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(Identidade desconhecida do certificador) Assinado por Natan Caetano <natan_coil

@hotmail.com> Hora: 2010.04.10 20:14:01 -08'00' Motivo: I am the author of this


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North Bound

por Natan Caetano


Dedicado ao meu querido amigo
e maior incentivador, Anderson Rodrigo Cunha.
Capítulo 1

O burburinho no ginásio era grande. Todos conversavam, cochichavam, mas ninguém sabi
a o
que havia de tão importante a ser dito pelo treinador Scott, que já estava atrasado.

Oh, céus, essa espera já está me agoniando comentou Amelie com Luc, sentado ao seu
lado. Detesto surpresas.
Hum... Espero que seja ao menos uma notícia boa.
Quando, finalmente, o treinador apareceu, todos sentados ali na arquibancada do
ginásio foram
se acalmando e se silenciando aos poucos, para poder, enfim, ouvir o tal comunic
ado. Scott se
aproximou calmamente, virou-se de frente aos alunos, sorriu serenamente, saudou
a todos e começou
a falar:
Tenho uma boa notícia pra vocês, jovens atletas. Acalmem-se que eu vou contar.
Todos se calaram, enfim, e apuraram os ouvidos.
Tenho orgulho em lhes dizer que nosso colégio North Bound foi convidado a particip
ar da
Liga Intercolegial de Futebol!
Todos gritaram, uivaram, aplaudiram e se abraçaram energicamente, comemorando. O
intercolegial era o sonho de todos os jogadores do colégio.
Meninos, se acalmem, tem mais um recado disse o treinador.
Ninguém pareceu tê-lo ouvido, ainda tomados pela euforia. Então Scott fez soar o apito
e todos
foram se recompondo.
Vocês estão divididos em duas equipes; Equipe Svartlys, liderada pelo colega de vocês,
Luc
Wessels, e Equipe Lysstyrke, liderada pelo caro Cody Holt. Mas como as duas equi
pes não podem
participar do mesmo campeonato, será feita uma seleção de jogadores. Serão escolhidos os
que
tiverem melhor desempenho durante os treinos, que começarão semana que vem. O campeo
nato
acontecerá no final do ano, mais ou menos em outubro, portanto vocês têm alguns meses
de treino.
Equipes de outras cidades, não só de Kells, também participarão. O título que o vencedor c
onquistar
vai ser de grande importância para o colégio e os jogadores que participarem dessa c
onquista
receberão uma condecoração por isso.
Todos se agitaram novamente, empolgados com uma notícia tão excitante.
Treinador! Luc esticou o braço Quem será o responsável pela seleção dos jogadores?
Eu mesmo. Vou acompanhar os treinos na medida do possível, mas não vou poderei assis
tir a
todos os jogos, então contarei com um relatório dos capitães, ok? Era só isso, pessoal c
oncluiu
Scott. Estão dispensados.
Todos foram saindo aos poucos. Luc ficou pensativo.
O que foi, Luc? perguntou Amelie Você deveria estar feliz! Esse é um dos maiores
campeonatos escolares da cidade!
Mas eu estou feliz... respondeu ele, esboçando um sorriso.
Desceram os degraus da arquibancada e foram caminhando até o portão de saída, até que se
ouviu:
Ei, veadinho!
Reconhecendo aquela voz prepotente, Luc olhou para trás, já sabendo quem era o emissár
io.
Era Cody, que tinha o hábito de espezinhá-lo gratuitamente.
Não precisa se preocupar, não, minha equipe vai dar conta do campeonato sozinha. Ach
o que
não será nem necessário que seus jogadores treinem, já que a Lysstyrke foi campeã dos últim
s dois
torneios, enquanto a Svartlys ganhou... ganhou o que mesmo? NADA!
Todo aquele grupinho habitual que estava sempre ao redor de Cody se juntou a ele
naquelas
risadas cheias de deboche. Luc o fitou com desgosto, mas antes que pudesse dar q
ualquer resposta,
Amelie, sensata, o puxou delicadamente pelo braço e disse:
Ignore, vamos pra sala de aula.
As risadas continuaram, mas Luc e Amelie saíram do ginásio, ignorando os garotos.
Por que não me deixou respondê-los?! perguntou Luc um tanto nervoso, enquanto
caminhava apressadamente, ainda sendo segurado pelo braço por Amelie.
Porque esse tipo de discussão não leva a nada e você está cansado de saber disso. Cody é
m
idiota, os amigos dele idem e não adianta discutir.
Mas...
Não tem mas , Luc. Ele queria mesmo que você respondesse, você iria fazer o que ele
queria? Não, né?
Amelie era uma garota decidida e sempre estimulava Luc a não dar corda às asneiras d
e Cody.
Ela e Luc se conheciam desde a oitava série, há três anos, quando estudaram juntos pel
a primeira
vez. Amelie era de uma beleza simples, mas, ao mesmo tempo, encantadora. Tinha c
abelos lisos,
castanhos claros, olhos negros, sobrancelhas arqueadas e um sorriso de menina. Não
era uma das
mais populares do colégio, mas fazia-se notar por sua educação, inteligência e determinação
além de
participar da comissão de festas de North Bound.
Chegaram à sala de aula e se sentaram em seus devidos lugares. Alguns minutos depo
is chegou
Cody, acompanhado de sua turma.
A professora os fitou com olhar reprovador, enquanto os atrasados iam aos seus l
ugares. Não
resistindo à tentação de retomar àquela discussão vã, Luc ainda olhou pra trás, em direção

que sorria ironicamente a ele e cochichava qualquer coisa aos seus colegas de ar
ruaça.
Virou-se pra frente e se conteve. Não havia, de fato, nada que pudesse fazer. Aque
la era uma
batalha inútil. Mas, no fundo, Luc sabia que o pior de tudo não era aguentar todo o
despeito de Cody,
mas, sim, estar ciente de que, por mais que não quisesse aceitar, tinha sentimento
s por ele. Não havia
nada, absolutamente nada que o pudesse atrair àquele garoto tão medíocre, mas era inev
itável. O
coração de Luc sempre bateu mais forte por Cody, e isso só servia pra piorar seu desgo
sto por saber
que Cody simplesmente o desprezava.
A aula de Filosofia prosseguiu normalmente e assim que o sinal que anunciava o i
ntervalo
soou, todos os alunos saíram apressados da sala. Luc ainda permaneceu por alguns i
nstantes,
terminando de copiar o conteúdo anotado no quadro negro.
Vamos, Luc, depois você termina de anotar isso! disse Amelie, da porta da sala de
aula.
Luc suspirou e se levantou, indo em direção à amiga. Caminharam pelo longo corredor até
que
chegaram ao pátio.
Alex, que era um dos integrantes da trupe que acompanhava Cody, os avistou de lo
nge e se
aproximou a passos lentos. O coração de Luc acelerou. Sempre se assustava quando alg
um dos
amigos de Cody chegava mais perto.
Alcançando-os, Alex sorriu a Amelie e ela correspondeu. Os dois deram um breve bei
jo, que
deixou Luc um tanto confuso.
Luc, deixe te apresentar... Quero dizer, apresentar formalmente, o Alex. Estamos
namorando.
Um tanto espantado, Luc o olhou sem saber qual era a exata expressão que deveria f
azer diante
àquela notícia.
Namorando? perguntou ele, desconfiado.
Sim, ué, qual o problema?
Mas, Amelie, você sabe que... Luc se interrompeu. Por que você não me disse nada?
Porque eu sei que você e o Cody não se dão bem e que o Alex é da mesma equipe que ele,
então achei melhor não te contar nada enquanto não fosse oficial. Sei que eu deveria t
er te contado
antes, até porque já tem algum tempo que eu e Alex estamos nos conhecendo, mas prefe
ri te poupar.
Não vai ficar chateado comigo agora, vai?
Luc suspirou e fitou Amelie, um tanto enraivecido. Alex sorriu a Luc e estendeu-
lhe a mão.
Não se preocupe, eu apenas jogo na equipe do Cody, não sou como ele.
Luc o analisou por um instante e permaneceu em silêncio.
E sinto muito pelo que aconteceu mais cedo no ginásio. Você é um cara legal, não liga pr
o
Cody.
Luc retribuiu o cumprimento e agradeceu. Disse em seguida, com o olhar em direção a
Amelie:
Fico feliz que estejam namorando. E espero que cuide bem dela concluiu, virando-
se para
Alex.
Os três riram. Saber que, de certa foram, o inimigo era um aliado não era de todo as
sustador,
embora parecesse.
Alex era um cara bonito. Alto, magro, cabelos lisos, olhos cor de mel, ombros la
rgos. De todo
o grupo que sempre estava com Cody, ele parecia ser o menos mesquinho, embora Lu
c não o
conhecesse tanto, pois eram de turmas diferentes. Fazia um par deveras interessa
nte com Amelie.
O clima se tornou descontraído e agradável, até que, sem que qualquer um ali percebess
e, Cody
se aproximou e chegou logo se exaltando, dirigindo-se a Alex:
O que é, agora?! Vai ficar dando conversa para esse veado?!
Luc olhou com desgosto, tentando encontrar uma resposta à altura para interceder n
aquela
discussão. Mas não conseguia. Não sabia se seu olhar era de desgosto ou se era de enca
nto diante da
beleza tão rara que se escondia atrás do mau caráter de Cody. Aqueles olhos verdes par
eciam um
mar de esmeraldas, que combinavam em perfeita harmonia com seus cabelos loiros e
corpo esguio.
Tá me olhando por quê!? esbravejou Cody a Luc.
Luc ajeitou seus óculos no rosto, suspirou e, serenamente, disse, com as mãos cruzad
as sobre o
abdome:
Você deveria se preocupar mais com seus afazeres ao invés de dar tanta atenção à vida alh
ia,
não acha, Cody?
Exaltado com a resposta, Cody agarrou a gola da camisa de Luc furiosamente. Amel
ie gritou e
tampou a boca com as mãos, temendo o pior. Sorte que Alex estava por perto e, rapi
damente,
interveio, separando os dois.
O que você pensa que está fazendo, Alex? Eu vou arrebentar essa bicha!
Não vai, não, Cody.
Alex, muito maior e mais forte que Cody, o puxou pelo braço, separando-o de Luc, q
ue se
recompunha.
Você vai ficar do lado dele, é?
Não estou do lado de ninguém, só não quero que se meta em confusão.
Cody fitou Alex com ira. Proferiu algumas ofensas ao vento e saiu pisando duro,
como se
tivesse acabado de perder uma batalha, mas, no fundo, se sentindo como se fosse
o favorito em uma
guerra.
Oh, meu Deus, você está bem, Luc? perguntou Amelie, aflita.
Estou, sim, não se preocupe. Ainda bem que o Alex está aqui, senão... não sei o que teri
a
acontecido. Obrigado novamente, Alex.
Não há de que. Quando eu estiver por perto, não se preocupe com o Cody, ele não vai lhe
nada.
Tá vendo como ele é um herói, Luc? disse Amelie, abraçando Alex.
Ainda um tanto constrangido e totalmente sem saber como agir no meio do casal de
namorados, Luc pediu licença para ir tomar água e se afastou dos dois. Voltou pelo m
esmo corredor
de onde havia vindo, passou pelos bebedouros e se sentou em um banco num canto r
elativamente
afastado do colégio, em meio a um belo gramado, próximo ao campo onde os jogadores t
reinavam.
Sentiu vontade de chorar. Doía-lhe a alma saber que sentia coisas tão belas por uma
pessoa tão
desprezível e que sequer sabia de seus míseros sentimentos.
Não estava disposto a assistir as duas últimas aulas. O sinal que anunciava a volta
dos alunos às
suas devidas salas soou, mas Luc permaneceu ali, naquele mesmo banco, observando
o nada.
O colégio North Bound era um lugar bonito. Mais parecia uma faculdade tradicional
do que um
colégio caro. Sua entrada era grandiosa, com um enorme jardim logo à vista. Sua cons
trução era
trabalhada em temas medievais e tudo parecia simplesmente imensurável, tudo grande
o suficiente
para se perder lá dentro, cheia de portas, entradas, salões, chafarizes... Uma quant
idade muito grande
de salas, um refeitório para os alunos e professores, muito verde, muitas árvores, u
m ginásio e um
campo de futebol.
Luc levantou-se, ia dar uma volta pelo colégio. Nunca fora de fazer seus próprios ho
rários de
aula, não. Sempre fora um aluno muito disciplinado, mas, ultimamente, andava basta
nte displicente e
desanimado. Sentia-se um tanto sozinho em casa, já que vivia apenas com seu pai. A
mãe era
falecida há muito, nem se lembrava de como era. Vivia com o pai, que era um famoso
médico
cirurgião, em uma grande casa, próxima ao colégio.
Os problemas habituais, as preocupações diárias e a anulação obrigatória de todo seu
sentimento por Cody andavam o atormentando. Seu ânimo já não era mais o mesmo, sua
determinação idem. Não queria, de jeito nenhum, que isso mudasse de alguma forma sua v
ida, mas
acabou acontecendo.
Agora também precisava se preocupar com sua equipe de futebol. Não estava nem um pou
co
encorajado a enfrentar um novo campeonato, mas por ser o capitão do time, não podia
deixar a
equipe na mão, já que assumira o compromisso. E, infelizmente, essa incumbência o forçav
a a ter
contato com seu algoz, Cody, tornando essa a pior parte de todas.
Caminhou pelos gramados do colégio sem rumo, pensando em como organizaria os trein
os de
sua equipe. Seria necessário combinar com Cody os horários em que cada equipe usaria
o campo,
apesar de que qualquer contato com ele era, na tentativa, evitado.
Você não vai morrer por causa disso, Luc pensava ele.
Vagou por mais alguns instantes por alas e corredores que traziam consigo lembra
nças diversas
e resolveu voltar à sala assim que soou o último sinal. Voltou pelo mesmo caminho po
r onde veio,
pacientemente, chegou à sala, aproveitou a movimentação para entrar despercebido e se
sentou em
seu lugar.
Onde você estava? perguntou Amelie, preocupada.
Por aí.
O professor da aula de Literatura chegou, todos se sentaram e a aquela aula chat
a passou
lentamente, até que, enfim, o último sinal tocou e os alunos estavam liberados.
Luc e Amelie sempre iam embora juntos, pois moravam em casas próximas e o caminho
que
faziam era parecido. Juntaram seus objetos e foram rumo ao portão de saída, caminhan
do pelo
corredor principal.
Luc, espera disse Amelie, olhando para trás.
Amelie voltou alguns passos e logo Luc percebeu que era Alex que havia a chamado
. Os dois
se beijaram e conversaram por algum tempo, enquanto Luc continuava parado no mes
mo lugar,
olhando complacentemente. O casal se aproximou.
Olhando bem, Amelie, tão pequenina, ali, protegida pelos longos braços de Alex, mais
parecia
sua irmã que sua namorada, e ele mais parecida um nadador olímpico que um jogador de
futebol.
Preciso conversar com o Alex, vá sozinho hoje, se importa?
Luc sorriu e meneou a cabeça negativamente, em resposta. Despediu-se educadamente
de Alex
e pôs-se novamente a caminhar, com as mãos no bolso e o pensamento distante.
Por mais que não fosse necessário, Luc gostava de caminhar. O colégio não era assim tão pe
rto
de sua casa, mas gostava de ir pra casa caminhando, pois o trajeto era de um ar
tão puro que
refrescava os pulmões, sem contar que ir sozinho lhe dava tempo para se atentar me
lhor aos seus
pensamentos, inclusive aqueles que não deviam ser ditos.
Luc não sabia se Amelie tinha qualquer desconfiança sobre seus sentimentos por Cody,
mas
sempre achou melhor não comentar, até porque jamais dera a ela motivos para desconfi
ar. Esse
assunto sempre foi tabu e era raro que fosse comentado. Quando acontecia, era lo
go desconversado.
A preocupação de Luc em manter Segredo de Estado sobre esse tipo de intimidade era m
uito, muito
grande.
...
Oi pai.
E aí, filhão, como foi no colégio?
Bem.
Luc jogou sua mochila sobre o sofá, foi até a cozinha, onde estava seu pai, preparan
do o
almoço, e se sentou à mesa.
Alguma novidade? perguntou Thomas, olhando por cima dos ombros, sem descuidar do
que estava fazendo ao fogão.
O treinador nos falou que vamos participar de um campeonato de futebol intercole
gial. Tenho
que falar com a equipe para começarmos a treinar logo.
Mas isso é ótimo! E você vai jogar com aquele seu amigo... como é o nome dele? Cody?
Ouvir aquele nome já era suficiente para causar arrepios.
Vou, pai. E ele não é meu amigo.
Ora, pensei que fosse respondeu Thomas, virando-se e secando as mãos no pano de pr
ato.
Luc continuou prestando atenção no barulho de fritura que vinha do fogão e perguntou,
em
seguida:
Não vai trabalhar hoje?
Vou, sim. Tenho que ir à clínica logo à tarde. E você? Vai fazer o que hoje?
Nada, por enquanto. Talvez eu vá ao colégio hoje resolver questões do campeonato, mas
não
sei ainda.
Thomas riu. Deu um beijo na testa de Luc, foi até a geladeira, pegou alguns condim
entos e
voltou à pia para terminar de preparar o almoço.
Você está sempre tão ocupado com suas coisas do colégio que não temos tempo de conversar
sobre coisas tão triviais como essa, já reparou? disse Thomas, rindo Você não me parece
gostar
muito de futebol, filho. Você é capitão do time, mas, como diria sua mãe, não vejo seus ol
hos
brilharem quando você fala nisso.
Talvez não seja o que eu quero pro resto da vida, mas eu gosto. Sei lá, me distrai,
penso em
outras coisas que não sejam...
A resposta certamente estaria relacionada a Cody, mas houve tempo de não concluir.

Que não sejam...?


Coisas do colégio.
Por que você não vem trabalhar na clínica comigo?
Thomas enxugou as mãos no pano de prato e levou o almoço, que já estava pronto, e os
talheres à mesa. Sentou-se de frente a Luc, esperando a resposta à sua pergunta.
Desconcentrado, Luc fez seu prato e se esqueceu da pergunta.
Então, por que não vem trabalhar na clínica comigo?
Sem saber exatamente a resposta, mas sabendo que medicina cirúrgica não era, nem de
longe,
sua praia, respondeu sem pensar:
Porque nepotismo é crime.
Thomas riu alto enquanto se servia.
Nepotismo por quê? Eu não sou político.
Luc, que não estava nem um pouco animado com a conversa, respondeu seriamente:
Porque eu não tenho a mínima experiência com isso e você vai me contratar só porque sou
seu filho. Isso é nepotismo e é crime. Aliás, não tenho experiência com nada. E é por isso
ue não
descarto a possibilidade de continuar como jogador de futebol, que é a única coisa q
ue eu sei fazer
direito.
Thomas sorriu e segurou a mão de Luc.
Tudo bem, não vou insistir. Mas a proposta vai continuar de pé, sim? Se mudar de ide
ia,
depois, é só me falar.
Luc assentiu com a cabeça e continuou comendo rapidamente.
Thomas era um bom pai. Já estava em seus quarenta e sete anos, mas continuava bem
conservado. Tinha cabelos anelados, desgrenhados e já um pouco grisalhos, penteado
s para trás,
barba serrada, algumas rugas de idade e de expressão, corpo troncudo, ombros largo
s, braços fortes e
olhos castanhos que sempre expressavam um olhar de simpatia. Apesar de já ter pass
ado dos
quarenta, continuava em plena forma física.
O assunto sério terminou e o almoço transcorreu em uma conversa mais superficial. Lu
c ainda
precisava planejar como faria para treinar seus jogadores e se preparar psicolog
icamente para o
campeonato que estava por vir. Detestava campeonatos, principalmente os que acon
teciam fora da
cidade. Kells era uma grande cidade, mas existia a possibilidade de os jogos aco
ntecerem em Itýr,
que também era uma grande cidade e que tinha estrutura tão boa quanto Kells, por que
stões
climáticas. Mas o que mais incomodava era saber que, sendo ele e Cody capitães de se
us times,
inevitavelmente os dois jogariam juntos. Conhecendo-se, Luc estava certo de que
existia a grande
possibilidade de esse fato interferir no seu desempenho durante os jogos, já que e
staria cara a cara
com o inimigo, dentro de um campo de batalha cercado de mais onze inimigos!
Bom seria se Cody deixasse nossas diferenças de lado, ao menos na hora da partida
pensava.
Mas essa possibilidade era quase remota. Cody era um poço de soberba e arrogância, j
amais
desceria do pedestal sequer por um segundo. E isso era absolutamente lamentável.
Bom, eu já vou, meu filho, quero chegar à clínica cedo hoje.
Thomas limpou a boca com o guardanapo, se levantou, deixou a louça na pia e tomou
um gole
de suco. Qualquer coisa, é só me ligar, tá? Até mais tarde.
Deu um beijo na testa de Luc, que se despediu do pai monossilabicamente enquanto
ainda
almoçava. Ouviu a porta fechar e, enfim, estava só.
...
Quando acordou, ainda eram quatro da tarde.
Espreguiçou-se, coçou os olhos e lavou o rosto. Precisava ir ao colégio conversar com
o
treinador Scott pra resolverem os horários dos treinos. Também precisava conversar e
planejar as
coisas com seus jogadores adequadamente, para que a equipe não saísse em desvantagem
em relação
a Lysstyrke.
Arrumou-se rapidamente, pegou sua mochila e foi rumo ao colégio, caminhando.
Entrou pela secretaria e perguntou pelo treinador. Foi avisado de que estaria no
ginásio
treinando os garotos do basquete. Caminhou sem pressa pelos corredores do colégio,
com um olhar
desconfiado e uma pitada de insegurança, tentando vislumbrar o que o esperava quan
do o
campeonato finalmente acontecesse. Passou pelo portão do ginásio e, logo de longe, p
ercebeu a
presença de Cody, que estava ao lado do treinador, conversando animadamente. Arreg
alou os olhos
com a surpresa e pensou em desistir. Ficou parado algum instante, hesitando entr
e ir e voltar, deixar
pra outra hora ou encarar.
E aí, Luc?!
Assustou-se novamente e olhou atrás para ver quem o chamava. Era Alex.
Oh, oi Alex... Como vai?
To bem. Veio conversar com treinador sobre os treinos?
Luc assentiu com a cabeça, sem saber ao certo a quem devia olhar, Cody, o treinado
r ou Alex.
Então tá certo, a gente se fala! Deixe-me ir, que estou com pressa!
Alex retirou-se rapidamente, voltando a se juntar ao grupo com que estava reunid
o e saindo do
ginásio em seguida.
Luc respirou fundo, tomou coragem e foi caminhando rumo ao treinador, a passos l
entos, sem
querer ser visto por Cody, que poderia percebê-lo pela visão periférica. Mas Scott se
virou e Cody
acompanhou seu movimento. Luc fora descoberto pelos dois ao mesmo tempo.
Scott sorriu e Cody não demonstrou reação, continuou de braços cruzados.
Olá, Luc! O que o traz aqui?
Oi, treinador... respondeu Luc, um tanto sem graça. Eu vim... combinar os horários d
os
treinos com o senhor e com o Cody.
Mas olha que sorte! O Cody veio aqui fazer o mesmo. Bom que vocês já conversam e
resolvem isso juntos, não é?
Luc desviou o olhar e Cody permaneceu impassível.
O alto falante do ginásio anunciou que estava sendo solicitada a presença do treinad
or à sala
dos professores.
Garotos, resolvam vocês, certo? Qualquer coisa, é só me procurar. Eu já volto.
O treinador se retirou e deixou os garotos a sós.
Luc não sabia se achava aquela situação boa ou ruim, só sabia que seu coração estava aceler
do
e também que não imaginava como iniciaria aquela conversa. Olhou o chão e se concentro
u por um
instante em seus pensamentos para tentar começar aquela conversa da maneira mais e
ducada, sensata
e desinteressada possível.
Não vai falar nada? perguntou Cody rudemente.
Luc o fitou e suspirou.
Vim aqui conversar com o treinador sobre os horários dos treinos, mas acho que você
foi
mais rápido que eu.
Como sempre.
Cody colocou as mãos nos bolsos e começou a caminhar para fora do ginásio, que estava
cheio
e barulhento por causa dos rapazes do basquete. Luc não sabia se o seguia ou se co
ntinuava no
mesmo lugar.
Vai ficar parado aí? perguntou Cody, já alguns passos à frente.
Luc caminhou devagar e o alcançou. Os dois ficaram em silêncio até que saíssem do ginásio.
Andando assim, um ao lado do outro, sem dizer sequer uma palavra, pareciam mais
dois meros
desconhecidos do que duas pessoas que não se bicavam. Quando estava longe dos amig
os, Cody era
menos detestável.
Chegaram ao pátio e se sentaram em uma mesa quadrada próxima à secretaria. Cody cruzou
as
pernas e colocou um braço sobre o encosto do banco. Luc, um tanto constrangido e s
em saber
exatamente o que fazer sob a prepotência de Cody, colocou sua mochila sobre o banc
o, ajeitou os
óculos e pegou um caderno que trouxera. Colocou-o sobre a mesa e tirou um lápis do b
olso. Cody o
olhava o tempo todo, mas dizia nada, o que deixava Luc ainda mais constrangido.
Você já combinou com o treinador os horários dos seus treinos? perguntou Luc.
Não. Estava esperando que você aparecesse para que resolvêssemos isso juntos.
Luc abriu o caderno e perguntou:
Alguma preferência?
Cody se inclinou e colocou os braços, cruzados, sobre a mesa, olhando fixamente Lu
c, que
estava com a cabeça baixa sobre o caderno, esperando a resposta à pergunta que acaba
ra de fazer.
Quero as segundas ,quartas e sextas. Se precisar de algum domingo, te avisarei.
Não vamos
treinar em horário de aula, então, se tiver licença, quando quiser treinar em algum de
sses dias no
horário letivo, não tem importância. Assim está bom pra você?
Luc consentiu com a cabeça e anotou as observações feitas por Cody, que continuava a f
itá-lo.
Então acho que estamos combinados. Você já falou com o treinador Scott? Já sabe se esses
horários estão todos livres? perguntou Luc, fechando o caderno.
Já. A partir do próximo mês vamos ter que revezar entre ginásio e campo, mas acho que is
so
não vai fazer diferença.
É, não vai. Então é só isso, nos vemos por aí.
Os dois se levantaram ao mesmo tempo e Luc já se virava para sair dali, sem ao men
os olhar o
rosto de Cody pela última vez. Os dois não tinham a mínima formalidade, então qualquer até
logo
era totalmente dispensável. Mas, por incrível que parecesse, Cody acabara de fazer a
lgo inédito, que
jamais havia feito desde que ele e Luc se conheciam: estendeu a mão.
Boa sorte.
Ver aquele braço estendido em sua direção e aqueles olhos que roubaram todo o verde do
mundo olhando friamente em sua direção fora, de certa forma, a maior conquista em re
lação a Cody
já feita em muito, muito tempo. Era indescritivelmente incrível a sensação de ser cumpri
mentado
sem receber de volta nenhuma agressão, nenhuma palavra de ofensa, nenhuma calúnia. C
hegava a
ser emocionante a sensação de um contato tão simples e que carregava um pingo de nobre
za.
Passado aquele pequeno momento de confusão, Luc aceitou o cumprimento e apertou a
mão de
Cody, que continuava com o braço esticado, esperando a retribuição da saudação. Oh, que pe
le
macia e que mãos rígidas... Que sonho vil, que céu e inferno dentro de um instante tão p
assageiro.
Que devaneio...
Até mais.
Luc guardou o caderno e a caneta e foi rumo à saída do colégio, mas não acompanhou Cody.
Seria demais para um dia só. Caminhou sozinho e sem olhar para trás. Passou pela qua
dra para se
despedir do treinador e voltou para casa.
Capítulo 2

A manhã alvorecera esplêndida. O sol brilhava intensamente e os pássaros cantavam anim


ados.
Luc acordou e olhou o relógio. Ainda era cedo, restavam alguns minutos até que desse
a hora
de se levantar. Não sabia por que o dia clareara tão cedo, mas o cantar dos pássaros o
fez se sentir
bem. Espreguiçou-se, olhou novamente o relógio e se levantou. Trocou de roupa e esco
vou os
dentes.
Colocou seus chinelos e desceu as escadas a passos lentos, arrastando os pés, expr
essando em
movimento toda a preguiça de seu despertar.
Thomas já havia acordado. Terminava de servir o café quando Luc apareceu à cozinha.
Bom dia, filho! disse ele, animado.
Hum... bom dia...
Luc se sentou numa das cadeiras da mesa e suspirou. Deu um gole no copo de leite
que ali
estava.
Dormiu bem? perguntou Thomas enquanto se sentava.
Luc balançou a cabeça em afirmação. Não gostava muito de conversas logo ao amanhecer.
Sempre respondia apenas sim ou não com a cabeça e nada mais.
Tenho uma novidade disse Thomas ligeiramente excitado.
Qual?
Acho que encontrei uma pretendente.
Desde a morte da mãe de Luc, Thomas não se interessara por nenhuma outra mulher. Pel
o
menos nada sério, apenas casos passageiros e transas casuais, coisa de homem, mas
nenhum
compromisso. No fundo, de certa forma, achava que um homem devia se relacionar a
sério e casar-se
com apenas uma mulher, e essa regra sempre fora sagrada, pelo menos até agora...
Sério? Onde a conheceu?
Bem... na verdade... Thomas coçou a cabeça e fez uma pausa antes de concluir a respo
sta,
pensando em como prosseguir com a sentença.
Na verdade...?
É... na verdade ela é uma... paciente minha.
Luc olhou-o com olhar interrogativo.
Isso não é antiético?
NÃO! disse Thomas em voz alta Quero dizer... sim e não... Eu me interessei por ela nã
por ser minha paciente, mas sim pelo que ela demonstrou ser, entende? Não é fetiche
ou fantasia de
médico, não. E ela não vai ser minha paciente pra sempre. Ela foi à clínica fazer uma cons
ulta para
marcar uma cirurgia pequena, nada demais... E eu fiquei completamente encantado
por ela! Ela é
linda, inteligente, comunicativa!... Conversamos como se já nos conhecêssemos há muito
tempo,
sabe?
Sei, sei...
Os olhos de Thomas brilhavam como os olhos de um adolescente apaixonado, como não
brilhavam há tempos.
Luc continuava a ouvir a aventura do pai enquanto tomava o café.
Então, é isso... não sei, me sinto um garoto dizendo isso, mas estou confuso ria ele.
Mas espera... Você só falou e falou dela, mas não vi nenhum motivo para ela ser sua
pretendente. Ela deu alguma direta ou indireta?
Não, nenhuma. Mas tudo é possível, tivemos uma conversa muito agradável. Acho que vou
chamá-la pra sair, o que acha?
Acho que você está sendo um tanto precipitado.
Mas, meu filho, uma mulher dessas só aparece na vida de um homem uma vez na vida e
outra
na morte. E eu não quero esperar a vez da morte chegar, tenho que arriscar enquant
o é tempo.
Luc fez uma pausa e disse.
Tudo bem. Traga-a aqui em casa, quero conhecer a felizarda.
Sério? perguntou Thomas, rindo feito bobo.
Sério, pai, e pare de rir porque você está mesmo parecendo um adolescente.
Luc levantou-se e guardou a caixa de leite na geladeira. Thomas riu mais uma vez
.
Tá, pode deixar, vou falar com ela e trazê-la aqui assim que for possível.
...
Bom dia, classe.
Os alunos se dispersaram e se sentaram em seus devidos lugares rapidamente enqua
nto a
professora organizava seu material sobre a mesa, esperando o pequeno tumulto de
sua chegada se
desfazer. Depois que todos se sentaram e se silenciaram, ela disse em tom brando
:
Pessoal, vou passar um trabalho que deverá ser feito em duplas, certo? Não se preocu
pem,
vou dar um bom prazo para entrega, pois o trabalho deverá ser manuscrito, bem feit
o e conclusivo,
ok? Então, nada de cópias fiéis da Internet, que é só o que vocês sabem fazer, né?
Todos riram e a maioria já começava a convidar os companheiros para fazer consigo. L
uc já
estava até virado para o lado para convidar Amelie, mas a professora continuou:
Eu vou escolher as duplas.
Instantaneamente todos se desanimaram. Fazer trabalho em dupla sem poder escolhe
r o par é
um saco. Todos suspiravam e muxoxavam insatisfeitos.
Não reclamem, crianças. Vamos fazer assim: estamos em seis filas, certo? O primeiro
lugar
da primeira fila vai fazer com o primeiro da sexta; o primeiro da segunda vai fa
zer com o primeiro da
quinta; o primeiro da terceira vai fazer com o primeiro da quarta e assim sucess
ivamente com os
segundos, terceiros e próximos, entenderam?
Antes mesmo de terminar a explicação, todos já olhavam para os lados para ver quem ser
ia seu
companheiro de trabalho.
Ah, não lamentou Amelie.
O quê? perguntou Luc.
Veja você.
Seguindo o padrão estabelecido pela professora, a pessoa que faria o trabalho com
Luc... era
Cody, que estava sentado na quinta fila, olhando-o com olhos de uma águia faminta.

Não acredito...
Ah, Luc, pense que você não vai morrer por causa disso. Eu vou ter que fazer com aqu
ela
gordinha chata e nem por isso estou reclamando.
Mas aquela gordinha chata não é sua arqui-inimiga e você não é...
Por mais um segundo e aquela frase seria concluída.
Não sou o quê?
Não é... não é odiada por ela.
Mas o Cody não te odeia.
Luc suspirou. Já podia prever o que estava por vir: desgraça.
Pronto, crianças? Já acharam seus pares?
Eu não vou fazer trabalho nenhum com aquele veado! gritou Cody de onde estava.
Todos se calaram imediatamente. Alguns cochicharam em seguida, outros riram disc
retamente
e a trupe de Cody vaiou em incentivo.
Luc baixou a cabeça e fechou os olhos. Sentiu o chão abrir sob seus pés.
Veado é você, seu idiota! gritou Amelie em reposta.
E ali começou o alvoroço. A professora tentou apartar a discussão, mas não teve sucesso.
Todos riam, batiam palmas, assoviavam e a voz da professora se tornava inaudível e
m meio àquele
uníssono de desordem.
Cale a boca que eu não estou falando com você! respondeu Cody, se levantando e
apontando o dedo.
E quem você é pra me mandar calar a boca? Acha que eu tenho medo de você? respondeu
Amelie, também se levantando.
Era melhor que tivesse, vadiazinha!
Era melhor que eu tivesse? Por quê? Vai me bater, seu enrustido?
Não, mas eu posso acabar com você em dois tempos!
Nossa! Olha como eu estou com medo!
E a discussão prosseguiu por mais alguns instantes, até que a professora conseguiu c
ontrolar o
pandemônio. Então os mais sensatos foram parando aos poucos, fazendo com que o resta
nte também
parasse, até que todos ficaram novamente em silêncio.
Amelie, acalme-se pediu a professora, que sabia que Amelie não era de se exaltar.
Amelie ficava completamente possessa quando Cody agredia Luc em sua presença.
Cody, peça desculpas a seu colega agora ordenou a mestra.
Ele não é meu colega.
Cody Holt, eu não vou falar duas vezes: peça desculpas ao seu colega.
Não.
Não se ouvia mais um pio naquele ambiente. Pela fama de mau garoto, ninguém sabia se
temiam mais à professora, que era bastante séria e respeitada, ou a Cody, que era o
bad boy mais
conhecido de North Bound.
Então se retire da sala imediatamente.
Com um riso irônico nos lábios e o olhar de superioridade de sempre, Cody se levanto
u e saiu
da sala. Mais uma vez o cochicho retornou ao ar. Coberto de vergonha, Luc disse
baixo:
Você não devia ter discutido, Amelie!
Devia sim! Esse idiota não pode sair ganhando todas!
Ok, pessoal, chega, acabou o show disse a professora, ainda um tanto constrangid
a com o
que acabara de acontecer. Luc, peço desculpas pelo Cody, ele não sabe o que diz. Rel
eve, por
favor.
Luc consentiu com a cabeça e a aula prosseguiu.
Dado o intervalo, Luc e Amelie permaneceram na sala. O medo de encontrar Cody no
caminho
era maior do que a necessidade de respirar um pouco de ar fresco e sair daquele
clima pesado que
pairou sobre o ar. Passados alguns minutos, Alex apareceu. Entrou na sala e se s
entou ao lado de
Amelie. Beijou-a brevemente e perguntou, preocupado:
O que houve? Tá tudo bem?
Luc não disse nada.
É aquele idiota do Cody, como sempre respondeu Amelie por ele.
Que foi que ele fez?
Nada, Alex, já passou, não se preocupe.
Luc se levantou.
Não se preocupe mesmo, não foi nada demais. Vou deixar vocês a sós disse ele, se
retirando da sala.
Passou pela porta e caminhou lentamente pelo corredor até chegar ao pátio. Olhou tod
os e,
felizmente, não avistou Cody. Caminhou mais alguns passos e se sentou num dos banc
os, ao lado da
fonte. Cruzou as pernas sob o banco e os braços sobre as pernas. Deitou a cabeça sob
re o antebraço e
pôs-se a indagar por que a vida era tão injusta... Por que gostar da pessoa errada,
por que alimentar
falsas esperanças, por que tudo tão difícil.
Seria tão mais fácil se eu gostasse de uma menina meiga, gentil, carinhosa... Por qu
e tenho
que gostar justo do garoto que me desdenha?
Olhando para o lado, era possível avistá-lo de longe, onipotente, ostentando aquele
sorriso de
dentes que mais pareciam pérolas virgens e aqueles olhos de esmeralda que brilhava
m mais que a
própria luz.
Vamos, Luc, pare de sonhar...
Nada que pensava conseguia tirar aqueles malditos pensamentos tolos de sua cabeça.

