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velhas

virgens
ninguem beija como as lesbicas
libreto da ópera rock

ninguem beija como as lesbicas


cena 1 - o gênio da garrafa

O mundo de fora é o mundo.“Dentro da Garrafa” é outra coisa.

O mundo é chato, cheio de leis, violência, obrigações, dores


e tristezas .“Dentro da garrafa” a festa é eterna e não tem hora pra acabar. “Dentro
da garrafa” é uma cidade-cabaré onde vários gêneros de malandros e meretrizes de
eras ancestrais e contemporâneas convivem em harmonia caótica.

Os gênios são a nata destes vagabundos e os únicos autorizados a sair para para o
mundo de fora para atender aos malfadados três desejos. São vários e vários os entes
dedicados a este trabalho, mas apenas alguns podem negar o atendimento e propor
outro desejo aos amos: Genhendrix, GenMorrison, GenJanis, GenLennon, GenKurt.

Mas dentro desta casta de seres iluminados que vive “Dentro da garrafa” se destaca
um líder: GenElvis, o gênio da garrafa.

música: gênio da garrafa

cena 2 - os guardiões do portão monumental


Trabalho findo, GenElvis volta garboso pro mundo perfeitamente esculhambado
de “Dentro da garrafa”, em cujos muros aparece pichada a frase: O Gênio da
Garrafa manda!

Ele sabe que não é nada disso. Mas aceita a fama e degusta o elogio.
No caminho paradisíaco para o interior da garrafa, seres iluminados ou não, todos
devem responder ao enigma dos três guardiões do portão monumental: a Boca, a
Buceta e a Bunda. O problema é que eles estão sempre discutindo e acabam
esquecendo de fazer a pergunta.

música: a boca a buceta e a bunda


cena 3 - a praça central

A Praça Central, os botequins á volta, o grande Cassino ao centro, aVila


Mimosa ao fundo, quase saindo da cidade. Eis o mapa resumido de
“Dentro da garrafa”.
E é neste micro vale do anhangabau que o Gênio da Garrafa reina. Ao
atravessar os Portões Monumentais deste mundo magicamente
embriagado, GenElvis encontra seu povo. O gênio da garrafa manda!

música: bunda boa

Distraído entre cumprimentos e tapinhas nas costas, o


Gênio da Garrafa ouve um som recorrente de sua infância:
os homens do realejo que fazem propaganda dos grandes
eventos locais.
“É hoje, a imperdível, a sensacional estréia da polêmica,
reveladora, mediocrática, cabriocárica, inóxidável,
antropomórfica e sentimental película baseada nas
memórias da puta mór:Ninguém Beija Como as Lésbicas.
Finalmente, luz sobre a vida sexual do Gênio da Garrafa.
Teria Puta Mór se tornado lesbiana diante de sucessivas
frustrações sexuais com GenElvis? Seria o mais popular dos
gênios de “Dentro da garrafa” um arremedo de amante? E Puta
Mór, que pito toca? Não perca, hoje no Cassino Central, a sensacional estréia de
Ninguém Beija como as Lésbicas”

música: ninguém beija como as lésbicas

O coração, quem diria, relativamente inocente do Gênio


da Garrafatremeu diante da lembrança dos dias de furia
vividos durante sua união com a mulher hoje conhecida
apenas como Puta-Mór, a maior cafetina de Dentro da
Garrafa. O amor que apartou-se dele.
- vai saber o que este rapaz passou!
Os flash backs do conflito emocional ainda estão vivos em sua
mente.

música: esta mulher só quer viver na balada


cena 4 - a puta mor

Na sala roxo fucsia do alto da torre mais alta do seu QG naVila


Mimosa, elevada á condição de celebridade instantânea pela
transformação de suas memórias em filme de sucesso
mesmo antes do lançamento, Puta-Mór desfruta da adulação da
imprensa e destila venenosamente sua versão do casamento com
Genelvis, assim como da fatalidade que envolveu seu final misterioso.
Tudo isso sem, no entanto, entregar o segredo que se esconde por trás da película.

música: cafajeste

cena 5 - roy e juju

Rei morto, rei posto. Com a separação de GenElvis e da mulher que hoje atende por
Puta-Mór, a vaga de “casal queridinho” de “Dentro da Garrafa” foi preenchida por
uma dupla de cantores no melhor estilo Ike & Tina Turner (ou quem sabe Jane e
Herondi?): Roy e Juju caíram na graça popular e acabaram convidados para estrelar o
blockbuster “Ninguém Beija Como as Lésbicas”, no papel do casal protagonista. Para
muitos um filme homofóbico. Para outros uma papagaiada.
Mas a vida fora das telas prega peças aos pombinhos apaixonados.Assolada pela fama
repentina, Juju se revela ciumenta e possessiva diante de Roy, o guitarrista com olhos
de rapina que vira e mexe precisa explicar seus constantes meneios de cabeça
para todo e qualquer rabo de saia que se aproxima. eEa inquiri e ele explica.

música: bortolotto blues


cena 6 - com velho safado no bar

Mesmo não tendo uma religião propriamente dita, ainda que crendo em um ser
superior, a população de “Dentro da Garrafa” encara os bares como locais sagrados.
É lá que se praticam os santificados rituais da bebelança, da jogatina e da tiragostagem.
E é num destes templos alcoolatrados que, em momentos de pouca fé, o Gênio da
Garrafa pede conselhos a seu amigo Velho Safado. Os excessos provocados pela
bebida preocupam o mais popular dos entes fantásticos de “Dentro da Garrafa”.

