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Nabuco, Rebouças, Patrocínio:

monarquismo e abolicionismo
NABUCO, REBOUÇAS, PATROCÍNIO: RICARDO LUIZ
DE SOUZA
MONARCHISM E ABOLITIONISM Fundação Educacional
Monsenhor Messias
Resumo Este texto tem por objetivo empreender uma comparação entre a (FEMM)
riclsouza@uol.com.br
atuação abolicionista de Joaquim Nabuco, André Rebouças e José do Patrocínio,
ressaltando o engajamento político de cada um no que se refere à monarquia e à
república, traçando convergências e divergências entre eles. Defensores da
monarquia, esses autores divergiram nos métodos a serem adotados, com
Nabuco e Rebouças privilegiando uma forma de ação direcionada às elites, ao
passo que Patrocínio buscou articular ações que visassem diretamente o escravo.
Mas, nos três, é comum a frustração com os rumos tomados após a Abolição.
Palavras-chave ABOLIÇÃO – ESCRAVIDÃO – MODERNIDADE.

Abstract The text has as an objective to undertake a comparison of the


abolitionist performance of Joaquin Nabuco, Andre Reboucas and Jose do
Patrocinio, pointing out their political engagement related to monarchy and
republic, showing the convergences and divergences between them. Supporters
of monarchy, these authors didn’t agree on the methods to be adopted, with
Nabuco and Reboucas privileging a form of action directed to the elites, while
Patrocinio tried to defend actions aimed at the slave directly. But all three authors
were frustrated with the routes taken after the abolition.
Keywords ABOLITION – SLAVERY – MODERNITY.

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N
INTRODUÇÃO
o pensamento e na obra de Joaquim Nabuco, André
Rebouças e José do Patrocínio, esteve presente o mes-
mo objetivo central, o engajamento na mesma luta: o
abolicionismo, a libertação dos escravos. Mas esses três
personagens tiveram formações, trajetórias e destinos
diversos, que os uniram em determinado momento
histórico, mas que devem ser compreendidos em sua
especificidade para que possamos situar cada um deles
no movimento do qual fizeram parte.
I
O abolicionismo de Nabuco jamais conferiu ao escravo um papel
determinante no movimento, cabendo a este o papel passivo de alguém
que espera chegar o dia de sua libertação. E mesmo a ação escrava era vis-
ta, por Nabuco, com temor: ele compartilhava, com as elites, o medo de
uma rebelião escrava.1 Tomemos, comparativamente, um trecho no qual
Stuart Mill, liberal inglês do século XIX, justifica a ação do imperialismo
britânico: “O país dominante tem de ser capaz de fazer pelos seus súditos
tudo quanto faria uma série de monarcas absolutos, garantidos por força
irresistível contra a precariedade de autoridade que acompanha os despo-
tismos bárbaros, e habilitados pelo gênio próprio a anteciparem tudo
quanto a experiência ensinou à nação mais civilizada”.2
Nabuco foi um intelectual cosmopolita e fascinado pelos grandes
centros europeus e formulou sua defesa da abolição no momento em que
escritores, como Mill, elaboravam as doutrinas raciais e imperialistas que
justificariam o domínio a ser exercido por suas nações,3 o que torna pos-
sível uma analogia entre ambas as propostas. Encontramos, em Mill, uma
doutrina imperialista revestida de preceitos e justificativas éticas. Ao país
dominante outorga-se um mandato pedagógico e libertador a ser com-
parado ao mandato da raça negra que confere, segundo Nabuco, legiti-
midade ao abolicionismo: cabe a este, nessa perspectiva, agir em nome de
quem deve ser libertado e educar quem acabou de sê-lo, permitindo-lhe
a inserção no mundo dos brancos.
Pensar, ainda, o Joaquim Nabuco político e o Joaquim Nabuco abo-
licionista significa pensarmos o Joaquim Nabuco monarquista. Abolicio-
nista, liberal, monarquista. Como analisar a sua formação com base em di-
retrizes tão distintas? Saldanha define com precisão a formação política de
Nabuco: “cosmopolita, mas nacional, e abolicionista, embora aristocráti-
ca”.4 E o seu liberalismo tomou, como ponto de partida, a admiração pela
ordem inglesa, regime político considerado por ele de validade universal, já
na ocasião de seu bacharelado, em 1870.