Levantou-se.
Chega de pensar. Amanhã eu penso mais.
Continuou a caminhar sem rumo, esperando o término do intervalo. Não sabia dizer se
Cody
era verdadeiramente aquele poço de egoísmo ou se aquilo era apenas um disfarce que v
estia por um
motivo qualquer. Desvendar aquele mistério era, sem dúvida, uma de suas maiores utop
ias.
Apesar de ser um tanto tímido, Luc, talvez pelo fato de fazer parte de uma das equ
ipes de
futebol do colégio, tinha relativa popularidade. Apesar de Cody ser mais conhecido
, Luc era mais
querido. Não chamava muita atenção em quase nenhum aspecto. Era bom jogador, sempre fo
ra
simpático com todos e estava sempre na dele. Não possuía uma beleza rara com a de Cody
, ou de
Alex, mas ficava na ala dos gatinhos . Tinha a pele clara, os olhos castanhos claro
s que herdara da
mãe, cabelos lisos e curtos, estatura mediana e corpo magro. Usava óculos de lentes
retangulares
chanfradas que sempre lhe davam um quê de charme e mistério.
Vamos para a sala, a professora já chegou disse Amelie, que surgiu abraçando-o por t
rás.
Foram.
Cada dia dentro daquela sala de aula convivendo com o inimigo era uma verdadeira
tortura
chinesa. Era como estar preso numa jaula de leões e a qualquer momento um deles fo
sse atacar
súbita e mortalmente. Era preciso dormir com um olho aberto e outro fechado, para
não correr
qualquer risco.
O último sinal tocou, finalmente. Todos saíram da sala.
Quer que eu te faça companhia hoje? perguntou Amelie enquanto esperava Luc arrumar
seus objetos.
Não precisa, obrigado. Faça companhia ao Alex respondeu Luc.
Ai Luc, assim você me faz sentir culpada!
Hahaha! Não precisa, estou falando sério. Pode ir embora com ele de agora em diante,
se
quiser, não tem problema. Eu vou sozinho, já que moro perto.
Tá, então te acompanho até o portão, pelo menos.
Riram. Alex já estava os esperando na porta da sala. Caminharam juntos até o portão,
conversando coisas superficiais e amenidades, quebrando o gelo do dia, que fora
tenso.
Até semana que vem, Luc! despediram-se.
Luc caminhava calmamente, com as mãos nos bolsos, admirando a natureza e prestando
pouca
atenção no trajeto. Era uma maneira alternativa e eficiente de evitar os pensamentos
indesejados, por
mais próximos que pudessem estar.
Alguém que passava de carro logo ao lado estava a buzinar, mas Luc nem prestou ate
nção.
Também ouviu chamarem por algum adjetivo indecifrado, mas isso também não chamou sua
atenção, até que ouviu claramente:
Luc!!!
Assustado ao ouvir seu nome e ao perceber que todo aquele emitir de sons era pra
si, Luc se
virou à procura de quem estava a chamá-lo. Havia um carro vermelho se movendo devaga
r ao seu
lado. Pela altura do barulho, só poderia ser dali que estavam o chamando. Olhou pa
ra dentro do
vidro.
Está surdo?!
Era Cody. De novo.
Luc suspirou e sentiu um frio na barriga.
O que você quer?
Entra.
O que você quer?
ENTRA.
Um arrepio percorreu sua espinha. Sentiu suas mãos gelarem e o coração acelerar. Mas não
podia correr, não dessa vez. Decidiu encarar o desafio e entrou no carro, simuland
o impaciência e
desinteresse. Bateu a porta e fitou Cody com um olhar sínico.
Pronto, já pode me dizer o que você quer.
Cody nada disse. Ligou o carro e deu partida.
Pra onde está me levando?
Temos um trabalho a fazer. Não pense que me agrada a ideia de ter que fazê-lo com vo
cê,
mas já que é necessário, vamos fazer.
Luc suspirou novamente e abaixou a cabeça. Nada mais foi dito enquanto Cody dirigi
a rumo ao
desconhecido. No final das contas, quando deu por si, Luc estava na porta de cas
a. Nem sabia que
Cody sabia onde ele morava, mas, pelo visto, alguém havia dito.
Cody desligou o carro e encostou-se ao banco. Olhou para o teto do carro com olh
os fechados e
mãos cruzadas sobre a barriga e perguntou:
Na sua casa ou na minha?
HEIN???
Estou falando grego, porra?! aumentou a voz e abriu os olhos.
Mas você é muito cara de pau mesmo...
Não tenho todo tempo do mundo. Amanhã é final de semana, não saia. Passarei aqui e
faremos essa porcaria de trabalho. Certo?
Luc bufou e não respondeu.
Ótimo, te vejo amanhã.
Fitando mais uma vez os olhos de seu perseguidor, Luc abriu a porta do carro e s
aiu, sem olhar
para trás. Pegou sua mochila e entrou em casa. Passou direto pela cozinha, foi par
a o quarto. Entrou
e trancou a porta. Deitou-se na cama com a roupa do corpo e, novamente, submergi
u em
pensamentos.
Por que a professora não mudou os pares, já que ela viu a reação dele?
Poucas eram as perguntas que Lucas se fazia e conseguia responder.
O dia fora cansativo e estressante. Em pouco tempo ali, deitado, Luc cochilou e
dormiu em
seguida, sem trocar a roupa, sem tirar os óculos, sem lavar as mãos, sem nada. Simpl
esmente
dormiu. Quando acordou, já era noite. A tarde toda havia passado sem que ele perce
besse, junto com
seu sono. Olhou para o relógio, que apontava quase oito da noite, coçou os olhos e s
e levantou
lentamente. Tomou um banho rápido e trocou de roupa. Desceu as escadas e foi à sala,
onde estava
Thomas, assistindo ao noticiário.
Oh, finalmente! Já estava ficando preocupado. Dormiu a tarde inteira, hein, rapaz?
O que
houve?
Nada, dormi mal noite passada. Estava com sono.
Sei, sei... Olha, lembra que eu tinha te dito que iria chamar minha pretendente
para jantar
aqui em casa?
Claro, a sugestão foi minha.
Pois então, chamei.
E quando ela vem?
Thomas esfregou as mãos uma contra a outra e sorriu em excitação.
Hoje. Já deve estar chegando.
Hum... E onde está o jantar?
Ela preferiu pizza, acredita?
Acredito... Bom, vou estudar. Quando ela chegar, me chame.
Luc se levantou e voltou para o quarto. Tomou um banho rápido, trocou de roupa e p
egou seus
livros. Começou a tentar a organizar o conteúdo para a pesquisa do trabalho que ele
e Cody teriam de
fazer juntos. Retirou algumas enciclopédias das estantes, salvou algumas páginas na
Internet e
começou a se inteirar do assunto. O trabalho não seria difícil, mas o assunto era comp
lexo e exigia
um tanto de atenção e disposição.
Não muito tempo depois, ouviu-se a campainha tocar.
LUUUUUUUC! VEEEM! gritou Thomas.
Luc meneou a cabeça e fechou os livros. Olhou-se no espelho, ajeitou o cabelo e fo
i até a sala,
onde estava Thomas, cheio de empolgação, o esperando. Sentou-se no sofá e ficou observ
ando o pai
ali, feito um bobo, criando coragem para abrir a porta.
To bonito? perguntou ele, ajeitando o cabelo e coçando o queixo.
Tá, pai, tá lindo. Pode abrir a porta sem medo.
Enchendo-se de coragem, Thomas abriu a porta. E ali, do outro lado, estava ela.
Boa noite!
Boa noite, Erin! Entre por favor disse Thomas, abrindo passagem.
Luc se levantou e se aproximou alguns passos.
Deixe-me apresentar: Luc, esta é a Erin; Erin, este é o Luc, meu filho.
Erin se aproximou, ostentando um belo sorriso nos lábios, e se curvou um pouco.
Ahhhh, então esse moço bonito aqui é seu filho? perguntou ela gentilmente.
Luc corou.
Sim, é sim respondeu Thomas.
Prazer em conhecê-lo disse ela, dando um beijo em seu rosto.
O prazer é meu.
Gente, vamos nos sentar disse Thomas, indo em direção à mesa de jantar.
Erin e Luc o seguiram e se sentaram.
A casa de vocês é muito bonita elogiou Erin.
Luc cruzou os braços sobre a mesa e sorriu. Estava esperando que Thomas conduzisse
a
conversa, mas, pelo visto, isso não ia acontecer. Até que, aos poucos, ele foi se de
sprendendo da
vergonha e a conversa começou a fluir normalmente. Erin era realmente uma mulher i
nteressante.
Falava bem, parecia ser bastante inteligente, era jovem e muito bonita. Tinha ca
belos longos e
anelados, castanhos escuros, olhos claros e um sorriso bastante amigável. Era alta
, magra e tinha um
corpo muito bonito.
O jantar foi muito agradável, de fato. Erin distribuía sua atenção entre Luc e Thomas, o
que
deixou Luc satisfeito. Sinal de que ela não estava interessada em Thomas apenas su
perficialmente,
mas, sim, em conhecê-lo por completo. Por isso estava ali.
Erin, posso fazer uma pergunta indiscreta? disse Luc quando o jantar já estava ter
minado.
Claro, adoro perguntas indiscretas! respondeu ela com um sorriso.
Quantos anos você tem?
Luc! Isso não é coisa pra se perguntar a uma dama! advertiu Thomas.
Tudo bem, Thomas disse ela. Tenho trinta e cinco, querido. Faço trinta e seis no f
inal do
ano.
Luc levantou uma sobrancelha e fitou o pai, mais uma vez, que o olhava com certa
repreensão
por causa da pergunta indiscreta.
Eles fazem um casal bem bonito pensou.
A noite foi divertida. Jantaram ao som de muito boa conversa. A companhia de Eri
n era muito
agradável e ela parecia ser mesmo uma boa moça.
Rapazes, vou indo, já está tarde. Adorei passar a noite com vocês. Espero que façamos is
so
outras vezes, hein?
Todos se levantaram.
Faremos, sim. Espero! disse Thomas.
Então está bem, marcaremos outro dia. Boa noite Luc, prazer ter te conhecido, e até a
próxima Thomas.
Erin se despediu dando um beijo no rosto dos dois e seguiu pela porta da casa, e
ntrando em seu
carro e partindo em seguida. Thomas fechou a porta e suspirou fundo. Estava com
um sorriso que ia
de uma orelha à outra.
E então, o que achou dela? perguntou ele, excitado.
Bonita, legal... também parece ser inteligente. Acho que vale a pena investir.
Sério?
Sim, pai, sério. E você está mesmo parecendo um adolescente, já te disse isso né?
Thomas riu. Sentou-se no sofá, cruzou as pernas, olhou para o teto e disse a Luc:
Sabe, filho, sei que fico aqui parecendo um idiota falando e pensando essas cois
as, mas é que
não sei se você me entende. É como se a Erin fizesse eu me sentir vivo! Ela me faz acr
editar que,
mesmo depois da morte da sua mãe, eu ainda consigo sentir, consigo me interessar p
or outra pessoa,
consigo... talvez até amar! Isso me faz um bem que você não faz ideia.
Faço, pai, faço sim. Não estou te julgando por agir como um adolescente, estou dizendo
isso
só pra te encher o saco. Não esquenta.
Tá bom, mas eu vou parar de falar mesmo assim, isso é muito ridículo.
Ambos riram.
Ah, esqueci de avisar. Amanhã um... um... um colega de sala meu vem aqui pra fazer
mos um
trabalho.
Que colega?
O... o Cody, da equipe de futebol.
Mesmo? Não sei se estarei aqui, tenho que ir à clínica amanhã. Mas se quiser, eu posso f
altar.
Merda. Além de ter que recebê-lo aqui na minha própria casa, terei de fazer isso sozin
ho.
Não precisa não, a gente se vira sozinho. Aliás, vou voltar pro meu quarto, que eu ten
ho que
terminar de arrumar a pesquisa. Depois vou dormir de novo. A gente se vê amanhã, cer
to?
Certo, também já estou indo dormir. To super cansado. E super feliz também! Boa noite,
meu
filho, até amanhã.
...
A noite não demorou a passar. Luc estava cansado, ainda ficara algum tempo entreti
do com a
organização do trabalho do dia seguinte. Depois foi direto pra cama e dormiu, feito
uma pedra.
Acordou logo cedo, o dia acabava de amanhecer. Espreguiçou-se e olhou o relógio. É, er
a cedo.
Levantou-se e foi até a cozinha ver se seu pai já havia acordado. Não, ainda dormia. A
briu a porta da
frente e foi até a rua. O dia estava triste. O sol não aparecia, nuvens, algumas neg
ras, cobriam o céu,
parecia tudo tão... cinzento.
Ficou parado à porta, por um instante, admirando aquele cenário que via. Não sabia exa
tamente
o porquê, mas enxergava tanta beleza nas coisas tristes... Aquele céu dramático, as nu
vens
ameaçando um fortuito temporal, o sol, tímido, escondido atrás de toda aquela lividez.
.. Achava tudo
tão bonito, achava que tudo aquilo tendia ao caos, pensava que era um sofrimento c
ontido,
transformado em cores e formas tétricas.
Voltou para dentro de casa. Foi até a cozinha e tomou café sozinho. Gostava de tomar
café
sozinho, gostava de ficar sozinho, fazia-lhe bem, tinha mais tempo de pensar em
coisas aleatórias.
Sentou-se numa cadeira e fez sua refeição matinal sossegadamente.
Ué, meu filho, já acordado? perguntou Thomas, que acabara de despertar.
É, não dormi tanto assim. E você? Dormiu bem?
Sim, sim, como um anjinho.
Thomas abriu a geladeira, pegou o jarro de suco, colocou-o sobre a mesa e sentou
-se de frente
a Luc. Serviu-se e continuou a conversa:
E seu amigo? Vem mesmo?
Ele não é meu amigo, pai. Vem sim.
Ué, por que não? Só porque vocês são capitães de equipes diferentes não precisam ser
inimigos.
Mas somos. Aliás, não somos inimigos, somos... Ah, pai, não somos nada. Estamos fazend
o
esse trabalho juntos porque a professora pediu. Ele vem e pronto.
Tudo bem, tudo bem.
Terminaram de tomar o café e a conversar continuou fluindo superficialmente.
Bom, já vou pra clínica. Se eu conseguir, apareço aqui na hora do almoço, certo?
Uhum. Bom trabalho pra você.
Thomas pegou a chave do carro, despediu-se de Luc com um beijo e partiu.
Já eram quase onze horas. Luc não sabia quando Cody chegaria, e isso o deixava agoni
ado.
Mas sua agonia não durou muito. Passados poucos minutos após a partida de Thomas, ou
viu-se
uma buzina soar à frente da casa de Luc. De longe, pôde ver a silhueta de Cody saind
o de dentro do
carro, caminhando receosamente.
Com um frio na espinha e já com a boca seca, Luc pegou a chave da porta e abriu-a.
De longe,
via Cody trancando a porta do carro e, em seguida, se aproximando devagar. Luc e
vitava olhá-lo,
mas, por algumas frações de segundos, era impossível, seu olhar se via errante pela im
agem etérea de
Cody, mas logo voltava à realidade e o desviava para o nada. Até que, enfim, estavam
frente a frente.
Luc abriu passagem e Cody entrou. Olhou a casa por um instante. Cruzou os braços e
secou os
pés no tapete da porta. Parecia um pouco envergonhado ou constrangido, mas essas não
eram
características suas. Luc percebeu isso, mas como palavra alguma havia sido profer
ida durante esses
poucos segundos, não disse nada. Apenas fechou a porta, suspirou baixo e caminhou
rumo ao seu
quarto.
Não tem ninguém aqui? perguntou Cody.
Luc aproveitou essa abertura de canal para poder olhar seu amado, ou odiado. Res
pondeu em
tom baixo:
Não, estamos só nós dois. Algum problema?
Cody murmurou um não e seguiu Luc, que subia as escadas. Apesar de aparentemente
constrangido, mantinha o ar de superioridade. E embora Luc estivesse, naquele mo
mento,
hierarquicamente acima de Cody, pensava nele com inferioridade, com temor.
Luc abriu a porta de seu quarto, que já estava impecavelmente organizado, e se sen
tou à mesa
do computador. Cody permaneceu parado ao seu lado, olhando o quarto, ainda de br
aços cruzados.
Luc puxou uma cadeira que estava próxima e a colocou ao seu lado.
Sente-se disse.
Cody se sentou. Não havia dito nada até então, só observava.
Luc ligou o computador e começou a mostrar o que já havia feito até o momento. Mostrou
alguns mapas, algumas fotos, coisas que encontrara na Internet e em livros. Ia,
gradativamente,
explicando o que era cada coisa que mostrava, mas Cody permanecia em silêncio.
Então... acho que já temos o suficiente pra fazer o trabalho.
Olhou-o mais uma vez. Não houve resposta.
Cody se levantou e perguntou:
Onde é o banheiro?
Luc suspirou e respondeu:
Na última porta do corredor.
Cody deixou o cômodo e Luc suspirou mais uma vez. A manhã prometia ser tensa. Aprove
itou-
se da breve ausência de Cody e foi até a prateleira pegar mais alguns livros e encic
lopédias que havia
separado. Passou os olhos e as mãos por alguns títulos que ali estavam e folheou alg
umas páginas.
Pouco tempo depois, Cody voltou. Luc não o olhou, continuou folheando as páginas do
livro
que estava em suas mãos. Até que Cody murmurou:
Luc...
Luc fitou-o. Algo não parecia normal.
Cody? Está tudo...
Antes que pudesse concluir a pergunta, Cody, que se aproximava apoiado à parede, p
erdeu as
forças e iria cair ao chão, mas Luc conseguiu segurá-lo pelos braços a tempo.
Meu Deus! Cody! O que foi?! Acorde!
Cody parecia estar desmaiado.
Com bastante dificuldade, Luc conseguiu ajeitá-lo em seus braços e deitá-lo sobre a ca
ma.
Tirou seu casaco de frio e seus sapatos. Estava desesperado. Desesperado e sozin
ho em casa. Deu
alguns tapas leves no rosto de Cody na tentativa de que ele acordasse.
Cody, acorde! Acorde!
Com aparente dificuldade e um tanto entorpecido, Cody conseguiu abrir os olhos.
Respirava
ofegante. A única coisa que conseguiu dizer foi
Minha... cabeça...
Depois disso, desmaiou de novo. Ou dormiu.
Luc não sabia o que fazer. Não sabia se ligava para seu pai, ou para um médico, ou par
a algum
vizinho, ou para a mãe de Cody. Pensou, pensou, pensou e decidiu ligar para o médico
em que
costumava ir quando era criança. Ele era amigo de seu pai, portanto o telefone del
e ainda constava na
agenda.
...
Ele vai ficar bem disse o doutor.
Luc estava mais calmo, mas Cody continuava desacordado e gemia um pouco.
E o que foi que ele teve?
A pulsação está normal, ele não está com febre. Pelo que você me disse que aconteceu, ele
deve ter tido uma crise forte de enxaqueca e desmaiou. Mas ele vai ficar bem, si
m, não se preocupe.
Ele vai, agora, dormir por algumas horas. Apenas diga a ele, quando acordar, par
a repousar por hoje.
Esse analgésico que ele tomou agora deve deixá-lo ainda mais sonolento, mas amanhã ele
já deve
estar novo em folha.
Luc suspirou aliviado. Aquele fora o susto do dia. Agradeceu o médico inúmeras vezes
, o
acompanhou até a porta e, novamente, voltou ao quarto, onde Cody repousava. Pareci
a estar melhor,
pelo menos não estava mais ofegante e não gemia. Parecia estar dormindo o mais profu
ndo dos
sonos. E Luc ficou ali, por longos minutos, velando seu dileto. Tornava-se ainda
mais belo enquanto
estava desacordado.
Para que a manhã não fosse totalmente perdida, Luc continuou a fazer o trabalho. Adi
antou as
coisas sozinho, sempre prestando atenção em Cody, que dormia atrás de si.
Ouviu-se a porta bater. Devia ser Thomas. Ele disse mesmo que talvez conseguisse
chegar para
o almoço. Luc, cauteloso para não fazer barulho, foi recepcioná-lo.
Oi, meu filho.
Oi, pai.
Tudo bem?
É, mais ou menos.
O que houve?
Thomas colocou a chave do carro sobre a mesa.
O Cody... Ele chegou aqui em casa e logo depois passou mal e desmaiou. Ele tá lá no
quarto
dormindo, ou desmaiado, sei lá disse Luc calmamente, para não assustar seu pai.
Oh, céus! E o que você fez?
Chamei o Dr. Phill. Ele já o examinou, vai ficar tudo bem. Foi uma crise forte de
enxaqueca.
Ele só vai precisar de repouso por enquanto. Mais tarde vou avisar os pais dele.
Oh meu Deus... Tem certeza de que não foi nada grave?
Tenho pai, não se preocupa. Ele está lá no meu quarto, descansando. Deve acordar à noite
.
Thomas ficou pensativo. Levantou a sobrancelha e suspirou em seguida.
Você comeu alguma coisa?
Tomei café agora a pouco, não estou com fome.
Então tudo bem, eu vou descansar um pouco. Fique lá com o seu... colega. Caso ele ac
orde e
precise de algo, ou passe mal de novo, ou acontecer qualquer coisa, me chame, tá b
em?
Luc assentiu. Voltou para o quarto, onde Cody ainda dormia.
Cody estava de um lado da cama. Luc se aproximou devagar e se sentou do outro la
do. Voltou
a admirar sua beleza por um instante, enquanto pensava:
Quem diria... Eu aqui, vigiando seu sono, na minha própria casa...
Cody gemeu e se virou na cama. Luc atentou-se. Com esforço, Cody conseguiu se vira
r e abriu
um olho. Respirou fundo, tomou forças e perguntou com dificuldade:
O que houve...?
Tentando não demonstrar muita intimidade ou preocupação, Luc respondeu em tom brando:
Você passou mal, disse minha cabeça e desmaiou. Você ainda está na minha casa. Já
chamei o médico, ele já te examinou, te medicou e está tudo bem.
Eu preciso... ir... embora disse Cody, tentando se levantar.
Luc impediu seu movimento, deitando-o novamente na cama e dizendo:
Não, você não vai a lugar algum, precisa de repouso. Logo eu ligarei para os seus pais
e à
noite você já estará bem. Agora volte a dormir.
Vencido pela dor e pelo cansaço, Cody não tentou continuou resistir novamente. Luc a
jeitou-o
nos travesseiros e ele voltou a dormir.
A tarde passou rapidamente. O tempo continuava feio e soturno, a noite estava pa
ra chegar.
Cody ainda dormia, não havia acordado mais nenhuma vez. Nada mais aconteceu naquel
e dia, Luc
ficou por conta de vigiar o sono de Cody, que podia acordar novamente a qualquer
instante.
Quando finalmente anoiteceu, Luc pegou o celular de Cody no bolso de sua blusa,
procurou o
número da casa dele e ligou. Avisou seus pais de que ele havia passado mal, mas qu
e já estava em
repouso e que não era nada grave. Ficaram, claro, preocupados, mas Luc tratou de d
espreocupá-los e
assegurou de que tudo não passaria de um susto.
Todo aquele tempo sombrio que se formou durante o dia resultou em uma chuva fort
e e
constante, ameaçadora e insistente ao anoitecer. O dia realmente não fora bom. Trovões
caíam, o céu
ficou totalmente preto, era possível ver cada grande gota caindo através da janela.
Luc observava
tudo de seu quarto, enquanto Cody ainda dormia ali, ao seu lado. Por mais estran
ho que pudesse
parecer, o dia esdrúxulo e incomum trouxera a ele certo conforto. Era bom sentir q
ue ele estava, pela
primeira vez, sendo útil ao seu amado, mesmo desconfiando de que quando tudo acaba
sse, as coisas
voltariam a ser as mesmas.
Já eram quase nove horas da noite e a chuva continuava caindo. Thomas bateu à porta
do
quarto. Luc foi até lá e abriu-a com cuidado.
Acho melhor ele dormir aqui essa noite disse Thomas. Ele já deve estar pra acordar
, é
melhor não deixá-lo sair debaixo dessa chuva, nem de carro.
Claro, quando ele acordar, vou falar pra ele passar a noite aqui. Os pais dele já
estão
avisados, acho que não vai ter problema.
Então tá bom, eu já vou dormir. Qualquer coisa, é só me chamar.
Tudo bem, boa noite.
Thomas deu um beijo na testa de Luc e foi para seu quarto. Luc fechou a porta e
se aproximou
da janela novamente. Ouviu um gemido. Era Cody acordando.
Luc curvou-se enquanto Cody abria os olhos.
Sente-se melhor? perguntou ele.
Com algum esforço e ainda espremendo os olhos, Cody balançou a cabeça afirmativamente.
Olha, tá chovendo muito, acho melhor você passar a noite aqui. Seus pais já estão avisad
os e
consentiram. Eu vou estar ali no quarto ao lado, pode ficar aqui no meu quarto,
não tem problema.
Se sentir alguma coisa, me chame.
Cody ouviu e digeriu aquelas palavras lentamente, não conseguia raciocinar muito b
em, pois
sua cabeça ainda doía.
Luc já se preparava para se retirar do quarto, quando Cody o segurou com a pouca f
orça que
tinha e pediu:
Não... Fique aqui comigo... por favor.
Luc o olhou complacentemente. Sentia-se bem por estar sendo alguém para Cody. Não po
dia
recusar um pedido feito com tanta humildade, mesmo que num momento de fragilidad
e.
Tudo bem. Eu fico.
Trocou de roupa sem fazer barulho, deu a volta pela cama, desligou o abajur e de
itou-se ao
lado de Cody. Sentiu vontade de fazer algum afago, mas achou melhor se conter. N
ada mais foi dito,
ambos dormiram ao som da chuva.
Capítulo 3

A madrugada fria e lúgubre transcorreu à melodia da chuva tamborilando pacientemente


na
vidraça da janela. Alguns trovões faziam acompanhamento a essa estranha sinfonia que
durou até o
amanhecer.
Cody acordou primeiro. A cabeça praticamente não doía mais.
A primeira coisa que suas vistas captaram foi Luc dormindo ao seu lado. Levou al
gum tempo
para assimilar a situação e se recordar por completo de tudo que havia acontecido no
dia anterior.
Com algum esforço, se levantou e se sentou à cama. Abaixou a cabeça e esperou por um
instante que sua fortuita tontura passasse. Estava com a roupa do corpo. Lembrou
-se de que não
tinha tomado banho e de que estava, de fato, apenas com a roupa do corpo. Calçou s
eu sapato,
levantou-se, ainda cambaleando um pouco, segurou-se na parede e caminhou até a por
ta. Sentiu-se
sozinho e perdido, acordado naquela casa grande sem ninguém por perto.
Desceu as escadas, um pouco temeroso, e seguiu até a sala, para ver se havia mais
alguém
acordado. A chuva fina que ainda caía dificultava precisar a hora. E ainda se enco
ntrava um pouco
zonzo. Sentou-se no sofá e se escorou, dando um suspiro em seguida. Começava a se re
compor.
Bom dia ouviu-se dizer.
Cody olhou para o lado. Era um homem quem lhe cumprimentava. Levantou-se, um pou
co
constrangido, e respondeu o cumprimento:
Bom dia...
Como você está? Fiquei sabendo que passou mal por aqui ontem. Como se sente?
Estou melhor, obrigado.
Ah, eu sou Thomas, pai do Luc disse ele.
Eu sou o Cody... E me desculpe ter dado todo esse trabalho.
Imagina, essas coisas acontecem. Mas volte a dormir, ainda é cedo.
Não, não, eu preciso ir embora. Aliás, já estou indo... Obrigado pela hospitalidade
respondeu Cody, estendendo a mão em agradecimento.
Era o mínimo que a gente podia fazer, não precisa agradecer Thomas segurou a mão de
Cody.
Então nos vemos qualquer dia. Até mais.
Thomas abriu o portão da garagem para que Cody pudesse tirar o carro e então ele se
foi.
A garoa parou, finalmente, e cedeu lugar a uma calma e reconfortante neblina, ab
raçada pelo
clima frio e habitual de Kells.
Thomas terminava de preparar o café quando Luc apareceu, ainda sonolento.
Cadê o Cody? perguntou ele em meio a um bocejo.
Foi embora há uns cinco minutos. Ele já está bem, não se preocupe. E você, como está?
Normal respondeu ele, sentando-se numa cadeira.
Você foi muito solidário e solícito com esse rapaz, filho, estou orgulhoso de você diss
Thomas, bagunçando o cabelo de Luc.
Claro que não, teria feito isso por qualquer um.
Não tem importância, você fez.
Tá bom, pai, eu fiz.
Continuaram a conversa superficialmente. Mas, após um certo instante de silêncio, Th
omas
perguntou:
Luc, mas por que você não gosta desse rapaz? Ele te fez alguma coisa?
Luc ponderou a resposta e ainda pensou um instante antes de responder. Queria po
der dizer
tudo o que sentia, mas isso não seria nada prudente.
Eu nunca disse que não gosto dele.
Mas se você não gosta nem que fale que ele é seu amigo, é porque você não gosta dele.
Nada a ver, pai.
É claro que tem! Luc, eu sou seu pai, eu te conheço muito bem.
Ai, pai, tenha dó. Não tem nada a ver.
Thomas o fitou com olhar reprovador, mas não prosseguiu com a discussão.
Tá, não vou insistir.
Às vezes Luc sentia uma vontade muito grande contar sobre si e sobre esse seu amor
platônico
ao seu pai, mas não contava, pois temia a reação dele. Apesar de Thomas ser um pai mui
to carinhoso
e compreensivo, Luc não sabia se podia confidenciar a ele tal revelação. Acreditava na
máxima que
pais são menos receptivos que mães, então, como dependia bastante dele, preferia não con
tar. Mas
talvez, um dia, até contasse. Era muito triste e doloroso ter que guardar esses se
ntimentos dentro de
si e não poder dividir com absolutamente ninguém.
...
O final de semana sombrio e atípico acabara, finalmente. A manhã parecia um pouco ma
is
contente, o sol ameaçava sair, o asfalto já estava até secando.
As aulas retornariam, como sempre. Luc estava ansioso, precisava contar a Amelie
todo o
acontecido. Não sabia se isso seria bom ou ruim, mas queria muito dividir a experiên
cia com a
amiga.
Acordou mais cedo, se arrumou mais cedo e foi ao colégio. Thomas ainda dormia e ai
nda
faltava algum tempo para iniciar o horário de aulas. Luc tomou um café reforçado, pego
u seus
objetos e foi até o colégio caminhando a passos lentos, lembrando no pensamento dos
bons, apesar
de estranhos, momentos que vivera nas últimas quarenta e oito horas.
Chegou ao colégio, cumprimentou alguns conhecidos no caminho e dirigiu-se até sua sa
la.
Ninguém de sua turma havia chegado ainda. Caminhou por entre as cadeiras e colocou
sua mochila
sobre sua mesa. Abriu-a, organizou seus objetos sobre a mesa e folheou as folhas
do caderno da
próxima aula. Distraiu-se até perceber a presença de alguém mais na sala. Olhou de sosla
io e
percebeu que era Cody, que, como sempre, só chegava em momentos não muito apropriado
s. Mas,
para sua surpresa, ele não estava acompanhado de sua turma de idiotas. Estava sozi
nho.
Ei, Luc, preciso falar com você.
Luc ergueu a cabeça e o fitou enquanto ele se aproximava. Apesar de aparentar bran
dura,
continuava ostentando o modo arrogante de falar e caminhar. Luc se levantou deva
gar, um tanto
receoso.
Pode falar.
Cody pôs-se em sua frente e, com a expressão ameaçadora de sempre, disse:
Vim te agradecer por ontem.
Espantado com a atitude do então inimigo não-declarado, Luc meneou a cabeça.
Não precisa agradecer.
Mas eu estou agradecendo respondeu Cody, estendendo-lhe a mão.
Luc o olhou e retribuiu o cumprimento.
Por nada.
Cody soltou sua mão e virou-se de costas, indo em direção ao seu lugar. Colocou sua mo
chila
sobre a cadeira e, antes de sair novamente da sala, completou:
Mas não pense que isso muda as coisas entre a gente.
Luc não respondeu ao aviso, mas sentiu-se decepcionar. Sempre que pensava ter dado
um
passo adiante em relação a Cody, ele tratava de decepcioná-lo em seguida. Já estava até se
acostumando com essa ideia de que Cody, definitivamente, não seria, jamais, nem se
u amigo, nem
seu colega, nem nada.
Em seguida, os alunos começaram a chegar. Uma das primeiras que chegaram foi Ameli
e,
acompanhada de Alex. Sorriu ao ver Luc. Sentou-se em seu lugar e Alex permaneceu
de pé.
Oi, Luc saudou a jovem.
Luc respondeu-a com um sorriso e trocou um aceno com Alex.
Tá tudo bem? Você parece um pouco triste.
Tudo bem sim... E com vocês?
Também... Vamos lá pra fora.
Foram os três para o pátio. Sentaram-se em frente à fonte.
E aí, animado para os treinos, Luc? É nessa semana, hein, cara? perguntou Alex,
empolgado.
Ah, até que estou, mas também tenho um pouco de medo do que está por vir... Você não?
Os dois continuaram conversando sobre futebol e coisas de rapazes enquanto Ameli
e
permanecia calada, escutando e observando a prosa. Não entendia nada de futebol e
estava um tanto
preocupada. Preferiu não falar nada.
Então o sinal do primeiro horário tocou e os três foram para suas respectivas sala. Am
elie e
Alex se despediram com um beijo discreto e Luc foi caminhando na frente. Sentou-
se em sua
cadeira. Amelie chegou em seguida. O professor de Inglês idem. Cody foi o último a c
hegar, como
sempre, acompanhado de sua turma de mosqueteiros .
Amelie fitou-o. Luc lançou um olhar discreto e sorrateiro. O professor começou a aul
a e todos
se acalmaram.
Na troca de professores, assim que teve oportunidade, Amelie, ressabiada, pergun
tou:
Vamos, Luc, me conte o que aconteceu.
Como assim? respondeu Luc, desligado, sem saber do que ela estava falando.
Eu te conheço, sei que tem algo de errado aí. Não insisti pra que você contasse no começo
da
aula por causa do Alex, mas tenho certeza de que algo aconteceu. Vamos, me conte
o que é.
Amelie era cruel. Sempre que via o semblante de tristeza ou descontentamento de
Luc, sabia
que algo havia acontecido.
Ah, sim... Não liga, não, não é nada demais.
Luc, corta essa. Não importa se é demais ou de menos, me conte logo.
Na hora do intervalo eu conto, pode ser? Já vai começar a próxima aula.
A professora da segunda aula acabava de entrar na sala e todos voltavam aos seus
lugares.
Amelie não se satisfez com a resposta aleatória de Luc, mas preferiu não insistir. Era
melhor que ele
contasse deliberadamente, ou quando se sentisse melhor, mesmo.
Bom dia, turma disse a professora de Geografia, a mesma da aula polêmica.
Péssimo dia pensou Luc.
E então? Como vão os trabalhos de vocês? Já estão prontos?
Todos responderam coisas diversas ao mesmo tempo. A vontade de olhar Cody e desc
obrir
qual era a cara que ele estava fazendo era intensa, já que os episódios do final de
semana estavam
diretamente relacionados a esse trabalho. Mas Luc se conteve e não olhou.
Depois do burburinho a aula prosseguiu normalmente, sem maiores emoções.
O sinal do intervalo batera. Era agora a hora de contar a saga dos últimos dois di
as, embora
Luc, depois do que ouviu no início da aula, tivesse perdido toda a excitação em compar
tilhar dessa
informação. No fundo, no fundo, guardava uma esperança ínfima de que o ato solidário pudes
se
acabar de vez com as diferenças dos dois, mas estava enganado.
Ok, agora vamos sair e você vai me contar o que foi que aconteceu.
Ah, mas Amelie, e o Alex?
Já conversei com ele na hora da entrada enquanto você vinha pra sala. Disse que prec
isava
conversar com você. Ele não vai aparecer, não se preocupe. Vamos logo que eu estou cur
iosa.
Amelie puxou-o pelo braço e foi em direção a um canto mais reservado do pátio, onde se
sentaram sob uma árvore frondosa que ficava próxima à sala dos professores.
Luc suspirou e tomou coragem para começar a contar seus últimos dois conturbados dia
s.
Bom... A professora de Geografia marcou aquele trabalho que eu terei que, infeli
zmente,
fazer com o Cody, não foi?
Foi.
Pois é. Sexta-feira, quando você foi embora com o Alex, eu estava indo embora até que
o
Cody surgiu do nada no carro dele. Praticamente me mandou entrar e me deixou em
casa... Eu nem
sabia que ele sabia meu endereço!
Ué, alguém deve ter falado, ou ele deve ter descoberto, sei lá.
Também não sei... Mas ele me deixou lá. E depois falou que era pra eu decidir onde ser
ia
feito o trabalho, na minha casa ou na dele. Como não havia muito a ser dito ou dec
idido, preferi que
fosse feito na minha. No outro dia, de manhã, ele apareceu lá e nós fomos fazer o tal
trabalho. Eu já
tinha algumas coisas separadas, mas não muita coisa. Fiquei lá falando, falando, fal
ando e ele nada.
Depois que eu acabei ele me pergunta onde é o banheiro.
Amelie, com as pernas cruzadas e apoiando a cabeça sobre o queixo, escutava atenta
mente.
Aí vem a pior parte. Ele foi até o banheiro e, quando voltou, estava totalmente zonz
o,
parecia... nem sei o que. Ele cambaleou uns passos e acabou desmaiando. Então eu o
deitei na minha
cama e chamei um médico. Ele tava com uma crise muito, muito forte de enxaqueca, p
or isso passou
mal e acabou tendo que passar a noite lá em casa, porque estava chovendo muito e não
seria nada
bom ele sair debaixo daquela chuva passando mal.
Ele passou a noite na sua casa?!?! perguntou Amelie, boquiaberta.
Mais que isso, nós dormimos na mesma cama.
Luc! exclamou ela novamente, incrédula. Não to conseguindo nem acreditar nisso, de tã
absurdo!
Mas é verdade. E no dia seguinte, quando eu acordei, ele já tinha ido embora. E hoje
, pouco
antes de você chegar, ele veio até mim e me agradeceu por tê-lo ajudado.
Amelie arregalou os olhos.
O Cody? O Cody te agradecendo?!
Luc balançou a cabeça afirmativamente.
Mas isso não quer dizer nada continuou ele. Ainda pouco antes de você chegar, quando
ele estava saindo da sala, ele disse: Mas não pense que isso muda as coisas entre a
gente . E foi pra
fora.
Luc suspirou fundo. Amelie fez uma cara interrogativa.
É... Quando a esmola é demais, o santo desconfia mesmo lamentou. Mas não fica assim,
esse Cody não vale nada.
Mas eu o amo mesmo assim.
Verdade... Mas não se preocupa, fiquei um pouco decepcionado por ser um idiota, ma
s vou
ficar bem.
Você não é um idiota, Luc. Você tem um bom coração, isso não é ser idiota.
Ah, então meu coração é muito melhor do que deveria ser, viu? Mas não tem importância.
Luc se levantou e se espreguiçou.
Vá conversar com o Alex, sim? Já já o intervalo acaba.
Tá bom... Mas não fique triste, hein? Esse babaca não merece sua tristeza. Aliás, ele não
merece nada que venha de você disse ela com um sorriso compreensivo.
Luc a agradeceu por tê-lo ouvido e então ela foi até Alex, deixando Luc sozinho, a pen
sar. Isso
era o que mais vinha fazendo desde que descobriu esses sentimentos então secretos
por Cody.
Desde que se conheciam, no primário, na quinta ou sexta série, os dois nunca se dera
m muito
bem. Até tinham certo coleguismo no começo, mas era algo cercado de competitividade,
um sempre
tentando ser ou tentar parecer melhor que o outro. Mas quando Luc amadureceu, is
so acabou, coisa
que, com Cody, não aconteceu, pareceu ter apenas aumentado. E foi quando Cody, ach
ando que as
coisas estavam ao seu favor pela hipotética desistência de Luc, começou a tratá-lo com t
oda essa
arrogância.
...
Acabada a aula, Luc, então, voltava para casa. Veio caminhando vagarosamente, colo
cando os
pensamentos no lugar e pensando em mais algumas coisas sobre o trabalho de Geogr
afia.
Entrou em casa. Thomas estava conversando ao telefone, animadamente. Luc colocou
sua
mochila sobre o sofá, olhou-o ressabiado e foi para seu quarto. Tirou os sapatos e
voltou à sala.
Thomas continuava ao telefone, até que, pouco depois, desligou.
Adivinha quem era? perguntou ele, excitado.
Mínima ideia respondeu Luc, indo à cozinha e tomando um copo de refrigerante.
A Erin!!
Hum... Sério? O que ela queria?
Bom, na verdade, fui eu que liguei pra ela.
E o que você queria com ela?
Estou pensando em convidá-la pra sair novamente? O que acha?
Luc foi até a sala e deitou-se no sofá, ligando a televisão.
Não acho nada. Aliás, acho, acho que ela é uma moça legal. Vale o investimento.
E onde sugere que a gente vá?
Ah, pai, sei lá, a namorada é sua, né?
Mas ela não é minha namorada disse Thomas, ligeiramente interrogativo.
É, ela é sua namorada em potencial.
O que quer dizer com isso? perguntou Thomas, sentando-se no outro sofá da sala.
Ué, ela não é sua namorada ainda, mas, pelo visto, vai ser. Em breve. Por isso ela está
em
potencial.
Hahaha! Você não presta riu Thomas. Eu já estou indo para a clínica, tenho uma última
consulta com ela hoje. Vou aproveitar a oportunidade.
Aproveita, pai, aproveita que eu vou dormir. Até mais tarde.
Thomas chegou logo à clínica. Tirou seu paletó e foi direto à sua sala. Cumprimentou alg
uns
funcionários no caminho e se sentou em sua mesa, esperando que chegasse a tão espera
da hora da
consulta com sua predileta.
Até que a secretária anuncia, após poucas agonizantes horas de espera:
Dr. Wessels, sua paciente chegou.
Pode mandar entrar, por favor. Obrigado.
O coração estava a mil. A felicidade a dois mil. Até que Erin, enfim, entrou pelo escr
itório.
Boa tarde disse Thomas, estendendo-lhe a mão.
Boa tarde! respondeu ela, com um sorriso encantador.
Sente-se, por favor.
Obrigada.
Erin sentou-se e cruzou as pernas discretamente.
E então? Como está? perguntou Thomas, tentando disfarçar a excitação.
Tudo bem. Tanto comigo quanto com o curativo! respondeu ela, bem humorada.
Huuum, vamos ver como está essa cicatriz.
Thomas levantou-se e, apreensivo, aproximou-se cuidadosamente de Erin, sem quere
r ser nem
parecer invasivo. Deixou que ela desabotoasse os últimos botões de sua camisa rosa d
e cetim e que a
levantasse o suficiente para que fosse possível visualizar o curativo, que estava
próximo à cintura.
Vejamos disse Thomas, analítico.
Tirou o esparadrapo que estava sobre a cicatriz e a analisou por um instante.
É... Está tudo bem, sim, conforme o esperado. A mancha que havia aqui era pequena, não
vai
lhe causar preocupação alguma. Tá tudo certo.
Ah, que ótimo respondeu ela, abotoando a camisa novamente e dando um sorriso simpáti
co
em seguida. Então estou dispensada?
Essa seria a oportunidade ideal para Thomas fazer seu tão esperado convite, mas se
ntiu esse
dispensada como um encerramento de assunto.
Bem...
Eu estava pensando interrompeu ela, tirando um pedaço de papel de dentro da bolsa
e
anotando algo em seguida , a gente podia se encontrar novamente. O que acha? Leve
o Luc
também, ele é uma gracinha.
Thomas sorriu, sentindo-se vitorioso.
Seria ótimo! Quando?
Ah, eu poderia retribuir o jantar. Por que não jantamos lá em casa?
Claro!
Então combinado. Hoje às nove, certo?
Certíssimo!
Thomas já não conseguia mais esconder a nítida felicidade.
Ok, nos vemos mais tarde despediu-se ela com um sorriso discreto, entregando-lhe
o papel
com seu endereço, sem mais delongas.
Pronto, todo o dia de serviço estava ganho e aquela fora a realização do mês.
Acabado o expediente, Thomas voltou para casa, radiante. Luc estava estudando na
sala.
Oi, filho!
Oi...
Tem planos para a noite?
Estudar. Por quê?
Ahh, deixe para estudar depois! Conversei com a Erin e ela sugeriu que fôssemos ja
ntar na
casa dela hoje, como forma de retribuir o jantar aqui em casa aquele dia. O que
acha?
Ué, a namo... a pretendente é sua, por que eu tenho que ir?
Porque ela te convidou também. Disse que era pra irmos os dois, além de ter te achad
o uma
gracinha .
Luc corou. Sempre ficava tímido quando recebia elogios.
Tá, tudo bem.
...
Anda, Luc! Termine logo de se arrumar, já estamos quase atrasados!
Calma, pai, já acabei respondeu Luc, que detestava se arrumar sob pressão, descendo
as
escadas da sala.
Então vamos logo.
Chegaram sem demora. Não foi difícil encontrar o endereço que estava anotado naquele p
edaço
de papel.
Thomas estacionou o carro à porta da casa de Erin e saiu, seguido de Luc. Caminhar
am até a
campainha. De longe era possível ver a silhueta esbelta de Erin através da vidraça da
janela da
cozinha. Luc olhava Thomas de soslaio, achando muito estranho, até engraçado, ver no
s olhos do pai
o interesse por outra mulher novamente.
Antes mesmo que tocassem a campainha, Erin avistou-os pela janela e sorriu. Foi
até a porta e
abriu-a.
Boa noite, rapazes cumprimentou ela, com um sorriso. Entrem, entrem.
Thomas entrou primeiro, mais empolgado, e Luc veio em seguida.
A casa de Erin era simples e aconchegante. Olhando assim, à primeira vista, Luc não
sabia se
Erin era rica, mas a sala, pelo menos, era decorada com muito bom gosto.
Vamos, sentem-se disse ela, indo à cozinha.
Thomas colocou as mãos sobre os ombros de Luc e apertou. Eles se comunicavam, quan
do
necessário, através de sinais e gestos, e esse, certamente, seria demonstrando o quão
bonita Erin
estava. E, de fato, estava mesmo. Usava um vestido bege simples e poucos adereços
e maquiagem,
fazendo com que essa simplicidade contrastasse com sua beleza fina.
Já estou quase acabando, tá? Estão com fome?
Luc meneou a cabeça afirmativamente enquanto observava a cozinha e a sala da casa,
ambas
impecavelmente organizadas e decoradas com muito bom gosto. Thomas e Erin conver
savam
animadamente no balcão da cozinha enquanto Luc continuava analisando os cômodos em s
ilêncio,
sentado à mesa e prestando pouca atenção no assunto da conversa que o rodeava.
Dentro de poucos minutos, o jantar estava pronto. Não dava pra saber, ainda, qual
seria o
cardápio, mas o cheiro estava maravilhoso. Erin tirou algo do forno, colocou em um
a bandeja de
alumínio e foi até a mesa da cozinha, onde Luc estava sentado.
Fiz carne assada. Gostam?
Sim, sim, muito disse Luc, crescendo os olhos para cima do belo pedaço que ali est
ava.
Erin deu um sorriso satisfeito. Sentou-se à mesa e, então, jantaram.
Aquele jantar foi, além de um segundo encontro, uma boa oportunidade para conhecer
um
pouco mais sobre Erin, pelo menos para Luc, que também parecia estar interessado n
ela. Claro, pelo
fato de ser uma pretendente de seu pai, que esteve sempre sozinho desde muito te
mpo.
Fale-nos sobre você, Erin disse Luc, que já estava mais desinibido, enquanto comia.
Bem... Vejamos.
Erin era arquiteta, por isso sua casa era tão aconchegante e bem decorada. Trabalh
ava numa
empresa grande e conquistou sua independência financeira sozinha. Seus pais morava
m em outro
estado, mas vinham visitá-la esporadicamente. Sempre preferiu morar sozinha. Não tão s
ozinha
assim, pois Molly, sua gata, fazia companhia. Trabalhava bastante, então não passava
tanto tempo
em casa. Assim, não lhe sobrava muito tempo para curtir a solitude.
E vocês, o que me contam? perguntou ela, assim que terminou de falar sobre si.
Pai e filho se entreolharam.
Quem conta primeiro? Você ou eu? perguntou Thomas, com um sorriso infantil.
Sobre mim? disse Luc, dirigindo-se a Erin Sou filho do Thomas Wessels, médico
cirurgião plástico, estudo no colégio North Bound e tiro notas boas. Só isso. Agora você,
pai
concluiu ele, devolvendo o sorriso infantil que Thomas lhe dera.
Você está engraçadinho hoje, hein, senhor Luc? disse Thomas, sério.
Erin riu.
Deixe, Thomas, eu gosto de pessoas divertidas. Mas vamos, me fale sobre você.
Hum... Sobre mim... Thomas cruzou os braços sobre a mesa e pensou por um instante.
Sou o pai desse rapazinho aqui disse ele, dando um tapa leve nas costas de Luc.
Prosseguiu falando sobre sua vida, sobre sua finada esposa, sobre sua vida profi
ssional e outros
aspectos gerais. Dessa vez Thomas havia conseguido se articular com mais destrez
a. No primeiro
encontro, mal sabia onde enfiar a cara, mas dessa vez soube lidar com a situação. A
emoção do
momento, o empurrãozinho de Luc e o bom astral contribuíram para que ele se sentisse
mais à
vontade.
Erin ouviu a biografia resumida de Thomas com atenção, mas mantinha uma impressão um
tanto indecifrável no rosto. Apenas sorriu no final e disse:
Vou buscar a sobremesa.
Thomas olhou Luc com um olhar que tentava entender se o fato de Erin não ter dito
nada era
interesse, desinteresse ou simplesmente... nada. Luc balançou a cabeça negativamente
, como quem
diz não sei .
Aqui está.
Bolo de chocolate gelado. Irresistível.
Comeram a sobremesa enquanto prosseguiam com a agradável conversa.
Foi você quem fez? perguntou Luc, enquanto devorava a guloseima.
Sim, sim, eu mesma. Está bom?
Está ótimo respondeu ele, de boca cheia.
Thomas olhou-o com olhar reprovador.
Tenha modos, meu filho.
Luc limpou a boca com um guardanapo, olhou seu relógio de pulso e disse:
Por falar em modos, terei de ser deselegante agora. Já é tarde e eu tenho treino ama
nhã cedo.
Então eu já vou indo levantou-se.
Thomas olhou-o com um olhar triste e desentendido. Não queria sair dali. Não ainda.
Mas... nós já vamos...? perguntou ele.
Não, eu vou. Você fica. Amanhã nos falamos.
Erin levantou-se, mas antes que pudesse pedir a ele que ficasse mais um pouco, L
uc beijou-a
no rosto e disse:
O jantar estava ótimo. Até a próxima.
Espere, eu te acompanho até a porta disse ela, ainda um pouco confusa com a atitud
e do
rapaz.
Não precisa, obrigado. Tchau Erin, tchau pai disse ele com um aceno, já se dirigindo
à
porta da rua e saindo em seguida.
Erin se despediu novamente, fechou a porta e, um tanto sem graça, perguntou:
Bem... Não quer comer mais bolo?
Capítulo 4

