Do lado contrário, o confronto bem- parados da volta pra casa sempre por
sucedido que provoca aumento na mínimos detalhes, e essa premissa
Convicção do Guerreiro Errante pode render várias temporadas, cada
(orientando-o para o fim do jogo) uma com vinte ou mais episódios, o
também é um momento de reflexão. tema de Busca Final se esvai rapida-
Assim como o confronto fracassado, mente se as sessões de jogo passam
pode ser deturpado pelo turbilhão sem que o confronto que leva ao Fim
de sentimentos de envolvem a bus- de Jogo apareça. Você sempre pode
ca, fazendo com que o protagonista iniciar uma nova busca, com uma
enxergue uma vitória grandiosa na- companhia ou mesmo com propósi-
quilo que, em verdade, é um pequeno tos totalmente diferentes, mas não
avanço que, ainda assim, esconde a permita que sua paixão por um gru-
derrota que virá no fim. po de personagens ou por uma dada
história faça com que ela se projete
Ora, a essa altura já ficou clara a por mais tempo do que deveria. Em
importância do confronto, e por- verdade, tenha em mente desde o iní-
que entendemos que a narrativa de cio o seu final, com ou sem a vitória
Busca Final é na verdade uma pro- dos Guerreiros Errantes.
gressão de confrontos. O objetivo
desta sessão é justamente orientar
o narrador a respeito de como pre- Formulação
parar sua narrativa de Busca Final
como uma progressão de confrontos Como dito antes, tenha em mente
e conduzir os jogadores-protagonis- que Busca Final é uma experiência
tas através deles, com as posteriores narrativa limitada. Sendo assim, a
conseqüências e, finalmente, levan- primeira parte do processo de for-
do a companhia ou seus membros mulação é justamente responder al-
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gumas perguntas fundamentais que Sua resposta pode ir do trivial ao
determinam os limites de tal experi- assombroso, do reversível ao irre-
ência. Uma vez que você tenha uma versível, do trágico ao cômico, tudo
compreensão, se não precisa, pelo a seu critério. Elaboramos alguns
menos aproximada, de por onde pas- exemplos de formulações possíveis
sará a saga dos Guerreiros Errantes, ao final, mas elas são apenas a ponta
você estará pronto para pensar nos do iceberg criativo que está proposto
confrontos individualmente, mas aqui.
primeiro é necessário ter um projeto
para a sua saga. Não caia jamais no erro de come-
çar sua história sem saber onde ela
Por quantos confrontos verda- termina! Você certamente formula-
deiros os protagonistas passa- rá alguns confrontos verdadeiros e
rão? outros falsos, que levarão os Guer-
reiros Errantes ao objetivo da Busca
Não é necessário que você dê um Final, mas faça tudo isso baseado no
número preciso de confrontos, mas conhecimento a respeito do que eles
é importante que você tenha uma vi- precisam descobrir. Quando souber a
são pelo menos aproximada. Vinte e resposta para essa pergunta, passe às
sete não é uma boa resposta; de vin- perguntas seguintes.
te e cinco a trinta sim. Mesmo que a
saga acabe por se resolver em vinte e
três episódios de confronto, ou mes- A história dos guerreiros é trágica
mo que ela se prolongue por mais de ou gloriosa?
trinta, você terá uma noção de qual é
a zona onde gostaria de estar, e isso Pode parecer cruel, mas uma das
ordenará melhor seus pensamentos formas de narrar Busca Final é for-
para as etapas seguintes. mulando confrontos que fatalmente
levam ao fracasso. Quer dizer, desde
o início você tem consciência de que
O que aconteceu com a magia os Guerreiros Errantes, em verdade,
de Othora? jamais chegarão ao fim da busca e
jamais descobrirão de fato o que
Talvez você não esperasse ter que aconteceu com a magia de Othora.
responder a essa pergunta. De fato, Você deve determinar se sua busca é
Busca Final poderia vir com uma trágica ou gloriosa também no início,
resposta pronta, mas isso certamen- o que os protagonistas só saberão
te diminuiria o valor de se jogar quando o fim estiver próximo, talvez
novamente, sem contar que poderia ao observarem que os confrontos pe-
estragar a experiência daquele joga- los quais passam minam a Convicção
dor que, sendo protagonista em uma de seus personagens o tempo inteiro,
história, é também narrador, ou sim- oferecendo pouca esperança em tro-
plesmente teve a oportunidade de ler ca, e a Experiência também teima em
este livro. não evoluir.