1 SOUZA, 2004a, p. 43.


2 MILL, 1983, p. 221.
3 SALLES, 2000, p. 59.
4 SALDANHA, 1981, v. I, p. 188.

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Nabuco, de fato, tomou como modelo a In- Não é apenas a força de trabalho que encontra, na
glaterra institucional, com a monarquia servindo escravidão, um entrave à sua expansão. Também
de ponto fixo e central a todo o sistema, ao passo as elites são tolhidas por ela. Para Nabuco, como
que André Rebouças privilegiou a Inglaterra so- acentua Nogueira, “a escravidão ‘decapitava’ o
cial, individualista e modernizante.5 Ao sintetizar país de suas elites dirigentes”.11 É a estrutura po-
as diferentes maneiras como esses autores encara- lítica brasileira que, assim, se deforma sob o im-
vam a Inglaterra, Resende de Carvalho sintetiza pacto do sistema escravista.
também as divergências básicas em suas obras. Nabuco buscou ultrapassar a dimensão
A monarquia constitucional existente na In- meramente política na qual o liberalismo brasi-
glaterra representava, para Nabuco, o mais demo- leiro tradicionalmente se manteve, para conferir-
crático dos regimes, por manter o governo sem- lhe uma dimensão social, buscando transformá-
pre nas mãos da representação nacional, ao passo lo em teoria e práxis voltadas à transformação da
que, numa república como a americana, o povo li- sociedade nacional e visando a seus alicerces: a
mita-se a escolher seus representantes. E conclui: escravidão. Se ele foi liberal, o liberalismo, con-
“Comparando os dois governos, o norte-america- tudo, careceu – da perspectiva dele – de atores
no ficou-me parecendo um relógio que marca as políticos que o viabilizassem, uma vez que a de-
horas da opinião, o inglês, um relógio que marca sarticulação e a anomia da sociedade brasileira
até os segundos”. 6 Tomando a Inglaterra como funcionava como empecilho à criação de um sis-
referencial político, ele manteve-se infenso à influ- tema político nos moldes ingleses e criara uma
ência norte-americana, à qual ele confessou man- “nação de proletários”.12
ter-se alheio, mesmo morando em Nova York.7 Segundo Ianni, “é antiga a idéia de que o
Para ele, a cultura superior não necessitava de ne- povo brasileiro e as formas de atuação política
nhum contingente americano e a política, nos Es- que ele tem desenvolvido são ‘débeis’, incapazes
tados Unidos, era vista com desprezo. de fazer frente ao aparelho estatal autoritário, à
Descrevendo esse país, Tocqueville relata força dos grupos e classes dominantes, nacionais
sua surpresa ao descobrir “a que ponto o mérito e imperialistas”.13 Essa concepção toma por base
era comum entre os governados e como era pe- a desconfiança em relação à maturidade política
queno entre os governantes”.8 A análise de Na- do brasileiro. Já o parlamentarismo de Nabuco
buco repete, de forma literal, a conclusão de To- derivou, entre outros fatores, de sua desconfiança
cquevile: “A consciência pública americana é mui- de tal maturidade. De acordo com Baggio, “ para
to inferior à privada, a moral do Estado à moral ele, a república presidencialista só era adequada à
da família”.9 Como situar Nabuco, ainda, no con- realidade norte-americana, com sólida opinião
texto sociopolítico de sua época? Segundo Cha- pública e sistema partidário forte”.14 A expectati-
con, “Nabuco situou-se à esquerda do centro, va de uma sociedade amorfa e débil perante as
quase ao modo dos trabalhistas fabianos ingleses, imposições da elite e do Estado dominado por
num esforço de síntese entre Progresso e Tradi- esta serviu, assim, de fundamento às análises de
ção, distinguindo-se o que se devia renovar e o Nabuco. Embora ele tenha assumido uma postu-
que se devia conservar”.10 ra antiautoritária, essa acabou por subsidiar o au-
Refletir sobre como ele estabeleceu a rela- toritarismo brasileiro.
ção entre escravidão e vida política ajuda a com- Nabuco foi monarquista: defendia que a
preender a análise política por ele desenvolvida. monarquia seria o regime no qual a identidade
5
nacional encontraria expressão, e não a Repúbli-
CARVALHO, 1998, p. 164.
6 NABUCO, 1949a, p. 28.
7 Idem, s/d, p. 167. 11 NOGUEIRA, 1984, p. 1107.
8 TOQUEVILLE, 1977, p. 153. 12 NABUCO, 1977, p. 34.
9 NABUCO, s/d, p. 173. 13 IANNI, 1984, p. 34.
10 CHACON, 1981, p. 175. 14 BAGGIO, 1998, p. 82.