Luc fechou seu casaco de frio e foi embora, caminhando. Já era um pouco tarde, mas
não tinha
importância, o bairro era calmo e ficava próximo ao centro.
Acelerou o passo, colocou a mão nos bolsos, e foi andando rumo a sua casa. Passou
próximo ao
colégio e, consequentemente, atravessou parte do centro da cidade, onde, apesar do
horário, ainda
havia algum movimento de carros, ônibus, farmácias, bares e restaurantes.
Decidiu desviar um pouco de sua rota habitual, para variar um pouco, o que acabo
u o levando
até uma rua escura. Arrependeu-se de ter feito isso, mas não deu importância. Ainda es
tava no centro
da cidade. Era seguro. Logo algumas quadras à frente, teriam mais alguns bares uni
versitários, então
não seria perigoso passar pelas ruas desertas.
Ao sentir que seu cadarço iria desamarrar, Luc se agachou para amarrá-lo. Olhou por
cima de
seus ombros e viu que uma silhueta alta e magra se aproximava a passos médios. Não e
ra possível
ver o rosto, mas, pelo modo de andar, era temível. Levantou-se rapidamente e, acel
erando o passo
mais uma vez, dobrou a esquina que estava próxima, numa tentativa de tentar descar
tar a ameaça em
potencial que estava logo atrás de si. Mas parecia que a rua em que entrara era ai
nda mais longa do
que aquela em que estava. Começou a se preocupar.
Já estava praticamente correndo por aquela rua que, além de mais longa, parecia aind
a mais
escura do que a anterior. Maldita decisão de mudar de caminho. Essa preocupação toda p
or causa de
uma pessoa que vinha caminhando alguns metros atrás dele.
Larga de ser bobo, Luc, não é nada.
Tomando toda coragem que havia dentro de si, olhou rapidamente para trás, para ver
se a
silhueta estranha ainda estava às vistas, mas, para seu alívio, não estava. Suspirou f
undo e agradeceu
a Deus. Mas de repente e surpreendentemente a figura estranha aparece bem à sua fr
ente, como uma
assombração. Saíra de um cruzamento por onde Luc estava prestes a passar. Como fora rápi
do a
ponto de dar a volta por todo o quarteirão e encontrá-lo uma rua adiante?
Boa noite disse a pessoa num tom nada amigável. O que é que temos aqui...?
Luc tremia. Não havia absolutamente ninguém na rua. Parecia que todas as pessoas que
estavam há pouco atrás de si nas farmácias e pontos de ônibus sumiram. Não havia a quem gr
itar ou
pedir socorro. Decidiu, então, tentar agir com naturalidade.
Boa noite.
A figura estranha então se aproximou devagar e, subitamente, puxou e atirou Luc co
ntra a
parede do corredor de uma casa ainda ali, naquela rua.
O que você quer de mim? perguntou Luc, apavorado.
Não sei, o que é que você tem pra me dar? respondeu o homem, num to sarcástico.
Luc tentava, ao mesmo tempo, enxergar o rosto daquele homem e pensar numa maneir
a, por
qualquer que fosse, de sair daquela situação desesperadora, mas não conseguia, pois o
homem usava
uma blusa de mangas longas e um gorro que cobria seus cabelos e parte do rosto e
não havia a quem
pedir socorro naquele lugar escuro e deserto.
Eu não tenho dinheiro respondeu Luc, engolindo seco.
Não tem dinheiro?... Mas tem outras coisas, não?
E então, pressionando-o contra a parede, o homem aproximou seu corpo ao de Luc, co
locou
uma mão em seu pescoço e começou a explorar seu corpo com a outra mão.
O coração estava pra sair pela boca e a vida de Luc passava em sua cabeça como num fil
me.
Não sabia o que fazer e estava prestes a ser, no mínimo, estuprado.
Devido à resistência de Luc e aos movimentos bruscos que fazia na tentativa de se de
svencilhar
dos braços longos daquela figura ameaçadora, foi possível, graças à fraca iluminação da rua
enxergar alguns traços do rosto da criatura bizarra que poderia violentá-lo a qualqu
er momento.
Devia ter, no máximo, uns vinte anos. Era alto e magro, apesar de ter braços fortes
a ponto de deixar
Luc completamente imobilizado, cabelos lisos e curtos, nariz adunco e olhos negr
os e brilhantes.
Apesar de todo o desespero e adrenalina daquele momento, Luc conseguiu enxergar
certa
beleza naquela pessoa tão ameaçadora e pôde perceber o quão incrivelmente maravilhoso er
a seu
perfume... Exalava uma fragrância tão máscula que, por um lapso de segundo, talvez pel
o medo que
estivesse sentindo, Luc quase pensou em se entregar e descobrir o que havia atrás
daquela virilidade
tão violenta.
Mas seu instinto de sobrevivência não permitiu.
Quando a figura, por um descuido, tirou os braços de Luc para abrir o zíper da própria
calça,
Luc, desprovido de qualquer cautela, reuniu toda força que conseguiu e deu-lhe uma
joelhada entre
as pernas. Pego totalmente de surpresa e não resistindo à tamanha dor causada pelo g
olpe, o
malfeitor foi ao chão, dando um urro de dor.
E então Luc correu. Correu como nunca correra em toda sua vida. A rua em que estav
a parecia
não ter fim. Corria como se estivesse a correr da própria Morte. As luzes do comércio
voltaram a
aparecer em seu campo de visão, e foi rumo a elas que ele correu.
Correu tanto que, quando deu por si, já estava a poucas ruas de casa. Até que, ao vi
rar uma
esquina, novamente, esbarrou fortemente em um homem com o mesmo tipo físico do que
acabara de
tentar agredi-lo.
Ei! gritou o homem.
Não faça nada comigo, por favor! implorou Luc, antes mesmo de olhar quem estava a su
a
frente.
Luc?
Assustado, Luc olhou para cima para ver quem estava a sua frente, afinal.
Alex...? É você?
Sim, sou eu respondeu Alex, espantado.
Luc abraçou-o desesperado. Apertou-o com toda a força que lhe restava. Perplexo e se
m
entender nada, Alex perguntou:
O que aconteceu?
Não houve resposta. Luc chorava copiosamente, mal conseguia falar.
Estavam próximos a uma praça, a poucos quarteirões da casa de Luc. Alex estava vindo d
a casa
de Amelie, que também era ali perto.
Vem, vamos nos sentar disse ele, conduzindo-o até um dos bancos.
Sentaram-se. Luc ainda chorava muito. Sentaram-se um ao lado do outro. Alex o ab
raçou
novamente e esperou que ele se recuperasse do estado de choque para poder contar
a ele o que havia
acontecido de tão grave para deixá-lo em tal estado.
Após alguns minutos de choro e soluços, Luc conseguiu se recuperar e, então, conseguiu
contar
o que havia acontecido.
Minha nossa! Mas ele te fez alguma coisa?!
Não, porque deu tempo de fugir... Senão, não sei o que teria acontecido.
Foi uma sorte ter encontrado Alex no caminho.
Alex, por favor... não conte nada a Amelie. Ela vai ficar preocupada.
Tudo bem, não vou falar nada. Mas acho que você deveria fazer um boletim de ocorrência
.
Não, melhor não... Não quero que isso se espalhe. Que fique só entre nós, por favor.
Tudo bem... Agora vamos, eu te acompanho até sua casa.
Então foram, caminhando devagar.
Você vai ficar bem? perguntou Alex.
Sim, vou... Obrigado pela preocupação agradeceu Luc, dando-lhe mais um abraço.
Por nada. Se tiver mais algo que eu possa fazer, é só me falar.
Não precisa, obrigado. Eu vou ficar bem, não se preocupa.
Tudo bem, então. A gente se vê no colégio. Até mais.
Até.
Alex partiu e Luc entrou em casa. Sentiu-se desprotegido. Tentou ignorar o que a
contecera há
minutos atrás e dormir. Foi até o quarto, tirou a roupa do corpo e deitou-se na cama
, esperando que o
Tempo levasse seus pensamentos.
Acordou com a luz do sol batendo em seu rosto. Bocejou, olhou para os lados e pa
ra o relógio
em seguida.
OITO HORAS!!
Não colocara o radiorrelógio para despertar. Seu estado de nervos fez com que ele se
desligasse
da vida por algumas horas. O horário de entrada na colégio da colégio era às sete, já era
tarde
demais. Mas, mesmo assim, Luc se levantou voando , se arrumou com muita pressa, mal
deu tempo
de escovar os dentes e pentear o cabelo. Pegou sua mochila, passou rapidamente p
ela cozinha, pegou
uma maçã e foi correndo para ao colégio. Era muito mais fácil ele continuar em casa, dor
mindo, mas
não gostava de perder aulas.
Chegou ao colégio a todo vapor. Entrou, passou pela secretaria e pediu uma autoriz
ação para
entrar atrasado. Passou pelos corredores e chegou à sua sala. Respirou fundo, recu
perando-se da
corrida, acalmou os passos e bateu à porta, pedindo licença à professora.
Entre.
Sua cadeira estava vazia. Dirigiu-se até ela e se sentou. Cumprimentou Amelie
silenciosamente. Olhou disfarçadamente para o lado, tentando encontrar Cody com os
olhos. Este
estava com a cabeça apoiada sobre a mão direita e o olhava de soslaio, enquanto fing
ia prestar
atenção no que a professora de Matemática dizia.
Dado do sinal da terceira aula, na troca de professores, alguns saíram da sala.
O que aconteceu? Essa seria sua primeira falta no ano todo perguntou Amelie.
O despertador não tocou. Devo ter esquecido de programá-lo ontem.
Hum... Sei. Os treinos começam hoje, né? Fiquei sabendo que nas duas últimas aulas o t
ime
do Cody vai treinar no campo aberto. Vai lá assistir?
Luc ficou pensativo. Sua vontade era ir, mas temia que sua resposta afirmativa m
anifestasse
alguma desconfiança sobre seu interesse por ele. Luc não sabia que Amelie já desconfia
va há muito
tempo.
Não sei... Você vai?
Vou. O Alex vai jogar, então vou lá assistir. Se não quiser ir por causa do Cody, vá pra
me
fazer companhia, pelo menos disse ela, tentando convencê-lo. E outra, esse treino
de hoje é
excepcional, o Alex me disse que a equipe dele não vai treinar em horário de aula, e
ntão é só hoje.
Ah, Luc, vamos?
Tudo bem, então. Eu vou.
Amelie sorriu.
O sinal do intervalo tocou. Alguns alunos foram para o pátio do colégio, mas uma boa
parte foi
até o campo aberto. Muita gente ali. Ótimo, assim Cody poderia não perceber a presença d
e Luc.
Foram até a pequena arquibancada de concreto que ladeava as laterais do campo e se
sentaram
num lugar no terceiro degrau. Aos poucos, os jogadores começavam a chegar. Alguns
dos membros
da turminha habitual de Cody estavam no time, uns dois ou três. Alguns eram de out
ras turmas e o
restante era da classe onde estudavam mesmo.
Saindo do vestiário e atravessando o campo, vinha Alex, tentando avistar Amelie nu
ma das
arquibancadas. Até que ela se levantou e acenou, fazendo com que ele a encontrasse
. E ele veio a seu
encontro, dando-a um beijo. Olhou Luc complacentemente, lembrando-se dos acontec
imentos da
noite anterior. Alex estendeu-lhe a mão, sorriu e perguntou:
Como está?
Melhor respondeu Luc.
Melhor? Por quê? Você estava mal? perguntou Amelie, desconfiada.
Não, é que... pensou no que responder É que bom eu sempre fui, por isso estou melhor.
Amelie riu alto. Essa piadinha era antiga, mas funcionava.
Sentaram-se novamente. Alex se despediu e voltou para o campo, se juntando ao re
stante do
time, esperando que os outros jogadores e o treinador chegassem.
E você, Luc? Quando sua equipe começa a treinar?
Hoje à tarde. Não quero treinar em horário de aula, não. Prefiro vir à tarde.
Ahh, e por falar em tarde, não tem nada a ver, mas estou lembrando. Daqui a pouco
menos de
quinze dias é meu aniversário, como você sabe, e eu já falei com meus pais. Já que eles vão
estar
viajando, eles deixaram eu fazer uma festa lá em casa. Se você não for eu te capo, cer
to?
Certo... Olha lá, o treinador chegou. Vai começar o treino respondeu Luc, sem dar mu
ita
importância ao aviso.
A equipe se reuniu no centro do campo enquanto Scott falava algumas coisas inaudív
eis à
distância. Até que todos se dispersaram e cada um assumiu uma posição no campo. E então
começaram os exercícios.
Olha como Alex fica lindo com esse shortinho branco disse Amelie.
Luc não respondeu nada. Estava admirando Cody, isso sim. Seu short também era branco
, era
uniforme da equipe. Seu corpo magro parecia refletir cada pequeno detalhe à luz do
sol, que podia
ser percebido até mesmo à distância em que estavam. Seus olhos verdes, seus cabelos lo
iros, tudo
parecia ainda mais perfeito.
Não fica? perguntou Amelie novamente.
Fica... respondeu Luc, mantendo os olhos em seu amado.
O treino não era algo muito divertido, mas era totalmente indispensável. Fazer exercíc
ios que
pareciam não ter muito sentido, correr atrás da bola com alguém te segurando pela cint
ura e essas
coisas, apesar de ser meio tolo e, por que não?, engraçado, fazia toda a diferença na
hora do jogo.
Pra que vocês treinam essas bobagens, hein? perguntou Amelie.
É importante, Amelie.
Ficaram os dois ali, assistindo o treinamento junto a alguns outros alunos do co
légio. Os que
quisessem assistir ao treino tinham permissão para ficar fora da sala, então era uma
matança de
aula legalizada. Como isso sempre acontecia nos últimos meses do ano, os alunos que
estavam com
as notas em dia podiam não se preocupar com faltas ou participação em sala.
O sinal da última aula soou.
Vamos ficar ou vamos voltar à sala?
Você quem sabe respondeu Luc, torcendo para que Amelie quisesse ficar para que, as
sim,
pudesse permanecer ali, admirando Cody por mais alguns instantes.
Ah, já estamos aqui mesmo. Vamos ficar.
E então assistiram ao resto do treino, cada um olhando seu favorito.
De todos os atletas, Cody era, sem sombra de dúvida, o mais habilidoso. Parecia te
r nascido
com a bola nos pés. Ao final do treino sempre acontecia uma pelada entre os atletas
do próprio
time e a habilidade de Cody se fazia evidente. Luc o admirava por isso. Apesar d
e também ser um
excelente jogador, Cody parecia ter vindo à vida para aquilo.
Passadas a hora e meia do treino, o treinador Scott dispensou os jogadores e alu
nos, já que
faltavam menos de cinco minutos para que o sinal da saída tocasse.
Vamos disse Amelie, conduzindo Luc pela mão através do campo.
Os jogadores iam rumo ao vestiário, enquanto os alunos iam até a saída do colégio. Ameli
e
estava indo de encontro a Alex, portanto, estava passando pelo campo, a fim de e
sperá-lo na porta.
O grupinho de Cody também se aproximava, o que deixou Luc um tanto constrangido. A
melie
continuava puxando-o pela mão. Apesar de tê-los visto se aproximando, não se intimidou
e
continuou caminhando. Já à pouca distância, Cody, acompanhado de sua tropa, gritou:
Svartlys já era, Luc Wessels!
Riram alto e em deboche. Luc não disse nada.
Vão à merda respondeu Amelie ao insulto, sem sequer olhar o grupo de malfadados.
...
Luc chegou em casa e deixou sua mochila no sofá da sala, como sempre. Foi até a cozi
nha,
pegou um copo d água e foi de encontro a Thomas, que estava no quarto.
E aí pai? perguntou ele, tomando um gole de água.
Thomas o olhou de soslaio e continuou se arrumando em frente ao espelho. Não disse
nada.
Que foi? insistiu Luc.
Você me deixou numa situação muito constrangedora ontem, Luc. Não gostei disso.
Ontem ... Essa palavra o fez Luc se lembrar dos últimos acontecimentos traumáticos.
Ah, mas eu te dei foi uma mão, isso sim.
Você me passou foi uma baita vergonha respondeu Thomas, indo à sala.
E o que foi que vocês fizeram depois que eu vim embora?
Assistimos a um filme. Só.
Não se pegaram nem nada?
Olha o respeito, rapaz!
Não estou te desrespeitando.
Thomas suspirou.
Luc, vá dormir, sim? To indo pra clínica.
Não posso dormir hoje, tenho treino.
Então tenha um bom treino. Até a noite concluiu Thomas, saindo pelo portão da garagem,
já irritado, entrando no carro e dando partida.
Luc levantou uma sobrancelha. Não sabia que aquela tentativa de deixar o casal a sós
havia
sido tão vexatória assim para Thomas. Se soubesse não teria feito.
É, muito ajuda quem não atrapalha mesmo pensou.
Ainda deu tempo de tirar um cochilo. Luc pegou seus acessórios, seu uniforme e foi
ao colégio
para o primeiro dia de treino.
Chegando lá, boa parte do time já se fazia presente. Alguns alunos do turno vesperti
no estavam
à arquibancada, outros do matutino também, mas quase ninguém conhecido. O treinador Sc
ott
conversava animadamente com alguns rapazes que ali estavam e Luc parecia procura
r por alguém
com os olhos. Foi até o meio do campo, onde estavam os demais, os cumprimentou e c
onversou por
um instante.
Hey, Luc disse alguém.
Luc virou-se com o susto.
Oi, Alex, como está? perguntou ele, estendendo a mão.
Bem, bem. Marquei com a Amelie de virmos assistir seu treino hoje. Não sei se vai
dar pra
gente vir em todas as partidas, mas, pelo menos nessa de estreia, quisemos vir r
espondeu ele,
correspondendo ao aperto de mão.
Ah, que bom... Fico feliz disse Luc sorrindo.
Vou pra lá esperar por ela, tá? E ah, só pra constar, aquele bom eu sempre fui foi péss
zombou Alex, se afastando.
Luc riu e voltou a conversar com o grupo de seu time.
Alguns minutos depois, Amelie chegou. Acenou a Luc de longe e se sentou ao lado
de Alex.
Vamos, rapaziada, dêem seu melhor! North Bound tem que ganhar esse campeonato, hei
n?!
Todos deram um uivo de incentivo, que gerou palmas dos espectadores, que já estava
m
presentes em bom número àquela hora.
Praticamente os mesmos exercícios chatos, táticos e cansativos foram repetidos por S
cott. De
todos os jogadores de Svartlys, Luc, assim como Cody, era o mais habilidoso. Era
ágil e tinha boa
precisão. Não era tão alto quanto Alex ou alguns outros, mas ganhava em velocidade e d
estreza.
Faltando poucos minutos para acabar o treinamento, quando a partida final, típica
de cada
término, estava para começar, ao olhar para o lado, distraído, Luc percebeu a presença d
e Cody,
sentado no primeiro degrau da arquibancada, com os braços sobre os joelhos, o cenh
o franzido por
causa do sol e fones de ouvido presos às orelhas. Não percebeu o olhar de Luc, mas c
ontinuou
observando atentamente, apoiando a cabeça sobre a mão esquerda. Amelie e Alex contin
uavam ali,
mas nem repararam a presença de Cody, que estava sozinho.
Acabado o treino, todos os alunos foram dispensados. Alguns ainda ficaram por ma
is uns
instantes. Alex e Amelie se aproximaram.
Luc, já estamos indo. Vem conosco? perguntou Amelie.
Não, não, ainda vou tomar uma ducha. To todo suado. Podem ir. E obrigado por terem v
indo.
Tudo bem então. A gente se fala.
Amelie e Alex saíram de mãos dadas. Luc conversou mais algum tempo com o restante de
sua
equipe e, então, foi para o vestiário tomar uma ducha, trocar de roupa e voltar para
casa. Já era quase
noite. Não havia ninguém mais no vestiário, apenas algumas pessoas no campo e os aluno
s do
noturno que chegariam aos poucos. Luc entrou numa das cabines, deixou sua trouxa
de roupas à
porta, do lado de fora, ligou o chuveiro e deixou que a água gelada caísse sobre seu
corpo.
Percebeu que alguém entrara. Apurou os ouvidos e observou pela parede a sombra que
se
aproximava. Até que esta se revelou, encostando o ombro direito na parede do lavab
o e cruzando os
braços. Era Cody, que nada disse.
Luc o olhou com simulado desinteresse e continuou sua ducha.
O que veio fazer aqui hoje? perguntou.
O que parece que eu estava fazendo?
Ambos trocaram um olhar de pouco caso. Luc continuou enxaguando seu cabelo, igno
rando as
palavras sempre rudes de Cody.
Você, sempre um poço de delicadeza comentou em tom irônico.
Cody suspirou. Fez-se breve silêncio em seguida.
O Jamie é um bom jogador disse Cody.
Eu sei.
Por que não o deixa como capitão da equipe... fez uma pausa e não vem jogar na
Lysstyrke? Você é o melhor do seu time, seria uma boa contribuição para nossa equipe.
Luc desligou o chuveiro. Balançou a cabeça para tirar o excesso de água dos cabelos,
destrancou a cabine e respondeu:
Porque não. Você é você, eu sou eu, eu tenho minha equipe e você a sua. Somos como água e
óleo, Cody: não nos misturamos.
Enrolou-se na toalha e saiu da cabine. Foi até um espelho e arrumou seu cabelo com
um pente,
sem se preocupar com o fato de que Cody estava o observando.
Isso é o de menos. Esquecemos nossas diferenças enquanto estivermos jogando.
Luc se virou defronte a Cody e esboçou um sorriso cínico.
E desde quando nós esquecemos nossas diferenças ?
Desde que seja necessário. É preciso saber separar as coisas.
Luc meneou a cabeça e virou-se para o espelho de novo. Continuou penteando os cabe
los
enquanto Cody tentava convencê-lo a mudar de equipe.
Cody interrompeu Luc, virando-se para ele novamente , com a gente não tem acordo. É
você aí e eu aqui. Eu sou o veadinho e você é o Cody Incrível-Superman-Holt. E é só. Não
que diabos você teve essa ideia genial agora, mas minha resposta é não.
Se é verdade que se pode sempre extrair algo bom das coisas ruins, algo bom que br
otara do
incidente da traumática noite anterior, foi algo que fez com que Luc perdesse uma
parcela do medo
que tinha de Cody. Estava começando a tomar coragem para enfrentá-lo, mesmo que assi
m,
timidamente.
Cody permaneceu em silêncio por um instante e ainda disse, antes de sair do vestiári
o:
Suas palavras são dignas de um perdedor. Até mais.
Luc as ignorou. Trocou de roupa e foi embora.
...
Passaram-se alguns dias. O aniversário de Amelie se aproximava. Os preparativos já e
stavam
sendo feitos e todos os alunos da turma estavam convidados. Todos os alunos. A f
esta ia ser
realmente de arromba. Luc ainda estava um tanto relutante quanto a ir ou não ir, m
as, no final, era o
aniversário de dezoito anos de sua melhor amiga e ele devia ir, mesmo que os convi
dados
indesejáveis aparecessem.
Depois de muito preparativo, muita empolgação e muita ansiedade, o grande dia chegou
.
Capítulo 5

Os pais de Amelie viajaram, como estava previsto e todos os preparativos já estava


m,
finalmente, prontos. Tudo estava sob responsabilidade de Amelie. Já que ela seria
maior de idade
daquele dia em diante, esse fora uma espécie de presente que ela recebeu dos pais
ter a liberdade
de organizar a grande festa ao seu modo.
Amelie, eu não sei o que vestir reclamou Luc, olhando-se no espelho, provando roup
a após
roupa.
Ai Luc, para de reclamar. Você fica lindo em todas, pode colocar qualquer uma resp
ondeu
Amelie, sentada à cama.
Mas não pode ser qualquer uma. É seu aniversário de dezoito anos, tenho que ir bem
vestido... Bom, acho que vou com essa blusa três quartos com uma calça jeans mesmo.
Tá bom.
Não se preocupa com isso. A festa vai arrasar disse ela animada. E por falar em ar
rasar,
eu já vou indo. Amanhã é o grande dia e já vou fazer as unhas e comprar o vestido e o sa
pato.
Mulheres... suspirou Luc.
Pare de reclamar, criatura! Você está ficando muito ranzinza. Vamos, me acompanhe até
a
saída.
Amelie se despediu de Thomas e foi embora apressada. As festas que ela organizav
a como
líder da Comissão de Festas de North Bound eram sempre uma correria, mas valiam a pe
na. E assim
seria essa. Luc não gostava muito de dar as caras, mas, no final, acabava sempre i
ndo, vencido pela
insistência da amiga.
A casa de Amelie era realmente grande. Seu pai era sócio em uma empresa multinacio
nal e era
bastante ostentador e nada pão duro. Amelie era a filha caçula, então era a mais papar
icada. Sua
outra irmã, Lori, morava com o marido em outra cidade. Era nova, mas se casara ced
o.
Amelie tratara de organizar tudo impecavelmente, ao seu modo trend de ser. Passo
u dias
escolhendo todos os detalhes pessoalmente e com o maior zelo possível.
E o grande dia então chegou. Amelie estava a todo vapor, ajudando na organização da
decoração, comidas, bebidas, todas essas coisas de festa. Claro que havia profission
ais responsáveis
por essa parte do serviço, já devidamente contratados por seus pais, mas ela gostava
de tomar as
rédeas e estar a par de tudo que estava acontecendo.
Amelie estava usando um vestido lilás curto, de alças finas com alguns detalhes em s
trass no
busto. Uma faixa de cetim roxo escuro contrastava com a clareza da peça. Usava uma
sandália
transparente no tom do vestido que ornava com todo o look.
Aos poucos foi anoitecendo. Quando o relógio marcou exatas oito horas, foram começan
do a
aparecer os convidados. A música já estava bem alta. Um dos primeiros a chegar foi A
lex, que vestia
terno e gravata.
Nove horas, nove e quinze, nove e meia. Nem sinal de Luc. Muita gente já havia che
gado, a
festa já estava a todo vapor, muita gente bebendo, muita gente ficando bêbada... e n
ada de Luc. Até
que, finalmente, ele surgiu. Perdido no meio de tanta gente e de tanta zoeira, t
entou procurar por
Amelie, que logo o avistou e o gritou, de longe:
Luuuuc! Aqui!!
Ouvindo o berro, Luc a avistou. Com alguma dificuldade e se esquivando de toda a
quela
aglomeração, conseguiu chegar até ela, que conversava com Alex e mais algumas pessoas.

Já ia te ligar! Você demorou demais, cretino! Vem cá, me dá os parabéns disse ela, que
estava começando a ficar alegre por causa do álcool.
Feliz aniversário, Amelie.
Obrigada, obrigada.
E aí, Luc? perguntou Alex, bagunçando-lhe o cabelo. Como tá?
Uau... Alex ficava realmente bonito dentro daquele terno.
To melhor! riram.
Vamos pra piscina, gente, aqui tá muito cheio de gente disse Amelie.
Caminharam alguns metros e chegaram à piscina da casa, que estava vazia, embora vári
as
pessoas estivessem ao redor. Ficaram os três ali, conversando, sendo interrompidos
a cada três
segundos por mais algum convidado que chegava dando os parabéns. Até que, à certa altu
ra da festa,
quando pensou-se que não havia mais ninguém a chegar, surge Cody acompanhado de sua
turma.
Ahhhh, olha quem veio! disse Amelie.
Céus... Como está lindo pensou Luc.
É... Olha quem veio.
Cody vestia uma blusa de frio preta, uma calça skinny e um tênis importado. Seus ami
gos
observavam a movimentação da festa como urubus à procura de carniça. Todos tinham lá sua b
eleza,
mas Cody... era único, incomparável.
Ostentando o mesmo olhar superior e o mesmo tom sarcástico habitual, Cody se aprox
imou.
Parabéns, Amelie disse ele, estendendo a mão.
Amelie o olhou de cima a baixo, encarou-o por um instante e respondeu:
Obrigada, Cody. E obrigada por ter vindo. Divirta-se.
Cody lançou um sorriso cínico aos três e se retirou, junto ao resto da trupe. Era semp
re uma
tensão quando ele aparecia.
Vou ficar um pouco lá dentro, Luc, tenho que dar atenção a todos. Já já eu volto anunci
Amelie, puxando Alex pelo braço.
Luc assentiu com a cabeça. Pegou um copo de refrigerante na mesa montada ali perto
e voltou
à beira da piscina, bebendo e pensando em algumas coisas. Via todas aquelas pessoa
s conversando e
se paquerando animadamente ao som da música alta. Alguns companheiros de equipe se
aproximaram de Luc e eles conversaram por algum instante, mas logo Luc ficou soz
inho novamente.
Perdido em pensamentos, não percebeu que a turma de Cody se aproximava. Continuou
olhando as águas da piscina e prestando atenção na música que tocava, que era uma de sua
s
preferidas. Até que, quando já estava bem próximo, Cody perguntou com o sarcasmo de se
mpre:
Ué, Luc, não vai pegar nenhum gatinho hoje?
Todos riram debochados. Luc os olhou por cima do ombro sem demonstrar nenhuma re
ação e
voltou a prestar atenção na música e na água.
Ah, não vai, não? Cuidado hein, vai acabar ficando pra titia, Luc!
E gargalharam novamente. Luc queria não dar confiança, mas virou-se de frente à turma
e
olhou Cody nos olhos.
Por que você não vai ver se eu to no inferno, Cody? perguntou Luc, tomando mais um g
ole
do refrigerante.
Cody se aproximou um passo. Luc continuou imóvel, fitando-o sem medo.
Percebendo a movimentação estranha ali perto da piscina, um monte de interessados e
barraqueiros de plantão já vinham se aproximando para prestar atenção na discussão, pront
para
incentivarem a confusão.
Você tá muito valente hein, veadinho? Perdeu a noção do perigo?
Luc, na maior naturalidade, sem demonstrar a mínima preocupação, num movimento abrupto
e
inimaginado, atirou o refrigerante que restava dentro do copo no rosto de Cody,
fazendo, assim,
eclodir o alvoroço que estava se formando.
Perdi.
Todos vaiaram, aplaudiram e começavam a gritar Briga! Briga! . Cody, duplamente irado
,
tanto pela humilhação quanto por estar sendo alvo das risadas de seus próprios amigos,
pegou Luc
pela gola da camisa e o atirou dentro da piscina com toda sua força.
Totalmente desprevenido, Luc deixou o copo de vidro cair no chão e sentiu-se conge
lar dentro
daquela água fria. E o pior de tudo: não sabia nadar. Desesperou-se, por um instante
pensou que
fosse morrer afogado na piscina da casa da melhor amiga. E todos ao redor só fazia
m rir, ninguém se
solidarizou em ir ajudá-lo, muito menos Cody, que, vendo o desespero de Luc dentro
da água, nada
fez, mesmo tendo sido ele o causador daquela situação. Ficou apenas olhando com os o
lhos
arregalados e impassíveis.
Vamos sair daqui.
E Luc permaneceu ali se afogando por intermináveis segundos. Até que alguém pulou na
piscina e o puxou pelo braço. Então conseguiu emergir e respirou o mais fundo que po
de, tomando
todo o ar que conseguia para se recuperar.
Alex... graças a Deus...
Vem, vamos sair da água.
Alex o ajudou a ficar de pé na piscina e o conduziu até a borda. Amelie estava à beira
da
piscina. Chegara tarde demais e acabou não vendo o que houve.
Ok, pessoal, acabou o show, vamos voltar à festa disse Amelie, tentando parecer
despreocupada e tentando apaziguar os ânimos.
Todos voltaram à festa e continuaram bebendo e dançando como se nada tivesse acontec
ido.
Amelie pegou duas toalhas e foi até Luc e Alex, que haviam se sentado num banco no
jardim dos
fundos da casa.
Luc do céu! O que foi que aconteceu?! perguntou Amelie entregando a ele e a Alex u
ma
toalha felpuda.
Luc arfou.
Não dá pra adivinhar?
Foi o Cody?
Luc consentiu com a cabeça.
E cadê ele? perguntou Alex.
Sei lá, deve ter ido embora.
Mas que coisa! esbravejou Amelie, que ficou pensativa logo em seguida. Bom, já vol
to,
esperem aí avisou Amelie, saindo deixando-os a sós.
Fez-se silêncio por um instante. Após se enxugarem, Alex se ajeitou e abraçou Luc pelo
ombro,
tentando fazer com que ele se aquecesse.
Você sempre salvando minha vida, hein?
Luc nunca teve amigos. Estava sempre cercado de amigas, mas amigos, companhias
masculinas, quase nunca tivera. E Alex parecia ser o primeiro exemplar significa
tivo. O tratava
muito bem e era sempre demasiadamente solícito, o que até causava certo espanto, poi
s o que Luc
estava acostumado a receber eram os maus tratos e desaforos costumeiros vindos d
e Cody. Mas
Alex, como já tinha dito, apesar de jogar na mesma equipe que Cody, era totalmente
diferente dele e
de seus amigos. Amelie era uma menina de sorte por ter como namorado um cara tão e
special.
Luc, por que o Cody te atormenta tanto?
Luc ponderou a resposta. Não tinha certeza absoluta do motivo
Não sei, talvez porque eu jogue na equipe adversária, ou porque eu seja...
Oh, não. Luc estava prestes a revelar o segredo de sua vida assim, sem mais nem me
nos. Que
tolice ter respondido àquela pergunta! Por que não disse apenas não sei ?
Porque você seja o quê?
E agora? Prosseguir com a revelação ou encontrar uma resposta qualquer? Qual seria a
reação
de Alex?
Gay...
Fez-se silêncio novamente. Alex não disse nada na hora, mas também não soltou seus braços
de Luc. Fez uma expressão pensativa, ajeitou-se no banco de jardim e perguntou:
Sério? Eu não sabia...
É... Acho que você é o único que sabe. Na verdade esse era o segredo da minha vida
emendou Luc, sem graça. Nem a Amelie sabe. Eu acho.
Luc se desvencilhou dos braços de Alex e se distanciou alguns centímetros no banco,
olhando
para a rua com os cotovelos apoiados sobre os joelhos.
Se quiser se afastar de mim, ou não conversar mais comigo... eu vou entender.
Alex não disse nada mais uma vez. Puxou Luc de volta pra si delicadamente e o acol
heu em
seus braços novamente.
Eu não me importo, mas confesso que estou um pouco surpreso. Se você não tivesse dito,
eu
jamais desconfiaria.
É, isso é algo que guardo dentro de mim há muito tempo... Pensei que se importaria.
Claro que não.
Nem um pouco?
Não, nem um pouco.
Mas como não, Alex? Você é hetero, namora minha melhor amiga... Não tem medo que eu dê
em cima de você, que eu... sei lá, me apaixone por você, tente atrapalhar seu namoro c
om a Amelie...
Nada, nada?
Não. Eu confio em você.
Luc ficou surpreso. Alex era mesmo um cara muito especial. Talvez pelo fato de q
ue nunca
tivera um amigo hetero, Luc sempre imaginou que não haveria tamanha receptividade.
Imaginou que
todos fossem preconceituosos, mesquinhos e ignorantes, como Cody e seus amigos.
Sabe... disse Alex após longo silêncio eu sempre gostei de você. Sempre te achei um c
ra
tão legal... Ficava morrendo de dó quando Cody e os amigos dele vinham pra cima de v
ocê com as
mesquinharias deles. Mesmo não te conhecendo... ou melhor, conhecendo de vista, sa
bia que você
era um cara bacana. E eu não estava errado disse ele com um sorriso. E, confesso,
me sentia
impotente por não poder fazer nada. Olha como a vida é engraçada. Agora eu posso!
Os dois riram.
Amelie tem sorte de namorar um cara como você, Alex.
E de ter um amigo como você.
Falando nela, eis que ela ressurge.
Vem gente, vamos voltar pra festa disse ela, fazendo um aceno para que eles vies
sem.
Levantaram-se. Alex colocou as mãos sobre os ombros de Luc e disse baixo, para que
ela não
ouvisse.
Não se preocupe, não vou contar nada à Amelie. E enquanto eu estiver por perto, o Cody
não
vai te matar.
Riram.
Obrigado, Alex. Por tudo. Você é demais.
Imagina. Agora vamos.
Caminharam de volta à festa. Amelie conversava com sua irmã e seu cunhado. Apresento
u-os a
Luc e Alex e deu atenção a mais alguns outros convidados.
Amelie, vou nessa.
Ahhh, nããão, Luc! Fica, ainda é cedo!
Eu preciso ir. Estou cansado. E também preciso tirar essa roupa molhada do corpo,
senão vou
acabar pegando um resfriado. Depois a gente se fala.
Tudo bem, então... Até mais.
Despediram-se com um beijo no rosto. Luc e Alex ainda trocaram um aperto de mão e
então
Luc foi-se.
...
Depois da festa, Luc e Cody mal se olharam na cara. Esbarraram-se, como sempre,
algumas
vezes no colégio, mas não trocavam mais os olhares de rivalidade que sempre trocavam
na sala de
aula.
Os treinos também continuaram, mas ninguém ia assistir a ninguém jogando. Pareceu que
ter
atirado refrigerante no rosto de Cody feriu seu orgulho profundamente, assim com
o ter jogado Luc
dentro da piscina foi o ápice da humilhação. Mas nenhum dos dois se mostrou arrependid
o. Nem um
pouco. Arrepender-se de algo não era do feitio de Cody, embora atirar refrigerante
na cara alheia
também não era do feitio de Luc.
É, realmente, há sempre algo bom implícito nas coisas ruins. Esse acontecimento serviu
para
que surgisse uma amizade muito forte entre Luc e Alex. Desde a tentativa de abus
o que Luc sofrera
daquele estranho naquela rua deserta, Alex subiu em seu conceito. A princípio, pel
o fato de Alex ser
do time de Cody, e, às vezes, andar com a mesma turma dele, Luc pensou que isso fo
sse sinal de que
ele era tão idiota quanto os outros, mas isso, felizmente, fora um ledo engano. Al
ex era um rapaz de
características e índole totalmente opostas a tudo que Cody era. Alex o respeitava e
, principalmente,
o aceitava, sem preconceitos e sem a mínima discriminação, ao passo que Cody era como
era.
Amelie não ficou enciumada com a aproximação dos dois, de forma alguma. Pelo contrário,
fez
gosto. Percebia que Luc precisava de um amigo. Lembrava-se das vezes que ele com
entava que há
alguns assuntos que não podem, ou não devem, ser conversados com meninas. Sentia-se
impotente
por não poder ajudá-lo. Por isso, Alex apareceu numa hora muito providencial, afinal
Luc estava
atravessando uma fase difícil e precisava de um amigo ao seu lado.
E agora ele tinha dois grandes amigos! Amelie e Alex, que parecia ser seu irmão ma
is velho.
Luc nunca imaginara que por trás de toda aquela altura e beleza jaziam tantas qual
idades
maravilhosas e uma pessoa tão incrível.
O tempo que passara também serviu para que Thomas e Erin se aproximassem ainda mai
s.
Encontraram-se algumas vezes mais. Erin também era uma mulher incrivelmente especi
al. Era tão
inteligente, atenciosa, engraçada... Luc torcia para que ela e seu pai se acertass
em. Luc a teria como
madrasta com gosto. Não que ele quisesse que ela fosse uma substituta de sua mãe, ma
s a aceitaria
como adicional .
Os jogos interescolares aconteceriam em Kells, mas, no último instante, o Comitê dec
idiu
melhor realizar todos os jogos em Itýr, o que deixou Luc muito chateado. Não queria
viajar para ter
que jogar. Mas seria necessário. Ainda teria tempo para se acostumar com a ideia d
e que ficaria
semanas, talvez até meses, fora de casa. Sua sorte era que agora ele poderia conta
r com Alex, que se
tornara um grande amigo, então não teria com que se preocupar nem o que temer.
Às vezes reclamava por ser o capitão do time. O interecolegial era o segundo maior
campeonato escolar do estado; só ficava atrás das Olimpíadas Escolares, mas ele não gost
ava de
participar de competições tão grandes, embora fosse esse o sonho da maioria dos jogado
res. Tinha
medo de responsabilidades como essa. Até culpava-se por isso, mas pensava: Eu assum
i o
compromisso, eu vou .
Mas por que é que eu tenho de ser justamente o capitão do time?
Capítulo 6

Desde o ocorrido na casa de Amelie, a única coisa que Luc e Cody ainda compartilha
ram foi o
trabalho de Geografia que haviam começado na casa de Luc. Fora feito a extremo con
tragosto, mas,
ainda assim, foi um bom trabalho. Luc fez sua parte, Cody fez a dele e só. Encontr
aram-se e
comunicaram-se apenas no dia da apresentação. Cody era um garoto inteligente, tanto
quanto Luc,
mas seu status de bad boy o impedia, de certa forma, de mostrar seu potencial. E
m seu grupo de ditos
amigos , ter um pingo de inteligência era considerado careta .
Depois disso, tudo voltou a ser como sempre. Cada um no seu canto. Cessaram-se a
s trocas de
olhares fulminantes, as brigas, as ofensas... Era como se os dois mal se conhece
ssem. Por um lado,
isso era bom, mas, por outro, era ruim. Aquele, por pior que fosse, era o mínimo e
único contato que
Luc tinha com seu amado. E ele ainda o amava. Cada dia mais. A cada vez que o vi
a o coração ainda
disparava, a boca secava e os sinos tocavam.
Como você é idiota, Luc... Como você é idiota...
Luc chegou em casa. A aula acabara um pouco mais cedo. Entrou e se felicitou com
a presença
de Erin, que estava sentada à cozinha, conversando com Thomas.
Oi Luc! Que bom ver você disse ela, levantando-se para dar um abraço no garoto.
Oi, Erin. Bom te ver também respondeu ele, abraçando-a.
Vá trocar de roupa, meu filho, vamos almoçar fora hoje disse Thomas, contente.
Tudo bem respondeu ele, sem questionar o porquê óbvio do almoço.
Foi até seu quarto, trocou de roupa rapidamente, lavou o rosto e voltou para a sal
a.
Pronto, podemos ir.
Foram a um restaurante colonial no shopping principal da cidade. Sentaram-se à mes
a e
fizeram o pedido.
Luc não conversou muito. Erin e Thomas conversavam bastante, ele só prestava atenção. Er
a
incrível como eles se entendiam e pareciam fazer um casal perfeito. A empolgação de Th
omas
quando estava próximo a ela era tão grande e o sorriso que ela punha nos lábios quando
eles estavam
juntos só poderia significar que o sentimento recente que existia entre os dois er
a sincero e recíproco,
o que deixava Luc deveras satisfeito.
Acabada a refeição, Erin olhou Luc com um olhar sério, mas sempre mantendo o sorriso.
Após
uma pequena pausa, segurou sua mão e disse:
Luc, há uma razão para estarmos aqui hoje.
Sem entender, novamente, o que se passava, Luc olhou Thomas, que tentava disfarçar
o riso
tampando a boca. Tentou captar alguma informação com o olhar, mas não pôde imaginar nada
.
Então Erin continuou:
Isso pode parecer um pouco ridículo, mas eu mesma fiz questão que fosse assim. Seu p
ai está
rindo porque ele sabe que isso é, de fato, uma bobeira sem tamanho, mas eu faço mesm
o questão.
Pode falar disse Luc, prestando atenção.
Então... Luc, você me concede a mão do seu pai em namoro?
Thomas mais uma vez conteve o riso. Não sabia o motivo de estar rindo, se era nerv
osismo, ou
se ria por estar achando aqui tudo uma criancice, ou por estar a dois passos de
recomeçar sua vida
sentimental, que há muito estava desestruturada.
Ué... Mas vocês são adultos, eu não tenho nada a ver com isso respondeu Luc, sem querer
parecer rude. Por que precisa de minha autorização?
Porque você só tem a seu pai, e talvez não gostasse de ter mais alguém entre vocês dois.
or
isso estou lhe pedindo permissão à mão dele explicou Erin, rindo. Então, o que me diz?
Luc sorriu. Apertou a mão de Erin.
É claro que permito. E não precisa me pedir a mão do meu pai em casamento, quando fore
m
se casar, não!
Todos riram novamente.
Tá bom, estou avisada!
Daquele dia em diante Erin e Thomas eram, oficialmente, namorados. Depois de ano
s, Thomas
novamente se envolveria com alguém, acabando, assim, com sua amiga Solidão. Em meio
a esse
momento difícil que Luc estava atravessando, era reconfortante saber que, apesar d
e tudo, o mundo
continuava girando e que isso, afinal, não era a morte.
...
Bom dia, classe disse o professor de Literatura, entrando na sala.
Todos se sentaram em seus lugares e acalmaram-se aos poucos. A aula de Literatur
a era a mais
chata, embora o educado professor fosse um dos mais legais do colégio.
Apesar de já estarmos entrando na reta final das aulas e de os jogos intercolegias
já estarem
perto, o que, sei bem, é desculpa para muitos de vocês cabularem aula, quero que vocês
leiam Romeu
e Julieta e tragam uma análise pra mim na próxima aula, certo?
Todos instantaneamente reclamaram.
Mas Romeu e Julieta, professor? disse Seth, um dos amigos de Cody. Isso é livro de
menina e de veado, só o Luc gosta dessas coisas concluiu ele dando uma risada debo
chada em
seguida, que foi acompanhada por parte da sala e pelo resto da trupe.
Amelie se irritou, como sempre, e já estava pronta a rebater a ofensa, mas Luc a c
onteve. Ele
mesmo já não se importava mais com esse tipo de comportamento vindo dos alunos do fun
do . Mas
não resistiu à curiosidade de olhar à mesa de Cody. Por incrível que parecesse, ele não se
manifestara. Esse tipo de comentário era sempre oriundo dele, mas, dessa vez, ele
sequer abriu a
boca. Isso deixou Luc um tanto perplexo. Até Amelie reparou.
Nossa, Luc... O Cody não falou nada!
Alguma coisa não devia estar certa. Desde o ocorrido na casa de Amelie, Cody não mai
s teve
qualquer tipo de contato com Luc. Se fossem outros dias, ele, certamente, teria
sido o primeiro a
incentivar o que foi dito, mas não o fez. Ficou quieto. Não disse absolutamente nada
.
Olha o respeito, Seth! Esse tipo de comentário é totalmente desnecessário reprimiu o
professor.
O fato de Cody não ter dito nem feito nada foi o suficiente para que Luc ficasse p
ensativo pelo
resto da aula. Como era possível? O que aconteceu, afinal? Teria sido apenas o epi
sódio da piscina
na festa de Amelie? Por que tamanha mudança?
Ah, Luc, não me diga que você vai ficar triste por causa do idiota do Seth disse Ame
lie
durante o intervalo.
Mas ela não sabia. Ou não percebia. O que o deixou triste não foi o comentário idiota, c
laro
que não. Luc já estava acostumado. O que o deixou triste foi Cody não ter se manifesta
do. O único
contato que Cody e Luc tinham era feito através de ofensas e agressões verbais e ess
e acabara de ser
perdido. Agora o que restava entre eles era uma distância geográfica de poucos metro
s e um vazio
infinito no coração de Luc, que parecia bater cada dia mais e mais forte por Cody.
Sentiu uma angústia profunda, como nunca sentira antes. Seus sentimentos estavam t
rancados,
principalmente os mais íntimos. Há muito não derramava uma única lágrima de tristeza. Havi
a uma
barreira que impedia que suas emoções explodissem... Era isso que o fazia aguentar a
situação sem
fraquejar.
Luc, então, chegou em casa. Não havia ninguém. Thomas havia ido à clínica cedo. Não se
importou, foi direito para o quarto. Lavou apenas as mãos e o rosto. Depois disso
deitou na cama e
deixou que seus pensamentos errantes o guiassem.
Estava quase pegando no sono, imaginando se isso que estava acontecendo em sua v
ida seria
para sempre, ou se seria apenas uma fase difícil típica da adolescência, ou se ele era
realmente um
maldito e que sofreria em silêncio até o fim de seus dias.
Vamos, Luc, não seja tão pessimista...
Até que a campainha tocou. O susto fez com que a sonolência de Luc se dissipasse. Es
fregou
os olhos, calçou seu chinelo e foi atender à porta.
Oi, Erin. Entra.
Oi, Luc!
Erin entrou.
Sente-se disse Luc, indo até a sala.
O Thomas não está? perguntou ela, acomodando-se no sofá.
Não, foi à clínica cedo hoje. Quando cheguei, agora há pouco, ele já tinha ido.
Ah, sim...
Fez-se silêncio. Luc não estava com cabeça para fazer sala. Precisava dormir ou sumir,
ou
morrer, não receber visitas, por mais agradáveis que elas pudessem ser.
Está tudo bem com você? perguntou Erin, percebendo a visível expressão de tristeza no
semblante de Luc.
Sim, tudo bem... Por quê? respondeu ele, sentando-se no sofá de frente a Erin.
Você está com uma carinha tão triste, mas tão triste... Tem certeza que está tudo bem?
Luc sentiu vontade de desabafar. Sinceramente. Não conseguia guardar isso dentro d
e si. Era
demais para aguentar sozinho. E não podia contar com ninguém. Ainda não era tempo de r
evelar a
Amelie, não podia contar a Thomas, pois também era demais para ele e o único que sabia
sobre esse
grande segredo era Alex, mas Luc não se sentia confortável conversando com ele sobre
esse assunto.
Luc suspirou.
É, realmente, você não está bem. Venha, sente-se aqui disse Erin, colocando a mão sobre
acento ao seu lado. Vamos conversar. Uma boa conversa resolve bastante coisa.
Era difícil resistir à tentação de contar a alguém. Então Luc foi, sentou-se ao lado dela,
as não
a olhou nos olhos.
Não sei se posso, ou se devo, te contar... disse ele.
Claro que pode, sou sua amiga. Estou aqui para o que precisar.
Não é por isso... É que... é algo meio pessoal.
Se o problema for seu pai, não se preocupe, nossa conversa morre aqui, entre nós. Va
mos, me
conte, talvez eu possa te ajudar, hã?
Luc suspirou novamente. Estava a ponto de explodir e não podia perder a oportunida
de de
colocar para fora tudo o que vinha sentindo durante todo esse tempo de sentiment
o recluso.
Definitivamente, aquela era uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada. Não h
avia nada de
mau que pudesse acontecer, então Luc resolveu confiar a Erin o seu segredo de sete
chaves.
Não sei por onde começar... É uma história tão longa e complicada... Não sei nem se você
entenderia.
E então começou a contar por partes. Relembrou alguns acontecimentos de sua infância,
do
colégio, da passagem para o ensino médio, de seus conflitos, até que chegou à parte mais
difícil da
conversa.
Eu sou gay.
Erin levantou uma sobrancelha. Luc, então, pela primeira vez, a fitou. Não sabia se
sua
expressão era de surpresa, de espanto, de decepção ou de asco.
E por isso eu não queria te contar o que tenho...
Por isso o quê? perguntou ela.
Todo mundo faz essa mesma cara que você fez... E eu nunca sei o que querem dizer c
om
isso.
Erin se ajeitou no sofá e disse:
Quanto aos outros, não sei, mas quanto a mim, quero dizer que sou sua amiga e que
isso pra
mim não faz a mínima diferença. O que importa é que você seja feliz e, principalmente, est
eja feliz
consigo mesmo.
Erin sorriu, compreensiva. Acariciou os cabelos de Luc e questionou em seguida:
Mas é isso que tá te deixando tão pra baixo assim?
Não, não é...
E então Luc contou de forma resumida a outra parte da história Cody. Erin ouviu tudo
atentamente e sem fazer interrupções.
Mas se esse rapaz de maltrata tanto, de onde é que vem tanto amor por ele?
É isso que eu me pergunto todos os dias... Não sei o porquê. Eu simplesmente o amo, co
m
todas as minhas forças. Não sei o que é pior: ele ser hetero, ele me maltratar ou eu s
aber que ele é a
última pessoa por quem eu deveria me apaixonar.
Erin ficou pensativa. Parecia mesmo uma sinuca de bico.
O que eu posso dizer é que nada é para sempre. E que se você está passando por essa fase
, é
porque tinha que acontecer. Nada é por acaso. Nada. Alguma lição você vai tirar disso no
final, te
garanto, mas sei que é difícil. E eu estarei sempre aqui, para o que precisar. Pode
contar comigo
sempre, hein? concluiu ela com um sorriso, abraçando-o.
Obrigado, Erin. Você é incrível.
Alguém mais, além de mim, sabe dessa história?
Não. Um amigo meu sabe sobre mim, mas não sobre a história toda. Você é a única, pelo
menos por enquanto. Sabe, tenho tanta vontade de contar ao meu pai, mas, ao mesm
o tempo, tenho
tanto medo da reação dele...
Acho que você deve contar quando estiver preparado, não faça nada por impulso. E se
precisar de mim para isso também, é só me falar.
Luc levantou-se.
Não... Vou contar, mas acho que não vai ser tão cedo... Bom, quer tomar uma água, um café
alguma coisa?
Não, obrigada, já estou indo, passei só pra falar um oi, mas amanhã eu volto. Só diga ao
eu
pai que eu passei por aqui e deixei um beijo, tudo bem?
Tá, pode deixar.
Erin ainda o abraçou mais uma vez e foi embora em seguida, deixando Luc só.
A cada dia o momento da viagem ficava mais próximo. Mais duas ou três semanas comple
tas
de aula e, então, finalmente, o tão esperado campeonato aconteceria. Luc não estava na
da ansioso.
Até estava; não pelos jogos, mas pelo que poderia acontecer em Itýr, longe de Amelie,
longe de seu
pai e longe de qualquer proteção.
Nada mudou naqueles dias que transcorreram. A única coisa que aconteceu foi a apro
ximação
de Luc e Erin. Foi só contar a ela sobre sua sexualidade e Luc se sentiu mais conf
iante, tanto em
relação a isso quanto em relação a ela. Já gostava da moça, mas essa confiança que ele depo
ou
nela, que acabou gerando uma amizade em troca, fez com que eles se aproximassem
bastante.
Na semana seguinte, quando faltava mais apena uma semana para a viagem, o treina
dor Scott
convocou um último treino em North Bound. Aquele seria o treino definitivo, que de
cidiria quem iria
para Itýr e quem permaneceria em Kells. Convocou todos os titulares e reservas de
ambas as equipes
e organizou um treino reforçado. Além de ter feito com que todos os jogadores dessem
o máximo de
si, as duas equipes jogaram uma contra a outra, o que acabou fazendo com que, ma
is uma vez, Cody
e Luc tivessem algum contato, mesmo quem indireto e impessoal.
Todos compareceram ao colégio na hora marcada. O campo ficou cheio, apesar de que
não
havia mais ninguém no colégio, pelo fato de o treinamento ter sido marcado em horário
pós-aula.
Acabados todos os exercícios e a última partida, chegou, então, a hora fatídica.
As duas equipes sentaram-se ao centro do campo.
Quem eu disser o nome, levante-se, certo? perguntou Scott.
Então ele começou a ditar a escalação, titular e reserva. Luc e Cody eram capitães das equ
ipes
oficiais do colégio, então independentemente de seus desempenhos, já tinham lugares ga
rantidos na
competição. Luc torcia para que, pelo menos, Alex fizesse parte da equipe oficial, p
ois, afinal, ele
era seu único salvador ali.
E foram levantando, um por um, os nomes que Scott chamava. Além de suas observações, s
ua
escolha fora baseada nos relatórios dos capitães, feitos por Luc e Cody ao final de
todos os dias de
treinamento. Alex foi o quinto a ser chamado, o que deu um alívio gigantesco a Luc
, que estava
realmente preocupado.
E então é isso, está formada a Equipe North Bound. Aos que não foram escalados, não
desistam. Continuem treinando duro, tenho certeza que da próxima vez estarão nessa i
ncentivou
Scott.
Ainda naquela noite, fora feita uma reunião entre o treinador e os atletas selecio
nados, para
acertar alguns detalhes e ouvir algumas palavras de incentivo do veterano Scott,
que já havia jogado
pela equipe do colégio nos seus tempos de mocidade.
Quem ainda for menor de idade, preciso de uma autorização assinada de seus pais para
viajarem. Tragam-me isso até o final dessa semana, por favor.
Luc precisava fazer isso. Pegou o termo de responsabilidade com o treinador e fo
i para casa
para que Thomas assinasse ainda no mesmo dia.
Depois de um bom banho, uma farta refeição e algum tempo de ócio, Luc entregou o termo
para que Thomas assinasse.
Pai, assine pra mim. É a autorização pra eu ir jogar pelo colégio disse ele, entregando
o
papel a Thomas.
Thomas pegou o termo e assinou. Olhou Luc nos olhos e perguntou:
Tem certeza de que quer fazer isso mesmo, Luc? Você tem me parecido tão triste, tão
distante ultimamente... Está acontecendo alguma coisa?
Mas será possível? Até Thomas já estava desconfiando? Estaria Luc disfarçando tão mal sua
tristeza?
Tenho, pai, tenho certeza. Não se preocupe comigo, ficarei bem.
Thomas assinou o termo e entregou de volta a Luc. Agora já estava sacramentado. Er
a só
aguardar os últimos dias passarem até que começasse seu martírio rumo ao campeonato.
Capítulo 7

