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outros países e continentes. Octavio Paz lembra que “embora tenha nascido na
para este trabalho merecem destaque especial: Nouveau Monde Autres Mondes:
Surréalisme & Amériques (1995), publicação organizada por Daniel Lefort, Pierre
grupo surrealista parisiense, buscando destacar os aspectos de suas obras que mais
publicação do Manifesto do surrealismo, por André Breton. Nele, o poeta crítico expõe
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exaltação do poder onírico e do maravilhoso, definição da imagem poética surrealista
dos “segredos da arte surrealista”. Naquele momento, ainda que Breton dedique
apenas uma nota de rodapé aos artistas, considerando que o campo da ação
artista que é “de longe o mais puro” (BRETON, 1983, p. 40). A admiração de Breton
por Picasso é inigualável. Para citar apenas um exemplo, é ele quem aconselha o
Licorne), encontrado Tristan Tzara, Max Jacob e André Masson com os quais forma o
Breton, Aragon e Eluard, e no ano seguinte inicia suas pinturas ditas oníricas,
Ernst, Picasso, Chirico, Paul Klee, entre outros. A partir de então, participa das
lugar Pablo Picasso, esse “criador de brinquedos trágicos para os adultos”, atribuindo-
lhe um lugar primordial: “Se o surrealismo busca determinar para si uma linha de
conduta, basta-lhe passar por onde passou e passará Picasso” (BRETON, 1965, p.
que “alçou ao último grau o espírito, não de contradição, mas de evasão!” (BRETON,
1965, p. 18).1
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Juan Miró também é citado por Breton como o artista que praticou “o
automatismo puro”; e por isso mesmo pôde ser considerado o mais surrealista de
no estado infantil”, Breton reconhece que Miró marcou uma etapa importante no
a liberdade sem igual. Com Miró, Breton realiza um trabalho de colaboração que
juntamente com o espanhol Luis Buñuel, realizou os filmes que marcaram a história do
(BRETON, 1965, p. 102), por outro lado a personalidade do artista e suas pinturas
capital francesa; por outro lado, na década de 30, com a aproximação da Segunda
escolheram Nova Iorque como terra de asilo, outros dirigiram-se para o México, como
André Breton que vai ao encontro de Trotsky, em 1938, ambos acolhidos por Diego
Rivera e Frida Kahlo; país para onde convergem ainda Benjamin Péret e sua esposa
Remedios Varo, ou o peruano César Moro, entre outros. É também para o México que
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se dirigiu Antonin Artaud à procura da cultura dos Tarahumaras. Considerado “o mais
surrealista de todos” por Breton, o México foi eleito o palco para a Exposição
culturas que podem ajudá-los na busca da verdadeira vida”, sublinha Robert Ponge
estabelecem com as culturas mais distantes passa pelos objetos. Eles tentam associar
sua própria imagem à dos objetos ditos “primitivos” através de uma identificação
exemplo, o grupo parisiense organiza uma exposição na qual objetos da América pré-
colombiana são expostos ao lado de telas de Yves Tanguy (Yves Tanguy et Objets
d’Amérique). No texto do catálogo, Breton estabelece uma ponte entre “as antigas
cidades do México” e o universo do artista que nos convida, diz ele, a ir a seu encontro
num lugar que ele realmente descobriu (BRETON apud LECLERCQ, 2006). José
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Três principais focos de interesse podem ser destacados: o mágico, o
político e o mítico. Vejamos o caso do México. De acordo com Gérad Roche, o México
ocupa no imaginário surrealista um lugar eletivo, o qual tem bem pouco a ver com
um banal exotismo, mas, antes, com a atração mágica. [...] [O México] exerce de
fato uma poderosa atração através de sua fauna, de sua flora, de sua história
tumultuada e deixará na história do surrealismo traços duradouros [...] (ROCHE,
1999, p. 215).
quase uma viagem de iniciação. Naquele momento Artaud não pertencia mais ao
grupo surrealista, mas ainda veiculava seus valores e conceitos, os quais apresentou
em conferências que se tornaram célebres. Nos textos que escreveu no México e após
seu retorno, textos que formam o essencial do “ciclo visionário e halucinado” dos
Tarahumaras, fica claro que Artaud esperava dessa viagem uma “revelação-
revolução”; ele evoca a “realidade mágica” de uma cultura perdida nas lavas
essência do teatro.
No plano político, o México se destaca aos olhos de André Breton pelo fato
de ser um regime político herdeiro de uma revolução vitoriosa e uma terra de asilo
o stalinismo triunfante. Foi em parceria com Trotsky e Diego Rivera que Breton
seu retorno à França em 1939, organiza uma exposição de objetos de arte e populares
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provenientes da Europa, obras da arte pré-colombiana, provenientes da coleção de
Rivera, além de objetos da Oceania. Artistas mexicanos como Frida Kahlo, Diego
sedução”, como comprova a seguinte afirmação: “O que dizer daquilo que se ama e
como fazê-lo amar? Toda tentativa parece ainda mais vã em relação a um país do que
denúncia dos mitos antigos e a elaboração de uma mitologia moderna, aberta. Isso
com Andrade (1999, p. 234) relaciona-se com a arte e o mundo indígenas: a cultura e
o passado desse país representam uma possibilidade de renovação vital, muito além
Breton, o humor negro dos bonecos funerários, os rituais mágicos que envolviam o
interessante. O poeta traduziu o livro sagrado dos maias Quiché, Livro de Chilam
Balam2, e após coletar ali o material necessário, redigiu uma Antologia dos mitos,
lendas e contos populares da América (1960). Vale ressaltar ainda seu grande poema
épico “Ar mexicano”, no qual alude a sua história desde tempos pré-hispânicos até a
Revolução.
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permite observar que, se na década de 20 são sobretudo os espanhóis que vão em
em direção aos países da América Hispânica, e das Américas em geral,3 que gerou
estabelecer contatos com o México, o Haiti, a Martinica, para citar apenas alguns
Referências
In: PONGE, Robert. Surrealismo e Novo Mundo. Porto Alegre: Ed. da Universidade/
LECLERC, Sophie. L'appropriation surréaliste des objets d'art “indigènes". Arts &
jul. 2008.
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LEFORT, Daniel; RIVAS, Pierre; CHÉNIEUX-GENDRON, Jacqueline. Nouveau Monde
MIRO, Juan. Ceci est la couleur de mes rêves. Entretiens avec Georges Raillard.
UFRGS, 1999.
PONGE, Robert. Surrealismo e viagens. In: Surrealismo e Novo Mundo. Porto Alegre:
Surrealismo e Novo Mundo. Porto Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, 1999. p. 215-
227.
Notas
1
As traduções de citações do francês foram realizadas pela autora deste artigo.
2
PÉRET, Benjamin. Introduction au Livre de Chilám Balám de Chumayel. Paris: Denoël, 1955.
3
Do outro lado do Atlântico, considera-se que o primeiro grupo surrealista da América Latina
originou-se na Argentina, em 1926, por iniciativa de Aldo Pellegrini, seguido pela adesão ao
movimento dos poetas chilenos (Braulio Arenas, Enrique Gómez-Correa) que fundaram a
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célebre revista Mandrágora, para citar apenas alguns nomes dentre os inúmeros autores
hispano-americanos. Com o fim dos conflitos mundiais, Paris acolhe, por sua vez, os
mexicanos, como Octavio Paz (de 1946 a 1951) e Tamayo, que realiza ali sua primeira
exposição parisiense (1950).
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