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O verdadeiro teste dos guerrei- Defina, portanto, se seus Guerreiros
ros é um teste de Convicção ou Errantes precisam suportar prova-
Experiência? ções, mergulhar em mistérios ou as
duas coisas.
Como descrito antes, Convicção e
Experiência são as duas principais
características de um Guerreiro Er- Há esperança de volta?
rante, por um motivo simples: são os
dois elementos que resolvem o jogo, Deixamos por último a pergunta
carregando-o para o fim. O narrador que, talvez, seja a mais importante.
deve decidir, no entanto, ao iniciar Você já sabe se a narrativa dos Guer-
sua história, para qual dos dois as- reiros Errantes é trágica ou gloriosa.
pectos o núcleo da Busca se voltará. Se for trágica, não há muito que se
perguntar aqui. Se for gloriosa, no
Caso o núcleo se volte para a Con- entanto, seu ciclo tem a possibilida-
vicção, aquele Guerreiro Errante que de de se dividir em duas partes, de
conseguir se manter, testando sua acordo com sua resposta para a per-
força de vontade, que será perma- gunta acima.
nentemente desafiada pelos confron-
tos pelos quais passará, chegará ao Quando a busca chega ao final, os
fim do jogo quando sua Convicção protagonistas podem descobrir o
estiver no limite. É meramente uma que aconteceu com a magia do mun-
questão de não desistir da busca. do. Se não há esperança de volta,
é onde tudo termina. Embora haja
Por outro lado, se a Experiência guia glória, o resultado não é o que se
a busca. O Guerreiro Errante não espera, pois Othora é um continente
pode confiar apenas na sua força de fadado a ter para sempre a aura páli-
vontade, ele deve fazer as escolhas da dos mundos onde o sobrenatural
certas no momento certo, para que inexiste.
elas aumentem o seu conhecimento e
ele possa chegar a uma resposta. Da Por outro lado, talvez o processo
mesma forma, o fim do jogo se enca- seja reversível. Se assim for, o se-
minha no momento em que a Experi- gundo ciclo da busca se inicia: o que
ência alcança o seu limite. os Guerreiros Errantes podem fazer
para que Othora volte a ser um con-
É possível também promover uma tinente mágico? De forma idêntica
narrativa mista (em verdade, ne- ao primeiro ciclo, o segundo não vai
nhum dos dois aspectos é capaz de começar antes que você saiba como
descartar completamente o outro), ele deve terminar. Tenha em mente
mas, via de regra, sua narrativa po- o cuidado para não transformá-lo
derá ser mais bem ordenada e, con- numa mera continuação da saga, e
sequentemente, mais dinâmica, se sim em um segundo ato de uma his-
você optar por um dos dois. tória que não terá mais do que dois.
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Se assim desejar, você pode deixar certamente será uma escolha acer-
algumas pontas soltas do primeiro tada. Outro elemento em tal espécie
ciclo para serem amarradas durante de enfrentamento é a privação física,
o segundo. Essa sensação de con- direcionada a abalar a Convicção do
tinuidade é importante, e se você Guerreiro Errante. Uma primeira es-
encerrar a história respondendo a colha seria utilizar esse tipo de ele-
todas as perguntas que surgiram mento, ao invés de no início da saga,
anteriormente, dará aos jogadores- ao final, submetendo o guerreiro à
protagonistas uma sensação agradá- tortura física, antes de encontrar o
vel de que, definitivamente, tudo foi conhecimento verdadeiro.
narrado até o limite.
O confronto de copas é um confron-
Uma vez que tiver respondido a to social. Nele os Guerreiros Erran-
todas as perguntas acima, o narra- tes podem se colocar frente a frente
dor estará pronto para formular os com o próprio mundo que os cerca,
confrontos individualmente. Deixe e devem fazer prevalecer, para quem
sempre espaço para improviso, tan- quer que os julgue, a importância da
to da sua parte quanto dos jogado- busca que realizam. Uma coisa é
res. Isso significa que formular cada saber que, talvez, os sacerdotes de
confronto completamente não é a Irakas tenham uma pista adequada
melhor escolha, sendo muito mais que levaria a companhia numa di-
interessante dar direções básicas, reção correta. Outra, completamen-
como o local onde ocorre e quais te diferente, é convencê-los de que
são os principais eventos e persona- fariam bem em ajudar. Tal tipo de
gens associados. Você pode também confronto abre espaço também para
marcar seus confrontos de acordo que os jogadores desenvolvam mais
com os naipes do Baralho do Des- as personagens, representando-as
tino, para determinar o tipo de pro- propriamente.
vação envolvida para os guerreiros
errantes. Uma saga ideal terá con- O confronto de ouros é o confronto
frontos de toda espécie, num ciclo mental. Mais do que meramente tes-
que começa entre os naipes de copas tar o intelecto dos guerreiros (e, mais
e espadas e termina certamente no ainda, dos jogadores), o confron-
naipe de paus, quando o lado espiri- to mental tem a tarefa de testar sua
tual da busca pode aflorar. sanidade, quando a busca começa a
ganhar corpo, e suas descobertas ad-
O confronto de espadas é um con- quirem o potencial de moldar a Con-
fronto físico. Reflete a necessidade vicção. Você deve colocar a maioria
dos Guerreiros Errantes de, eventu- dos confrontos mentais mais adian-
almente, colocarem o corpo em pro- te, pois eles sinalizam a direção
vação. O combate em si não pode ser adequada a seguir antes de desco-
considerado o confronto, mas sua in- brir a verdade da Grande Perda.
clusão em um confronto de espadas
67
Finalmente, quando os elementos desafio para o outro como se esti-
da busca se afunilam e a verdade se vessem jogando um jogo de cartas
aproxima, é possível, se você assim qualquer. Busca Final é um jogo de
desejar, colocar os jogadores em narrativa, as mecânicas para reso-
confrontos de natureza espiritual. Se lução de conflitos devem ficar em
isso ocorrer, sinaliza-se que a bus- segundo plano, e não existem mecâ-
ca é frutífera, pois os sinais que os nicas para a resolução do confron-
Guerreiros Errantes encontrarão cer- to propriamente: isso você deverá
tamente são de uma espécie que nin- promover contando a história junto
guém mais tem visto durante muito com os jogadores-protagonistas.
tempo. Como o sucesso se aproxima
em tal momento, você deve guardar Isso posto, temos algumas ferra-
os confrontos de paus para o final, e mentas que podem auxiliar na re-
fazê-los na menor quantidade. solução dos confrontos, inclusive
sendo uma delas a mecânica de re-
Se você utiliza Busca Final para nar- solução pelas cartas. Outro exemplo
rar uma história que não seja a saga de mecânica que pode auxiliar é o
dos Guerreiros Errantes de Othora, sistema de criação em andamento
no entanto, a ordem acima sugerida tanto individual quanto coletiva
perde o sentido. Assim sendo, sinta- que, se bem usado em conjunto com
se livre para organizar seus confron- o grupo, pode dirimir situações que
tos da forma como melhor servirem os jogadores se perdem e ficam em
à história narrada, e em quantidade um impasse diante do confronto
que represente aquilo que você pre- proposto.
tende narrar. Uma vez formulada
a estrutura dos confrontos em sua Enquanto o jogo se desenvolve e
saga, é hora de pensar na forma pela os confrontos passam a ter um es-
qual eles serão resolvidos. copo mais arrojado, já direcionado
ao fim do jogo, cabe ao narrador
também trabalhar para que sua re-
Resolução solução se torne progressivamente
mais complexa. Os primeiros con-
Resolver os confrontos em Busca frontos de uma companhia podem
Final não é muito diferente de con- ser facilmente resolvidos por um
duzir uma narrativa em qualquer diálogo bem estruturado do joga-
outro jogo semelhante pelo qual dor que interpreta o Dûk, que tal-
você já tenha passado. O elemento vez seja combinado com um teste
importante, no entanto, é não per- do Baralho do Destino para alguma
mitir que a resolução dos confron- finalidade. Quando os Guerreiros
tos se transforme meramente em um Errantes estão com a Convicção e a
eterno sacar de cartas da Mão da Experiência em alta, no entanto, e
Fortuna e do Baralho do Destino, o fim do jogo se aproxima, é natu-
no qual os jogadores pulam de um ral que cada confronto exija inter-
68
pretação de cada jogador, alguma po inteiro, e a saga simplesmente
habilidade de narrativa e, eventu- tem que continuar.
almente, o teste de uma habilidade
que não seja o ponto forte. Tendo isso em mente, procure re-
solver os confrontos lançando mão
Antes de começar sua narrativa, te- da maior quantidade de ferramen-
nha em mente que os confrontos de tas possível, e tente deixar claro
Busca Final não são “aventuras”, para os jogadores-protagonistas
não devem ser estruturados com que o caminho é por aí. Se for ca-
uma premissa maior e uma série de paz de manter essa cumplicidade
premissas menores ao redor. Cada para a construção da narrativa, o
confronto é apenas uma premissa resultado será um confronto mais
maior, e a forma como os Guerreiros completo, e cujas conseqüências
Errantes agem em torno dela, pois possam ser compreendidas melhor
o objetivo não é ganhar ouro, ficar pelos jogadores, para que se passe
mais poderoso ou salvar a princesa ao confronto seguinte.
no covil do dragão. A busca é um
evento único na sua essência, então
cada confronto é apenas um episó- Conseqüências
dio em uma história contínua, que
você deve procurar narrar deixando As conseqüências de um confron-
claro tal aspecto de continuidade. to, seja ele bem ou mal-sucedido
para os Guerreiros Errantes, refle-
Um erro que você pode cometer tem imediatamente em cada perso-
como narrador iniciante é transfor- nagem envolvido, promovendo um
mar os confrontos em sessões de novo desenvolvimento na história,
exploração – as já faladas aventu- que deve caminhar sempre na dire-
ras. Evite que a estada dos Guer- ção do fim do jogo. Algumas con-
reiros Errantes em uma determina- seqüências são mecânicas, outras
da região passe a ser um processo meramente agregam elementos à
de entrar em um lugar (como uma narrativa, enquanto outras, diría-
masmorra...), procurar coisas inte- mos que são as mais importantes,
ressantes lá dentro enquanto recha- alimentam a etapa seguinte, ou
çam ameaças e saírem de lá melhor seja, o próximo confronto.
do que entraram. No cerne deste
jogo, estão contidas muito mais Ganho e perda de valores dos
possibilidades de fracasso do que atributos
sucesso; você deve fazer os jogado-
res compreenderem isso. Em outros O primeiro elemento mecânico as-
jogos parecidos, confrontos mal- sociado ao confronto é o permanen-
sucedidos terminam com a morte te flutuar do atributo Convicção,
do grupo de personagens. Em Bus- sendo que cabe ao Narrador deter-
ca Final, eles vão acontecer o tem- minar se um dado confronto termina
69
para os Guerreiros Errantes de for- cação profunda o bastante para um
ma a fazer com que eles percam ou determinado guerreiro para fazer
ganhem Convicção. Em caso de per- com que ocorra uma alteração em
da, o guerreiro ainda pode remeter à um desses dois atributos. Aumentar
Integridade da companhia para ten- ou diminuir a Valentia e a Presen-
tar evitá-la, como um último recur- ça das personagens em virtude de
so. Deve ser observado, no entanto, eventos da narrativa é uma prerro-
que o curso natural das coisas tende gativa única e inconteste do narra-
a fazer com que nem sempre a Con- dor, e deve ser usada com cuidado.
vicção do Guerreiro Errante tenha
um valor igual ou superior ao que Atributos da Companhia e do
tinha quando teve início a busca. Dûk