Amanhecera vagarosamente. O dia não estava lá tão bonito. Algumas nuvens negras tampav
am
a pálida luz do sol, que passava pelas diáfanas frestas da persiana do quarto de Luc
, que acabava de
despertar ao som do despertador. Sete e meia, era chegada a hora. O ônibus para Itýr
que Scott
alugara sairia de Kells às oito e quinze, não poderia se atrasar.
Levantou depressa. Fez sua higiene matinal e foi tomar café. Thomas já havia levanta
do.
Bom dia disse ele.
Bom dia respondeu Luc, com a voz pastosa.
É hoje, hein? Como está se sentindo?
Normal respondeu Luc, sentando-se à mesa.
Normal? Hoje é o dia da sua viagem rumo a um dos maiores campeonatos do estado e v
ocê
está normal ? Muitos garotos queriam estar no seu lugar hoje, meu filho concluiu Thom
as,
sorrindo.
Luc levantou uma sobrancelha e olhou Thomas, torcendo os lábios. Achava essas obse
rvações
de seu pai totalmente desnecessárias e, às vezes, até descabidas. Ele estava cansado d
e saber que Luc
não dava tanta grandeza assim a essas coisas, mas, ainda assim, como pai dedicado,
preocupado e
interessado que era, Thomas insistia em perguntar.
Quer que eu te leve até a porta do colégio?
Quero. Leve a Erin também, quero me despedir dela.
Vocês se tornaram mesmo amigos, hein? Fico feliz com isso. Toda vez que eu a vejo
ela me
fala bem de você.
É, ela é legal. Muito.
Luc lembrou-se de que confidenciara seu grande segredo a ela. Será que ela tinha c
ontado algo
a Thomas? Será que ele estaria desconfiado?
Até ela estava comentando que você parecia um pouco triste, abatido ultimamente.
Oh, não. Teria ela realmente contado?
É impressão de vocês, estou normal.
Normal , normal , normal , é só isso que você sabe falar, já reparou? disse Thomas,
rindo.
Luc olhou-o com seu olhar fulminante novamente, fazendo com que Thomas risse ain
da mais.
Vá se trocar de roupa, senão vamos acabar nos atrasando disse Thomas, levantando-se
e
indo para o quarto.
Luc assentiu e foi para o quarto terminar de arrumar as malas e de se arrumar.
Não se esqueça das suas lentes de contato gritou Thomas, lá de baixo.
Já estava se esquecendo. Como iria jogar de óculos?
Terminou de arrumar suas coisas em alguns instantes. Ligou para Erin para saber
se já estava
acordada e para pedir a ela que fosse com eles até o colégio, para que pudessem se d
espedir. Ela, que
já previa que isso fosse acontecer e que já sabia qual seria a data da viagem, aceit
ou imediatamente.
Então Luc anunciou que estava pronto e foram até a casa de Erin, indo até North Bound
em seguida.
Chegando lá, a maioria dos atletas já estavam à porta, acompanhados do treinador e esp
erando
a chegada do ônibus. Desceram do carro e pararam a uma quadra do portão principal do
colégio.
Desceram todos do carro. Já era quase hora.
Então é isso... Vejo vocês daqui a... sei lá, um mês, talvez dois disse Luc, num sorris
riste.
É... Fique bem, meu filho. Cuide-se, use protetor solar, não vá se meter em confusão, não
se
afaste de seus colegas, escove os dentes antes de dormir, não faça muito esforço, tome
bastante
água...
Pai interrompeu Luc , pode deixar, eu sei me virar. Obrigado pela preocupação.
Mas seu pai está certo, Luc, tem que tomar cuidado, hein? concordou Erin, sorrindo
e indo
em direção a Luc. Boa sorte, viu? Deixe-nos ainda mais orgulhosos de você concluiu ela
abraçando-o.
Pode deixar.
Digo o mesmo meu filho. Acabe com eles! disse Thomas. Abraçaram-se. Te amo muito
concluiu ele, dando um beijo em sua testa.
Também te amo, pai. Agora tenho que ir. Vocês dois se cuidem também, ok?
Trocaram gestos de despedida e então Luc foi de encontro aos outros, que estavam a
o portão
do colégio. Foi se juntou Alex, que já havia o avistado de longe. Cumprimentou-o com
um aperto de
mão e um sorriso. Cody estava a poucos metros de distância. Luc o olhou, mas ele est
ava com o
olhar vago e fones no ouvido, nem percebeu. Alguns dos amigos de Cody também estav
am na
equipe: Adrian, Seth e Jesse.
Pouco tempo depois, o treinador Scott chegou, já dentro do ônibus. Abriu a porta, sa
udou todos
com um sorriso e um farto bom dia, atletas e, em seguida convidou todos a entrar:
Vamos, meus jovens, que a estrada é longa e não há tempo a perder!
Todos os vinte e seis atletas entraram, um a um, no grande ônibus que fora alugado
. Os mais
bagunceiros foram à frente, para chegarem e se sentarem ao fundo. Luc e Alex se se
ntaram em dois
assentos no meio das fileiras. Cody sentou-se sozinho, uns dois ou três assentos a
trás de Luc. Todos
colocaram suas bagagens no guarda volumes que havia acima de cada assento.
Prontos? perguntou Scott, animado.
Todos responderam um sim enérgico e então o ônibus deu partida.
Itýr ficava a uns 280 km de Kells, o que daria cerca de três horas de boa viagem. As
estradas de
Kells eram bem conservadas, então não seria perigoso o trajeto até a cidade.
O tempo continuava feio, talvez tivesse ficado ainda um pouco pior, pois esfriar
a
consideravelmente, de uma hora pra outra. Era até possível ver as grandes nuvens car
regadas se
formando através da janela do ônibus. Sorte que alguns tinham trazido algum cobertor
para se
protegerem do frio. Alex, prudente, trouxera.
Toma, cubra-se disse ele, cobrindo-se e dando a Luc uma parte do cobertor para q
ue ele
também se cobrisse.
Luc se cobriu e agradeceu. Alex segurou e apertou sua mão por debaixo da coberta,
sorrindo
em seguida.
Vou cochilar disse ele. Acorde-me quando chegarmos, sim?
Tá, pode deixar respondeu Luc. Bons sonhos.
E então Alex recostou-se na poltrona, virou-se para o lado e cochilou. Era um pouc
o difícil
dormir em meio ao barulho que faziam e com todo o burburinho, risadas, piadas e
bobeiras que
contavam ao fundo.
Luc não dava atenção. Ficou olhando para a paisagem através da janela, observando a relv
a que
ladeava a pista, que passava à velocidade com que as nuvens densas atravessaram o
céu. Aquela
paisagem tão verde, aquele clima frio, animais caminhando livremente pelos pastos,
solidão, paixão
recolhida, lividez, viagem, uma vista tão bucólica... Era tudo tão perfeito e naturalm
ente simples, que
chegava a ser deprimente, embora o clima dentro do ônibus fosse do maior astral, p
ois todos riam
muito, excitados. O único que permanecia quieto, parecendo compartilhar dos mesmos
pensamentos
que Luc era Cody, que, com fones no ouvido, admirava calmamente a vista de fora
da janela.
Aquilo tudo fazia uma mera viagem a ônibus parecer uma viagem a dentro de si. Tudo
ficava
tão vagaroso, tão aconchegante, apesar de não significar absolutamente nada... Luc sen
tiu uma
imensa vontade de ser abraçado, protegido, amado.
Por que está pensando essas coisas, Luc?
Mas que bobeira. Assim que Itýr chegasse tudo isso acabaria.
Quase duas horas se passaram. Luc permanecia acordado. Sentiu o sono bater e tev
e vontade de
cochilar, assim como Alex, mas havia dito que não o faria, pois tinha de acordá-lo.
Alex... Como era belo. Quem um dia diria que Alex, um dos mais cobiçados dentre os
ditos
amigos de Cody, tanto pela beleza, quanto pelo talento, quanto pelo carisma e pe
la simpatia, estaria
ali, dormindo ao seu lado, rumo ao segundo maior campeonato da cidade e que Luc
teria a honra de
ostentar consigo o título de meu melhor amigo assim, de um dia para o outro? A vida é
mesmo
engraçada. Das situações mais impensadas e adversas surgem coisas tão bonitas e, por que
não?,
inesperadas. Luc ficou admirando a beleza de Alex por mais alguns instantes. Ape
rtou sua mão,
dizendo baixo em seguida:
Obrigado...
Obrigado por quê? perguntou Alex, com a voz um pouco sonolenta.
Luc assustou-se.
Ah, desculpe, eu não sabia que você estava acordado...
Acabei de acordar emendou ele, abrindo os olhos devagar. Não dá pra dormir com essa
agitação toda riu. E então, obrigado por quê?
Por ter aparecido na minha vida.
Alex sorriu, retribuindo o afago de Luc.
De nada.
Ihhhh, galera, olha ali! Tá rolando um clima entre o Luc e o Alex, oh! Não sabia que
você
também era entendido não, Alex! disse Jesse, bem alto, dando uma de suas risadas deb
ochadas em
seguida.
Alguns riram do comentário bobo, mas a maioria fez um ihhhh... de reprovação. Todos os
rapazes respeitavam muito Luc, pois sabiam que ele era um cara bacana. Cody, tal
vez por estar com
o fone de ouvidos, não ouviu, então não falou nada. E Alex, sem olhar para trás, fez ape
nas tirar o
braço de dentro do cobertor, esticar a mão direita e apontar o dedo médio a Jesse. E t
odos os que
haviam o uivado em reprovação riram de sua cara diante à resposta simples e enfática de
Alex.
Luc riu. Adorava a frieza de Alex.
Passadas mais uma hora, já era possível avistar Itýr. Assim que entraram no perímetro ur
bano
já se viam carros passando de um lado para o outro. Aos poucos, os prédios, as casas
, pessoas, lojas,
mercados, farmácias e todas as outras coisas começavam a saltar às vistas. Era de ench
er os olhos.
Itýr parecia ser bem maior que Kells.
Chegamos, crianças! disse Scott, da cabine do motorista.
Todos se excitaram instantaneamente. Luc se ajeitou na cadeira, Alex terminou de
despertar e
todos os demais foram tirando suas bagagens de cima do guarda volumes e indo em
direção à porta
de saída do ônibus, que já estava estacionado em frente à porta de um hotel muito bonito
,
aparentemente, cinco estrelas. Desceram todos do ônibus.
Vamos, por aqui, rapazes disse Scott, entrando no hotel.
Passaram pelo belo jardim de entrada e então caminharam até o hall do hotel, onde Sc
ott reuniu
todos e avisou:
Olha, o colégio alugou dois andares desse hotel; quatro quartos no quinto andar e
cinco
quartos no sexto andar. Cada quarto comporta quatro pessoas, então alguém vai ter qu
e dividir o
quarto com apenas um colega, pois estamos em vinte e sete, contando comigo. Como
treinador,
sugiro que vocês, Cody e Luc, façam isso, já que são os capitães das equipes.
Oh, não. Mais essa agora. Parecia até conspiração. Além de terem que passar todo esse temp
o
juntos durante o campeonato e jogando na mesma equipe, ainda teriam que dividir
o mesmo quarto.
Luc não respondeu à sugestão do treinador. Olhou Cody, que o fitava com um olhar indec
ifrável. Os
amigos de Cody cochichavam qualquer coisa e os demais nada disseram. O clima fic
ou tenso e um
silêncio pairou sobre o ar por um instante.
Eu não me importo disse Cody, seco.
Scott fitou Luc, aguardando a resposta. Luc procurou Alex com os olhos, mas esse
também não
poderia aconselhá-lo nem fazer nada.
E então? perguntou Scott.
Tudo bem, por mim também não tem problema respondeu Luc, pesaroso.
Ótimo, então vamos. E os demais escolham seus parceiros.
E então passaram pela recepção, pegaram as chaves dos quartos e foram para os aposento
s.
Foram pelas escadas, pois estavam em grande número e seria preciso fazer pelo meno
s umas quatro
ou cinco idas pelo elevador até chegarem aos quartos.
O hotel era mesmo enorme e até bastante confortável. Os quartos eram grandes, havia
quatro
camas de solteiro, um banheiro, televisão, hidromassagem, frigobar, telefone... tu
do à mão. Como o
período de férias estava se aproximando, o hotel estava bem cheio. No térreo havia uma
enorme
recepção, logo ao lado, exteriormente, duas piscinas grandes e uma pequena para cria
nças, dois
restaurantes, um pequeno playground, muita área verde e bastante gente bonita.
Chegaram ao quinto andar.
Já escolheram seus parceiros? perguntou Scott.
Já responderam todos.
Então, façam o favor, separem os quartetos, quero anotar quem vai ficar com cada qua
rto.
Pelo menos a turma de Cody ficaria no andar debaixo. Uma preocupação a menos. Jesse,
Adrian, Seth e Alex ficariam com o primeiro quarto. Alex se responsabilizou pela
chave do quarto,
pois era, de todos os quatro, o mais maduro e mais sensato. Os outros atletas, a
lguns da equipe e
outros normais , que, apesar de não serem de sua equipe, não eram da mesma laia de Cody
,
dividiriam os quartos restantes entre si, pois entre eles não havia tanta intimida
de quanto o Quarteto
Fantástico que era liderado por Cody.
Então, o restante, me acompanha. Juízo aos que ficam, hein? disse Scott, já tomando a
escada para o próximo andar.
Despediram-se com uivos e palmas de comemoração, enquanto os demais subiam para o se
xto
andar junto a Scott. Luc queria olhar a expressão que Cody fazia diante a essa sit
uação, mas achou
melhor não. E resistiu à tentação. Ainda estava um tanto inconformado e até decepcionado,
de certa
forma, por Scott tê-lo colocado no mesmo quarto que seu arqui-inimigo, mas sabia q
ue não era culpa
dele, pois não eram todos, aliás, praticamente ninguém sabia dessa rivalidade existent
e entre eles, só
amigos próximos e quem estudava na mesma sala que eles.
Chegaram ao sexto piso.
E então, onde ficarão, rapazes?
Mais dois grupos de quatro jogadores se anunciaram e cada grupo escolheu em que
quarto
ficaria. Não sabiam, mas os quartos eram todos iguais.
Scott entregou a um jogador de cada grupo a chave da suíte. Agradeceram e entraram
cada
grupo em seu quarto. E, finalmente, restaram Cody e Luc, que permaneciam em silênc
io, escutando
as ordens do treinador.
Como eu sei que vocês são mais responsáveis, pedi que o hotel me desse uma chave extra
,
então cada um fica com uma chave, certo? Tome a sua e tome a sua disse Scott, entr
egando uma
chave a cada um. O meu quarto vai ser esse aqui logo ao lado, então qualquer coisa
é só me
chamar, positivo?
Os dois menearam a cabeça em afirmação.
Então está bem, em breve nos encontramos para o almoço. Até mais.
Scott entrou em seu quarto. Ainda sem pronunciar sequer uma palavra, Cody abriu
a porta do
quarto e entrou. Colocou sua mala sobre uma das camas e foi direto para o banhei
ro. Luc admirou o
quarto por um instante e colocou sua mala em cima da cama que ficava ao lado da
cama de Cody,
onde havia apenas um criado mudo e mais algum espaço os separando.
Sentou-e na cama. Tirou seu tênis e colocou um chinelo. Caminhou devagar pelo quar
to,
observando cada detalhe. Era um hotel realmente muito bonito e organizado. Tudo
estava
perfeitamente harmonioso. Tudo era trabalhado em tons vermelhos e pastéis, que dav
am um requinte
ao ambiente, tornando-o bastante adulto para aquele bando de adolescentes.
Luc foi até a janela e se encostou ao parapeito da sacada do quarto. Lá de cima era
possível ver
todo o hotel, o que evidenciava ainda mais sua magnitude. Era possível ver várias cr
ianças lá em
baixo, brincando ao redor da piscina. Também era possível enxergar parte da cidade d
e Itýr. Não
dava para ver muito, pois havia muitos prédios, o que dificultava um pouco a vista
, mas, ainda assim,
era possível perceber que a cidade era mesmo grande. O prédio do hotel parecia peque
no perto dos
outros, e os carros lá longe, nas ruas, pareciam formigas em meio a um formigueiro
de concreto.
Saindo dos pensamentos e visões em que estava absorto, Luc voltou a si e foi até sua
cama
desfazer a mala. Tirou as roupas que trouxera, seus livros, seu notebook, um ret
rato de sua mãe, que
sempre carregava consigo, e alguns objetos pessoais. Tirou a calça jeans e colocou
uma bermuda. O
tempo começou a mudar a favor, já não estava tão frio e o sol ameaçava sair. Trocou sua bl
usa de
frio por uma camiseta gola pólo.
Cody saiu do banheiro, vestindo um roupão branco. Luc assustou-se com sua volta e
o olhou,
espantado. Era incrível como tudo que ele vestia, tudo, qualquer coisinha, o deixa
va
inacreditavelmente lindo. A brancura do algodão felpudo do hobby parecia fazer rel
uzir ainda mais
seus olhos verdes e cabelos naturalmente loiros. Era irresistível a vontade de se
perder naquela visão
todas as vezes que os olhos de Luc se viam parados em tal miragem, assim como er
a uma tortura ter
que tirá-los dali por saber que não é possível apreciar aquele fruto proibido.
Um pouco constrangido com a presença de Cody, Luc levantou-se tímida e discretamente
e foi
até o banheiro, que ainda estava abafado por causa do vapor gerado pelo chuveiro.
Exalava o
perfume de Cody. Que perfume... tão suave, tão profundo...
Tirou os óculos, abriu a torneira, lavou a mão e o rosto. A viagem fora um pouco can
sativa.
Olhou-se no espelho por um instante. Estava mesmo abatido, seu pai e Erin estava
m certos. Parecia
apático, indisposto, como se tivesse trabalhado por horas a fio. Não sabia que uma p
aixão recolhida e
não vivida poderia ter sinais físicos tão visíveis assim. E era por essas e por outras q
ue esperava
pacientemente que, do mesmo modo com que ela surgiu, ela desaparecesse, para tra
zer sua vida de
volta.
Pouco tempo depois, o telefone do quarto toca. Era Scott anunciando que já era hor
a do almoço
e que era pra Luc e Cody descerem e se encontrarem com os demais. Luc respondeu
afirmativamente
ao chamado e foi avisar Cody, que estava terminando de arrumar suas coisas no gu
arda roupas.
Cody, o almoço já está servido. É pra irmos encontrar o resto da equipe no restaurante
principal, lá em baixo.
Cody nada disse. Continuou arrumando suas coisas.
Você vem? perguntou Luc, esperando por uma resposta.
Vá na frente respondeu Cody rudemente.
Oh... Aquela fora a primeira vez que tiveram um quase-diálogo desde o ocorrido na
festa de
Amelie.
Vá na frente...
Vá na frente...

Aquelas palavras ainda ressoaram na cabeça de Luc por algumas vezes, até que ele foi
de
encontro aos outros jogadores.
Vá na frente...
Chegando ao restaurante principal, lá estava toda a equipe, conversando todos ao m
esmo
tempo, dando àquele ambiente um clima de descontração, cordialidade e coletividade. Lu
c procurou
por alguém a quem se juntar, mas estava tão cheio que era difícil até mesmo reconhecer o
s membros
de North Bound ali. Procurou com os olhos enquanto vagava, até que avistou Scott,
de longe, e, em
seguida, Alex, que estava acompanhado de Jamie, convidando-o com um aceno para q
ue se sentasse
com eles.
Caminhou por entre as mesas, se esquivando para não esbarrar em nenhuma delas, até q
ue
alcançou a mesa onde estavam Alex e Jamie. Sorriu, puxou uma cadeira e sentou-se,
olhando ao
redor.
E aí, Luc? O que tá achando? perguntou Alex.
Estranho.
Jamie fitou-o com um olhar interrogativo.
O que é estranho?
Oh, não. Luc pensou que aquela pergunta estaria relacionada ao fato de que ele e C
ody teriam
que dividir o mesmo quarto. Mas não, Alex estava falando do hotel e da cidade, óbvio
.
Amn... Não sei, jogar fora de Kells. Isso me parece estranho.
É estranho jogar na mesma equipe dos Lysstyrke, isso sim disse Jamie, tomando um g
ole
do refrigerante que estava sobre a mesa.
Luc sorriu. Jamie era um cara legal. Tinha cabelos ruivos cacheados e curtos, al
gumas sardas
espalhadas pelo rosto, olhos negros e um sorriso amarelado. Luc o conhecia há algu
m tempo, mas
nunca foram amigos, embora tivesse um bom coleguismo e até certa empatia. Ele não er
a dos
melhores atletas, não, mas dava um bom auxílio ao time como zagueiro.
Ainda conversaram sobre a cidade, o hotel e o campeonato por algum tempo, até que
Cody
passou, austero, bem ao lado da mesa onde estavam. Alex, que permanecia com os b
raços cruzados
sobre a mesa, mirou Cody com o olhar e perguntou a Luc, enquanto o apontava com
a sobrancelha
para que ele percebesse o movimento e entendesse a pergunta:
E o que mais está achando estranho?
Luc, que viu que Cody passara no mesmo instante, olhou Alex com seu olhar fulmin
ante e
respondeu:
Nada, Alex.
Alex deu uma boa risada.
Vamos nos servir. Só estava esperando você chegar, Luc disse Alex, levantando-se e i
ndo
rumo ao self-service.
Almoçaram os três ali naquela mesa e depois todos voltaram ao quarto. À tarde teria um
a
reunião com o treinador e, à noite, era a hora da diversão.
A reunião com o treinador seria para falar um pouco mais do mesmo. Os primeiros jo
gos
estavam para começar e North Bound seria a primeira equipe a jogar. Jogaria contra
uma cidade
próxima a Itýr, Sted. Os intercolegias eram de abrangência tão grande que reunia vários co
légios de
várias grandes cidades vizinhas. Só nessa edição estavam presentes cerca de oito cidades
!
Disse toda aquela velha história que já estavam todos cansados de saber. O único probl
ema era
que, como chegaram em cima da hora, não haveria mais tempo para treinar, e isso pr
eocupava um
pouco os atletas, afinal North Bound foi a última equipe a chegar, enquanto as out
ras já estavam na
cidade há um bom tempo, tendo, assim, mais tempo para treinar, se acostumar ao cli
ma.
À noite, todos, que já estavam entediados, foram aproveitar das comodidades oferecid
as pelo
hotel. Alguns foram para a sala de jogos, alguns para o bar, alguns para a pisci
na, alguns preferiram
jantar no restaurante, e outros ficaram em seus quartos. Luc sentou-se à beirada d
a piscina, que já
estava vazia, e colocou seus pés e panturrilhas dentro d água, fazendo movimentos de v
aivém,
observando as marolas que se formavam ao redor.
Era nessas horas, em que todos se divertiam e pareciam ter se esquecido da vida,
que Luc se
sentia ainda mais solitário e carente. Era o único que sempre ficava só, a pensar, med
itar, refletir...
Alguém sempre estava fazendo alguma coisa, menos ele. Alex, por exemplo, jogava si
nuca
animadamente com Jamie. Cody conversava com Jesse, Adrian e Seth ao bar, enquant
o bebiam,
Scott trocava ideias com alguns outros jogadores da equipe... Só Luc estava ali de
fora, vagando em
pensamentos.
Às onze da noite era o toque de recolher. Todos os jogadores deviam voltar aos seu
s aposentos
para descansarem e acordarem prontos para o outro dia. Essa era a disciplina. E
então todos pararam
suas atividades e voltaram para seus quartos. Luc, que já sabia que era sempre ass
im, voltou uns
quinze minutos mais cedo. Pegou o elevador, foi para seu quarto e tomou um banho
rápido.
Cody chegou. Trocou de roupa, ligou a televisão e deitou-se em sua cama, assistind
o ao
telejornal. Luc saiu do banho pouco tempo depois, deparando-se com a figura de C
ody deitada ali, à
sua frente, quando chegou até o quarto. Não olhou e tentou ignorar o que seus olhos
viam. Desligou
as luzes do quarto, foi até sua cama, ligou o abajur do criado mudo que estava log
o ao seu lado e
começou a ler um livro que trouxera, enquanto Cody assistia televisão, ambos no mais
profundo
silêncio.
Minutos depois, vítima da sonolência da leitura, Luc fechou o livro, tirou os óculos,
desligou o
abajur, virou-se para o lado e fechou os olhos para tentar pegar no sono o quant
o antes. Cody, vendo
que Luc já estava se preparando para dormir, desligou a televisão, desligou o abajur
, que estava do
outro lado cama e disse:
Boa noite.
Boa noite? Boa noite? Não se falavam há semanas, trocaram duas frases por obrigação dura
nte
aquele dia e ele ainda disse... Boa noite?
Boa noite respondeu Luc.
Não podia acreditar que um cumprimento tão nobre quanto um boa noite teria vindo
justamente de Cody, principalmente na situação em que estavam. Cody parecia mesmo se
r uma
caixinha de surpresas. Fazia coisas totalmente inesperadas, ou, no mínimo, dubitávei
s.
Boa noite...
Boa noite...

Luc não conseguiu dormir tão bem aquela noite. Talvez pelo fato de Cody estar ali, a
o seu lado,
mas também por causa dos jogos que estavam por vir. Tinha medo de carregar a respo
nsabilidade
pela vitória ou pela derrota da equipe. Sabia que o time era formado por onze joga
dores, mas tinha a
péssima mania de guardar para si a obrigação de sustentar, carregar para si o peso dos
demais.
Viu Cody acordar primeiro. Devia ser umas nove ou dez horas. Não dava para saber a
hora
exata, mas pelo brilhar do sol era possível deduzir. Viu-o sair pela porta do quar
to, então soube que
já era hora de tomar o café. Levantou-se rapidamente, foi até o banheiro higienizar-se
e dar um
trato na cara amassada. Depois foi até o restaurante, onde já estavam todos os outros
. Avistou Alex
de longe e se juntou a ele, que estava sentado sozinho.
E então, como passou a noite ao lado do lobo mau? perguntou ele.
Não sei, nem pensei nisso. E você? Como conseguiu passar a noite com aquele bando de
desordeiros? Não fizeram bagunça a noite toda, não?
Hunf, claro que não. Coloquei ordem no cabaré, todo mundo dormiu feito uns anjinhos
respondeu Alex, rindo. Amanhã é o nosso primeiro jogo, hein? Como está se sentindo?
Não sei... Estou nervoso, quero nem imaginar o que está por vir.
Aquele dia era o último dia de descanso e de alívio. Mais uma noite de tensão estava p
or vir até
que a hora chegasse, e ela se aproximava lentamente.
Passadas todas as horas de espera e agonia, raiou o dia. Toda a equipe estava eu
fórica.
Repensaram todo o esquema tático, tentaram todos vislumbrar o jogo, prever a movim
entação da
equipe adversária, imaginar o que seria da primeira partida... Enquanto outros, ma
is pessimistas, já
iam se preparando para o pior, assim a decepção não seria tão grande. E se North Bound f
osse a
equipe a estrear tanto os jogos quanto a primeira derrota? Quem seria o responsáve
l pela perda?
Todos iriam voltar para casa profundamente desapontados.
A tarde fora mais tranquila. Todos procuraram descansar o máximo possível, descansar
a
cabeça e focar na partida que estava por vir. E Luc ainda estava com o boa noite que
recebera na
noite anterior na cabeça.
Boa noite... Boa noite... Boa noite...
Cada contato que Cody fazia, por menor que fosse, era suficiente para que Luc fa
ntasiasse toda
uma epopeia em sua cabeça. Pensava mil coisas, mas o pensamento que mais lhe perse
guia era
acreditar que qualquer aproximação mínima poderia ser sinal de uma tentativa de reconc
iliação, ou
um pedido de desculpas, ou qualquer coisa positiva, o que o deixava um tanto mag
oado, pois sabia
que isso jamais aconteceria e que tudo não passava de fruto de sua imaginação.
Cody andava recluso ultimamente. Não se via ele por aí e poucas eram as vezes em que
ele
aparecia conversando com seus amigos. Parecia estar preocupado, ou triste, ou an
gustiado. Seria
saudade? Andava até conversando com Alex, o que não era muito comum, pois eles sempr
e
discordavam de bastante coisas, principalmente dos pontos de vista em relação a Luc,
que era a
vítima preferida de Cody. Luc, preocupado, como sempre, até pensou em perguntar a Al
ex se ele
sabia o que estava acontecendo com seu dileto, mas preferiu não tocar nesse assunt
o para que não
levantasse suspeitas. Alex já sabia demais.
O crepúsculo então surgiu e, rapidamente, foi-se, dando boas vindas à noite e à lua chei
a, que
enfeitava o céu delicadamente. O clima da cidade de Itýr era bastante agradável. Toda
a equipe
jantava ao restaurante, que ficava bem ao lado da piscina, na parte de dentro do
hotel. A brisa suave
que batia fazia sentir uma frente fria chegando. Todo esse misto de sensações fazia
Luc sentir
saudades de casa, de seu pai, até de Erin.
Cansado de todo esse torvelinho de emoções, Luc foi para o quarto mais cedo. Tomou b
anho,
trocou de roupa e se preparou para dormir. Ligou a televisão e assistiu ao noticiári
o. Pegou no sono
rapidamente. Cody chegou em seguida, mas Luc, que já estava dominado pelo sono, não
teve forças
para esperar e ver se o próximo boa noite aconteceria. Dormiu o sono dos justos.
...
Ok, rapazes, é isso aí! Vamos vencer! gritou Scott de dentro do ônibus, que já estava s
indo
do hotel e indo rumo a um pequeno estádio cedido para a realização dos jogos.
Todos, já uniformizados, entraram no ônibus do colégio e se sentaram em seus devidos l
ugares.
A empolgação era gigantesca, não dava para esconder. Todos recebiam e davam gritos de
incentivo,
bradavam cantigas improvisadas de estímulo à equipe. Luc não participava dessas manife
stações,
achava mais graça do que qualquer outra coisa, então apenas ria dos versos escalafobét
icos que
saíam da boca dos autores.
Após algum tempo de viagem, o estádio de Itýr surge às vistas de todos, o que causou ain
da
mais alvoroço entre os jogadores. Era engraçado ver aquele tanto de rapazes gritando
feito crianças
por um mero jogo de futebol. Até Cody participava da manifestação, ainda que um pouco
timidamente. Se fossem outros tempos, certamente ele estaria liderando a balbúrdia
.
Rapidamente, o ônibus foi estacionando, todos saíram, adentraram no estádio e foram di
reto
para os vestiários. Era possível escutar o barulho da torcida lá de dentro. Parecia es
tar bastante cheio,
mesmo para um campeonato escolar. A agitação, tanto dentro do vestiário quanto fora, e
ram muito
grandes e era impossível conter a excitação.
É agora, hein, garotos?! Vamos vencer! gritou Scott em incentivo.
Após alguns minutos de concentração e aquecimento, quando o horário marcado para o início
da partida se deu, os jogadores saíram de seus respectivos vestiários e foram para o
campo, em fila
dupla. Nossa, como era grande a torcida! O estádio era pequeno, mas estava lotado!
Muita gente
gritando e torcendo, esperando pela partida. Era impossível saber para quem torcia
m, mas devia ser
para a equipe local, da cidade de Itýr. Ou estaria assim tão cheio só porque era a ina
uguração dos
jogos? Era tão emocionante e, ao mesmo tempo, tão preocupante ver aquela multidão de g
ente
gritando das arquibancadas!
Todos os jogadores, já ao centro do campo, se cumprimentaram com uma saudação respeito
sa,
posicionando-se um ao lado do outro, em uma fila única, e se atentaram ao que esta
va a ser dito pelo
coordenador do campeonato, que se aproximava em passos curtos e rápidos a um púlpito
montado ao
centro do segundo piso do estádio.
Que sejam todos os jogadores, técnicos e auxiliares extremamente bem vindos à cidade
de
Itýr. Que façam todos excelentes campanhas e que vença o melhor! disse ele em sem pequ
eno
discurso.
A torcida e todos ali presentes aplaudiram o jovem senhor e, logo em seguida, er
a dado o início
da partida. Cody seria o capitão da equipe durante aquele campeonato, como foi est
abelecido pela
equipe. Os hinos de ambas as equipes foram tocados e cantados pela orquestra da
cidade, uma
surpresa realizada pelos organizadores do campeonato em honradez e respeito às equ
ipes
participantes.
E após todos os momentos solenes, finalmente a partida se iniciou.
O jogo começou tenso. As duas equipes jogaram na defensiva. Nenhuma das duas queri
a
arriscar ou subestimar o adversário desconhecido. Aos poucos, as equipes foram fic
ando mais
valentes e começaram a executar algumas jogadas ensaiadas. Scott dava instruções aos j
ogadores da
lateral do campo, enquanto a equipe adversária tentava insistentemente invadir a d
efesa trancada de
North Bound, que parecia uma muralha, de tão impenetrável.
Final do primeiro tempo e nada acontecia. Todos os jogadores foram para o vestiári
o.
Vocês têm que atacar! Não se preocupem tanto com a defesa. Movimentem esse jogo!
instruía Scott.
Algumas substituições foram feitas, todos retomaram o fôlego e, então, voltaram todos pa
ra o
campo para dar início ao segundo tempo.
De volta aos gramados, recomeçaram a odisseia. Seguindo as orientações de Scott, a equ
ipe
começou a atacar e a invadir a defesa da equipe adversária. Até que a bola caiu nos pés
de Luc.
Ansioso e sem uma boa visibilidade do jogo, Luc dominou a bola e saiu para o ata
que. Driblou
alguns adversários e já estava a poucos metros da grande área. Dali de onde estava, se
ria impossível
prosseguir com a jogada. Então Luc procurou com os olhos o parceiro mais próximo e t
ocou a bola.
Mas um dos zagueiros foi mais rápido e acabou pegando a bola do passe, interrompen
do o lance.
E em poucos e rápidos movimentos, o zagueiro deu um longo passe, que alcançou o meio
do
campo, onde o centroavante recebeu a bola com perfeição, passou para um atacante, qu
e enganou a
defesa e chutou a bola, acertando o fundo da rede como um tiro, abrindo o placar
para a equipe local.
A torcida foi ao delírio. Todos gritaram em uníssono um longo e entusiasmado gol! , seg
uido
de grande alvoroço na arquibancada.
Luc proferiu um xingamento ao vento e viu que alguns jogadores o olharam com olh
ar de
decepção, enquanto a equipe adversária vibrava energicamente. Se aquele passe tivesse
sido certeiro,
talvez quem estivesse comemorando fossem eles, não a equipe local. E era esse sent
imento de culpa
que o fazia sentir vontade de desistir às vezes.
O jogo já estava na segunda metade do segundo tempo e as coisas pareciam ir mal pa
ra North
Bound. Scott gritava desesperadamente para que seus atletas agissem e não deixasse
m que os
adversários ganhassem. Mas aquela parecia ser uma partida perdida.
Os minutos passavam e parecia mesmo não haver mais saída. Aquela seria a estreia der
rotada
de North Bound no campeonato daquele ano. Mas uma jogada falha da equipe adversári
a fez com
que a bola encontrasse os pés de Cody, que, num jogo de passes com Alex, conseguiu
dar um chute
certeiro ao gol, fazendo com que o placar empatasse.
A torcida urrou com o belo lance e todos os jogadores foram ao encontro de Cody
para abraçálo
em agradecimento pelo gol que salvaria a equipe da decepção que Luc quase causou. Is
so fez com
que Luc sentisse raiva de Cody. Todos o abraçando como um salvador, enquanto os me
smos o
olharam com olhos decepcionados, como se ele fosse o responsável pelo passe que fr
acassaria a
equipe logo na primeira partida.
Os últimos minutos de jogo foram de tentativas ousadas de desempate para as duas e
quipes,
mas nada mais aconteceu. Placar final: um a um.
Partida encerrada, todos de volta ao vestiário. Luc, cansado, mal conseguia pensar
. Apenas
escutava, sem ouvir, os comentários dos companheiros de equipe, enquanto tomavam d
uchas e
trocavam de roupas. Abriu o escaninho onde guardara seu tênis para trocá-los pelas c
huteiras.
Quando ia pegá-los, a mão de Cody empurrou a portinhola do escaninho com força, fazend
o com
que ela se fechasse abruptamente bem em frente ao rosto de Luc. O olhar de Cody
aventava ira, mas
Luc, que ainda estava bastante revoltado com a partida, não temeu. Encarou-o.
Você não podia ter errado aquele passe, seu veado de merda! Se não fosse por mim, a pa
rtida
estaria perdida! vociferou ele.
Quando Cody se manifestava, todos os olhares de dirigiam a ele, pois todos já sabi
am que era
uma briga que estava por começar. E, mesmo diante à ameaça iminente, Luc não cedeu.
Vai pro inferno, Cody disse ele calmamente, sem olhá-lo nos olhos, abrindo novamen
te a
porta do escaninho que Cody fechara em seu rosto e pegando o tênis que lá estava gua
rdado.
Como é que é?! Cody, ameaçador, se aproximou um passo.
Vai pro inferno, Cody!!! gritou Luc, empurrando-o com força pelos ombros, fazendo-
o cair
sentado ao chão.
As reações de quem ali estava foram diversas. Alguns uivaram, incentivando a briga,
outros
riam da cara de Cody caído ao chão, poucos foram ajudá-lo... mas todos, sem exceção, ficar
am
surpresos com a reação valente e violenta de Luc, que, além de ser sempre pacífico, nunc
a enfrentara
Cody de frente, do mesmo modo como ele era ameaçado e espezinhado.
O olhar de Cody exalava ira, parecia a manifestação de toda cólera em um par de esmera
ldas.
Ignorando a ajuda dos colegas para se levantar, Cody se ergueu e não disse mais na
da. Quando Scott
chegou, já era tarde demais, a discussão já estava encerrada. Da pior maneira possível,
mas
encerrada.
Passado o momento de exaltação, toda a equipe voltou para o ônibus do colégio ainda em c
lima
de tensão. Ambos, Cody e Luc, receberam uma senhora bronca do treinador, que foi o
uvida sem
protestos, mas também sem atenção.
O sol já estava baixo e em breve se poria. Chegaram ao hotel. Estavam todos exaust
os e
ansiando por uma cama para descansar.
Nos vemos no jantar disse Scott, no hall do hotel.
Todos os atletas subiram pelas escadas e foram para seus quartos.
Luc entrou e foi direto para o banheiro tomar a ducha que não tivera oportunidade
de tomar no
vestiário do estádio. Ligou o chuveiro e passou longos minutos lá em baixo, tentando e
ntender sua
raiva e esperando que ela passasse. Estava quase conseguindo. Sabia que a culpa
da derrota não seria
dele e que, de fato, o responsável pela vitória da equipe era Cody, incontestavelmen
te. E tê-lo
empurrado também não foi das decisões mais sábias. Era melhor pedir desculpas. As coisas
com ele
nunca foram tão boas, pra que piorá-las?
Desligou o chuveiro, se secou e trocou de roupa. Ouviu a porta do quarto se abri
r. Só podia ser
Cody. Deixou o pente com que estava penteando os cabelos sobre a pia do banheiro
e abriu a porta.
Já estava para sair, quando a figura de Cody se fez presente bem à sua frente. Antes
que Luc pudesse
dizer ou pensar qualquer coisa, Cody, num movimento rápido e inesperado, desferiu
um soco em sua
barriga, que o acertou bem à boca do estômago, fazendo com que caísse ao chão imediatame
nte,
dando um gemido forte de dor.
Nunca mais encoste a mão em mim disse Cody apontando o dedo a Luc, prostrado ao chão
,
saindo do quarto em seguida e deixando Luc sozinho, nocauteado.
Luc não imaginou que o simples empurrão que dera em Cody num momento de estresse o
deixaria tão possesso. Aquela fora a primeira vez que Cody o agredia fisicamente.
Receber as
frequentes ameaças e ofensas já era de costume, mas nada além disso, até aquele instante
.
Luc não se levantou. Continuou caído ao chão. Não conseguia acreditar no que acabara de
acontecer. Continuou ali e apenas chorou. Não chorou de dor, ou de raiva, ou de ódio
. Chorou por
decepção. Chorou porque aquele havia sido o golpe mais cruel que já havia recebido de
Cody desde
que ambos começaram a se desentender. Poderia aguentar qualquer insulto, qualquer
ofensa, ou
asneira, mas não uma agressão tão fria e vingativa. Era demais.
E aqui morrem todas as minhas ilusões pensou.
Aquele parecia ser o fim de toda e qualquer chance de aproximação ou de acabar com a
rivalidade entre eles. Luc, por mais que amasse Cody de corpo, alma e coração, não que
ria que ele
correspondesse seus sentimentos à mesma altura. Sentir-se-ia satisfeito se pudesse
m ser amigos, ou,
pelo menos, se não fossem inimigos tão detestáveis.
Após meia hora, talvez quarenta minutos, Luc decidiu encarar os fatos. Levantou-se
do chão,
lavou o rosto e saiu do banheiro de cabeça erguida. Sabia que dali em diante poder
ia enterrar seus
sentimentos na mais profunda das lápides de seu coração. Enxugou suas últimas lágrimas, sa
iu do
quarto, pegou o elevador e foi até o hall do hotel. Caminhou alguns passos e viu q
ue todos estavam
na área de lazer do hotel. Procurou por um lugar para ficar sozinho por um instant
e, mas logo Alex,
que estava sentado ao bar, o chamou através de um aceno. Alex... Alex era a única pe
ssoa com quem
poderia dividir sua tristeza.
Aproximou-se em passos tímidos e se sentou ao seu lado, pedindo um refrigerante ao
garçom.
Hoje foi um bom jogo! disse Alex, sorridente.
É...
Tá tudo bem? Você está com os olhos inchados... Andou chorando? perguntou ele,
preocupado.
Luc suspirou. Tinha vontade de desabafar e compartilhar sua angústia com alguém, mas
o
medo de desabar em frente a Alex e a todos os outros presentes no bar do hotel o
impediam. Então
deixou a pergunta sem resposta, apenas meneou a cabeça negativamente.
Vamos, Luc, me conte o que houve insistiu Alex.
Novamente, Luc, que já sentia os olhos lacrimejarem, não respondeu à pergunta.
Vem.
Alex puxou Luc delicadamente pelo antebraço e se levantou. Ambos, então, saíram do bar
e
seguiram rumo ao elevador. Foram até o quarto de Alex. Não havia ninguém, estavam todo
s lá em
baixo. Sentaram-se numa das camas.
Agora me conte. O que aconteceu? perguntou Alex, colocando uma mão no ombro de Luc
.
Luc queria contar a Alex tudo o que sentia, mas não conseguia. Algo em si fazia co
m que ele
travasse e não conseguisse colocar para fora tudo o que se passava em seu coração.
Vendo que nada seria dito, Alex se aproximou e abraçou Luc pelo ombro, recostando
sua
cabeça em seu peito.
Desabafa, Luc, sou seu amigo, estou aqui pra isso.
Não dava para resistir. Aquele era um convite irrecusável ao alívio de ter que manter
em
segredo todo seu inferno interior. E, então, novamente, Luc chorou. Chorou de alívio
, de tristeza, de
angústia, de felicidade por estar abrindo seu coração a alguém.
Alex não disse nada, apenas continuou acolhendo Luc em seus braços escutando pacient
e e
silenciosamente seu pranto. Luc não conseguia falar, suas lágrimas vinham em abundânci
a e os
soluços impediam que sua voz se projetasse. Quando conseguiu se controlar, Alex, e
ntão, perguntou:
O que foi que ele fez?
Luc olhou-o interrogativo. Iria perguntar ele quem? , mas a resposta era óbvia para a
mbos.
Mas como Alex sabia?
Como... você sabe?
Como eu sei o quê?
Que é por causa dele. Aliás, como você sabe sobre ele?
Isso não é tão difícil descobrir. É só observar um pouco. E eu estive te observando por u
tempo. Depois que você me contou sobre você, então... tive quase certeza. O que ele ap
rontou dessa
vez?
Luc suspirou, enxugou suas últimas lágrimas e se ajeitou na cama.
Agradeço sua boa vontade, Alex, mas prefiro deixar o que aconteceu hoje pra lá.
Tem certeza?
Não... Mas é melhor assim.
Olha lá, hein, Luc? insistiu Alex. O que ele fez? Retribuiu o empurrão de hoje à tard
?
Luc suspirou novamente.
É, pode-se dizer que sim.
Alex se deitou, cruzou os braços sobre a barriga e ficou observando o teto, manten
do o tênue
silêncio que se criou por um instante. Luc fez o mesmo.
Mas me conta como começou isso tudo com o Cody pediu ele.
Luc pensou um instante.
Sabe... Eu sempre gostei do Cody. Desde que nos conhecemos e tivemos uma certa a
mizade,
mesmo que cercada de rivalidade, eu gostava dele, como amigo, como uma pessoa es
pecial, não sei
explicar. Mas parece que depois que nos reencontramos, que ele se tornou outra p
essoa, totalmente
diferente, é como se toda aquela admiração tivesse se tornado um amor tão... tão grande, tã
infinito,
que eu não consigo entender. Não sei de onde surge todo esse sentimento! E o pior de
tudo é saber
que sou absolutamente NADA pra ele.
Engana-se observou Alex.
Como assim?
Você representa algo a ele. Pense comigo: se você não significa NADA a ele, por que é qu
e
ele perde tanto tempo te atacando e te ofendendo? É claro que ele se importa! Ele
gosta de você. Do
jeito dele, mas gosta, senão ele seria totalmente indiferente. Sei disso.
Até que aquilo fazia certo sentido. Luc nunca parara para analisar por aquele pont
o de vista.
Mas seria aquilo verdade? Teria realmente Cody qualquer consideração mínima por Luc, a
lém de sua
ignorância habitual?
Eu não sei, não consigo enxergar qualquer coisa boa vinda do Cody...
Ele também é de carne e osso, Luc, tem sentimentos. Só não sabe como demonstrar, ou como
lidar com eles, sei lá. Só sei que ele não é essa fortaleza que parece ser.
E como sabe disso?
Pelo pouco contato que nós temos. Quando ele está longe do Jesse, principalmente, e
do Seth,
ele é outra pessoa. Essa trupe dele tem bastante influência sobre o que e quem ele é.
Bem, isso não faz diferença, não muda nada entre nós. Mas enfim Luc se levantou , eu
vou parar o meu quarto descansar um pouco. Obrigado por tudo, Alex, não sei o que
seria de mim
sem você.
Imagina. E não ligue para o Cody. Ou melhor, tente não se afetar com as coisas que e
le faz.
Vou tentar. Prometo. Até mais.
Luc sorriu, saiu do quarto de Alex, fechou a porta e foi descansar. Sua barriga
já não doía e
agora se sentia de alma lavada. Aquele infeliz ocorrido serviria apenas para mos
trar que,
definitivamente, não havia qualquer possibilidade de cessar fogo entre Luc e Cody.
Entrou no quarto e se sentou na cama. Observou o céu pela janela do quarto, olhand
o as nuvens
como se elas pudessem dizer algo. Lembrou-se de Kells e se sentiu solitário. Solitár
io e perdido no
meio daquela selva de concreto, onde podia contar com apenas uma pessoa. Pegou s
eu celular na
mochila e resolveu ligar para casa, para se sentir um pouco mais confortável.
Pai?
Oi, meu filho! Que saudade estamos de você! Como vão as coisas aí? Já começaram os
jogos? Conte-me tudo dizia Thomas.
Aqui tá tudo bem. Já jogamos uma partida, fomos os primeiros. Mas o jogo acabou
empatado. O hotel aqui é muito bonito, mas sei lá... me sinto sozinho. E por aí? Como
estão as
coisas? E a Erin? Como vocês estão?
Aqui tá tudo ótimo. A Erin está aqui, do meu lado, e está te mandando um beijo.
Mande outro a ela e...
Luc interrompeu a fala ao escutar a porta do quarto abrindo. Era Cody, que osten
tava a mesma
cara sisuda e prepotente de sempre. Luc prestou breve atenção em seus movimentos e p
rosseguiu:
Mande outro a ela e diga que estou com saudades, sim? Agora vou desligar, não sei
nem se é
permitido falar ao celular por aqui. Só liguei para ouvir sua voz mesmo. Outra hor
a a gente se fala.
Tudo bem. Bom campeonato pra você. Te amo.
Também te amo, pai. Até mais.
Luc desligou o telefone e suspirou. Era tão bom falar com seu pai... Ele o fazia s
e sentir tão
amado, tão protegido... Por isso não entendia sua homossexualidade. Sempre tivera um
pai tão
presente e carinhoso, não lhe faltava boa influência paterna. Então o que havia de err
ado? Luc não
gostava de se questionar essas coisas, mas essa era uma das dúvidas que insistiam
em importuná-lo.
Cody se deitou e ligou a televisão. Luc tentou fazer-se indiferente à sua presença. Fo
i até a
sacada, admirou novamente a vista do hotel e respirou um pouco de ar fresco. Já er
a quase noite e
dentro em breve todos desceriam ao restaurante para o jantar. Voltou à cama, deito
u-se, abriu o livro
que começara a ler e permaneceu em silêncio, tentando se alhear ao fato de que Cody
estava bem ao
seu lado.
Poderia ser coisa de sua cabeça, de sua imaginação fértil, ou mania de perseguição, ou algo
que
seu cérebro criara para fazê-lo imaginar tamanho disparate, mas Luc tinha a pálida imp
ressão de que,
de minutos em minutos, Cody o olhava de soslaio e torcia a boca, como se estives
se ensaiando para
falar alguma coisa, mas lhe faltasse coragem. Ou talvez estivesse ponderando mai
s alguma das
asneiras que costumava dizer. Mas ah, devia ser só imaginação.
Amanheceu. Não teriam jogos na cidade. Era o dia de descanso e de diversão. Todos
acordaram bem cedo, prontos para aproveitar de todas as regalias oferecidas pelo
hotel.
Preguiçosamente, Luc despertou. O radiorrelógio apontava nove horas da manhã. Abriu os
olhos devagar, com as pálpebras ainda pesadas pela noite de sono não muito bem dormi
da. Seu olhar
sonolento se encontrou com o de Cody, que também acabava de despertar. Entreolhara
m-se por
alguns segundos, até que Luc fechou os olhos novamente para não correr o risco de se
perder
naquela visão angelical que se projetava à sua frente.
Suspirou fundo, deu bom dia a si mesmo, levantou-se e foi até o banheiro escovar o
s dentes e
lavar o rosto. Tirou os trajes de dormir e foi de encontro aos outros, que já esta
vam lá em baixo.
Chegando lá, todos pulavam e brincavam feito crianças ao redor da piscina, enquanto
outros
treinavam na quadra de futsal cedida pelo hotel ou bebiam e jogavam snooker ao b
ar. Nada disso
interessava a Luc. Preferia ler, ou conversar. Luc era uma pessoa pouco sociável.
Não era de se
enturmar com qualquer um. Preferia os poucos e bons amigos a manter um extenso cír
culo social.
Procurou Scott com os olhos. Scott era praticamente seu segundo pai. Era, além de
um grande
treinador, um excelente amigo.
Ei, Luc.
Oh, era o próprio que estava o chamando.
Oi, treinador. Estava te procurando.
O que foi? Aconteceu alguma coisa?
Não, só queria conversar.
Ah, claro. Ontem você estava ótimo no jogo!
Luc sorriu entristecido.
Quase fui responsável pela derrota do time e ainda fui ótimo?
Mas é claro! E você não foi responsável por nada. Você não carrega o time nas costas. Cad
um dos onze jogadores faz sua parte. E você fez a sua muito bem feita, não há com o qu
e se
preocupar respondeu Scott, bagunçando o cabelo de Luc.
Scott era o tipo de pessoa que conseguia arrancar da mais triste das criaturas u
m sorriso de
contentamento.
Agora vá se divertir como os outros. Não quero te ver triste por aí, não, hein? E isso é
ma
ordem! Obedeça ao seu treinador! concluiu ele, rindo. Mais tarde teremos uma reunião
, quero vêlo
animado.
Aquela manhã e tarde foram arrastadas. Cada minuto parecia uma eternidade. Luc pas
sou o
tempo quase todo conversando com Alex e Jamie. Jamie era um cara legal, até bonito
, e se
preocupava com Luc. Luc gostava da maneira como Jamie se expressava, um tanto ge
sticulosa e
cheia de metáforas e comparações tão grosseiras que chegavam a ser engraçadas, totalmente
diferente de Alex, que era mais reservado, curto e grosso, embora fosse um poço de
paciência,
cordialidade e benevolência.
Quando anoiteceu, Scott convocou a todos para uma reunião numa sala reservada do h
otel.
Parabenizou os jogadores pela excelente partida, parabenizou Cody pelo gol da sa
lvação, e elogiou o
desempenho dos demais. Apesar de bastante exigente, Scott sabia reconhecer os es
forços de seus
atletas.
E o que é que a gente ganha como recompensa, treinador? perguntou Seth.
Nada, ora. Eu não ganho recompensa alguma por aguentar tantos marmanjos chatos com
o
vocês! respondeu ele, em brincadeira, fazendo com que todos rissem.
Treinador, treinador! exclamou Adrian Quando estávamos indo ao jogo ontem, de dent
ro
do ônibus eu consegui ver uma boate bem aqui perto. A gente podia passar por lá, pra
descontrair um
pouco e pegar umas gatinhas, hã?
A ideia era até boa. Todo mundo cochichou ao mesmo tempo. Seria realmente muito bo
m sair
do hotel um pouco, respirar um ar diferente. Mas a Luc essa ideia não agradou nem
um pouco.
Detestava barulho, festa, beberrança e todos os tipos de coisas que ele reprovava
e que aconteciam
nesses lugares.
Ué, se todos concordarem, por que não?
Eu concordo! Eu concordo! , exclamaram todos prontamente. Ainda eram oito e meia da
noite, daria tempo de aproveitar a farra. E assim ficou decidido. Dentro de uma
hora, todos à noitada.
Luc não quis estragar a diversão dos demais, então não contestou.
Voltaram rapidamente todos aos seus respectivos quartos, tomaram banho e começaram
a se
arrumar para curtirem a festança e se esquecerem de que tinham um campeonato para
vencer.
Dentro de uma hora, já estavam todos banhados, perfumados e prontos para a diversão.
Na
verdade, Luc nunca fora a uma boate, mas já sabia, de antemão, que não iria gostar nem
um pouco.
Estava indo única e exclusivamente por conveniência. Mas, mesmo assim, se arrumou co
m esmero.
Não sabia exatamente o que vestir, então colocou uma roupa bonita, mas bem normal: u
ma blusa
roxa, uma calça jeans e tênis.
Terminava de se arrumar em frente ao espelho enquanto Cody terminava de ajeitar
seus cabelos
loiros arrepiado no banheiro. Quem o via, pensava que ele era mesmo um típico bad
boy, com sua
jaqueta de couro, camisa preta e calça justa. Cody era, incontestavelmente, a cria
tura mais bela de
todo aquele esquadrão de jogadores. Nem a beleza exótica de Alex se equiparava à perfe
ição com
que Cody parecia ter sido esculpido.
Então vamos, rapazes disse Scott, acenando para que os demais o acompanhassem.
Saíram todos juntos e caminharam até a tal boate, que ficava a duas quadras de distânc
ia do
hotel. A agitação era enorme e a chacota não tinha tamanho. Os mais bagunceiros vinham
por
último, falando as baboseiras de sempre, contando vantagem, contando casos mentiro
sos e
inventando histórias diversas.
Chegaram ao estabelecimento. Scott foi à frente, conversou com os seguranças e aviso
u que
todos estavam sob sua responsabilidade. Passaram todos pela revista e entraram e
m seguida.
Quero todos de volta ao hotel até uma hora da manhã, entendido? disse Scott a todos.
Desde ali começou o desagrado de Luc. A música estava bastante alta, havia muita gen
te no
recinto e o excesso de calor humano era claustrofóbico. Luc procurou por um banco
vago no balcão
e se sentou. Procurou pelos outros com os olhos, mas não enxergava ninguém. Já deviam
ter se
misturado à multidão. Pediu um copo de Coca e ali ficou, aturando a música e contando
os minutos
para que pudesse ir embora logo.
A música alta e toda aquela movimentação deixavam Luc atordoado. Olhava para os lados
a
todos instante, procurando por algum conhecido. Viu Scott tentando conversar com
uma mulher que
Luc desconhecia; viu Alex conversando com uns caras da Lysstyrke; viu Adrian e S
eth beijando
duas garotas e viu Cody dançando com outros companheiros de equipe, já aparentemente
levemente
alcoolizado. Oh, devaneio. Quão belo ficava ele dançando descompassadamente. Quão amab
ilíssimo
era aquele garoto tão vil.
Oi disse alguém.
Interrompido de seus pensamentos, Luc dirigiu seu olhar a quem lhe chamava. Era
uma garota,
pouco mais velha que ele, que estava recostada bem ao seu lado, com os cotovelos
sobre o balcão e
sorrindo um sorriso promíscuo. Luc respondeu o cumprimento sem dar muita confiança.
O gatinho tem nome? perguntou ela em tom sedutor.
Eu não tenho gato respondeu Luc secamente.
Estou falando de você riu ela.
Eu sei finalizou Luc.
Qual é? Você é veado, por acaso? perguntou ela, irritada com as respostas lacônicas.
Luc a olhou com olhar de desdém e respondeu:
Sou.
Ela o olhou com o espanto e raiva nos olhos e se retirou praguejando ao vento. E
sse era mais
um dos motivos que faziam com que Luc não gostasse da vida noturna.
Mais uma hora se passou e tudo parecia o mesmo. Até que Luc sentiu alguém o puxando
forte
e abruptamente pelo braço. Sem ter tempo de ver quem era, Luc só conseguiu balbuciar
um o que é
isso?! antes de vislumbrar a imagem de Cody em sua frente, visivelmente bêbado e to
talmente fora
de si.
O que você quer, Cody?
Vem, seu veadinho de merda, vem realizar seu sonho respondeu ele com voz pastosa
e
inconstante. To louco pra comer um...
Sai de mim, seu idiota interrompeu Luc antes que Cody concluísse a maior asneira q
ue
poderia dizer.
Para de fazer doce, eu sei que você tá me querendo continuou Cody, puxando Luc pra s
i.
O que foi que você tomou, hein? Você está completamente louco! Eu vou chamar o treinad
or.
Luc se desvencilhou dos braços pegajosos de Cody e foi até Scott, que continuava con
versando
com a mesma mulher. Avisou-o que Cody estava completamente fora de si e que, pro
vavelmente,
havia se drogado ou tomado algo muito forte. Scott foi até ele e testemunhou seu e
stado de total
embriaguez.
Luc, por favor, leve-o de volta para o hotel antes que ele dê algum vexame.
Só faltava essa. Agora teria que ser babá de bêbado, sendo que, pra piorar, o bêbado era
justamente o amor platônico de sua vida. Mas Luc não poderia recusar a um pedido de
Scott.
Vem, Cody, vamos embora disse Luc, passando o braço de Cody por seu ombro para que
ele conseguisse andar sem trocar os passos.
Saíram da boate e seguiram em direção ao hotel.
Eu não quero ir embora! Me solta, seu veado de merda! gritava Cody no meio da rua.
Luc ignorou o escândalo e se dirigiu até o hotel o mais rápido possível. Pediu que o ser
viço de
quarto levasse um café amargo até o quarto onde estavam. Conduziu Cody com dificulda
de até o
elevador, seguiu até o quarto onde estavam e o colocou sobre a cama. Cody continua
va gemendo e
pronunciando qualquer coisa ininteligível.
Luc foi até o banheiro, ligou o chuveiro na água fria, tirou seu tênis, trocou suas ca
lças por uma
bermuda e voltou ao quarto rapidamente.
Vem, você precisa de um banho gelado.
Eu não quero tomar banho, seu imbecil dizia Cody, esperneando.
Não estou perguntando se você quer, você vai tomar banho e pronto. Anda.
Luc puxou-o pelo braço e praticamente o arrastou até o banheiro. Tirou, com muito cu
sto, sua
jaqueta, sua blusa, calças, tênis e meias, deixando-o apenas de cueca.
Entra aí ordenou Luc.
Vai se aproveitar de mim, né, seu veado safado? perguntava Cody, rindo debochadame
nte.
Luc o empurrou para debaixo da água e começou a ensaboá-lo. Não acreditava que aquilo
estava acontecendo.
O Luc é um veadinho, o Luc é um veadinho cantarolava Cody enquanto ria
descontroladamente.
Ignorando o pampeiro que Cody estava armando, Luc continuava tentando fazer com
que ele
ficasse quieto por um segundo.
Pode falar, Luc, eu sei que você me quer. Eu vi como me olhava na boate. Está doidin
ho pra
da...
Cale a boca, Cody. Não ouse terminar essa frase.
Céus! Seria possível? Estaria ele mesmo percebendo que Luc o observava?
Cody ainda blasfemou algumas palavras enquanto Luc o banhava. E depois de muito
sacrifício,
Luc terminou sua boa ação do dia. Desligou o chuveiro, foi até o quarto, pegou algumas
peças de
roupa e voltou ao banheiro. Cody permanecia sentado dentro do Box. Luc tirou-o à f
orça do chuveiro
e o enxugou.
Vista-se disse ele, entregando as roupas que trouxera.
Alguém batia à porta. Era o serviço de quarto com o café que Luc pedira.
Cody saiu do banheiro, ainda tonto, segurando-se nas paredes.
Agora tome isso mandou Luc, entregando-lhe uma xícara de café preto.
Eu não quero.
Já disse que você não tem que querer nada respondeu Luc, fazendo com que Cody tomasse
à força.
Está amargo, seu idiota! reclamou Cody.
Ótimo, sinal de que o serviço de quarto aqui é competente. Agora deite aí e pare de me d
ar
trabalho finalizou Luc, deitando Cody na cama e o cobrindo em seguida. Durma bem
.
Luc desligou as luzes do quarto e também se deitou. Pronto. Missão cumprida.
Fez-se silêncio, finalmente. Até que Cody o interrompeu.
Luc...?
O que é?
Sabia que você é meu veadinho preferido?
Cale a boca, Cody. Boa noite.
Capítulo 8