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ca, definida por ele como “um tipo de governo e Trata-se de uma condenação dura, irrespon-
de sociedade inferior, comparado à monarquia dível, ao vir de um monarquista como Nabuco.
que tínhamos: muito menos satisfatório para o No entanto, a perspectiva dele mudou. Em
amor próprio nacional, menos expressivo de 1900, fez um balanço das análises até então efe-
tudo que a nossa nacionalidade tem de nobre, de tuadas sobre o abolicionismo e apontou dois
generoso, de elevado”.15 O monarquismo desse pontos de vista contrastantes: um deles enxerga-
autor derivou então, e também, de uma questão va no abolicionismo “um movimento popular de
identitária. Mas, ao mesmo tempo, dividiu-se em tendências revolucionárias, que acabou por forçar
duas etapas: enquanto durou a luta abolicionista, o governo e a dinastia”; o outro realçava o papel
ele mostrou-se um crítico permanente do poder decisivo desempenhado pela Coroa, por ter ela
moderador; feita a Abolição, e implantada a Re- assinado as leis de 1871 (num momento, segundo
pública, dedicou-se a fazer apologia e a escrever a ele, em que não havia nenhuma agitação nesse
história da monarquia. sentido) e 1888.19 Sua linha interpretativa filiou-
A recusa do embaixador brasileiro em Lon- se, claramente, nessa etapa de sua obra, à segunda
dres em considerar, em 1852, a possibilidade de tendência, apologética em relação à monarquia.
extinção da escravidão refletiu, certamente, a po- Se, durante a luta pela Abolição, enfatizou o
sição da Coroa a respeito do assunto.16 Nabuco, caráter discricionário do poder moderador, vinte
por sua vez, demonstrou ter consciência de quan- anos depois sua conclusão foi oposta: “A verdade
to a posição da monarquia fora dúbia, para dizer é que o Imperador nunca quis fazer de seus mi-
o mínimo, perante a escravidão, e criticou-a por
nistros instrumentos; para isto seria preciso que
isso. Em 1885, por exemplo, acusou Pedro II de
ele quisesse governar por si, o que ele não podia
manter, por 45 anos, a mais completa indiferença
fazer. Não os queria soberbos, não os conservaria
e o mais total silêncio em relação à escravidão. O
servis”.20 Atribuiu a Pedro II, em síntese, o papel
imperador, naquele período, não quisera, segun-
histórico de superintendente a traçar as linhas ge-
do Nabuco, correr riscos em prol da abolição.
rais, utilizando, inclusive, tal expressão, deixando
Em suas palavras, Pedro II “não correu por ela o
a administração por conta dos ministros. Não se
menor risco, e passou 45 anos sem pronunciar se-
trata, aqui, de entrar no mérito de qual foi o papel
quer do trono uma palavra em que a história pu-
desempenhado pelo imperador, e sim de consta-
desse ver uma condenação formal da escravidão
tar a mudança evidente no perfil traçado por Na-
pela monarquia, um sacrifício da dinastia pela li-
buco, derivando da crítica à admiração.
berdade, um apelo do monarca ao povo em favor
dos escravos”.17 Após a Abolição, como já dito, a postura
Em 1886, Nabuco fez a seguinte crítica crítica de Nabuco cedeu espaço à defesa da mo-
acerba da monarquia: narquia. Mesmo tendo constatado a falência do
sistema partidário e reclamado a necessidade de
A história há de comentar condignamente este fim reordenamento político da Nação, em momento
de um reinado que, nunca tendo cumprido a lei de algum abdicou de seu monarquismo.21 Para ele, o
7 de novembro de 1831, deixou revogar a de 28 de próprio sistema partidário fora o responsável pela
setembro de 1871, e chamou o Partido Conservador queda da monarquia. Proclamada a República, a
ao poder, no meio do mais ardente movimento na- ênfase de sua crítica dirigiu-se à vida partidária, e
cional pela emancipação, para desapontar os escra-
não mais à ação do imperador. Em carta escrita
vos, iludir o mundo, e por fim deixar sem execução
a própria lei que lhe tinha sido imposta como tal.18
em 1890, ele concluiu, referindo-se à monarquia:
“Nenhum dos nossos males veio dela, mas da
15 NABUCO, 1990, p. 47.
16 GRAHAM, 1979, p. 135. 19 Idem, 1949c, p. 247 e 249.
17 NABUCO, 1983, p. 333. 20 Idem, 1936, v. I, p. 249.
18 Idem, 1949b, v. I, p. 149. 21 Idem, 1949b, v. I, p. 74.

