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CARTA: UMA LEITURA BAKHTINIANA DO GÊNERO

Profª Drª Ana Maria Pires Novaes (UNISUAM/ UNESA/ ISERJ)

Introdução

Este estudo tem como objetivo discutir o gênero carta, em especial o sub-gênero
carta pessoal, a partir da análise de um corpus, constituído de 20 textos produzidos por
alunos do Curso Normal Superior do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro.
Embasarão o trabalho os ensinamentos de Bakhtin (1986; 2000), principalmente, sua
concepção de linguagem, de dialogismo e de gêneros do discurso. O gênero carta será
definido quanto ao conteúdo temático, à construção composicional e ao estilo adotado,
valorizando-se, sempre, a situação interativa em que os textos foram elaborados e o
propósito do emissor ao escrevê-los. Pretende-se demonstrar, ainda, que a variedade de
gêneros da atualidade não são inovações absolutas, mas transformação de gêneros já
existentes.

1 Linguagem e interação

O homem, ao produzir um discurso1, se apropria da língua para representar o


mundo e para interagir socialmente. Por meio dela, torna-se sujeito cognoscente e, ao
mesmo tempo, sujeito social, constituindo o outro seu interlocutor. É ela, como
atividade que se realiza na interação, o instrumento através do qual os sujeitos
expressam idéias e sentimentos, emitem pretensões, dizem o mundo e nele atuam,
comunicando-se e estabelecendo, continuamente, relações com seus pares e com a vida
em sociedade.
Para Bakhtin, cujos princípios teóricos embasam este estudo, a interação verbal é
a realidade fundamental da linguagem; portanto, componente relevante do processo de
comunicação, significação e construção de sentido. Cada palavra emitida “é
determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige
para alguém” e serve de expressão a um em relação ao outro (BAKHTIN, 1986, p. 113).
Como decorrência dessa reciprocidade, toda ação verbal toma, socialmente, a
forma de uma interação entre um Eu e um Outro que, intersubjetivamente, constroem o
texto e seus sentidos.
Ao considerar o dialogismo o princípio constitutivo da linguagem, o teórico russo
coloca o texto como objeto central de investigação das ciências humanas, concebendo-o
como um objeto lingüístico-discursivo, social e histórico.
Ao analisar o conjunto da obra bakhtiniana, Brait (2001, p. 98-99) assinala que, ao
tentar formalizar seu próprio conceito de linguagem, Bakhtin “empreende uma crítica ao
que ele considera as duas grandes formas de enfrentamento dos estudos da linguagem”
– o “objetivismo abstrato” e o “subjetivismo idealista”. Referindo-se à “elegância” e
”pertinência” com que esse autor defende um instrumental diferente dos adotados pela
lingüística saussuriana ou pela estilística tradicional, comenta a autora:
Ao contrário do que admiradores e detratores de Bakhtin tentam enfatizar a
partir de leituras datadas e teoricamente comprometidas, as criticas às duas
tendências não têm por função demolir a perspectiva dos estudos
lingüísticos e estilísticos longa e criteriosamente desenvolvidos por essas
duas grandes tendências. O que se observa é que, ao assinalar determinados
aspectos marcantes dessas duas vertentes, Bakhtin tem em mira uma terceira
via de enfrentamento das questões da linguagem, que não se restringiria à
formalização abstrata nem às especificidades dos talentos individuais. Mas,
em nenhum momento, ele despreza a contribuição desse conjunto de
estudos, reconhecendo, como demonstra o conjunto de suas obras, o papel
da língua na constituição do universo significante e o papel da literatura
enquanto gênero discursivo privilegiado no que diz respeito à representação
da complexa natureza dialógica da linguagem.
Ao propor uma terceira via, Bakhtin, fundamentado nos pressupostos do
materialismo histórico, considera a linguagem em sua historicidade constitutiva. Os
sujeitos sócio-historicamente organizados, constituem os sentidos na interação verbal, e
o enunciado, produzido sempre em um contexto específico, caracteriza-se como unidade
real de comunicação pela possibilidade de estabelecer uma alternância dos sujeitos
falantes. Assim, na visão desse autor, “compreender a enunciação de outrem significa
orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente
[...] Compreender é opor à palavra do locutor uma ‘contrapalavra’” (BAKHTIN, 1986,
p. 131).
Ao se considerar a interação como constitutiva da linguagem, é preciso, por um
lado, tomar a palavra diálogo, num sentido mais amplo, para além das interações face a
face, de sorte que se possa contemplar toda comunicação verbal, independente do tipo
textual que apresente; por outro lado, priorizar a atividade interacional como fator
decisivo na análise das variadas formas do discurso e não apenas no diálogo enquanto
estrutura de texto.
Na perspectiva bakhtiniana, a questão do dialogismo tem uma dupla e indissolúvel
dimensão: a de diálogo entre interlocutores e a de diálogo entre discursos. A primeira,
diz respeito às relações entre sujeitos que interagem; a segunda, configura as vozes que
ecoam da comunidade, da cultura, enfim, da vida em sociedade. Nesta dimensão, o
discurso de um indivíduo interage com outros discursos, explícita ou implicitamente; é
tecido também por outras vozes que, ao emergirem de um contexto mais amplo – da
história, da memória – se entrecruzam, se completam, polemizam entre si na construção
de sentidos. Desse modo, um enunciado, produzido em um momento sócio-histórico
determinado, não pode deixar de refletir um diálogo social mais amplo, em que estão
presentes também aspectos sócio-ideológicos.
Ao organizar o texto de maneira a compreender e a se fazer compreender, o
locutor, além do instrumental lingüístico oferecido pela língua enquanto sistema,
mobiliza normas e estratégias de uso que se combinam com regras culturais, sociais e
situacionais, conhecidas e reconhecidas pelos participantes do evento interacional. O
esforço na produção do enunciado se manifesta por marcas que esse locutor deixa no
texto e que funcionam como pistas para que seu interlocutor possa compreendê-lo. A
compreensão, sob o prisma da interatividade, torna-se atividade altamente complexa de
produção de sentido, realizada por parceiros que interagem numa dada situação
sociocomunicativa.

