You are on page 1of 4

Oulipo

"O que não é o Oulipo?". 1º Não é um movimento ou uma escola literária. Nós
nos colocamos aquém do valor estético, o que não quer dizer que nós o
desprezemos."

Assim definia o escritor Raymond Queneau (1906-1976) o grupo que acabara


de fundar em 1960. Hoje, porém, é conhecido como um dos movimentos literários
mais importantes na França. O que aconteceu nesses quarenta anos de existência do
Oulipo? Como as "regras para escrever" que eles inventavam se transformaram em
literatura? É o que vamos tentar responder ao longo desse artigo, no qual
abordaremos a história, os autores e as principais linhas de trabalho do grupo.

Nos seus primeiros anos de existência, o Oulipo chamava-se Séminaire de


littérature expérimentale (Selitex), e era composto por uma dezena de matemáticos,
escritores e pesquisadores admiradores da obra de Queneau. Os seus encontros eram
uma das atividades regulares do Colégio de Patafísica e suas publicações se limitavam
aos "dossiês do colégio". (Somente um parêntese: a patafísica é a "ciência das
soluções imaginárias", que tenta justificar hipóteses absurdas com uma linguagem
científica. O primeiro "patafísico" foi o Dr. Faustroll, personagem do célebre
dramaturgo Alfred Jarry, O colégio foi inventado depois da morte Jarry e funciona até
hoje como uma espécie de "sociedade secreta". Autores como Julio Verne, André
Gide, Marcel Duchamp, Boris Vian e o próprio Raymond Queneau, entre outros, já
publicaram nos dossiês do colégio).

Voltando ao Oulipo, seu objetivo era propor aos escritores novas "estruturas" de
natureza matemática ou novos procedimentos que contribuíssem à atividade literária.
Ou, como eles mesmos definiram, queriam produzir "inspiração" ou algum tipo de
"ajuda à criatividade". Assim, nas suas primeiras reuniões, o grupo apresentava
aspirações pseudo-científicas e não precisamente literárias.

Essas novas "estruturas" eram chamadas por eles contraintes, que aqui
traduziremos como regras formais ou restrições. As contraintes sempre existiram e
estiveram presentes na atividades literária, como por exemplo, na sextina, no verso
alexandrino ou no soneto. Também alguns aparentes "jogos de palavras"
constituiriam regras formais, como por exemplo, escrever sem uma letra (lipograma)
ou com apenas uma vogal (monovocalismo), ou criar enunciados que podem ser lidos
da esquerda para a direita e vice e versa (palíndromos).

Os trabalhos do Oulipo seguiam duas linhas de pesquisa: a analítica e a


sintética. Com a primeira, os oulipianos pretendiam procurar nas obras do passado
regras formais ainda não completamente exploradas. Dentro dessa linha, vários
autores foram apontados como "plagiários por antecipação" do Oulipo, entre os que
se destacam Racine e Raymond Roussel.

A segunda linha era mais ambiciosa: tinha o fim de criar novas regras. Embora
seja vista como a verdadeira vocação do Oulipo, a atividade sintética muitas vezes se
confundia com a analítica. Uma nova contrainte podia ser criada a partir da
exploração de uma antiga. Assim, o procedimento S + 7, por exemplo, que consiste
em substituir cada substantivo de um texto pelo sétimo substantivo seguinte no
dicionário, estava inspirada no isosintaxismo, escrever um texto diferente com a
mesma estrutura sintática de outro. Do mesmo modo, a haikaisação de um poema de
Mallarmé, uma proposta absolutamente nova, provém da exploração da estrutura do
hai-kai.

Os trabalhos entre essas duas linhas de pesquisa marcaram os primeiros anos


de funcionamento do Oulipo. Mas o caráter de suas publicações começou a mudar a
partir de 1966. A entrada dos escritores Georges Perec, Jacques Roubaud e, mais
tarde, de Italo Calvino marcaria o início de uma segunda etapa do grupo. Em vez de
fornecer novas estruturas ou inspirações para outros escritores, os novos membros
queriam experimentar as regras formais, chegar ao seu limite e criar novas obras
literárias a partir delas. Assim, com as experiência do Oulipo, Perec escreveu o
romance La disparition, um lipograma gigantesco que em suas mais de trezentas
páginas não tem uma só letra e. O matemático Jacques Roubaud por sua parte
publicou o livro Î, uma coletânea de poemas baseada no jogo do Go. Já Italo Calvino,
no seu O castelo dos destinos cruzados, constrói uma narrativa baseada em
diferentes seqüência do jogo do tarô. O Oulipo tinha deixado de ser um grupo com
pretensões pseudo-científicas e de diversão, para se transformar realmente em um
tipo de movimento literário, com princípios, procedimentos e produção própria.

Segundo o oulipiano Paul Braffort, o Oulipo ainda teria um terceiro momento,


que teria começado com as obras mais maduras desses autores, nas quais eles
teriam utilizado regras complexas e de ordem semântica. A vida modo de usar, de
Georges Perec é um dos exemplos mais citados dessa etapa. As intrigas, as
personagens, suas atividades, o que elas comiam, o número de páginas de cada
capítulo e todos os elementos imagináveis que podem fazer parte de uma narrativa
foram definidos no romance a partir de uma união entre problemas do xadrez e de
combinatória. Assim, as regras formais já não eram apenas uma restrição para a
redação de um texto (como escrever sem a letra e): elas agora determinavam a
estrutura e o "conteúdo" do que era contado.