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anarquia em que ela tinha caído como instituição, tanto tempo apoiada na escravidão. E, ao visar
isto é, pelos partidos, não pela dinastia”.22 essa nova etapa, o movimento sofrera uma cisão.
Em 1867 efetuou-se uma primeira discus- Como acentua Ventura, “segundo Nabuco, o
são, no Conselho de Estado, sobre a conveniên- movimento teria se dispersado após a abolição,
cia de abolir a escravidão, quando, segundo Na- pois parte de suas fileiras se aliara à grande pro-
buco, esta teria sido avaliada e rejeitada. Na ori- priedade contra a extensão das reformas so-
gem desse ato histórico, como Nabuco o inter- ciais”.27 O Nabuco pós-abolição é marcado por
pretava já no período republicano, o que o uma desilusão sem retorno com as conseqüências
tornou possível teria sido a posição e a vontade do movimento no qual engajara-se de corpo e al-
do imperador: “é já ter ele, como chefe do Esta- ma. De acordo com Nogueira, “Nabuco mergu-
do, assumido a responsabilidade de separar a sor- lhará em profundo sono nostálgico, como se ti-
te do Brasil da sorte da escravidão”.23 Finalmente, vesse ficado mortificado com a inconseqüência
em 1900, garante como de responsabilidade dire- prática e operacional do 13 de maio”.28
ta do imperador o primeiro golpe desferido na es- Por conseguinte, manteve-se monarquista
cravidão, em 1871.24 Todas as acusações anterio- finda a monarquia, mas o relacionamento entre
res, ou seja, suas considerações de que a monar- ele e o monarquismo nunca foi harmonioso,
quia fora indiferente à escravidão, acabaram, en- sempre pontilhado por ataques mútuos, culmi-
tão, refutadas por ele próprio. nando com o rompimento, ao aceitar um cargo
Ao escrever Um Estadista do Império, não no governo de Campos Salles. Entretanto, antes
por acaso preparado entre 1893 e 1894, época da disso, já se defendia atacando, como na carta de
Revolta da Armada, objetivou fazer o elogio da 1899: “Os monarquistas que me atacam são re-
monarquia. Como acentua Marson, “Nabuco re- presentantes de um espírito contrário, o de par-
tomou o passado para destacar a contribuição do tidarismo ou facção, que só serve para tornar a
regime monárquico parlamentar na construção, restauração impossível atribuindo-lhe o caráter
sobrevivência e progresso da nação; no exercício de uma simples vindita partidária, se não de um
do autêntico liberalismo, aquele que permitia a novo terror branco”.29
prática da política civilizada; além de comprovar Mesmo uma eventual e possível restauração
sua adequação às condições históricas e físicas do monárquica já não lhe parecia a solução, como
país”.25 Sua crítica passou a incidir sobre a socie- declara, em 1904: “Quando os descontentamen-
dade brasileira. Na perspectiva agora utilizada, o tos se acentuarem e em vez do governo atacarem
imperador havia sido a consciência de uma socie- a própria instituição republicana é possível que se
dade imatura e dependente do governo.26 levante na rua a antiga bandeira imperial... Mas o
Império assim feito não seria a solução definitiva
O monarquismo de Nabuco, segundo ele
do nosso problema, seria um episódio mais da
mesmo, não foi reacionário – reacionária, salien-
anarquia reinante. Não há dúvida, porém, que se-
ta, seria a República, definida como um levante
ria um intervalo de repouso, seguido provavel-
de ex-escravocratas inconformados com a Abo-
mente de uma catástrofe nacional”.30
lição. Defender a monarquia seria, então, preser-
var os valores sociais corporificados no abolicio- Nabuco duvidou da viabilidade do retorno
nismo, além das transformações sociais que de- à monarquia e, nesse sentido, o seu monarquismo
veriam se seguir à abolição, colocando em xeque, teve algo de quixotesco. Mas revelou, igualmente,
exatamente, a estrutura fundiária iníqua, durante um sentido mais profundo: serviu para balizar
sua crítica ao republicanismo e sua rejeição aos
22 Ibid., v. I, p. 186.
23 Idem, 1936, v. II, p. 24. 27 VENTURA, 1991, p. 134.
24 Idem, 1949c, p. 249. 28 NOGUEIRA, 2002, p. 139.
25 MARSON, 2000, p. 93. 29 NABUCO, 1949b, v. II, p. 19.
26 Ibid., p. 99. 30 Ibid., v. II, p. 189.