O segundo elemento mecânico é o Assim como a Valentia e a Presen-


ganho de Experiência. Ao contrário ça, os atributos da Companhia e do
da Convicção, esse atributo cresce Dûk são do Narrador, para que ele
sempre à medida que o jogo cami- aja sobre eles com total império.
nha, pois ter um forte papel de re- Isso significa que, em situações
presentar o total do conhecimento nas quais pareça que o resulta-
que o Guerreiro Errante acumula na do dos confrontos provocaria uma
busca, um fator que apenas aumen- perda de Integridade ou Poder (no
ta com os confrontos. Assim sendo, caso da companhia), ou de Lealda-
quando um confronto for resolvido de ou Carisma (no caso do Líder),
de forma bem-sucedida, principal- o narrador é livre para determinar
mente os confrontos de ouros e de que tal perda ocorreu, com todas as
paus, o narrador deve considerar conseqüências que tiverem de ha-
a possibilidade de aumentar a Ex- ver para essas perdas (como expli-
periência dos Guerreiros Errantes cado anteriormente, na Parte I).
diretamente envolvidos nele, em
virtude do ganho de conhecimento O Confronto Seguinte
que possa ter ocorrido.
Embora não seja obrigatório, é in-
Valentia e Presença são valores na- teressante que o narrador projete
turalmente fixos, ou seja, não há também ao final do confronto a pis-
eventos no jogo especialmente des- ta para o passo seguinte a ser dado
tinados a alterá-los. A idéia é que na busca. É como se cada episódio
ambos refletem um conjunto de trouxesse ao fim uma pista para o
potenciais mais do que habilidades que deverá ocorrer em seguida. O
plenamente desenvolvidas, e podem gancho pode ser algo tão simples
entrar em ação a qualquer momento. quanto o nome de uma pessoa ou
Tendo isso em mente, ainda assim lugar, ou algo tão complexo quan-
o narrador pode determinar que to um livro contendo os escritos de
certo evento provoque uma modifi- um historiador respeitado de um
70
antigo império, descrevendo ritos jogadores promovam a criação em
de invocação para um deus da ma- andamento tanto individual quanto
gia. Cabe a você decidir o que vem coletiva, já visando o confronto se-
em seguida. guinte e podendo, até mesmo, ali-
mentar uma narrativa que seja o pon-
Independente de sua escolha, uma to de ligação entre os que se passou
outra idéia interessante é abrir aqui anteriormente e o que virá a seguir.
imediatamente espaço para que os