Depois de todo o trabalho em que o alto teor alcoólico de Cody resultou, Luc, cans
ado de tanto
esforço para fazer com que ele sossegasse, caiu no sono dos justos e dormiu durant
e toda a noite,
enquanto os demais continuaram se divertindo na boate. Chegaram ao hotel dentro
do horário
marcado e ainda demoraram um pouco a dormir. Assim, Luc fora o primeiro de toda
a equipe a
despertar.
Não deviam ser nem dez horas. O dia estava cinzento e sem rastro de sol ou luz da
manhã. Luc
acordou, enquanto Cody parecia repousar o sopor aeternus. Talvez não tivesse ninguém
acordado
ainda, então Luc resolveu que não esperaria pelos demais para tomar seu café. Lavou o
rosto,
escovou os dentes, trocou de roupa e desceu para o restaurante do hotel.
Havia poucas pessoas. Luc procurou com os olhos por uma mesa vazia. Sentou-se e
fez seu
pedido à garçonete que estava próxima. Então, enquanto aguardava, colocou-se a observar
as pessoas
que ali estavam. Uma, em especial, que acabava de chegar, chamou sua atenção. Um hom
em de
estatura mediana, cabelos desgrenhados, uma camisa social básica e calça jeans. Sent
ara-se a umas
sete mesas de distância e começou a ler um jornal. Não era tão bonito. Devia ter seus tr
inta e poucos
anos. Já apresentava alguns fios grisalhos e uma barba por fazer.
Que homem interessante pensou Luc.
Não era, de fato, tão bonito, mas havia algo nele que fazia com que os olhos de Luc
insistissem
em pousar sobre ele, lendo aquele jornal com as pernas cruzadas e mantendo uma p
ostura
misteriosamente séria.
O pedido de Luc chegou, fazendo com que os pensamentos sob os quais estava absor
to se
dissipassem por um instante.
Obrigado.
Tomou um gole do suco que a garçonete trouxera e mordeu um pedaço de seu sanduíche,
enquanto fitava a figura misteriosa à sua frente. Até que o tal homem, no mero ato d
e olhar ao lado,
percebeu que Luc o observava. Trocaram aquele olhar por segundos, até Luc perceber
que não era
das coisas mais discretas fitar tão profundamente um desconhecido. E, para sua sur
presa, o estranho
sorriu a ele. Abriu um sorriso de cordialidade, que foi devolvido por Luc.
Pare de olhar, Luc.
Mas, para uma surpresa ainda maior, o homem se levantou e veio em direção à mesa de Lu
c. O
queria aquele homem tão galante? Seu coração acelerou e as mãos suaram frio. Luc tomou m
ais um
gole de seu suco, tentando desviar o olhar, mas não teve jeito.
Bom dia! disse o homem ao chegar à mesa onde Luc estava sentado.
Bom dia respondeu Luc, aproveitando-se dos poucos segundos que lhe foram dados p
ara
admirar aquele estranho tão encantador.
Posso me sentar com você? perguntou ele.
Claro respondeu Luc, tentando disfarçar o constrangimento.
Meu nome é Rhud disse ele, estendendo a mão. Qual o seu?
Luc correspondeu ele timidamente ao cumprimento.
Luc... Um belo nome para um belo rapaz comentou Rhud, dando um sorriso em seguid
a.
Luc sentiu seu coração sair pela boca. Não cria que acabara de escutar aquilo. Começou a
fantasiar mil e uma coisas, mas baniu-se em seguida.
Não, Luc, pare!
São seus olhos.
Hahaha! Então, Luc, eu sou colunista na página de esportes de um jornal da cidade de
Dyesen e estou vendo que você é um dos jogadores que estão hospedados por aqui disse R
hud,
apontando o escudo de North Bound que havia estampado na camisa que Luc vestia.
Será que você
pode dar uma palavrinha sobre o campeonato?
Ah, então era isso? Pra que ir tão longe com a imaginação? Era só um jornalista querendo u
ma
entrevista.
Educado, Luc, que já estava acostumado a dar esse tipo de entrevista ao jornal do
colégio,
atendeu ao moço solicitamente, aproveitando os minutos que lhe foram ocupados para
admirar
aquela estranha criatura. Era tão charmoso, tinha uma voz tão envolvente e fazia com
quem Luc
pensasse que existiam ali segundas intenções. Mas sua mania de perseguição já atingira níve
s que
fazia com que ele anulasse essa hipótese fantasiosa.
Acabadas as perguntas e depoimentos, Rhud agradeceu a boa vontade e colaboração de L
uc e
se retirou, desejando a ele um bom dia.
A gente se vê por aí.
A gente se vê por aí? Por quê? A gente ainda vai se ver? pensou.
Até mais.
Que homem, que homem...
Luc continuou tomando seu café, que fora interrompido pela chegada do estranho mis
terioso. E
quando estava terminando, já juntando os talheres e preparando-se para se levantar
, avistou de longe
Cody se aproximando a passos lentos, com cara de ressaca e uma expressão doída, típica
de noites
mal dormidas. Luc não sabia se saía antes que ele chegasse ou se esperara que ele pa
ssasse. Resolveu
esperar e, para sua surpresa, Cody puxou uma das cadeiras da mesa onde Luc estav
a e se sentou,
colocando a mão na cabeça, franzindo o cenho.
O que aconteceu ontem? perguntou ele.
Não era possível que não se lembrasse de todo o reboliço que causara!
Não se lembra?
Cody balançou a cabeça negativamente.
Nós fomos à boate, você ficou completamente bêbado e o treinador pediu que eu te trouxes
se
de volta ao hotel antes que você desse algum vexame. Só isso.
Cody suspirou e deitou a cabeça sobre a mesa.
E eu já estava de saída. Até mais disse Luc, levantando-se da mesa e se retirando em
seguida.
Naquele dia também não haveria jogo para North Bound, então os jogadores aproveitaram
o
tempo útil para treinar. Scott havia solicitado a quadra poliesportiva do hotel pa
ra aqueles dias, então
a equipe passou o dia quase inteiro jogando. Após o almoço, quando a digestão já estava
sendo
concluída, foram todos para a quadra e treinaram durante toda a tarde e parte da n
oite. Depois,
voltaram aos quartos para um banho rápido e, em seguida, jantar.
Scott também reservara quatorze mesas do restaurante principal para que pudessem t
odos se
juntar e fazer uma grande refeição em coletivo, para conversarem e aproveitarem junt
os os
momentos que passariam em Itýr durante o campeonato. Aquelas reuniões faziam com que
os atletas
se aproximassem e deixassem o conflito um pouco de lado, dando foco ao espírito de
competição
saudável. Era perceptível até certa mudança na turma de Cody, que parara, até ali, com os
ataques, já
que nem todos eram liderados pelo próprio Cody.
Isso também fez com que Luc e Jamie se aproximassem significativamente. Jamie vinh
a se
mostrando um bom camarada e um grande amigo, enquanto Alex se mostrava o melhor
dos homens,
em todos os aspectos.
Agora vamos dormir, rapazes. Temos um jogo a ganhar instruiu Scott ao final do j
antar.
Todos se levantaram de seus acentos e se dirigiram às escadas. Alex, Jamie a Adria
n, que era o
menos pífio da turma de Cody, iam à frente, enquanto Luc seguia sozinho atrás.
Ei, Luc ouviu-se chamar.
Luc procurou com os olhos quem o chamava. Era Rhud, que acenava discretamente.
Oi, Rhud respondeu Luc, se aproximando alguns passos. Tudo bem?
Sim, sim, tudo ótimo. Escuta, eu já redigi aquela nossa conversa de hoje cedo. Vamos
lá no
meu quarto pra você ver como ficou. Está salvo no meu computador, devo mandar ao jor
nal amanhã.
Hum... Tenho jogo amanhã e o treinador já nos mandou ir dormir. Acho que não dá, não.
Não se preocupe, vai ser rápido, você chega no seu quarto a tempo. Vamos?
A proposta era tentadora, mas o medo gritava alto.
Se é assim... Então vamos.
Era só olhar um artigo, não deveria levar mais do que meia hora, não iriam dar sua fal
ta. Qual o
mal?
Tomaram o elevador. O quarto de Rhud ficava no sétimo andar e, pelo que ele contav
a, ele
ficaria no hotel para entrevistar pelo menos mais um jogador e ainda esperaria p
or mais outras
equipes que chegariam para outro campeonato, então ainda teria algum tempo de hosp
edagem por
ali.
Chegaram ao sétimo andar, que era um pouco diferente dos andares onde estava a equ
ipe. Rhud
foi à frente, abriu a porta de seu quarto e entrou em seguida, acompanhado de Luc,
que vinha logo
atrás. Luc pediu licença e entrou. O quarto era realmente bem maior. Fechou a porta
e ficou parado
com os braços cruzados.
Pode ficar à vontade disse Rhud, indo ao frigobar. Aceita água, cerveja, suco, algum
a
coisa? perguntou.
Não, obrigado respondeu Luc.
Venha ver.
Rhud tirou o casado de frio que vestia, os sapatos, o cinto, puxou a cadeira da
escrivaninha que
estava perto da janela do quarto e abriu seu notebook. Luc se aproximou, puxou u
ma outra cadeira
que estava ali perto e sentou-se ao lado de Rhud, que procurava pelo artigo no c
omputador.
Aqui está.
O artigo parecia interessante. O jornal para o qual Rhud trabalhava já sabia de to
dos os
campeonatos que aconteceriam naquele ano, então rendiam a ele espaço para falar sobr
e cada um
deles da maneira que quisesse, mas, segundo ele, gostava de fazer entrevistas e
comentários.
Assim vende mais dizia ele.
Na entrevista, Luc falava do colégio para o qual jogava, falava sobre seus companh
eiros de
equipe, sobre o treinador, sobre a cidade e ainda elogiava os adversários.
Você é bem imparcial. Isso é ótimo, você seria um bom jornalista comentou Rhud.
Luc agradeceu e Rhud continuou:
Isso deve sair depois de amanhã. Eu te entrego um exemplar do jornal quando nos vi
rmos
novamente.
Tudo bem Luc se levantou. Agora eu preciso ir disse ele, já indo em direção à porta
Ei, ei, espere pediu Rhud, indo logo atrás de Luc e o segurando gentilmente pelo b
raço.
Fique mais um pouco, vamos nos conhecer direito.
Vamos nos conhecer direito?
Luc olhou-o interrogativo.
Luc... Um belo nome para um belo rapaz!
A gente se vê por aí.
Vamos nos conhecer direito.
O que me diz? insistiu Rhud, mantendo o sorriso.
Sem entender exatamente o que significava aquela situação, Luc respirou fundo, tento
u se
acalmar e perguntou:
Qual é a sua, cara?
Rhud riu do olhar preocupado de Luc.
Não tem minha . Eu gostei de você, só isso. E sei que você também gostou de mim. Não
precisa se preocupar, eu não sou nenhum tarado respondeu Rhud, passando a mão pelos
cabelos de
Luc.
Os movimentos delicados e envolventes e o charme que Rhud exalava eram irresistíve
is. O
medo era grande, mas a tentação era imensuravelmente maior. O que Rhud queria, afina
l? De onde
surgira? O que havia nele de tão irresistível? Era impossível não se deixar levar.
O que você quer de mim? perguntou Luc, querendo não querer se livrar de Rhud.
Quero que você fique aqui comigo, só isso. Não é pedir muito, é?
Confuso e ainda na dúvida entre ceder ao charme de Rhud e ser prudente e não dar tan
ta
confiança a um mero desconhecido, Luc não respondeu prontamente se era ou não pedir mu
ito.
Rhud se aproximou um passo e, novamente, afagou os cabelos de Luc.
Fique, por favor.
Tentando agir de forma sensata e cautelosa, Luc procurou pela resposta adequada.
Tá bem, eu fico... cedeu.
Rhud sorriu novamente, enquanto mantinha a mão nos cabelos de Luc. Segurou-lhe as
mãos e
disse:
Você é encantador.
Luc levantou as sobrancelhas e sorriu timidamente, estranhando o elogio.
Você também é.
Sem treplicar o elogio, Rhud apertou as mãos de Luc. Adiantou-se mais um passo e c
olocou as
duas mãos na nuca de Luc.
Meu Deus... E agora?
Rhud curvou-se ligeiramente e, com toda sua delicadeza, beijou os lábios de Luc
vagarosamente.
Aquela era a primeira vez, em dezessete anos de existência, que Luc tinha um conta
to tão
próximo e íntimo com outro homem. Sabia desde sempre que não se interessava pelo sexo
oposto e
que era certamente gay, mas, até então, nunca tinha beijado outro garoto, tampouco o
utro homem.
Rhud estava sendo o primeiro.
Sem saber a qual sentimento devia se ater, se era ao medo do que Rhud pudesse lh
e fazer; ou
ao medo de que alguém aparecesse do nada; ou de que sentissem sua falta; ou ao pav
or de estar
sendo beijado por um homem; ou à indescritivelmente maravilhosa sensação de prazer e p
roteção
que estava sentindo, Luc não parou o beijo de Rhud. Demorou alguns segundos até assi
milar o que
estava acontecendo e acreditar que era mesmo verdade, não um bom sonho.
Depois de segundos inerte naquele momento tão inebriante, Rhud foi parando aos pou
cos com
o beijo tão solene com que abduzira Luc e, devagar, foi desabotoando sua camisa. L
uc, preocupado
com as consequências que aquilo poderia gerar, tentou pará-lo.
Não, Rhud, eu não...
Shhh... silenciou ele Já falei que não é pra se preocupar. Não vou lhe fazer mal algu
Totalmente perdido em tentação, Luc resolveu confiar naquele desconhecido e acredita
r que
nada de mau poderia lhe acontecer. Então deixou que Rhud tirasse a camisa, revelan
do debaixo de
todo aquele pano um corpo tão perfeito.
Delicadamente, Rhud tirou a camisa de Luc, admirando-o por um instante e tocando
-o
gentilmente, explorando seus pedaços cuidadosamente. Beijaram-se novamente.
Já entregue à situação, Luc deslizava sua mão por aquele corpo perfeito em cada centímetro
deixava que Rhud conduzisse a situação. Deitaram-se à cama e ainda passaram um longo t
empo
trocando beijos e carícias. Até que a madrugada chegou e ambos se deitaram, um ao la
do do outro,
enquanto olhavam o teto em silêncio.
Essa foi minha primeira vez disse Luc, interrompendo o silêncio.
Mas nós nem transamos...
Não, primeira vez com um cara, eu digo.
Rhud deitou-se de lado, apoiando a cabeça sobre a mão, sorrindo em seguida.
É mesmo? perguntou admirado. Não parece.
E o que parece?
Ué, parece que você já é um garoto experiente. Confesso que estou surpreso.
Já eram quase duas da manhã e Luc ainda estava no quarto de Rhud, envolto pela aura
especial
que ele criara. A conversa dos dois ainda durou alguns minutos. Rhud parecia, de
fato, não ser má
pessoa. De acordo com o pouco que haviam conversado, era solteiro, jornalista, f
inanceiramente
independente e morava em Dyesen desde que nasceu.
Acho que você foi o garoto mais novo com quem já fiquei observou Rhud.
E isso é bom ou ruim?
Não, é só estranho, porque não costumo ficar com rapazinhos lindinhos assim, como você
respondeu ele com um afago. Mas é que... sei lá, algo em você chamou minha atenção, desde
o
instante em que te vi lá no restaurante.
E como você soube que eu era...?
Os opostos se atraem. E os semelhantes se reconhecem.
A conversa ainda se estendeu vagarosamente por uns trinta ou mais minutos. Era b
om
conversar com Rhud, ele transmitia uma sensação paternal muito aconchegante. Luc pôde
perceber
que as intenções de Rhud não eram, de fato, más e que ele estava mesmo apenas querendo u
ma
companhia para aquela noite. Era notável que ele era um homem um tanto solitário.
Rhud, eu preciso ir. Tenho jogo e preciso descansar um pouco. Nos falamos novame
nte?
Espero que sim. Eu te acompanho até a porta.
Luc voltou para seu quarto a passos leves, tentando fazer o mínimo de barulho possív
el. Cody
já dormia e o quarto estava totalmente escuro. A partida estava marcada para as qu
atro da tarde,
assim Luc poderia dormir até, no máximo, a hora do almoço.
O dia clareou um pouco mais animado. Seria necessário bastante ânimo para vencer a p
artida
daquele dia e se livrar do fantasma do empate do último jogo.
Toda a equipe tomava café enquanto Luc ainda dormia seu sono atrasado. Conseguiu a
cordar
antes do horário do almoço e mentir sua falta de disciplina por não ter ido para o qua
rto no horário
estabelecido dizendo que perdera o sono e ficou lendo, sentado ao hall do hotel,
que aquilo não mais
se repetiria. Mas... Como Scott sabia que não fora para o quarto no horário combinad
o? Quem
contou? Só poderia ter sido Cody. Mas por que faria aquilo? Por propósito ou respons
abilidade?
Às três da tarde, toda a equipe embarcou no ônibus rumo ao estádio onde aconteceriam tod
os
os jogos daquele campeonato. A partida prometia. North Bound estava mais bem pre
parada e a
equipe adversária não era assim tão forte.
Após um breve aquecimento e mais algumas palavras de incentivo do treinador, foram
todos ao
campo e deu-se início à partida.
O jogo não foi difícil. Logo aos dezoito minutos do primeiro tempo, North Bound abri
u o
placar, com um gol marcado por Adrian. Depois daquele ainda vieram mais dois, um
de Luc e um de
Seth, com participação de Jamie. A equipe adversária conseguiu marcar apenas um, que não
foi
suficiente para fazê-la chegar próximo a um empate. Placar final, três a um.
Foi uma comemoração que só vendo. A primeira partida fora sofrível, mas a segunda foi
jogada com maestria, deixando North Bound cheia de esperança de uma conquista e se
de de mais
vitórias.
Engraçado... Quando Luc perdeu a jogada que poderia ter derrotado a equipe, Cody f
oi agredilo
e contar vantagem para si prontamente, mas dessa vez, com um gol que abriu vanta
gem para a
equipe no placar, ele nem se manifestou, ao contrário dos demais, que o parabeniza
ram
energicamente. Até Adrian, que era um dos mosqueteiros de Cody, o cumprimentou ami
gavelmente,
mesmo sem mostrar qualquer intimidade.
Voltaram para o hotel em clima de animação e vibração, todos empolgados e extremamente
excitados com a vitória. No hall do hotel, voltando para os quartos, já perto da hor
a do jantar, Luc
avistou, de longe, Rhud se aproximando. Sentiu uma grande vontade de ir falar co
m ele, mesmo que
fosse para dar apenas um oi . E, ali de longe, Rhud também o avistou. Deu seu sorriso
receptivo de
sempre e se aproximou a passos largos.
Ei, Luc.
Oi, Rhud.
Como foi o jogo?
Bom. Ganhamos de três a um. Não poderia ser melhor.
Ah, fico feliz disse Rhud, com o sorriso simpático e receptivo de sempre. Passa lá n
o meu
quarto quando tiver um tempo, estou sempre por lá. Gostei de conversar contigo ont
em.
Tá bem. Então depois a gente se fala.
A vontade de estar próximo e de ser abraçado por Rhud a todo instante era grande, ma
s o
instinto de tentar fugir a todo custo também era. O dilema entre tentar acreditar
que Rhud era uma
pessoa legal e deixar aquele momento acontecer para ver até onde iria e temer por
estar se
entregando assim, a um perfeito estranho, era cruel. Mas Luc estava tão carente e
a necessidade de
que alguém o protegesse de alguma forte era tão gritante que faziam com que ele igno
rasse sua razão
e desse asas à sua emoção.
Naquela tarde, enquanto os outros se divertiam e descansavam, Luc esteve com Rhu
d. O ato de
trocar beijos e carícias aos poucos foi se tornando automático. Era o modo como se c
omunicavam e
se expressavam um com outro, e isso aconteceria com a naturalidade de quem mantém
um diálogo
cordial.
Ainda se encontraram por mais algumas vezes. Não tinham muito assunto. Rhud abria
a porta
do quarto, às vezes mal se cumprimentavam, a fechava em seguida e dali em diante não
mais se
comunicavam com palavras, apenas com a linguagem do corpo. E, durante todos aque
les dias,
daquele jeito foi, como num ritual.
...
Já fazia cinco semanas que a equipe estava no hotel. North Bound continuava invict
a no
campeonato e tinha tudo para levar o título. Depois da primeira partida, nenhuma o
utra se encerrou
empatada. O desempenho dos jogadores estava a todo vapor e a vitória dos intercole
gais se
aproximava.
Com o passar dos dias, a relação de Luc e Rhud tomou um outro rumo. Já não se beijavam
mais, já não trocavam mais olhares famintos nem toques apaixonados. Tornaram-se amig
os, apenas,
nada mais. Rhud era um poço de paciência, isso encantava Luc. Passavam horas convers
ando como
dois bons amigos de longa data. Os gestos e atos desejosos foram substituídos por
abraços fraternos
e sinceros; por noites de boa prosa; por momentos de intimidade. Rhud se transfo
rmara num
professor querido, que Luc guardava no peito com carinho.
A conquista do campeonato estava cada vez mais próxima. Agora, então, com a vitória do
jogo
que decidiria quem seriam os semifinalistas, estava a dois ou três passos da tão son
hada conquista. O
clima era de comemoração e excitação. Todos almoçavam juntos à mesa, e então Scott deu a id
:
Então, rapazes, acho que vocês merecem uma recompensa pelo bom desempenho no
campeonato, temos que comemorar. Quem dá a sugestão?
Falar em comemorar era sinônimo de euforia. Todo mundo sugerindo coisas e coisas a
o mesmo
tempo, loucos para respiraram ar puro, fora do hotel.
Vou escolher alguém para dar a sugestão. Mas nada de boate, hein? Senão nosso querido
capitão Cody pode ficar ruim das pernas de novo.
Todos gargalharam, à exceção do próprio Cody, que detestava piadas em seu nome.
Jamie, nos diga qual vai ser o programa disse Scott, apontando-o.
Fez-se silêncio e todos esperaram pelo veredicto do companheiro de equipe, que dep
ois de
alguns segundos pensando, decidiu:
Poderíamos acampar. O que acham?
Acampar?
Sim, poderíamos ir no final de semana e voltar na segunda-feira, já que próximo jogo é só
na
quarta-feira.
O que acham, pessoal? perguntou Scott.
Não era má ideia. Não custaria muito dinheiro, estariam um pouco isolados do mundo, em
contato com a natureza, descansado o corpo e a cabeça para o próximo jogo... O único t
rabalho seria
encontrar um ponto bom para acampar, o que não seria um problema, pois Itýr dispunha
de grande
área verde.
Por mim, tudo bem.
Por mim também.
Demorou.
A grande maioria concordou. Alguns não concordaram, mas também não discordaram, mas, d
e
qualquer forma, a maioria venceu e a comemoração prévia seria feita ainda naquela sema
na.
Então decidido: vamos acampar. Amanhã mesmo providenciarei os mantimentos, lenha,
barracas e todo o necessário. Sexta-feira, pela manhã, nós vamos e voltamos no domingo
à tarde ou
noite. Combinado?
Combinado!!
Perfeito. Mais um final de semana de diversão para a equipe.
Naquele mesmo dia, à tarde, Scott, com ajuda de dois de seus jogadores e a mulher
com quem
conversava à boate, que era uma amiga que morava em Itýr, foi às compras providenciar
toda a
parafernália necessária para o acampamento com os garotos. Aproveitou também para conh
ecer um
pouco da cidade, coisa que, até então, não tivera oportunidade de fazer.
Depois de algumas horas de saída, depois de passear um pouco pela cidade e depois
de muito,
muito procurar, finalmente encontraram o lugar ideal para acampar, na estrada pa
ra Dyesen, na outra
saída da cidade, ao sul. Um lugar calmo, bonito e distante.
Na noite anterior à viagem, todos começaram a aprontar as malas para o acampamento,
todo
mundo bastante animado. Luc ainda passou no quarto de Rhud para se despedir dele
. Rhud fez mil
recomendações e pediu que Luc tomasse todo o cuidado possível com insetos, fogueira, c
huva...
Rhud, você está parecendo meu pai.
É que você é como se fosse meu filho. Tenho que te prevenir, ora.
Ah, que lindo! Sou como se fosse seu filho, então?
Hahaha! É sim.
Passara algum tempo juntos. Já era noite e Luc não poderia demorar, afinal o ônibus sa
iria do
hotel logo pela manhã e não poderia partir sem ele. Despediram-se com um abraço e um b
eijo ternos
e então Luc foi para seu quarto descansar para a viagem do dia seguinte.
Capítulo 9

Entraram no ônibus e sentaram-se em duplas nas duas fileiras de acentos. Luc sento
u-se junto a
Jamie e Alex junto a Adrian, logo nas poltronas atrás. Cody sentou-se junto a Seth
e alguns outros
jogadores de sua equipe nos últimos acentos do ônibus para comandarem toda a patacoa
da da
viagem.
Dessa vez, agora que Cody estava de volta, a todo vapor, ao contrário da última viag
em, toda a
zombaria foi comandada por ele. E todos riam. Ou melhor, quase todos riam. Jamie
tentava acalmar
o reboliço, mas também acabava sobrando para ele. Alex tentava cochilar e Adrian, qu
e era um dos
de Cody, que devia estar participando da farra, parecia constrangido. Não particip
ava, mas também
não dizia nada em reprovação. E Luc, que já estava até acostumado, ignorava.
Já estamos quase chegando, moçada! anunciou Scott.
O ônibus tomou uma pequena estrada de terra, trilhou mais um ou dois quilômetros e p
arou em
seguida, estacionando sob uma árvore frondosa próxima à estrada de terra. Desceram tod
os e se
puseram a observar a paisagem. Era realmente um lugar muito bonito. Onde estavam
, havia apenas
grama rasteira, mas logo atrás, a poucos metros, iniciava-se uma relva que, aos po
ucos, ia crescendo
e se tornando um matagal que, metros e metros depois, ladearia a estrada para Dy
esen. Adiante, a
uns cem metros, via-se um ribeirinho que nascia na mata fechada, que estava a un
s trezentos metros
dali e que, certamente, não seria cenário do passeio.
Organizaram-se em duplas e começaram a procurar com os olhos o melhor lugar para
montarem as barracas. Havia bastante espaço, mas era melhor ficar próximo ao ônibus, c
onforme
advertido pelo treinador.
Alex ajudou Luc com as malas e com o restante das coisas e ambos caminharam até o
ponto
escolhido para montar a barraca. Luc se sentiu aliviado por Scott não ter tido a b
rilhante ideia de
colocá-lo uma vez mais junto a Cody. Mas ainda era tempo para surpresas. Quando já e
stavam
montando a barraca, Adrian se aproximou e perguntou timidamente:
Luc, será que eu poderia dividir a barraca com você?
Luc estanhou a pergunta e até achou que fosse uma brincadeira ou ainda uma tentati
va de
espionagem ou qualquer coisa vinda de Cody. Por que Adrian, um dos amigos dele,
estaria querendo
dividir a barraca com Luc? Isso não fazia o menor sentido.
Alex, Luc e Adrian se entreolharam algumas vezes antes que a pergunta fosse resp
ondida.
Ah, mas se você for ficar com o Alex, tudo bem, eu...
Não, não é isso interrompeu Luc É que... Deixa pra lá. Alex, você se importa?
Imagina. Eu fico com o Jamie.
Beleza agradeceu Adrian, sorrindo.
Armadas todas as barracas, todos foram nadar ao lago, que ficava logo à frente. Me
smo com a
ameaça de que o tempo esfriasse, Luc, que, como sempre, não gostava dessas ações em equi
pe,
entrou no clima da brincadeira e caiu na água. Decidiu que, dessa vez, não deixaria
de aproveitar o
passeio. Estava disposto a participar.
Após horas de banho de rio foram todos preparar o almoço. Tiraram os enlatados das c
aixas de
isopor, tiraram as bebidas da outra caixa com gelo e prepararam o almoço, que apes
ar de não se
comparar, nem de longe, à comida cinco estrelas do hotel, estava até gostoso.
À tarde, jogaram uma pelada com a bola que Scott trouxera. Titulares contra reservas
. Ainda,
ainda de escurecer, foram caminhar pela campina para examinar um pouco a paisage
m, conhecerem
melhor o lugar onde estavam. Atrás da alta vegetação não dava para ver muita coisa, só o l
imite da
estrada e algumas montanhas muito, muito longe. Do outro lado, além do rio, apenas
a mata fechada.
Não adentraram, por segurança, caminharam apenas alguns metros por mera curiosidade.
A oeste, a
campina se estendia até encontrar outro córrego.
O tempo estava fechando. Algumas nuvens negras surgiram no céu e uma brisa fria co
meçou a
pairar sobre o ar. Prepararam o jantar e, antes de dormir, ainda formaram uma ro
da em torno da
fogueira ali acendida e conversaram durante um arrastado tempo.
Vamos cantar, gente? sugeriu Jamie.
Vamos! respondeu Alex.
Alguns resmungaram. Alex foi correndo até sua barraca e pegou um violão que trouxera
.
Qual é a graça de ficar ao redor de uma fogueira numa noite fria como essa e não canta
r
nadinha? perguntou ele. Quem começa?
Ninguém se habilitou. Ficaram um olhando para a cara do outro sem dizer nada, espe
rando o
primeiro candidato.
Vamos, gente! Quem começa?
Novamente, ninguém se habilitou.
Dá isso aqui, Alex, eu começo disse Luc, para surpresa de todos.
Tomou o violão para si. Todos o olharam, surpresos. Pigarreou duas ou três vezes, aj
eitou os
dedos sobre as cordas, bateu algumas notas e começou a cantar uma de suas músicas fa
voritas, que
expressava parte do que ele sentia:
I lay, looking my hands; I search in theses lines I ve not the answers
Cantou a melodia enquanto todos o observavam com expressões indecifráveis. Luc estav
a
sempre na defensiva, não demonstrava absolutamente nada a ninguém. Não sabiam nem que
ele
cantava tão bem, tampouco que tocava violão. Todos o admiraram em silêncio enquanto el
e tocava a
canção de olhos fechados.
I know I live, but like a stone I m falling down... Falling down Falling down... con
cluiu
ele, tocando o último acorde.
Todos, sem exceção, aplaudiram-no de pé. Ninguém mais quis cantar outra música qualquer
depois de performance tão bela que Luc apresentara. Aplaudiram-no por, pelo menos,
um minuto,
com direito a assovios e uivos de saudação, que o deixaram vermelho como uma maçã.
Luc, mas que beleza! Não sabíamos que você cantava e tocava tão bem! elogiou Scott.
Imagina respondeu Luc, envergonhado.
Muito bem, muito bem, estamos orgulhosos de você.
Luc corou.
Agora chega, meninos, vamos dormir.
Alguns ainda cumprimentaram Luc uma vez mais e foram para suas barracas. Luc des
pediu-se
de Alex com abraço.
Boa sorte com o Adrian desejou ele.
Entraram.
Abaixando a cabeça e se esquivando cuidadosamente para não esbarrar em nada, Luc se
deitou
em seu colchonete, que já havia sido posto previamente. Suspirou fundo e desligou
a luz da
lamparina. Adrian já estava deitado. Fez-se um silêncio estranho, que parecia poder
ser quebrado a
qualquer segundo.
O que faz aqui, Adrian? perguntou Luc, quebrando o silêncio tênue.
Como assim?
Você é da turma do Cody, sabe muito bem que eu e ele não nos entendemos... Por que qui
s
dividir a barraca comigo?
Eu não tenho nada contra você.
Ah, não? Então por que é sombra dele, do Seth e do Jesse?
Adrian pensou um instante.
Porque, às vezes, quando você quer estar com alguém, ou em algum lugar, ou num grupo,
tem que fazer coisas que nem sempre são do seu feitio. Entende?
Entendo.
Mas chega uma hora que você cansa, sabe? E eu já estou me cansando. Gosto do Cody.
Apesar de ele ter toda essa marra, essa pose de menino mau, ele tem um bom coração,
sei que tem.
Seth e Jesse não, esses gostam de um mal feito, mas o Cody, não. No fundo, imagino q
ue ele faça
isso pra não perder o status. Mas eu, francamente, cansei. E me desculpe por ter f
eito parte das
maldades deles por todo esse tempo.
Não se precisa se preocupar disse Luc enquanto guardava seus óculos. Vamos dormir,
depois falamos sobre isso. Boa noite.
A manhã veio um tanto estranha e mais cinzenta do que o normal. O sol brilhava e a
s nuvens
encobriam todo o céu, tornando-o um tanto lúgubre. As nuvens da noite anterior se pe
rderam entre as
nuvens claras e se tornaram uma coisa só, lívidas e tristes.
Não era possível precisar a hora. Luc colocou a cabeça para fora da barraca para ver s
e havia
algum sinal de vida. Alguns jogadores estavam sentados à beira da lenha da fogueir
a da noite
anterior, enquanto outros providenciavam o café da manhã improvisado. Esfriara consi
deravelmente.
Luc tirou de sua mala uma blusa de frio e uma calça de moletom. Adrian ainda dormi
a. Saiu da
barraca, cumprimentou os que já estavam acordados e se juntou aos que preparavam o
café. Logo
estariam todos acordados.
A ausência do sol murchou os ânimos. Não havia muito o que fazer naquele tempo frio.
Bom dia, North Bound! saudou Scott, saindo de sua barraca. Qual será a boa de hoje
, hã?
E o sol? Onde está? brincou ele.
Algum tempo depois o sol resolveu dar o ar da graça, brilhando timidamente no hori
zonte,
tocando as montanhas que ficavam lá longe. Os demais acordaram com um a claridade
e, enfim,
todos estavam despertos, já quase à hora do almoço.
Estão com fome?
Sim! Muita! responderam todos.
Então vamos começar com o churrasco!
Aproveitando a ida à cidade quando foi comprar o necessário para o acampamento, o próp
rio
Scott teve a ideia de comprar carne para preparar um churrasco no dia do acampam
ento.
Quem vai ajudar a fazer?
Dois ou três jogadores se disponibilizaram. Tiraram a carne de uma terceira caixa
de isopor,
montaram uma tábua improvisada, cortaram os pedaços de carne e passaram o resto da m
anhã e a
maior parte da tarde preparando e comendo a tonelada de carne que Scott comprara
.
Ao anoitecer, quando o crepúsculo estava surgindo, todos já estavam até cansados de co
mer e
beber. Escureceria em breve. Resolveram não acender uma fogueira naquela noite. En
tão cada um
pegou uma lanterna para si. A cada minuto o tempo parecia se tornar mais ameaçador
, então seria
mais prudente não acender uma fogueira.
Fizeram uma roda para contarem histórias de terror, mas Luc preferiu não participar.
Não que
estivesse com medo, mas porque acordava solitário aquele dia. Sentia saudades de c
asa, de Thomas,
Erin, Amelie... Já estava a quase seis semanas fora de casa. Decidiu se sentar à bei
ra do lago e ficar
um pouco sozinho, pensando na vida. Pegou sua lanterna e foi. Dali de onde estav
a dava para escutar
pedaços das histórias ridículas que contavam.
Anoiteceu rapidamente e ouviu-se, ao longe, ecoar um trovão. Chuva? Talvez. Mas não
se
preocuparam com isso, continuaram contando os casos assustadores . Até que Luc viu um
feixe de
luz vindo em sua direção. Assustou-se e olhou para trás, ouvindo um longo e vagaroso bu
h em
seguida.
Ahh que bonitinho, o Luc tá com medinho das historinhas de terror, tá? Ohh, tadinho
zombou Cody, que estava acompanhado de Jesse e Seth.
Luc ignorou. Continuou olhando as águas estáticas do riacho.
Que foi? O gato comeu sua língua? Não sabia que gatos comiam língua de veadinhos disse
ele, com uma risada de deboche, que foi acompanhada pelas risadas de seus parcei
ros.
Deixe-me em paz.
Que foi, veadinho? Tá tristinho hoje por quê? É falta de homem?
Vá se foder, Cody.
O semblante de Cody mudou imediatamente. Ficava irado quando Luc reagia a suas i
nvestidas.
Como é que é? perguntou ele, se aproximando.
Cody interveio Seth , o treinador está mandando voltarmos. Já já vai chover e temos qu
guardar nossas coisas. Vamos logo.
Ouvindo o recado e ignorando o tom ameaçador de Cody, Luc levantou-se para ir até su
a
barraca fazer o mesmo.
Vão vocês na frente. Eu e esse gayzinho aqui temos umas contas a acertar primeiro.
Não tenho nada a acertar com você, Cody.
Ahhh, tem sim enfatizou ele, estralando os dedos.
Anda logo, Cody! disse Seth, já indo em direção à barraca, acompanhado de Jesse.
Luc caminhou alguns passos, mas Cody o impediu que continuasse, puxando-o brusca
mente
pela camisa.
Quem você pensa que é pra ficar me respondendo, hein, veadinho? perguntou Cody
ameaçadoramente com a gola da camisa de Luc em mãos.
E quem você pensa que é pra ficar me chamando de veadinho? Sabia que estudos mostram
que homofobia é sinal de homossexualidade reprimida? Acho você está lutando contra alg
o aí
dentro, hã? disse Luc calmamente.
Num movimento rápido, tirando as mãos de Cody de si, concluiu:
E, se você não entendeu, eu disse vá se foder completou silabicamente.
Aquelas palavras deixaram Cody com tanto ódio que era possível ver seus olhos verdes
até
lacrimejarem, de tão vermelhos que se tornaram, assim como seu rosto. E, sem dó ou p
iedade,
movido por sua fúria, Cody, com toda sua força, deu um soco no estômago de Luc, que fe
z com ele
caísse ao chão imediatamente, fazendo até seus óculos caírem de seu rosto. Como golpe de
misericórdia, quando Luc tentava juntar forças para se levantar, Cody desferiu-lhe u
m pontapé que o
fez cair ao chão novamente ao som de um gemido forte de dor.
Quem é veado aqui? QUEM?! gritou Cody, dando mais um pontapé em Luc, que agonizava
ao chão.
Luc, com a barriga latejando de dor e com dificuldade para respirar, pois o golp
e acertou em
cheio seu diafragma, tentou, com a mão, puxar seus óculos, que estavam caídos ao chão, m
as Cody,
colérico, pisou em sua mão e tomou os óculos para si, impedindo que Luc os pegasse.
Quer seus óculos? Vem pegar, seu quatro olhos de merda! disse Cody, se afastando.
Tirando forças das profundezas de sua alma e lutando contra a dor e humilhação, Luc
conseguiu se levantar e suplicar que Cody devolvesse seus óculos, pois sem óculos, L
uc e um cego
eram praticamente a mesma coisa. Mas Cody, que estava furioso e totalmente fora
de si, queria que
Luc sofresse e continuou se afastando.
Já era noite alta, talvez nove ou dez horas. Todos já haviam se recolhido ao comando
do
treinador. Apenas Cody e Luc permaneciam para trás. A chuva que estava ameaçando o d
ia anterior
começava a cair em gotas grossas.
Cody... pelo amor de Deus, devolva meus óculos.
Vem, vem pegar.
A única coisa que Luc enxergava era o clarão da lanterna que empunhava e a margem do
rio. O
vulto de Cody se projetava em sua frente, mas não dava para ver com nitidez. Quant
o mais Luc se
aproximava, na tentativa frustrada de pegar seus óculos, mais Cody se afastava.
Luc quase não tinha forças para andar. Praticamente se arrastava em direção a Cody, que
parecia ficar cada vez mais longe. Até que Cody começou a correr. Correu rumo à mata f
echada. Luc
não poderia perdê-lo de vista, senão ficaria sem seus óculos, mas também não queria voltar,
pois se
preocupava, apesar de tudo, que Cody acabasse se perdendo na mata, afinal de con
tas, Cody era seu
grande amor, por pior que fosse essa verdade. Então, novamente encontrou forças e co
meçou a
correr atrás de Cody, guiado pelo feixe de luz da lanterna e pela silhueta das coi
sas à sua frente.
Viu que Cody não estava tão longe. Entraram na mata e continuaram a correr, enquanto
Cody
ria sarcasticamente e ironizava o sofrimento de Luc, que continuavam suplicando
por piedade. E
correram. Correram.
Luc já não tinha mais forças nem fôlego. Aos poucos, desacelerou os passos até que parou d
e
correr. Já não sabia mais que caminhou Cody tomara e agora estava absolutamente sozi
nho e perdido
por aquela mata. E as gotas de chuva àquela hora já haviam se transformado em tempes
tade, o que o
deixava ainda mais desesperado.
Sozinho, perdido, desesperado, molhado, doído, humilhado e sem saber para onde ir,
pois, além
de tudo, estava sem seus óculos, Luc chorou. Quis, do fundo do coração, morrer ali mes
mo, naquela
mata no meio do nada, cercado de árvores enormes, correndo o risco de ser atacado
por algum réptil,
tendo consigo apenas uma lanterna prestes a queimar, com fome, sede, frio, medo,
sentindo-se a
última das criaturas.
Cody ainda correu mais muitos metros. Cego de ira, já não sabia mais aonde estava in
do.
Apenas percebeu que Luc já não o seguia mais e que agora ele também estava sozinho.
Parou por um instante e pensou. Colocou as mãos sobre os joelhos, respirou ofegant
e e, com o
auxílio da lanterna que carregava, olhou ao seu redor. Não havia nada, apenas árvores
altas e o
barulho incessante da chuva caindo. Sentiu medo. Àquela altura, sua raiva já havia p
assado e agora
parava para analisar a situação.
Meu Deus... O que foi que eu fiz?
E agora? Precisava pensar. Onde estaria Luc? Onde estaria ele? O que haveria naq
uela mata?
Estariam os outros procurando por eles? Para onde ir? O que fazer?
Cody iluminou ao seu redor mais uma vez e procurou por algum lugar para se escon
der da
chuva até decidir o que faria. Nada via, apenas as infinitas árvores, terra molhada
e mato. Caminhou
mais alguns metros e avistou, não muito longe, algo que parecia ser uma choupana.
Ficarei ali até decidir o que fazer pensou.
Mas e Luc? Onde estaria? Sua consciência não permitiria abandonar Luc no meio do nad
a,
ainda mais sem enxergar.
Tenho que encontrá-lo.
Tentando lembrar o caminho que fizera até chegar ali, Cody caminhou de volta, grit
ando pelo
nome de Luc.
Luc!! Luc!!!
Mas não havia retorno. Só se ouvia o barulho da chuva sobre as folhas das árvores. Con
tinuou
caminhando, mas não o encontrava. E seus gritos não tinham resposta. Até que, apurando
os
ouvidos, escutou um som que, mesmo misturado ao barulho da chuva, parecia ser o
choro de uma
pessoa.
Luc!
Sentado sobre uma pedra, aos prantos, soluçando, Luc imaginou ter ouvido alguém cham
ar por
seu nome. Seria mais uma das armadilhas de sua mente?
Luc!
Não! Dessa vez ele tinha certeza! Chamaram por seu nome!
Luc se levantou e tentou encontrar de onde vinha o som, iluminando seu redor com
a lanterna,
que quase não mais iluminava. Então ouviu um barulho entre as folhas e viu surgir um
feixe de luz e
a imagem opaca de Cody logo em seguida.
Luc! Graças a Deus!
Cody correu até Luc, que ainda estava em aparente estado de choque, e o abraçou o ma
is forte
que pode. Nunca haviam trocado nada mais que um aperto de mão formal, mas, dessa v
ez, Cody
voluntária e desesperadamente abraçou Luc com todas as suas forças.
Vem, depressa! disse Cody, puxando Luc pelo braço.
Sem saber o que Cody pretendia e tentando acreditar no que acabara de acontecer,
Luc nada
disse, apenas deixou-se guiar por Cody, que parecia saber o que estava fazendo.
Correram alguns
metros e chegaram à choupana que Cody encontrara minutos antes. Era uma pequena ca
sa de
madeira, feita com vigas grossas. Uma típica casa de floresta, mas que parecia est
ar abandonada.
Entraram. Nela havia pouca coisa. Ao centro, uma mesa com uma lamparina e três cad
eiras de
madeira tosca. Logo ao lado, uma pia sem encanamento, num cubículo ao lado, um vas
o sanitário
sujo e outra pia, sem torneira. Ao canto, uma cama de casal pequena, onde havia
um colchão
rasgado, coberto com folhas de jornal. Num outro canto, um monte de grandes folh
as de árvore
molhadas e nada mais.
Luc se sentou numa das cadeiras da mesa e respirou ofegante. Cody secou os pés no
chão de
madeira. Rapidamente, acendeu a lamparina que estava sobre a mesa com o isqueiro
que sempre
carregava consigo, fechou as quatro janelas do lugar, encostou a porta e passou
a tramela. Estava
congelando de frio. Respirou ofegante e olhou Luc, que permanecia sentado, imóvel.
Aproximou-se.
Iria dizer algo:
Luc...
Mas foi bruscamente interrompido:
Cody, você é um idiota!
Luc, calma...
Calma? Calma?! Olha só o que você fez! Olha onde estamos! Você é louco?!
Cody não conseguia raciocinar.
Qual é o seu problema comigo, hein? Qual? Me diz! Eu nunca te fiz nada! Por que eu
? Por
quê?! O que é que eu tenho, hã?! inquiriu Luc, se levantando e empurrando Cody contra
a parede,
segurando-o pela gola da camisa. Responde!
Tentando controlar a situação que fora criada por ele mesmo, Cody tirou as mãos de Luc
de si
empurrando-o pelo antebraço. Revertendo a situação, impeliu-o gentilmente contra a par
ede
segurando-o pelos ombros. Seus rostos estavam a menos de um palmo de distância. Co
dy tirou os
óculos de Luc do bolso de seu casaco de frio e os colocou no rosto de Luc desajeit
adamente, dizendo
em seguida, em tom brando:
Luc, olha pra mim... Vai ficar tudo bem. Vamos passar a noite aqui e amanhã cedo v
oltamos
ao acampamento.
Luc nada disse. Abaixou a cabeça, ainda arfante, e permaneceu impassível. Cody o abr
açou
novamente.
A chuva continuava caindo insistentemente, mas já não estava tão intensa. Luc se solto
u dos
braços de Cody e caminhou devagar até uma das janelas da cabana. Colocou um braço sobr
e a
vidraça, fechou os olhos e suspirou fundo. Sua barriga já não doía e seu fôlego já estava r
cuperado.
Luc, por favor...
Antes que Cody prosseguisse, Luc meneou a cabeça acenou com a mão para que ele paras
se.
Não tenho mais forças pra discutir com você, Cody.
Mas eu não quero discutir, eu...
Não me importa, Cody, não quero saber.
Luc se afastou da janela. Deu alguns passos atrás e fitou Cody com um olhar desapo
ntado,
dando uma risada frustrada em seguida. Tirou os jornais de cima do colchão velho,
sentou-se na
cama, abaixou a cabeça e cruzou as mãos, apoiando os antebraços sobre os joelhos. Olho
u para o
chão de tacos, meneou a cabeça e disse:
Eu não sei como...
Não sabe como o quê?
Lágrimas impediram Luc de continuar. Não teve coragem de olhar Cody nos olhos;
permaneceu de cabeça baixa. Suspirou, lutou contra as lágrimas e, controlando-as, pr
osseguiu:
Não sei como posso gostar de alguém tão desprezível como você.
Gostar?? perguntou Cody, sem saber do que Luc estava falando.
Luc secou seus olhos com a manga da camisa. Já não se importava com mais nada.
Você estava certo o tempo todo, Cody. Eu sou mesmo um veadinho.
O QUÊ?!
É isso mesmo. E sabe qual a pior parte? O veadinho resolveu se apaixonar justament
e pelo
superman de North Bound. Mas pobre do veadinho que tem medo de historinhas de te
rror, não? O
que é que o superman tem pra ele além de ofensas e socos no estômago? Nada! disse Luc,
ironizando sua própria tragédia.
Cody arregalou os olhos e entreabriu a boca. Não sabia o que pensar.
Você não pode estar falando sério disse ele, incrédulo.
Sabe, Cody? Eu nunca quis que fôssemos amantes, ou melhores amigos, ou qualquer co
isa.
Na verdade, eu nunca quis nem que você soubesse do que eu sinto por você. Mas você não t
em
noção do quanto me dói e o quanto me mata lentamente por dentro saber que tudo que vem
de você é
desprezo. Você não sabe, não faz ideia do que é nutrir um sentimento tão puro por alguém qu
só te
humilha, pisa, maltrata e... Luc interrompeu-se Pra que estou falando isso? Esqu
eci que você tem
uma pedra de carvão cravada no peito, e não um coração, não é? Não deve entender dessas coi
.
Cody cobriu a boca com as mãos. Não esperava que fosse receber uma notícia dessas, ain
da
mais numa circunstância tão inapropriada.
Eu me pergunto, Cody, o que foi que eu fiz, afinal? Luc olhou-o nos olhos.
Cody tentou encontrar as palavras para responder à pergunta de Luc, mas mal conseg
uia
acreditar no que estava ouvindo. Balbuciou algumas palavras, mas não formulou nenh
uma
justificativa plausível.
É, eu já imaginava continuou Luc. Não sei se sinto mais pena de mim ou de você,
sinceramente.
Não diga isso, você não é digno de pena...
Ah, não? Luc arfou. Você diz isso porque não sabe o inferno que se tornou minha vida
desde que você apareceu nela.
Cody permaneceu em silêncio.
Não, não sabe. Luc tirou os sapatos e o casaco molhado. Notou que sob a cama havia u
m
pequeno cobertor empoeirado. Levantou-se, estendeu o cobertor de algodão grosso, s
acudiu-o no ar
duas vezes, ajeitou-se no colchão rasgado e se deitou. Estava exausto. Prosseguiu:
Você não sabe... Às vezes nem eu sei. Não sei se te amo, se te odeio, se quero que me
enxergue e que veja o quanto me faz mal ou se quero que morra e me deixe em paz.
Não sei. Só sei
que estou cansado, de hoje e de tudo.
Luc se ajeitou na cama velha e virou-se para o canto.
Pronto, já acabei. Agora pode contar pros seus amigos . Esmurre-me novamente, se quis
er,
já estou acostumado. Boa noite.
Cody permaneceu estático, sem dizer mais nenhuma palavra. Poderia esperar absoluta
mente
tudo daquela noite malograda, menos uma revelação daquelas. Não conseguia assimilar ta
manha
surpresa.
Aliviado por ter colocado para fora tudo o que sempre guardara dentro de si, Luc
conseguiu
dormir, apesar de tudo. Acordou apenas no dia seguinte, com o cantar dos pássaros
e Cody o
chamando para que acordasse.
Vamos voltar para o acampamento.
Luc procurou por seus óculos, que estavam consigo até a noite anterior, mas não os enc
ontrou.
Levantou-se. Atravessaram os dois a floresta sem trocar nenhuma palavra. Caminha
ram por cerca de
meia hora, até que chegaram à campina, onde foram recebidos por Scott, que já estava t
emendo pelo
pior.
Céus! Onde vocês estavam?! perguntou ele, eufórico.
Por favor, treinador, vamos falar sobre isso depois pediu Luc.
Scott abraçou-os aliviado e agradeceu mais uma vez em voz alta por estarem sãos e sa
lvos. Já
estavam se preparando para voltar para o hotel. A chuva do dia anterior fez com
que todos passassem
a noite dentro do ônibus. Luc ainda ajudou a desarmar as barracas restantes. Pegou
um par de óculos
reservas que sempre carregava por segurança e os colocou. Embarcou no ônibus em silênc
io e se
sentou ao lado de Alex.
O que foi que aconteceu? perguntou Alex, preocupado, querendo entender o que hou
ve na
noite passada.
Uma longa história, meu amigo. Contei tudo a ele.
Contou?!
Luc meneou a cabeça e suspirou.
Cansei disso tudo.
E ele?
Não disse nada, pelo menos ainda suspirou novamente. Foda-se, já não me importo.
Parecia que Luc não estava conseguindo captar a gravidade do que fizera. Revelou s
eus
sentimentos mais íntimos ao pior bad boy de North Bound. Isso poderia acabar com s
ua imagem no
colégio, fazendo com que ele se tornasse alvo de mais e mais chacota. Cody poderia
, ainda,
aproveitar-se disso para agredi-lo e ofendê-lo ainda mais.
Chegaram ao hotel bem na hora do almoço. Luc parecia estar anestesiado. A noite pa
ssada fora
de grandes emoções e tensões, mas lavou sua alma de todo o tormento que vinha vivendo.
Há muito
Luc desejava ter revelado seus sentimentos, mas nunca pensou que fosse ter a cor
agem e valentia
necessárias para arcar com as consequências. Tudo em seu tempo. Não poderia existir op
ortunidade
melhor do que aquela.
Nos vemos no restaurante despediu-se Scott.
Cada um foi para seu quarto. Luc foi à frente. Queria logo tomar um banho e tirar
aquela roupa
ressecada do corpo, almoçar e, depois, dormir decentemente. Banhou-se enquanto Cod
y organizava
suas roupas no armário. Trocou de roupa no banheiro e, ignorando a presença de Cody
no quarto,
saiu em seguida. Foi ao quarto de Rhud. Precisava vê-lo.
Oi, Luc! Entre, entre Luc entrou no quarto. Já estava com saudades! continuou Rhud
,
fechando a porta e abraçando-o forte em seguida. Como foi o acampamento?
Nem me fale, Rhud, nem me fale.
Por quê? Aconteceu alguma coisa?
Aconteceu. Contei tudo a ele.
Rhud já sabia de toda a saga de Luc e Cody. Admirou-se pela coragem de Luc em ter
dito tudo
a ele assim, na cara e sem rodeios.
Permaneceram um tempo juntos. Rhud, além de um bom amigo, era excelente companhia
e
fazia Luc se sentir mais calmo. Ainda estava extremamente chateado com Cody, tan
to pela agressão
física quanto pelo acúmulo de decepções e frustrações. A raiva passara, mas a mágoa permane
.
Após o almoço, Luc já se sentia em condições de falar sobre o ocorrido. Devia explicações a
treinador. Sem se estender muito, disse apenas que Cody fez uma brincadeira de e
xtremo mau gosto
e que os dois acabaram se perdendo na mata. Apesar de tudo, não queria que Cody se
comprometesse nem que fosse punido por isso, embora merecesse. Conversou com Sco
tt e pediu que
nada fizesse contra ele.
A noite chegou e era previsível que essa seria tensa. Ter que dividir o quarto com
Cody após
todo o ocorrido seria árdua missão, que Luc enfrentaria com a valentia que adquirira
nos últimos
tempos. Pretendia chegar ao quarto um pouco mais cedo. Queria ler um pouco para
distrair a cabeça
até que o sono chegasse, mas Cody acabou chegando primeiro. Permaneceu posto à sacad
a do
quarto, observando o céu.
Percebendo a presença de Cody assim que chegou, Luc foi direto pra cama. Desligou
a luz do
abajur e virou-se para o canto, fechando os olhos e respirando fundo. A televisão
estava desligada e
apenas a pálida luz da sacada estava acesa.
Luc ouviu os passos de Cody se aproximando. Prendeu a respiração para se atentar aos
movimentos dele. Surpreendentemente, Cody sentou-se devagar à beirada da cama de L
uc, fazendo
com que um frio percorresse sua espinha. Cody respirou fundo, expirou e disse em
baixo tom,
hesitante:
Luc... Olha... Tsc, que droga.
Parecia não saber que palavras usar. Luc não disse nada, apenas esperou que Cody con
tinuasse.
Eu sei que o que eu fiz ontem foi absolutamente ridículo, mesquinho, infantil, cov
arde... Sei
também que você certamente está muito chateado comigo, mas, mesmo assim, se você consegu
ir, me
perdoe. Por favor.
Cody tocou o ombro de Luc e se levantou em seguida. Desejou um boa noite que não tev
e
resposta. A vontade de Luc era de matar Cody dolorosamente, mas ouvir um pedido
de desculpas
aparentemente tão sincero fez seu coração amolecer por um instante. Apenas por um inst
ante. Eram
muitas feridas a serem cicatrizadas ao mesmo tempo. Aquela era apenas mais uma.
Daquele dia em diante, não foi feita mais nenhuma brincadeira ou comentário qualquer
a
respeito de Luc. Tanto Cody quanto seus amigos cessaram os ataques. Talvez, por
algum motivo,
Cody tivesse mandado que parassem. Ou talvez fossem os jogos. Pararam.
...
Era chegado o grande dia. O jogo que decidiria quais as duas equipes que disputa
ria a final do
campeonato aconteceria.
Capítulo 10