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fundamentos do regime. No entanto, essa des- na ordem do dia a discussão de um princípio caro
crença permitiu, afinal, a sua adesão ao novo re- aos restauradores: a não aceitação de cargos pú-
gime, que se deu, contudo, em termos práticos – blicos no regime republicano”.35
de aceitação de cargos com os quais poderia re- O centro das divergências entre ele e os
tornar ao serviço público. Já a adesão teórica ou monarquistas estava nos meios de ação adotados
programática ele sequer esboçou. Em carta data- por estes no combate à República, intensifican-
da de 1897, definiu assim o novo regime: “De um do-se com a criação, em 1895, do jornal Liberda-
povo honesto e sério que éramos tiraram essa es- de, pelo diretório monarquista do qual fazia par-
cória sanguinária e epiléptica que hoje nos gover- te. Carolina Nabuco sintetiza tais discordâncias:
na, dominando as ruas e impondo ao governo”.31 “Nabuco era – sempre fora – sistematicamente
Tal crítica, expressa em sua correspondência, ou contra o ataque violento. Gostava de tratar o ad-
seja, mesmo não sendo pública, não dá indícios versário com a elevação com que queria ser tam-
de que Nabuco tenha alterado de forma substan- bém tratado. O diretório entendia que os monar-
cial sua opinião. Esse era um regime, enfim, que quistas deviam bater-se pela causa segundo os
afrontava, da perspectiva desse autor, os valores meios habituais da imprensa brasileira”.36 Repro-
da fidalguia pernambucana, da elite que ele nunca duziram-se, em outro contexto e com outras per-
deixou de idealizar.32 sonagens, as divergências com os setores radicais
Sua adesão ao regime republicano teria se do abolicionismo, tendo ele preferido manter
dado por intermédio de Rio Branco, responsável uma postura moderada e persuasiva na defesa de
por sua nomeação como ministro plenipotenciá- seus ideais monarquistas.
rio em Londres e representante brasileiro na Monarquista e abolicionista, enfim, Nabuco
questão das Guianas. Monarquista como Nabu- terminou por reconhecer no abolicionismo, em
co, Rio Branco havia feito a transição com relativa sua própria ação política, portanto, um dos fatores
facilidade, ao passo que “Joaquim Nabuco fora a definir o período que marcou o fim do Império.
tão longe na sua intransigência que, podia-se di- Tal fase teve início em 1878, sendo impulsionada
zer, havia cortado as pontes atrás de si”.33 Toda- pela questão militar37 e pelo abolicionismo, os
via, outra versão atribui a Tobias Monteiro a ade- dois episódios históricos que golpearam de morte
são. O convite para Nabuco atuar como repre- a monarquia.38 Mas o monarquismo de Nabuco
sentante brasileiro teria partido de Campos Salles, nunca foi, ainda, militante, como fora o seu abo-
mas esbarrado na recusa do primeiro: “Mas Tobi- licionismo. Revelou, a princípio, publicista, depois
as voltando à carga, insistiu. Terá feito ver ao in- historiográfico e, finalmente, memorialístico. A
signe brasileiro que era ao Brasil, e não ao regime, ruptura, contudo, deve ser nuançada, já que Na-
o serviço que se reclamava do seu patriotismo. E buco sempre postulou mudanças, mesmo quando
conseguiu demovê-lo da sua obstinada recusa”.34 abolicionista, nos limites da ordem instituída. Sua
A decisão de aceitar um cargo no governo inflexão conservadora é inegável, mas não abrup-
Campos Salles gerou a Nabuco críticas ferozes ta. Segundo Costa, “ele passa de não-revolucioná-
por parte dos monarquistas, que acentuavam não rio a anti-revolucionário”.39
apenas sua traição, mas também seu pouco ou ne- E suas mutações quanto à religião ajudam,
nhum envolvimento efetivo com o movimento. finalmente, a compreender a sua trajetória. Ele
Como afirma Janotti, “o ‘caso Nabuco’ tornou- partiu de um ceticismo bem próximo do anticle-
se alvo de artigos de jornais republicanos e mo- ricalismo. Como diz Carolina Nabuco, “em to-
narquistas durante o mês de abril de 1899. Estava 35 JANOTTI, 1986, p. 172.
36 NABUCO, 1952, v. II, p. 17.
31 Ibid., v. I, p. 274. 37 Conflito entre o Exército e a monarquia gerado pela punição apli-
32 SOUZA, 2004b, p. 327. cada a militares de prestígio.
33 RIO BRANCO, 1942, p. 137. 38 MATTOS, 1989, p. 164.
34 NUNES, 1957, p. 166. 39 COSTA, 1993, p. 57.