Diante das pungentes dúvidas que assolam a mente do Gênio da Garrafa, seu
confidente confessa ter passado pelo mesmo questionamento. E mais:Velho Safado
declara já ter tentado deixar a vida boemia. Para tanto, teria inclusive agendado uma
singular despedida.Tempos mórbidos e tristes.

música: a última partida de bilhar


cena 7 - o beco da vingança anunciada

Satisfeito com as conclusões retiradas da conversa com seu sexagenário conselheiro,


eis que o Gênio da Garrafa decide voltar para casa e se preparar para a estréia do tal
filme sobre sua vida com a megera, filme este que pode acabar com sua reputação
libertária. Libertina? Sei lá!
Seria o gênio um preconceituoso intolerante? O que a referencia ao lesbianismo
teria a ver com a capivara de GenElvis?
Quer o destino que GenElvis vire a esquina do beco que se esconde atrás do bar,
onde topa com ninguém menos que Puta-Mór, seu antigo amor, sua algoz maior.
Fortalecidopelas palavras do amigo, GenElvis provoca a fera.

música: f.d.p.- filha da puta

cena 8 - de volta ao bar das lamentações

De volta ao bar, após saborear a vitória momentânea, nosso herói sente os chifres
pontiagudos da traição lhe atravessarem o peito.A verdade embarga sua voz e
engasga sua garganta. GenElvis precisa contar ao mundo seu drama, sua epopéia pelo
mar pegajoso e abrasivo do amor perdido. do coração partido
pela traição.

música: eu bebo pra esquecer

Claramente incomodada pelas estocadas


de seu ex-marido, Puta-Mór jura vingança.
O Gênio da Garrafa não perde por esperar,
diz ela.
Será esta noite, no Cassino Central.
cena 9 - o edificio treme-treme

Admirando-se no espelho trincado e manchado de sua


kitchnete,Velho Safadoassenta um a um seus fios de
cabelo engomados.Ainda lembrando das agruras do
amigo Gênio, ele alinha a gola do seu terno risca de giz
e acerta milimetricamente a gravata borboleta.

Não há noite e nem dia fixos “Dentro da Garrafa”. Muitas vezes


o periodo sem luz se estende por meses sem amanhecer.
E velho safado é o primeiro a sair de casa no último
crespúsculo que antecede à noite que ninguém sabe quando termina. Ele é só alegria,
assobiando e estalando os saltos dos seus sapatos de duas cores no elevador e nos
degraus do edifício Treme-treme, com seu uniforme de malandro carioca.

Lá vai ele, fagueiro, faceiro, dengoso, dar combustível pras más linguas da vizinhança.

música: velho safado

cena 10 - o cassino central em noite de gala

Carros, carruagens, limousines, Rolls Royces, Mavericks, Dodges


Dart e Ferraris de menor valor fazem fila para despejar
empetecados passageiros em frente ao Cassino Central nesta
noite iluminada, cheia de pompa e circunstancia.

Lá dentro a turba urra á chegada de cada um dos astros da


película a ser exibida pela primeira vez naquela noite.

A casa quase vem abaixo quando o casal central da trama, Roy e


Juju, sobe ao palco para acenar para os fãs. Sob severa ululancia
popular, o Duo Dourado, como é conhecido, é impelido a realizar
uma apresentação improvisada de seu dueto de maior sucesso.

música: strip'n'blues
cena 10 - o cassino central em noite de gala

Sob intensa salva de palmas, Roy e Juju assumem suas posições na área vip e se
preparam para a tão esperada exibição do mega sucesso inédito: Ninguém Beija
Como as Lésbicas. Puta-Mór e Gênio da Garrafa estão em balcões opostos, cara a
cara. Aos primeiros acordes da canção tema se misturam gritos histriônicos quando
as luzes se apagam, anunciando o início da sessão. Repentinamente, a trilha sonora é
interrompida e uma silhueta adentra o espaço branco atrás da tela, caminhando
lentamente, como uma aparição fantasmagórica inesperada.
Primeiro a gaita e depois a voz de Morganfield Gonzaga, o mentor supremo de
Dentro da Garrafa, fazem cessar imediatamente todo e qualquer resquicio de
emanação vocal dos presentes.Apenas o som hipnotizante do Bolero de Ravel serve
de fundo musical para suas palavras definitivas.
“Nos últimos dias “Dentro da Garrafa” passou por momentos de intensa exploração
midiatica da vida pessoal de seus maiores ídolos. Movidos pela vil e insaciável sede da
maledicência, nosso povo foi para as ruas comentar e questionar o conteúdo
polêmico da super produção “Ninguém Beija Como as Lésbicas”.A moral de
personagens que antes simbolizavam os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade
de “Dentro da Garrafa” foi manchada com acusações infundadas de intolerancia,
preconceito e homofobia.
Devotaram tanta atenção ao fuxiquismo e à fofocagem que se
esqueceram das três leis primordiais deste mundo
fantástico que conduzo:
-as doze horas no bar
-a camaradagem entre inebriados
-a embriaguês como forma de libertação

O mundo lá fora, vira e mexe, tenta nos impingir suas piores


qualidades. E diante deste evento cinematografico, mostramos
não estar imunes ao veneno que vem do mundo exterior: a excessiva
racionalização da vida, a banalização da amizade e a quantificação dos sentimentos.
Temos que nos refugiar aqui, dentro do “Bar”. Só dentro do Bar imperam a alegria e a
sinceridade. Nossa casa é dentro do Bar. Não há estréia. Porque não há filme. Sendo
assim, não há polêmica. Cada um que faça o quer quiser, pois
é tudo da lei.
Cada um que escolha seu modo de amar e ser feliz. O mundo de fora é o mundo.
“Dentro da garrafa” é outra coisa. Aqui, o amor é outra coisa”.

música: o amor é outra coisa

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