2 Gêneros Discursivos

Para Bakhtin (2000, p. 282), assim como “a língua penetra na vida através de
enunciados concretos que a realizam, também, através de enunciados concretos, a vida
penetra na língua”. As esferas das atividades humanas, por mais variadas que sejam,
estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Ao representarem as diferentes
situações em que o universo das atividades humanas se manifesta, os enunciados
acabam por refletir as condições específicas e as finalidades diversas de cada uma
dessas esferas não só por seu conteúdo temático e estilo verbal, mas também e,
sobretudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 2000, p. 279). Assim, todo
falante, em função da especificidade da esfera de comunicação, do modo de produção e
recepção do texto, mobiliza diferentes competências e elabora “tipos relativamente
estáveis de enunciado”, por Bakhtin denominados gêneros do discurso.
A noção bakhtiniana de gênero amplia o conceito do termo para um conjunto de
práticas discursivas que decorrem do fato de ser a linguagem utilizada de diferentes
maneiras, para diferentes funções e em diferentes situações sociais. Cada uma dessas
situações determina gêneros com características temáticas, composicionais e estilísticas
próprias.
Ao se referir à escolha de palavras realizada pelo locutor na formulação dos
enunciados, Bakhtin (2000, p. 311-312) reafirma a relação entre as práticas sociais, a
interação e os gêneros discursivos:
Quando escolhemos uma palavra, durante o processo de elaboração de um
enunciado, nem sempre a tiramos, pelo contrário, do sistema da língua, da
neutralidade lexicográfica. Costumamos tirá-la de outros enunciados, e, acima de
tudo, de enunciados que são aparentados ao nosso pelo gênero, isto é, pelo tema,
composição e estilo: selecionamos as palavras segundo as especificidades de um
gênero.
Os gêneros são, na verdade, estruturas que se sedimentaram, cristalizações de
práticas sociais que se distribuem tanto pela oralidade quanto pela escrita e foram se
constituindo historicamente, na medida em que novas atividades foram realizadas pelos
indivíduos. Não são estáticos; ao contrário, estão sujeitos a mudanças decorrentes das
próprias transformações sociais.
Os suportes tecnológicos, centralizadores das atividades comunicativas da
realidade atual – rádio, televisão e, principalmente, a internet –, favorecem o surgimento
de uma variedade de novos gêneros como reportagens ao vivo, teleconferências,
videoconferências, bate-papos virtuais (chats), cartas eletrônicas (e-mails), aulas
virtuais, diários participativos (blogs) entre outros, com características típicas da
oralidade e da escrita. Na verdade, não são inovações absolutas, mas formas discursivas
que se ancoram em gêneros já existentes.
Marcados por “uma certa informalidade, menor monitoração e cobrança pela
fluidez do meio e pela rapidez do tempo”, os “gêneros emergentes”, resultantes, muitas
vezes, de um certo hibridismo, redefinem os usos da linguagem na atualidade e
desafiam as fronteiras entre oralidade e escrita (MARCUSCHI, 2004, p. 29).

3 Carta: definindo um gênero

Ao distinguir os gêneros do discurso, Bakhtin (2000, p. 281) inclui a carta entre os