71
72
Parte Quatro:
Fim de Jogo

casa estava mais arrumada O que era para ser um dia de glória

A do que de costume. Ao longo


do último ano ela muitas ve-
zes admitira para si mesma que tinha
se transformou em tragédia quando
um lobo estranho saltou sobre ele,
ferindo com garras e presas afiadas.
se tornado desleixada, que não fazia Naquele dia, ele foi ferido nas pro-
as coisas com o amor de antes, ou, fundezas de seu espírito, com feri-
simplesmente, que não era mais feliz. das que jamais cicatrizaram. Ele se
Naquele dia, no entanto, levantara-se tornou estranho, quase selvagem, e,
ainda mais cedo do que era normal e apesar de todo amor, e de terem tão
colocara-se a arrumar todas as coisas pouco tempo de convivência, já não
ao seu redor, freneticamente e meti- falavam a mesma língua. Ela sofreu
culosamente, enquanto a lenha seca todos os dias; ele sofreu também. Por
estalava no fogão sobre o qual o leite dentro, ambos estavam definhando.
espumava.
No dia em que os lobos vieram e o
Morava sozinha, e todos a tinham como levaram para longe, ele havia se
viúva, embora tivesse se recusado a transformado em um monstro de pe-
vestir luto pelo amado. Um ano antes, sadelo. Ela quis se matar, mas seus
durante a celebração dos ritos sagra- familiares não deixaram; seu pai or-
dos do inverno, ele havia saído com o denou que ela guardasse luto, mas
restante da família para uma caçada no ela nunca aceitou. Sua dor não era
bosque; dezenas de homens cavalgan- uma dor de morte, era algo diferen-
do na noite, com arcos nas mãos e ros- te, uma mistura de revolta e tristeza
tos pintados de vermelho, para honrar pura, que os outros não seriam ca-
o grande caçador e garantir que o ano pazes de entender. Um ano depois,
seguinte seria de caça abundante nos no entanto, lá estava ela, sentada na
territórios do protetorado de Delak. varanda, contemplando o bosque e a
73 73
estrada que levava para o pequeno rios”. Esse também é um aspecto
vilarejo. importante a ser desenvolvido aqui,
mas o fim de jogo tem potencial para
Ele saiu do bosque e veio andando retratar muito mais do que a mera
pela estrada. “Ash’utah! Como esta- queda dos guerreiros no abismo do
va acabado!”. As roupas ainda eram esquecimento.
as mesmas do dia em que partira,
mas não pareciam nada além de far- Othora é um mundo fadado. Na Parte
rapos. II, registramos alguns poucos “fatos
futuros” a respeito de cada um de
Ele caminhava cabisbaixo, como se seus quatro reinos, como uma for-
tivesse medo do que iria encontrar ma de demonstrar ao narrador e aos
em sua chegada. Ela, por outro lado, jogadores-protagonistas que o mun-
o olhava fixamente. Quando ele se do caminha para um destino, segue
aproximou, as lágrimas já desciam adiante, e não fica parado à espera de
fartas por suas bochechas rosadas; uma resposta para a busca dos Guer-
ela não se importava que ele pare- reiros Errantes. A verdade aparecerá
cesse um mendigo, seu maior desejo ou não; ainda assim, o tempo segue
estava realizado. Finalmente, os dois seu curso.
se olharam nos olhos.
Nesse sentido, o Fim do Jogo é a
Embora estivesse ainda um pouco tí- parte mais importante, pois não é
mido, permitiu-se erguer a mão para possível fazer da busca algo ideal e
tocar a mão dela mais uma vez, de- intangível, sem com isso destruir o
pois de todo aquele tempo. “Estou propósito trazido aqui como ponto
de volta”, ele falou com orgulho; o essencial da narrativa. Se você ini-
orgulho e altivez dos senhores de De- cia uma narrativa de Busca Final,
lak-Ukan. “Eu sei”, foi só o que ela o esperado é que seu grupo termine
respondeu. de contar essa história dentro de al-
guns meses, e não dentro de alguns
anos. Por isso, talvez, seja impor-
tante pensar no Fim do Jogo desde o
início, ter conhecimento da verdade
Como um cavaleiro em busca do Cá- que pretende transmitir aos protago-
lice Sagrado, o Guerreiro Errante se nistas, e planejar os confrontos.
atira a uma busca que tem pouca ou
nenhuma esperança. Busca Final não Um ponto crucial para o qual você,
foi construído como um jogo sobre como narrador, deve estar prepara-
a derrota, no entanto. Outros jogos do (e nada que dissermos aqui será
de esquema narrativo profundo ten- capaz de auxiliar nesse sentido, já
dem a matar, enlouquecer ou levar a que é uma viagem totalmente indi-
uma espiral de decadência seus pro- vidual), é o momento de revelar a
tagonistas, talvez como uma forma verdade aos protagonistas, se esse
de reforçar o drama como elemento momento de fato chegar. É difí-
essencial que torna esses jogos “sé- cil predizer se a sua formulação,
74
qualquer que seja ela, será capaz Alcançando o Fim do
de atender às expectativas que eles Jogo
criarem. Por outro lado, também há
de se pensar se os jogadores-prota- Enquanto caminha pelo Bosque de
gonistas estão em condições de se Arak-zur, Cargaroff sente as pernas
comportarem adequadamente com tremendo e a mão já não segura a
o produto da narrativa. No fim das zward com a mesma segurança de
contas, tudo o que você deve exigir outrora. Ele sabe que viu uma alma
dos seus companheiros na constru- penada na noite anterior, e o líder dos
ção da história é que sejam partici- habitantes locais, nos ermos da Ilha
pativos e coerentes com o que foi do Diamante, jura ser capaz de silen-
construído coletivamente. ciar a voz dos espíritos quando assim
desejar. A verdade para a Companhia
Ao longo desta parte, descrevemos das Águas Cinzentas não é bela ou
os caminhos pelos quais o Guerrei- repleta de esperança, mas Cargaroff
ro Errante alcança o fim do jogo, e a enfrentará, por ter recebido esse
como a narrativa prossegue diante de destino no momento em que vestiu o
cada um deles. Como dissemos an- manto da busca.
tes, tanto a Convicção quanto a Ex-
periência podem levar o Guerreiro Cada jogador pode alcançar o fim
Errante ao ponto onde precisa estar, do jogo individualmente, ou podem
mas não são garantidores de que ele todos fazê-lo em conjunto. Isso está
consiga ser bem-sucedido na busca. muito mais relacionado às situações
Obter sucesso nos confrontos ante- que se desenvolvem do que à esco-
riores e, consequentemente, alcançar lha de cada um. Na verdade, o fim do
esse estágio com ambas as caracte- jogo pode chegar antes para alguns
rísticas em valores próximos de 10 e depois para outros. Inevitavelmen-
é um bom começo, e deve indicar o te, quando algum dos Guerreiros Er-
preparo tanto da personagem quanto rantes é bem-sucedido em enfrentar
do jogador que a representa. o fim do jogo, a busca termina para
todos. Mais provável, no entanto, é
Destacamos o fato de que tudo o que vários deles fracassem pelo ca-
que vai ser colocado aqui não pas- minho, enquanto não chega a hora da
sa de sugestão. Em verdade, o nar- companhia como um todo conhecer a
rador é quem deve saber a melhor verdade que o destino lhe reserva.
forma de conduzir seu grupo a um
fim de jogo do qual possam se orgu- O fim do jogo é o confronto final, a
lhar, nós não fazemos nada além de última barreira. Depois de se colocar
propor alguns elementos que talvez diante do desafio, ou de receber o co-
sejam interessantes e construtivos nhecimento verdadeiro, o Guerreiro
para uma experiência marcante de Errante deve aceitar aquilo que se
Busca Final. tornou e viver ou morrer a partir daí.
Em parte, cabe aos jogadores-pro-
tagonistas decidir o que ocorre com
as personagens após enfrentarem o
75
fim do jogo, mas o Narrador tam- Loucura
bém cumpre importante papel nesta
definição, apresentando o cenário e Algumas das verdades da busca po-
conduzindo aos resultados. dem ferir o Guerreiro Errante não no
corpo, mas no espírito. Se, no mo-
mento em que enfrenta seu último
Morte confronto, ele não é capaz de lidar
de forma adequada com os resul-
Algumas vezes a busca da verdade tados, pode ser que simplesmente
pode conduzir para um desafio mor- enlouqueça. De fato, muitas pesso-
tal. Em tempo, isso significa que as em Othora já consideram que as
o Guerreiro Errante pode não ser companhias não passam de bandos
capaz de lidar com aquilo que des- itinerantes de pessoas completamen-
cobriu e tirar a própria vida diante te insanas, tentando atingir o inatin-
do caráter infrutífero da busca. Ele gível. Pensando por esse lado, pode
também pode simplesmente ser jo- ser que o Guerreiro Errante que se
gado num estado de tristeza perma- entrega à loucura apenas alcança sua
nente e devastadora, que faz com verdadeira natureza, e pode mesmo
que desista de viver aos poucos, ou ficar em paz consigo mesmo.
mesmo enfrentar a morte em virtu-
de dos perigos aos quais se expõe Trata-se de uma narrativa de carga
para descobrir a verdade. Tudo isso muito mais densa do que meramen-
é possível. te dizer que a personagem se atira de
um precipício ou é devorada por tu-
A morte como elemento definitivo barões enquanto tenta alcançar a Ilha
da busca pode encontrar dificulda- do Diamante. Isso posto, o desafio
de entre os jogadores por uma ra- maior tanto para o jogador-protago-
zão simples: a maioria dos jogos nista quanto para o narrador é como
de narrativa que segue a linha de conduzir naturalmente para esse esta-
Busca Final não trabalha com ato- do sem acabar por determinar que, de
res efêmeros, e sim com figuras forma arbitrária, um indivíduo com-
permanentes, às quais os jogadores- pletamente saudável se torna repenti-
protagonistas naturalmente se ape- namente um louco.
gam e por cujo sucesso passam não
apenas a torcer, mas a trabalhar de Assim, alguns Guerreiros Errantes re-
forma apaixonada. Embora isso seja alizam viagens sem volta para mundos
possível aqui, trata-se de uma face- paralelos, existentes apenas dentro de
ta limitada. Ainda assim, o rompi- suas próprias mentes, onde constroem
mento entre personagem e jogador a realidade de seus sonhos ou trans-
pela morte do primeiro pode não ser figuram o universo ao redor para dar
um movimento ideal dentro do seu feições místicas ao que é, em essência,
grupo de jogo. Como narrador, você completamente banal. Alguns, os mais
deve pensar a respeito disso ao pre- carismáticos entre eles, são capazes até
parar o fim do jogo. mesmo de voltarem ao mundo dos ho-
mens e recomeçarem a busca, levando
76
consigo outros ainda mais loucos ou Sucesso
equivocados, por caminhos ainda mais
incertos do que aqueles anteriormente O que o Guerreiro Errante pode
trilhados. Em verdade, mais de um Dûk construir com a verdade? Ele pode
poderia ser de tal maneira classificado. trazer a magia de volta ao mundo?
E depois que obtém o sucesso, o que
acontece em seguida? Via de regra,
Resignação Busca Final termina nesse instan-
te, sem se perguntar o rumo toma-
Não é de todo impossível que o do pelos Guerreiros Errantes, mas é
Guerreiro Errante meramente se re- apenas natural que você levante tal
signe a voltar para sua terra natal e questionamento.
recomeçar a vida em um mundo onde
a busca falhou. Esses, em regra, são Ainda existe lugar no mundo para
os guerreiros cuja convicção baixou o herói em sua volta para casa? As
aos limites de uma pessoa comum, coisas ainda são da forma como ele
quando simplesmente perderam a fé. se lembra? O que mudou? É possível
construir essa peça narrativa como
Para alguns, resignação é sinal de uma espécie de adendo à formulação
falta de fé, mas a verdade é um pou- original, permitindo que os jogadores
co mais complexa. E se a magia real- tenham mais uma ou duas sessões de
mente não pode nunca mais retornar jogo para representarem a volta para
ao mundo? O tema que estrutura a casa dos guerreiros bem-sucedidos.
narrativa de Busca Final é a viagem
em si, e não a chegada ao local de- Como o Guerreiro Errante alcança o
sejado. O ponto de chegada pode ser, fim do jogo, no entanto? O conceito
em verdade, a resignação e amadure- está aqui desenvolvido em duas par-
cimento do Guerreiro Errante, quan- tes, que chamamos de Desafio e de
do sua jornada passa a ser não uma Conhecimento Verdadeiro; seriam as
em busca da magia perdida, mas sim duas formas através das quais o guer-
para o seu abandono; enfim, uma jor- reiro pode ter contato com a verdade
nada para aceitar que ela se foi. e alcançar o fim do jogo com o fim
da busca. O seu confronto final deve
Pode um mundo de tonalidades mais poder ser acessado por qualquer uma
cinzentas conservar cores vibran- dessas formas, já que cabe aos joga-
tes aos olhos das pessoas comuns. dores-protagonistas decidirem como
O Guerreiro Errante pode se abrir se aproximarão do fim. De um lado,
para tal questionamento e, ao final, o Desafio é um teste de Convicção.
chegar à conclusão que a resposta é De outro, o Conhecimento Verda-
afirmativa, e viver com isso. A busca deiro é um teste de Experiência. Em
das coisas místicas do mundo torna- regra, ambos são confrontos focados
se, enfim, uma busca pela paz de nas inclinações espirituais, mas cada
espírito que permitirá à personagem um tem suas peculiaridades, como
protagonista dar seguimento à vida abaixo está descrito.
de um indivíduo comum.
77
Desafio Frodo não poderia ter destruído o anel
em qualquer outro lugar que não fosse
Mesmo que seu caminho e os confron- a Montanha da Perdição. Assim, pode
tos bem-sucedidos não o levem a pis- ser que o local já tenha sido mencio-
tas significativas a respeito da verdade nado, ou até mesmo visitado em con-
da Grande Perda, o Guerreiro Errante frontos anteriores, mas tudo agora é
pode chegar ao fim do jogo simples- diferente, pois tudo aquilo pelo qual
mente porque as situações pelas quais os Guerreiros Errantes passaram leva
passa não são capazes de abalar sua a crer que, se existe uma resposta, ela
Convicção, sendo capazes até mesmo está ali.
de aprimorá-la, em verdade. O Desafio
como fim de jogo representa a supera- O segundo elemento é o sujeito, ele
ção da companhia através da máxima: ou o objeto terão a importante mis-
“o que não me mata me torna mais são de ser o fio condutor da verdade
forte”. para os Guerreiros Errantes, se esta
houver. A descoberta maior deve se
Assim sendo, este é o momento para dar através do sujeito ou do objeto.
testar mais uma vez a Convicção dos Esse sujeito não precisa ser um velho
Guerreiros Errantes, que neste ponto esperando no alto de uma montanha,
já deve estar próxima do valor máxi- ou um feiticeiro na torre oculta da
mo de 10. Fazemos isso através de três floresta, nem mesmo uma avó estra-
aspectos principais que irão compor o nha que, curiosamente, se lembra de
confronto final: um local, um sujeito como tudo aconteceu. Ele não precisa
e um objeto. A pergunta principal é a sequer aparecer no último confronto,
seguinte: o protagonista se armou com pois talvez esteja oculto, ou até mes-
toda a confiança do mundo para enxer- mo morto. Mesmo que indiretamente,
gar o fim da estrada, mas será que, no é com ele que os Guerreiros Errantes
momento em que isso realmente vier, dialogarão no fim. Se o sujeito não
ele terá forças para suportar? puder se fazer presente na cena do
confronto final, ele certamente fala-
Embora seja aparentemente o menos rá aos Guerreiros Errantes através do
relevante dos elementos acima tra- objeto que eles terão que decifrar.
çados, o local direciona o confronto
derradeiro de forma única. Descobrir a Em tempo, o termo sujeito não pre-
verdade de Othora nas profundezas de cisa se referir necessariamente a um
um bosque insular tem tanto potencial indivíduo único, podendo na verdade
quanto uma cena narrada nas catacum- remeter a um grupo, ordem, seita, tri-
bas da capital de Irakas, mas cada um bo ou qualquer outra coisa parecida
deve ser trabalhado de forma diferente que vá exercer exatamente o papel
pelo narrador. O local também é ante- descrito acima no confronto final.
cipado desde o início. Lembre-se que Para deixar as coisas mais interessan-
Busca Final é uma história de jorna- tes, é ideal que esse sujeito, indepen-
da, fazendo com que o elemento local dente de quem seja, também carregue
seja importante inclusive na condição um objeto.
de ponto onde se quer chegar – como
78
Tal objeto aponta para a verdade em que ele se encontra na cena do con-
si, ou com ela de alguma forma se fronto final? Todas essas perguntas
conecta. É o livro escrito cuja tinta costuram o final da narrativa, e de-
mística foi destilada da essência de vem ser feitas enquanto o narrador
tudo o que era mágico no mundo, ou trabalha cada um dos elementos in-
um manto decorado com as escamas dividualmente e em conjunto.
de Irakon, confeccionado na noite
em que o Dragão, o elo entre Otho- À medida que esses elementos vão
ra e o deus da magia, foi morto pela sendo apresentados, é hora do ver-
traição de seus próprios sacerdotes. dadeiro desafio para a Convicção
Qual é o objeto? Quem o possui? Por do guerreiro. Permita aos jogadores-