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dos os pontos de divergência entre o Estado e o em relação ao negro e, mais ainda, ao asiático, tido
clero, tomou partido contra este”.40 Durante o por ele como absolutamente infenso à civilização.
período abolicionista, e mais especificamente nos Para ele, “o africano é simplesmente um homem
anos 1870, a luta pela modernização significou - por civilizar; mas o Chin, o Cooolie... é um ser in-
lhe o combate à escravidão e à influência católi- civilisável, resistente e refratário a todo o progres-
ca.41 Entretanto, alguns anos após a Abolição, a so; corrompendo a sociedade, que o admite em
Igreja já se transformara, para ele, em guardiã das seu seio, em lugar de aperfeiçoar-se”.45
tradições e sustentáculo indispensável da moral e Como Nabuco e Patrocínio, Rebouças foi
da ordem.42 monarquista, associando essa forma de governo à
A reconversão de Nabuco foi total, porque abolição. A República, uma vez proclamada, as-
ele voltou à fé que já havia afirmado na juventude, sumiu para ele contornos de punição divina con-
e transformou-se em católico praticante, como as- tra os “crimes seculares de escravisação e de rees-
sinala Freyre, seguindo os preceitos e ritos católi- cravisação”.46 O projeto de Rebouças teve, como
cos e educando seus filhos no catolicismo, tão de parâmetro, construir uma estrada para a moder-
acordo com suas normas que um deles terminou nidade, e o seu fracasso em levá-lo adiante signi-
abraçando o sacerdócio.43 Reformista muitas ve- ficou o malogro de uma tentativa apoiada na eco-
zes radical, sua conversão, contudo, não foi gratui- nomia de mercado e na busca de uma relativa au-
ta, assinalando certo apego às tradições que nunca tonomia em relação ao Estado. Sua aposta susten-
abandonou. Ressalte-se também o crescente con- tou-se, então, na iniciativa individual, formulando
servadorismo a dominar sua obra nos últimos um projeto claramente incompatível com os pa-
anos de vida, como se, feita a Abolição e cumprida râmetros patrimonialistas vigentes no Império.
a sua missão, ele pudesse, enfim, retomar a defesa Seu ponto de vista, segundo Graham, era o
de valores e princípios latentes ao longo de sua tra- de que “a nação lucraria muito mais, contando
jetória. Como se ele tivesse condições de voltar a com homens de empresa abrindo novos horizon-
ser, enfim, o filho das elites patriarcais pernambu- tes em busca de compensação monetária para o
canas, cujos valores sempre enalteceu e definiu seu esforço do que pelo estabelecimento de inicia-
como incompatíveis com os capitalistas. Valores, tivas governamentais”.47 Tratava-se, evidentemen-
afinal, que sempre foram os seus. te, de um projeto de modernização com base na
II iniciativa privada e no pleno desenvolvimento do
capitalismo industrial. No entanto, o papel do Es-
André Rebouças efetuou amplo planeja-
tado nesse projeto precisa ser melhor compreen-
mento com o objetivo de superar o atraso no
dido. A modernização ansiada por Rebouças en-
qual, segundo ele, o Brasil encontrava-se imerso,
controu um obstáculo, por ele reconhecido, na di-
e idealizou, entre outros fatores de progresso, um
ficuldade do individualismo em afirmar-se numa
sistema de transportes a unir todas as regiões do
sociedade estamental. Daí a sua defesa do monar-
País e, proposta inédita, a criação de parques na-
quismo, ou seja, a aposta na sua capacidade de agir
cionais para preservação e exploração racional
como instrumento de transformação social.
dos nossos tesouros.44 O caráter amplo das re-
Mas o monarquismo de Rebouças pode ser
formas por ele propostas o aproxima de seu gran-
encarado como a confissão de uma impossibili-
de amigo, Joaquim Nabuco.
dade. Para Resende de Carvalho, é “Uma rendi-
Embora negro e abolicionista, o conceito de ção ao contexto, uma contundente reafirmação
civilização adotado por Rebouças foi excludente do diagnóstico da clivagem entre o país e o ideal
40
moderno, uma vez que, ao indivíduo privado –
NABUCO, 1952, v. I, p. 35.
41 MOTA, 2000, p. 55.
42 NABUCO, 1949d, p. 9. 45 REBOUÇAS, 1938, p. 404.
43 FREYRE, 1959, v. II, p. 595. 46 Ibid., p. 385.
44 PÁDUA, 2002, p. 57. 47 GRAHAM, 1973, p. 218.