gêneros primários, ou seja, entre aqueles que se constituem em circunstâncias de uma
comunicação espontânea. Situada em espaço e tempo determinados, ela é empregada
em situações comunicativas que se caracterizam pela ausência de contato imediato entre
emissor e receptor.
Silva (1997), ao analisar cartas em geral, reconhece a abrangência desse gênero,
que se concretiza em variados tipos de comunicação – notícias familiares ou de amigos
distantes, informações, pedido, agradecimento, congratulações, correspondência
dirigida a jornais e revistas, reclamação, cobrança, intimação, prestação de contas, entre
outros –, apresenta funções diversas e circula em diferentes esferas de atividades
(relações pessoais, situações públicas, trabalho, negócios, propaganda, burocracia etc).
Bazerman (2005), em um estudo histórico sobre esse tema2, identifica na carta um
papel especial no surgimento de gêneros distintos. Ao possibilitar a comunicação direta
entre indivíduos, em circunstâncias específicas, “parece ser um meio flexível no qual
muitas das funções, relações e práticas institucionais podem-se desenvolver”
(BAZERMAN, 2005, p. 83).
Segundo esse autor, a origem das cartas remonta aos primeiros registros de
comandos orais dos que tinham poder, transformados em gêneros escritos como ordens,
leis, códigos, proclamações. Ao serem redigidos em forma de cartas e identificarem o
autor e a audiência, tais comandos se fortaleceram pelo poder da escrita. Em período
mais antigo, eram entregues por mensageiro pessoal da autoridade o qual, ao recitá-las,
passava a representar a própria presença ou projeção do emissor3. Às vezes, aquele
portava uma segunda mensagem falada, não confiada à escrita. Assim, mesmo quando
deixaram de ser recitadas pelo mensageiro, as cartas mantiveram o propósito da
projeção (parousia) da presença do autor através da escrita (BAZERMAN, 2005, p. 86-
87).
De usos formais para assuntos de Estado, as cartas evoluíram em direção ao
pessoal; posteriormente, expandiram-se por vários domínios discursivos e
especializaram-se numa variedade de tipos, que se tornaram reconhecíveis e passaram a
ser tratados diferentemente.
Ao explicitar a evolução histórica do gênero, mormente após a invenção da
imprensa, Bazerman (2005, p. 93) destaca a importância da carta para a cultura
impressa:
A introdução da imprensa multiplicou cópias de textos para audiências
amplas e desconhecidas. A carta em várias instâncias parece ter servido
como uma forma transitória para permitir a emergência de gêneros com uma
função comunicativa definida e com amarras sociais. Pelo menos três
principais tipos de escrita que floresceram na cultura impressa parecem
ter alguma conexão com a carta: o jornal4, a revista científica e o romance.
Como comprova a pesquisa do lingüista norte-americano, as cartas possibilitaram
não só o aparecimento dos tipos já mencionados, como também forneceram o meio para
o desenvolvimento de gêneros importantes do mundo jurídico e político (cartas de
petição e manifestos, por exemplo) e de vários instrumentos que medeiam os sistemas
bancários e financeiros (letras de câmbio, cartas de crédito, bem como cédulas ou
notas5, substitutas das moedas de ouro ou de prata), os quais parecem manter estreita
relação com a correspondência (BAZERMAN, 2005, p. 91 - 93).
No âmbito do comércio, a carta comercial não só se destacou como forma de
comunicação, mas também se proliferou em novos gêneros como memorandos, ofícios,
relatórios, cartas-circulares, que convivem, ainda hoje, no domínio discursivo comercial
e, também, no burocrático-administrativo, com os gêneros emergentes da comunicação
digital, mediada pelo computador.
Com novas configurações que permitiram a forma de comunicação caminhar em
novas direções e por domínios discursivos diversos, a carta é, como procura comprovar
Bazerman (2005), a base social e histórica de muitos outros gêneros em função,
principalmente, de estar ligada, intrinsecamente, às relações sociais cotidianas e a
escritores e leitores particulares.
As transmutações, nela ocorridas ao longo do tempo, evidenciam que um gênero é
condicionado por outro; mesmo tipificado, permite mudanças e sua existência depende
da realidade sócio-histórica em que se produz.
Ao estudar a variação tipológica do gênero “Carta”, Silva (1997) assinala que uma
categorização dos gêneros do discurso ou uma tipologia textual precisa levar em conta
as atividades comunicativas em que se dá o discurso, mas deve considerar também
seu aspecto formal. Em outras palavras, a classificação deve refletir a relação entre as
situações concretas de comunicação (critérios funcionais) e a estrutura, os modos como
a informação pode ser organizada a partir das potencialidades da língua que o falante
tem à sua disposição (critérios formais).
Ao aplicar ao gênero “Carta” esses critérios, com o objetivo de categorizá-las,
Silva (1997) esclarece que o critério formal, ou seja, o que prioriza as estruturas
discursivas, não é o mais indicado, visto que, nesse gênero, convivem diferentes
estruturas: narrativas, descritivas, argumentativas etc. Na visão da autora, melhor será
utilizar para “Cartas” uma classificação que privilegie a função comunicativa, o
propósito, o objetivo do emissor ao escrevê-las, ou seja, que se adote uma perspectiva
funcional-interativa.
Na análise empreendida, essa autora ressalta também que, não obstante esse
gênero discursivo se materializar em uma diversidade de textos, as variações tipológicas
são, na verdade, subgêneros do gênero maior “Carta”. Agasalhadas sob esse rótulo,
existem, portanto, categorias distintas de textos, com diferentes propósitos
comunicativos, que se concretizam em diferentes campos de atividade, mas, todas, têm
em comum uma estrutura básica: a seção de contato, o núcleo ou corpo da carta, onde se
define seu tipo, e a seção de despedida. Assim, pode-se falar em carta pessoal, carta do
leitor, carta pedido, carta resposta, entre outras, diversas em suas formas e em suas
funções.