Convicção e Jornada
Como narrador, espera-se que você tenha capacidade de anali-
sar o momento de cada personagem diante dos confrontos que
foram estabelecidos para o fim do jogo. Para um jogador, natu-
ral é nunca assumir uma derrota, de forma que você não deve
condená-los se eles jamais decidirem que é hora de voltar atrás e
desistir, mesmo quando lhe parece que isso seria o mais adequa-
do. Tenha em mente, no entanto, que Busca Final é um jogo, e
como tal, tem regras com finalidades específicas.

Se você penaliza o guerreiro errante em sua Convicção, ele cami-


nha para o próximo conflito menos apto a alcançar uma vitória.
Se a Convicção do guerreiro errante torna-se equivalente à de
uma pessoa comum, então, independente da vontade do jogador,
é hora dele abandonar a busca em definitivo. É para firmar essa
situação que se faculta ao Narrador impor a penalidade na Con-
vicção da personagem.

Cabe a você, como narrador, exercer o juízo a respeito de quão


grande deve ser a penalidade para se manter na busca. Acon-
selhamos um espaço entre 1 a 3 pontos por um motivo simples:
permite ter um espaço de manobra dentro da justificativa do
jogador. Se a justificativa se parece satisfatória, 1 ponto é o
bastante. Se é pouco satisfatória, 2 pontos é o adequado, final-
mente, se você não estiver em nada satisfeito, uma penalidade
de 3 pontos te ajuda a firmar isso perante o restante do grupo.
O jogador é livre, a partir daí, para aceitar a penalidade ou
refletir a respeito do que o Guerreiro Errante realmente faz a
partir daquele ponto.

