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"O que não é o Oulipo?". 1º Não é um movimento ou uma escola literária. Nós
nos colocamos aquém do valor estético, o que não quer dizer que nós o
desprezemos."
Voltando ao Oulipo, seu objetivo era propor aos escritores novas "estruturas" de
natureza matemática ou novos procedimentos que contribuíssem à atividade literária.
Ou, como eles mesmos definiram, queriam produzir "inspiração" ou algum tipo de
"ajuda à criatividade". Assim, nas suas primeiras reuniões, o grupo apresentava
aspirações pseudo-científicas e não precisamente literárias.
Essas novas "estruturas" eram chamadas por eles contraintes, que aqui
traduziremos como regras formais ou restrições. As contraintes sempre existiram e
estiveram presentes na atividades literária, como por exemplo, na sextina, no verso
alexandrino ou no soneto. Também alguns aparentes "jogos de palavras"
constituiriam regras formais, como por exemplo, escrever sem uma letra (lipograma)
ou com apenas uma vogal (monovocalismo), ou criar enunciados que podem ser lidos
da esquerda para a direita e vice e versa (palíndromos).
A segunda linha era mais ambiciosa: tinha o fim de criar novas regras. Embora
seja vista como a verdadeira vocação do Oulipo, a atividade sintética muitas vezes se
confundia com a analítica. Uma nova contrainte podia ser criada a partir da
exploração de uma antiga. Assim, o procedimento S + 7, por exemplo, que consiste
em substituir cada substantivo de um texto pelo sétimo substantivo seguinte no
dicionário, estava inspirada no isosintaxismo, escrever um texto diferente com a
mesma estrutura sintática de outro. Do mesmo modo, a haikaisação de um poema de
Mallarmé, uma proposta absolutamente nova, provém da exploração da estrutura do
hai-kai.
Escrever é um jogo?
Essa contradição entre forma de escritura e resultado final pode ser explicada
de três maneiras diferentes. A primeira delas refere-se ao papel que as regras formais
têm para o escritor oulipiano. Em geral, elas não são vistas como simples jogos, mas
como um instrumento para aceder a algum tipo de realidade não significada à qual
era impossível através de uma escrita direta, realidade que Perec chama de
"inconsciente" ou caráter mágico das palavras. Já o escritor norte-americano Harry
Mathews, membro do Oulipo desde 1973, explica que as regras permitem uma
observação desde o exterior da sociedade que ele sempre quis retratar, observação
que jamais seria lograda desde dentro: [Antes de entrar no Oulipo], eu me
encontrava psicologicamente capturado pela sociedade que eu queria retratar: eu
pensava que eu devia escrever nos seus próprios termos literários. Essa sociedade
agora ainda fornece o contexto do meu objetivo narrativo, que, aliado à forma
indireta do procedimento abstrato [escritura com regras], torna-se um objeto
imaginário e portanto acessível. Eu não sou mais sua criatura mas seu inventor".
Em segundo lugar, a regra é vista para a maioria dos oulipianos como somente
o começo da campanha de escritura. Existem várias etapas de correção, recriação e
invenção, que são responsáveis pelo caráter literário das obras do grupo. Para o
escritor norte-americano John Barth - que nenhuma relação tem com o Oulipo - é
esse o mérito da obra de Calvino: "ele sabia quando parar de formalizar e começar a
cantar - ou melhor, quando fazer os próprios rigores formais cantarem". Perec por sua
parte confessava que sentia um prazer especial em ver desmoronar todo o edifício de
formalismos que tinha construído: "É necessário - isso é muito importante - destruir o
sistema de regras. Não é necessário que ele seja rígido, é necessário que haja jogo,
que as peças se mexam; não é necessário que ele seja completamente coerente; é
necessário um clinamen (da teoria de átomos de Epicúreo): O mundo funciona porque
no começo há um desequilíbrio".
As palavras de Perec coincidem com o sistema de regras que ele criou, por
exemplo, em A vida modo de usar.Antes de começar a escrever um capítulo, ele tinha
a obrigação de eliminar ou trocar alguns elementos narrativos já determinados. As
quantidades de eliminações e trocas também eram duas categorias narrativas que ele
devia incluir em cada capítulo.
A última razão para não considerar o trabalho do grupo como uma "brincadeira"
está relacionada com a exterioridade das regras usadas. Mesmo se em alguns casos
os escritores do Oulipo simplesmente "aplicam" regras externas, o seu trabalho em
geral é mais complexo e implica a invenção de novos formalismos. Tomemos o caso
de um poema de Jacques Jouet, "Glose de la Comptesse de Die et de Didon",
publicado na Biblitohèque oulipienne 4 [ver entrevista de Jacques Jouet] . Como é
possível ver pelo título, Jouet utilizou o artifício da "glosa", uma forma poética que
tem o objetivo de parodiar ou comentar um outro poema. Em uma glosa, cada estrofe
deve ter sete versos e deve terminar com um verso do poema "glosado". Nessa nova
versão oulipiana, Jouet determinou que cada um dos versos devia ser uma
transformação dos versos glosados através de sete regras diferentes. Assim, o
primeiro verso devia ser escrito com S+7, o segundo com um monovocalismo, o
terceiro com um lipograma em e, etc. A cada estrofe, a ordem dessas regras deve
mudar, seguindo uma série de permutações da forma Quenine [ver inventário]. Ou
seja, a regra final transforma-se em um sistema tão complicado quanto um texto em
si. Por isso, não é tão simples afirmar que não há criação inicial na escrita com
regras.
PINO, Cláudia Amigo. Oulipo. In: Revista CULT, nº 52, São Paulo, Novembro 2001.