4. Carta pessoal
A variação tipológica “carta pessoal” caracteriza-se como uma forma de
comunicação eminentemente pessoal, uma correspondência que efetiva um contato
privado e, quase sempre, constante, entre indivíduos – familiares e amigos íntimos – que
mantêm entre si um relacionamento estreito.
Silva (1988, p. 26), citando Rogers (1983), esclarece que esse tipo de
correspondência, enquanto um “novo estilo epistolar”, busca, desde o século XIX, a
espontaneidade, a naturalidade e a vivacidade, evoluindo para um tom de “conversa
escrita”. O grau de relacionamento, entre os que se correspondem, atribui a esse gênero
– ou “subgênero” – um caráter coloquial em estilo e temática.
Nesse trabalho, que constitui sua tese de doutoramento, a autora classifica as
cartas pessoais do corpus analisado em quatro tipos: carta de narração/reflexão, carta de
conselho, carta de pedido e carta de contato (SILVA, 1988, p. 33).
Aproximando-me do que sugere Silva (1988, p. 1997), classifico as 20 (vinte)
cartas pessoais do corpus, a partir da função ou propósito comunicativo, considerando
as intenções e ações de quem enuncia e a própria natureza desse gênero,
correspondência privada, em sua maioria, de caráter íntimo.
Importa esclarecer que, em atendimento a uma coerência metodológica, substituo
a classificação carta de narração/reflexão (SILVA, 1988) por carta de propósito variado
(SILVA, 1997), uma vez que o que ocorre, de fato, é mesclarem-se, numa mesma carta,
notícias familiares, relatos do cotidiano e comentários a respeito do tópico discursivo
focalizado. A análise do corpus revela que é comum atos de fala diversos virem
reunidos nas cartas.
Exemplifico:
“Fiquei muito feliz ao te ver no ponto do ônibus. Durante esses anos em que
estivemos afastados, nunca deixei de pensar em você. Às vezes eu nem acredito
que o tempo passou tão rápido. Mudou tanta coisa em minha vida, hoje sou casada
tenho duas meninas, tenho uma casa para cuidar. Graças a Deus eu tenho uma
casa.
Me lembro das nossas reuniões, no horário do recreio, onde nós líamos a Bíblia,
cantávamos hinos e falávamos de Deus, de Jesus, etc... Era uma época de muitos
conflitos internos, muitas dúvidas, muitas descobertas mas que contribuiu para o
meu viver.
Foi muito bom ter conhecido você. Hoje eu entendo melhor as suas dificuldades, a
sua luta. Que Deus lhe dê forças para cuidar de seu filhinho. [...] Que você
consiga ter um pouco mais de paz e harmonia em sua vida.
[...] Na medida do possível devemos resgatar as coisas boas que tivemos”. (5,1-
23)
Como se pode observar, a carta 5 tem como propósito não só recordar as
experiências compartilhadas por emissor e destinatário, fazer menção a fatos presentes,
como também trazer breves reflexões sobre as mudanças operadas pelo tempo nos
interlocutores.
Nos 20 (vinte) textos que integram o corpus encontram-se os seguintes tipos:
• Cartas de conselho (2 ocorrências, que correspondem a 10% do total): nesse tipo
de carta, o emissor opina a respeito de algum acontecimento da vida do destinatário ou
procura orientá-lo sobre um problema real ou possível. O discurso, por isso, se
centraliza na pessoa do interlocutor que se torna a razão de ser da correspondência. O
foco na pessoa do outro se evidencia através do aumento da freqüência de marcas
lingüísticas da 2ª pessoa – pronomes e formas verbais.
Transcrevo exemplo:
“Queridos Filhos
Escrevo esta carta para dizer o quanto voces são importantes para mim.
O mundo está muito violento, as pessoas sem amor, sem paciência. A minha
preocupação é grande porque tenho medo que voces por algum momento se
envolvam.
Há muitas facilidades nos dias de hoje, e voces são jovens e precisam ser fortes
para resistir, para não se deixarem influenciar.
Os jovens estão se envolvendo muito cedo com bebidas, drogas, por esta razão
eu as vezes me torno até um pouco chata, mas creiam, eu falo para o bem de
voces.
Peço a Deus que abençoe muito a vida de voces.
Que os seus desejos sejam concretizados.
Eu amo voces
Sua mãe
N”. (4)
A preocupação da autora da carta 4 com o uso freqüente de drogas e com o
consumo de bebida alcoólica pela juventude, leva-a a dirigir sua atenção aos
interlocutores, seus filhos, alertando-os sobre os perigos que podem advir dessas
práticas. As advertências e os conselhos se sucedem, num discurso que busca o
convencimento, a persuasão e que se traduz nas marcas lingüísticas assinaladas:
abundância da forma de tratamento “vocês” (6 ocorrências), frases de exortação (“vocês
são jovens e precisam ser fortes para resistir, para não se deixarem influenciar”), formas
verbais e pronomes que se referem à 2ª pessoa do discurso e uso do subjuntivo
exprimindo desejo, anseio (“mas, creiam, eu falo para o bem de voces”).
O propósito comunicativo está patente no núcleo da carta: como mãe, seu objetivo
é aconselhar os filhos a não se envolverem com drogas, não se deixarem influenciar por