79
protagonistas um tempo para que é o conhecimento verdadeiro, sim-
eles discutam, entre si ou mesmo plesmente porque ele deriva de uma
com você, o narrador, o que inferi- compreensão construída com base
ram da verdade até aquele momento, em confrontos bem-sucedidos que
e depois a cada elemento apresenta- geraram na companhia um ganho de
do, lance a eles o desafio pela desis- experiência significativo. Natural-
tência: se o Guerreiro Errante voltar mente, o conhecimento verdadeiro
agora, ele pode salvar a própria vida, só é próprio àqueles que realmente
manter a sanidade, ou quem sabe nar- tenham alcançando um valor alto
rar a outros o que viu e sentiu, para (10, ou próximo disso) em tal ca-
que seu caminho possa ser trilhado racterística. Para eles, o confronto
novamente. O jogador deve justificar final é muito mais um momento de
a escolha de seu guerreiro, mas pre- desatar nós e ligar pontos do que
cisa também ser bem-sucedido em uma situação de vida e morte. Num
um teste simples de Convicção. Se mundo ideal, é o caminho adequado
ele continua mesmo depois de uma para alcançar o fim do jogo.
falha, no entanto, o Narrador pode
reduzir sua Convicção de 1 a 3 pon- Assim como o fim de jogo pautado
tos, a seu critério, para dar espaço à em um desafio, aqui também utili-
etapa seguinte. zamos elementos, mas tratam-se de
elementos diferentes, e não mais do
O segundo passo para esse narra- trinômio local/sujeito/objeto. O fim
tiva é o desafio pela verdade. Se o de jogo alcançado através do conhe-
guerreiro se sustentou até o presen- cimento verdadeiro se baseia nos
te momento com base apenas em ter elementos fato, causa e conseqüên-
confiança no resultado da busca, ele cia, e se passa primariamente dentro
deve estar preparado para saber a da mente do Guerreiro Errante. Caso
verdade ou, se sua série de confron- estejamos falando em um fim de jogo
tos o desencaminhou, compreender compartilhado pela companhia, a
finalmente que ele jamais chegará a mente de cada indivíduo trabalha so-
ela. Depois que a narrativa da cena zinha, enquanto o conjunto constrói
tenha revelado ao Guerreiro Errante um inconsciente coletivo orientado
qual é seu destino, o protagonista e o para a verdade. Eles chegarão até ela
narrador devem discutir o rumo a ser juntos, mas cada um oferecerá sua
tomado, dentro do esquema já aqui própria contribuição para isso.
apresentado para a formulação dos
confrontos e sobre como alcançar o Como elemento narrativo, o fato é
fim do jogo. aquilo que engatilha todo esse pro-
cesso. Nas ruínas da antiga capital
de Irakas, muitos séculos depois da
Conhecimento Verdadeiro Grande Perda, Amihar sonha com o
assassinato de Irakon, o dragão dou-
Para os mais bem-sucedidos entre os rado que para muitos é apenas uma
Guerreiros Errantes, a forma natu- lenda. Qual o significado do sonho?
ral de se aproximar do fim do jogo Como Guerreiro Errante, ele tem
80
para si que o dragão não é uma len- Na história da Companhia das Som-
da, ele realmente existiu; sua jornada bras, por exemplo, Amihar passou por
até aqui revelou muitas coisas, entre vários confrontos, entre eles o que o
elas o fato de que seu desapareci- guiou ao lugar onde sonhou com a
mento coincide com a Grande Perda. morte de Irakon. Passou também, no
A verdade pode estar próxima? entanto, por um confronto no qual
teve a revelação da existência de um
O fato possui uma causa, que precisa complexo subterrâneo em Irakas que
ser levantada pelo Guerreiro Errante seria, em verdade, como uma espécie
como segundo elemento, antes que de cidade antiga. O narrador dessa
ele possa finalmente ligar o todo de história já determinou previamente
informações envolvidas no fim do que é lá que a companhia descobri-
jogo. O sonho de Amihar vem com rá a verdade sobre a Grande Perda
um motivo, e sua natureza mística – nesse caso, que a morte de Irakon
parece clara ao guerreiro. Há al- rompeu o elo entre o mundo místico
guém tentando se comunicar? Por e o mundo dos homens – visitando
que? O que a companhia deve fazer o local onde os antigos sacerdotes
em seguida? O narrador pode guiar aprisionaram o espírito do dragão,
essa etapa com alguns testes de Ex- para conseguir assassiná-lo.
periência, ou qualquer outra caracte-
rística, sempre com o foco nas incli- No exemplo narrado acima, o encon-
nações espirituais (naipe de paus), tro com a verdade não é nada além da
levando os protagonistas finalmente união de várias informações obtidas
a compreenderem a causa do fato a partir dos confrontos anteriores. É
que engatilhou o fim do jogo. É o a forma natural para a qual você de-
ponto onde se passa a trabalhar a veria conduzir sua narrativa, sem, no
conseqüência do fato. entanto, fazer com que isso force os
jogadores a tomar decisões diferen-
É possível afirmar que, sendo o fim tes das que tomariam.
do jogo, o elemento fato aqui tra-
balhando possui uma conseqüência Outra forma de conduzir o confronto
imediata e uma conseqüência me- final é colocando para os protago-
diata. Por conseqüência mediata, nistas um esquema misto, que mes-
falamos sobre a própria descoberta cla os elementos tanto do Desafio
da verdade, sobre o próprio ato de quanto do Conhecimento Verdadei-
alcançar o fim do jogo. A conseqü- ro. Nesse caso, o natural é o Conhe-
ência imediata, por outro lado, é cimento Verdadeiro levando a um
aquilo que se liga ao fato e à causa Desafio, mas o contrário também
para abrir diante do Guerreiro Er- pode ser possível, com o Desafio re-
rante a possibilidade de transformar presentando a peça derradeira, que
em ato próprio tudo o que ocorreu finalmente permite aos Guerreiros
até agora. Assim, diferente da causa Errantes acessar um conjunto de ex-
e do fato, a conseqüência é movida periências bom o bastante para en-
pelo guerreiro, um ato em virtude frentarem o confronto final através
dos dois elementos anteriores. do Conhecimento Verdadeiro.
81
Independente da sua escolha, tenha oficialmente, ou pelo menos saber
em mente que o final da narrativa se qual é a visão do autor acerca dos
aproxima (ou não, caso os Guerreiros acontecimentos que se desenvolvem
avancem para uma nova etapa, na em Othora na Grande Perda.
busca de restituir o poder místico
ao mundo). Desafie os jogadores Inicialmente, tínhamos planejado
com a oportunidade de serem cobrir esse último espaço com
realmente importantes na construção sugestões de formulação. Formulação
da narrativa. Esse é o momento não apenas dos confrontos, mas da
derradeiro para novos espaços própria verdade. Se você observar,
de criação em andamento tanto algo a esse respeito escapa ao longo
individual quanto coletiva, além de do texto, mas optamos por suprimir
também dar espaço a mudanças no a idéia original e simplesmente
controle da narrativa. Se cada um permitir que cada narrador faça sua
dos jogadores-protagonistas puder escolha, personalíssima, a respeito
participar ajudando a narrar uma de como espera que a narrativa de
parte do fim do jogo, certamente Busca Final se encerre.
a construção será ainda mais
interessante e participativa, então é Tendo isso em mente, apresentar
bom se permitir tomar algum tempo uma visão própria do que seria
para escolher cenas específicas a verdade sobre a Grande Perda
e determinar como cada jogador teria estragado completamente essa
envolvido poderia contribuir sua possibilidade, e dizemos isso com
própria visão narrativa para o base em um entendimento bastante
momento. Embora isso possa parecer corriqueiro: independente de se
um pouco caótico (e talvez seja!), dizer em sentido contrário, quando
lembre-se de que, como narrador, o surge uma versão “oficial” para
poder de decisão permanece em suas os fatos envolvendo um cenário
mãos, para controlar esse momento e de fantasia, toda a produção do
torná-lo produtivo. narrador, feita por conta própria,
em sua própria história, perde
um pouco de credibilidade com
Uma Palavra Sobre o o restante do grupo. Entendemos
Cânone que isso é reflexo de uma visão
equivocada de que o texto das
fontes oficiais é de alguma forma
Praticamente tudo o que precisava melhor do que as idéias tidas em
ser dito sobre Busca Final, casa, caracterizadas justamente
sobre como conduzir este jogo por serem formulados a partir do
de narrativa, já foi dito. Fica, no conhecimento das potencialidades
entanto, a expectativa da verdade. É dos jogadores, e com total
provável que o leitor tenha esperado propriedade para explorá-las.
até o final para, quem sabe, ler uma
verdade canônica, saber como a Para não permitirmos que seu grupo
história de Busca Final termina caia em tal erro, deixamos que a
82
sua versão para a Grande Perda
de Othora seja para sempre a sua
própria versão canônica. Tal visão,
além de ter os benefícios de suprimir
as ocorrências acima, ainda agrega
a Busca Final um valor maior como
jogo para ser jogado mais de uma
vez: se você quiser narrar várias
sagas em Othora, sempre com o
mesmo tema estruturante, a cada
vez a resposta para a busca dos
Guerreiros Errantes será diferente, e
cada criação narrativa tem potencial
para ser igualmente única.

83
Últimas
Palavras

nquanto escrevo este, que é que nunca consegui me entusias-

E deve ser o último texto a


integrar o livro de jogo de
Busca Final, tenho a oportunidade
mar demais com qualquer coisa que
tenha escrito antes, então me permi-
to pecar pela indulgência hoje, com
de pensar um pouco a respeito do aquele que deve ser o meu projeto
pequeno projeto que continua sendo favorito entre todos nos quais tive a
pequeno, mas, certamente, acabou oportunidade de laborar.
ficando muito maior do que inicial-
mente eu tinha planejado. Enquanto o texto se desenvolvia,
também alterei profundamente mi-
Em sua proposta inicial, Busca Fi- nhas pretensões. De uma espécie de
nal era menos pretensioso, uma Scotland Yard sobrenatural, jogado
idéia que eu pretendia esgotar em sem tabuleiro, Busca Final se tornou
vinte páginas no máximo, talvez uma narrativa sobre desencantamen-
como uma alternativa de jogo rápi- to, por um lado, e amadurecimen-
do e simples, para aqueles grupos to, por outro. A figura do Guerreiro
que gostam de intercalar sessões de Errante deixou de ser meramente o
Dungeons & Dragons com outras meio de conduzir uma narrativa e se
meramente degustativas. O resulta- tornou o centro por onde essa narra-
do em suas mãos é um pouco mais tiva necessariamente passa. Em es-
denso que a proposta original, mais sência, a história de Busca Final não
abrangente em seu escopo e, ouso di- é uma história sobre como um mundo
zer, até mesmo sofisticado, enquanto perde sua magia e um grupo de guer-
experiência narrativa conjunta. Cabe reiros de fé a recupera, mas sim uma
ao autor falar da sofisticação de sua história sobre as longas caminhadas
própria obra? Talvez não, mas fato que todos nós realizamos, todos os