A ansiedade era grande. Toda a equipe já estava no vestiário aguardando o momento de


entrar
em campo. Podia-se ouvir o barulho dos torcedores lá de fora. Parecia haver bastan
te gente. Scott
dava as últimas orientações aos jogadores, que ouviam atentamente cada palavra do trei
nador.
Entraram em campo, finalmente. O estádio estava bem cheio e as torcidas eufóricas. A
equipe
adversária saía do vestiário com expressão desafiadora. Cumprimentaram-se todos com um a
perto de
mão e um voto de boa sorte e a partida foi iniciada.
Os jogadores da equipe adversária eram ágeis. Faziam jogadas rápidas e, pelo visto,
incansavelmente treinadas. Faziam uma marcação acirrada e tornavam difícil a transição do
meio do
campo para o ataque, fazendo com que sua defesa fosse praticamente impenetrável.
Ainda no primeiro tempo, numa jogada rápida, a equipe adversária conseguiu abrir o p
lacar a
seu favor. Um a zero. A torcida vibrou e North Bound começou a se preocupar. A con
quista desse
campeonato era de suma importância para todos ali.
Final do primeiro tempo, nada mais aconteceu. Voltaram ao vestiário e escutaram no
vas
instruções do treinador Scott, que era, de todos, o mais visivelmente preocupado com
o resultado da
partida.
Segundo tempo, hora da virada e do tudo ou nada. De volta ao campo, partida inic
iada. A
equipe adversária, tentando manter o placar em seu favor, trancou o jogo e tentou não
atacar,
dando, assim, mais espaço para que North Bound atacasse e fizesse suas jogadas.
Recebendo um passe perfeito de Seth, a bola parou nos pés de Luc, que tinha ali a
oportunidade
de fazer o gol do empate. Dominou a bola, driblou um centroavante e já estava alca
nçando a zaga,
mas um jogador adversário interrompeu sua jogada, acertando-lhe em cheio um carrinh
o que
atingiu sua panturrilha e o fez cair ao chão.
A queda foi feia e desajeitada. Pego totalmente desprevenido e sem ter tempo de
se posicionar
para cair adequadamente, Luc acabou caindo sobre o próprio braço esquerdo, fazendo c
om que a
velocidade e a pressão do peso de seu próprio corpo o fizessem fraturar instantaneam
ente.
O grito de dor que Luc soltou ao sentir seu osso fraturar foi longo e sofrido. T
odo o estádio fez
um uhhh de condolência, compartilhando com Luc sua dor.
Luc!!!
Todos seus companheiros de equipe vieram em seu socorro, mas não havia nada que pu
desse
ser feito. Os paramédicos do estádio surgiram rapidamente e, abrindo passagem entre
os jogadores,
colocaram-no na ambulância. Precisava ir para o hospital imediatamente e a partida
teria que
continuar sem ele.
...
Luc já se sentia um pouco melhor. Passaria toda a tarde no hospital. Seu braço já esta
va
engessado, Thomas fora avisado e veio até Itýr o quanto antes. Chegou a tempo de enc
ontrar Luc no
hospital. North Bound terminou a partida sem Luc e, sem dúvida, jogaria a final, c
aso ganhasse,
também sem ele. Luc ainda esperava por notícias. Scott, no campo, prometeu que passa
ria no
hospital assim que todos voltassem ao hotel. Não demorou muito e ele chegou.
E aí, Luc?
Oi, treinador.
Como vai, Thomas? cumprimentou Scott.
Bem... Esse garotinho aqui quase me matou de susto, mas tá tudo bem agora.
E o jogo, treinador? perguntou Luc, ansioso.
Vencemos! respondeu Scott, sufocando o grito de empolgação.
Luc sorriu e comemorou. Uma não pena não ter podido participar de toda a partida. Sc
ott deu
detalhes de como foi a disputa e ainda conversou alguns instantes com Thomas, qu
e estava ali
fazendo companhia a Luc e esperando que lhe dessem alta.
Treinador, se não se importa, quero voltar pra casa, já que não vou mais poder jogar.
Tudo bem. Quando te derem alta, passamos no hotel, pegamos suas coisas e seu pai
pode te
levar de volta pra casa.
Ainda naquela tarde, após mais uma breve avaliação médica e conversa com o ortopedista,
Luc
estava liberado e poderia voltar, enfim, para casa. Passou, antes, no hotel para
fazer suas malas.
Vem, pai, vou precisar de ajuda pediu Luc, quando chegaram ao hotel.
Tomaram o elevador e chegaram ao quarto de Luc.
Entraram. Ao fechar a porta, Luc viu que Cody estava deitado, talvez dormindo. T
entou não
fazer barulho.
Ué, você está dividindo o quarto com ele? perguntou Thomas em baixo tom.
Estou. Quer dizer, estava, né? Mas não foi culpa minha, foi ideia do treinador. Me a
juda aqui.
Com a ajuda de Thomas, Luc colocou suas roupas dentro das malas, arrumou o guard
a roupas
que usava e já estava pronto para ir embora, com braço engessado e tudo. Saíram do qua
rto. Luc
trancou a porta, pegou uma mala com a mão livre e avisou:
Pai, preciso me despedir de alguém antes.
Tudo bem.
Subiram alguns lances de escada e chegaram ao sétimo andar. Luc bateu à porta de Rhu
d, que
atendeu prontamente.
Oi, Luc! Nossa espantou-se ele quando percebeu o gesso no braço de Luc. O que foi
isso?
Acidente de percurso. Um carinha da outra equipe me pegou desprevenido, caí sobre
o braço
e deu nisso. Ah, deixe-me te apresentar. Este é meu pai, Thomas. Pai, esse é meu ami
go Rhud.
Prazer em conhecê-lo cumprimentaram-se.
Passei aqui para me despedir, Rhud. Por causa dessa droga de braço quebrado não vou
mais
poder jogar pelo campeonato, então é melhor eu ir pra casa. Eu te ligo quando chegar
.
É, é uma pena. Mas acontece, né? Façam boa viagem. E melhoras para seu braço.
Abraçaram-se rapidamente. Rhud, educado, cumprimentou Thomas novamente e, então, Luc
foi-se. Estranho... Thomas não sabia que Luc tinha amigos daquela idade.
Quem é esse homem, filho?
Um jornalista de Dyesen. Dei uma entrevista a ele e acabamos fazendo amizade.
Luc ajeitou seu braço na tipoia e disse:
Agora eu preciso conversar com o treinador. Pode me esperar lá em baixo, se quiser
, não vou
demorar.
Tudo bem, me dê aqui suas malas.
Luc entregou as malas a Thomas e ele as levou até o hall do hotel, onde permaneceu
esperando.
Luc foi até o quarto de Scott e bateu à porta. Scott atendeu.
Ei, Luc. E aí, se sente melhor?
É, ainda tá doendo um pouco, mas já melhorou.
Não quer entrar? perguntou Scott, abrindo passagem.
Não, obrigado, só passei pra entregar a chave quarto que ficou comigo. Já estou indo e
mbora.
Ah, sim... Scott pegou a chave. Tente passar por aqui pelo menos pra assistir ao
jogo da
final. Ficaremos felizes com a sua presença.
Tá bom, pode deixar. A gente se fala.
Abraçaram-se e se despediram.
Tenho que me despedir do Alex lembrou Luc.
Foi até o quarto dele e bateu à porta. Adrian atendeu.
E aí, Luc?
Oi, Adrian. O Alex tá por aí?
Tá sim. Ô, Alex! chamou ele.
Alex, então, apareceu. Sorriram.
E aí, Luc? Entra.
Não, não, só passei pra dar tchau. Vou voltar pra casa hoje, agora.
Ahhh, que pena... lamuriou Alex. Como tá o braço?
Quebrado riram. Mas vou ficar bem, não se preocupe. Vou ver se consigo passar por
aqui
pra assistir à final. Aí a gente se vê no estádio.
Tá certo... E o Cody? Alguma novidade?
Não, nenhuma. Ele tava dormindo agora, não me viu sair. Mas acho que isso não vai vira
r
nada, não. Pelo menos assim espero Luc suspirou. Bom, vou indo, então. Qualquer hora
a gente
se vê.
Beleza. A gente se fala. Até mais, irmãozinho.
Abraçaram-se.
Luc tomou o elevador e foi de encontro a Thomas, que o esperava no hall do hotel
.
Pronto, podemos ir.
Saíram os dois do grande hotel, entraram no carro e seguiram estrada rumo a Kells.
...

Kells... Finalmente. Depois de horas de viagem e seis semanas de ausência - Kells.


Como era
bom sentir-se em casa, acolhido, perto de seu pai, perto de Erin e de tudo que c
onhecia.
Entraram em casa. Há quanto tempo não pisava naquele chão; há quanto tempo não sentia
aquele cheiro de casa tão familiar; há quanto tempo não deitava em sua cama... Foi dir
eto para o
quarto. Desfez suas malas. Seu braço ainda doía um pouco. Foi tirando de dentro da m
ala todas as
miudezas que levara. Então sentiu falta de seu par de óculos.
Cody... pelo amor de Deus, devolva meus óculos.
Já estava até se esquecendo de um dos dias mais infelizes de sua vida. Dia em que se
sentiu a
mais vil de todas as criaturas, dia em que desenterrou de dentro de si seus sent
imentos mais secretos
e o expôs num ato desesperado.
Que se dane, é só um par de óculos pensou.
Luc começou a organizar suas coisas e depois foi até a cozinha pegar algo para comer
. Viu
Thomas colocando o molho de chaves sobre a estante e fitou-o por um momento. Sen
tira tanta falta
dele durante aqueles quase dois meses. Precisava dele mais do que nunca, mas tem
ia compartilhar
seus pensamentos. Talvez ainda não fosse o momento, ou nunca seria. Foi até ele e o
abraçou,
desajeitadamente.
Senti tanto a sua falta, pai disse.
Também senti a sua.
Não vai à clínica hoje?
Não, vou passar o dia aqui com você.
Fico feliz... Quero ver a Erin.
Vou convidá-la pra vir aqui hoje. Ela vai ficar feliz em te ver também.
Certo. Vou descansar um pouco, tá? Te amo.
Também te amo.
Luc voltou ao quarto e deitou-se. O dia fora bastante cansativo.
À noite, Luc já estava descansado e recuperado de toda aquela tensão. Levantou-se e es
cutou a
voz de Erin lá de baixo. Era bom escutar sua voz agradável novamente. Lavou o rosto
com certa
dificuldade e foi ao seu encontro.
Luc! Que bom te ver!
Oi, Erin. Bom te ver também.
Abraçaram-se.
Mas que pena você ter se machucado faltando tão pouco tempo para a final, hein?
perguntou ela, triste.
É mesmo... Mas acontece. Fica pra próxima.
Gente, vamos jantar? Estou faminto convidou Thomas.
Claro, vamos.
Jantaram ao som de boa conversa. Luc parecia um pouco triste, talvez por ter vol
tado sem
participar das últimas partidas. Por mais que tentasse disfarçar ou não deixar transpa
recer, sua
insatisfação era perceptível. Erin passaria a noite ali. Thomas teria que ir à clínica log
o cedo e não
queria que Luc ficasse sozinho no dia seguinte.
Amanheceu. Luc dormira mais poucas horas. Aproveitou o retorno para casa e reser
vou algum
tempo para se distrair um pouco no computador, arrumar um pouco da bagunça de seu
quarto e ligar
para Rhud no hotel, cumprindo o combinado de que ligaria assim que chegasse. Tho
mas já havia
saído e dava para escutar, do quarto, Erin fazendo café à cozinha. Luc desceu e foi até
lá, sentando-
se numa das cadeiras da mesa da cozinha e suspirando em seguida.
Bom dia! saudou ela.
Bom dia... Dormiu bem?
Muito bem. E você?
Também.
Quer café? ofereceu ela.
Luc balançou a cabeça afirmativamente. Erin pegou uma xícara, serviu-lhe café e se sento
u de
frente a ele, pondo-se a admirá-lo por um instante.
Que foi? perguntou Luc.
Não sei... Tenho a impressão de que você está muito triste. Aconteceu mais alguma coisa
ou é
impressão minha?
Como ela sempre sabia que havia algo errado? Luc não dissera nada até então. Estaria a
ssim,
tão na cara?
Como você sabe que há algo errado?
Porque está na sua cara, ora.
É. Estava na cara.
Luc suspirou novamente. Precisava mesmo conversar com alguém sobre tudo que vinha
acontecendo.
Lembra-se de que eu te contei que sou... gay?
Claro.
Pois então. Eu não te contei de um garoto que... eu amo... mais do que tudo.
Erin fez um olhar de preocupação e curiosidade.
Se quiser falar sobre isso, sou toda ouvidos.
A epopeia de amor e ódio entre Luc e Cody era longa e complexa, cheia de altos e b
aixos, mas
que, ultimamente, andavam muito mais baixos do que altos. Luc a contou cuidadosa
e calmamente,
com detalhes. Gostava demais de Erin, mas tinha a impressão de havia certa barreir
a entre eles em
relação a esse assunto. Ela nunca dissera nada de negativo ou reprovador, mas Luc não
se sentia
completamente à vontade falando sobre isso com ela. Mas precisava compartilhar com
alguém e
seria ela, que se dispôs a ouvi-lo até o fim.
Uau... Que história. Sinto muito que você esteja sofrendo isso tudo em silêncio solida
rizou-
se ela, segurando a mão de Luc. Mas, por pior que ele possa ser a você, não creio que
ele tenha só
maus sentimentos. Se ele te odeia tanto, como o que parece, é porque ele se import
a. Como eu ouvi
uma vez, o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença. Se parece que ele te odeia, é p
ue ele
se importa, senão, não daria a mínima. Entende o que estou querendo dizer?
Entendo... Mas, mesmo assim, é difícil ter que sofrer tudo isso.
Eu sei, querido... Mas o que posso te dizer, novamente, é que tudo passa e de tudo
se tira
proveito, é só ter paciência e segurar as pontas na medida do possível.
É, é no que tenho tentado acreditar. E obrigado por me ouvir agradeceu Luc. Você é
demais.
Imagina. Sempre que quiser conversar, é só me chamar.
A conversa mudou de rumo e os dois terminaram de tomar o café descontraidamente. E
rin
estava se mostrando uma excelente companheira.
Agora preciso ir trabalhar, querido. Depois a gente se fala, sim?
Tudo bem.
Despediram-se e Erin se foi. Luc tirou a mesa do café e voltou para o quarto. Prec
isava ligar
para Amelie para avisar que voltara. Também queria contar a ela sobre si e sobre C
ody. Já estava
passando da hora.
Oi, Amelie.
Oi, Luc! Que saudade! Onde você tá?
To em casa. Já voltei.
Mas por quê? O que houve?
Quebrei o braço e quis voltar... Passa aqui que eu tenho algo a lhe contar.
Tá bem, já estou indo. Até daqui a pouco.
Minutos depois, Amelie chegou. Tocou a campainha e Luc foi atender.
Oooooi Luuuuuc!!! cumprimentou Amelie, abraçando Luc, feliz em vê-lo.
Oi, Amelie. Bom te ver também.
Como você tá, menino? Como foi quebrar esse braço, gente?
Ah, caí de mau jeito. Mas parou de doer, por enquanto.
E o Alex?
Tá bem, também. Devem todos voltar em, no máximo, uma ou duas semanas, acredito eu...
Vem, vamos para o quarto.
Subiram até o quarto. Luc encostou a porta e se sentou na cama. Amelie se sentou n
a cadeira da
escrivaninha do computador.
E o que é que você tem pra contar? Estou curiosa.
Então... É uma coisa muito pessoal e espero que compreenda, certo?
Certo, certo. Conte logo.
Tá bom, vou logo direto ao ponto Luc respirou fundo e hesitou alguns segundos para
criar o
efeito. É que eu... eu sou...
Gay?
Luc fitou-a, interrogativo.
Como você sabe, sua cretina?
Eu sempre soube.
Mas nós nunca falamos sobre isso, ué.
Ai, Luc, eu sou sua amiga, te conheço.
Ah, que sem graça, você acabou com toda a poesia do que eu ia dizer brincou ele. Bom
,
já que é assim, então tem outra. É sobre o Cody.
Você gosta dele.
Mas não é possível!! Como sabe disso também?! exclamou Luc, atirando uma almofada em
direção a ela.
Amelie segurou a almofada no ar e riu.
Ah, Luc, para. Isso tá meio que na cara, não precisa ser muito esperto pra descobrir
. Quando
ele passou mal na sua casa e você me contou, lembra?
Vá conversar com o Alex, sim? Já já o intervalo acaba.
Tá bom... Mas não fique triste, hein? Esse babaca não merece sua tristeza. Aliás, ele não
merece nada que venha de você.
Claro.
Pois é, eu já suspeitava há algum tempo, mas naquele dia eu tive certeza.
Ah, não, Amelie, não tem graça te contar as coisas brincou Luc.
Riram.
Mas não esquenta, Luc, o Cody é um idiota, mas sei que no fundo ele gosta de você.
Você é a terceira a me dizer isso.
Então passe a acreditar Amelie se ajeitou na cadeira e colocou os cotovelos sobre
a
almofada. Agora me conte os babados. Algum gatinho lá no hotel onde vocês ficaram?
Ah, não reparei direito, mas tinha o Rhud. Ahhhh o Rhud... lembrou Luc, suspirando
.
Ahá! Faturou, né? Vamos, conta tudo!
Ambos riram. Agora que Amelie sabia oficialmente sobre Luc, poderiam compartilha
r mais
informações. Contou a Amelie sobre sua primeira experiência homossexual com Rhud, sobr
e sua
aproximação com Alex, suas discussões e decepções com Cody, as vitórias e emoções do
campeonato... Quando Thomas chegou, ainda conversavam.
Anoiteceu, Amelie precisava voltar. Ainda alertou a Luc que não era para ele se pr
eocupar com
o que os outros fossem ou não pensar de sua sexualidade, pois ele era uma pessoa d
e caráter ímpar.
Foi-se embora. A noite prosseguiu calma e serena.
O dia seguinte amanheceu tranquilo. Luc acordou um pouco mais cedo para terminar
de
organizar seu quarto e as últimas coisas que faltavam ser guardadas de sua mala, a
proveitando,
também, para pensar um pouco. Estava ansioso, esperando que o campeonato acabasse
para que
pudesse, enfim, ter notícias da equipe. Mas ainda faltava, pelo menos, uma semana
para que saíssem
os resultados.
Tomou café com seu pai e depois voltou ao quarto para ler um pouco. Até que a campai
nha
tocou. Thomas atendeu à porta e, logo depois, foi até o quarto de Luc e anunciou:
Visita pra você, filho. É aquele seu amigo... Esqueci o nome dele. Vou mandar subir,
tudo
bem?
Tá bom.
Thomas não era muito bom com nomes. Mas a que amigo se referia? Todos os jogadores
da
equipe estavam em Itýr, Rhud idem... Seria alguém do colégio que não fosse do futebol? S
eria Rhud,
que teria vindo do hotel? Luc fechou o livro, posicionou-se na cama e esperou qu
e seu visitante
surgisse. E então, bem diante à porta, ela surgiu, numa postura tímida e retraída.
Cody??
Oi, Luc... Posso entrar?
Claro... Entre.
O que Cody fazia ali? Como conseguiu sair do hotel e ir até a casa de Luc? Luc est
ava
perplexo. Esperava que fosse qualquer visita, menos Cody.
Como conseguiu vir até Kells?
Eu pedi autorização do treinador para passar por aqui. Eu precisava ver como você esta
va.
Ele gosta de você! Do jeito dele, mas gosta. Senão ele seria indiferente.
Se parece que ele te odeia, é porque ele se importa, senão, não daria a mínima.
O Cody é um idiota, mas sei que, no fundo, ele gosta de você.
Eu to bem. Ainda dói um pouco, mas vou superar.
Cody meneou a cabeça. Parecia não saber o que estava fazendo ali. Dava alguns passos
em
círculos e não dizia nada. Segurava um embrulho com as duas mãos e olhava o quarto de
Luc com
olhos cuidadosos e pensativos.
Ah, eu trouxe isso disse ele, entregando o embrulho a Luc.
O que é?
Abra.
Com alguma dificuldade, Luc rasgou cuidadosamente o papel de embrulho, que revel
ou uma
pequena caixa. Luc abriu-a. Eram seus óculos, que foram esquecidos no dia da discu
ssão com Cody
no acampamento.
Eu os guardei no dia em que a gente... discutiu. Acho que eu quebrei uma haste s
em querer,
então mandei arrumar ontem, mas não tive oportunidade de te entregar.
Ah, sim... Obrigado. Não precisava.
Precisava. Aliás... Cody levou a mão até a boca, pensou um instante, suspirou e contin
uou
Nós precisamos conversar, Luc.
Nós não temos nada pra conversar, Cody.
Temos. Temos, sim. Sei que você está extremamente magoado comigo e que também deve
estar com muita raiva, mas, mesmo assim, queria que você me ouvisse.
Cody falava com uma brandura que Luc desconhecia. Por mais que estivesse chatead
o e
profundamente ferido, Luc estava curioso para escutar o que Cody tinha a dizer.
Tudo bem, pode falar.
Cody continuava inquieto e dando pequenos passos errantes. Ensaiou as palavras e
começou a
falar, ainda com aparente incerteza e inconstância:
Há quanto tempo a gente se conhece?
Mas que tipo de pergunta era aquela?
Há alguns anos. Cinco ou seis, talvez, não sei.
É... Acho que durante todo esse tempo eu nunca fui muito legal com você, não é? E
engraçado... Mesmo assim, você nunca me destratou, de forma alguma. Por quê?
Por que está perguntando essas coisas?
Luc, por favor... É importante pra mim.
Porque nós somos pessoas diferentes. Você tem o seu caráter, eu tenho o meu. Julgamos
as
coisas de modos diferentes. Eu não acredito que devolver suas agressões com mais vio
lência vá
resolver nossas diferenças, se é que as nossas diferenças têm solução.
Cody balançou a cabeça e deu um sorriso frustrado.
Você está certo.
Pensou por mais alguns segundos e prosseguiu:
Sabe, Luc? Eu sempre senti uma coisa estranha em relação a você. Não sei bem dizer o que
é... Talvez seja inveja, medo, ciúme, não sei dizer. Nunca consegui administrar isso d
ireito, acho que
é por isso que não nos damos muito bem. Eu sempre quis estar à sua frente, ser melhor,
mais esperto,
mais popular... Mas eu estive pensando: o que isso significa pra mim? O que eu g
anho com isso?
Luc continuava escutando tudo aquilo sem entender nada. Após pequena pausa, Cody
continuou, com um sorriso estranho no rosto.
Aquele dia, quando eu passei mal aqui na sua casa e você me socorreu e depois pass
ou a
noite comigo... Foi a coisa mais bonita que já fizeram por mim. Nem meu pai, nem m
inha mãe, nem
ninguém se preocupou comigo como você se preocupou aquela noite. E acho que não te agr
adeci o
suficiente por aquilo. Pelo contrário, né? Continuei agindo igual a um imbecil.
Luc permanecia com os olhos fixos e indiferentes sobre Cody, ouvindo o que ele d
izia e
tentando entender o porquê do desabafo sem sentido.
Eu me arrependo de tanta coisa que já fiz, tanta idiotice, tanta covardia... Na fe
sta de
aniversário da Amelie, eu não devia ter te empurrado na piscina; eu não devia ter te b
atido no
banheiro do hotel quando você me empurrou no vestiário, no dia do primeiro jogo; não d
evia ter
fugido com seus óculos no acampamento; não devia ter dito aquelas barbaridades na bo
ate... Tsc,
quanta merda eu já fiz.
Cody, pra que isso agora?
Porque eu queria que você me perdoasse, por tudo. Sei que isso que estou te pedind
o é quase
impossível, mas, ainda assim, Luc, me perdoe.
Olha, Cody, muito me admira você ter vindo até aqui me dizer tudo isso, confesso que
estou
muito surpreso com a sua visita, mas... Cody o interrompeu.
Depois que a gente discutiu, lá na cabana, e que você me contou... aquelas coisas, e
u estive
pensando. Pensei muito. E comecei a perceber algumas coisas que eu nunca tinha r
eparado.
Que coisas?
Cody pensou mais alguns segundos.
Eu percebi... que nunca havia me sentido tão bem, tão seguro quanto na noite em que
fiquei
aqui; percebi que o único jeito de ter um mínimo de contato com você era te perseguind
o feito um
louco; percebi que só te convidei para fazer parte da minha equipe pra ter você mais
perto de mim;
percebi que só sei onde você mora porque já te segui, sem motivo algum, quando você vinh
a embora
do colégio... Percebi que o que sempre senti em relação você foi medo.
Mas medo de quê? Eu nunca te fiz mal algum!
Cody sorriu entristecido mais uma vez.
Medo de querer estar sempre perto de você, medo de querer sua amizade, ou medo de
ter
vontade de parar de te atacar... Porque, no final de tudo, acabei percebendo...
que você é a pessoa
mais importante da minha vida, Luc.
Luc levantou uma sobrancelha e se espantou.
Aonde você quer chegar, Cody?
Olhando-o nos olhos, Cody respondeu com voz séria:
Eu te amo, Luc.
Como é que é?!
Isso mesmo que você ouviu.
Mas você...
Eu sou tão veadinho quanto você.
Mas... não é possível!
Sim, é possível. Demorou um bom tempo pra que aceitasse que isso estava acontecendo
comigo... mas agora eu sei que sou assim e que não há nada que eu possa fazer.
Cody fez mais uma pausa.
Num dia eu me vejo como um garoto riquinho, que nunca teve muita atenção dos pais, m
as
sempre teve tudo do bom e do melhor que acabou se tornando um mauricinho revolta
do e prepotente,
cercado de falsos amigos e de gente com medo dele, perseguindo covardemente o ga
roto mais
incrível do colégio... E no outro... Cody conteve as lágrimas E no outro eu percebo qu
e esse
garoto que persigo e espezinho tão covardemente é a pessoa que mais amo nessa vida.
Acha que é
fácil pra mim conviver com tudo isso?
Luc estava sem fala. Não sabia o que pensar ou dizer.
Acha que é fácil ir contra tudo que sempre acreditei? Acha que é fácil ser quem eu sou?
Ter
que fazer coisas que, no fundo, eu não queria fazer, para manter um status, ou par
a me auto afirmar,
ou para tentar passar uma falsa figura de virilidade aos meus amigos , que não ligam
a mínima pra
mim? Acha que é fácil ter um pai que não se preocupa nem em saber onde você vai jogar? V
ocê não
sabe o quanto é difícil, Luc.
Cody não conteve as lágrimas e chorou baixo por alguns segundos, mas controlou-se em
seguida e prosseguiu:
Claro que não. Você tem um pai que te ama, tem amigos, tem um monte de gente legal q
ue te
adora e te admira. Você é forte, eu não. O que eu sou? O mau caráter de North Bound. Um
nome.
Cody Holt. Nada mais... Parece que somos mesmo diferentes, não é?
Cody riu da própria desgraça, respirou fundo, enxugou as lágrimas e concluiu:
Bom, preciso ir. O treinador me deu licença só por dois dias, preciso voltar para Itýr
. Até
mais, Luc. E, por favor, não me odeie, também já estou cansado disso tudo.
Antes que Luc pudesse responder algo, Cody saiu, encostou a porta e foi embora.
Um turbilhão de pensamentos invadiu a cabeça de Luc naquele momento. Sentiu que os
últimos três anos da sua vida, que foram dia pós dia sofridos com a violência de Cody, não
faziam o
menor sentido. Como? Como poderia Cody, com seu coração tão frio e inóspito, dizer que L
uc era
quem mais amava na vida? Se era assim, por que agia como se tivesse o objetivo d
e reduzir Luc a
nada? O que havia de tão errado com Luc?
Todas essas dúvidas e incertezas vieram à cabeça de Luc como um furacão. Não havia o que
fazer, não sabia o que pensar nem o que não pensar. O que seria de agora em diante?
Como seriam as
coisas? Se Cody estivesse mesmo falando a verdade e se toda sua ignorância e indif
erença fossem,
de fato, apenas um sentimento repreendido? Seria essa uma boa ou má notícia? E os am
igos de
Cody? E seus pais? E Thomas?
Thomas... A revelação de Cody fez com que a vontade e necessidade de Luc contar a Th
omas
sua sexualidade explodirem. Faltava oportunidade e essa poderia ser uma das únicas
. Mas não agora.
Thomas estava numa excelente fase do namoro com Erin e, por via das dúvidas, era m
elhor não dar
uma notícia dessas a ele, pelo menos por enquanto.
Luc precisava de tempo. Tempo para pensar, para raciocinar e colocar toda aquela
informação
no lugar e imaginar o que faria daquele momento em diante, afinal de contas, ess
a poderia, ou não,
ser uma nova etapa em sua vida, pois, agora, muitas coisas poderiam acontecer.
Naquele momento, enquanto Luc permanecia paralisado sobre a cama, vendo os últimos
anos
de sua vida passarem em sua cabeça como num filme, ou num pesadelo, Thomas aparece
u à porta e
observou Luc em silêncio. Algo parecia não estar normal.
Luc? chamou.
Não houve resposta. Luc parecia estar em um lapso catatônico.
Luc?
Thomas entrou no quarto. Luc voltou a si e, com a voz trêmula e um nó na garganta,
respondeu:
Oi, pai.
Tá tudo bem? Parece que a visita daquele rapaz não te fez muito bem... Ele fez algum
a coisa?
Luc fechou os olhos e suspirou.
Não, pai, ele não fez nada. O problema sou eu.
Thomas olhou-o preocupado e se aproximou, sentando-se ao lado de Luc na cama, se
gurando
sua mão em seguida.
Como assim o problema é você?
Seria aquele o momento ideal? Luc sentiu vontade de chorar. Aquilo tudo parecia
uma
provação para ver até onde ele conseguiria aguentar. E ele já estava chegando ao seu lim
ite. Já não
sabia até quando resistiria àquele turbilhão de acontecimentos loucos.
É melhor deixar isso pra lá, pai.
Claro que não! Se está acontecendo algo com você, por favor, me diga o que é! Só assim
poderei ajudá-lo.
Ninguém pode me ajudar, pai. Nem você.
Talvez eu possa, basta você se abrir comigo. Qual é, Luc? Nós sempre fomos amigos.
Aquela parecia ser mesmo a hora certa. Luc estava fragilizado e Thomas se mostra
va disposto a
ouvir o que ele tinha a dizer. Então, que assim fosse.
Pai... você sabe que eu te amo acima de qualquer coisa, não é?
Claro, mas por que está dizendo isso?
Porque eu queria que você soubesse.
Tudo bem, mas... não é isso que está te deixando mal.
Não, não é. É uma longa história. Não sei nem se devo contá-la. Na verdade, tenho medo de
contá-la.
Thomas levantou uma sobrancelha e fitou Luc, desconfiado.
Você está me preocupando, meu filho. Diga logo o que é.
Suspirando, lutando contra as lágrimas que estavam para cair, com a voz trêmula e co
m o
coração prestes a sair pela boca, Luc disse calmamente:
Pai, eu sou gay.
Thomas arregalou os olhos e entreabriu a boca, totalmente surpreso. Soltou a mão d
e Luc e se
afastou.
Como é?
É isso mesmo, eu sou gay. Não foi culpa minha, eu não quis ser assim, eu não pedi pra qu
e
isso acontecesse e jamais quis de causar alguma decepção. Sei que sou filho único e de
ve ser muito
desapontante saber que você não terá netos, mas não há nada que eu possa fazer. Desculpa.
Thomas se levantou, deu alguns passos para trás e levou a mão à boca, pensativo. Nenhu
ma
palavra foi pronunciada. Luc olhava para baixo, envergonhado, e Thomas permaneci
a estático,
digerindo a informação. Luc sentiu que não foi uma boa ideia ter contado naquele momen
to, mas era
o que seu coração pedia.
Uau... você me pegou de surpresa disse Thomas, quebrando o silêncio.
Imagino.
E você tem certeza disso?
Atualmente, essa é uma das poucas coisas de que tenho certeza.
E por que você não me disse antes?
Faltou coragem e oportunidade.
Mas se esse era o problema...
Não, esse não é o problema. O problema é consequência disso.
Tem algo a ver com o rapaz que esteve aqui?
Luc suspirou novamente.
Ele é o problema.
Thomas olhou desconfiado e se sentou ao lado de Luc novamente. Perguntou como um
a
aparente ponta de raiva:
O que foi que ele fez?
Era melhor não dar detalhes. Thomas poderia se irritar e, certamente, tirar satisf
ações com
Cody posteriormente. E isso não seria nada bom.
Ele já me maltratou demais, pai. Já me ofendeu, caluniou, humilhou, até me bateu.
Ah eu vou acabar com esse desgraçado! vociferou Thomas.
Não vai, não tentou acalmar Luc. Não precisa, o pior não é isso.
Ah, não?! O que mais ele fez?
Hoje, agora, quando ele estava aqui... Ele disse que fazia isso porque tinha med
o e porque...
ele também é gay. E ainda se declarou, dizendo que eu sou a pessoa mais importante d
a vida dele e
que me ama demais. Mas isso também não é o pior.
Thomas levantou a sobrancelha novamente e cruzou os braços.
E qual é o pior, então?
O pior é que eu também o amo. Muito, muito mesmo.
Mas como você pode amar alguém que só te faz mal, Luc?!
É o que eu me pergunto todos os dias.
Ouviu-se a porta da cozinha abrir. Logo depois, soou a voz de Erin, chamando por
Luc e Cody.
Não havendo resposta, Erin foi até o quarto de Luc, onde estavam os dois conversando
. Erin fitou-os
contente, mas os olhares naquele quarto não eram nada amigáveis. Luc parecia amedron
tado e
Thomas, irado.
O que houve, gente? perguntou ela, preocupada com o clima de tensão que ali pairav
a.
Você sabia, Erin? perguntou Thomas.
Sabia do quê?
Luc e Erin se entreolharam. Luc balançou a cabeça afirmativamente. Ah, claro, era aq
uilo.
Thomas a fitava com um olhar friamente sério.
Ai ai... Sabia, Thomas. O Luc me contou.
Você contou à Erin e não a mim, Luc?!
Thomas, meu bem, acalme-se. Não é tão fácil assim. Você é pai dele e ele não é nada meu,
era mais fácil ter me contado primeiro.
Até onde você sabe?
Eu sei de tudo.
Até a história...
Até a história do Cody, sim.
Thomas fitou Luc com uma expressão indecifrável. Estava se sentindo duplamente traído.
Erin
deveria ter contado o que sabia e Luc deveria ter contado o que sentia. Por que
demorou tanto? Por
que não confiou em seu próprio pai? Thomas parecia não entender que o mundo particular
de Luc
não era algo assim tão singelo a ser compartilhado, mesmo que fosse com seu próprio pa
i. Precisava
contar, primeiramente, a quem já tivesse uma pré-aceitação, coisa que Luc não sabia se cab
ia a seu
pai, preferindo, assim, deixar que ele soubesse por último.
Thomas, seja compreensivo tentava acalmar Erin.
Não adiantava. Por mais que Erin tentasse fazer com que Thomas entendesse o lado d
e Luc, ele
continuava se sentindo menosprezado. Olhava Erin e Luc com um olhar raivoso e, a
o mesmo tempo,
triste, decepcionado pela falta de confiança e pela omissão dos dois.
Nada mais foi dito. Thomas saiu do quarto de Luc, desceu as escadas, pegou a cha
ve do carro e
saiu. Erin ainda foi atrás, tentando descobrir o que Thomas faria, aonde iria, mas
não teve sucesso.
Thomas não disse absolutamente nada, apenas saiu de casa pisando duro.
Erin voltou ao quarto de Luc, que estava deveras desapontado com a péssima reação de s
eu pai.
Não imaginou que ele seria tão intolerante e incompreensivo. Erin sentou-se ao lado
de Luc e o
olhou com um semblante triste:
Depois vocês conversam melhor, ele só está nervoso, vai ficar tudo bem.
Eu sabia que não deveria ter contado. Merda.
Você fez bem. Assim você tira um peso das costas. Seu pai é um cara legal, sei que ele
vai
acabar aceitando.
Luc suspirou, preocupado.
Espero que sim... Vocês são praticamente as únicas pessoas que tenho.
Vai ficar tudo bem, querido. Prometo disse Erin, acariciando os cabelos de Luc.
...
Durante toda a tarde Luc refletiu. Estava até se esquecendo de tudo que Cody lhe d
issera há
pouco tempo. Sua cabeça estava tão atribulada que ele nem sabia mais em que pensar.
Preferiu se
preocupar com seu pai, por enquanto. Onde ele teria ido? Estaria triste, irado,
zangado,
decepcionado? E depois que isso passasse? Como lidaria com a revelação de Luc?
Erin passou a tarde com Luc. Quando Thomas voltou, já era quase noite e o céu começava
a
escurecer. Luc permaneceu no quarto, enquanto Erin conversava alguma coisa inaudív
el com
Thomas à cozinha. Após alguns minutos, Erin retornou ao quarto e anunciou, da porta:

Luc, vou indo, tá? E não se preocupa, vai dar tudo certo.
Quando Erin ia embora, Luc sentia que sua fortaleza era derrubada. Sentia como s
e sua única
proteção estivesse sendo neutralizada. Mas também sabia que não podia ser tão dependente d
o
amparo de Erin e que tinha que enfrentar as coisas de frente. Thomas seria mais
uma dessas coisas.
E, novamente, estavam os dois, pai e filho, sozinhos, ao som do silêncio. Luc temi
a. Tinha
vontade de ir até o quarto de Thomas, mas temia, então preferiu ficar quieto. Quando
Thomas fosse
dormir, Luc iria à cozinha, comeria qualquer coisa e voltaria ao quarto. Amanhã seri
a um novo dia.
Já estava com fome, mas não queria correr o risco de sair do quarto e enfrentar os n
ervos de seu pai,
pelo menos por hora.
De repente, silenciosamente, Thomas apareceu à porta do quarto de Luc, dando três ba
tidas à
madeira e pedindo licença.
Será que a gente pode conversar?
Oh, não... O que Luc queria acreditar que não fosse acontecer acabou acontecendo: Th
omas foi
até ele.
Claro.
Thomas entrou no quarto e se sentou à beirada da cama. Luc mexia no computador. De
sligou a
máquina e encarou seu pai de frente.
Olha, primeiramente, eu quero me desculpar pela minha estupidez de mais cedo. Eu
estava
muito nervoso e surpreso e...
Tudo bem, pai, não precisa se desculpar. Já passou.
Thomas se levantou da cama e estendeu a mão.
Levante-se.
Sem questionar, Luc se levantou. Thomas colocou as mãos sobre os ombros de Luc e d
isse:
E eu quero que você saiba que sua sexualidade não me diz respeito. O que me importa é
sua
felicidade. Eu e sua mãe te criamos para que você se tornasse um homem de caráter e is
so você já é.
O resto não cabe a nós, é sua vida, sua história, seu caminho. Apesar de ela não estar mai
s aqui entre
nós, sei que ela diria o mesmo. Sei que antes de você ser... gay... você é muitas outras
coisas. Você é
ser humano, é meu filho, é um bom amigo, é inteligente, é esperto, é educado... Não vamos c
locar
sua sexualidade à frente disso tudo, que é o que mais importa, não é?
Thomas sorriu complacentemente e bagunçou os cabelos de Luc.
Agora vem cá, me dá um abraço.
Pai e filho trocaram um abraço longo e caloroso. Luc sentiu-se aliviado. Como era
reconfortante saber que teria o respeito e aceitação de seu pai.
Obrigado, pai, por ser tão legal. Queria que todos tivessem um pai como você.
Mas só quero que você me prometa uma coisa.
O quê?
Nós somos amigos. Quando estiver com qualquer problema, qualquer problema, quando
brigar com um amigo, com um namorado... sei lá, quando estiver precisando conversa
r com alguém,
desabafar, chorar, conte comigo.
Tá bom. E me desculpe por não ter te contado antes, mas é que não é fácil.
Tudo bem, não se preocupe. Agora vamos jantar, porque você ainda tem que me contar
direito a história daquele rapaz.
Thomas comprara duas pizzas para o jantar. Já sabia desde que saiu que a última refe
ição do
dia seria acompanhada de uma conversa atípica, então decidiu comprar algo que Luc ad
orava, para
que ele se sentisse mais confortável para conversar. E assim foi.
Contar, pela enésima vez, aquela saga ao seu próprio pai fazia Luc se sentir estranh
o. Aquele
era um segredo que ele guardava a sete chaves e que, agora, vinha expondo com re
lativa frequência.
Tentou poupar alguns acontecimentos, afinal, não queria que seu pai se virasse con
tra o amor de sua
vida. E, por mais estranho que pudesse parecer, Thomas estava demonstrando grand
e interesse em
saber de tudo que vinha acontecendo com Luc. Pedia detalhes, nomes, lugares, tot
almente despido de
qualquer aversão ou preconceito, o que deixava Luc um pouco mais confiante.
Hahahahaha! gargalhou Thomas Não acredito que você ficou com aquele cara do hotel,
meu filho!
Ai, pai, para, tá me deixando sem graça!
Mas aquele cara tem idade pra ser seu pai, que nem eu! Ou vai me dizer que você go
sta de
caras mais velhos?
Luc ruborizou instantaneamente, enquanto Thomas continuava rindo.
Amigos meus da Internet contando que os pais praticamente os expulsaram de casa
quando
descobriram e você me perguntando se eu gosto de caras mais velhos...
Thomas riu novamente.
Mas é claro, eu amo meu filho independente de ele gostar de caras mais velhos ou m
ais
novos.
Pai! Vai ficar tirando onda com a minha cara por causa disso, é?
Tá bom, desculpa. Pode continuar.
A parte da conversa que dizia respeito a Cody foi um pouco mais tensa e séria. O o
lhar que
Thomas fazia enquanto contava episódios avulsos de sua saga inferia que ele matari
a Cody na
primeira oportunidade. Mas quando Luc citou os últimos acontecimentos, a expressão d
e Thomas
mudou. Transformou-se num olhar preocupado e analítico, que expressava a surpresa
da revelação
inesperada de Cody.
E foi isso... Agora eu não sei o que vai ser.
Ué, se ele gosta de você e você gosta dele, vocês têm mais é que ficar juntos.
E esquecer tudo que ele já fez?
Esquecer não, meu filho, perdoar.
Não é tão fácil assim. São muitas mágoas que eu carrego, pai. Eu não sei se conseguiria e
com alguém que já me fez tanto mal.
O perdão faz bem à alma, meu filho.
Não sei se sei perdoar. Não isso.
É claro que sabe! Você tem um coração enorme, é só se esforçar um pouco.
Ah, sei lá, preciso pensar.
Claro, te entendo.
Mas pai, mudando um pouco o rumo da conversa, com sinceridade, você não fica nem um
pouco desapontado, ou envergonhado, ou sei lá, frustrado por eu ser... gay?
Thomas suspirou. Olhou para a janela da cozinha, deu um sorriso sereno e disse:
Quando eu estava na faculdade, um pouco antes de eu conhecer sua mãe, eu tinha um
amigo
chamado Troy. Estudamos juntos por três ou quatro anos, não me lembro. E éramos amigos
mesmo,
de todas as horas e situações. E ele era gay. Eu jamais desconfiaria, mas um dia ele
me contou.
Primeiramente eu fiquei muito chateado, porque comecei a achar que ele daria em
cima de mim, me
desrespeitaria, tentaria me colocar na vida , como dizia ele, e essas coisas. Mas n
ada disso
aconteceu, e as coisas entre nós continuaram do mesmo jeito. E depois, com o passa
r do tempo, acho
que ele me ensinou a lidar com isso. Confesso que, no começo, eu me sentia como vo
cê disse,
revoltado, envergonhado, desapontado, porque achei que fosse perder meu melhor a
migo, mas
depois... depois eu passei a achar isso tão normal, que passei a me sentir envergo
nhado não porque
meu melhor amigo era gay, mas porque, um dia, eu pensei em abrir mão da amizade de
le por causa
disso.
Thomas suspirou novamente.
Mas quando concluímos nossos cursos, ele foi para outra cidade tentar exercer a fo
rmação
dele num lugar maior, e então perdemos contato. Ainda nos falamos por telefone alg
umas vezes,
mas, no fim, nunca mais nos vimos.
Thomas riu.
Sabe que até cheguei a pensar que gostava dele?
Sério?
Sério! Eu o amava como a um irmão, sabe? Ele foi um dos poucos amigos com A
maiúsculo que tive. Um dos poucos e, talvez, o primeiro, porque eu nem sempre fui
desse jeito que
você me conhece. Quando eu era jovem, era bastante irresponsável, só queria saber de f
esta, não me
preocupava com nada... A única coisa a que eu me dedicava era à faculdade, porque er
a algo que eu
realmente queria. Foi aí que eu conheci o Troy. E engraçado que nós éramos totalmente di
ferentes
um do outro, sabe? Ele era todo responsável, sério, comprometido, enquanto eu era re
laxado.
Aprendi muito com ele. Por isso eu pensei que estivesse afim gostando dele além da
conta quando
ele me contou; porque o amor a admiração que eu tinha por ele, por ele ser tudo que
ele era, eram tão
grandes que me confundiram um pouco. Mas era só coisa da minha cabeça. Depois conhec
ia sua mãe
e algum tempo depois veio você, aí as coisas mudaram de rumo.
E você nunca tentou reencontrá-lo?
Como? Quando você nasceu, nós já tínhamos perdido contato, então faz mais de dezessete
anos que não temos mais contato... Mas tudo bem Thomas se levantou e tirou os prat
os da mesa ,
a vida é cheia de separações mesmo, não é?
É verdade.
E você tem que decidir logo o que vai ser da sua vida com esse... Como é mesmo o nom
e
dele?
Cody.
Isso. As aulas já acabaram, vocês não vão mais se ver no colégio ano que vem, hein?
Luc não tinha pensado nisso.
Eu sei... Vamos ver o que acontecerá.
...
Uma semana se passou. Nesse tempo, a relação entre Luc e seu pai se tornou ainda mai
s forte e
leal. Ao contrário do que Luc imaginava, sua revelação acabou os aproximando ainda mai
s.
Luc também recebeu uma ligação de Alex. Ficou feliz em ouvir a voz de seu bom amigo. A
lex
ligou para avisar em que data e horário aconteceriam a última partida do campeonato,
já que Luc
havia dito que faria o possível para assistir ao último jogo, por mais que não estives
se participando
com o restante da equipe.
No início da semana seguinte, Luc tirou o gesso do braço. Faltavam apenas mais dois
dias para
a grande final do campeonato e a excitação já estava a mil!
Capítulo 11

Vem, Luc, anda logo!


To indo, to indo!
Luc trancou as portas de casa. Erin e Thomas já estavam dentro do carro o esperand
o. A
viagem era um pouco longa e teriam que ir rápido para que não chegassem atrasados ao
estádio.
Pronto, podemos ir disse Luc, entrando no carro.
Então vamos.
Thomas ligou o carro e deu partida. Estavam os três bastante empolgados com a part
ida. Era
uma pena que Luc não estivesse indo como competidor, apenas como expectador. Ainda
assim, a
emoção era a mesma. Tomaram a estrada e seguiram rumo à cidade de Itýr.
O percurso foi silencioso. Luc olhava o asfalto passando por seus olhos, Thomas
dirigia atento
e Erin parecia pensativa.
Luc, meu bem... disse ela, interrompendo o longo silêncio.
Hum?
O que vai fazer quando esbarrar com o Cody lá? Já pensou nisso?
Já... Não sei o que vou fazer.
Vai conversar com ele disse Thomas, sem tirar os olhos da estrada.
Não sei, pai.
Você não vai ficar fugindo dele pra sempre, vai?
Não é fugir, eu só não quero encará-lo, pelo menos ainda.
Isso é fugir, Luc concordou Erin. Vocês têm que se entender, poxa. Vocês se gostam.
Pra vocês é tão fácil... Há um mês eu era vítima dele e há uma semana ele se declara pra
mim? Como acham que fico no meio disso?
Bom, faz o que você achar melhor concluiu Thomas.
Também acho finalizou Erin.
Após cerca de duas horas e meia de viagem, chegaram, então, à cidade de Itýr. Luc deu as
instruções para que chegassem até o estádio. Pensou em, antes, passar pelo hotel para ve
r se Rhud
ainda estava por lá, mas não daria tempo, então foram direto para o estádio.
Havia bastante gente à entrada e os portões ainda estavam fechados. Thomas estaciono
u o carro
e todos desceram. Compraram os ingressos e, alguns minutos depois, os portões fora
m abertos.
Vamos depressa pra gente pegar um lugar bom disse Luc.
Entraram no campo e procuraram por um lugar nas primeiras fileiras da arquibanca
da. As duas
equipes já estavam em campo. A equipe adversária era Akaland School, um dos maiores
colégios de
Itýr, que, inclusive, era proprietária desse pequeno estádio onde estavam sendo realiz
ados todos os
jogos. Portanto estavam jogando, literalmente, em casa.
Acomodaram-se.
Preocupado e ansioso, Luc procurou por seus companheiros de equipe com os olhos.
Viu
Jamie, Adrian, Patrick, Mark saindo do vestiário, mas não viu Cody.
Não é possível que ele não esteja jogando.
A comissão arbitrária chegou e os árbitros se posicionaram em seus devidos lugares. As
equipes se colocaram em suas posições no campo e o alto falante do estádio anunciou:
Preparem-se! A partida está para começar!
Os comentaristas da partida continuaram conversando e falando coisas aleatórias en
quanto os
treinadores faziam considerações finais com seus jogadores nas laterais do campo.
Olha ali o Cody! disse Thomas, apontando a saída do vestiário.
Luc olhou imediatamente. Ali estava ele, com um olhar preocupado, caminhando a p
assos
largos em direção aos demais.
Nossa! Ele é lindo, hein? exclamou Erin, que ainda não o tinha visto.
Luc sorriu e corou.
Sim... Como ele é lindo...
E vai começar! ouviu-se mais uma vez dos alto falantes.
Todos os jogadores tomaram suas posições no campo. O árbitro tirou a sorte para ver qu
al das
equipes começaria. Akaland. O apito soou e deu-se início à partida.
O início do jogo foi travado. As equipes jogavam na defensiva, pois ainda não sabiam
o que
esperar uma da outra. Das laterais, ambos os técnicos, desesperados pela vitória e p
ela conquista do
título, gritavam a suas equipes instruções de ataque e defesa, mas os jogadores, nervo
sos, pareciam
não se atentar ao que os técnicos diziam. Porém, a equipe adversária parecia mais confia
nte e segura,
o que dificultava o jogo.
Da arquibancada, Luc assistia aflito e ansioso à partida que daria o título a uma da
s finalistas.
Fim do primeiro tempo, nenhum gol, muita emoção. Luc suava. Por mais que não estivesse
jogando, o espírito de equipe fazia com que seu coração estivesse ali, em campo.
Os jogadores voltaram aos vestiários para se prepararem para o segundo tempo. Scot
t voltou
antes dos demais atletas. Olhou para a torcida com um sorriso contido. E no meio
daquele
amontoado de pessoas que ali estavam, seus olhos encontraram, por acaso, os de L
uc, que acenou
alegremente.
Ei, Luc! gritou Scott, do campo.
Luc respondeu ao aceno e ao brado de saudação.
Vem pra cá!
Não dá! respondeu Luc.
Vai lá, filho incentivou Thomas. Eu fico aqui com a Erin. Vai!
Luc sorriu, contente. Desceu os degraus da arquibancada se esquivando de quem al
i estava.
Scott acenou para que os seguranças do campo deixassem que Luc passasse. Pulou a g
rade de
contenção e entrou em campo. Foi de encontro a Scott e o abraçou fortemente.
Que bom que você veio, meu garoto!
Pois é, eu não poderia deixar de vir.
E como você está?
Ótimo, pronto pra outra.
Haha!
Quando os jogadores já estavam saindo dos vestiários para começarem o segundo tempo, u
m
dos comentaristas disse, através do alto falante:
E parece que a equipe North Bound recebeu uma visita especial hoje! É o jogador Lu
c
Wessels, que fraturou o braço e precisou abandonar o campeonato. Será que ele já está be
m, Nick?
Parece que sim, Carter! respondeu o outro comentarista. Será que os companheiros d
e
equipe sentiram muito a falta dele?
Eu não sei, não! Mas vamos ver o que reserva esse segundo tempo!
De longe, Luc já avistava Alex, Jamie e os outros. Quando o viram, todos vieram ao
seu
encontro.
Luc!
Alex!
Que bom que você veio, cara! disse Alex, abraçando Luc alegremente.
Pois é, saudade de vocês! E aí, Jamie?
Como tá, Luc? E o braço?
Já está bem, tirei o gesso anteontem.
Todos se juntaram ao redor de Luc para recepcioná-lo.
E aí, Luc?
E aí, Adrian? Como tá?
Melhor impossível, haha!
Os únicos que não se manifestaram foram, como sempre, a turma de Cody Jesse e Seth q
ue
permaneceu de cara amarrada o tempo todo.
Oi, Luc.
Oi, Cody.
Cody conteve o sorriso.
Bom te ver.
Bom te ver também.
Vamos, rapazes, vai começar!
Todos voltaram às pressas para o campo. Luc se sentou junto aos jogadores reservas
para
assistir o jogo de dentro do campo.
O segundo tempo foi sofrível. As duas equipes começaram a temer pelo término da partid
a em
pênaltis. Começou, então, a mudança tática para o ataque. North Bound dava o melhor de si,
mas a
equipe adversária também estava muito bem treinada e era quem fazia a maioria das jo
gadas mais
ousadas.
Meia hora de jogo e nada. Luc já estava aflito. Se a partida fosse para os pênaltis,
as chances de
venceram a competição seriam neutralizadas e tudo passaria a ser uma questão de sorte.
Mas aos
trinta e cinco minutos de partida, numa jogada brilhante com Jamie e Jesse, a bo
la parou nos pés de
Cody, que conseguiu marcar o único gol da partida.
A torcida toda gritou goool! e todos aplaudiram e comemoraram junto a Cody. Àquela a
ltura
da partida, seria muito difícil que Akaland fizesse um gol, quanto mais dois. E, d
e fato, isso não
aconteceu. A vitória já era de North Bound.
Os últimos dez minutos da partida foram de desespero para Akaland e muito alívio par
a North
Bound. Enquanto os comentaristas prediziam a vitória da equipe, os adversários tenta
vam, em vão,
empatar o jogo. Mas o juiz soprou o apito e consagrou a vitória a North Bound.
Ganhamos! Ganhamos! gritavam todos.
Sim, ganhamos! concordava Scott, abraçando a todos.
Os jogadores reservas invadiram o campo e foram de encontro aos demais para come
morarem
a vitória. Luc olhou para a arquibancada e procurou por Thomas e Erin. Estavam no
mesmo lugar,
comemorando com o resto da torcida.
Vai lá! gritou Erin, incentivando que Luc se juntasse a seus companheiros. A gente
te
espera no carro depois!
Luc acenou positivamente e correu até o meio do campo, se juntando ao abraço coletiv
o dos
demais, que gritavam:
North Bound! North Bound!
Após a entusiasmada comemoração, as duas equipes voltaram ao campo e, ao som do hino d
e
North Bound, receberam suas medalhas de Honra ao Mérito e o troféu da competição. Muitos
aplausos, muita celebração e, principalmente, muita felicidade por estar cumprindo e
ssa missão.
O estádio foi esvaziando enquanto as equipes se retiravam do campo.
Vamos para o vestiário, rapazes. Depressa, pois voltamos a Kells ainda hoje disse
Scott.
Acabaram as comemorações, todos foram para o vestiário. Luc foi conversando com Alex e
Jamie, que o contavam as coisas que tinham acontecido enquanto esteve ausente. T
odos tomaram
uma ducha e trocaram as roupas da partida. Arrumaram seus armários, guardaram suas
chuteiras e já
estavam prontos para voltarem ao hotel.
Venham, vamos para o ônibus. Só falta fechar a conta do hotel e estamos liberados di
sse
Scott.
E todos foram saindo do vestiário. Os últimos a saírem foram Luc, Jamie e Cody.
Você vem com a gente, Luc? perguntou Jamie.
Não, estou com meu pai. Mas a gente se vê em Kells, sim?
Beleza. Até mais, então.
Até.
Jamie seguiu para o ônibus. Luc e Cody ficaram, então, sozinhos. Cody terminava de a
marrar o
cadarço de seus tênis e já estava para sair. Levantou-se e tentou não encarar Luc, que p
arecia estar ali
esperando por ele.
Ei, Cody chamou Luc.
Cody parou e fitou Luc, um tanto sem graça.
Oi, Luc.
Luc se aproximou.
Foi uma ótima partida.
É...
Graças a você nós vencemos.
Ah, também não é assim... Todo mundo jogou muito bem.
Luc sorriu. Cody parecia envergonhado e temeroso.
Posso te dar um abraço? perguntou Luc.
Cody o olhou interrogativo.
Eu sei que as coisas entre a gente são meio complicadas, mas eu queria te parabeni
zar mesmo
assim... Posso?
Claro.
Luc sorriu. Aproximaram-se e, então, se abraçaram calorosamente.
Precisamos terminar aquela conversa que começamos lá em casa disse Luc em voz baixa
ao
ouvido de Cody.
Cody consentiu em silêncio.
Mas vamos deixar isso pra depois. Agora vá, que o treinador está te esperando. Até mai
s.
...
Finalmente, de volta a Kells com o alívio e a felicidade de ter conseguido conquis
tar o título do
campeonato intercolegial.
Na manhã do dia seguinte, houve uma solenidade em North Bound. Todos os jogadores
foram
homenageados e condecorados como verdadeiros heróis. Estavam presentes os familiar
es de todos os
jogadores, alunos, professores, supervisores e diretores. Todos os atletas receb
eram um belo discurso
e mais medalhas de honra ao mérito.
E, para comemorarmos essa tão sonhada conquista, vamos fazer uma grande festa logo
à
noite anunciou o diretor do colégio. Espero que estejam todos aqui e que aproveite
m e se
divirtam. Obrigado por terem vindo, pessoal. Até mais.
O diretor se retirou do púlpito ao som dos aplausos de todos ali presentes.
Você vai nessa festa, né, Luc? perguntou Amelie.
Ainda não sei.
Ah, não, Luc, nem começa. Vai sim e ponto final. E vista sua melhor roupa, hein? Tem
que
ficar bem bonito pro Cody.
Vai te catar, Amelie.
A tarde foi de expectativa. A festa da noite parecia aguardar grandes emoções.
Quer que a gente vá com você, filho?
Não precisa, pai. Eu vou sobreviver.
Luc se arrumou com esmero. Seguiu o conselho de Amelie e se aprontou com caprich
o. Em
pouco tempo, já estava pronto.
Podemos ir.
Uau, tá um gato! elogiou Erin.
Ah, imagina, to o de sempre respondeu ele, enrubescido.
Então vamos. Você vem com a gente, Erin?
Não, podem ir. Eu espero aqui.
Então já volto.
Thomas e Luc entraram no carro e seguiram a North Bound.
Como vão as coisas com o Cody? perguntou Thomas enquanto dirigia.
Na mesma.
E vai continuar na mesma hoje?
Ainda não me decidi, pai.
Minutos depois, chegaram.
Quando quiser que eu te busque, é só me ligar.
Tá bem, até mais tarde.
Luc desceu do carro e Thomas voltou para casa. Olhou a fachada do colégio e sentiu
um frio na
barriga. Caminhou até a entrada, apresentou seu cartão e entrou. Cumprimentou alguns
conhecidos
que estavam no pátio da escola e foi direto ao salão de eventos, onde aconteceria a
festa.
Ei, Luc.
Luc se virou.
Oi, Jamie! respondeu ele com um sorriso receptivo.
E aí, cara, como tá?
Tudo bem, e você?
Também, também. To louco pra ver logo as gatinhas da festa. E você? perguntou Jamie,
rindo.
Amn... Não.
Por que não? Prefere os gatinhos? brincou.
Luc sentiu um frio na barriga e seu coração disparou. Olhou de soslaio e ponderou o
que
deveria dizer, mas acabou não fugindo da resposta.
Prefiro.
Sério? perguntou Jamie, surpreso.
Sério.
Hahahahaha! Que da hora!
Que da hora ?
Por que da hora?
Por que é legal, ué. Nunca tive um amigo gay, você vai ser o primeiro. Que da hora!
Sei.
Então você não tá louco pra ver os gatinhos, tá louco pra ver o Cody, né?
COMO É QUE É?!
Ué, vai dizer que é mentira?
De onde você tirou isso?
Ah, Luc, nem vem. Eu sempre soube que vocês dois tinham uma coisa um pelo outro.
Um pelo outro?
É claro. Ou você acha que essa de implicância dele contigo é sem propósito?
Eu não acho nada, Jamie. Aliás, acho que preciso urgentemente rever meus conceitos s
obre
discrição.
Jamie riu alto.
Mas não esquenta, Luc, dou o maior apoio, viu? Vocês fazem um casal bacana.
Tá bom, Jamie, vamos entrar.
Entraram no salão. Estava tudo impecavelmente organizado. A decoração trabalhada em to
ns
roxos e brancos, luzes negras, mesa de som, o símbolo do colégio estampado em todas
as mesas.
Àquela hora, já havia bastante gente dançando na pista, que ficava no primeiro piso, e
outro tanto de
gente sentada às mesas no segundo.
Mas isso aqui já tá cheio, hein? gritou Jamie, em meio ao barulho.
Pois é! Vamos nos sentar num dos bancos do bar.
Atravessaram o salão, passando entre todos que ali dançavam e estavam e foram até o ba
r.
Sentaram-se em dois dos bancos livres.
E aí, Luc? Vai querer o quê? perguntou o barman.
Água tônica.
E você, Jamie?
Uma cerveja.
Todos os jogadores de North Bound eram conhecidos pelo nome.
Jamie e Luc ficaram ao bar conversando um bom tempo. Jamie parecia estar bastant
e
interessado no universo gay. Enchia Luc de perguntas de toda sorte. E Luc, mesmo
espantado com
tanto interesse, respondia a todas naturalmente.
Hahaha! É bom ser gay, cara?
É ótimo.
Por quê?
Luc tomou mais um gole de sua água tônica enquanto Jamie já estava na metade da segund
a
lata de cerveja.
Gays são homens, agem como homens, mas têm um quê de sensibilidade feminina, então
percebem as coisas de uma maneira mais sensível, menos racional, logo, decidem um
pouco pelos
dois. Sem contar que temos a mente muito mais aberta, livre de preconceitos e es
sas coisas.
Noooossa! Que demais! Quero ser gay também, me ensina?
Ih, pronto... Acho melhor você parar de beber.
Passados alguns minutos, Amelie e Alex chegaram, juntos. Procuraram por Luc e o
encontraram sentado ao bar com Jamie.
Oi, Luc, oi, Jamie.
Oi, gente. Como estão?
Tudo ótimo, e vocês? Chegaram há muito tempo?
Não, há uma meia hora, mais ou menos.
A gente vai se sentar lá em cima, tá? Qualquer coisa, estamos lá!
Tá bom, até mais.
Até.
Amelie e Alex subiram e Jamie e Luc permaneceram ao bar. Após mais alguns minutos,
Jamie,
que estava ficando, de fato, bêbado, disse:
Luc, vou dar uma volta, vou ver se descolo alguma gatinha. Já já estou de volta, bel
eza?
Vai lá.
Jamie saiu do bar e se misturou aos demais que dançavam na pista. Luc pensou em se
juntar a
Amelie a Alex, mas achou melhor deixar o casal a sós, afinal, Alex acabara de cheg
ar de viagem e os
dois mereciam passar um tempo juntos.
Mais uma hora se passou e Luc continuou ali, sentado ao bar, ouvindo a música e co
nversando
com o barman, que era seu conhecido de outrora.
Oi, Luc disse alguém que se sentou ao lado de Luc.
Luc se virou para responder ao cumprimento e se surpreendeu ao ver que era Cody
quem havia
sentado ao seu lado.
Oi, Cody... Tudo bem?
Sem olhar os olhos de Luc, Cody respondeu afirmativamente meneando a cabeça. Pediu
um
copo d água ao barman e a tomou num gole só.
Vamos terminar nossa conversa?
Aqui? Com esse barulho?
Não. Vamos até o campo de futebol, lá não tem ninguém.
Luc concordou. Saíram os dois pelos fundos do salão e foram até o campo de futebol.
Caminharam em silêncio até lá e se sentaram no quarto degrau da arquibancada. Fazia fr
io. Luc
colocou as mãos nos bolsos da jaqueta e Cody cruzou os braços.
E então? perguntou Cody O que queria terminar de conversar?
Luc suspirou fundo.
Eu não esperava receber sua visita aquele dia.
Eu sei... E me desculpe, não quis te causar mais problemas.
Não causou, mas fiquei muito surpreso com tudo que você me disse.
Cody abaixou a cabeça e soltou um gemido de preocupação.
Eu sei que não é fácil. Também não é pra mim, mas eu precisava desabafar, já estava prest
a explodir.
Mas por que, então, Cody? Por que tudo isso se você gosta tanto de mim?
Porque eu sou um idiota! Você me fazia... e faz... sentir coisas que eu não queria sen
tir; não
por você. E depois daquela discussão no acampamento eu percebi o quão imbecil estava s
endo.
E qual o problema comigo? O que é que eu tenho demais? perguntou Luc, inconformado
.
Cody fez breve pausa e prosseguiu em seguida:
Eu sempre fui assim, meio rebelde... E eu sempre dava um jeito de descontar em a
lguém. Aí
acabei escolhendo você, que sempre foi tudo que eu queria ser, mas não podia. Você sempr
e foi
gentil, educado, carinhoso... E eu? Eu sempre fui uma pedra tosca, nunca pude de
monstrar nada por
ninguém respondeu Cody, triste.
E por que não?
Meus amigos , meus pais, minha criação, meus próprios preconceitos, minha fama, que,
apesar de ser péssima, é uma das poucas coisas que faz com que eu me sinta alguém... C
ody
suspirou. Sei lá, essas coisas. Mas eu cansei disso tudo, isso não sou eu. Parece qu
e estou sendo
escravo de mim mesmo, já estou farto disso.
Luc meneou a cabeça novamente.
E o que você espera que eu faça?
Não sei.
Fizeram breve silêncio.
E o que você espera que eu faça? perguntou Cody. Eu não posso voltar no tempo. Se eu
pudesse...
Se eu pudesse interrompeu Luc , faria de tudo pra não me apaixonar por você.
Cody sorriu entristecido e desviou o olhar.
É triste ouvir isso.
Mas é a verdade.
Eu sei, não tiro sua razão. Eu não valho nada mesmo, não sou digno dos seus sentimentos.
Isso não é verdade.
Claro que é... Você é um cara fantástico, eu... tsc, eu sou um imbecil.
Não diga isso.
Fez-se silêncio novamente. Cody virou o rosto e segurou as lágrimas.
Não chore, Cody, por favor.
Luc colocou a mão nas costas de Cody e o acariciou. E então Cody chorou, limpou sua
alma.
Luc o acolheu em seus braços e deixou que ele desabafasse.
Não fique assim, Cody, já passou.
Tá vendo? Cody arfou, enxugando suas lágrimas. Depois de todas as maldades que eu já
fiz você ainda diz que já passou.
Cody...
Luc se levantou.
Venha cá.
Recompondo-se, enxugando as últimas lágrimas e dando um suspiro de alívio, Cody se
levantou, tentando não encarar Luc.
Olha pra mim disse Luc.
Envergonhado, Cody olhou Luc nos olhos. Luc colocou as mãos em seu rosto e disse:
Eu te perdoo.
Os olhos de Cody brilharam e seu semblante se transformou assim que Luc proferiu
tais
palavras. Um sorriso puro e infantil se formou em seu rosto.
Quando você esteve lá em casa, foi embora antes que eu lhe dissesse qualquer coisa e
depois
não tivemos oportunidade de nos falar novamente. E era isso que eu queria lhe dize
r hoje. Está
perdoado, sem ressentimentos.
Mesmo?
Sim, do fundo do meu coração. O que sinto por você é maior do que isso tudo que já passou
Oh, Luc...
Ambos se abraçaram. Aquele era o gesto que selava o fim de todo esse tempo de aflições
,
mágoas e todo o sofrimento que permeava essa relação tão conturbada.
Desvencilharam-se e se olharam novamente.
Eu te amo, Luc.
Eu também te amo, Cody.
E então, sob a luz da lua, o brilho das estrelas e a brisa fria daquela noite abenço
ada, beijaram-
se. Trocaram a mais pura e cândida forma de expressão de sentimento. Trocaram o prim
eiro beijo
dos apaixonados, onde há a Eternidade, quando todas as outras coisas se tornam tão l
eves e
superficiais que parecem flutuar; onde não há qualquer volúpia, apenas a inocência e a e
xpressão do
mais puro e imaculado afeto; quando o mundo dá voltas, a Terra se torna, oh, tão peq
uena, os
pensamentos se desencontram e tudo parece inexplicavelmente inexplicável e inconst
ante.
Não se sabe quanto tempo passou durante aquele momento tão sublime, mas, devagar, as
coisas
voltavam à realidade. A lua continuava a iluminar a noite, as estrelas ainda brilh
avam e a brisa
permanecia, insistente. O campo, os postes, as luzes, a festa... tudo em seu dev
ido lugar.
Ofegante, Cody disse:
Você não sabe o quanto esperei por esse momento.
Luc riu baixo e respondeu:
Eu pensei que ele nunca fosse chegar.
Recompuseram-se, sentaram-se novamente e deram as mãos.
Cody, só uma coisa...
O quê?
Me dê mais algum tempo, sim? Prometo que não vai ser muito. É só...
Não precisa se explicar. O tempo que você precisar. Estarei te esperando.
Obrigado. Estou feliz que esteja aqui.
Estou feliz por estar.
Permaneceram em silêncio, sentados no concreto frio da arquibancada do campo vazio
. Tudo
parecia inacreditavelmente calmo, leve e sereno. O som da festa ecoava à distância e
soava como
uma serenata que acompanhava aquele momento etéreo e silencioso.
Entreolharam-se novamente, mantendo o silêncio sepulcral. Cody acariciou o rosto d
e Luc, que
já havia se esquecido do quão belo era seu amado. Talvez aquele fosse o primeiro mom
ento em que
Luc recebia um gesto tão puro de carinho vindo gratuitamente de Cody.
Você é tão bonito disse Cody.
Luc corou. Sorriu e desviou o olhar, envergonhado.
Que foi?
Ah, agora você me deixou com vergonha.
Mas por quê? Estou falando a verdade.
Obrigado, Cody. E você... é a coisa mais linda que meus olhos míopes já viram.
Cody riu.
Não exagera.
Eu to falando sério, pô.
Tá bom, vou acreditar.
Luc se levantou.
Acho melhor eu ir embora. Já está ficando tarde e tá fazendo muito frio. Qualquer dia
a gente
se fala.
Eu te deixo em casa.
Não precisa, eu vou com meu pai.
Eu faço questão.
Hum... Tudo bem então.
Desceram os degraus da arquibancada e atravessaram o campo a passos lentos.
Luc, espere disse Cody, parando de caminhar.
O que foi?
É que... Cody hesitou Hoje foi a melhor noite da minha vida. Obrigado por ter me d
ado
essa chance.
Eu fiz o que deveria ter feito, não precisa me agradecer.
E tem mais uma coisa.
O quê?
Será... que eu posso te beijar de novo?
Luc sorriu, admirando, feliz, a candura de Cody. Aproximou-se dele e colocou as
mãos em sua
nuca.
Mas é claro.
Então seus lábios se reencontraram, dessa vez com muito mais ânsia e paixão. A conexão que
existia entre Cody e Luc era perfeita, unida e selada com uma energia gigantesca
. Beijavam-se com
desespero, como se estivessem tentando resgatar todo o tempo que se passou, como
se suas línguas
brigassem por espaço e seus corpos fossem zonas desconhecidas que tinham urgência em
ser
exploradas; como se não houvesse nem depois nem amanhã, apenas aqui e agora e toda e
ssa
supernova de emoções estivesse explodindo silenciosamente no gramado daquele campo d
e futebol.
Voltaram afoitos à realidade e recuperaram seus fôlegos.
Nossa... disse Cody, ofegante Eu poderia te beijar pra sempre.
Não seria má ideia.
Eu não sei por que perdi tanto tempo te perseguindo. Eu poderia estar te agarrando
esse
tempo todo.
Hahahaha! Louco!
Louco por você, meu amor.
Como é que é? perguntou Luc, sorrindo. Do que você me chamou?
Cody desviou o olhar e voltou a caminhar, envergonhado.
Fala!
Para, Luc.
Fala, Cody! insistiu Luc, puxando Cody pela manga da camisa.
Não, Luc, tá me deixando sem graça.
Luc trouxe Cody até si puxando-o pela cintura e ostentando um sorriso bobo.
Vamos, Cody, fala de novo, por favor.
Meu amor murmurou Cody.
Hã? Não escutei.
Meu amor!!
Ahh, que lindo! felicitou-se Luc, abraçando Cody. Eu não sabia que você podia ser tão
doce.
Nem eu. É culpa sua.
Luc sorriu novamente. Afagou os cabelos de Cody e deu-lhe um beijo na testa.
Agora vamos. Estamos parecendo duas crianças aqui.
Capítulo 12