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tal como a ele –, eram vedadas as ações capazes de Sua perspectiva foi, em síntese, da emanci-
transformar, material e institucionalmente, a so- pação racial à social, mas, finalmente, bloqueados
ciedade, cabendo ao Estado toda e qualquer ini- os seus projetos de reforma, a própria possibili-
ciativa nesta direção”.48 dade de ação política esvaziou-se e Rebouças de-
Aproxima Rebouças de Nabuco, ainda, a sapareceu como ator político, ainda mais com as
preocupação com a democratização da proprie- relações trabalhistas e o sistema fundiário toman-
dade fundiária, que permanece mesmo no exílio, do um rumo oposto ao preconizado por ele e por
de onde ele escreve a Nabuco: “O meu idílio, Nabuco. De fato, como salienta Camargo, “na
neste momento, é a Democracia Rural na Áfri- verdade, a transição para o trabalho livre, longe de
ca”.49 Não se trata, ainda, de uma idéia nova, uma liberar a mão-de-obra de um rígido controle dan-
vez que, em 1864, Rebouças já traçava planos do-lhe maior possibilidade de barganha frente ao
para a agricultura, destinados a combater os usu- mercado, imobiliza-a nas zonas rurais decaden-
rários, e declara: “Ah! Um Banco Rural Hipote- tes, graças à utilização de trabalhadores imigran-
tes que, nas zonas de expansão cafeeira (carentes
cário para livrar a agricultura desses abutres”.50 A
de braços), em condições vantajosas com ela
reforma agrária proposta por Rebouças não visou
competem”.54
apenas a uma transformação social; ela poderia e
Em 1888, Rebouças vê a abolição como um
deveria levar a uma revolução moral. Isso porque
ato redentor, como fica claro na anotação de seu
a propriedade da terra, segundo ele, “é uma cir-
diário, feita em 16 de maio: “Missa no Brasil Livre
cunstância que quase modifica favoravelmente as
– Um dos mais grandiosos espetáculos que tem
condições morais do homem! Sobre o emancipa-
visto a humanidade – Antevisão do Vale de Josa-
do a ação benéfica da propriedade territorial é
phat”. 55 Mas cedo se desiludiu. Assim como as
ainda maior que sobre o proletário”.51
de Nabuco, as reformas sugeridas por Rebouças
Apesar de postular uma “democracia ru- objetivavam beneficiar os despossuídos e margi-
ral”, esse projeto possuiu um inequívoco sentido nalizados da sociedade de seu tempo, mas seus
elitista, com colônias produtoras estruturadas métodos de ação não tomavam esses setores
com base em pequenas propriedades, agrupadas como atores políticos. Rebouças preferia atuar
em torno de um engenho que teria como função, persuadindo setores que teriam a perder, afinal,
precisamente, tutelar e orientar os pequenos pro- caso suas propostas se concretizassem.
prietários reunidos a seu redor.52 Mas, segundo Daí o progressivo isolamento a que foi le-
Mello, o plano de criação de pequenas proprieda- vado, na medida em que tal persuasão foi eficaz
des associadas a engenhos centrais foi adotado no momento de fazer a abolição, mas não no sen-
por Rebouças em razão de interesses pessoais. tido de concretizar as reformas que deveriam
Referindo-se a um dos seus artigos, que autori- acompanhá-la e aprofundá-la. E daí, também, as
zava o governo imperial a conceder garantia de divergências freqüentes que separaram Rebouças
juros até o montante de 30 mil contos, esse autor e Nabuco de Patrocínio. Enquanto os dois pri-
acentua: “A idéia de aplicar-lhes o mecanismo da meiros buscaram sempre restringir a ação aboli-
garantia de juros, já empregado na construção de cionista à esfera parlamentar, a Associação Cen-
ferrovias, advogara-a o engenheiro André Re- tral Emancipadora, fundada por Patrocínio, de-
bouças, cujas ligações com interesses estrangeiros fendia uma ação abolicionista em sintonia com os
são bem sabidas”.53 escravos e mobilizando-os.56
À semelhança de Nabuco, Rebouças foi e
48
49
CARVALHO, 1998, p. 126. permaneceu monarquista, do que dá exemplo seu
NABUCO, 1952, v. I, p. 115.
50 REBOUÇAS, 1938, p. 47.
51 Idem, 1988, p. 126. 54 CAMARGO, 1983, p. 130.
52 MACHADO, 1994, p. 53. 55 REBOUÇAS, 1938, p. 313.
53 MELLO, 2002, p. 158. 56 SAES, 1985, p. 304.

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comportamento durante a viagem de Pedro II ao abolicionismo,62 radical desde o início. Como
exílio, conforme relato de um contemporâneo: acentua Moraes, “desde as primeiras manifesta-
“De toda a comitiva era Rebouças o mais exaltado ções, na tribuna popular, não admitiu Patrocínio
nas suas manifestações contra os homens e as coi- meios-termos no encarar a escravidão; não cogi-
sas de quinze de novembro”.57 Realmente, o vín- tou prazos, nem de indenização aos senhores”.63
culo que uniu Rebouças ao imperador e à sua famí- Ao recusar-se a limitar a campanha abolicio-
lia foi passional. Na viagem dela ao exílio, Rebouças nista ao parlamento, Patrocínio adotou posição
assim descreve o seu comportamento: “Em todas oposta à de Nabuco e Rebouças. Para ele, “a abo-
estas angústias o Imperador lembra Sócrates; sua fi- lição se fará no parlamento, ou na praça pública;
lha, a Redentora, excede a toda a imaginação em terá como laurel ou as claridades da paz, ou as la-
coragem e amor ao Brasil, não me permitindo ex- baredas vermelhas do combate”.64 Bateu duro na
pansão alguma contra os monstros de traição e in- monarquia, durante todo o abolicionismo, defi-
gratidão, autores de todos esses atentados”.58 nindo-a da seguinte maneira: “Desde D. Pedro II,
Em março de 1889, ele ainda via a si pró- de Portugal, o moedeiro falso, até Pedro I, do
prio, a Nabuco e a Patrocínio como membros de Brasil, a casa do bastardo João IV se desenha na
um trio de defensores da monarquia contra o “fa- História com a fisionomia de uma família de tra-
zendeirismo escravocrata republicanizante”.59 E, ficantes”.65 A monarquia, segundo ele, era nada
após a proclamação, anota: “Redijo para a Gazeta mais que “o penhor da escravidão”.66 E conclui:
de Portugal o artigo ‘A questão do Brasil’ – cunho “O Império vive da nossa vergonha moral, da
escravocrata do atentado contra a Família Impe- nossa miséria econômica, da nossa baixeza polí-
rial – que é entregue na redação pelo amigo Barão tica”.67 Feita a abolição, contudo, seu tom foi in-
da Estrela”.60 teiramente outro: “Que o Imperador não se de-
Negro e de origem humilde, Rebouças nun- tenha. Pelas maldições do escravismo já Sua Ma-
ca se sentiu à vontade na sociedade de sua época. jestade devia esperar. Em troca, porém, conte o
Ao comentar a mudança de Carlos Gomes para a soberano com as bênçãos das gerações futuras”.68
Europa, saúda-a e salienta que, se permanecesse José do Patrocínio foi republicano de pri-
no Brasil, “este teria de ser condenado a vegetar meira hora. Aderindo ao monarquismo, tornou-
nesta terra de Botocudos e Aimorés, sem genero- se admirador fanático da princesa Izabel, redigin-
sidade, nem nobreza, só capazes de calúnia e in- do para a Guarda Negra um juramento no qual se
veja”.61 Tal comentário demonstra o ressentimen- lia: “Juro defender o trono de Izabel, a redentora,
to de um indivíduo consciente de seu talento e, pelo sangue de minhas veias, pela felicidade de
igualmente, das barreiras que a discriminação lhe meus filhos, pela honra de minha mãe e a pureza
impõe. De alguém que se sente exilado, no que de minhas irmãs e, sobretudo, por esse Cristo,
considera ser uma terra de Botocudos e Aimorés. que tem séculos”.69 Proclamada a República, con-
III tudo, retornou às raízes e aderiu de imediato ao
Ernesto Sena refere-se a um episódio da in- novo regime.
fância de José do Patrocínio, no qual este fere na Ao tornar-se o mentor da Guarda Negra,
cabeça um velho escravo que demorara a abrir o pensou-a como uma força armada destinada a
portão de sua casa. Repreendido por seu compor- proteger a Monarquia e, eventualmente, espancar
tamento, Patrocínio deriva do arrependimento
provocado por esse episódio à sua conversão ao 62
63
SENA, 1983, p. 300.
MORAES, 1985, p. 290.
64 PATROCÍNIO, 1996, p. 49.
57 MONTEIRO, 1982, p. 45. 65 Ibid., p. 106.
58 REBOUÇAS, 1938, p. 351. 66 Ibid., p. 108.
59 Ibid., p. 331. 67 Ibid., p. 114.
60 Ibid., p. 351. 68 Ibid., p. 263.
61 Ibid., p. 191. 69 BESOUCHET, 1993, p. 535.