84
dias, rumo à aceitação das inúmeras nação feito pelo Guerreiro Errante é
permutações que o mundo ao nos- um movimento para o sucesso, pois
so redor forja e em seguida impõe. talvez Othora não precise passar por
Nesse sentido, o Guerreiro Errante uma nova mudança, por uma rever-
é uma metáfora para o homem con- são de tudo o que já aconteceu até
temporâneo, tão desencantado quan- ali. Assim, o guerreiro amadurece e
to sua contraparte fantástica. se torna aquilo que nasceu para ser:
não um herói, mas um indivíduo em
De forma semelhante, nós também paz com o mundo ao seu redor.
empreendemos nossas buscas todos
os dias. Saio de casa para o trabalho É claro que, depois de ter em mente
em busca de sucesso e reconheci- a minha própria visão da construção
mento, de forma idêntica ao Guerrei- narrativa, você é livre para refazê-la
ro Errante que sai de sua casa para da forma como achar melhor, seja em
tentar descobrir o que aconteceu com um Scotland Yard sobrenatural, seja
a magia de Othora. Pode ser que eu a partir de uma busca totalmente di-
jamais alcance sucesso e reconhe- ferente e única, como já foi sugerido
cimento com o meu trabalho, assim aqui mesmo, na Parte 2 deste livro. O
como ele tem boas chances de falhar. importante, no fim das contas, é que a
A possibilidade de falha, deve ser história narrada entre você e seu gru-
dito, torna a narrativa muito mais in- po seja capaz de envolver, empolgar
teressante, e era um elemento desde e divertir os participantes pelo tempo
a construção mais primitiva do con- que durar. Na realidade, o narrador é
ceito que se tornou esse jogo. o líder; Discessio, Inflatus e Judicium
são as suas atribuições, e a verdadeira
Busca Final, como todo bom jogo busca é a construção de uma história
de narrativa, tem que ser capaz de que dialogue com os anseios de cada
provocar no narrador e em seus joga- participante. As ferramentas estão
dores-protagonistas um sentimento aqui, o que se espera é que elas sejam
de inquietação; um incômodo que é as mais adequadas.
derivado de se partilhar com as prin-
cipais personagens os anseios que
as impulsionam na busca. Como eu Giltônio Santos
disse antes, é um jogo sobre amadu- Belo Horizonte, Junho de 2010
recer, sobre buscar o Cálice Sagrado
e jamais tocar sua forma física, mes-
mo depois de encontrá-lo. O verda-
deiro objetivo do Guerreiro Errante
não é reverter a Grande Perda, mas
encontrar paz de espírito e, essen-
cialmente, viver em harmonia com
tudo que o cerca. Ao falar, na Parte
4, sobre alcançar o fim do jogo, se-
parei a resignação do sucesso, mas
acredito que o movimento de resig-

85
Os últimos cinco anos viram acon- Quando ele escreveu o jogo, sua
tecer uma revolução, mas ninguém expressão criativa como designer
parece notar. Literalmente qual- de jogos não estava mais limitada a
quer um pode publicar nesta Era do
Silício. As pessoas tem novamente o nenhuma restrição de referência ou
poder de falar… criação. De fato, as premissas que
hoje adotamos em todas as nossas
HAGEN, Mark Hein. Vampiro: A obras seculares já estavam bem de-
Máscara, 1992.
finidas aqui: narrativa construída de
maneira compartilhada entre todos
mbora o Giltônio tenha in-

E sistido para que meu nome


figure como co-autor do
Busca Final, essa inclusão é injusta:
os jogadores, sistema próprio para
cada jogo, premissas incomuns e ter-
renos inexplorados.
o livro é uma obra dele, que parti- De primeiro, eu fazia e mexia, e
cipei apenas como um bom amigo, pensar não pensava. Não possuía
presenteando meu camarada com os prazos. Vivi puxando difícil
um sistema de regras cru, ainda que de difícel, peixe vivo no moquém:
quem mói no asp´ro, não fantasêia.
surpreendentemente funcional e ade- Mas, agora, feita a folga que me
quado a premissas do jogo que na vem, e sem pequenos dessossegos,
época nem estavam definidas com estou de range rede. E me inventei
exatidão, elaborado em uma tarde nesse gosto, de especular idéia. O
quente tomando cervejas geladas. diabo existe e não existe?
ROSA, João Guimarães. Grande
Busca Final me enganou por vários Sertão: Veredas
meses. Pensei inicialmente no jogo
como uma proposta diferente de fan- Inclusive, não considero que Busca
tasia, seguindo uma premissa meio Final pertença ao saturado gênero
“What If?” sobre o que aconteceria dos jogos de interpretação de papéis,
caso a magia morresse em um mun- mas sim ao gênero jogo de narrativa
do fantástico razoavelmente padrão, compartilhada.
construído conforme os elementos
e referências básicas do cânone da Embora o jogo de narrativa compar-
fantasia européia medieval. tilhada tenha elementos comuns ao
jogo de interpretação de papéis (per-
Percebo agora que na época em que sonagens conduzidos por jogadores),
as primeiras discussões do livro sur- parte de um objetivo distinto: con-
giram eu estava ainda preso a de- tar uma história construída por meio
terminados paradigmas da fantasia do envolvimento direto e igualitário
Dungeons & Dragons, conceitos res- de todos os participantes, e não in-
tritivos que o Giltônio antes de to- terpretar personagens em situações-
dos nós do Círculo, da Secular, dos limite (eventos, cenas) criadas por
Bucaneiros Sem-Fronteiras (ou seja um narrador único, responsável, in-
lá de qual nome iremos ou irão nos dividualmente, pela história.
chamar amanhã) já havia se libertado
fazia tempo.

86
A interpretação é sem dúvida alguma Talvez Othora seja mesmo um mun-
um instrumento da narrativa compar- do fantástico padrão onde a magia
tilhada para a criação de histórias, morreu, mas quando li o manuscrito
mas definitivamente não é seu fim. final, percebi que o Giltônio con-
Por isso, um jogo de narração com- seguiu elevar os jogos de narrativa
partilhada como o Busca Final não fantástica para outro patamar. Bus-
considera como fundamental o víncu- ca Final é uma colisão entre J.R.R
lo entre jogador e personagem, e tão Tolkien e os filósofos pré-socráticos,
pouco se preocupa em desenvolver tem a violência furiosa de Robert.
um sistema mecânico complexo para E Howard e a crítica às rupturas e
representar a evolução dos persona- incertezas da pós-modernidade que
gens. O que evolui é a narrativa – o encontramos na obra de George A.
aprimoramento ou a decadência dos Romero, e assim como em seus fil-
personagens tem relevância na histó- mes de zumbis, os monstros mais
ria, mas não é o foco central desse fantásticos nas histórias narradas em
gênero de jogo, que possivelmente é Othora serão sempre os homens.
uma novidade para você, assim como
tem sido para nós. Em algum lugar sobre o Oceano
Atlântico, à dez mil pés,
Por isso, vejo Busca Final como um 19 de Outubro de 2010
marco no jogos que desenvolvemos
não apenas por ser o primeiro livro Belo Horizonte,
que iremos imprimir de maneira ab- 25 de Dezembro de 2010
solutamente autônoma, o que não
considero tão importante assim na R.
Idade do iPad, mas por representar
nossa absoluta ruptura com um mo-
delo de criação e design de jogos
que não é mais capaz de transmitir
as nossas idéias e propostas.