elas.
• Cartas de contato (4 ocorrências que correspondem a 20% do total): são cartas
pouco noticiosas, em que a informação não prevalece; nelas há, freqüentemente,
referência a cartas ou outros contatos prévios ou futuros entre os interlocutores,
como comprova o exemplo:
“Alguém,
Gostaria de falar com você, olhos nos olhos, pessoalmente, não formalmente por
essa carta. Estou sozinha. Você não pode escutar-me. Apenas ler o que escrevo e
imaginar no formato de minha letra e no significado das palavras o que estou
sentindo.
Ouço, vejo, falo e toco, mas não sou capaz de identificar-te. Ou, simplesmente
ver-te em um foco de luz.
Onde você está? Onde se esconde? Apareça em algum lugar. Estarei lá,
esperando-te. Aliás sempre estou em todos os lugares procurando-te.
Essa carta o vento levará até você. Quando vê-la num envelope vermelho, como
o coração, agarre-a e não deixe-a escapar de suas mãos. E imagine neste
momento:
Um forte abraço,
Outro alguém”. ( 8)
A necessidade de contato, o desejo de interação com o interlocutor definem o
propósito dessa carta desde o primeiro parágrafo. A impossibilidade de uma interação
face a face leva a autora a esse tipo de correspondência, consciente das pistas que coloca
no texto para conduzir a leitura na perspectiva desejada (“Estou sozinha. Você não pode
escutar-me. Apenas ler o que escrevo e imaginar no formato de minha letra e no
significado das palavras o que estou sentindo”). Na verdade, essa carta corporifica o
desejo do encontro, da proximidade, do contato, também físico, explicitado na
utilização de verbos de ação, relacionados à área semântica das sensações (“Ouço, vejo,
falo e toco, mas não sou capaz de identificar-te”.), nas frases interrogativas e
imperativas, no pleonasmo (“Gostaria de falar com você, olhos nos olhos,
pessoalmente”) que enfatizam a intenção interativa.
Também a carta 19 apresenta, como as demais desse grupo, a função
comunicativa de contato com o destinatário que, no momento, encontra-se no exterior:
“Querida e amada irmã em Cristo Jesus.
Fiquei muito feliz em receber sua carta, fiquei surpresa com o trabalho que tem
desempenhado na Espanha. Sei que não deve ser fácil começar um trabalho em
outro país (é sempre difícil!) mas nunca esqueça que Deus não escolhe os
capacitados ele capacita os escolhidos.
Estou com muita saudade, as coisas aqui no Rio continua “lindo”, a praia, nossos
amigos continuam se encontrando para orar e interceder e você (é claro!) está
sempre em nossas orações. E nunca se esqueça dos ensinamentos e conhecimentos
que adquirimos juntas na E.B.D. e no C.I.E.M. Que Deus te abençoa rica e
poderosamente”. (19, 1-9)
O emissor não se dirige ao interlocutor pelo nome, mas através de uma expressão
que os aproxima e inicia o discurso religioso evidenciado na carta. A alusão à
correspondência anterior, ao trabalho do destinatário fora do país e à religião são a
forma encontrada pelo emissor para atingir seu propósito comunicativo: manter contato
com a amiga, agora, distante, reafirmando a crença que as aproxima. As referências ao
local em que se encontra o emissor (“aqui no Rio continua lindo, a praia”) e às pessoas,
amigos da Igreja (“nossos amigos continuam se encontrando para orar e interceder e
você (é claro!) está sempre em nossos corações”), se justificam como uma forma de
retomar o contexto situacional e sociocultural em que o destinatário estava inserido. As
frases finais, embora exortativas, enfatizam o propósito de contato no uso do verbo na 1ª
pessoa do plural (“adquirimos”) que, reforçado pelo emprego do vocábulo “juntas”,
remete ao contexto religioso de que participam os interlocutores.
• Cartas de propósito variado (14 ocorrências, que correspondem a 70% do total):
esse tipo se caracteriza por apresentar atos de fala diferentes que se mesclam no texto.
As cartas pessoais desse terceiro tipo, caracterizam-se pela variedade do tópico
discursivo: são notícias sobre o lugar onde o emissor está – mormente se relatam
viagens –, sobre o que tem feito ultimamente, comentários sobre pessoas da família e
amigos comuns, estudo, tema decorrente do contexto institucionalizado onde a atividade
se desenvolveu, relações afetivas, sentimentos, recordações de experiências comuns
entre os interlocutores, planos para o futuro. No tratamento desses temas, os escritores
combinam, mesclam relatos e comentários, sendo aqueles, algumas vezes, meros
pretextos para as reflexões, que passam a ser o propósito dominante.
Em maior número, têm-se cartas em que se misturam dois propósitos – relatos do
cotidiano e comentários pessoais/reflexões sobre o tópico discursivo.
Seguem-se exemplos:
“No último sábado, dia 23/11, fomos visitar a cidade imperial: Petrópolis.
Ficamos muito tristes com a sua ausência.
Lá tivemos a oportunidade de conhecer a Catedral São Pedro de Alcântara e o
