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Os novos bolchevistas
Silêncio de instituições e intelectuais brasileiros sobre a
violação de direitos políticos em Cuba revela o mais
estreito pragmatismo
Caricatura
Jean-Paul Sartre [1905-80] foi o primeiro intelectual
conhecido a romper com Fidel. Depois se avolumaram as
evidências de que o regime se tornava cada vez mais
autoritário, reprimindo sem piedade qualquer manifestação
oposicionista. Hoje a República cubana é uma caricatura do
socialismo.
E o embargo americano que impede Cuba de se desenvolver?
E as conquistas sociais, principalmente no campo da saúde,
da educação e do esporte, que colocaram Cuba na
modernidade?
Tudo isso continua sendo muito pertinente, mas não retira
dos cubanos o direito de divergirem das políticas oficiais.
Mais ainda, não abole a distinção entre o preso político,
aquele que sofre punição por sua militância política, e o preso
comum, que simplesmente transgride em prol de si mesmo ou
de sua gangue.
As manifestações contra o regime cubano crescem dia a dia.
Tudo indica que a repressão aumentará. Não podemos aceitar
que os manifestantes sejam tratados como presos comuns.
Mas, como sempre, o governo Lula dá uma no prego e outra
na ferradura.
Desta vez, porém, a pancada na ferradura foi muito maior,
porque ferrou qualquer adversário, negando seu estatuto de
político, mesmo quando faz greve de fome para ser
reconhecido como tal. Cabe então a nós, intelectuais
brasileiros, denunciar essa violência, defender o direito e o
espaço das oposições.
No entanto, muitos de nós simplesmente estão se furtando a
tomar firme posição contra esse escândalo. Estão casados
com os grupos de esquerda em que militam e comprometidos
com a política do atual governo, mesmo quando ela nega
princípios gerais que comandam os ideais democráticos.
Até o Cebrap
O maior argumento é que agora qualquer manifestação teria
efeitos eleitorais. Mas o silêncio não tem o mesmo efeito?
Interessante é que até mesmo o Cebrap, uma instituição que,
durante a ditadura, não deixou de denunciar as violações dos
direitos democráticos, hoje simplesmente está calado.
E, naqueles tempos, o efeito não era eleitoral, mas a porrada
dos gendarmes do governo. Cabe refletir sobre o que está
atualmente acontecendo no Brasil. Em particular a vida
pública está perdendo qualquer dimensão normativa. Vale o
pragmatismo mais estreito.
Importa ganhar as eleições, fazer um governo popular, não
perturbar a onda de felicidade que nos cobre mansamente.
Ainda que sejam adiadas decisões importantes que não caiam
no gosto do público, que as próximas gerações paguem o
preço de nossas conveniências.
Resulta daí que cada vez mais tendemos a nos tornar uma
sociedade média, média, micha.
jagiannotti@uol.com.br