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seus adversários, como ocorreu numa conferên- voar a bordo de um dirigível por ele mesmo cons-
cia de Silva Jardim, dispersada com um saldo de truído, que jamais chegou a decolar e foi vendido
mortos e feridos.70 Mas sua posição mudou rapi- como ferro velho, após sua morte, e no qual nin-
damente: em 1888, ele a definiu como “um par- guém acreditou. A não ser, talvez, Olavo Bilac,
tido político tão legítimo como qualquer outro”; que chegou a escrever, numa crônica: “Tu paira-
já no ano seguinte, atacou-a e buscou cassar seus rás, na tua aeronave, sobre as nossas cabeças e so-
direitos políticos.71 bre a nossa indiferença: e, no dia do triunfo, ha-
Após a abolição, Patrocínio meramente so- verá na tua boca um riso bom de perdão e de es-
breviveu à fama. Foi esquecido como paladino da quecimento – o riso dos entes superiores que se
abolição e não conseguiu engajar-se numa nova não deixam ofender pela protérvia imbecil dos
causa que lhe pudesse restituir, aos olhos do pú- medíocres”.73 Patrocínio foi, afinal, o herói ade-
blico, pelo menos um pouco do brilho passado. quado a um momento histórico, tendo sobrevi-
Converteu-se rapidamente à República, apenas vido a ele apenas fisicamente.
para ser deportado para a Amazônia, por Floria- CONCLUSÃO
no Peixoto, num episódio que lhe arruinou a saú- Nabuco e Rebouças são representantes do
de, e para apoiar, por puro oportunismo – em que poderíamos chamar abolicionismo monar-
busca de apoio a seus projetos como jornalista – quista: uma defesa da abolição empreendida nos
todos os governos seguintes, chegando a chamar parâmetros definidos pela defesa da monarquia.
Prudente de Morais de santo varão.72 Patrocínio, por sua vez, aderiu à monarquia de-
Romântico em busca de causas romanescas pois da abolição. Defendeu um abolicionismo
num mundo cada vez mais prosaico, e herói conservador no âmbito político, mas radical na
transformado em jornalista arruinado disposto a esfera social, buscando a implantação de reformas
apoiar qualquer causa para sobreviver, Patrocínio que aprofundariam e consolidariam as mudanças
engajou-se, afinal, no mais fantasioso dos planos: dele advindas. Nesse sentido, fracassou redonda-
70
mente.
SCWHARCZ, 1995, p. 477.
71 GOMES, 1991, p. 79-88.
72 BROCA, 1960, p. 11. 73 BILAC, 1996, p. 91.

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Dados do autor
Mestre em sociologia e doutor em história pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor da Fundação Educacional Monsenhor
Messias (FEMM), Sete Lagoas/MG.

Recebimento: 30/nov./05
Aprovado: 16/fev./06

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