Museu Imperial, morada de verão do imperador. Isso sem falar da natureza,
presente em todo canto.
A cidade é encantadora, e acho que você também teria gostado
bastante. Espero que possa nos acompanhar de uma próxima vez”.
(9, 1-12)
“O tempo que conversamos no ponto de ônibus, foi muito pouco, mas deu para
nos atualizar, para sabermos um pouco mais de nós. Na medida do possível
devermos resgatar as coisas boas que tivemos. Hoje eu não tenho o mesmo
convívio com você que eu tinha antes, mas você estará eternamente nos meus
pensamentos, em meus bons momentos.
[...]
Hoje eu estou estudando no Instituto de Educação, estou no 2º período do Curso
Normal Superior. Está sendo muito difícil estudar, trabalhar, cuidar das meninas e
da casa. É muita coisa na minha cabeça, tem horas que eu penso que não vou
aguentar, mas eu quero me formar. Vou até o fim. Não quero desistir. Queria tanto
me encontrar com você e seu filhinho. A gente podia programar um passeio bem
legal com as nossas crianças”. (5, 20-41)
Em outras cartas de propósito variado, ocorre a predominância de um deles, como
se pode confirmar no texto transcrito a seguir (carta 1):
“Querida mamãe
Desejo que a paz reine a cada dia no seu coraçãozinho e que você desfrute de
muita saúde.
Estou escrevendo porque, de repente, bateu uma saudade! Saudade do seu
colinho, de poder comer sua comidinha feita com tanto capricho e de jogar
conversa fora depois do almoço. Mas, já que não podemos estar juntinhas neste
exato momento, estaremos juntas através deste papel e da nossa língua
portuguesa.
Amada, estou sabendo que a nossa querida prima Sione irá operar no final deste
ano e que a senhora cuidará dela. Fico muito feliz por isso, afinal a Sione é uma
amiga de valor incalculável.
Da última vez que liguei, não consegui falar ao telefone com você e isso deixou-
me muito triste. Da próxima vez faça o favor de estar lá.
Aqui em casa, as coisas estão se encaminhando para que eu também faça minha
cirurgia no final do ano, mas não fique preocupada, pois a Cristina é uma grande
amiga e cuidará bem de mim.
A Raquelzinha tem muita vontade de ir a Ilhéus e farei o possível para levá-la no
ano que vem.
Mãe, se você tiver qualquer problema ou necessidade imediata ligue-me sem
hesitar. Sei que você anda preocupada e até chorando por causa da violência do
Rio, mas não se preocupe em excesso, Deus tem cuidado de nós; Ele continua
vivo e fiel.
Gostaria de escrever muito mais, porém, o tempo não me permite. Assim que
receber esta carta, ligue-me ou escreva.
Finalizo, ansiando pelo dia em que nos veremos novamente e conversaremos
sobre os mais variados assuntos.
Da sua filha caçula e preferida, que ama você e não lhe esquece. Beijos.
L”
Nessa carta, combinam-se os propósitos de contato com o destinatário e notícias
familiares, acompanhadas de comentários sobre pessoas próximas dos interlocutores.
A função comunicativa de contato é predominante (1º, 2º, 4º, 7º, 8º, e 9º
parágrafos) e se marca, principalmente, através das referências:
a) à própria carta produzida
“Estou escrevendo porque, de repente, bateu uma saudade! [...] Mas já
que não podemos estar juntinhas neste exato momento, estaremos juntas através
deste papel e da nossa língua portuguesa”.
(1, 4-11)
b) a contatos prévios
“Da última vez que liguei, não consegui falar ao telefone com você [...]”
(1, 17-18)
c) a contatos futuros
“Finalizo, ansiando pelo dia em que nos veremos novamente e
conversaremos sobre os mais variados assuntos”. (1, 30-44)
As notícias familiares se fazem presentes em breves relatos:
“Amada, estou sabendo que a nossa Sione irá operar no final deste ano e que
a senhora cuidará dela”. (1, 12-14)
Já os comentários pessoais intercalam-se ora nos pequenos relatos, ora nos
parágrafos em que prevalece o propósito de contato:
“Fico muito feliz por isso, afinal a Sione é uma amiga de valor incalculável”.
(1, 15-16)
Já na carta 3 prevalece o comentário, a reflexão, notadamente subjetivos:
“Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2002
Caro Luís,
Você deve saber que vim mal-humorado para esta nova cidade. Vim contra a
minha vontade, obedecendo apenas a um desejo de meu pai.
Jamais havia saído de casa e estava habituada com as coisas e as pessoas de
minha terra. As diversões, os passeios, os amigos e os colegas. E trocar tudo por
uma vida mais fechada parecia muito duro para mim.
Adoraria que você estivesse entre nós. Peço-lhe que de lembrança à turma por
mim.
Um forte abraço da sua amiga que não o esquece. L. P.” (3)
Nesses textos, o propósito reflexivo, colocado em primeiro plano, estrutura-se
lingüisticamente através das marcas de subjetividade – pronomes e formas verbais de 1ª
pessoa e adjetivos como “mal-humorado, fechada e duro”.
Na carta 17, entretanto, a reflexão, o comentário adquirem teor argumentativo
como se pode verificar no seguinte trecho:
“Cientes que a eficácia e eficiência da educação consiste nos valores, atitudes e