Neste caso, é mais importante para o autor o processo de criação do romance,


do que escrever o romance em si. O que mostra uma ênfase no processo de criação,
compartilhada por várias obras e tendências do século XX. Basta lembrar do próprio
surrealismo, aparentemente oposto ao Oulipo, cuja principal proposta, a escrita
automática, se referia ao processo de criação. Também autores como Paul Valéry,
André Gide, Jorge Luis Borges, Júlio Cortázar, Vladimir Nabokov, Francis Ponge, entre
outros, teriam abordado a escritura, seja através de uma reflexão sobre a criação
dentro do próprio texto, da inclusão de elementos do ato de escrever na ficção
(personagens escritores e leitores, por exemplo) ou de obra na forma de documentos
de processo (manuscritos).

Escrever é um jogo?

Uma pergunta é inevitável ao abordar o trabalho do grupo Oulipo: escrever é


um jogo? Não existe mais a folha em branco, o escritor angustiado, o difícil trabalho
de encontrar a palavra certa, a narrativa sublimadora? O sujeito não está mais
implicado na escritura?

Essa suposição é desmentida imediatamente com a leitura das principais obras


oulipianas. Mesmo que tenham sido concebidas a partir de uma fórmula matemática
ou de um jogo, elas emocionam e produzem algum tipo de resignificação do mundo,
ou seja, um impacto literário. É difícil ler um livro como W ou a memória de infância,
de Perec, ou O castelo dos destinos cruzados, de Calvino, que desenvolvem novas
concepções da memória e do tempo, e achar que estamos apenas em uma
brincadeira.

Essa contradição entre forma de escritura e resultado final pode ser explicada
de três maneiras diferentes. A primeira delas refere-se ao papel que as regras formais
têm para o escritor oulipiano. Em geral, elas não são vistas como simples jogos, mas
como um instrumento para aceder a algum tipo de realidade não significada à qual
era impossível através de uma escrita direta, realidade que Perec chama de
"inconsciente" ou caráter mágico das palavras. Já o escritor norte-americano Harry
Mathews, membro do Oulipo desde 1973, explica que as regras permitem uma
observação desde o exterior da sociedade que ele sempre quis retratar, observação
que jamais seria lograda desde dentro: [Antes de entrar no Oulipo], eu me
encontrava psicologicamente capturado pela sociedade que eu queria retratar: eu
pensava que eu devia escrever nos seus próprios termos literários. Essa sociedade
agora ainda fornece o contexto do meu objetivo narrativo, que, aliado à forma
indireta do procedimento abstrato [escritura com regras], torna-se um objeto
imaginário e portanto acessível. Eu não sou mais sua criatura mas seu inventor".

Em segundo lugar, a regra é vista para a maioria dos oulipianos como somente
o começo da campanha de escritura. Existem várias etapas de correção, recriação e
invenção, que são responsáveis pelo caráter literário das obras do grupo. Para o
escritor norte-americano John Barth - que nenhuma relação tem com o Oulipo - é
esse o mérito da obra de Calvino: "ele sabia quando parar de formalizar e começar a
cantar - ou melhor, quando fazer os próprios rigores formais cantarem". Perec por sua
parte confessava que sentia um prazer especial em ver desmoronar todo o edifício de
formalismos que tinha construído: "É necessário - isso é muito importante - destruir o
sistema de regras. Não é necessário que ele seja rígido, é necessário que haja jogo,
que as peças se mexam; não é necessário que ele seja completamente coerente; é
necessário um clinamen (da teoria de átomos de Epicúreo): O mundo funciona porque
no começo há um desequilíbrio".

As palavras de Perec coincidem com o sistema de regras que ele criou, por
exemplo, em A vida modo de usar.Antes de começar a escrever um capítulo, ele tinha
a obrigação de eliminar ou trocar alguns elementos narrativos já determinados. As
quantidades de eliminações e trocas também eram duas categorias narrativas que ele
devia incluir em cada capítulo.

A última razão para não considerar o trabalho do grupo como uma "brincadeira"
está relacionada com a exterioridade das regras usadas. Mesmo se em alguns casos
os escritores do Oulipo simplesmente "aplicam" regras externas, o seu trabalho em
geral é mais complexo e implica a invenção de novos formalismos. Tomemos o caso
de um poema de Jacques Jouet, "Glose de la Comptesse de Die et de Didon",
publicado na Biblitohèque oulipienne 4 [ver entrevista de Jacques Jouet] . Como é
possível ver pelo título, Jouet utilizou o artifício da "glosa", uma forma poética que
tem o objetivo de parodiar ou comentar um outro poema. Em uma glosa, cada estrofe
deve ter sete versos e deve terminar com um verso do poema "glosado". Nessa nova
versão oulipiana, Jouet determinou que cada um dos versos devia ser uma
transformação dos versos glosados através de sete regras diferentes. Assim, o
primeiro verso devia ser escrito com S+7, o segundo com um monovocalismo, o
terceiro com um lipograma em e, etc. A cada estrofe, a ordem dessas regras deve
mudar, seguindo uma série de permutações da forma Quenine [ver inventário]. Ou
seja, a regra final transforma-se em um sistema tão complicado quanto um texto em
si. Por isso, não é tão simples afirmar que não há criação inicial na escrita com
regras.

PINO, Cláudia Amigo. Oulipo. In: Revista CULT, nº 52, São Paulo, Novembro 2001.

You might also like