87
Índice
Remissivo

A Criação de Personagem...........15
Antura......................................37 Criação em Andamento.....21, 29

B D
Baralho do Destino......15, 51, 52 Desafio.....................................73
Diários de Viagem...................13
Dicessio...................................25
C
Dûk..................10, 21, 22, 25, 66
Cânone.....................................78
Características da Companhia
......................................28, 66 E
Características do Guerreiro Experiência......14, 17, 20, 62, 66
Errante.....................14, 19, 66
Carisma..............................25, 66 F
Combate...................................55 Fim do Jogo...........70, 71, 74, 77
Companhia, A....................10, 27 Formulação..............................61
Confronto...............50, 59, 61, 66
Conhecimento..........................76 G
Conseqüências.........................65 Grande Perda, A.......................35
Conth........................................40 Guerreiro Errante...............10, 14
Convicção....14,16,19,62,66,74,75
88
I N
Inflatus.....................................25 Narrador...................................11
Integridade.........................28, 66
Irakas.......................................42 O
Othora..........................32, 34, 61
J
Jogo de Narrativa.....................11 P
Judicium...................................25 Poder..................................28, 66
Presença.................14, 17, 20, 66
L Protagonista.............................11
Lealdade............................25, 66 R
Líder................10, 21, 22, 25, 66 Resignação...............................73
Loucura....................................72
S
M Sucesso....................................73
Mão da Fortuna.................51, 54
Manthilus.................................44 V
Morte.................................57, 72 Valentia..................14, 17, 20, 66

89
O que Harmonizar com Busca Final
(ou, como nós acreditamos que você pode aprimorar seu jogo!)

Para Ler:
- BLISSET, Luther. Q, O Caçador de Hereges;
- BURROUGHS, William S. Almoço Nu;
- CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces;
- CARD, Orson Scott. Ender’s Game;
- CORNWELL, Bernard. As Crônicas de Artur;
- COOK, Glen. The Black Company;
- CRIMETHINC. Days of War, Nights of Love;
- GAIMAN, Neil. Livros da Magia;
- GAIMAN, Neil. Deuses Americanos;
- HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo;
- HOMERO. A Odisséia;
- KEEGAN, John. Uma História da Guerra;
- KEROUAC, Jack. On the Road;
- MARTIN, G. R. R. A Guerra dos Tronos;
- ENGELS, Friedrich ; MARX, Karl. O Manifesto Comunista;
- MOORE, A Voz do Fogo;
- MOORE, Alan. Promethea;
- MOORE, Alan. Watchmen;
- MORRISON, Grant. Os Invisíveis;
- PETERSEN, David. Os Pequenos Guardiões;
- ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas;
- ROWLING, J.K. A Série Harry Potter;
- SALINGER, J. D. O Apanhador no Campo de Centeio;
- SARTRE, Jean-Paul. A Idade da Razão;
- SMITH, Jeff. Bone;
- TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis;
- VAUGHAN, Brian K. Y: O Último Homem;
- WEIS, Margaret; RICKMAN, Tracy. As Crônicas de Dragonlance;
- YOSHIKAWA, Eiji. Musashi.

Para Ver:
- Apocalypse Now (filme, 1979)
- Avatar: The Last Airbender (série de animação, 2005);
- Band of Brothers (série, 2001);
- Barry Lyndon (filme, 1975);
- Bastardos Inglórios (filme, 2009);
90
- Caverna do Dragão (série de animação, 1983);
- Coração Valente (filme, 1995);
- Excalibur (filme, 1981);
- Extermínio (filme, 2002);
- Extermínio 2 (filme, 2007);
- Guerra nas Estrelas – trilogia original (filmes, 1977, 1980 e 1983);
- Highlander (filme, 1986);
- Highlander: A Série (série, 1992);
- Madrugada dos Mortos (filme, 1978);
- O Mágico de Oz (filme, 1939);
- Matrix (filme, 1999);
- Platoon (filme, 1986);
- O Nome da Rosa (filme, 1986);
- The Pacific (série, 2010);
- O Senhor dos Anéis – trilogia (filmes, 2001, 2002 e 2003);
- Sete Samurais (filme, 1954);
- O Tigre e o Dragão (filme, 2000);
- Tombstone (filme, 1993);
- Toy Story 3 (filme de animação, 2010).

Para Ouvir:
Bauhaus, The Beatles, Black Sabbath, Blind Guardian, Cartoon, Deep Pur-
ple, DJ Shadow, The Doors, Dream Theater, Embrace, Genesis, Gentle Giant,
Godspeed You! Black Emperor, Iron Maiden, Isis, Jethro Tull, Joy Division,
King Crimson, Kylesa, Kyuss, Led Zeppelin, Mastodon, Melvins, Metalli-
ca, Mogwai, Neil Young, Neurosis, Nick Cave & The Bad Seeds, Nine Inch
Nails, Pink Floyd, PJ Harvey, Portishead, Radiohead, Renaissance, Rites of
Spring, Sunn O))), Wu Tang Clan, Yes. A maioria desses artistas fez coisas
boas e ruins ao longo da carreira, cabe a você decidir quais são suas boas
influências.

Para Jogar:
Adventure!, Arkanun (a primeira edição, pela transgressão) Ars Magica, Bir-
thright, Burning Wheel, Castelo Falkenstein, Changeling: O Sonhar, Council
of Wyrms, Chrono Trigger, Dark Sun, Dungeons & Dragons (a quarta edição
nem pensar!), Fading Suns, Fallout 1 e 2, Final Fantasy VI, Grey Ranks,
Houses of the Blooded, Lobisomem: O Apocalipse, Mago: A Cruzada dos
Feiticeiros, Planescape, Planescape: Torment, Vampiro: A Máscara. Jogos
Eletrônicos podem ser uma ótima forma de diversão, mas não deixe eles
substituírem a sua criatividade!

Não fume maconha. Chupe laranja.

91
Painel da Saga do
Guerreiro Errante
Nome: ___________________________ Jogador: ____________________

Conceito: ____________________________________________

Origem: ___________________________________________________________

Descrição: ________________________________________________________

Atributos:
Convicção □ □ □ □ □ □ □ □ □ □ ♠□ ♣□ ♥□ ♦□
Experiência □ □ □ □ □ □ □ □ □ □ ♠□ ♣□ ♥□ ♦□
Valentia □ □ □ □ □ □ □ □ □ □ ♠□ ♣□ ♥□ ♦□
Presença □ □ □ □ □ □ □ □ □ □ ♠□ ♣□ ♥□ ♦□

Carisma □□□□□□□□□□
Lealdade □□□□□□□□□□
Utilize estes atributos apenas se o personagem for o Dûk da Companhia.

Este personagem atualmente está desafiando a morte?


Sim □ Não □
Criação em Andamento
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
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___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
Painel da Saga da
Companhia
Nome da Companhia: ___________________________________________

Origem: ___________________________________________________________

Atributos:
Integridade □□□□□□□□□□
Poder □□□□□□□□□□
Mão da Fortuna □□□□□□□

Finalidades da Companhia: _________________________________


____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
___________________________________________________________________

História da Companhia: _______________________________________


______________________________________________________________________
_____________________________________________________________________

Relacionamentos da Companhia: ___________________________


______________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
Criação em Andamento
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
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Diagramação finalizada em
12 de Janeiro de 2011
em Belo Horizonte/MG,
usando o Adobe® InDesign® CS4
em um Intel® Core 2 Quad Q8200.

As fontes utilizadas foram


Times New Roman para o texto e
Souvenir Lt BT nos títulos e subtítulos.
Este é um download legal, possibilitado pela licença Creative Commons utilizada pelo Busca
Final (Atribuição - Uso Não Comercial - Compartilhamento pela mesma Licença). Para ver uma
cópia desta licença, visite: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/

Não é nenhuma novidade que nós da Secular do Busca Final ao permitir que um eventual
Games não somos contra a pirataria. Entendemos comprador possa ter contato com o material antes
esta modalidade de compartilhamento de bens de adquiri-lo. Apostamos muito na qualidade
culturais não só como irrefreável, como também do jogo, e estamos confiantes que quanto mais
como um indício claro da necessidade de pessoas puderem lê-lo melhor!
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de comercializarmos idéias. Na prática isto significa que você é livre para
copiar, distribuir e alterar os elementos desta obra,
Por isso optamos por utilizar uma licença Creative desde que siga as seguintes condições:
Commons, que permite a distribuição gratuita e
alteração do material, desde que não seja para 1. o faça apenas para fins não-comerciais;
fins comerciais. Em vista de nosso posicionamento 2. credite em sua obra Busca Final de
em relação ao compartilhamento de idéias e Giltônio Santos e Richard Garrell;
produtos culturais, e munidos das ferramentas 3. que a obra derivada também compartilhe
legais propiciadas pela Creative Commons, desta mesma licença.
optamos por nós mesmos da Secular Games
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em formato PDF de graça através do protocolo física por R$29,90 em nosso site. Seu suporte
torrent de compartilhamento de arquivos. vai garantir que continuemos criando e lançando
mais jogos como este!
Desta forma, acreditamos que não só garantimos
ao acesso ao jogo para aqueles que não puderem Quaisquer dúvidas nos contate através de nosso
pagar o preço do livro impresso, como também website: http://www.secular-games.com
potencializaremos o interesse e discussão ao redor

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