Tá bem.
Saíram do campo discretamente e caminharam até o carro de Cody, que estava no
estacionamento do colégio. E então partiram.
Dentro de poucos minutos, já estavam à porta da casa de Luc. Cody estacionou e desli
gou o
carro. Pouca coisa fora dita durante todo o trajeto e o silêncio permanecia até aque
le momento.
Trocaram mais um olhar e então Cody perguntou:
Luc... você me perdoou mesmo?
É claro.
Não está fazendo isso só...
Pare com isso, Cody.
Cody sorriu.
Você não existe disse.
Luc sorriu envergonhado.
Quando nos vemos novamente? perguntou.
Não sei... Por mim te veria todos os dias, toda hora, a todo instante.
Ah, Cody, para.
Que foi?
Você fica falando essas coisas tão bonitas, eu fico sem saber onde enfiar a cara.
Estou dizendo o que sinto, ora.
Tá bom, não vou mais implicar. Agora deixa eu ir.
Não vou ganhar um beijo de despedida?
Luc riu.
Vai respondeu ele, beijando Cody brevemente. Até mais, Cody.
Tchau.
Luc entrou em casa se sentindo o homem mais feliz e mais realizado de toda a Ter
ra. Thomas e
Erin ainda estavam acordados, assistindo filme na sala.
Ué, já? perguntou Erin.
Já.
Aconteceu alguma coisa? perguntou Thomas.
Aconteceu, sim.
O que houve?
Aconteceu o que há muito tempo eu esperava que acontecesse respondeu Luc, com um
sorriso bobo no rosto.
Foi mesmo?! perguntou Erin, curiosa.
Epa, conta isso direito! acrescentou Thomas, pausando o DVD.
Luc tirou os sapatos, suspirou e se sentou no outro sofá.
Foi no campo te futebol lá do colégio.
Então vocês se entenderam de uma vez por todas?
Acho que sim...
E vocês já estão namorando?
Hahaha! Não, né, Erin? Ainda é cedo pra isso.
Cedo por que, filho? Vocês têm que tirar o atraso.
Ainda teremos muito tempo pra isso, pai, não se preocupe. Agora e vou dormir, esto
u
cansado. Amanhã a gente conversa melhor sobre isso. Boa noite.
...
Dias se passaram e as coisas se tornaram cada vez mais amenas.
Quando Luc contou a Amelie o motivo pelo qual saíra da festa tão cedo e tão de repente
, ela
mal acreditou.
Luc! Estou em choque! Então quer dizer que o Cody... Oh, meu Deus! Como pode?
Poderia suspeitar de qualquer um dos vários estudantes de North Bound, menos de Co
dy - o
Incrível. Mas ela acabou assimilando rapidamente, como sempre.
Luc, isso é fofoca pra quatro gerações! Posso contar ao Alex?
Eu pretendia contar, né? Mas se você fizer muita questão... E, por favor, não vá fazer di
so
uma fofoca pra quatro gerações.
Tá bom, pode deixar.
Alex não se surpreendeu com a notícia. Disse ele que sempre suspeitou de Cody e seus
amigos.
Menos Adrian. Alex sempre dizia que quem não está seguro da própria sexualidade é quem s
e
preocupa demais com a dos outros. Adrian era o único que se silenciava, fosse por
conveniência ou
por discordância, dos demais, por mero medo de ser rejeitado ou mal visto no tão acl
amado clã em
que sempre quisera estar.
E todas as manhãs pareciam mais claras, todas as tardes mais tranquilas e todas as
noites mais
estreladas. E foi numa dessas manhãs ensolaradas que Luc recebeu uma ligação de Cody.
Luc?
Oi, Cody. Como está?
Bem... E você?
Melhor agora.
Escuta, será que a gente pode se encontrar no Big Meal do shopping agora?
Agora?... Claro, podemos sim.
Tá bem, eu já estou aqui. To te esperando.
Ok, já já estou aí. Um beijo.
Luc se aprontou rapidamente. Há alguns dias não via Cody. Essa de se encontrar às esco
ndidas
dos pais dele não era nada fácil, mas até que valia a pena. Chegou ao shopping e foi d
ireto à tal
lanchonete. De longe, avistou Cody, que, como sempre, ostentava seu olhar distan
te e
encantadoramente misterioso. Ao avistar Luc, um sorriso discreto ornou seu rosto
. Levantou-se
enquanto Luc se aproximava. Trocaram um abraço longo e caloroso e se sentaram em s
eguida.
Que saudade disse Cody, segurando a mão de Luc sobre a mesa.
Nem me fale! Como tem passado?
Bem, na medida do possível. E você?
Muito bem!
Luc fitou Cody sorridente e acrescentou:
Você está meio triste ou é impressão minha?
Cody meneou a cabeça.
Vamos comer.
Aquele parecia ser apenas um singelo encontro entre um casal enamorado, onde os
dois
conversam sobre coisas aleatórias se olhando nos olhos e se admirando distraidamen
te, mas alguma
coisa realmente parecia errada. Cody estava pensativo, conversando pouco, com um
semblante
pálido. Após terminarem o lanche, Luc, preocupado, insistiu:
Cody, tem certeza de que está tudo bem? Não quero ser chato, mas você está com uma cara.
..
Cody sorriu entristecido. Afagou os cabelos de Luc e segurou suas mãos em seguida.
Eu preciso te contar uma coisa.
Luc se atentou e fez um olhar preocupado.
Pode falar.
Cody suspirou e tomou coragem para começar.
É o meu pai.
O que houve? Ele descobriu?
Não, não, antes fosse.
E é pior do que isso?
Luc... meu pai é um grande executivo.
Sim, eu sei. E daí?
E daí que ele conseguiu uma oferta de emprego numa das maiores firmas de Publicida
de do
estado, pra trabalhar na sede, que fica em Edsen, que também é a cidade onde fica um
a das maiores
faculdades de Direito de todo o país.
O coração de Luc disparou. Suas mãos gelaram, a boca secou e um pânico tomou conta de si
antes mesmo que Cody concluísse o que estava para falar. Com um nó na garganta, Cody
continuou:
O sonho dos meus pais sempre foi que eu fizesse Direito. E agora que eu concluí o
colegial e
que surgiu essa oportunidade tão boa pra ele... Ele quer que nos mudemos para Edse
n.
Definitivamente.
Não, não era possível que, justo quando as coisas se acertaram, o Destino impediria a
felicidade
de Cody e Luc.
Mas Cody... E... nós?
Eu sei, Luc, mas acho que não há nós nesse futuro.
Cody! Você não pode aceitar isso!
Luc... As passagens já estão compradas, nos mudamos na semana que vem.
Luc sentiu o chão abrir debaixo de seus pés e aquelas palavras engolirem tudo o que
havia ao
seu redor.
Como é que é?
Pois é... Foi por isso que te chamei aqui hoje. Esta é minha última semana em Kells.
As lágrimas começaram a brotar dos olhos de Luc imediatamente.
Por que... você está me dizendo isso só agora?
Eu só soube disso anteontem, meu pai nos pegou de surpresa.
Luc não sabia o que pensar. Mesmo quando Cody o tratava como um qualquer, Luc sabi
a que
ele estava ali, ao seu lado. Sempre soube que quaisquer chances que pudesse imag
inar que teria com
ele, em qualquer grau, eram nulas, mas ele estava ali. Isso bastava.
Luc... Olha, eu queria muito que isso não estivesse, mas é o sonho dos meus pais...
E é
também uma oportunidade única que ele está tendo! Além de que eu ainda dependo deles, en
tão não
há nada que eu possa fazer.
Ambos permaneceram em silêncio. A notícia pegara Luc completamente desprevenido, jus
to
no momento em que tudo começava a entrar nos eixos.
Não sei o que dizer...
Luc...
Eu vou embora, Cody. Adeus.
Luc se levantou. Saiu do restaurante depressa, sem olhar para trás. Estava simples
mente
arrasado. Sentia como se sua vida estivesse com os dias contados, que assim que
Cody partisse, sua
razão de existir também se perderia. Voltou para casa tentando não desabar. Sentiu uma
forte dor de
cabeça.
Entrou em casa. Erin estava lá.
Oi, querido! Estava te esperando. Como foi o passeio?
Sem responder à pergunta, Luc se dirigiu a Erin e a abraçou.
Que foi, meu anjo? O que aconteceu?
Ele vai embora, Erin.
Como assim? Embora pra onde?
Ele vai se mudar pra Edsen e nunca mais vou vê-lo.
Não contendo a emoção, Luc caiu em pranto.
Mas por que isso agora, meu Deus?
O pai dele... Eu não entendi direito, mas eles vão se mudar, justo agora que tava da
ndo tudo
certo!
Oh, céus... E isso é definitivo?
É, sim... Eu nunca mais vou vê-lo, Erin. Nunca mais!
Erin abraçou Luc forte. Sabia a dor que ele estava sentindo e que não era nada fácil s
uportá-la,
mas também não havia nada que ela pudesse fazer para ajudá-lo. Luc estava completament
e assolado
e inconsolável. Decidiu não procurar por Cody e esperar que os próximos dias se passas
sem sem que
ele visse.
E assim aconteceu. Perdeu o ânimo, o apetite, a alegria que exalava, a vontade de
viver. Passou
horas e horas trancado em seu quarto. Recusou-se a atender aos inúmeros telefonema
s de Cody,
numa vã tentativa de se esquivar de qualquer contato com ele.
O ano já estava quase acabando e aquele seria o pior Natal da vida de Luc. O dia d
a viagem
chegara. Numa manhã cinzenta e nublada, Luc permanecia na cama, imaginando tudo qu
e ele e
Cody poderiam ter vivido. Poderiam.
Luc? chamou Thomas, da porta do quarto.
Hum?
Telefone pra você avisou Thomas, segurando o telefone sem fio.
Quem é?
O Cody.
Só de ouvir aquele nome o coração de Luc palpitava.
Não quero falar com ele.
Luc, pare com isso. Converse com ele.
Eu não quero, pai.
Thomas se sentou na cama, ao lado de Luc.
Meu filho, você não pode se deixar abater por causa disso. A vida continua! Vocês se g
ostam
e você não pode mudar isso, então parece com essa bobeira e atenda esse telefone.
Pai...
Luc, eu estou mandando. Atenda esse telefone.
Vendo que seria inútil resistir, Luc, então, tomou o telefone. Thomas se retirou do
quarto e
encostou a porta.
Alô...
Luc! Graças a Deus! Por que você não atendeu às minhas ligações?
O que você quer, Cody?
Por que você está tão frio?
Porque é melhor eu te esquecer de vez. Eu vou sofrer menos.
Não diga isso, Luc! O que sentimos um pelo outro não vai mudar nunca!
Cody...
Olha, eu estou te ligando porque... hoje é o dia da minha viagem. Então eu cheguei a
o
aeroporto mais cedo pra gente poder se ver. Pela última vez.
Acho melhor não.
Luc, por favor, venha. Eu preciso te ver. Mas venha logo, senão meus pais vão chegar
e vão
me ver aqui com você. Venha rápido.
Cody... não faça isso comigo.
Vou ter que desligar. Venha logo, estou te esperando. Te amo.
Cody desligou o telefone e Luc se desesperou. Não sabia o que fazer e o dilema ent
re ir ou não
ir começava a martelar em sua cabeça. Enquanto seu coração pedia que ele fosse, seu orgu
lho
aconselhava que ele ficasse. O que fazer?
Levantou de sua cama, foi até o banheiro e lavou o rosto. Olhou-se no espelho por
um instante.
E agora? O que eu faço?
Não havia mais nada que pudesse ser feito para evitar a partida de Cody, nem mais
nada a ser
perdido.
Eu vou.
Rapidamente, Luc se trocou. Foi até Thomas e pediu:
Pai, preciso que me leve ao aeroporto.
Sem refutar, Thomas concordou. Abraçou Luc e disse:
Estou orgulhoso de você, filho.
Entraram no carro e seguiram à toda velocidade até o aeroporto. Mantiveram-se em silên
cio
durante todo o trajeto. Luc mantinha o semblante sério e decidido, mas triste, ao
mesmo tempo.
Chegaram ao aeroporto. Thomas estacionou o carro e disse:
Me ligue quando quiser que eu te busque. Boa sorte.
Obrigado, pai.
Luc desceu do carro e bateu a porta. O aeroporto estava movimentado, cheio de pe
ssoas
entrando e saindo, barulho do trânsito, barulho de turbinas, barulho de sinais de
avisos, de pessoas
conversando, uma verdadeira poluição sonora. Seria muito difícil encontrar Cody ali.
Entrou pelo estacionamento e foi a passos largos até o balcão de informações.
Moça, por favor, onde fica o portão de embarque para o próximo voo a Edsen?
No próximo saguão, à esquerda.
Obrigado.
Em meio àquele amontoado de pessoas, Luc tentou correr. Foi até o final do grande co
rredor se
esquivando de todos ali. Procurou por Cody com os olhos em todos os cantos, até qu
e o avistou, de
longe, sentado num dos bancos de espera próximos ao portão de embarque. Seu coração palp
itou
novamente. Desacelerou o passo e seguiu caminhando em direção ele, que parecia estar
o esperando.
Aproximou-se um pouco mais e, então, Cody também o avistou.
Luc! gritou ele.
Luc sorriu e correu ao encontro de Cody, que se levantava para esperar a chegada
de seu
amado. E então se encontraram. Luc estava ofegante, sentindo um misto de sensações agr
idoces.
Cody mantinha um olhar sereno, embora triste, mas, ao mesmo tempo, um sorriso de
contentamento
que fazia seus olhos brilharem como um par de diamantes.
Eu sabia que você viria disse ele.
Eu tinha que vir.
Por que você não me atendeu, Luc? perguntou Cody, triste.
Achei que seria melhor assim... Já que eu vou te perder de qualquer jeito, melhor
que fosse o
quanto antes, assim que sofro menos.
Luc, eu estou me mudando, não estou morrendo! Eu posso passar aqui de vez em quand
o, pra
te ver.
Eu não te quero de vez em quando , Cody.
Por favor, Luc, não vamos pensar assim. São nossos últimos minutos aqui, vamos pensar
que
isso está acontecendo por um motivo. Nada é por acaso. Podemos não saber nem entender
o porquê
disso agora, mas tenho certeza de que há uma razão.
Eu sei, mas é difícil..
Também não é fácil pra mim.
Fizeram um silêncio de condolência.
É uma pena que tenha acabado antes de começar disse Luc, com os olhos baixos.
Cody torceu a boca. Sentiu-se um tanto culpado ao ver o quão decepcionado Luc esta
va.
É um a pena eu não ter a chance de te fazer feliz.
O entreolhar que ambos trocaram foi consternador. Não havia o que pudesse ser dito
um ao
outro para tornar aquela situação menos dolorosa. Não havia nada, nada. Então se abraçaram
fraternamente, o abraço mais puro e amoroso que já trocaram, acompanhado de lágrimas d
e
aceitação.
Em meio a este momento tão afetuoso, a voz delicada de uma mulher disse:
Chegamos.
Ao interromper do abraço, ambos se desvencilharam e enxugaram as lágrimas que já se
formavam nos cantos dos olhos.
Oi, mãe.
Vamos logo, Cody, já já estamos embarcando disse o homem de voz rude que
acompanhava a fina mãe de Cody.
Luc não conhecia os pais de Cody. A mãe era uma senhora bastante distinta e carregav
a o
mesmo par de olhos verdes de Cody. O pai, um pouco mais velho, com a cabeça bastan
te grisalha e
um olhar de muito poucos amigos, parecia apressado, como se estivesse atrasado.
Calma, Stewart, ainda temos tempo advertiu a mãe. Não nos apresenta seu amigo, meu
filho?
Ah, sim, claro. Luc, essa é minha mãe, Suzan; mãe, esse é o Luc. E esse é Stewart, meu pa
.
Pai, esse é o Luc.
Prazer em conhecê-lo, Luc respondeu Suzan, educadamente.
Luc? Que Luc? perguntou Stewart.
Luc Wessels, pai, do futebol.
Ah, o veadinho? perguntou ele indiferentemente, enquanto mexia no celular.
Stewart!! censurou Suzan.
Constrangido e já percebendo que o pai de Cody era bastante estúpido, Luc anunciou:
Acho melhor eu ir embora. Façam boa viagem.
Não, Luc, você fica disse Cody. O Luc é meu amigo, pai, eu exijo que o respeite.
Eu não sabia que você se envolvia com esse tipo de gente.
Cody, é melhor eu ir.
Tipo de gente ? E que tipo de gente o senhor pensa que é pra julgá-lo? arguiu Cody e
tom enfático.
Que foi que aconteceu com você, hein? Esse veado tá fazendo você virar veado também?
Gente, não briguem disse Suzan, tentando acalmar os ânimos.
Não, ninguém me mudou, não. Eu cresci, evoluí, eu deixei de ser esse ignorante que eu
aprendi a ser com o senhor.
Stewart desligou o celular e fitou Cody com olhar colérico.
Você tá muito valente, hein, garoto? Eu sou seu pai, você me deve respeito! Mal saiu d
as
fraldas e pensa que pode me enfrentar desse jeito por causa de um...
E desde quando o senhor sabe o que é respeito? Você só saber passar por cima dos outro
s,
não importa quem seja. Você só pensa no seu próprio umbigo, respeito passa longe do senh
or!
Tá me desafiando, é?
Não, estou apenas surpreso com o tamanho da sua ignorância. Não imaginei que ela fosse
tão
grande.
Não estou sendo ignorante, estou sendo realista. E muito me espanta saber que você t
em
andado com essa... abominação. Não foi isso que eu te ensinei disse Stewart, analisand
o Luc com
olhar de reprovação. Tá na Bíblia, sabia?
Stewart! verberou Suzan, novamente, espantada.
Cody, eu vou embora disse Luc, que já não sabia mais onde colocar a cara, virando-se
de
costas e dando um passo atrás.
Cody o segurou pelo braço, enquanto mantinha os olhos firmes em seu pai.
Abominação? Abominação é gente arrogante, prepotente, soberba e gananciosa que nem o
senhor.
Furioso, Stewart segurou Cody pela gola da camisa. Enquanto toda essa discussão ac
ontecia, a
voz do alto falante anunciava que o embarque para o vôo rumo a Edsen se iniciara.
Gente, parem de brigar, o embarque já começou. Vamos logo disse Suzan, angustiada.
Ignorando-a, Stewart continuou:
Você está querendo apanhar aqui, no meio desse saguão? Não pense que só porque você já é
grandinho que eu não lhe arrebento de pancada!
Sem relutar, Cody manteve-se firme.
Quero ver se vai ser homem de me bater.
Temendo que aquela discussão fosse longe demais, Luc puxou Cody e o afastou de Ste
wart.
Cody, deixa isso pra lá. Vá embarcar que já está na hora.
Suzan segurou Stewart e novamente pediu que ele se acalmasse.
Você está agindo como um veado, Cody. Você me envergonha! finalizou Stewart, ajeitando
o nó da gravata.
Observando seu pai com desgosto, Cody respondeu ao insulto:
Não, pai, eu não estou agindo como um veado. Eu sou um veado.
Naquele instante, pareceu que todo o barulho presente dentro e fora daquele aero
porto se
transformou num silêncio sepulcral, que se manteve por poucos intermináveis segundos
.
Pare de brincadeiras, Cody, vamos embarcar, temos um longo voo pela frente disse
Suzan,
puxando Cody pelo braço.
Eu não estou brincando. Nunca falei tão sério. E eu não vou entrar nesse avião.
Stewart fez uma expressão de ojeriza ao ouvir as palavras de Cody.
Então você virou mesmo veado por causa dessa aberração? perguntou Stewart, apontando
Luc.
Não, pai, eu sempre fui, mas VOCÊ, sua ignorância, me fizeram acreditar que eu deveria
achar que isso era um pecado, uma doença, por isso eu nunca tive liberdade para se
r quem e o que eu
realmente sou. A culpa é sua, não do Luc!
Mas, meu filho intercedeu Suzan , você tem que vir com a gente. Você não pode ficar
aqui!
Posso. A casa é minha, eu não vou morar debaixo da ponte.
Mas você vai viver de quê?
Eu tenho dois braços, duas pernas, dois olhos, não estou numa cadeira de rodas e tod
os os
meus órgãos funcionam perfeitamente. Eu posso trabalhar, tenho todo o tempo do mundo
.
Mas Cody...
Essa viagem não faz sentido pra mim, mãe. Por que eu devo ir atrás de um sonho que não é
meu? Por que devo me mudar pra viver uma vida de merda e cursar uma faculdade qu
e não tem nada
a ver comigo só porque meu pai quer? Pai esse que nunca se importou comigo. Nunca!
Eu não tenho filho veado retrucou Stewart, secamente.
E eu não tenho pai homofóbico. Eu é que tenho vergonha de você, Stewart Holt.
Atenção! Voo para Edsen, última chamada! anunciou a voz do alto falante.
Suzan tampou a boca com as mãos ao ver que Cody estava mesmo falando sério. Seu único
filho...
Desculpa se te decepcionei, mãe.
Suzan começou a chorar, copiosamente. Mal conseguia falar. Então Cody a abraçou
complacentemente.
Vamos, Suzan, deixe esses pederastas pra lá.
Ignorando o comentário imbecil de Stewart, Cody disse:
Nada muda entre a gente, mãe, isso é só um detalhe. Com o tempo, você se acostuma. Agora
vá, já estão atrasados.
Mantiveram-se abraçados. Stewart os deixou para trás e seguiu para o portão de embarqu
e.
Suzan enxugou as lágrimas, dirigiu-se a Luc e pediu:
Cuide bem dele, por favor.
Luc consentiu e segurou as mãos de Suzan em cumprimento.
Suzan pegou suas malas, acariciou o rosto de Cody com um sorriso triste.
Adeus, meu filho.
Virou-se e caminhou até o portão de embarque e então entrou no avião.
E agora estava tudo acabado. Ou recomeçado. Luc estava perplexo, tanto pela discus
são quanto
pela atitude de Cody. Ambos entreolharam-se sem dizer nada. Aquela era a última co
isa que Luc
esperava que Cody pudesse fazer. Reaproximaram-se.
Eu não acredito que você fez isso disse Luc.
Nem eu.
Cody, isso é loucura! Você precisa dos seus pais.
Não, eu só preciso de você, Luc.
Abraçaram-se. E como se não houvesse uma viva alma naquele lugar, Cody beijou Luc
apaixonadamente. O que importava se alguém estaria olhando o que estariam pensando
? Eles
estavam felizes! O resto não fazia diferente. Aquele beijou selava mais um recomeço
repleto de
sonhos e esperança.
Não sei como consegui viver tanto tempo sem você disse Cody, ainda abraçado a Luc.
Tudo isso acontecendo e você ainda me diz essas coisas tão bonitas.
Cody riu.
E ainda vou dizer muitas mais, vá se preparando.
Desvencilharam-se e trocavam um sorriso.
Vamos embora daqui, Luc disse Cody, pegando suas malas de volta.
Vamos, eu te ajudo.
E então saíram do aeroporto de Kells. Tomaram um táxi, mesmo não sabendo para onde
estavam indo.
Para onde vão, crianças? perguntou o taxista.
Luc, eu vou pra minha casa. Tenho que reorganizar as coisas. Literalmente.
Tudo bem.
O taxista, que tinha traços muito rústicos e grosseiros, consentiu com um sorriso si
mpático e
seguiu viagem após ouvir as instruções do trajeto, enquanto Luc e Cody conversavam bai
xo no
banco detrás.
Chegaram. O taxista estacionou o carro em frente à casa de Cody e ajudou a tirar a
bagagem de
dentro do porta malas.
Eu te ligo à noite, tá?
Tá, vou esperar.
Cody saiu do carro, pegou suas malas, pagou a corrida, despediu-se novamente e e
ntrou em
casa em seguida.
E você, rapaz? Vai pra onde? perguntou o taxista assim que entrou no carro.
Agora eu também vou pra casa. Pode seguir adiante respondeu Luc.
Dando partida no carro, o percurso prosseguiu, silencioso. O motorista olhava Lu
c pelo
retrovisor com um olhar bastante estranho, o que deixou Luc desconfiado.
Ô, rapaz, posso te fazer uma pergunta? perguntou o taxista, com seu sotaque carreg
ado.
Receoso, Luc respondeu:
Pode, sim.
Aquele loirinho é seu amigo ou é namorado?
Por que a pergunta?
Ué... Eu estava olhando vocês pelo retrovisor, vocês pareciam muito próximos.
É impressão sua finalizou Luc, sem responder à pergunta.
O homem não insistiu. Continuou dirigindo em silêncio, até que disse:
Meu filho também é homossexual. Mas ele é mais velho que você.
Luc fitou-o, curioso, enquanto ele continuou:
Ele tá fazendo Jornalismo. Aquele danado me mata de orgulho.
Ah, é?
É, sim.
E vocês se dão bem? Não têm problemas quanto a isso?
Não posso fazer nada, né? A vida é dele. Eu o amo acima de tudo, isso é o que importa.
Após mais alguns minutos, chegaram à casa de Luc, que pagou a corrida e disse:
Quanto ao loirinho , não sei se ele é meu amigo, ou namorado. Ele é alguém que eu amo.
O homem sorriu, balançou a cabeça e disse:
Sejam felizes.
Obrigado.
O carro deu partida novamente e Luc entrou em casa. Thomas fazia o almoço quando e
le
chegou.
E aí, filho, como foi?
Não foi.
Como assim?
Ele não foi.
Sério? Por quê?
Por nós. Teve a maior discussão dele com o pai no aeroporto e ele acabou não indo.
E qual foi o motivo da discussão?
Eu.
Você? Como assim? Não to entendendo.
O pai dele é muito homofóbico.
Mas ele te ofendeu?
Não, a discussão foi só entre os dois.
- Luc Wessels, pai, do futebol.
- Ah, o veadinho?
E como vocês estão?
Bem. Acho que vamos nos ver à noite, de novo. Ele resolveu fica lá na casa dele mesm
o,
disse que vai reorganizar a vida dele por lá.
Hum... Diga a ele que estamos aqui para o que precisar, hein?
Tá bom.
Aquela fora, certamente, uma manhã esdrúxula. Os últimos dias vinham trazendo uma suce
ssão
de fatos que Luc jamais imaginou que pudessem acontecer. Cody se declarando, Nor
th Bound
vencendo um intercolegial, Thomas sabendo sobre sua sexualidade e, agora, essa q
uase separação.
Toda essa quantidade enorme de informações inimagináveis fazia Luc acreditar que aquil
o fosse um
sonho. Um bom sonho.
A tarde foi de expectativa. Desde a conturbada manhã, a cabeça de Luc revivia aquele
s
momentos de tensão como num filme em flashes. Nunca imaginou que Cody fosse capaz
de passar
por cima de seu próprio pai.
No início da mesma noite, Cody finalmente deu notícias, através de um telefonema.
Oi, Luc.
E aí, como está?
To bem. Sobrevivi.
Alguma novidade? To preocupado com você.
Tenho algumas... Mas não vamos falar disso por telefone. Passa aqui em casa quando
tiver
um tempo.
Não estou fazendo nada agora.
Ué, então vem. A gente conversa melhor.
To indo.
Luc tomou um banho rápido, trocou de roupa e foi direto à casa de Cody, a pé. Avisou s
eu pai,
vestiu um casaco para se proteger do frio e foi a passos largos e afoitos.
Chegou rapidamente. Tocou a campainha e colocou as mãos nos bolsos do casaco. Cody
logo
atendeu à porta com um sorriso receptivo.
Entra disse.
Luc pediu licença e entrou. Secou os pés no tapete e pôs-se a admirar a sala onde esta
va, que
era grandiosa e decorada com boníssimo gosto. Havia uma lareira acesa e a TV estav
a ligada.
Chegou rápido disse Cody, fechando a porta.
É, eu vim o mais rápido que pude.
Cody sorriu um sorriso bobo de satisfação.
Que foi? perguntou Luc, devolvendo o sorriso simpático.
Cara... É tão bom te ver que eu fico até meio bobo.
Ah, Cody, não começa.
É sério! Dá vontade de... sei lá, te apertar e não soltar mais.
Então vem cá e me dá um abraço.
Abraçaram-se ternamente e riram em seguida. Descobrir essa nova faceta tão carinhosa
de
Cody estava sendo uma vivência interessante para Luc.
Quer tomar alguma coisa?
Não, obrigado... Mas e aí, como você tá?
Nunca estive tão bem. E você?
Fiquei preocupado com você o dia todo. O que você fez hoje foi loucura, Cody.
Loucura seria deixar você aqui.
Mas Cody, você sabe que deveria ter ido.
Eu sei que agora já passou e eu não me arrependo. Faria tudo de novo.
Você não existe.
Cody sorriu.
Sua sala é linda disse Luc.
Ah, obrigado. Mas a maioria dessas coisas vai embora para Edsen. Vou ter que com
prar tudo
novo. Ou melhor, acho que vou vender essa casa e comprar outra menor, já que não vou
precisar
desse tanto de espaço.
É uma pena...
É... Enfim, vamos conversar lá em cima.
No quarto de Cody havia uma sacada com vista para todo o bairro. Subiram e se po
sicionaram
rente ao parapeito, olhando o céu estrelado e sentindo a brisa fria da noite.
Minha mãe me ligou à tarde disse Cody.
E aí? Como ela tá?
Ainda está abalada, triste, mas sei que vai passar.
E seu pai?
Não quis nem saber. Depois do que ele fez hoje...
Cody, ele é seu pai!
Pois eu preferia que não fosse. Ele nunca ligou pra mim, mesmo. Só serviu pra me ens
inar
merda.
Não diga isso.
Mas é a verdade. Minha mãe disse que vai me mandar uma mesada até eu me ajeitar por aq
ui.
Olha, se precisar de ajuda quanto a isso, não hesite em me pedir.
Não precisa, eu tenho algum dinheiro guardado. Vai ser o suficiente pra me manter
por um
bom tempo, depois eu começo a me preocupar.
E quem vai cuidar da casa?
Eu conversei com a Marie hoje, a empregada que cuidou de mim desde criança e a con
tratei
novamente. Isso também não vai ser problema. Ela gosta de mim muito mais do que meus
pais.
Seus pais te amam, Cody, eles só estão assustados.
Pois te garanto que a Marie me ama muito mais do que eles. Ela me chama de menino
Cody até hoje comentou Cody, rindo.
Ah, que fofo!
É, ela é um amor de pessoa... Mas vamos falar de outra coisa, esse assunto já rendeu d
emais.
Sobre o que quer falar?
Vamos falar sobre você. Quem foi seu primeiro cara?
Nossa, Cody, que pergunta.
Tá, não precisa responder.
Bom, foi um cara que estava hospedado lá no hotel em que a gente ficou durante os
jogos. O
nome dele é Rhud
Ué, e isso aconteceu onde?
No quarto dele. Ele estava hospedado lá e um dia veio me pedir uma entrevista. Ele
trabalha
num jornal de Dyesen. Isso foi numa noite em que eu demorei a voltar para o quar
to. Ele foi me
mostrar a matéria já pronta e rolou lá.
Foi bom?
Foi ótimo.
Melhor que eu?
Nem melhor, nem pior, foi diferente. Ele é bem mais velho, deve ter uns trinta e p
oucos anos.
Mas não houve nada além disso, acabamos nos tornando bons amigos. E você? Quem foi seu
primeiro?
Você não vai acreditar.
Eu conheço?
Conhece.
Quem?
O Jesse.
O Jesse???
É, o próprio.
Então quer dizer que ele também...
Não. Quer dizer, não sei, acho que não, sei lá. A gente tava meio bêbado, acabou
acontecendo. Estávamos falando de você quando isso aconteceu. Aí um olhou pro outro e
pronto. Foi
aqui em casa, no meu quarto.
Nossa... E foi bom?
Ah, não me lembro bem, mas acho que sim. Isso já tem um tempo, e nunca mais tocamos
nesse assunto.
Fizeram breve silêncio enquanto permaneciam iluminados pela luz da lua e das estre
las naquela
sacada com vista para a cidade.
Engraçado, disse Cody parece que só estamos nos conhecendo agora.
Mas, de certa forma, estamos.
Eu sei, mas é estranho. A gente se conhece há tanto tempo, mas nunca... nos conhecem
os.
É, tem razão... Mas ah, aqui estamos nós, nos conhecendo sorriu.
Já gostou de alguma menina? perguntou Cody.
Não. Só admiração, nada mais profundo. E você?
Eu já, na oitava série. Nessa época eu já era um completo imbecil, então ela acabou me
deixando. Sofri demais, mas foi bom. Foi aí que descobri que minha praia era outra
.
Então você se considera bi?
Não, ela foi exceção. Quando namoramos, eu ainda não tinha certeza. E, depois, as poucas
vezes que fiquei com garotas foram só pra sair um pouco da rotina, nada mais.
Algum dos seus amigos sabe de você?
Não. Às vezes eu pensava em contar, mas não dava, por eu ser eu.
Conte ao Adrian.
Por quê?
Ele é seu único amigo de verdade dentro desse seu grupinho. Jesse e Seth são apenas se
us
aliados, só Adrian é seu amigo.
Como sabe disso?
A gente conversou sobre isso quando ficamos juntos na barraca do acampamento.
Ele também é?
Não. Conte a ele, ele vai ficar feliz em saber. Não pelo fato, mas pela confiança.
Vou pensar.
...
Você é virgem, Luc?
Nossa, mas suas perguntas hoje estão que estão, hein?
Ah, sei lá, só pra saber.
Luc olhou de soslaio.
Não, não sou.
Ah, não?
Não.
Quem foi?
A filha da secretária do meu pai, no dia de uma festa na clínica dele, ano retrasado
. Não sem
nem como chegamos àquilo, mas foi no banheiro... Até que foi bom, mas foi meio... se
i lá,
incompleto, parece que não era bem aquilo que eu queria.
Uau... No banheiro?
É, a coisa tava tensa. Hahaha! Mas isso é passado. E você?
Também não. Foi com essa mesma menina da oitava série, mas não foi lá grande coisa. Ela
era inexperiente, eu, mais ainda, então não deu muito certo. Mas valeu.
Permaneceram em silêncio novamente. Cody foi até Luc e o abraçou por trás, envolvendo-o
pela cintura e repousando o queixo sobre seu ombro.
Tem mais uma coisa que eu queria te perguntar, Luc disse Cody.
O quê?
Após alguns segundos de hesitação, Cody prosseguiu:
Você... quer namorar comigo?
Neste exato momento, uma lágrima de felicidade brotou dos olhos de Luc, que se vir
ou de
frente.
Como é que é?
É, ué, quer namorar comigo?
Sem saber se ria ou se chorava e felicidade, gaguejando, Luc respondeu:
Oh, meu Deus, Cody! Sim, sim, claro que eu quero! É tudo que eu mais quero!
Abraçaram-se e riram. Aquele era o momento que Luc sempre idealizara em seus sonho
s mais
utópicos e que estava acontecendo de forma tão mágica.
Eu te amo, Luc, como nunca amei ninguém.
Eu também te amo, Cody. Você foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido.
Olharam-se carinhosamente e então se beijaram com paixão. Caminharam até o quarto de
Cody, saindo da sacada e das vistas de quem os olhos ali pousassem.
Num movimento delicado, Luc tirou sua camisa. Cody fez o mesmo, e ali trocaram t
oques e
olhares ingênuos. Quando deram por si, já estavam completamente despidos, deitados s
obre a cama
macia de Cody.
E foi naquela noite estrelada que Luc aprendeu o verdadeiro significado da expre
ssão fazer
amor. Não houve dor, nem mágoas, nem arrependimentos, nem lembranças desconfortáveis, ne
m
qualquer sensação desagradável. Fez-se amor, praticou-se amor e descobriu-se o amor, o
mais nobre
de todos os sentimentos, compartilhado através da mais sublime forma de expressá-lo.

Se é verdade que duas pessoas unem suas almas quando se amam, aquele foi, sem dúvida
, o
momento onde tudo fez-se eterno e duas almas se tornaram apenas uma.
Uma, duas, talvez três horas, ou mais, tivessem passado durante aquele momento tão úni
co e
especial. Quando Luc acordou, o dia já havia clareado. O sol batia palidamente na
janela e a
iluminava todo o quarto. Ainda estava com bastante sono e levou alguns segundos
até se relembrar
de tudo. Viu que Cody estava envolto por seus braços e dormia como um anjo. Sorriu
. Sorriu por
estar vivendo algo que nunca imaginou que pudesse viver; sorriu por estar acorda
ndo ao lado da
pessoa que mais amava e por saber que essa poderia ser apenas a primeira de muit
as manhãs que
ainda viveriam. Nunca sentiu felicidade tão completa, tão pura. Abraçou Cody, encostou
sua cabeça
em seu ombro e dormiu novamente com um sorriso sereno nos lábios.
Quando despertou novamente, Cody já não estava mais ao seu lado. Bocejou, se espregu
içou,
se sentou na cama e pôs seus óculos.
Bom dia ouviu-se soar a voz de Cody, que entrava no quarto e trazia consigo uma
bandeja
de prata.
Bom dia... respondeu Luc.
Dormiu bem?
Dormi... Dormi ao lado de um anjo. E você?
Dormi ao lado do amor da minha vida. E vim trazer café na cama pra ele respondeu C
ody,
colocando a bandeja sobre um suporte em cima da cama.
Luc sorriu. Tomou gole do café e disse:
A noite de ontem foi incrível.
Cody se sentou ao lado de Luc. Sorriu e disse:
Foi mesmo... Tá vendo? Se eu tivesse viajado, ela não teria acontecido, sinal de que
não era
pra eu ter ido.
É verdade.
Você precisa ligar pro seu pai, ele deve estar preocupado.
Não esquenta, ele sabe que estou em boas mãos.
Luc terminou de tomar seu café e colocou a bandeja sobre o criado mudo ao lado. Co
dy voltou
à cama e então se deitaram novamente.
Queria acordar ao seu lado todos os dias disse Cody.
Hahaha! Você consegue me deixar sem graça, sabia?
Eu sei, e a culpa é sua. Você me deixou assim.
Por falar nisso, eu estava pensando... Você poderia ir lá em casa hoje. Tenho que te
apresentar meu pai e a namorada dele formalmente.
Ué, por mim, tudo bem.
À hora do almoço ele está em casa, aí a gente vai.
Beleza, vou conhecer o sogrão. Pena que você conheceu os meus pais de forma tão chata.
Ah, sua mãe parece ser legal.
É, sim, mas sempre foi muito submissa ao meu pai, então também não foi lá muito presente.
Mas mãe é mãe, né?
É verdade, pena que eu perdi a minha tão cedo.
Do que ela faleceu, que mal lhe pergunte?
Tuberculose. Ela teve, não cuidou direito e acabou não resistindo.
Sinto muito.
Já faz tempo, nem me lembro direito dela, mas, pelo que o meu pai me conta, ela er
a muito
bacana.
E seu pai, como é?
Ah, meu pai é perfeito, não sei o que seria de mim sem ele. Você vai gostar dele. E el
e de
você.
E a namorada dele? É legal?
Muito. Já a considero praticamente minha segunda mãe.
Como eles souberam de você?
Eu contei, depois que você foi embora, aquele dia, durante o campeonato.
Eles aceitaram numa boa?
Aceitaram. Meu pai ficou meio nervoso por eu ter contado a ela primeiro, mas fic
ou tudo
bem depois.
Hum... Os meus jamais poderiam desconfiar, mas acabaram sabendo, né? Da pior manei
ra
possível.
É, é triste.
Luc se levantou e se espreguiçou mais uma vez. Vestiu suas roupas e disse:
Podemos ir, meu pai já deve estar chegando.
Cody consentiu. Levantou-se, ajeitou a roupa, pegou a chave do carro e então saíram.
Thomas ainda não havia chegado, pois o carro não estava à porta. Entraram em casa, não h
avia
ninguém.
Ué, ninguém em casa... indagou Luc. Vou ligar à Erin, acho que ela está de folga hoje
Luc pegou o telefone e discou os números. Cody se sentou no sofá da sala.
Alô? Erin?
Oi, querido! Como está?
Tudo bem, e você?
Também, tudo ótimo.
Escuta, você tá ocupada?
Não, por quê?
Ah, é que o Cody tá aqui em casa, queria apresentá-lo a você e ao meu pai oficialmente.
Oh! Então quer dizer que vocês... né?
Sim, por isso o trouxe aqui, hahaha!
Estou indo agora! Chego num minuto. Até mais.
Desligaram.
Ela já vem. Meu pai deve chegar logo. Vamos esperar. Quer beber alguma coisa?
perguntou Luc, dirigindo-se à cozinha.
Não, obrigado respondeu Cody, que perguntou em seguida: Vamos sair hoje à noite?
Pra onde?
Não sei ainda, não sei direito o que você gosta de fazer respondeu Cody, sorrindo.
Eu gosto de comer, então podemos ir a qualquer lugar onde haja comida respondeu Lu
c,
voltando à sala.
Nesse instante, ouviu-se o ruído das chaves de Erin abrindo a porta da sala.
É ela chegando disse Luc.
Cody se levantou e ajeitou sua roupa. Logo a figura sorridente de Erin se fez pr
esente na sala.
Olá, rapazes! cumprimentou ela, dando um beijo no rosto de cada um.
Oi, Erin. Este é o Cody, Cody, essa é a Erin.
Prazer em conhecê-la.
O prazer é todo meu! Você é ainda mais bonito de perto! elogiou ela.
Como assim, de perto ? perguntou Cody, sem entender.
Ah, a Erin estava em Itýr no dia da final. Ela te viu jogar.
Mesmo? Que legal, eu não sabia.
Logo em seguida, ouviu-se a porta abrir novamente.
Agora é meu pai disse Luc.
Todos se sentaram e esperaram que Thomas desse o ar da graça. E então ele surgiu enq
uanto
todos o fitavam.
Ué, reunião de família? perguntou ele, sorrindo.
Estávamos te esperando respondeu Luc.
É, o Luc trouxe o Cody para que fôssemos apresentados acrescentou Erin.
Cody se levantou. Thomas colocou sua mala sobre uma das poltronas, deu um beijo
no rosto e
de Erin e se aproximou alguns passos, mantendo uma expressão séria enquanto observav
a Cody, que
permanecia de pé, esperando algum comentário.
Então você é o Cody... indagou Thomas.
Sim, senhor.
Thomas meneou a cabeça. Aproximou-se mais um passo, estendeu os braços e disse:
Vem aqui, me dê um abraço.
Estranhando a ordem, mas não contestando, Cody abraçou Thomas. Abraçaram-se fortemente
.
Cuide bem do meu filho ou eu lhe capo, entendido?
Perfeitamente.
Ai, Thomas, isso é coisa de se falar? censurou Erin.
É claro, ele tem que saber dos riscos que corre se não zelar direito pelo meu tesour
o, não é,
filho?
Se você diz...
Então pronto. Vou preparar o almoço.
Aquela tarde foi cheia de boa conversa, de boas risadas e de perfeita harmonia.
Luc nunca
esteve tão feliz. Saber que seu pai o aceitava, de coração, e que, ao que tudo indicav
a, não teria
problemas quanto ao seu relacionamento era muito gratificante e trazia, também, um
grande alívio.
Almoçaram em família, já que, segundo Thomas, Cody agora fazia parte da família.
E por falar em família disse Thomas, quando já haviam todos terminado a refeição , que
aproveitar o ensejo para anunciar que eu e a Erin vamos nos casar.
Luc até engasgou com o suco.
Hein?
Nós vamos nos casar, ora.
Por que o espanto, meu anjo? perguntou Erin, preocupada.
Luc franziu o cenho e levantou as sobrancelhas.
Nossa, por essa eu não esperava... Mas que coisa boa! Quando vai ser?
Ainda não sabemos, talvez em meados do ano que vem.
Fico feliz por vocês disse Cody.
Obrigado, obrigado, mas depois nós conversamos melhor sobre isso. Se me dão licença,
agora eu preciso voltar ao trabalho disse Thomas, se levantando e recolhendo a l
ouça.
E eu vou pegar carona com você, tenho alguns probleminhas pra resolver acrescentou
Erin.
Nos vemos qualquer hora, rapazes.
Tá bem, até mais.
Tchau.
Despediram-se todos e então Luc e Cody ficaram sozinhos novamente. Luc recolheu o
restante
da louça, colocou sobre a pia e pôs-se a lavá-la, enquanto Cody permanecia sentado à mes
a.
Quer ajuda aí? perguntou.
Precisa não, obrigado.
Eles são muito legais.
São mesmo... Queria que todos tivessem pais como eles.
Também acho.
Após um instante pensativo, Cody perguntou:
Luc, posso fazer um comentário completamente desnecessário?
Ué, pode.
Não vai ficar bravo comigo?
Não.
Tem certeza?
Tenho, ora!
Cara... seu pai é um tesão.
Cody!!! verberou Luc, jogando, com a mão, água da torneira no rumo de Cody, que se
defendeu e riu.
Que foi? Eu disse que o comentário era desnecessário.
Não vou falar nada.
Ah, vai ficar bravo?
Não.
Não, né? Já está bravo.
Não estou, não. Até porque o seu também é um coroa bem sexy. Pena que é casado com a
dona Suzan.
Luc!
Pronto, empatamos.
Hahaha! Você não presta.
Capítulo Final

Não quer mesmo que te leve, filho? perguntou Thomas.


Não precisa, pai, não é longe, eu vou sozinho.
Bom, você que sabe.
Não se preocupe. Não sei se volto hoje, então, até mais.
Tchau.
Luc saiu e fechou a porta. Essa era a noite do jantar que havia marcado quando a
presentou
Cody a Thomas e Erin.
O caminho não era tão longo, as ruas eram residenciais e o bairro era bastante tranq
uilo, então
não havia perigo, por isso Luc sempre preferia caminhar a ir de carro com seu pai,
assim ainda
aproveitava o ar fresco e sereno da noite.
Após poucos minutos de caminhada, chegara à rua da casa de Cody. Desacelerou o passo
e
seguiu em frente. A brisa oriunda do chacoalhar das folhas das árvores trouxe ao o
lfato de Luc um
perfume familiar, muito agradável, do qual não se recordava de quem era. Luc suspiro
u e apreciou a
boa fragrância.
Chegou à casa de Cody. Caminhou alguns passos pelo pequeno jardim e sentiu que o a
roma do
perfume se intensificara. Curioso, olhou para trás, tentando identificar a quem pe
rtencia essência tão
boa. E então, abruptamente, alguém puxou Luc pelo braço e o colocou contra a parede nu
m canto
escuro do jardim onde estava.
O susto foi tanto que Luc até parou de respirar por alguns segundos.
E aí, veadinho? Luc reconheceu aquela voz.
Ofegante, tentou lembrar a quem pertencia.
Jesse?!
Eu mesmo, seu marica.
O que você quer? O que faz aqui?
Eu que deveria fazer essa pergunta, não? Afinal, você está na porta da casa do seu arq
uirrival,
que é, por sinal, meu amigo.
Deixe-me em paz.
O que veio fazer aqui? Está tentando passar sua veadagem para o Cody, é? perguntou J
esse,
sarcástico.
Minha sexualidade não te diz respeito.
Ah, então quer dizer que você é mesmo um veadinho?
Sou. E isso não muda nada na sua vida. Agora me solta, você está me machucando.
Jesse pressionou Luc contra a parede novamente e disse:
O Cody é meu, saia do caminho dele ou eu acabo com você.
Você está louco, me solta!
Eu vi vocês dois ali na sacada dia desses. Desde então, estive vigiando a casa dele,
esperando
que você voltasse para te dar esse aviso pessoalmente.
Eu não tenho medo de você.
É melhor ficar esperto, senão...
Senão o quê?
Jesse deu um sorriso malévolo.
Senão eu vou ter que te dar o mesmo corretivo que eu iria te dar aquela noite.
Do que você está falando?
Ah, já se esqueceu? perguntou Jesse, sussurrando no ouvido de Luc sinuosamente.
Me esquecer do quê?
A proximidade em que estavam tornou o perfume de Jesse ainda mais familiar.
Apesar de todo o desespero e adrenalina daquele momento, Luc conseguiu enxergar
certa
beleza naquela pessoa tão ameaçadora e pôde perceber o quão incrivelmente maravilhoso er
a seu
perfume... Exalava uma fragrância tão máscula que, por um lapso de segundo, talvez pel
o medo que
estivesse sentindo, quase pensou em se entregar e descobrir o que havia atrás daqu
ela virilidade tão
violenta.
Daquela noite em que você estava andando sozinho por aquelas ruas escuras...
Já estava praticamente correndo por aquela rua que, além de mais longa, parecia aind
a mais
escura do que a anterior. Maldita decisão de mudar de caminho.
E eu te reconheci, de longe, e te segui.
Olhou por cima de seus ombros e viu que uma silhueta alta e magra se aproximava
a passos
médios. Não era possível ver o rosto, mas, pelo modo de andar, era temível.
Até que eu te alcancei e te abordei... Nossa, você estava uma delicinha...
E então, pressionando-o contra a parede, o homem aproximou seu corpo ao de Luc, co
locou
uma mão em seu pescoço e começou a explorar seu corpo com a outra mão.
Nunca quis tanto comer alguém como naquela noite.
Oh, meu Deus! Então era você?!
Sim, era eu mesmo. Pena que você me deu aquela maldita joelhada, senão a noite teria
sido
perfeita.
É claro! Então aquele era o perfume tão familiar!
Luc arregalou os olhos. Não acreditava que uma das noites mais terríveis de sua vida
fora
antagonizada por Jesse sem que ele sequer pudesse imaginar.
Já estou ficando excitado só de lembrar disse Jesse, tirando o cinto da calça e abaixa
ndo o
zíper.
Socorro! gritou Luc.
Jesse tampou a boca de Luc com força e esbravejou:
Nada de gritos, veadinho, comporte-se. Prometo que vou ser gentil, não vai doer na
da.
Desesperado, Luc não tinha para onde correr e estava prestes a ser violentado por
Jesse. Mas,
por sorte, ao ouvir o grito de socorro, Cody, que estava em casa, à espera de Luc,
saiu para procurar
quem pedia ajuda. Ouviu gemidos do canto escuro do lado de fora e apressou-se em
verificar o que
era. E foi surpreendido ao reconhecer Jesse e Luc.
Sem pensar duas vezes, correu e separou os dois, fazendo Jesse cair ao chão com um
soco no
rosto.
Cody! Graças a Deus!
Luc! Você está bem?
Estou, estou sim respondeu Luc, ofegante.
Com muito esforço, Jesse se levantou e caminhou alguns passos em direção aos dois. Enx
ugou
o sangue da boca, sorriu e perguntou, irônico:
Então quer dizer que agora vocês são namoradinhos?
O que veio fazer aqui, Jesse? perguntou Cody, acolhendo Luc em seus braços.
Você não pode namorar esse veado! gritou Jesse. Você é meu! Você tem que ficar
comigo! Eu te amo! Como você nunca percebeu isso, Cody?!
Você está completamente fora de si, Jesse, saia daqui antes que eu chame a polícia.
Vocês vão pagar por isso! Vão pagar! urrou Jesse, que correu e sumiu nas ruas dali.
Passada a anestesia da adrenalina, Luc inda em estado de choque, chorou, desespe
rado.
Vamos entrar, Luc disse Cody, trazendo Luc consigo.
Levou-o até o quarto e o colocou na cama, deitando-se ao seu lado.
Calma, eu estou aqui.
Luc tentava falar, explicar o que havia acontecido, mas soluçava e não conseguia con
trolar as
lágrimas.
Não precisa falar nada, amanhã você me conta com calma. Agora descanse.
Depois de muito pranto, Luc acabou adormecendo, assim como Cody.
No dia seguinte, com calma, Luc contou a Cody tudo que havia acontecido, desde a
primeira
vez em que Jesse o abordara sem que ele soubesse. Cody, perplexo, jamais imagino
u que Jesse
pudesse ser capaz de cometer tal atrocidade. Sugeriu que Luc fizesse um boletim
de ocorrência, mas
ele preferiu não fazer, afinal, nada de grave havia acontecido; fora apenas uma te
ntativa.
Dias depois, através de Adrian, Cody descobriu que Jesse foi encontrado morto em c
asa por
conta de uma overdose de ecstasy. Cody ficou atônito. Jesse era alto, forte, cheio
de vida, jamais
imaginaria que ele fosse usuário de drogas.
Não foi ao seu enterro. Apenas ligou para os pais dele e ofereceu suas condolências.
Queria
manter a imagem de Jesse sadio e viril que sempre teve, não a de sua carcaça dentro
de um caixão.
...
Alguns meses se passaram. As coisas finalmente se estabilizaram e tudo corria be
m.
Amelie e Alex continuaram o namoro e Alex se mostrava cada vez mais cavalheiro.
Quando
receberam a notícia de que Cody e Luc estavam namorando, riram, de tão absurdo que p
areceu, mas
se contentaram em saber que, após tanto tempo de sofrimento velado, Luc conseguira
despertar os
sentimentos de Cody e mostrar a ele o que ele realmente era.
Seguindo o conselho de Luc, Cody resolveu contar tudo a Adrian, que ficou muito,
mas muito
satisfeito, tanto por saber que Cody finalmente enxergara a pessoa especial que
Luc era quanto por
perceber que tinha a confiança de Cody. Isso serviu para que os dois se aproximass
em e deixassem
de lado todos os rótulos que lhes foram dados em North Bound.
Desde a morte de Jesse, não se teve mais notícias de Seth. A única coisa que se soube
foi que
ele ficou muito abalado e que se isolou das outras pessoas. Sempre dizia que sumi
ria de Kells
quando acabassem seus estudos, então talvez tivesse, de fato, cumprido com o dito.
As coisas entre Cody e Suzan também se apaziguaram. A vida em Edsen estava mesmo d
ando
certo e rendendo muitos frutos. A oportunidade de emprego de Stewart se transfor
mara numa
sociedade muito bem sucedida, e a qualidade de vida lá era ótima, segundo ela. Suzan
ainda tentou
convencer, mais uma vez, Cody a se mudar, mas ele permanecia irredutível. Preferiu
continuar
vivendo em Kells, ao lado de Luc. Apesar das circunstâncias, Suzan conseguiu compr
eender, aceitar
a respeitar a condição de Cody, ao passo que Stewart permanecia mantendo o mesmo dis
curso
moralista.
A mansão onde Cody morava foi vendida. Como o dinheiro, Cody comprou uma casa meno
r,
já que viveria sozinho, além de que a nova casa era mais próxima à de Luc. Apesar de sua
familiar
sempre ter sido abastada, Cody não era uma pessoa ostensiva, se contentava com o q
ue lhe era
apenas necessário.
Rhud deu notícias. Depois de muito tempo sem nenhum sinal de vida, ligou para Luc.

Rhud! Que bom ouvir sua voz! Que saudade! Por que sumiu, criatura?!
Hahaha! Estive muito ocupado com trabalho, tava uma correria danada. Mas e aí, o q
ue você
me conta?
Nossa, tanta coisa que nem sei! Onde você está?
Estou em Dyesen. Vim aqui visitar um primo. Estou ligando pra avisar que estou p
assando
por Kells semana que vem.
Sério?! Semana que vem é casamento do meu pai!
Jura?!
Sim! Apareça por aqui, traga seu primo também. Vai ser uma super festa.
Tá bom, nós iremos, sim. Olha, liguei só pra falar um oi , viu? Depois a gente combina
direito tudo isso, tá bom?
Tudo bem, então a gente se fala.
O casamento estava para acontecer. Faltavam apenas poucos dias para a grande cer
imônia. A
lista de convidados já estava finalizada e os convites já haviam sido entregues.
Dentro de três dias, Rhud chegou. Luc e ele se encontraram no shopping e mataram a
saudade
pessoalmente. Rhud parecia ainda mais charmoso e encantador do que quando o Luc
o vira pela
primeira vez no restaurante do hotel.
Ah, quanto tempo, seu velho safado!
Eu que o dia, seu moleque!
Cadê seu primo? Ele não veio com você?
Veio, sim, está no hotel.
Ah sim... Que saudade eu estava de você!
Abraçaram-se e riram.
Eu também, garotinho. Mas que coisa, hein? Seu pai vai se casar mesmo com aquela m
oça?
Vai, sim, ela é demais. Eu a apresentarei no dia, você vai gostar dela.
E o grande dia chegou. A emoção era grande, a apreensão maior ainda. A cerimônia se
realizaria na Catedral de Kells, onde já estavam todos os convidados.
Erin estava atrasada, como reza a tradição. Thomas mal se continha de tanto nervosis
mo. Luc
permanecia ao seu lado, junto a Cody, que estava sendo alvo de cochichos e comen
tários das
célebres tias velhas da família.
Quem é aquele rapazinho loiro ali?
Dentro de poucos minutos, a noiva finalmente chegou à igreja. Todos se levantaram
e
admiraram-na. Erin usava um vestido de noiva tradicional, com detalhes prateados
e um corte de
muito bom gosto. Trazia com sigo um buquê de rosas vermelhas e amarelas e mantinha
um sorriso
angelical, que ornava com perfeição seus traços delicados.
Ao som da marcha nupcial, acompanhada de seu pai, que viera de outro estado espe
cialmente
para conduzi-la até o altar, Erin caminhou pela nave da igreja e, então, alcançou o al
tar, onde foi
entregue a Thomas, que radiava felicidade.
Tudo foi perfeito, do começo ao fim. Após o final da cerimônia, muitos aplausos, assov
ios,
grão de arroz jogados ao ar e, claro, muita comemoração.
A festa fora realizada numa pequena chácara próxima à saída da cidade, onde todos foram
convidados. A organização ficou por conta de Amelie, que era, apesar da pouca idade,
uma pequena
grande organizadora de eventos. Lá, durante a festa, Luc e Rhud puderam conversar
melhor. Luc o
avistou sentado numa das mesas e foi até ele.
E aí, Rhud?
Oi, Luc. Tá gatinho de terno e gravata, hein?
Imagina, você é que tá, como sempre.
Ah, este é meu primo de quem te falei disse Rhud, abraçando o tal primo de lado.
Como vai? cumprimentou Luc, estendendo a mão.
Bem, obrigado. Bela festa respondeu ele.
E seu namoradinho, cadê? perguntou Rhud.
Tá por aí... Aliás, vamos, deixa eu te apresentar o meu pai, de novo.
Vamos, sim. Você vem comigo, primo?
Uhum.
Caminharam pelo gramado e foram até o casal, que se despedia de duas tias velhas da
família
da noiva.
Gente, quero que conheçam meu amigo Rhud disse Luc, dando um tapinha nas costas de
Rhud.
Ah, mas que amigo galante, Luc! elogiou Erin. Como vai?
Tudo bem, obrigado. A festa está linda, quem organizou?
Uma amiga do Luc. De muito bom gosto, não?
De fato... E esse é seu pai concluiu Rhud , acho nos conhecemos em Itýr, no hotel.
Parabéns pra vocês cumprimentou ele, estendendo a mão.
É, nos vimos uma vez. Obrigado por ter vindo respondeu Thomas, sorridente.
Imagina. Ah, gente, esse é meu primo. Ele é meio calado, mas é gente boa, viu? brincou
Rhud.
Enquanto Erin o cumprimentava, Thomas o fitou com um olhar profundo, como se est
ivesse
investigando o sujeito, tentando ler alguma coisa em seus traços.
Engraçado... Parece que eu te conheço disse Thomas com um sorriso, enquanto continua
va
a fitar o rapaz.
É, você também não me é... espera aí interrompeu-se. Thomas?
Imediatamente, abrindo um sorriso de surpresa e alegria, Thomas exclamou:
Troy??? Oh, meu Deus!
Então os dois se abraçaram calorosamente e riram muito, deixando Luc, Rhud e Erin se
m
entender o porquê de tanta felicidade, já que o acompanhante de Rhud não era conhecido
de nenhum
deles. Depois de muito se abraçarem, rirem e rodopiarem, Thomas se recompôs e, ainda
emocionado,
explicou:
Filho, lembra do dia em que eu te contei sobre aquele meu amigo da faculdade?
Claro.
É este mala aqui!
Ah, então vocês já se conheciam? indagou Rhud.
Claro! Eu e esse desgraçado éramos melhores amigos nos tempos da faculdade.
É verdade, Rhud confirmou Troy. Eu não sabia que você ainda estava em Kells, Thomas.
Eu nunca saí daqui, foi você quem sumiu, seu veado!
Ah, Thomas, seu maldito! Que saudade!
Abraçaram-se novamente.
Nossa, temos muito o que conversar, vamos nos sentar.
Aquele fora o melhor presente de casamento que Thomas poderia receber reencontra
r seu
grande amigo Troy após quase vinte anos. Rhud não tinha conhecimento da história de am
izade entre
ele e Thomas, assim como Luc jamais imaginaria uma coincidência tão grande. Sentaram
-se numa
das mesas do gramado e conversaram muito.
Luc procurou por Cody e viu que ele estava conversando com as mesmas tias velhas q
ue
cochichavam durante a cerimônia. Aproximou-se dele e o abraçou pelo ombro.
Ah, você é o filho do noivo, né? perguntou uma delas.
Sou sim, senhora.
E esse deve ser seu irmão, não é?
Não, Margriett, devem ser primos discordou a outra. Eles não se parecem nada.
Cody e Luc se entreolharam e riram. Então Luc respondeu:
Não, senhoras, nem primos, nem irmão. Somos namorados.
As duas olharam com uma expressão de surpresa misturada com indignação e reprovação.
Vamos, embora daqui, Margriett. Esse mundo está mesmo perdido.
Passar bem despediu-se a outra, com voz de pouco caso.
A festa prosseguiu e o dia se desfechou melhor do que o esperado.
Troy voltou a fazer parte da vida de Thomas e Rhud voltou à vida em Dyesen. As tai
s tias
velhas tiveram assunto por um bom tempo.
A lua de mel do casal foi mais do que perfeita. Nos dias em que estiveram viajan
do, Luc ficou
na casa de Cody, onde também viveram, por alguns dias, uma vida de casados. Luc go
stou tanto
dessa experiência que até pensou em se mudar para a casa de Cody definitivamente, pa
ra que
pudessem viver juntos, mas achou melhor não, pelo menos por enquanto. O que não sabi
a, era que
Thomas tinha outros planos.
Quando voltou da lua de mel e tudo se estabilizou novamente, Thomas tomou uma de
cisão, no
mínimo, interessante, que fora anunciada num dos já tradicionais almoços em família.
Cody, eu quero que venha morar conosco.
Luc ficou até paralisado, tamanha foi sua emoção. Cody mal conseguiu responder ao pedi
do.
Eu acho boníssima ideia comentou Erin.
Minha nossa! Cody mal acreditava. Isso é sério?
Claro que é, ora, estou te convidando. Se quiser um tempo pra pensar, tudo bem.
Mas eu vou acabar tirando a privacidade de vocês, gente, não quero incomodar.
Já dissemos que você é da família, não vai nos tirar nada.
Cody ficou pensativo. Não sabia se ria ou se chorava de alegria. Procurou uma resp
osta nos
olhos de Luc, mas ele também estava sem palavras.
Então eu aceito respondeu ele, ainda incerto.
Ótimo. Mas não precisa ter pressa, viu? Pode vir quando achar melhor.
Obrigado, pai agradeceu Luc, emocionado.
Eu também agradeço, seu Thomas.
Seu Thomas vírgula! brincou Thomas. Eu já casei, mas ainda estou novo! Mas enfim,
considere isso um presente de gratidão pelo bem que você tem feito ao Luc, sim? diss
e Thomas,
segurando as mãos dos dois.
Tá bem, Thomas.
Então tá. Amo vocês.
Também te amamos, pai.
Em pensar que tudo começou de forma tão cruel, tão sofrida, e agora Cody viveria na ca
sa de
Luc. Quantas reviravoltas, quantos acontecimentos inesperados, surpreendentes, q
uantas emoções.
Sinal de que o Inesperado pode sempre fazer uma surpresa, ou várias surpresas, poi
s se do intrínseco
do coração tão aparentemente frio e inóspito de Cody nasceu uma das maiores, quiçá a maior
istória
de amor já vista em North Bound, o que seria impossível, afinal?
Nada é por acaso. Podemos não saber nem entender o porquê disso agora, mas tenho
certeza de que há uma razão.
Você nunca disse palavras tão sábias, Cody!

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