habilidades que queremos desenvolver nos alunos, é preciso combater a visão
fragmentada que a maioria de nós temos, alunos e professores.
Quando o aluno cita História do Brasil para responder Filosofia, precisamos
incentivá-lo estimular sua criatividade. Podemos também, fazer um trabalho
conjunto com outros professores até mesmo extra-classe (passeios, intercâmbios,
palestras, cinema, teatro, museus etc), visando uma distribuição no conteúdo mais
integrada, articulada e totalizante; estrutural, conjuntural e episódica”.
É importante destacar que seqüências como essas do tipo dissertativo-
argumentativo convivem, nessa carta, com seqüências narrativas, havendo o predomínio
do primeiro tipo, uma vez que o objetivo do emissor é de natureza avaliativa.
Transcrevo algumas passagens:
“Aconteceu o “Diálogo em Ação” e a temática de uma das oficinas foi como
trabalhar em grupo com nossos alunos desenvolvendo a socialização exercitando a
cidadania. Nesse dia observamo-nos. A maioria de nós achegou-se àqueles que
nos identificamos. Então, as duas orientadoras apresentaram estratégias para que
tal fato não ocorra quando tivermos nossos próprios alunos.
Qual não foi minha surpresa quando a Profª de Didática Suely adentrou hoje, em
sala e entregou as avaliações, parabenizou-nos e comentou:
- “Notei a dificuldade de vocês se relacionarem enquanto grupo, precisamos rever
isso no próximo período”. Ufa! Pensei que iríamos carregar este ranço para os
nossos alunos!
[...]”
(17, 11 - 65)
O texto, intitulado pela autora como “Carta a um amigo”, é dirigido à professora
de Língua Portuguesa e Literatura e motivo para reflexões críticas sobre o curso,
disciplinas do currículo e, de forma recorrente, sobre a dificuldade de integração dos
alunos à turma.
O interlocutor tem pouca presença no texto, figurando, apenas, como aquele a
quem o emissor “fala”, o “ouvinte”, o “mediador”:
Ao término de um ano letivo, vimos avaliar o que foi bom e o que pode melhorar
para 2003.
Muito se falou em pedagogia dos oprimidos, histórico-crítica, valores, autonomia,
o homem sujeito de sua própria aprendizagem... Consegui observar em sala de
aula, no convívio com os colegas que não soubemos ser grupo, tivemos
dificuldades em nos agruparmos, tivemos grupo de dois enquanto outros
concentravam cinco alunos, houve até apresentação de grupo com um aluno
apenas.
[...]
Atravessamos dois períodos com 13 (treze) disciplinas, como
resolver, sem prejudicar os objetivos? Faltava um mediador! Então,
surgiu sua idéia brilhante, a da carta para um amigo. Queria discorrer o
assunto dentro das práticas pedagógicas, o que levou-me a um texto
atual, e a autores que me teem falado muito”. (grifos da autora)
(17, 1 - 41)
Pelas características que apresenta – predomínio do propósito comunicativo da
reflexão crítica, presença da argumentatividade, uso de linguagem mais objetiva, por
vezes técnica, grau de informatividade – a carta 17 acaba por afastar-se das demais que
constituem o corpus. Nela, o caráter íntimo, coloquial “em estilo e temática”, típico dos
textos desse gênero, não se evidencia.
Incluo, ainda, entre as cartas de propósito variado, o texto 16, porque nele também
estão presentes funções comunicativas diversas. Num primeiro momento, o objetivo do
emissor é o de felicitar o destinatário, Luís Inácio Lula da Silva, recém eleito presidente
da República; num segundo momento, as congratulações cedem lugar ao desabafo, fato
que determina menor peso ao conteúdo informacional e faz com que se sobressaia o
envolvimento interpessoal.
Vejam-se as seqüências correspondentes a cada uma das partes:
• Primeira Parte:
“Carta ao presidente eleito
Excelentíssimo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seja bem vindo, é assim que
todos os setores estão; esta, digo, recebendo vossa digníssima pessoa. Todos
consideram um vitória do povo, a sua vitória. Até mesmo os menos simpáticos as
suas idéias estão forçosamente curvando respeitos, entre, digo a “boca pequena”.
Há uma grande expectativa de como VSª EXª irá conduzir esse imenso Brasil,
parece que o aguardam como o salvador da pátria”. (16, 1-10)
O vocativo, a forma de tratamento (Excelentíssimo, V. Exª), a linguagem
cerimoniosa (“vossa digníssima pessoa”), a saudação (“Seja bem vindo”) assinalam que
essa parte do texto está centrada na pessoa do interlocutor, a quem o emissor se dirige
diretamente. As congratulações evidenciam-se não só na seqüência injuntiva da
saudação, mas também em construções, como “Todos consideram uma vitória do povo,
a sua vitória”/“Até mesmo os menos simpáticos as suas idéias estão forçosamente
curvando respeitos [...]”.
• Segunda Parte:
“[...] Eu não faço nenhuma cobrança de soluções aligeiradas ou imediatístas,
pois compreendo que resolver os problemas de mais de 170 milhões de
brasileiros, não será fácil, conhecer profundamente cada detalhe, do Iapoque ao
Chuí não é da noite para o dia. Acredito que a maior e melhor expectativa é a
contribuição de cada um desempenhando bem o seu papel de cidadão produtivo
compreensivo; que deseja que todas as ações do presidente, sejam solidárias
embasadas no amor ao próximo, ou seja quando o nosso próximo não têm saúde,
não têm comida na mesa, desculpe, que mesa? Fica melhor a declaração
simplificada, “não tem o que comer”, não têm o que vestir, calçar, não têm onde
morar; eu não posso estar feliz”.
(16, 10-26)
Embora não delimitada por abertura de um novo parágrafo, a segunda parte da
carta, iniciada pelo pronome pessoal “EU”, marca uma mudança no tópico discursivo.
Em outras palavras, a substituição da 2ª pela 1ª pessoa está a indicar que, agora, em vez
de dirigir-se ao interlocutor, o emissor falará sobre ele. Reforçando a mudança, observa-
se, ainda, o uso do vocábulo “presidente” (l.20), indicativo da 3ª pessoa, e não mais do
pronome de tratamento.
O envolvimento tem início nos comentários do sujeito enunciador em torno das
questões sociais e políticas do país. A seguir, essa estratégia fica evidente na quebra da
estrutura sintática, determinada pelo uso inadequado do articulador textual “ou seja”
– na verdade, a relação lógica entre as seqüências é de oposição – , na intercalação
de orações e, por fim, na construção do paralelismo sintático e léxico (“o nosso próximo
não tem saúde, não tem comida na mesa [...] não tem o que comer, não tem o que vestir,
calçar, não tem onde morar”), que enfatiza, nessa parte do texto, o envolvimento
interpessoal.
O período final do texto inicia a seção de despedida, quando o emissor se dirige
novamente ao interlocutor:
“Ao presidente do Brasil e sua família, muitas felicidades e que tenha bastante
comida na sua mesa, no palácio alvorada”. (16, 27-29)
Após análise do material que constitui o corpus, pode-se afirmar que o gênero
“carta pessoal” apresenta uma tipologia variada de textos, porque variados são os
propósitos comunicativos daqueles que os escrevem. Além disso, a diversidade de
temas ou de tópicos discursivos que se sucedem em diferentes seqüências de um mesmo
texto, confirma o posicionamento de Silva (1988, p. 111-112) de que não se encontra,
nesse gênero, unidade temática. Nesse caso, o sujeito emissor passa a ser o elemento
organizador do discurso, uma vez que é, na sua perspectiva, e, em função de seus
propósitos comunicativos, que esse tipo de enunciado é construído.
1
DISCURSO e TEXTO são termos que comportam, nas diversas perspectivas teóricas,
diferentes conceituações. No presente estudo, tais termos serão utilizados com o sentido
de atividade de linguagem, realizada em dada situação interlocutiva (atividade
discursiva), e como o produto dessa atividade, respectivamente.
2
Trata-se do capítulo intitulado Cartas e a base social de gêneros diferenciados
(BAZERMAN, 2005:, p. 83-99).
3
Ao representar ou projetar o emissor, o mensageiro garantia, de certa forma, a
aceitação dos comandos escritos como advindos de uma autoridade legítima, situada à
grande distância, e com poder e meios suficientes para impô-los sobre amplos domínios.
4
Lembra Bazerman (2005, p. 95) que repórteres mantidos em cidades e países distantes
são, ainda hoje, referidos como correspondentes, até mesmo no telejornalismo.
5
O autor (2005, p. 93), baseando-se em estudo de Hickcox (1969), cita, como exemplo,
as primeiras notas, emitidas pela colônia de Nova Iorque em 1709, que apresentam
alguns elementos estruturais da carta: são datadas na parte superior e assinadas, na parte
inferior, por um ou vários oficiais do governo.

Referências Bibliográficas

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(Ensino Superior).
______. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. 6.ed. São Paulo: Hucitec, 1986.
BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. Ângela Paiva
Dionísio, Judith Chambliss Hoffnagel (organizadoras); tradução e adaptação de Judith
Chambliss Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2005.
BRAIT, Beth. Bakhtin e a natureza constitutivamente dialógica da linguagem. In:
______ (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas, SP: Ed. da
UNICAMP, 2001, p. 91-104.
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia
digital. In: ______; XAVIER, Antônio Carlos (Org.). Hipertexto e gêneros digitais. Rio
de Janeiro; Lucerna, 2004, p.13-67.
SILVA, Vera Lúcia Paredes Pereira da. Variações tipológicas no gênero textual carta.
In: KOCH, Ingedore Villaça; BARROS, kazue Saito Monteiro de. Tópicos em
Lingüística de Texto e Análise da conversação. Natal: EDUFRN, 1997, p.118-124.
______. Cartas cariocas: a variação do sujeito na escrita informal. Rio de Janeiro,
1988. 330f. Tese (Doutorado em Lingüística). Faculdade de Letras, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1988.

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